CULTURA, COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE NO DISCURSO EMPRESARIAL

May 26, 2017 | Autor: Eliane Davila | Categoria: Cultural Studies, Organizational Culture, Análisis del Discurso, Ethos
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CULTURA, COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE NO DISCURSO EMPRESARIAL
Eliane Davila dos Santos
Ernani Cesar de Freira

Palavras-chave: Comunicação. Cultura. Ethos discursivo. Identidade.
INTRODUÇÃO

O tema da pesquisa compreende um estudo sobre cultura, comunicação e identidade, manifestadas no discurso empresarial. Percebe-se que há valores e crenças manifestados por meio da linguagem, o que leva a um estudo mais profundo do discurso e a sua subsequente análise. Valoriza-se a interdisciplinaridade, evidenciando a importância dos constantes diálogos entre diferentes áreas acadêmicas, a fim de fornecer ao pesquisador e, consequentemente, ao leitor, possibilidades diversas de conexões. O estudo é, também, relevante devido ao interesse pessoal dos autores que trazem, em sua bagagem, o desejo de aprofundar suas análises sobre aspectos relativos ao ambiente organizacional, do qual fizeram parte em uma dada época de suas vidas profissionais. Inserida na área de concentração do curso de Mestrado em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, a presente pesquisa se agrega na linha de pesquisa Linguagem e Processos Comunicacionais e trata-se de um recorte de um estudo em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos discursivo como imagem de si, no âmbito empresarial. Esse percurso de acomodação teórica é de ímpar relevância, pois aproxima conceitos e dá subsídios para uma posterior integração teórica. A questão norteadora sugere que a cultura, a comunicação, a identidade podem ser mobilizadas em interface para a compreensão do discurso corporativo por meio da cenografia e do ethos discursivo. Este estudo permite reflexões para o entendimento dessa problemática, sendo seu objetivo identificar as articulações conceituais iniciais entre cultura, comunicação e identidade manifestados no discurso empresarial.
Quanto aos procedimentos metodológicos, utiliza-se a pesquisa de natureza básica, com abordagem qualitativa, e caráter exploratório. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que busca refletir sobre cultura, comunicação, identidade e discurso. O marco teórico compõe-se das contribuições de Geertz (2008), Schein (2009) e Martin (2014), Baldissera (2010), Bourdieu (2012), Chartier (1991, 2002), Hall (2006) e Maingueneau (2011, 2013). Os resultados iniciais direcionam à mobilização em interface dos conceitos de cultura, comunicação e identidade para a compreensão do discurso corporativo por meio da cenografia e do ethos discursivo.

O AMBIENTE CORPORATIVO: CULTURA E COMUNICAÇÃO

Definir o que é cultura, não é uma tarefa fácil. Cultura é um tema estudado multidisciplinarmente, sendo explorada em áreas como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração, entre outras. Clifford Geertz (2008) define, na antropologia, o conceito de cultura como um sistema simbólico, sendo característica fundamental e comum da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada, significados e sentidos a todas as coisas do mundo. Já no que diz respeito à cultura organizacional, uma das definições mais conhecidas é a de Schein (2009), que se baseia na ideia de a cultura ser um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu, ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna da empresa. À luz de Hall (2006), a cultura formada, ao longo do tempo, por processos, da sociedade, conscientes ou não. Segundo Hall (2006), a interdependência global está levando todas as identidades culturais fortes a um colapso, gerando fragmentação dos códigos culturais e multiplicidade de estilos que resultam no pluralismo cultural. Marchiori (2008) faz uma reflexão acerca do que reproduz e cria a cultura.
Martin (2014) defende que, para se estudar uma organização de forma mais completa, é preciso avaliá-la a partir de três diferentes prismas: a perspectiva da integração, a perspectiva da diferenciação e a perspectiva da fragmentação. A perspectiva da integração possibilita o consenso, que é a característica principal dessa visão. Fazem parte dessa ideia os procedimentos de tomada de decisão consensual, que consideram as opiniões de todos, na organização. A partir de tal perspectiva, os funcionários sabem quais são as expectativas em relação a seu trabalho. Na perspectiva da diferenciação, a ênfase se dá nos conflitos de interesse e remete à leitura do consenso como um mito. Martin (2014) define essa perspectiva como aquela que desnuda as manifestações culturais, às vezes, inconsistentes. O consenso ocorre somente dentro dos limites de subculturas, que frequentemente entram em conflito umas com as outras. As opiniões são compartilhadas por um grupo e não pela organização como um todo. A última perspectiva considera a organização como uma rede, um tecido de tramas que se insere infinitamente em algo que não ela mesma, em outras tramas diferenciais.
Ao lançar um olhar à temática da comunicação organizacional, recorre-se às questões das manifestações culturais e dos discursos que emergem nesse contexto para o entendimento da organização, conforme mencionado por Marchiori (2008). A temática situa-se na fronteira de diversos campos do conhecimento: linguística, fonética, semântica, teoria da comunicação, sociologia, etc. Para Marchiori (2008) a percepção da comunicação como um processo, garante maior abrangência e significado para a organização, onde se estimula o conhecimento das pessoas que se sentem desafiadas como seres humanos. Considera-se que a "[...] comunicação, entendida como processo de construção e disputa de sentidos, as organizações são permanentemente (re)construídas como complexos de significação, forças e subjetividade". (BALDISSERA, 2010, p. 210). Para esse autor, a comunicação é vista como um processo de construção e é articulada a partir da ideia de que é preciso, a cada interação entre os sujeitos, organizar ou reorganizar os signos. A comunicação, dessa forma, é um processo complexo. A relação comunicacional deve ser transparente e ter vínculos sólidos, para que a reputação da empresa, tanto interna quanto externamente, seja coerente com o posicionamento e o objetivo da organização.

IDENTIDADE E O ETHOS DISCURSIVO

Conforme Chartier (1991), as representações estão conectadas à ordem social do indivíduo e são construídas ao longo do tempo. Pode-se dizer que a representação é uma estratégia de classe, em que cada grupo elabora a realidade à sua maneira. Ainda segundo Chartier (1991), a representação é o resultado de uma prática. Para o autor, a representação não se separa da prática. Bourdieu (2012) e Chartier (2002) convergem quando apontam que as representações estão localizadas no tempo e são elaboradas pelos indivíduos e seus grupos. Esses grupos, de alguma forma, são capazes de forjar uma realidade social que pode ser construída para obedecer ou para dominar. A representação é, de certa maneira, a forma como se interpreta o mundo. A ideia de partilhar a cultura permite encontrar na linguagem um meio para dar sentido, ou seja, dar significação às coisas. Woodward (2000) e Hall (2006) convergem na argumentação de que as identidades estão entrando em colapso, porque um tipo diferente de mudança estrutural tem transformado as sociedades desde o final do século passado. As identidades tornaram-se um problema social e, por isso, têm sido estudadas tão intensamente.
O estudo de questões sobre a identidade organizacional trata da "[...] essência da organização; o que faz a organização se distinguir de outras e o que é percebido como estável ao longo do tempo, ou seja, o que faz a ligação entre o presente e o passado e provavelmente o futuro". (ALMEIDA, 2008, p. 34). A ligação e a interdependência entre a cultura e a identidade ficam evidentes, pois um necessita do outro como origem de significados.
Almeida (2008) esclarece que a identidade interfere na imagem e na reputação e, por fim, a imagem e a reputação influenciam a produção e a mantença da identidade. É um "processo contínuo e cíclico, em que a organização deve buscar um alinhamento entre as percepções internas e externas, de forma a consolidar uma reputação sustentada ao longo dos anos". (ALMEIDA, 2008, p. 37).
O modo de enunciação, conforme Maingueneau (2011), está ancorado na dêixis enunciativa, que é entendida como uma espécie de localização de pessoas, objetos, processos, eventos e atividades que criam uma relação espaço-temporal que implica um ato de enunciação. Para melhor entendimento, esclarece-se que a cena de enunciação é composta por três cenas, chamadas de cena englobante, genérica e cenografia. A cena englobante atribui ao discurso um estatuto pragmático. A cena genérica é a do contrato associado a um gênero, como editorial, o sermão, o guia turístico, a consulta médica, etc., à luz de Maingueneau (2013). A compreensão de que a cena englobante corresponde ao tipo de discurso, auxilia na interpretação deste texto, assim como fornece informações sobre em função de qual objetivo ele foi organizado. A cenografia é "[...] um processo de enlaçamento paradoxal [...] ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la [...]". (MAINGUENEAU, 2013, p. 98, grifo do autor). O enunciador se esforça para que acreditem na representação que faz de si e, para tanto, ele constrói uma imagem de si, conforme Maingueneau (2013). A construção de uma imagem de si, no discurso, prevê a presença do outro, mesmo que implícita, segundo Maingueneau (2011). Dessa forma, é possível afirmar que as estratégias discursivas, bem como as particularidades da cena de enunciação, contribuem para que o outro acredite na construção da imagem de si. Conforme Maingueneau (2011, p. 17), "o ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma imagem do locutor exterior a sua fala; o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro; o ethos é fundamentalmente híbrido [...]". O enunciador aciona os estereótipos, valores, princípios, um imaginário que pode ser coletivo ou social, elevando o percentual de possibilidade de aderência do enunciatário. Pode-se considerar, a partir disso, que esses valores, princípios e o imaginário estão relacionados à cultura organizacional, pois "a construção discursiva de uma imagem de si é suscetível de conferir ao orador sua autoridade, isto é, o poder de influir nas opiniões e modelar atitudes." (AMOSSY, 2008, p. 142).

RUMOS METODOLÓGICOS

Quanto aos procedimentos metodológicos, conforme Prodanov e Freitas (2013), adotou-se pesquisa de natureza de natureza básica, buscando clareza acerca das associações possíveis sobre os conceitos de cultura, comunicação e identidade no discurso organizacional. O estudo é de caráter exploratório, bibliográfico e coloca em interfase os aportes de Geertz (2008), Schein (2009) e Martin (2014) para a cultura. Baldissera (2010) contribui com que é relativo à comunicação. Quanto às representações identitárias, usa-se conceitos de Bourdieu (2012), Chartier (1991, 2002) e Woodward (2000). Hall (2006) elucida o que diz respeito à identidade e o discurso é postulado por Maingueneau (2011, 2013).

MOBILIZAÇÕES DOS CONCEITOS EM INTERFACE

A cultura, a comunicação, a identidade manifestadas no discurso levam ao entendimento do ethos discursivo como imagem de si, conforme proposto por Maingueneau (2011, 2013). A identidade organizacional é a essência da empresa e é o que faz com que se diferencie de outras organizações. É o que é percebido como estável ao longo do tempo. Cultura e identidade são conceitos independentes, porém, um precisa do outro como fonte de significados. A cultura colabora com a construção da identidade. Compreender a identidade é uma maneira de construir sentido sobre o que constitui a cultura das organizações. Construir sentido sobre a cultura das organizações permite, por sua vez, a criação de reputação, de imagem positiva e possibilita um processo de comunicação entre as organizações e seus públicos, segundo Marchiori (2008). A comunicação vista como um processo de disputa de sentido, segundo Baldissera (2010), permite vislumbrar a importância das pessoas no processo. As pessoas produzem os discursos e os diálogos, nas organizações. A compreensão das manifestações da cultura, nas organizações, a partir das representações identitárias, revela as cenografias que levam à construção do ethos discursivo como imagem de si, expressos pelos discursos das mesmas, conforme sugerido por Maingueneau (2011, 2013).
Por se tratar de um estudo exploratório, acredita-se que as mobilizações realizadas em interface sirvam como paradigmas relevantes para a compreensão da cenografia e do ethos discursivo corporativo. Diante do percurso metodológico percorrido, foi elaborado um dispositivo epistemológico, detalhado na Figura 1, que pode nortear a pesquisa em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos discursivo como imagem de si no âmbito empresarial.
Figura 1 - Dispositivo de análise do discurso

Fonte: Elaborado pelos autores
A partir da construção do ethos, verifica-se a imagem que a organização faz dela mesma, promovendo a identificação da identidade corporativa e de suas representações. Assim, a cenografia e o ethos discursivo são constituídos pelos modos de dizer e de se revelar no discurso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as reflexões iniciais sobre os temas propostos, admite-se que os conceitos abordados possuem elementos em comum. O objetivo do trabalho consistiu em identificar as articulações iniciais de conceitos relacionados à cultura, à comunicação e à identidade, manifestadas no discurso organizacional. A cultura está inserida no contexto organizacional e, dessa forma, ela se integra à comunicação que resulta em manifestações culturais. Essas manifestações culturais expressam o discurso da organização, por meio das cenografias que constroem o ethos discursivo organizacional.
O estudo foi de grande valia para a melhor compreensão de que a comunicação organizacional é a alma da empresa e de que as pessoas são essenciais nesse processo, uma vez que todos são seres produtores de discursos e diálogos na organização. Entendeu-se que as limitações do estudo estariam na necessidade de aprofundamento dos assuntos escolhidos, visando fomentar articulações mais detalhadas sobre o que foi abordado. Acredita-se que é relevante promover estudos sobre a compreensão da cultura organizacional, tendo como base a análise do discurso e discutindo sobre o processo de comunicação que há nas organizações.
Em suma, com a premissa de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de si contempla as diversas maneiras com que cada empresa investe para dizer o que deseja dizer, com o objetivo de construir sua própria identidade e, por conseguinte, sua reputação organizacional.
REFERÊNCIAS
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Doutoranda em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; E-mail:[email protected].
Pós-Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/LAEL); professor permanente do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; Email: [email protected].

A disputa de forças são ideias originárias de Foucault (1996).



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