Cultura de massa, arte e política enquanto problema no romance Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos de Rubem Fonseca

July 3, 2017 | Autor: Abraão Carvalho | Categoria: Critical Discourse Analysis, Rubem Fonseca, Arte E Política
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Cultura de massa, arte e política enquanto problema no romance Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos de Rubem Fonseca Abraão Carvalho abraaocarvalho.com RESUMO

O breve artigo trata do tema da arte, e sua relação com sua própria condição de possibilidade enquanto mercadoria, e sobretudo, da relação entre arte e política. Partimos dos diálogos entre o personagem narrador cineasta com o velho Gurian, um professor de literatura perseguido tanto pelos soviéticos do regime estalinista e mais tarde pelos nazistas e que na trama do romance Vastas emoções e pensamentos imperfeitos do escritor Rubem Fonseca, veio parar no Brasil. Nestes diálogos procuramos interpretar a posição de Rubem Fonseca em relação aos destinos sombrios da cultura de massa sobretudo a TV, e particularmente, a crítica de Fonseca em relação à arte como serva da política. Demarcando a perspectiva de Rubem Fonseca a partir da posição de que a arte não deve ser instrumento propagandista dos regimes políticos, culminando na posição, citada pelo narrador do romance, do escritor russo Isaac Bábel: “Alguns farão a Revolução, e daí? Eu, eu farei as coisas marginais, aquilo que vai mais fundo”. Demarcando deste modo a autonomia da arte em relação à política. Palavras-chave: Rubem Fonseca, Arte e Política, Crítica Literária

“A televisão e a música pop tinham corrompido o vocabulário dos cidadãos, das prostitutas principalmente” Rubem Fonseca

Um dos temas que se inscrevem no romance Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, de Rubem Fonseca, trata-se da relação entre grupos 1

econômicos envolvidos com a promoção e edição de bens culturais, bem como a atuação de forças políticas tais como o Estado, e a circulação da obra de arte em uma sociedade em que a mediação por excelência das relações sociais não ultrapassa a esfera da mercadoria. No livro de Rubem Fonseca, não só o destino da cultura de massa ganha uma perspectiva pessimista em relação à realização do homem através da cultura, não sem um tom de ironia, mas também, encontramos em seu romance uma problematização acerca da relação entre arte e mercadoria, bem como entre arte e política. Grande parte desses temas se inscrevem nos diálogos entre o narrador e o velho Gurian 1. Se no conto de Poe o velho é aquele que “não se deixa ler”, no romance de Rubem Fonseca, o velho mostrase como aquele que de certa forma é um dos únicos personagens que aparecem sem que se tenha a mediação da mercadoria ou dissimulação situando o modo próprio do relacionar-se com o outro, que no conto de Poe não vai além de indícios e conjecturas. Acerca do que é vinculado na TV nos afirma o narrador, não sem um tom pessimista e irônico: “Não gosto de televisão. Admito que talvez a televisão seja o meu futuro e o de todos os cineastas, lamentavelmente. Cenário sombrio: a televisão, depois de assegurar sua posição de principal veículo de lazer e informação, torna-se o único meio de comunicação de massa, mantido por cretinos e/ ou aproveitadores sinistros, que produzem uma gratificação espúria e emocionalmente deletéria para um público passivo e apático, facilmente manipulável por demagogos: todas as pessoas, de todas as classes sociais (os ricos usando telas imensas, do tamanho das telas dos antigos cinemas, que não existem mais, viraram farmácias, agências de bancos) vêem televisão a maior parte do tempo, uma média de doze horas por dia 1

“Boris Gurian, um velho sábio judeu. Gurian nascera na Rússia e a família emigrara para a Áustria, fugindo dos comunistas, quando ele ainda era um menino. Vinte anos depois, ele era professor de literatura Russa da Universidade de Viena e tivera que fugir mais uma vez, agora dos nazistas. Foi para a Holanda, da Holanda para a França, os nazistas nos calcanhares dele. Afinal veio parar no Brasil, acompanhado da irmã Sara.” (p. 40); VEPI, Rubem Fonseca.

2

– muitos deixam a televisão ligada até para dormir.”2

Como lemos, o cenário traçado pelo narrador não é nada otimista, embora não esteja de todo efetivado o seu quadro acerca dos cinemas, pois ainda existem na cidade contemporânea. Não sem propósito, no conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, Augusto, em diálogo com um certo velho que encontra na rua, é tomado de súbito espanto ao saber que na rua da Carioca o cinema que ali existira cedeu lugar para uma sapataria – “O cinema virou uma sapataria?”3. Embora tenha a dimensão de que os “empresários da cultura de massa só pensam em lucro” 4, o cineasta, em suas reflexões, inscreve uma problematização acerca da possibilidade do artista não pensar em retorno financeiro com a difusão de sua obra, uma vez que é a mercadoria que abriga o privilégio de mediar muitas de nossas relações sociais e culturais, e sobretudo, por ser o dinheiro algo inseparável da viabilização da vida prática. Nesta perspectiva, situa o narrador a sua problematização: “E quem é que não pensa em lucro? Qual o artista, pensador, cientista que não pensa em alguma forma de lucro ao exercer sua atividade? A produção de bens culturais, modernamente, por ter deixado

de

ser

uma

atividade

condenada

à

catarse

ou

ao

diletantismo, não se tornou uma coisa desprezível. O artista é um profissional como qualquer outro.5”

De todo, em que pese a movimentação financeira no que se refere à difusão da cultura de massa, bem como seus interesses político-ideológicos, Rubem Fonseca situa sua problematização em relação a este tema de modo a encaminhar uma perspectiva que tenha em seu horizonte situar não só a obra de arte também na condição de mercadoria que é, como também situar o artista como partícipe do mundo do trabalho. 2

RF, VEPI, p. 21.

3

RF, A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, p. 619.

4

RF, VEPI, p. 21.

5

Idem

3

No entanto, cabe ressaltar, que a perspectiva do cineasta do livro de Rubem Fonseca em relação à forma e apropriação da cultura de massa, está situada no pensamento como delírio, devaneio ou sonho – não sem propósito encontramos em Vastas emoções e pensamentos imperfeitos: “...a televisão,..., torna-se o único meio de comunicação de massa”; os cinemas “não existem mais”; etc. Dito de outro modo: quando encontramos em Rubem Fonseca uma crítica radical aos rumos da cultura de massa, isso não aparece em seu romance de outra maneira senão como delírio, devaneio, sonho, radicalização do pensar, que apesar de incongruente à realidade empírica, de certo modo, remete-se a uma situação histórica pela qual atravessa nosso raio histórico. Vejamos esta passagem em que o pensamento aparece como devaneio, delírio, sonho: “Acabei dormindo. Foi assim o sonho: Uma mulher vê televisão sem parar durante quase meio século, filmes dublados, telejornais, novelas, publicidade, entrevistas com idiotas, tudo enfiado no seu crânio. Centenas de vezes muda de vestido, de cara e de voz, de maneira de falar, de sabão em pó, de desodorante, de cigarro, de margarina. Diz: ‘Já não corro nos intervalos para fazer pipocas ou fuçar a geladeira’. Agora nem se levanta mais. Estende a mão, apanha uísque ordinário, o gelo na caixa de isopor. Suaves são as cores da indiferença: ninguém mais manda nela.” 6

De certo que no mundo contemporâneo, a arte, através da cultura de massa em conluio com certo modo de se fazer política, tem sido limitada, ou até mesmo cerceada quando o assunto é criação. É justamente a partir deste tema que os diálogos entre o cineasta e o velho Gurian caminham. Acerca da posição de Bábel em relação à política soviética, quando da oportunidade do “Congresso dos Escritores, em 1934, três anos antes de ser preso”, afirma Gurian: “Na verdade, Bábel, ‘o grande mestre do silêncio’, queria reivindicar o direito do escritor de não escrever, o que era considerado uma heresia pelas organizações soviéticas de escritores. Ou melhor, ele preferia não escrever, se não tivesse liberdade plena para isso.” 7 Esta posição se inscreve na direção 6

Idem, p. 57

7

Idem, p. 49.

4

contrária do militar Budeni, contemporâneo de Bábel: “Budeni acreditava que o papel do escritor devia ser o de propagandista.” 8, afirma o cineasta em certa ocasião. O que de certo modo o romance de Rubem Fonseca procura situar tratase da relação entre arte e política, que se inscreve na reflexão acerca da posição de Bábel e sua relação com o regime soviético que reivindicava a alcunha de revolucionário. Os contos de Bábel na Rússia, como o atesta o velho Gurian, não tiveram uma recepção muito agradável por parte de militares como Budeni, que segundo Gurian, “afirmara considerar injurioso o retrato que Bábel fizera de ‘seus homens.’”9 Formulações de Bábel como a que encontra-se em uma certa carta em que afirma: “Alguns farão a Revolução, e daí? Eu, eu farei as coisas marginais, aquilo que vai mais fundo” 10, causaram uma série de debates, problemas e controvérsias no meio russo, como a atesta o velho Gurian em diálogo com o cineasta. Nesta direção, afirma o velho Gurian: “É um erro catastrófico supor que, para consolidar uma revolução, é preciso tirar a liberdade dos artistas. Os soviéticos cometeram este erro e pagaram caro, muito caro, por isso.”11 Também a situação do narrador remete-se, de certo modo, a esta maneira de trato com a criação, na medida em que Plessner tem o interesse de orientar mais que o próprio cineasta, o conteúdo da filme acerca da Cavalaria Vermelha de Bábel. “Quero fazer um filme anti-stalinista que possa ser exibido na União Soviética...”12, afirma Plessner. Subitamente responde o narrador: “Minha idéia é fazer um filme que capte com perfeição todo o drama da Cavalaria Vermelha. Não estou preocupado com Stalin, nem com a política interna da União Soviética.”13 8

Idem, p. 58.

9

Idem, p. 67.

10

Idem.

11

Idem, p. 68.

12

Idem, p. 110.

13

Idem.

5

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