CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO NO SERVIÇO DE GARÇONS

May 26, 2017 | Autor: M. Lemes Landeiro | Categoria: Organização Do Trabalho, Sociologia do Trabalho, Bares, Restaurantes, Garçons, Tipologías
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO NO SERVIÇO DE GARÇONS

MARINA LEMES LANDEIRO

Goiânia 2012

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data. 1. Identificação do material bibliográfico: 2. Identificação da Tese ou Dissertação Autor (a): Marina Lemes Landeiro E-mail: [email protected] Seu e-mail pode ser disponibilizado na página?

[x ] Dissertação

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Vínculo empregatício do autor Agência de fomento: Capes Sigla: Capes País: Brasil UF: GO CNPJ: Título: Cultura do trabalho e interação no serviço de garçons Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho em serviços; bares restaurantes; garçons Título em outra língua: Culture of work and interaction in service waiter Palavras-chave em outra língua: Culture of work; interaction services; methodological typology; service work; bar restaurants. waiters Área de concentração: Sociologia Data defesa: (dd/mm/aaaa) 29/08/2012 Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Sociologia Orientador (a): Jordão Horta Nunes E-mail: [email protected] Co-orientador (a):* E-mail: *Necessita do CPF quando não constar no SisPG

3. Informações de acesso ao documento: Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM

[

] NÃO1

Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertação. O sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertações, antes de sua disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do Acrobat. ________________________________________ Assinatura do (a) autor (a) 1

Data: 20/11/2012

Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo.

MARINA LEMES LANDEIRO

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO NO SERVIÇO DE GARÇONS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em sociologia. Orientador: Jordão Horta Nunes

Goiânia 2012 i

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) GPT/BC/UFG

L254c

Landeiro, Marina Lemes. Cultura do trabalho e interação social no serviço de garçons [manuscrito] / Marina Lemes Landeiro. – 2012. xi, 143 f. : il., tabs. Orientador: Prof. Dr. Jordão Horta Nunes. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais, 2012. Bibliografia. Inclui lista de tabelas. Anexos. 1. Garçom – Interação social. 2. Cultura do trabalho. I. Título. CDU:642.6:3

MARINA LEMES LANDEIRO

CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO NO SERVIÇO DE GARÇONS

Dissertação defendida e aprovada em vinte e nove de agosto de 2012, pela banca examinadora constituída pelos professores:

______________________________________________________ Jordão Horta Nunes (Orientador) – Universidade Federal de Goiás

______________________________________________________ Revalino Antônio de Freitas – Universidade Federal de Goiás

______________________________________________________ Thomas Patrick Dwyer – Universidade Estadual de Campinas

Goiânia 2012 ii

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Jordão Horta Nunes por me assistir em todo o processo de aprendizagem, que inclui duas orientações de iniciação científica e o mestrado. Também quero agradecer a todo apoio oferecido durante esta jornada e, sobretudo, agradeço pelo empenho para desempenhar o seu trabalho, o que tem consequências fundamentais em nossas trajetórias. Agradeço aos professores Revalino de Freitas e Cleito dos Santos por colaborar com o desenvolvimento deste trabalho a partir de observações e sugestões feitas na defesa de qualificação e também em outros momentos, como as reuniões do Nest e apresentações de trabalho. Ao professor Thomas Dwyer sou grata pelo estímulo e orientação em uma importante fase da consolidação deste trabalho: a finalização do projeto e a formulação do desenho de pesquisa. Aos meus amigos Lúbia Dutra e Marcos Reis por me acompanhar, confortar e incentivar durante o período do mestrado e pelas conversas e conselhos dados em momentos imprescindíveis. E também ao meu amigo Juciano Rodrigues, agradeço pela companhia e diversas dicas e diálogos sobre a temática. Algumas pessoas foram fundamentais para pesquisa. Devo mencionar os companheiros de trabalho de campo que em diversos momentos me acompanharam e colaboraram com a atividade, afinal uma mulher jovem e sozinha em bares ainda causa certa estranheza. Seguindo ordem cronológica e considerando os mais frequentes agradeço a: Marcello Garbelim; Lucas Machado, Lúbia Dutra e ao Caio Stuart. Agradeço também ao Marcelo Batalha pela ajuda e companhia no período em que estive em campo em Campinas. Ao Caio Stuart quero agradecer por estar ao meu lado e por me fazer feliz. Também devo agradecer aos diversos colaboradores desta pesquisa, a maior partes deles não é possível nomear, afinal foram muitos os informantes, colegas e entrevistados. Agradeço também aos tantos clientes e consumidores que se dispuseram a dialogar comigo. Ao Bruno Ribeiro, jornalista de

iii

Campinas, pela entrevista concedida. Sou grata ao professor Antônio Edmilson Rodrigues (PUC – Rio de Janeiro) pela esclarecedora conversa que tivemos no I Seminário Internacional do Bar Tradicional. E de modo geral, agradeço a todos os membros dos estabelecimentos que pesquisei: garçons, cumins, gerentes, maîtres, proprietários, balconistas, funcionários da limpeza, do bar, da copa, da cozinha, seguranças, caixas, dentre outros. Muito obrigada por me receberem. Para finalizar agradeço a Capes pela bolsa de estudos concedida e por possibilitar através do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras (Procad – NF), o proveitoso intercâmbio acadêmico com a Unicamp.

iv

EPÍGRAFE

“Saber administrar a relação do presente com o passado, a tradição e a mudança, é uma tarefa que cabe tanto à nossa geração, quanto às precedentes. Executá-la de forma razoável e equilibrada é, em primeiro lugar, uma marca de inteligência”.

História da alimentação – J. L.Flandrin e M. Montanari

“My interest in those happy gathering places that a community may contain, those “homes away from home” where unrelated people relate, is almost as old as I am”.

The great good place, Ray Ondenburg v

RESUMO

O aumento das atividades de serviços é uma importante mudança no mundo do trabalho. Esta modificação atinge especialmente indivíduos com pouca qualificação e baixa escolaridade. Os afetados tendem a ocupar cargos em serviços pessoais, em outros termos, são aqueles que atendem a demanda individual, como a ocupação de garçom. As relações estabelecidas em serviços pessoais suscitam identidades ocupacionais e identidades sociais específicas que necessitam análises. O objeto de pesquisa da dissertação é o trabalho de garçons, contudo privilegia o triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” nas situações de trabalho. O objetivo da pesquisa é analisar sociologicamente o serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras: Campinas – SP e Goiânia – GO. O suporte teórico utilizado é da sociologia do trabalho em serviços. A análise articula: a) cultura do trabalho e; b) interações entre garçons e clientes/consumidores em estabelecimentos específicos. A metodologia privilegia a abordagem qualitativa e a triangulação de dados. Observações e entrevistas foram realizadas. O critério de escolha dos bares restaurantes parte da construção inicial de tipos ideais, que opõem inicialmente estabelecimentos “tradicionais” e “modernos”. Duas tipificações descritivas foram elaboradas ao longo da pesquisa de campo. As tipificações descritivas compõem a caracterização dos estabelecimentos. Uma referente à cultura do trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons clientes e consumidores (informais ou formais). A partir do serviço de garçom a pesquisa evidencia mudanças quanto: as formas de direção e aos modos de interação que correspondem à vida em uma sociedade do consumo. Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho em serviços; bares restaurantes; garçons.

vi

ABSTRACT

The increase of service activities is an important change in the labour world. This change affects particularly people with low qualification and education. Those affected tend to occupy jobs in personal services, in other words, are whose that attend individual demand, as in waiter occupations. The relations in personal services raise occupational identities and social identities that require specific analysis.The dissertation´s research object is the waiter´s work, but favors the power triangle "manager / worker / consumer" in work situations. The aim is to analyze sociologically the service of waiters in bars restaurants bars at two Brazilian cities: Campinas - SP and Goiânia - GO. The theoretical support comes from the sociology of service work. The analysis articulates: a) culture of work and b) interactions between waiters and customers / consumers in individual establishments. The methodology centers on the qualitative approach and data triangulation. Systematic Observations and interviews were employed. The requirements for selection of bar restaurants departs from the former construction of ideal types, which initially opposed the "traditional" and "modern" establishments. Two descriptive typifications were developed based on field research. Descriptive typifications compose a characterization of the establishments. One refers to work culture (family or business), the other mentions the interactions between waiters, clients and consumers (formal or informal). From the waiter service the investigation shows changes in direction ways and interaction modes that correspond to life in a consumer society. Keywords: Culture of work; interaction services; methodological typology, service work, bar restaurants, waiters.

vii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS REGIÕES METROPOLITANAS.....................................................................p.14

QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS.......................................................................p.44

QUADRO

3



TIPOLOGIA

PARA

A

CULTURA

DO

TRABALHO.....................................................................................................p.49 QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO..................................................p.61

QUADRO

5



TIPOLOGIA

DE

FRENKEL

et.

al.

(1999)..............................................................................................................p.87 QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS CLIENTES E CONSUMIDORES....................................................................p.89 QUADRO 7 – CARACTERIZAÇÃO DOS BARES RESTAURANTES SEGUNDO AS TIPOLOGIASELABORADAS....................................................................p.90

viii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços..................p.01 Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes....p.03 Procedimentos metodológicos.............................................................p.07 Estrutura da dissertação......................................................................p.11 Empiria nas duas cidades....................................................................p.12 Campinas e Goiânia.............................................................................p.13 1

SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS 1.1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista...................................p.20 1.2 Sociologia do trabalho em serviços................................................p.31

2

CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES

RESTAURANTES 2.1Os bares restaurantes como locais de análise...............................p.38 2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos...........p.41 2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial....................................p.44 2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho.......................................p.51 2.4.1 Bares restaurantes de Campinas................................................p.51 2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia....................................................p.56 2.4.3

Cultura

do

trabalho:

o

serviço

de

garçons

em

bares

restaurantes....................................................................................................p.61 2.5 Considerações finais......................................................................p.81 3

INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS 3.1 Os terceiros lugares.......................................................................p.82 3.2 Interações em serviços formais e informais...................................p.86

ix

3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise dramatúrgica.................................................................................................p. 90 3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes..............p. 95

4

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................p.123

5

REFERÊNCIAS..................................................................................p.127

6

ANEXOS ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa

no estabelecimento ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de pesquisa ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários de estabelecimentos ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e Vadico)

x

INTRODUÇÃO

Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços

A terciarização constitui uma importante mudança no mundo do trabalho. Trata-se de um processo gradual que convergiu para o aumento das atividades de serviços (ALMEIDA, 2004). Os avanços tecnológicos da terceira revolução industrial e o desenvolvimento econômico propiciaram o descarte de boa parte da mão de obra do meio agropecuário e industrial e que, devido à ampliação da produção e demandas, em parte foi acolhida pelo setor de serviços (MORAIS, 2006). Pochmann (2006) também pondera o aumento da média da expectativa de vida como outro aspecto que contribui para a concentração de trabalho em serviços. Entretanto as mudanças no mercado de trabalho são abrangentes e não atingem a todos de modo equivalente. Além da perda da importância relativa do setor agropecuário e industrial no mercado de trabalho duas direções caracterizam o trabalho no setor. Uma delas é articulada a serviços modernos, de alta tecnologia e que exige profissionais qualificados; outra, em contraposição, emerge como uma perspectiva de sobrevivência e requer pouca qualificação. Distintos posicionamentos e orientações sobre a sociedade de serviços surgem. Alguns autores têm visões otimistas, outros a analisam criticamente. Há também aqueles que examinam diferentes aspectos e ponderam pontos positivos e negativos da mesma. Fato é que a heterogeneidade caracteriza o setor de serviços. Apesar de o setor absorver força de trabalho excedente e excluída do mercado nota-se que os menos favorecidos socialmente, aqueles com baixa escolaridade e pouca qualificação, são os mais atingidos com as mudanças no mercado de trabalho. Seja em segmentos tradicionais, ou a partir do processo de terciarização de algumas atividades ou pelo crescimento do setor informal (Cf. MELO, 1998 e MORAIS, 2006), cada trabalhador, segundo seu feitio, se insere socioeconomicamente no tecido social. Muitos deles ficam à margem dos benefícios e seguridades sociais proporcionados pela formalidade. Entretanto, sob tais circunstâncias encontram abrigo contra o desemprego e alternativas de sobrevivência.

1

Os

trabalhadores

de

baixa

qualificação

exercem

atividades

desprivilegiadas e que praticamente não logram reconhecimento social. Compreendem esses serviços àqueles relacionados, principalmente, aos serviços pessoais, ou seja, aqueles que atendem a demanda individual 1: manutenção e reparação, limpeza e conservação, serviços de alimentação, serviços domésticos, serviços de beleza, dentre outros. Além disso, eles devem se adequar às mutáveis formas de organização do trabalho e de contratação nesses setores, como o emprego em tempo parcial, o trabalho temporário, o emprego terceirizado etc. Somado a isso, no dia a dia de serviço têm de conviver com diversas disparidades sociais (tecnológicas, econômicas, culturais). Contudo, mesmo com a expressividade econômica e as distinções ocupacionais e identitárias que caracterizam o trabalho em serviços, estudos científicos sobre o setor são recentes e escassos na literatura. A sociologia do trabalho privilegiou por muito tempo o setor produtivo e os estudos sobre acerca da organização do trabalho. As pesquisas feitas sobre o setor de serviços são realizadas, sobretudo na área da economia, na tentativa de definilo, quantificá-lo ou mapeá-lo. A área da administração também contribui para a compreensão do setor, especialmente porque preconiza o atendimento ao cliente, faceta eminente às prestações de serviços. Por sua vez, a literatura estrangeira, inclusive sociológica, aponta para outra direção, o setor de serviços atualmente é mais estudado que o setor produtivo. E as abordagens de análise são distintas da sociologia do trabalho clássica, esta mais influenciada pelo marxismo prioriza o aspecto da produção, pois atendem às especificidades do mundo dos serviços, que transcendem os condicionamentos do setor produtivo. As consequências sociais da sociedade de serviços requerem outras análises, especialmente quando se considera as relações sociais de serviços

1

A classificação das atividades de serviços é orientada pela demanda de serviços, ela foi elaborada por Browning e Singelmann - 1978, e mais tarde aprimorada por Elfring - 1988. Quatro tipos de serviços são qualificados: serviços produtivos atendem a demanda das empresas durante o processo produtivo (serviços bancários, jurídicos, comunicação); serviços distributivos atendem a demanda das empresas após o processo produtivo finalizado (transporte, armazenagem, comércio); serviços sociais atendem a demanda coletiva (educação, saúde, lazer); e serviços pessoais (alimentação, hotelaria, domésticos), (Cf. MELO, 1998).

2

numa sociedade de consumo. No que se refere ao trabalho em serviços, por exemplo, presume-se certa cultura do trabalho que implica em identidades ocupacionais/profissionais específicas, bem como práticas de consumo relacionadas com importantes nuanças no que se refere à relação: entre trabalhador de serviços e gestores de empresas prestadoras de serviços e entre trabalhador de serviços e consumidores. Na modernidade, valorização social e condições sociais estão atreladas; a incompatibilização entre esses fatores pode acarretar problemas individuais, na esfera do reconhecimento na acepção de Honneth, referente à comunidade de valores e à solidariedade, ou seja, às capacidades individuais avaliadas intersubjetivamente (HONNETH, 2003). Nunes (2011) destaca distintas formas de reconhecimento da sociedade do trabalho para a sociedade do consumo, se antes o trabalhador era reconhecido pelo trabalho, agora aspectos do reconhecimento “Correspondem a relações de crédito, serviços pessoais, aquisição ou locação de bens e, sobretudo, aos serviços mais diversos (médico-odontológicos, de turismo, educacionais, desportivos, artísticos, sexuais etc.)” (p.16).

Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes

A pesquisa que originou esta dissertação foi precedida por duas investigações na área de serviços, em nível de iniciação científica, no período de agosto de 2007 até julho de 2009. A primeira teve como objeto a atividade de mototáxis em Goiânia focando nas identidades sociais dos trabalhadores. Depois foi desenvolvida uma pesquisa sobre o trabalho de garçons, com caráter mais exploratório, motivando o tema que foi proposto no projeto de mestrado. O trabalho de garçons2 foi privilegiado por alguns motivos. A atividade que presume interação face a face com os clientes corre risco de

2

Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) os trabalhadores na família ocupacional de garçons “atendem os clientes, recepcionando-os e servindo refeições e bebidas em restaurantes, bares, clubes, cantinas, hotéis, eventos e hospitais; montam e desmontam praças, carrinhos, mesas, balcões e bares; organizam, conferem e controlam materiais de trabalho, bebidas e alimentos, listas de espera, a limpeza e higiene e a segurança do local de trabalho; preparam alimentos e bebidas, realizando também serviços de vinhos”.

3

desvalorização e de perda identitária ocupacional. Em termos conjunturais, pode-se dizer que muitas vezes os serviços de alimentação são efetivados através do autoatendimento, descartando não só o trabalhador de serviços, mas também a necessidade do serviço prestado. O autosserviço é consumado quando o consumidor produz o serviço desejado, ele presta o serviço para si mesmo (Cf. TÉBOUL, 1999). Outra diferença identificada é quando a prestação é servida e quando a prestação é vendida, como no caso dos fast foods, selfservice ou drive thru. Em alguns estabelecimentos também acontece de os garçons serem substituídos por modelos e hostesses3. Além de estes serviços adotarem princípios racionais na realização do trabalho, como a divisão do trabalho, a automação e a informatização também já estão presentes nos mesmos. O sociólogo inglês, Ritzer (1995) escreve sobre este tema e cunha o conceito de McDonaldização, “processo pelo qual os princípios dos restaurantes de comida rápida estão vigorando e invadindo um número crescente de setores da sociedade americana assim como do resto do mundo”4 (RITZER, 1995, p. 20). Fischler utiliza o conceito de McDonaldização cunhado por Ritzer. Segundo ele a desestruturação dos hábitos alimentares colabora com o processo de McDonaldização, a seguir o autor corrobora com o ponto de vista apresentado por Ritzer:

Industrialização racionalização, funcionalização crescentes: desde o final do século XIX essa tripla dimensão aparece, sem qualquer dúvida, de maneira ofuscante nas modificações que perturbaram nossa alimentação. Da produção ao consumo, passando pelo abastecimento, sua realidade é incontestável (1998, p. 845).

No que se trata do controle dos trabalhadores em estabelecimentos de alimentação normalmente há funcionários específicos para supervisionar o serviço prestado por garçons. Os maîtres têm essa função; basicamente eles assumem posição de chefia e são responsáveis por planejar a rotina de trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo 3

O colunista da Folha de São Paulo, André Barcinski, expressa essa situação “Perdi a conta de quantas vezes fui atendido em algum restaurante por um (a) modelo que passou mais tempo fazendo o cabelo que decorando o cardápio. Daí você faz qualquer pergunta que está fora do roteiro e eles se descabelam e correm para perguntar ao maître” (BARCINSKI, 2011). 4 A tradução foi feita pela autora do espanhol para o português.

4

de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por: recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e organizar a lista de espera. Somado a isso, por vezes, os serviços de alimentação são realizados em não lugares (Cf. AUGÉ, 1994; BAUMAN, 2001), locais preenchidos por estranhos, onde não há incentivos para haver trocas identitárias, são pontos de passagem: como hotéis, shopping-centers, lojas de conveniência, galerias, aeroportos, dentre outros. Segundo Bauman os não lugares são:

Ostensivamente públicos mas enfaticamente não-civis: desencorajam a idéia de ‘estabelecer-se’ , tornando a colonização ou a domestificação do espaço quase impossível (...). O que quer que aconteça nesses “não-lugares”, todos devem sentir-se como se estivessem em casa, mas ninguém deve se comportar como se verdadeiramente em casa (2001, p. 119-120).

Na

modernidade

os

consumidores

vangloriam

os

novos

estabelecimentos. O último bar do momento é desejado pelos consumidores. Isso sugere algumas questões: os consumidores se relacionam com os trabalhadores dos estabelecimentos ou trata-se apenas de encontros esporádicos; se existe relacionamento será que ele é importante para os consumidores afinal a evasão dos estabelecimentos é notável; será que os trabalhadores também migram atrás das novidades e maiores lucros; é possível que os trabalhadores destes locais fiquem a margem das relações de consumo

efetivadas;

será

que

se

trata

de

empreendedores

que

continuadamente mudam de lugares e criam outros ambientes para atrair eternos consumidores esporádicos? Fato é que “novos bares” localizados em setores nobres, que concentram

esse

tipo

de

lugar,

são

aclamados.

A

dinâmica

dos

estabelecimentos é previsível. Quando um estabelecimento se torna comum outro “mais novo” assume os poderes do antigo e se torna o point da vez, onde todos querem estar para serem vistos. Bauman explícita o desenvolvimento disto na sociedade de consumidores ao afirmar que os consumidores se tornam também mercadorias:

5

Ninguém pode se tornar sujeito sem antes virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável (2008, p. 20).

A atividade de garçom também é estigmatizada pela realização de um trabalho que demanda certo esforço físico e é geralmente realizada em momentos de lazer ou descanso dos consumidores, mas também de familiares e amigos. E o significado cultural da confraternização de pessoas ao comerem e beberem juntos é inegável. O ritual explicita relações de confiança e aliança. Althoff destaca a ideia ao afirmar que, na Idade Média, “a refeição era reconhecida e utilizada como um sinal de criação ou de reconhecimento de um laço social”. E os garçons comumente participam trabalhando desse tipo de ritual, enquanto são ausentes de eventos similares organizados por familiares e amigos, devido ao horário de trabalho alternativo e elevada carga horário de trabalho 5. Outro

fator

que

contribui

para

a

desvalorização

da

atividade

desempenhada decorre da prática de um trabalho imaterial, ou seja, em que não há produção de bens6. O foco do projeto de pesquisa é o trabalho de garçons; contudo, privilegia-se o triângulo de poder desenvolvido entre “gestores, trabalhadores e consumidores” nas situações de trabalho. Pode-se constatar a existência de três

focos de poder que caracterizam os serviços interativos: o primeiro é

referente à gestão e o controle dos trabalhadores; o segundo é referente às experiências e estratégias dos trabalhadores nos serviços interativos e; o

5

No Brasil as refeições têm sua importância de confraternização. Entretanto cada cultura assume a alimentação de sua maneira. Fischler aborda o tema: “a forma como os americanos se relacionam com a alimentação constitui uma fonte de espanto constante para os europeus: o tempo de comer não é isolado, delimitado; não existe necessariamente por si mesmo, como tal. É possível trabalhar e comer ao mesmo tempo, comer e empreender, aparentemente, qualquer outra atividade. Na velha Europa, a refeição é (era) um tempo e um espaço ritualizados, protegidos contra a desordem e as instruções: o decoro proibia telefonar na hora as refeições ou, mais ainda, de fazer uma visita” (1998, p. 852). 6 Não há um consenso na literatura a respeito de uma distinção pronunciada entre serviços e produção. Autores inspirados na orientação marxista tendem a aproximar serviços de produção. Ruy Braga, por exemplo, sustenta que serviço é um tipo de produção, é uma forma imaterial de “produtividade” (BRAGA, 2006). Para Dal Rosso (2008) serviços que exigem capacidades intelectuais, culturais e afetivas são imateriais e produtores de valor. Já os serviços marcados pela materialidade, pelo emprego do trabalho físico e corporal, se assemelham ao trabalho industrial no sentido de sua materialidade.

6

terceiro ao poder dos clientes durante os serviços interativos (Cf. MCCAMMON e HOLLY, 2000). Basicamente o objetivo da pesquisa é o de analisar sociologicamente o serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras, a cidade de Goiânia – GO e a de Campinas – SP, tendo como suporte a sociologia do trabalho.

Pretendeu-se

identificar

em

estabelecimentos

específicos

(selecionados segundo alguns critérios) e analisar de modo articulado: a) a cultura do trabalho (Cf. BENSON, 1988) de cada bar restaurante pesquisado e; b) as interações entre garçons e clientes/consumidores. Propõe-se relacionar situações sociais e cultura do trabalho por meio da análise dos ambientes de trabalho, trajetórias ocupacionais e práticas discursivas de trabalhadores, além de suas interações com clientes e consumidores.

Procedimentos metodológicos

A metodologia usada preconiza a abordagem qualitativa. Trata-se de uma triangulação de dados (Cf. FLICK, 2004), de uma metodologia que emprega vários métodos de análise qualitativos. Além disso, uma abordagem teórica não é unicamente privilegiada no texto, que decorre de contribuições de diferentes tendências, como o interacionismo simbólico, a sociologia crítica dos serviços e a sociologia francesa. Os estabelecimentos pesquisados foram caracterizados e selecionados tendo como base dois tipos ideais: bar tradicional e bar moderno, tipos construídos com base na leitura de cadernos especializados de gastronomia, acervos de hemeroteca das cidades, informações obtidas com moradores da cidade, conversas exploratórias com responsáveis e trabalhadores dos bares restaurantes e consideráveis horas de observações diretas em diversos estabelecimentos. A descrição dos estabelecimentos escolhidos e comentários sobre os tipos ideais elaborados, bem como os tipos descritivos construídos serão apresentados no início da parte dois da dissertação. A observação em cada um dos quatro bares restaurantes pesquisados das duas cidades ocupou cerca de uma semana e entre duas a cinco horas por dia de observação. Durante este período foram: presenciadas e observadas as rotinas de trabalho dos locais; foram realizadas as entrevistas com trabalhadores e proprietários 7

dos estabelecimentos e capturadas imagens do local e dos trabalhadores, nos estabelecimentos que facultaram esse tipo de registro observacional. Convém mencionar que, desde a realização do projeto desenvolvido como bolsista de iniciação científica em 2009, vários bares da cidade de Goiânia foram visitados e alguns botequins cariocas famosos e até centenários. Houve também a realização de entrevistas com garçons atuantes nas cidades de Goiânia e Rio de Janeiro, além de visitas a outros estabelecimentos na cidade de São Paulo. Essa trajetória também amparou a escolha dos estabelecimentos pesquisados. A realização da pesquisa nos estabelecimentos depende da assinatura do termo de anuência (anexo A) dos responsáveis pelo local. A anuência concede o direito de realizar o projeto naquele local, atendendo as solicitações requeridas pela pesquisadora. O documento exigido pela Comissão de Ética está em anexo (anexo B). As entrevistas são realizadas apenas com alguns garçons e com os proprietários de estabelecimento quando são presentes na dinâmica do local, ou seja, quando dirigem o estabelecimento, estando quase sempre no bar restaurante. A escolha dos entrevistados é relativamente intencional, segue o procedimento que Glaser e Strauss denominaram amostragem teórica, ou seja, as decisões amostrais são realizadas segundo a análise do material coletado e também a partir de critérios relacionados às teorias adotadas, visando obter os maiores insights (FLICK, 2004, p. 79). Contudo, as entrevistas dependem da disponibilidade e vontade de voluntários. As entrevistas apenas são realizadas com o assentimento de cada informante em relação ao termo de compromisso exigido pela Comissão de Ética (anexo C). São entrevistas semiestruturadas, ou seja, o pesquisador conduz a entrevista a partir de um roteiro orientador pré-elaborado. As entrevistas realizadas privilegiam experiências individuais e estimulam o desenvolvimento de narrativas biográficas e narrativas episódicas, “o elemento central dessa forma de entrevista é o convite periódico à apresentação de narrativas e situações”, é uma maneira de apreender a “construção social da realidade durante a apresentação das experiências” dos informantes (FLICK, 2004, p.118 e p. 122). Nada obstante os pontos levantados pelo pesquisador é que direcionam as narrações. 8

A duração das entrevistas foi variada, em torno de aproximadamente quarenta minutos a uma hora e meia. O roteiro de entrevistas (anexo D e E) foi construído com base no referencial teórico-metodológico e em vista dos dados já obtidos. As entrevistas foram realizados empregando um gravador digital, no local de trabalho, em um ponto mais discreto, antes ou no início da abertura do estabelecimento, o que ocorria em torno de 9:00h para os locais que abrem de manhã e em torno de 16:00h para os lugares que abrem à tarde. Nesse período os trabalhadores ficavam responsáveis por montar o “salão”. O termo é utilizado para se referir à área onde os consumidores se acomodam. Montar o salão quer dizer, organizar mesas e cadeiras e utensílios que serão utilizados pelos garçons e clientes nas praças (guardanapeira, pimenteira, entre outros), passar álcool nos pratos e talheres etc. O usual é a organização entre os garçons para que um possa realizar a entrevista, enquanto outros continuam o trabalho. Após a realização das entrevistas as observações, anotações no caderno de campo e o registro de imagens eram elaborados. Quinze entrevistas foram feitas em Campinas, duas com proprietários, duas com ex-garçons dos estabelecimentos pesquisados e onze com garçons. Em Goiânia, doze entrevistas foram realizadas, duas foram com proprietários de estabelecimentos e dez com garçons7. A codificação das entrevistas foi feita no aplicativo de análise de dados qualitativos, Atlas.ti (Analysis of. Qualitative Data)8. Nomes fictícios para os estabelecimentos pesquisados e para os entrevistados foram criados e substituídos nas transcrições para que suas identidades fossem resguardadas. A observação consistiu outra estratégia metodológica utilizada. A partir desta, uma perspectiva externa descritiva de situações sociais9, torna-se

7

Além dessas entrevistas, durante o período da iniciação científica, doze entrevistas com garçons foram feitas em outros estabelecimentos de Goiânia e seis entrevistas foram realizadas na cidade do Rio de Janeiro. 8 O software foi desenvolvido por Muhr e “baseia-se na abordagem da teoria fundamentada e da codificação teóricasegundo Strauss” (FLICK, 2009, p. 325). O aplicativo processa outros arquivos além dos textuais, como imagens, sons e gráficos. 9 Erving Goffman define situação social como “um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão 'presentes', e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante” (1999).

9

possível perceber além do nível da fala dos informantes e alcançar informações pouco relatadas ou desconsideradas e até mesmo opostas aos discursos e práticas vivenciadas. A riqueza em termos qualitativos que a observação oferece deve ser ponderada perante a complexidade do ato de realizá-la. Flick (2004), em referência à Friedrichs (1973), aponta para importantes dimensões da observação: a) observação secreta e observação pública; b) observação não participante e observação participante; c) observação sistemática e observação não-sistemática e; d) auto-observação e observar os outros. São comuns nas observações de pesquisadores os aspectos das dimensões se mesclarem em diferentes momentos, porém a reflexão sobre estas nuanças são pouco contempladas no período de análise. No caso, as observações empreendidas ao longo da pesquisa de campo variaram conforme o estágio da pesquisa. No início tratava-se de observações exploratórias, por isso, eram secretas e não sistemáticas. A partir da anuência concedida pelos estabelecimentos selecionados as observações passaram a ter caráter público; todos os trabalhadores sabiam da presença de uma pesquisadora e minimamente possuíam ciência das intenções em foco. Os clientes e consumidores que se indagavam sobre a curiosa presença podiam também ter conhecimento a respeito. As observações são sistematizadas ao longo de uma semana, em horários e dias semelhantes, preponderantemente nos mesmos locais do estabelecimento e foram registradas em caderno de campo. As observações ora podem ser enquadradas como não-participantes, ora como participantes, seja atuando como pesquisadora, seja como consumidora. Por isso, em parte a presença da observadora no ambiente de trabalho é também contemplada na análise, bem como o processo de negociação de espaço da pesquisadora durante a pesquisa e a confiança desenvolvida (Cf. BEAUD e WEBER, 2007). A ideia é problematizar a presença da observadora em campo, a relação entre pesquisadora e pesquisados, enfim o processo de observação com um todo. (Cf. MELUCCI, 2005). Michael Burawoy (1998), de forma similar, admite que a participação do pesquisador no mundo o desestabiliza enquanto produtor de conhecimento científico; a metodologia é então utilizada como base para manter o 10

pesquisador em equilíbrio. No caso do modelo de ciência reflexiva, em oposição à positivista, por exemplo, a objetividade científica é obtida através do diálogo, orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas.

Estrutura da dissertação

O texto é composto por três partes; a primeira, preponderantemente teórica, e intitula-se “Sociedade de serviços: sociologia e perspectivas”. Compreende o exame das modificações do mundo do trabalho; preconizando as referentes ao período pós-industrial. Os debates empreendidos acerca do assunto por autores como Daniel Bell, Alain Touraine, Claus Offe, Jean Lojkine, André Gorz, dentre outros, serão problematizados. A intenção é expor as expectativas existentes no início da sociedade de serviços. As outras duas partes da dissertação equilibram teoria e empiria. A segunda parte “Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares restaurantes” explicita a metodologia adotada e justifica escolhas da pesquisa, como o porquê de analisar bares restaurantes e não botequins, botecos, mercearias,

restaurantes.

Expõe

também

a

construção

dos recursos

metodológicos utilizados: os tipos ideais e os tipos descritivos, caracterizando o processo de pesquisa de modo geral. No que se refere à parte empírica aborda a questão da cultura do trabalho, um dos objetos específicos da pesquisa. Ela remete a sociologia do trabalho mais tradicional, no que se refere aos assuntos abordados. O foco está nas questões referentes: à organização do trabalho; às formas de direção; ao ambiente de trabalho; à qualificação dos profissionais e à trajetória ocupacional. A terceira parte, “Interações em serviços: o jogo de cintura dos garçons”, aborda as interações em serviços dos garçons, e tem como prioridade as interações desenvolvidas com consumidores e clientes. O relacionamento com patrões, gerentes e colegas de trabalho é na segunda parte do trabalho, por ser considerado constituinte da cultura do trabalho do local pesquisado. Problematiza-se aqui as interações em serviços como um todo, com base na tríade de poder “gestor/trabalhador/consumidor”. O tipo de atendimento 11

prestado por garçons para clientes e consumidores e o teor das interações (participantes, igualitárias, subservientes) desenvolvidas são analisados. As performances

dos

garçons

em

serviço

também

são

discutidas;

a

instrumentalização de sentimentos e emoções no trabalho; as demandas de consumo sob o ponto de vista dos trabalhadores. Uma das intenções é mostrar como a relação da tríade de poder direciona as interações em serviços em bares restaurantes. A análise é articulada ao perfil dos consumidores de cada estabelecimento (clientes fiéis, consumidores esporádicos), bem como os perfis de consumidores que a empresa busca alcançar. Afinal alguns estabelecimentos pretendem conquistar e fidelizar clientes, em oposição, outros não necessariamente, estes tendem a almejar manter o local em voga e cheio, independente de quem sejam os consumidores. Os modos como os consumidores e clientes coproduzem o estabelecimento também é contemplado. Nas considerações finais o resultado do trabalho é apresentado e avaliado, bem como são consideradas propostas para novos estudos e questões a serem trabalhadas.

Empiria nas duas cidades

A pesquisa empírica nas duas cidades decorreu da inserção como estudante no Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras (PROCAD-NF), desenvolvido pelo projeto “Trabalho, gênero e participação: identidade, associativismo e políticas públicas de emprego e renda”

10

. O

projeto é desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, localizado em Goiânia, e pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas, localizado em Campinas-SP.

10

O projeto é financiado pela Capes e tem como um dos objetivos consolidar o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG e aperfeiçoar a formação de alunos e docentes do Programa. Informações sobre o Procad e sobre o projeto podem ser obtidas em: http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/procad-nf e http://www.cienciassociais.ufg.br/nest/?menu_id=1238620432&pos=esq&site_id=153.

12

Ainda que a metodologia adotada seja tratado na segunda parte da dissertação, pretende-se aqui justificar o desenvolvimento da pesquisa nas duas cidades. Previamente é preciso apontar que autores clássicos das ciências sociais, como, Karl Marx, Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber fizeram análises a partir do método comparativo. E retificar que ainda hoje as análises comparativas continuam usuais no campo das ciências sociais. Comparar fenômenos tem algumas vantagens. É possível confrontar similaridades, divergências e fenômenos inter-relacionados das configurações culturais e históricas de um determinado lugar. Comparar permite explicitar presenças e ausências. Para Ianni o método comparativo tem importância diante do complexo processo da globalização, segundo ele: “o cientista social é levado a mapear ângulos

e

tendências,

condições

e

possibilidades,

recorrências

e

descontinuidades, diversidades e desigualdades, impasses e rupturas, desenvolvimentos e retrocessos, progressos e decadências” (1998, p. 37). Contudo, a intenção da pesquisa não é de realizar uma comparação estritamente sistemática entre as duas cidades, mas a partir de apontamentos feitos no que tange à cultura do trabalho, modos de direção e interações desenvolvidas entre garçons e clientes e consumidores em estabelecimentos e de cidades conjunturalmente e culturalmente diferentes pensar caminhos que possíveis de trilhar no que se refere ao trabalho em serviços e ao consumo de serviços. O percurso histórico dos estabelecimentos pesquisados das duas cidades ressalta variações, constantes e especificidades do processo vivenciado por diferentes estabelecimentos de alimentação.

Campinas e Goiânia: aspectos sociais e demográficos

Campinas é uma cidade do interior do estado de São Paulo, situada a apenas a 98 quilômetros de distância da capital. Goiânia é a capital do estado de Goiás, na região Centro-Oeste do Brasil. Conforme o Censo Demográfico 2010 a população goianiense (1.302.00) é maior que a campinense

13

(1.080.113). No entanto, a população da região metropolitana de Goiânia (2.100.771) é menor do que a de Campinas (2.798.477). O Produto Interno Bruto (PIB)11 per capita referente ao ano de 2008 de Goiânia é consideravelmente menor do que o de Campinas. Em relação ao PIB per capita das regiões metropolitanas, o PIB per capita de Goiânia é maior do que o da sua região metropolitana; no caso de Campinas é menor do que sua região metropolitana. Em outros termos, o local em que Campinas está inserida é mais rico do que o que Goiânia está. Isto porque na região de Campinas há forte concentração industrial e agrícola, bem como a presença de centros de pesquisa, campos tecnológicos e serviços especializados. É preciso ponderar que algumas cidades do entorno de Campinas, como Paulínia, possuem pequenas populações, mas o com o valor do PIB per capita bastante elevado. Paulínia tem suas especificidades, no local há alta produção de petróleo, além de um polo cinematográfico de referência. A seguir o Quadro 1 expõe os valores do PIB das cidades e respectivas regiões metropolitana em reais referentes ao ano de 2008:

QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS REGIÕES METROPOLITANAS

LOCAIS

PIB PER CAPITA EM REAIS (2008)

Goiânia

15.376,50

Campinas

27.788,98

Região Metropolitana de Goiânia

13.069,31

Região Metropolitana de Campinas

28.453,37

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE Cidades@. Obtidos no site: www.ibge.gov.br

Somado a isso, a diferença de idade das cidades é considerável, Campinas é uma cidade antiga, foi fundada em 1774. Goiânia é mais recente, foi fundada em 1933.

11

O Produto Interno Bruto expressa a produção de bens e serviços no período de um ano e é o principal indicador de produção de riqueza de uma economia (Cf. OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2009).

14

Apesar da diferença de idade das cidades a história das duas regiões ora se encontra. É que a origem de Campinas está ligada à ocupação do oeste brasileiro. A descoberta do ouro no Centro-Oeste do país no século XVII culminou na abertura de caminhos para Goiás e Mato Grosso12. O “Caminho dos Goiases” ligava São Paulo a Goiás pelo Triângulo Mineiro. A viagem até Cuiabá durava até quatro meses, durante o caminho havia pousos para os viajantes. Um deles, Campinas do Mato Grosso de Jundiahy, originou a cidade de Campinas. No início o local pouco habitado tinha como subsistência especialmente a agricultura elementar e o comércio para as tropas viajantes (Cf. SILVA, 1996; GONÇALVES, 2002; BAENINGER, 1992). Com o crescimento do pouso, logo se tornou arraial, depois freguesia, depois vila, por fim recebeu o título de município, em 1842, retomando sua denominação inicial, Campinas (Cf. LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7-10). A princípio o pouso tornou-se conhecido na região por ter sido considerado positivamente:

O local era magnífico, exuberante; e o pouso se tornou arraial, porque a fama da uberdade do solo havia corrido; o arraial se foi argumentando a pouco a pouco. Já moradores de outras plagas, e principalmente de Taubaté, como Francisco Barreto Leme, que devia ser fundador de Campinas, se haviam aqui localisado, desde 1739, ao que diz (LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7).

Enquanto o ciclo do ouro teve importância para o surgimento de Campinas, sua decadência e o princípio ciclo do açúcar, no início do século XVIII, tiveram importância para o desenvolvimento da cidade. O fortalecimento da economia a partir da cana-de-açúcar propiciou o incremento da malha viária da província de São Paulo, e Campinas era ponto estratégico pela expressiva capacidade de produção de açúcar e quantidade de escravos no município. Além disso, a posição geográfica de Campinas muitas vezes vinculou capital e interior. Neste período, Campinas, ainda enquanto Vila tornou-se a maior produtora de açúcar de São Paulo e continha o maior número de escravos do estado. Em 1836 mais da metade da população campinense era composta por 12

O Caminho de Goiases era uma rota secundária criada mais tarde, em 1722, com o intuito de evitar a passagem pelas Minas Gerais, região marcada pelo confronto para explorar jazidas de ouro descobertas no local. O conflito tornou-se conhecido por Guerra dos Emboabas (Cf. GONÇALVES, 2002).

15

escravos africanos, aqueles que sustentavam a produção açucareira. A taxa de crescimento do local mantinha-se constante durante o ciclo açucareiro. O crescimento apenas começou a decair a partir da suspensão do tráfico negreiro e da saída dos mesmos de Campinas, bem como devido ao fortalecimento do movimento abolicionista (Cf. BAENINGER, 1992). Todavia a economia açucareira apoiou paulatinamente a passagem para a economia cafeeira. “A vila açucareira, ia se transformando na cidade do café, que pelo crescimento e riqueza, iria adquirir em todo o país grande prestígio político e social” (GONÇALVES, 2002, p. 44). A economia cafeeira teve início no começo do século XIX e inicialmente utilizava mão de obra escrava, mas com o real encerramento da escravidão no país a próspera região atraiu muitos migrantes, tantos nacionais como estrangeiros. A utilização da mão de obra estrangeira contribuiu para o incremento das técnicas utilizadas na agricultura, anteriormente mais rudimentares, este incremento inclusive marcou analiticamente uma divisão na economia cafeeira (Cf. BAENINGER, 1992). Os novos hábitos de consumo da população impulsionaram ainda mais o comércio e também a indústria (Cf. MARTINS, 2010), o que tornou a cidade um polo de referência regional de comércio e serviços (Cf. BAENINGER, 1992). Segundo Camargo (1981) em 1874 a população de Campinas chegou a ter o mesmo porte de São Paulo, no que se refere ao número de habitantes. Em 1886, houve outra grande imigração no país e Campinas recebia boa parte dos estrangeiros, de diversas origens, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, suíços. Martins destaca a importância do café em Campinas: Não significou apenas mais fazendas e riquezas. Significou também mais comércio e maior diversificação das atividades urbanas, criando novas oportunidades através de novas necessidades, inerentes ao crescimento econômico e populacional. Local de financiamento e escoamento de safras, ponto de chegada e partida de imigrantes para o interior, a cidade de Campinas, ganhou ao longo dos anos uma série de melhoramentos urbanos (MARTINS, 2010, p. 24).

Campinas além de ter sido bastante beneficiada pela rede ferroviária do estado assume função central quanto ao centro ferroviário do estado. Dessa forma, Campinas retoma a seus princípios relacionados aos acessos (Cf.

16

SEMEGHINI, 1988). O desenvolvimento do local propiciou o título de “Princesa D’Oeste”. Fato é que o dinamismo econômico que marca a cidade de Campinas desde meados da economia açucareira e a riqueza proporcionada pelo café possibilitaram concomitantemente à crise do café, em 1929, o início exitoso, do processo de industrialização e urbanização da cidade, o que permitiu seguir o curso do desenvolvimento nacional. Continuamente a cidade foi se adaptando as etapas de crescimento do país. Segundo Baeninger (1992), nesta fase, a região recebeu incentivos governamentais graças à subordinação da agricultura à indústria e o mercado de trabalho atraente. A acomodação de agroindústrias e indústrias “intensificou a conurbação de municípios e a tendência a um processo de metropolização” (p. 12). Atualmente Campinas se destaca pela concentração agrícola, industrial e de importantes centros de serviços. Por sua vez, o estado de Goiás, que já era conhecido pelos portugueses e povoado por povos indígenas, apenas passou a ser ocupado por portugueses no século XVIII, a partir da descoberta do ouro na região. É que no século XVII já haviam encontrado ouro nas Minas Gerais e nas Minas de Cuiabá, por isso bandeiras paulistas foram ordenadas para o território goiano, região intermediária as duas minas, em busca de mais minério. Alguns vilarejos surgiram perto de minas de ouro, como o Meia Ponte, onde está situada a atual cidade de Pirenópolis. Dentre outros vilarejos existentes destacou-se o formado nas margens do Rio Vermelho, ao lado da Serra Dourada, atualmente onde está situada a Cidade de Goiás. Tratava-se do arraial Sant’Anna, fundado em 1727, pelo Anhanguera, o Bartolomeu Bueno da Silva. Uma década depois o Arraial que servia de apoio aos bandeirantes e escravos à execução da mineração tornou-se Vila Boa de Goiás. Pouco depois, para melhor administrar a região e seus recursos, sobretudo o ouro, à região que pertencia à Capitania de São Paulo foi emancipada originando a Capitania das Minas de Goiás (Cf. PALACIN, 1976). Entretanto, a mineração do ouro em Goiás não durou muito, a partir da década de setenta do século XVIII algumas regiões já apresentava declínio na mineração, mas havia regiões com grandes minerações até os anos 1800 em Goiás (Cf. BERTRAN, 1997). Bertran destaca dois motivos para que a ideia de 17

decadência da mineração em Goiás fosse difundida. Além do real declínio, o autor aponta para as dificuldades geológicas e mineralógicas correntes, bem como o receio das autoridades locais quanto às fraudes fiscais e o contrabando existente do mineral, dessa forma o autor conclui: “Convinha portanto às autoridades coloniais, como precaução política, antes bradar ao trono a decadência da mineração, do que pôr a mão no fogo pelo seu desempenho” (1997, p. 12). As regiões mineradoras de Goiás já começam a mostrar indícios de estagnação em fins do século XVIII com a decadência da exploração do ouro. A população de Goiás foi reduzida e a economia tendeu para a ruralizarão. A particularidade do povoamento da região, marcado pela instabilidade e irregularidade (Cf. PALACÍN e MORAIS, 2001), novamente se apresenta. A agropecuária local foi incrementada para fornecer mantimentos para o mercado interno e um pouco para o comércio externo. Entretanto dificuldades relativas principalmente ao transporte dificultam o comércio e o desenvolvimento da região. A pecuária também se iniciou com a migração de pecuaristas paulistas visando boas terras para criar gado. Apenas com a construção de estradas no final do século XIX e de estradas férreas no início do século XX aumentou as possibilidades de crescimento econômico na região (Cf. FERREIRA, 1999). Já no fim do século XIX a Cidade de Goiás já não apresentava capacidade geográfica e sanitária adequadas para sediar a capital do estado. A mudança tanto discutida estava por vir. Durante o primeiro governo do presidente Getúlio Vargas e de Pedro Ludovico Teixeira, o então interventor federal de Goiás, decidiu-se, por fim, transferir a capital estadual de Goiás e construir a nova capital do estado, Goiânia (Cf. CHAUL, 1988). A capital goiana surgiu a partir de idealizações de renovação e modernização do interior brasileiro. Diante do plano de Vargas para a ocupação do Oeste do país pouco depois da fundação de Goiânia, em 1933, foi inaugurada a nova capital do país, Brasília, em 1960 a duzentos e dez quilômetros de Goiânia. O distrito federal engloba parte do território goiano. Além disso, em 1988, outra modificação no território aconteceu. O estado de Goiás foi dividido devido às consideráveis disparidades do extenso território goiano. A região norte do estado, a mais precária, deu origem ao estado do Tocantins, estado que passou a pertencer ao norte do país. 18

Ao longo da “Marcha para o oeste”, proclamada por Vargas, o sudoeste do país passava por um processo de industrialização e este novo modo de acumulação dependia do desenvolvimento do setor agropecuário, o que ocorria então no estado de Goiás (Cf. BORGES, 1996). A partir de meados do século XX o nível de crescimento econômico de Goiás aumentou consideravelmente modificando a estrutura produtiva do estado. Somado a isso, a partir da década de setenta a migração do campo para a cidade foi acentuada na região centrooeste do país (Cf. RODRIGUES, 2006). Atualmente Goiânia se encontra no eixo econômico Goiânia-AnapólisBrasília e se destaca economicamente na agropecuária e na prestação de serviços. A história das duas cidades anuncia diferenças em alguns aspectos que aqui interessam. O que dizer da tradicional Campinas e da recente Goiânia? No que se refere às vivências que envolvem diferenças sociais algo tem para ser expresso. Em serviços subalternos prestados, em uma sociedade do consumo, as diferenças sociais podem ser notadas no relacionamento entre servidor e servido e aí diferenças culturais podem ser notadas.

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PARTE 1

SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS

1. 1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista

Um novo tipo de sociedade estava a se formar. Nela os serviços tornamse base da economia, em detrimento da outrora vigente produção de bens e há a emergência do profissional ancorado na técnica e no conhecimento científico. Várias denominações foram dadas para demarcar o tipo de sociedade que emergia: programada, pós-industrial, tecnocrática, sociedade da informação, dentre outras. As designações evidenciam diferentes problemas considerados e as expectativas existentes diante da nova fase. A intenção aqui é abordar importantes autores e obras sobre a temática do capitalismo de serviços. Como base e inicialmente serão apresentados os pensamentos de Daniel Bell e Alain Touraine. Os dois são nomes significativos no debate sobre a sociedade já não mais considerada como industrial. Em seguida serão apresentados autores que questionaram as análises de ambos. Para por fim relacionar o debate com a temática base da dissertação: os serviços, mais especificamente os da área da alimentação. Em sua obra clássica, O Advento da Sociedade Pós-Industrial, publicada em 1973, o sociólogo estadunidense Daniel Bell atenta-se para a recorrente utilização intelectual de prefixos que denotam a transição seguida pela sociedade (“pós” e “além”) e formula o conceito de “sociedade pós-industrial” 13. O conceito representa uma tentativa de identificar a mudança na estrutura social da sociedade ocidental. Por estrutura social Bell entende que “são as maneiras segundo as quais se organiza as instituições primordiais que ordenam a existência dos indivíduos no seio de uma sociedade” (BELL, 1977, p. 21). A intenção do autor nesta obra é especular sobre o futuro da sociedade. Para tanto, as regularidades e tendências históricas são consideradas. Bell destaca as cinco dimensões da sociedade pós-industrial: 1) a mudança de uma economia de produção de bens para uma economia de serviços: 2) o predomínio de uma classe profissional e técnica; 3) a 13

Apesar das dúvidas em relação à originalidade da expressão “sociedade pósindustrial”, o termo foi utilizado pela primeira vez por Bell em 1959. Bell explica em nota de rodapé na introdução do livro Sociedade Pós-Industrial que o termo foi usado um ano antes por David Riesman, mas além do significado ser diferente do popularizado no discurso intelectual, Riesman não desenvolveu a ideia. Décadas antes, o inglês Arthur Penty também utilizou o termo “pós-industrial”, todavia Daniel Bell é quem é considerado criador do conceito.

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centralidade do conhecimento teórico nas inovações tecnológicas e no meio político; 4) o controle da tecnologia e de sua distribuição; 5) a invenção de uma “tecnologia intelectual” atuante na tomada de decisões políticas. A concepção de sociedade pós-industrial de Bell reforça o papel central da ciência e do conhecimento na sociedade: os cientistas passam a colaborar tecnicamente no processo de tomada de decisões políticas e o trabalho intelectual é mais pressionado e burocratizado. Bell apresenta de modo superficial como o conhecimento científico organiza o desenvolvimento econômico e a estratificação da sociedade. Assim a relação entre ciência e política é salientada, pois o autor sustenta que ela permite atingir a mudança na estrutura social e os problemas dela decorrentes. Contudo, na visão de Bell as alterações na estrutura social promovem problemas para a sociedade, mas não os determinam:

Em suma: o aparecimento de uma nova espécie de sociedade põe em questão a distribuição da riqueza, do poder e do status, problemas centrais em qualquer tipo de sociedade. Acontece, porém, que a riqueza, o poder e o status não são dimensões de classe, mas sim valores buscados ou conquistados por classes. Numa sociedade, as classes são criadas pelos eixos de estratificação mais importantes da sociedade ocidental são a propriedade e o conhecimento. Paralelamente a eles, há um sistema político, que os está administrando cada vez mais e que faz surgir elites temporárias (temporárias, no sentido de não existir uma continuidade necessária de poder entre as mãos de um grupo social específico, continuidade mantida através de um cargo, como existe uma continuidade de família ou de classe, mantida através da propriedade e da vantagem diferencial de pertencer a uma meritocracia)” (BELL, 1977, p. 60).

Em seu livro Bell também contesta o ponto de vista de autores neomarxistas acerca da fase em constituição, alguns deles são: Alain Touraine, Radovan

Richta,

Serge

Mallet,

André

Gorz,

e

Roger

Garaudy.

Fundamentalmente ele pondera a crise ideológica do marxismo perante a revolução socialista não materializada e profetizada por Karl Marx. Em sua obra O fim da ideologia (1960), Bell aborda especificamente a exaustão de paixões ideológicas e a busca por outras novas, além da demanda pela tomada de decisão de forma técnica. Atento a essas questões percebe a tentativa de alguns autores de “‘salvar’ o conceito marxista de mudança social” (p. 56) ao

21

focarem em análises preponderantemente sobre a velha e a nova classe operária, já que a antiga classe operária perde sua expressividade histórica. A crítica estava no fato de ao invés de buscarem a compreensão das reais modificações correntes, esses autores ainda tinham como norte a continuidade do pensamento de Marx. Para estes autores a classe trabalhadora da sociedade pós-industrial, a “nova classe trabalhadora”, composta por profissionais tecnicamente qualificados, seriam os agentes históricos da mudança social vislumbrada por Marx. A ideia é que haveria uma proletarização dos funcionários técnicos a partir da perca de seu valor devido à expansão da educação pública e a massificação da classe. Entretanto, Bell apresenta pesquisas empíricas que mostram a distância entre a classe operária e a classe de funcionários técnicos. A última não teria como aliada a primeira, pois suas origens medianas e imagem típica mereceriam ser preservadas. Um dos autores criticados por Bell é o sociólogo francês Alain Touraine. Como um todo o cerne do estudo de Touraine é a formação da ação histórica, sua obra privilegia a análise dos movimentos sociais. Em A sociedade postindustrial

14

, obra publicada em 1969, Touraine discorre sobre a mudança nas

formas de dominação social. O autor utiliza o termo sociedade programada para demarcar a fase em constituição, o termo a define pela “natureza do seu modo de produção e de organização econômica” (TOURAINE, 1970, p. 7). Já os termos sociedade pós-industrial e sociedade tecnocrática demarcam, segundo Touraine, a intenção de, respectivamente: apontar a distância das sociedades industriais e; expor o poder que domina a sociedade. Ao escolher o termo sociedade programada a intenção do autor é de enfrentar um problema específico: o da dominação social. Segundo Touraine, na sociedade programada os conflitos sociais ainda são relacionados com o domínio da produção. Isso por que: a educação, a informação e o conhecimento – inerentes a essa fase – são diretamente ligados a este domínio, estas compõem as forças de produção e colaboram com o crescimento econômico. A diferença da sociedade programada está na existência e na importância da interferência da esfera política nas atividades

14

Livro traduzido para o português de Portugal.

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econômicas15. Com isso as lutas sociais tornam-se menos ligadas aos mecanismos econômicos e mais ligadas às questões relacionadas ao poder e ao âmbito cultural. A classe operária e o movimento sindical, por exemplo, já não são centrais para a transformação social. Touraine emprega a ideia de alienação com o intuito de evidenciar as relações sociais envoltas às possíveis situações de conflito e situar atores na estrutura social. O alienado é aquele que participa de maneira “dependente” no mundo em que vive. Ao mesmo tempo ele é: integrado ao sistema e atua mantendo os interesses e a dominação da classe dirigente. A eles são impostos os modelos de crescimento que desejam a classe dominante, mas a imposição é despercebida devido à impessoalidade do modelo. É que há a aparência de um modelo que seja adequado para todos. O conflito social só aparece quando a situação de alienação é percebida e condenada. É a partir da tomada de consciência da condição vivenciada e a ação contrária à situação de alienação que a luta social acontece. Na obra de Touraine, A sociedade post-industrial, evidencia-se que:

Por um lado, é o apelo às próprias orientações da sociedade contra a sua apropriação privada pela classe dirigente; por outro, é a resistência da experiência pessoal e coletiva a mudanças que não são controladas pela coletividade (...). A sociedade, entorpecida durante muito tempo na satisfação do seu êxito material, não rejeita o progresso técnico e o crescimento econômico, mas a sua submissão a um poder que se proclama impessoal e racional, que espalha a ideia de já não ser, ele próprio, senão o conjunto das exigências da mudança e da produção (TOURAINE, 1970, p. 15-16).

Touraine demonstra a natureza dos movimentos sociais na sociedade programada. Para ele um enfrentamento relevante carece de um envolvimento organizado de todos os domínios da vida social interferindo diretamente nas decisões políticas por meio de instituições. O sociólogo francês questiona primeiramente o conceito de classes. Qual seria a importância desse conceito na sociedade programada? Segundo ele o poder do conceito tradicional de classe perdeu sua força explicativa. A 15

A interferência da esfera política nas atividades econômicas possibilita o objeto da sociologia, quando os mecanismos econômicos eram definidos pela própria economia não havia objeto para tal ciência. Neste sentido, para Touraine, a sociologia não advém da revolução industrial, mas sim em meados do século XIX, quando há direcionamento do futuro da sociedade, quando há ação social.

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temática deveria ser revista, para tanto o autor repensa os elementos que compunham a noção clássica do conceito: como a definição de classe e de relações de classes e a concentração de poder. Mas para Touraine a temática somente deve ser valorizada se há consciência de classe. Em outros termos, se há organização dos interesses classistas e não apenas sentimentos de exploração, exclusão ou dominação. As visões, de Bell e Touraine, veem a passagem de um tipo de sociedade para outra de forma positiva. Em sua obra, Da sociedade pósindustrial à pós-moderna, publicada em 1978, Krishan Kumar, sociólogo indiano e professor na Universidade de Virginia analisa três teorias advindas da teoria de Bell sobre a sociedade pós-industrial: a sociedade da informação; as teorias do pós-fordismo e; as teorias da pós-modernidade. Kumar considera que as teorias sobre a sociedade da informação sucederam os pensamentos de Bell acerca da sociedade pós-industrial. Segundo o autor ambas as teorias possuem um caráter progressista e amparado no ideal de racionalidade e progresso. O autor também avalia o posicionamento dos autores de esquerda como sendo “inesperada”. É que apesar do desenvolvimento econômico colaborar diretamente como motor da história, o que explica o entusiasmo de esquerdistas, as diferenças da fase em constituição – a atenuação dos conflitos entre capital e trabalho, a relevância do setor de serviços, dentre outras – não foram contempladas nos pensamentos de Marx. Isso, afirma Kumar, demandou desses autores uma análise do período em vigência, para compreender o processo de transformação. Um desses autores, crítico das teorias sobre a sociedade pós-industrial e a sociedade da informação, foi o economista americano Harry Braverman. Em sua obra publicada no ano de 1974, Trabalho e capital monopolista, Braverman traz elementos que caracterizam o trabalho como taylorizado. Há aí uma contradição. Como pode na sociedade pós-industrial, que pressupõe o conhecimento

como

sua

base,

possuir

atividades

laborais

marcadas

basicamente pela eficiência nas operações? O autor pondera a utilização de máquinas e instrumentos durante o trabalho que colaboram para a pouca necessidade de trabalhadores qualificados. Os trabalhadores tornam-se complementares às máquinas. Braverman inclusive aponta para a feminização 24

da força de trabalho burocrática. Em outros termos, o autor demonstra a participação de mulheres trabalhando em boa parte das atividades em escritórios do tipo “colarinho branco”. A ideia de Braverman é mostrar o fosso existente entre uma pequena parcela de profissionais do conhecimento e uma maioria de trabalhadores com baixos níveis de qualificação e ainda exercendo atividades burocratizadas e taylorizadas (Cf. BRAVERMAN, 1987). Os teóricos da sociedade pós-industrial e da sociedade da informação asseguravam que os trabalhos envolvendo conhecimento iriam aumentar e se tornarem predominantes diante de outros tipos trabalhos. Contudo a pergunta mais recorrente feita, já na década de oitenta, era se a tecnologia empregaria ou desempregaria trabalhadores. Outro questionamento é contemplado nas analises de Kumar: os trabalhos nessas sociedades são realmente realizados por profissionais peritos e autônomos? (Cf. KUMAR, 1997). Tendo em vista, sobretudo a presença e o domínio do taylorismo nas atividades prestadas: “a tecnologia da informação possui maior potencial de proletarizar do que profissionalizar o trabalhador (...). Muitos desses trabalhadores, no entanto, são profissionais de nível superior apenas no nome” (KUMAR, 1997, p. 37-38). Kumar desvela em seu levantamento bibliográfico que na dita “sociedade da informação” há a existência de políticas que contribuem para o incremento das desigualdades. Apesar das teorias sobre a sociedade da informação trazerem junto a si um discurso que possui um intenso apelo popular. As expectativas otimistas em relação ao período a porvir, demarcadas no pensamento de Bell e Touraine são, portanto, gradativamente discutidas. É necessário recuar novamente para o trabalho de Bell. O conceito dele de sociedade pós-industrial compreende cinco dimensões, cabe aqui uma analise das duas principais. A primeira refere-se à mudança da economia de produção para uma economia de serviços; e a segunda refere-se à mudança na distribuição de ocupações convergindo para o predomínio de atividades profissionais e técnicas16. É que muito se esperou do crescimento das atividades ligadas à sociedade pós-industrial e pouco foi dito sobre o crescimento em geral das atividades terciárias. Em outros termos, as

16

As outras três dimensões basicamente dizem sobre a instrumentalização do conhecimento, que passa a contribuir diretamente nas questões políticas e no âmbito das inovações técnicas. Ambas colaboram para orientar ações futuras.

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expectativas ofuscaram importantes pontos do debate, como por exemplo, a real distribuição ocupacional em constituição. Contudo, as prenuncias de Bell podem ser relevadas, pois se tratava de um período em formação, sua intenção era desvelar a futura mudança na estrutura social. A maior parte do crescimento de empregos das últimas décadas é apontada por Kumar (1997) como não sendo no setor do conhecimento, “mas nos níveis mais baixos da economia terciária, onde o grau de habilidades e conhecimento não é alto” (p. 39). Basicamente: Os novos empregados típicos haviam sido admitidos em estabelecimentos de “comes e bebes”, incluindo lanchonetes, em “serviços de saúde”, principalmente sob a forma de enfermeiras e pessoal auxiliar em hospitais e casas de repouso particulares, e em “serviços e empresas”, sobretudo de trabalhadores em tarefas rotineiras de informação ligadas a processamento de dados, cópias e mala direta. Muitos eram mulheres e um bom número trabalhava em regime de meio expediente ou temporário. Os níveis salariais eram baixos e virtualmente nulas a segurança no emprego e a possibilidade de fazer carreira (KUMAR, 1997, p. 39).

O sociólogo americano Wright Mills publicou em 1951 a obra A nova classe média (White Collar), que discute basicamente a formação da nova classe, a dos colarinhos-brancos17. O interessante é que esta obra é anterior às referidas de Bell e Touraine e nela Mills já havia abordado, de modo pertinente e com forte teor qualitativo, à questão da fragmentação da classe média. Com isso, seria ingênuo considerá-la de maneira pouco extensa. Há hierarquia entre os colarinhos-brancos, ou seja, eles pertencem a diferentes níveis. E o autor analisa as diferentes posições sociais ocupadas pelos membros da classe média. Decrescentemente, no que se refere à hierarquia, por exemplo, existem: os burocratas políticos e os gerentes, os profissionais liberais estabelecidos (médicos, advogados e engenheiros, etc.), os vendedores especializados, empregados de escritório que executam tarefas

17

O conceito de colarinho branco designa trabalhadores que desenvolvem atividades que não estão diretamente envolvidos na produção de bens e que ao final do mês recebem um salário. Diferentemente do pagamento dos operários que recebem por hora, dia ou semana. A contagem do valor a ser recebido também não é feito da mesma forma. A remuneração dos colarinhos brancos normalmente é estipulada por contratos, a dos operários é estipulada por tempo de atividades prestadas. Outro fator que os distingue é o status e o prestígio que os colarinhos brancos possuem, eles, por exemplo, utilizam roupas de passeio no trabalho.

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rotineiras, auxiliares de máquinas, recepcionistas, balconistas, dentre outras ocupações. A ideia dele é considerar não uma camada horizontal dos colarinhos-brancos, mas uma pirâmide social dos mesmos. Dessa forma, Mills acredita que:

Para compreender a nova classe média é necessário traçar pelo menos um esboço da estrutura social de que ela faz parte. O caráter de uma camada social consiste, em grande parte, em suas relações, ou ausência de relações, com as camadas superiores e inferiores; suas consequências ressaltam dessa comparação (1976, p.22).

Ao considerar as ocupações da classe média Mills utiliza três critérios na qual são vinculadas para decompô-las, são eles: o poder; o status; a situação de classe; bem como a especialização e função da atividade. A seguir o autor demonstra parte dessas caracterizações da classe, note:

As raízes históricas do seu prestígio incluem, além da renda superior, a semelhança de seu lugar e tipo de trabalho com os da antiga classe média. Como suas relações com o empresário e freguês rico se tornaram mais impessoais, passaram a tornar emprestado o prestígio da própria firma. Seu aspecto físico, especialmente o fato de que a maioria dos cargos de colarinho branco lhes permite o uso de roupas de passeio, influenciou esse prestígio, assim como as especializações que são exigidas para a maior parte dos empregos, e em muitos deles a variedade de tarefas executadas e o grau de autonomia no trabalho. Além disso, o tempo gasto para aprender essas especializações e a maneira como eles adquirem, através da educação formal e de contatos frequentes com as categorias superiores, tiveram uma grande influência em seu prestígio (MILLS, 1976, p. 94)

Uma diferença essencial entre a antiga classe média e a nova classe média está na relação com a propriedade. A primeira, composta por empresários independentes, são detentores de propriedade. Já os segundos, não possuem propriedade e são dependentes de instituições ou empresas na qual prestam serviços e recebem o salário ao final do mês. Segundo o autor: “Em termos negativos, a transformação da classe média representa uma passagem da propriedade para a não-propriedade; em termos positivos, é a passagem de uma estratificação social baseada na propriedade para uma estrutura baseada na ocupação” (MILLS, 1976, p. 85). Em outros termos, entende-se que para compreender ambas as classes é preciso ponderar no 27

caso da antiga classe média à situação diante das propriedades empresariais e no caso da nova classe média à estrutura ocupacional influente. Por um lado o status, o poder e o prestígio são determinados pelo controle da propriedade detida, por outro pela habilidade empregada no mercado de trabalho. Também são diferenciados os colarinhos brancos dos operários. No que se refere à situação de renda a dos primeiros é levemente superior. Porém ao considerar o status e o prestígio dos primeiros diante das atividades ocupadas há uma profunda disparidade e o impacto psicológico seja por falta ou não de reconhecimento é evidenciado tanto nos colarinhos brancos e nos operários. E isso contribui para a distinção social dos mesmos. Agora já é possível perceber a ligação de Mills com a sociologia da ocupação e logo, as suas grandes contribuições feitas para o debate em voga, porém escassamente referidas. Apesar disso, obras como a de Mills mostraram a necessidade de alcançar e aprimorar informações sistemáticas sobre aos diferentes tipos de colarinhos brancos. Já que “a passagem de uma dicotomia simples entre proprietários e não-proprietários a uma série de diferenciações no interior da categoria dos não-proprietários” ( MILLS, 1976, p. 307) recaiu na obrigação de autores de ideais marxistas, sobretudo, revisarem a orientação clássica de Marx, que praticamente desconsiderava a contribuição de classes medianas no processo de transformação social. Ainda assim, Mills reconhece a ligação entre política e estratificação social, porém pensa uma revisão de Marx a partir de uma perspectiva psicológica. Essa seria uma tentativa de problematizar a verdadeira vivência individual e da classe média em questão. Já que estas estão permeadas por uma falsa consciência de si e cercadas por vivências de alienação. Mills queria atingir a psicologia da classe média por meio das experiências individuais cotidianas para compreendê-la:

O homem de colarinho branco não tem cultura própria, a não ser os conteúdos da sociedade de massas que o moldou, e procura aliená-lo (...). Alienado do produto do seu trabalho, desempenhando anos a fio a mesma rotina, dedica seu tempo a lazer à diversão ersatz que lhe é vendida, e participa excitação sintética que não tranquiliza nem relaxa. Ele entedia-se no trabalho, enerva-se no lazer, e essa alternância que o esgota (MILLS, 1976, p. 18).

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A partir desses autores citados percebe-se que inicialmente o debate sobre a sociedade pós-industrial foi fortemente marcado por uma perspectiva da esquerda e ancorado por questões políticas que visavam à transformação. Por isso, muitos consideravam essa sociedade de forma positiva, como um passo para uma mudança social. Um deles, autor não referido anteriormente, é o sociólogo Jean Lojkine. Em sua obra A Revolução Informacional, publicada em 1999 o autor traz à tona a questão do monopólio do pensamento ante a dominação capitalista e as novas tecnologias. O ponto está na divisão do trabalho. Segundo Lojkine a revolução informacional representa um grande potencial para minar a distância existente entre dirigentes e produtores. Em outros termos, o monopólio do conhecimento, inerente ao modo da divisão do trabalho, desapareceria com a revolução informacional, bem como a sociedade de classes, a que opõe homens, tendo em vista as grandes modificações nas funções da divisão do trabalho entre os que decidem e os que executam. Outra perspectiva positiva sobre a sociedade pós-industrial, mais atual, é do italiano Domenico De Mais. Em sua obra publicada em 2000, O Ócio Criativo, o autor confia no decréscimo do tempo destinado ao trabalho de produção e no acréscimo de tempo destinado ao trabalho criativo. Por isso, haveria a utilização livre do tempo, este seria gasto tendo em vista a satisfação das necessidades individuais e a liberdade individual de cada um (Cf. DE MASI, 2000). Por sua vez, o sociólogo alemão, Claus Offe, publicou em 1977 o ensaio O crescimento do setor de serviços, onde expõe quatro bases de expectativas de autores otimistas em relação ao crescimento dos serviços: 1) o esforço do trabalhador será atenuado porque não mais realizará empenhos físicos diretamente com máquinas e ferramentas, pois, o trabalhador tratará com pessoas e símbolos; 2) o trabalhador receberá treinamento para atividades específicas aos serviços e as funções administrativas serão burocratizadas; 3) o setor de serviços absorverá o trabalho excedente, assim não haverá desemprego estrutural; 4) o conflito industrial da produção será diminuído ou ainda

eliminado.

Offe

também

exibe

quatro

importantes

explicações

sociológicas acerca do crescimento de serviços e apresenta falhas em todas elas. Em síntese, Offe conclui afirmando que todas têm merecimentos relativos, 29

mas nenhuma delas consegue convencer completamente. Trata-se de abordagens com teores funcionais e estruturais18. Contudo, além de Braverman, passada algumas décadas da obra de Bell, houve outros autores que contestaram o ideal da sociedade pós-industrial e a avaliaram como sendo negativa. Um deles é André Gorz. Já em 1988 Gorz publicou Metamorfoses do trabalho. Nesta obra o autor não vangloria a sociedade de serviços por prover empregos qualificados e empregados autônomos como foi amplamente exposto inicialmente por intelectuais otimistas. Ao contrário, a propósito da perspectiva crítica da racionalidade econômica19, Gorz denuncia a dinâmica de economia de tempo, que é possibilitada pela inovação técnica e o advento de atividades de serviços mercantis de proximidade que antes não eram remuneradas. Há, assim, a perpetuação de uma dinâmica de economia de tempo: basicamente o tempo disponível daqueles que logram atributos que possibilitam uma posição de conforto aumenta, enquanto outros realizam atividades próprias a serviçais, sem status e sem remuneração descente. Gorz relaciona a sociedade em questão com o aumento da precariedade e informalidade nos serviços prestados. É admitido pelo autor que muitas vezes um serviço é requisitado para proporcionar prazer a uma pessoa em particular que deseja ser servida. Deste modo, Gorz declara sua percepção sobre o retrocesso social corrente, pois:

Para uma parte ao menos dos prestadores de serviço, trata-se, dessa vez, de submissão e de dependência pessoal frente àqueles ou àquelas que se fazem servir. Renasce hoje o que a industrialização, depois da segunda guerra mundial abolira: uma classe servil (GORZ, 2007, p. 18).

Gorz, ao perceber o acirramento da racionalidade econômica assume um ponto de vista bastante crítico e por isso difere de autores que vislumbravam a sociedade pós-industrial como um passo para uma

18

Sobre o assunto veja também outro ensaio de C. Offe realizado em parceria com J. Berger, A dinâmica do desenvolvimento do setor de serviços, publicado em uma organização de Offe denominada Trabalho e Sociedade, v. 2, 1991. 19 A racionalidade econômica está atrelada ao cálculo contábil em relação ao trabalho moderno. Já que este tem em vista a troca mercantil devendo então ser o mais eficaz possível (GORZ, 2007).

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transformação social ou a concebiam apenas de um ângulo, valorizando os aspectos positivos desse tipo sociedade e omitindo os aspectos negativos. Finalmente, em vista do debate apresentado e dos autores abordados a intenção do texto até aqui é a de também revelar como a sociologia, de modo geral e a sociologia do trabalho, mais especificamente, esteve ligada à obra de Karl Marx e, portanto, a esfera da produção e aos ideais de transformação social. No tópico a seguir a sociologia do trabalho em serviços será destacada, assim como a temática convergirá para os assuntos específicos da dissertação.

1.2 Sociologia do trabalho em serviços

A partir do ponto de vista de Gorz, anteriormente apresentado, nota-se que as mudanças no mercado, apesar de abrangentes, não atingem a todos de modo equivalente. Incidem, principalmente, sobre os menos favorecidos socialmente. Sob tais circunstâncias, trabalhadores com pouca qualificação e baixa escolaridade acomodam-se em serviços que exigem poucos requisitos e em atividades informais. De modo geral, são serviços pessoais (domésticos, higiene e beleza, hotelaria, alimentação), aqueles que atendem a demanda individual, e serviços distributivos (transporte, comércio, armazenagem) e os que atendem a demanda de empresas após o processo produtivo finalizado (Cf. OLIVEIRA, 2003). Tais atividades, a despeito de sua importância, comumente são desprivilegiadas e logram pouco reconhecimento social. É indubitável a heterogeneidade do setor de serviços. Nele coexistem atividades

modernas

de

alta

tecnologia

que

empregam

profissionais

qualificados e autônomos e; segmentos tradicionais que demandam pouca qualificação e muitas vezes estão relacionados à precarização e/ou informalidade (Cf. ANTUNES, 2009; POCHMANN, 2006). Eles coexistem em diferentes proporções, dependendo da economia de um determinado país. Por exemplo, segundo Morais (2006), no caso brasileiro a dinâmica do mercado de trabalho engendrada nos anos 90 caracterizou-se pela desarticulação da base do trabalho assalariado e pelo aumento intensivo dos segmentos ocupacionais não assalariados, em sua maioria nas atividades de serviços pessoais e domiciliares, ou seja, em ocupações de baixa qualificação, pouco rendimento e 31

com níveis consideráveis de informalidade. Para Morais a configuração da estrutura ocupacional baseou-se no aumento das ocupações de mão de obra semiqualificada,

contrapostas

àqueles

empregos

para

profissionais

especializados – desenvolveram-se dois pólos. Almeida (2004) argumenta nesse sentido, enfatizando que os serviços relacionais são os que mais expandem. Na maior parte são serviços especializados, em que a competência técnica é respeitada. Mas os serviços com menor grau de profissionalização também são requisitados, como os serviços de restauração e atendimento em balcão. Já os empregos em transporte, logística e comércio decrescem, bem como atividades bancárias e em telecomunicação, visto que são serviços capazes de serem padronizados e mecanizados. A procura por serviços relacionais justifica-se, segundo Almeida, devido ao aumento de necessidades e desejos de cuidados, assistência, formação e lazer e também devido ao enfraquecimento de laços de solidariedade de familiares e vizinhos. Fato inegável é que a terciarização é uma importante modificação do mundo do trabalho. Trata-se de um processo gradual que convergiu para o aumento das atividades de serviços (ALMEIDA, 2004). Em termos analíticos esse processo pode ser mensurado pelo incremento na participação no Produto Interno Bruto (PIB) da economia do país e pelo aumento nas ocupações e empregos (Cf. OFFE e BERGER, 1991; SILVA, 2009). No entanto, apesar do setor de serviços ser bastante expressivo na economia e no mercado de trabalho, ainda é pouco compreendido. Na sociologia do trabalho brasileira, mais influenciada por teorias marxistas, os estudos ainda abrangem principalmente o setor produtivo e até o agrário e as análises privilegiam, sobretudo, à organização do trabalho. No Brasil, majoritariamente as pesquisas realizadas sobre o setor são na área da economia, ou em sua fronteira, tratam-se de estudos quantitativos que visam mapear, definir e classificar o setor. Korczynski (2009) evidência três motivos para a negligência de estudos do setor de serviços, são eles: o foco dos sociólogos do trabalho estava nas relações industriais e nos conflitos de classe; os sociólogos do trabalho, majoritariamente homens, desprivilegiavam teoricamente o setor de serviços por ser predominantemente composto por mulheres e; por questões 32

pragmáticas boa parte das pesquisas era realizada em grandes locais de trabalho. A análise da literatura estrangeira da última década indica outra direção, atualmente o setor de serviços é mais analisado do que o setor industrial (KORCZYNSKI, 2009; LOPEZ, 2010). As sociologias do trabalho de serviço: estadunidense, inglesa, australiana, por exemplo, iniciadas na década de 1990 e desenvolvidas ao longo dos anos 2000 incidem em pesquisas empíricas e qualitativas com teor interacionista e estudos organizacionais. Basicamente os debates compreendem temáticas relacionadas ao trabalho emocional, à relação triangular nos serviços (gestor, trabalhador e cliente) e o nexo entre gênero e controle em trabalhos de serviços, já temáticas ligadas à raça são mais raras (Cf. LOPEZ, 2010)20. Segundo Pettinger (2005) o foco nas interações entre trabalhadores e clientes é uma maneira de tentar caracterizar o emprego em serviços, já que o mesmo é considerado pela presença do cliente no ambiente de trabalho e também é uma maneira de abordar estratégias eficazes para a gestão das interações entre trabalhadores e clientes. A precursora obra de Arlie Hochschild, The Managed Heart (1983), ainda é amplamente discutida. Hochschild aborda o poder do controle organizacional sobre os trabalhadores, de maneira crítica, aponta para os custos sóciopsicológicos embutidos aos trabalhadores de serviços. Nessa obra Hochschild apresenta o conceito de trabalho emocional, que consiste na administração de emoções e sentimentos tendo em vista o ideal da interação social. Já a expropriação do trabalho emocional refere-se à coação exercida pela administração sobre os trabalhadores de serviços interativos para que estes omitam e encorajam determinados emoções e sentimentos, visando um bom atendimento e o bem estar do cliente. As emoções são expropriadas do trabalhador com a finalidade de produzir lucro. Com aporte nas considerações de Hochschild evidencia-se a atuação de atendentes de mesa, por exemplo, a partir de um roteiro a ser seguido nas relações com clientes que é adotado 20

Lopez (2010) chama a atenção para o princípio da sociologia do trabalho em serviços, quando o periódico Work and Occupations publicou pela primeira vez uma edição especial sobre o assunto, em 2000, e para o aumento progressivo dos serviços nos Estados Unidos, em contraposição as escassas pesquisas na área. Para chegar a tais conclusões a autora mapeou e examinou os artigos publicados neste periódico desde o fim dos anos 2000 até o fim de 2009 e mais em dois outros periódicos.

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voluntariamente ou forçadamente como estratégias de trabalho que reforçam ou são reacionárias em relação às interações com clientes. Entretanto a expropriação do trabalho emocional é um fenômeno sutil, podendo ser facilmente confundido com identificação espontânea. Segundo a visão de Hochschild “Quanto mais profundo o laço, mais se faz trabalho emocional e menos consciente se é disso” (HOCHSCHILD, 1983, p. 359-360). O empoderamento por parte do trabalhador é relativo, uma vez que ele está sob uma cultura de trabalho, e possui noções sobre como melhor atender o consumidor, sobre a melhor maneira de representar a empresa, ou o comportamento certo ditado pelos administradores e funcionários que trabalham no local há mais tempo, bem como pelas demandas de consumidores por um bom tratamento. Ou seja, percebe-se em algumas situações de serviços certa preponderância de uma cultura do trabalho orientada não por protocolos, mas por práticas de consumo específicas que privilegiam a qualidade da interação. Neste sentido, deve-se atentar para as relações estabelecidas entre consumidores e prestadores de serviços, pois são impregnadas de representações simbólicas que convergem diretamente para a composição da identidade social dos trabalhadores. Karla Erickson (2004) desafia a literatura do trabalho emocional após realizar um estudo em um pequeno restaurante de subúrbio na cidade de Minneapolis nos Estados Unidos. Erickson se posiciona contra os efeitos alienantes da utilização instrumental da emoção no trabalho delineados por Hochschild. A autora utiliza o método do caso estendido de M. Burawoy21. A emoção é entendida por Erickson como estratégia psicológica utilizada em benefício próprio, seja em negociações identitárias ou no desenvolvimento de roteiros para utilizar nas interações no trabalho. Em sua análise, privilegia trocas espontâneas em encontros de serviços e estudou como

os

trabalhadores voluntariamente modificam scripts para adaptar às demandas dos clientes (2004, p. 551). Erickson destaca a temática do gênero e detecta diferenças quanto ao modo de lidar com o trabalho emocional. Mulheres, 21

O método do caso estendido proposto por Michael Burawoy (1998) tem como base a ciência reflexiva, em oposição à positivista. Sob essa perspectiva a objetividade científica é alcançada pelo diálogo orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas. A ideia de Erickson era de estender a teoria do trabalho emocional a partir de cuidadoso trabalho empírico.

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majoritariamente, adotam a estratégia do investimento: aproveitam o uso da emoção e se envolvem; neste caso as relações exigidas para além da troca dão sentido ao trabalho e o trabalho emocional é fonte de prazer. Há certa quebra de papéis entre atendentes e consumidores, dando maior igualdade na relação. Na estratégia do distanciamento, adotadas majoritariamente por homens, há o distanciamento emocional nas trocas de serviço, portanto as práticas do trabalho e as adotadas pelo self autêntico são díspares. O trabalho não é elemento identitário; assim, na ausência do consumidor o trabalhador desloca-se para seu self original. Tendo em vista as contribuições de Hochschild, Nunes (2009) ao analisar serviços subalternos ou de baixa qualificação também apresenta problemas de autenticidade e identificação decorrentes das indeterminações entre “agir normalmente” e o “agir manipulando emoções”. Hochschild (1983) levanta algumas questões nesse sentido para problematizar a relação entre sentimento verdadeiro e fingimento:

Quando as regras de como sentir e de como expressar são estabelecidas pela administração, quando os trabalhadores têm direitos mais fracos de cortesia do que os clientes, quando agir superficialmente e profundamente são formas de labor para ser vendida, e quando a capacidade privada para a empatia e cordialidade são colocadas para os usos corporativos, o que acontece com a forma como uma pessoa se relaciona com seus sentimentos ou sua aparência? Quando a cordialidade excitada tornase um instrumento de trabalho em serviço, o que uma pessoa aprende sobre si mesma de seus sentimentos? E quando um trabalhador abandona seu work smile, que tipo de vínculo permanece 22 entre seu sorriso e o seu self? (HOCHSCHILD, 1983, p. 89-90).

No entanto, sociólogos do trabalho que utilizam as abordagens do trabalho emocional têm sido alvo de criticas por privilegiar apenas um aspecto da interação (o trabalho emocional) e desconsiderar ou abordar de forma superficial outros aspectos que interferem na conduta do trabalhador e do cliente, como por exemplo, aspectos econômicos e o contexto organizacional (Cf. PETTINGER, 2005). Ainda existem críticas relativas ao poder de agência dos trabalhadores e os aspectos positivos do trabalho emocional, como os elencados por Erickson. Somado a isso, importantes questões relativas à 22

Tradução própria.

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identidade social e expropriação do trabalho emocional são encobertas, apesar da intrínseca relação de ambos, como mostrado anteriormente pelas palavras de Hochschild. A análise de relações entre trabalhadores e consumidores e clientes também é recente na sociologia do trabalho e decorre de novos estudos na área de serviços. Para Korczynski (2009) este tipo de análise é importante porque é uma tentativa de atenuar as lacunas existentes entre a sociologia do trabalho e sociologia do consumo. Para o autor pensar os consumidores e clientes como figuras centrais nas relações de serviços pede que “sociólogos do trabalho e sociólogos do consumo comecem a falar uns com os outros em vez de uns sobre os outros” (p. 956). Pettinger (2005) observa, por exemplo, que os trabalhos realizados sobre o atendimento ao serviço comumente tratam o cliente a partir do ponto de vista do trabalhador ou da gestão e raramente a partir do ponto de vista do próprio cliente. Desta forma, Pettinger identifica que em pesquisas que são desenvolvidas por métodos etnográficos sobre as ocupações de serviços o cliente aparece de forma marginalizada. Os clientes carecem de ênfase porque também influenciam o encontro de serviços e até exercem certo controle nas interações. Além disso, há ainda a ideia de que os serviços colaboram para a constituição de identidades de consumo, tanto dos consumidores como dos trabalhadores. Neste sentido, os serviços modificam até mesmo aspectos culturais e econômicos de países. Já Johston e Sandberg (2008) advertem que, apesar da literatura de serviços abordar os clientes de modo secundário, há trabalhos na literatura do consumo que privilegiam o papel do cliente e parte da ideologia da soberania do cliente, o que conduz, de certa forma, a considerar a agência nas interações de serviços aos consumidores e não trabalhadores. Em contraposição existe a perspectiva teórica que considera a tríade de poder nas relações de serviço (trabalhador, gestor e cliente); sob este ponto de vista considerar de tal maneira a soberania do cliente e agência do mesmo é inapropriado porque desfigura atores que compõem a situação social. Neste sentido, o controle das interações sociais perpassa, de modos desiguais, por diferentes atores sociais. E a análise sobre o assunto é mais complexa do que da maneira como tem sido tratada. 36

Outro interessante elemento recentemente abordado nas pesquisas sobre serviços trata o grau de desigualdade, de status e hierarquia, entre trabalhadores e clientes e consumidores. A ideia é mostrar como as interações entre trabalhadores e clientes constituem hierarquia de status para ambos (Cf. LOPEZ, 2010). Uma obra clássica que elucida a ênfase nos consumidores é Counter Culture (1988) de Susan Benson. A obra é pioneira no estudo do trabalho em serviços, sua análise parte de uma abordagem histórica. A autora é também valorizada por, mesmo diante da forte influência marxiana nos estudos sobre trabalho, utilizar o conceito de cultura do trabalho de forma pertinente (Cf. MCGRAW, 2005). No que se refere especificamente ao objeto de pesquisa dessa dissertação trata-se de garçons de bares restaurantes, que fazem parte de um grupo de trabalhadores de um lado específico dos polos da sociedade de serviços, mas que não integram a parte extrema do polo. Comumente garçons são trabalhadores que possuem pouca qualificação e baixa escolaridade, por isso, se acomodaram em uma atividade que exige pouco e possibilita rendimento considerável, analisado-se o nível de exigência inicial de qualificação.

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PARTE 2

CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES RESTAURANTES

2.1 Os bares restaurantes como locais de análise

Os bares restaurantes são preconizados nesta dissertação por alguns motivos. Inicialmente a análise privilegia o trabalho formal, por isso estabelecimentos estritamente familiares e comportando atividades sem vínculo formal são descartados. O crivo do trabalho formal permite utilizar com mias confiança bases de dados administrativas como a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e estatísticas, como a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios). Mercearias, botecos e bares com organização mais simples foram rejeitados porque além de muitas vezes serem estabelecimentos informais e familiares, comumente não incorporam o trabalho de garçons, já que o proprietário, seus familiares e até mesmo os clientes executam as tarefas do garçom. Muitos estabelecimentos se aproximam a isso. É o caso de estabelecimentos que foram transformados com a chegada de grandes redes de supermercados. No caso dos armazéns e mercearias, por exemplo, passaram, para se manterem no mercado, a comercializar bebidas alcoólicas para consumo no próprio estabelecimento, tornando-se também “botecos”. É o caso do centenário e familiar Armazém do Senado no Rio de Janeiro, segundo o proprietário, as mudanças no comércio atacadista fizeram com que eles fossem obrigados a mudar “aproveitando o aspecto do armazém que é atraente, folclórico do Rio de Janeiro e com a tradição da casa a gente conquista o freguês”. A trajetória do Joaquim, atual proprietário de um bar de Goiânia, explicita parte de sua história que se assemelha ao assunto:

O certo pra fazer era um comércio rápido de pouco investimento, seria uma mercearia. Foi exatamente o que eu coloquei, uma mercearia porque você ia comprando, girando, pagando e você ia formando o patrimônio. E com o tempo Goiânia foi crescendo, desenvolvendo, desenvolvendo, ai veio o Pegue Pague, o Mini Box, veio esses supermercados e eles me engoliram. E ai eu migrei pra outro lado, que se chama comida, bar, e ai a coisa deu certo, pegou. Com minha luta, minha insistência pegou. E até hoje continuo insistindo nesses trinta e oito anos continuo insistindo pra não deixar cair. Deu certo? Deu! Dentro deste contexto de mercearia eu comecei a colocar outras coisas que se chama espetinho, a tradição goiana hoje né, sempre foi né, desde que começou. Colocar o espetinho, a cerveja, isso foi pegando e deixei a fatia que eu tinha dos secos e molhados e fui ficando com outro, que foi a bebida.

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Mas inicialmente a intenção foi pesquisar bares, devido à imagem desse tipo de estabelecimento como local democrático, de sociabilidade e atenuante de diferenças sociais. O bar representa momento de descanso, de informalidade nas relações que são desenvolvidas em torno do balcão ou mesa, acompanhado de alguma bebida (Cf. CHALHOUB, 2001). Na apresentação do livro Ponto Chic de Angelo Iacocca (2011), o jornalista Ignácio Brandão conta suas recordações do antigo e famoso bar paulista, note

a

imagem que faz do lugar:

O Ponto Chic foi a instituição mais democrática que conheci. Igualava classes sociais Promovia a solidariedade. Dia e noite, cheio. (...). Ali era o ponto de encontro, num tempo em que os bares ou restaurantes eram lugares para se jogar conversa fora. Hoje, come-se e bebe-se 23 discutindo negócios .

As palavras de Brandão expressam uma representação social24 positiva acerca do Ponto Chic e dos bares de modo geral. Todavia essas representações sociais de bares também conservam resquícios de discursos médicos e governamentais do início do século passado que visavam alcançar à modernidade, à civilização e à ordem. O bar, o botequim, o cabaré eram, e em até certo ponto são até hoje considerados:

em contraposição à fábrica, à oficina e ao escritório, espaços do trabalho, e ao espaço do lar. Considerava-se que esses espaços de lazer encorajavam a indisciplina e libertinagem, neles se misturavam sociabilidade, violência, prazer e desordem, causando problemas no trabalho e ruína na vida doméstica. (...) O bar, a taberna, o botequim, pontos de encontro para beber, jogar, centro aglutinador e difusor de informações, mas também de território onde se desenrolavam conflitos e brigas por diferentes motivos (MATOS, 2000, p. 75-76).

23

O Ponto Chic foi inaugurado no ano de 1922 no centro de São Paulo e é bastante famoso pelo sanduíche de Bauru. Na época o centro da cidade era bastante movimentado, perto do bar havia cinemas e shoppings. Atualmente, com a descentralização da cidade, o Ponto Chic tem-se espalhado por São Paulo (Cf. IACOCCA, 2011). 24 As representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas, organizadas de maneiras diferentes. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos e grupos, constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simbólica e uma representação desse campo (DOISE, 2001, p. 193).

39

No entanto, ao longo do tempo, devido a várias mudanças sociais, os bares têm mudado e assumido outra feição. Há a ideia de que a presença de mulheres e familiares em bares, outrora incomum, por exemplo, modificam estabelecimentos, tornando-os mais “limpos”. As opções do cardápio expandem e passam a existir atrativos para crianças, por fim, as refeições continuamente deixam de serem feitas em casa (Cf. FISCHLER, 1998) e os bares tornam-se cada vez mais bares restaurantes. Fato é que dentre as opções para os consumidores usufruírem, os bares restaurantes têm predominado em detrimento de outros, como o típico barbotequim, hoje mais caracterizado pela informalidade e familiaridade nas relações de trabalho25. A análise então privilegia estabelecimentos do tipo bar restaurante. Deve-se

ponderar

também

que

houve

uma

expansão

de

estabelecimentos de alimentação e de lazer no período pós-industrial e o que ocasionou o aumento da demanda pelos serviços de garçons. Com isso, o tempo de qualificação profissional da categoria diminuiu. Estabelecimentos de alimentação que não carecem dos serviços de garçons também aumentaram, graças aos estabelecimentos que oferecem outros tipos de serviço, como o drive thru, o fast foods ou o self-service. Se antes chefes e garçons iniciavam suas

carreiras

lentamente

e

alçando

novos

degraus

dentro

de

estabelecimentos de alimentação ou do ramo da hotelaria, atualmente o percurso tem sido modificado. Marra, Rego e Jardim (2002), ao discorrerem sobre a valorização da gastronomia e de certos estabelecimentos de alimentação, expõem parte desse processo: A maioria dos antigos chefs começou lavando pratos. Surgiram assim grandes profissionais, mas sem preparo – sua cultura culinária, higiene alimentar e noções de saúde eram intuitivas. Quem entrava na profissão vinha geralmente do Nordeste. Hoje muitos jovens de classe média querem seguir a carreira e para isso fazem cursos no Brasil e no exterior. O perfil e a bagagem cultural dos chefs melhoraram, fazendo com que vários deles assumissem as rédeas do negócio, vendendo inclusive vendendo produtos com sua grife. (...) O restaurante “de dono”, no entanto, continua a existir mais forte e empresarial do que nunca. Exemplo disso é o Fasano, que deixou de 25

Obras de referência sobre o bar botequim foram escritas: uma delas é o livro de Sidney Chalhoub, Trabalho, Lar e Botequim; o artigo de referência de Luis Machado da Silva, O significado do botequim; a crônica de João do Rio, A alma encantadora das ruas; o livro de Luiz Edmundo O Rio de Janeiro do meu tempo, dentre outras.

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ser familiar quando Rogério Fasano fez sociedade com outros empresários (p. 170-171).

2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos

Os critérios para escolha dos bares restaurantes partem inicialmente da construção de tipos ideais puros (Cf. WEBER, 1992) de estabelecimentos. O tipo ideal é um meio metodológico que permite apreender discursivamente a realidade. Trata-se de uma construção racional do pesquisador que consiste em exagerar alguns aspectos característicos de um fenômeno a partir de um ponto de vista. O referencial e a objetividade do tipo ideal permitem “medir e comparar tal fenômeno pela diferença que mantém com relação ao seu tipo ideal” (Cf. SAINT-PIERRE, 2004, p.58). Segundo MCKinney (1966), que analisou a construção de tipologias na pesquisa sociológica, no livro Constructive typology and social theory (1966), não é possível esgotar a realidade empírica em sua totalidade e complexidade, por isso é necessário realizar uma seleção da mesma. Para tanto realiza-se construções a partir de abstrações intelectuais. Desta maneira, o único e o exótico são ignorados da experiência perceptiva do pesquisador. Obviamente deve-se avaliar que a generalização tem um custo. Entretanto a ideia apontada por McKinney é a de reduzir objetos de análise, por vezes, considerando casos dessemelhantes como similares, para diminuir o número de relações examinadas e possibilitar a análise científica ao designar relações hipotéticas entre variáveis. McKinney apresenta dois tipos de abstração. A primeira é a “abstração da qualidade comum entre elementos diferentes”, ou seja, ao invés de considerar por que objetos são diferentes entre si, leva-se em conta o que os mesmos têm em comum. No processo abstrativo pensa-se, por exemplo, sobre o que há de comum entre palmeiras, pinheiros e macieiras – é que todas são árvores – assim é valorizada a semelhança genérica dos objetos, mas não as diferenças especificas delas. A segunda é a “abstração sob a forma de seleção” tendo como base os interesses teóricos do cientista, ou seja, esse tipo de abstração considera o semelhante por demais complexo, pois é repleto de qualidades mais simples. As diferentes qualidades aqui então são valorizadas a 41

partir de um problema particular, o cientista tem a função de selecionar certas qualidades e excluir outras. As omissões limitam a construção, mas é justamente isso que permite o cientista distinguir o que é essencial e o que não é em relação ao problema analisado (Cf. McKINNEY, 1966). A segunda maneira de realizar a abstração é aqui privilegiada. Os tipos ideais foram elaborados durante a iniciação científica e anteriormente a ida ao campo. A construção dos tipos ideais partiu de observações do cotidiano, dados históricos e referências bibliográficas. Foram considerados, por exemplo, desde a música de Noel Rosa e Vadico “Conversa de Botequim” (Anexo F) à obra “Trabalho, Lar e Botequim” de Sidney Chalhoub. Os

tipos

ideais

construídos

opõem

bares.

De

um

lado,

o

“estabelecimento tradicional”, é caracterizado por relações de proximidade e confiança, sociabilidade e integração, são estabelecimentos informais de bairros com fregueses fixos, em que o proprietário está no controle e é bastante presente na dinâmica do bar. Trata-se do típico botequim carioca. Muitas vezes conhecido como “pé-sujo”, em referência aos insuficientes cuidados com higiene e limpeza; a popularidade vem do “boca a boca” (Cf. MELLO, 2003). De outro lado, o “estabelecimento moderno”, é caracterizado pela efetivação de encontros impessoais, são estabelecimentos formais, que preconizam a marca e imagem do estabelecimento. Cuidados com a apresentação, higiene e instalações do estabelecimento são essenciais e delineiam esse novo estilo de bar. Os serviços de acessória de imprensa são requisitados para trabalhar o conceito do estabelecimento e buscar notoriedade (Cf. SANTOS, 2005). Além disso, ir a um “bar moderno”, em contraste aos botecos de bairro, adquiriu status de realização de um programa, em que se deve vestir apropriadamente. No “bar moderno” a figura do proprietário é praticamente inexistente, a dinâmica do bar é traçada muito mais por profissionais especializados do que pelo proprietário. A existência de filiais ou até mesmo franquias é comum neste tipo de estabelecimento. Mello (2003) sugere uma contraposição semelhante de bares a partir da clientela do local: o bar de proximidade conta com fregueses fixos; já o bar de passagem absorve uma clientela flutuante. Por sua vez, ao discorrer sobre o 42

significado

comunitário

dos

botequins,

Silva

(2011),

caracteriza

estabelecimentos segundo: a intensidade da permanência no local, ou seja, o tempo que o consumidor permanece no lugar e; a intensidade da frequência dos clientes, ou seja, ao número de vezes que a mesma pessoa frequenta o estabelecimento. Em cada cidade quatro estabelecimentos foram pesquisados e escolhidos segundo a tipologia construída (bar tradicional/bar moderno). Contudo, a pesquisa de campo aponta para a complexidade dos locais pesquisados. Em consonância aos pensamentos de McKinney (1966) nota-se que a simples oposição de bares construída para os tipos ideais não compreende suficientemente a realidade empírica dos estabelecimentos, ainda que permita comparar dados empíricos aos tipos ideais construídos. O recurso metodológico utilizado inicialmente é contornado a partir de tipos descritivos de estabelecimentos, construídos ao longo da pesquisa de campo e já em período de análise, tendo em vista os objetivos específicos do projeto e às teorias tomadas. Duas tipificações descritivas pensadas ao longo da pesquisa de campo compõem a caracterização de bares restaurantes: uma referente à cultura do trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons clientes e consumidores (informal ou formal). Em seguida, já na fase de análise, as construções discursivas a respeito dos estabelecimentos foram adequadas nas tipificações. A pretensão metodológica das tipificações é a de alcançar de maneira mais eficaz a complexidade dos estabelecimentos selecionados e principalmente transpor fatores ora ligados à tradição, ora à modernidade. As tipificações elaboradas consideram então modos de direção de estabelecimentos, maneiras de organizar o trabalho e formas de consumo no que se refere ao tratamento efetivado entre garçons e clientes e consumidores. Esclarecimentos sobre as tipificações descritivas serão apresentados ao longo do texto. Aqueles referente à cultura do trabalho vêm logo a seguir; os referentes a interações entre garçons e consumidores e clientes serão explicitados na terceira parte da dissertação. Por ora basta dizer que a cultura do trabalho familiar e as interações informais entre garçons, clientes e consumidores remetem ao tipo de “estabelecimento tradicional”. Já a cultura do 43

trabalho empresarial e as interações formais entre garçons e clientes e consumidores

relacionam-se

ao

“estabelecimento

moderno”.

Um

estabelecimento pode ser então definido conforme as seguintes combinações explicitadas no Quadro 2:

QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS

Cultura do trabalho Interações entre garçons e consumidores e clientes Familiar

Informal

Empresarial

Formal

Familiar

Formal

Empresarial

Informal

2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial

Adota-se aqui a posição de S. Benson (1988), que considera a cultura do trabalho como as “ideologias e práticas com que os trabalhadores demarcam, de modo relativamente autônomo, a esfera de ação do trabalho” (BENSON, 1988, p. 228). Esse conjunto remete à acumulação informal de valores e regras habitualmente utilizados, transmitidos e impostos e está de acordo com a estrutura de autoridade do local. Para Benson a cultura do trabalho é criada pelos trabalhadores para enfrentar limitações e maximizar as possibilidades no trabalho. Nela estão incorporadas as noções que os empregados têm acerca do trabalho. A cultura do trabalho está atrelada ao mesmo tempo à gestão do estabelecimento e a gestão própria do empregado no trabalho e constitui um resultado da combinação de ambos. Além disso, sua compreensão aprimora

a análise das interações estabelecidas no local de

trabalho. Quanto à construção dos tipos ideais relativos à cultura do trabalho de bares restaurantes tomou-se como base a argumentação de Boltanski e Chiapello apresentada no livro O novo espírito do capitalismo (2009). Os autores escrevem sobre as mudanças ocorridas nas empresas ao longo do 44

século XX acerca do processo econômico em contexto da França. Duas descrições tipificadas do espírito do capitalismo26 foram criadas. Para tanto a literatura da gestão empresarial voltada para executivos é utilizada como base, pois além do caráter técnico possui teor moral, trata-se de uma literatura normativa que visa estimular e atrair executivos. Textos da década de sessenta e da década de noventa, do século passado, foram comparados pelos autores na tentativa de compreender o processo de transformação do espírito do capitalismo. A primeira tipificação remete ao início do século XX e ao capitalismo familiar, em que “proprietários e patrões eram conhecidos pessoalmente por seus empregados, o destino e a vida da empresa estavam fortemente associados aos destinos de uma família” (p.51). A figura do burguês empreendedor e a descrição dos valores burgueses estão no centro desta tipificação. Ambos

contribuem com os elementos de segurança numa combinação original que associava as disposições econômicas inovadoras (avareza ou parcimônia, espírito poupador, tendência a racionalizar a vida cotidiana, em todos os aspectos, desenvolvimento de habilidades contábeis, de cálculo e previsão) posicionamentos domésticos tradicionais: importância atribuída à família, à linhagem, ao patrimônio, à castidade das moças (para evitar comportamentos desvantajosos e dilapidação do capital); caráter familiar ou patriarcal das relações mantidas com os empregados (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 49).

A segunda tipificação do espírito do capitalismo é desenvolvida nos anos trinta a sessenta e representa a separação entre propriedade e direção. Tratase do capitalismo de empresa; nela é central a figura nova de profissionais como diretores e administradores assalariados, “à qual é progressivamente transferido o gerenciamento operacional das grandes empresas, já que os proprietários se confinavam ao papel de acionistas” (CHANDLER, 1988 Apud BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 85). Neste tipo de empresa, a família é desvinculada dos negócios. A burocratização é um processo corrente, há a hierarquização dos postos e a presença de supervisores cada vez mais 26

O espírito do capitalismo não é entendido para os autores como em Max Weber. O espírito capitalista weberiano remete aos motivos éticos relacionados ao protestantismo que inspiram as ações de empresários em prol da acumulação capitalista na gênese do sistema capitalista. Boltanski e Chiapello buscam saber das razões morais que corroborem aliar-se ao capitalismo. Para eles o espírito do capitalismo é “a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 39).

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qualificados bem como a existência de acionistas anônimos. A seguir a descrição de Boltanski e Chiapello (2009) do tipo “capitalismo de empresa”:

Centrada no desenvolvimento, no início do século XX, da grande empresa industrial centralizada e burocratizada, fascinada pelo gigantismo, essa caracterização tem como figura heróica o diretor que diferentemente do acionista que procura aumentar sua riqueza pessoal, é habitado pela vontade de aumentar ilimitadamente o tamanho da firma que ele dirige, com o fim de desenvolver uma produção de massa, baseado em economias de escala, na padronização dos produtos, na organização racional do trabalho e em novas técnicas de ampliação dos mercados (marketing) ( p. 50).

Segundo os autores há separação entre propriedade e direção, ou seja, o proprietário não necessariamente está na chefia da empresa, o que recai na profissionalização de cargos executivos, já que os proprietários de empresas desejavam serem mais autônomos e compartilhar poder de decisão e por vezes até criavam níveis hierárquicos, mas não distribuíam poder. A direção passa a ser menos centralizada na figura do proprietário, a empresa deixa de ser pessoal e dirigida por uma burguesia patrimonial e passa a ser dirigida por uma burguesia de dirigentes assalariados e qualificados a nível superior. A separação entre patrões patrimoniais e executivos assalariados desvela críticas em relação ao modo de direção tradicional:

A legitimação dos executivos tem como reverso negativo a deslegitimação do patronato tradicional, a crítica à mesquinharia, ao autoritarismo e a irresponsabilidade que demonstram. São especialmente denegridos os pequenos patrões, acusados de abusar de seu direito de propriedade, de confundir os interesses de empresa com as da família, instalando os integrantes incapazes em postos de responsabilidade, e de pôr em perigo não só a sua a sua própria firma como a sociedade inteira por ignorarem as técnicas modernas de administração das organizações e comercialização dos produtos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p.96)

Os mecanismos criados como solução para a centralização da direção e motivação dos trabalhadores são descritos pelos autores, tais como a administração por objetivos e a meritocracia. A administração por objetivos consiste em conceder certa autonomia aos executivos diante de suas funções. Os critérios de avaliação de desempenho são objetivos e visam ponderar promoções de trabalhadores e nortear planos de carreira. Dessa forma a 46

ordem vigente nas empresas é racionalizada e valoriza-se o mérito. Em contraposição, julga-se que as empresas familiares avaliam os trabalhadores de forma subjetiva, portanto de forma injusta. Além disso, “os novos sistemas de avaliação também se caracterizam por acabar com a promoção por antiguidade, que só recompensa a fidelidade – valor doméstico por excelência –, mas não a eficiência” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 95). Boltanski e Chiapello acreditam que diante da elevação do nível educacional e do fenômeno do individualismo emergem também justificações morais contrárias as relações de dominação e de hierarquia nas empresas. A organização do trabalho passa a ser mais horizontal, os trabalhadores não dependem mais dos patrões para trabalhar, se organizam em equipes e são relativamente autônomos para realizar suas tarefas. Contudo, perante a alta concorrência a lógica do trabalho passa a privilegiar o cliente, ele se torna o patrão dos trabalhadores e exerce controle na lógica de trabalho. Trata-se da mudança do controle para o autocontrole focando na satisfação do cliente27. No livro O fim da Ideologia Bell dedica o capítulo O desaparecimento do capitalismo familiar para abordar o assunto. Segundo Bell o capitalismo familiar está relacionado à propriedade e ao casamento dinástico. A propriedade possibilita poder e o casamento dinástico possibilita a transmissão da propriedade pelas leis da herança, conservando, assim, a empresa familiar. No entanto, a relação entre família e propriedade tem sido minorizada, por alguns motivos, de ordem econômica ou relacionados a formas de organização familiar. Os econômicos referem-se, sobretudo, à estima pela utilização de técnicas administrativas na empresa, ao invés do privilégio das relações familiares no trabalho. As mudanças na constituição das relações familiares também contribuem para a modificação do capitalismo:

Na sociedade burguesa, o matrimônio era um meio para manter as relações sexuais dentro de determinados limites; no casamento burguês, como observou com espírito Denis de Rougement, cada mulher tinha um marido e desejava uma amante. As grandes novelas 27

D. Linhart (2007) identifica a “empresa participativa” e a figura central do cliente na nova dinâmica de trabalho de forma negativa, o controle outrora exercido pela tecnologia passa a ter o cliente como o pressionador do trabalho e os colegas de trabalho tornam-se competidores para diferenciar o atendimento prestado. Segundo a autora esta estratégia de gestão preconiza o equilíbrio e o consenso e desconsideram a desigualdade de status dos trabalhadores.

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européias do século dezenove – Ana Karênina, de Tolstoi, Madame Bovary, de Flaubert, com sua geometria do adultério, ilustram este paradoxo. O desenvolvimento do romantismo, a grande importância atribuída às ligações individuais e á livre escolha do companheiro, a tradução das paixões em termos seculares e carnais – tudo isso trabalhou contra o sistema de casamento “dinástico”. A emancipação da mulher significou, num certo sentido, o desaparecimento de um dos aspectos estáveis da sociedade burguesa. Se as mulheres pudessem casar-se livremente, inclusive desrespeitando as fronteiras de classe, o sistema econômico com que o matrimônio “dinástico” estava entreligado perderia em parte sua continuidade (BELL, 1980, p. 34).

Bell acrescenta que é preciso entender a conjuntura econômica que marcou os Estados Unidos no período de 1890 a 1910 para entender o trânsito do capitalismo. A crescente expansão industrial até o fim do século XIX proporcionou diversas crises econômicas que foram contidas pelo sistema financeiro. Os banqueiros assumiram a função de reorganizar empresas em crises. Um novo profissional é então empregado, o gerente. Trata-se da origem do “capitalismo financeiro” nos Estados Unidos e da separação entre propriedade e família. Todavia, na medida em que os gerentes se mostravam suficientemente capazes para desempenhar sua função, o papel realizado por banqueiros é suprimido. Assim, continuadamente, cada vez mais, gerentes reinvestem e buscam o lucro. Através

do

processo

de

esgotamento

do

capitalismo

familiar

apresentado por Bell nos Estados Unidos nota-se que o acesso ao poder não é mais ditado pela herança familiar, pela propriedade privada, mas pela competência técnica adquirida. Bell destaca ainda que a empresa familiar tem mais fôlego na Europa, por causa da “persistência dessas empresas, caracterizadas pela prudência, o conservadorismo e a rejeição do capital externo” (1980, p. 34). Já nos Estados Unidos não prevalecem obrigações de herança e há a ideia de que o indivíduo deve-se estabelecer a partir do desenvolvimento de suas próprias capacidades e não suceder o pai. Boltanski e Chiapello argumentam a este respeito:

A eliminação dos comportamentos vinculados a uma lógica doméstica é tarefa urgente na velha Europa, especialmente na França, ainda impregnada por um passado feudal de alianças e privilégios. Por toda a parte se encontram resquícios do Antigo Regime, e, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, que tiveram a sorte de nunca terem sido submetidos por esse tipo de regime e de terem sido constituídos

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já de início com a sociedade de iguais, é urgente dar-lhe o golpe de misericórdia. A adoção dos métodos americanos, mais democráticos, mas também mais eficazes, é também sentida na França como uma questão de sobrevivência, pois o poder dos Estados Unidos é tal, que os autores franceses têm medo de não conseguirem resistir a uma invasão econômica (p. 95).

As considerações de, Boltanski e Chiapello, quanto às formas de direção foram aqui incorporadas para construir os tipos descritivos de cultura do trabalho em bares restaurantes. A predominância em cada estabelecimento dos três seguintes aspectos é avaliada: a presença ou não do(s) proprietário(s) na dinâmica do estabelecimento; a relação existente entre a direção e os trabalhadores e; o desenvolvimento da organização do trabalho. O Quadro 3 a seguir ilustra a tipologia construída: QUADRO 3 – TIPOLOGIA PARA A CULTURA DO TRABALHO

Tipos descritivos Variáveis

Proprietário

Organização do trabalho Relação entre direção e trabalhadores

Bar Tipo Tradicional

Bar Tipo Moderno

Cultura do trabalho

Cultura do trabalho

“familiar”

“empresarial”

Presente na dinâmica do

Ausente na dinâmica do

estabelecimento

estabelecimento

Individual, seguindo

Em equipes, decidindo

ordens da direção

tarefas coletivamente

Pessoal

Impessoal

A análise pioneira de Foote Whyte da “estrutura social do restaurante” influiu bastante na construção da tipologia de cultura do trabalho aqui considerada. Em 1949 o sociólogo publicou um artigo com a intenção de discorrer sobre as principais diferenças entre fábricas e restaurantes, principiando pela relação tripartite dos estabelecimentos de serviços, que incluem o consumidor no processo de trabalho. Foote Whyte apresenta, nesse artigo, cinco estágios de desenvolvimento de restaurantes, pois em 49

restaurantes pequenos os problemas de coordenação e atendimento ao cliente são relativamente simples, mas não em grandes estabelecimentos que necessitam de uma maior estrutura para atender todas as demandas. Os estágios elencados por Foote Whyte ajudam a compreender a tipificação da cultura do trabalho e as mudanças que ocorrem em estabelecimentos de alimentação. No primeiro estágio, em restaurantes pequenos, há pouca divisão do trabalho: o proprietário e os outros funcionários atuam em todas as funções: balconistas, lavadores de pratos, atendentes, basicamente todos dispensam ordens pelo balcão. No segundo estágio ainda há flexibilidade e informalidade nas atividades desenvolvidas. O proprietário conhece a maior parte dos clientes. O estabelecimento ainda não requer elaboração formal de papéis de trabalho, bem como controles. O aumento nos negócios solicita certa divisão de trabalho (lavador de pratos, funcionários de cozinha, funcionários que recepcionam clientes, etc.). Apesar disso, o proprietário ainda consegue intervir diretamente nos problemas de coordenação do restaurante. O crescimento dos negócios leva ao estágio três, caracterizado pelo aumento da complexidade da organização e do tamanho físico do estabelecimento. Somado a isso, gerentes e/ou supervisores são contratados já que o proprietário não consegue mais realizar todas suas funções. O estágio quatro emerge quando o proprietário percebe que se aumentar a divisão do trabalho pode receber um número maior de clientes. Atividades são criadas para diminuir o trabalho de alguns funcionários e tornálo mais específico e eficiente. Passam a existir: o supervisor de controle de qualidade, o funcionário responsável pela bebida (bartander), o trabalhador da copa, o carregador de louças, atendentes de despensa etc. Basicamente o último estágio apresentado é caracterizado pela existência de outros níveis de autoridades, exercidas por funcionários localizados em um escritório central. O artigo de Foote Whyte ilustra de forma bastante clara a tipologia criada para a cultura do trabalho em bares restaurantes. O crescimento do estabelecimento e o acentuamento da divisão do trabalho na prestação de serviços modificam a cultura do trabalho de diferentes formas. Isto remete ao 50

tema abordado no tópico seguinte, a caracterização dos estabelecimentos pesquisados.

2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho

A seguir os oito bares restaurantes pesquisados serão previamente apresentados.

Depois os estabelecimentos são analisados em relação às

culturas do trabalho, de forma comparativa.

2.4.1 Bares restaurantes de Campinas

O Bom Bar é um antigo estabelecimento de Campinas, passa dos 50 anos e foi classificado como representante da cultura do trabalho do tipo familiar. O estabelecimento já teve três donos, o atual proprietário, o português João, está no comando há dezessete anos. A trajetória de trabalho do proprietário do Bom Bar é ascendente, começou como empregado. É relativamente comum no ramo que empregados se tornem, ou ao menos desejem, serem proprietários de estabelecimentos na área. João, por atuar no ramo e ter estudado pouco acabou tornando-se dono de bar. Atualmente o estabelecimento conta com a colaboração de mais de trinta funcionários. Quatro garçons atendem pouco mais de trinta mesas. Também existem clientes que se acomodam sob a mureta ou em pé de frente ao balcão. A mureta divide os dois espaços do bar: a parte interna com poucas mesas de madeira e a parte externa, com mesas de plástico na calçada. O lugar consegue atender cerca de até duzentas pessoas. João é presente na dinâmica do bar, no entanto, não fica o tempo todo no lugar, ele é responsável pelo comando do lugar no primeiro turno e no segundo turno um sócio minoritário assume. O entrevistado não sente a necessidade de estar no estabelecimento durante o período noturno, mas comumente passa para conferir o ambiente. O Bom Bar funciona quase vinte quatro horas por dia, pois fecha de madrugada, dependendo do dia mais cedo ou tarde e abre às seis da manhã. Muitos vão ao bar apenas para comprar quitutes para levar, na parte da manhã ou no mais para o fim da tarde o movimento na parte de dentro do 51

bar lembra uma padaria. Acima do balcão, por exemplo, há um quadro de preços. Pratos-feitos são serviços no horário do almoço, no dia de sexta-feira há uma opção especial: a bacalhoada. Os funcionários do Bom Bar, de modo geral, logram um tempo considerável de serviço prestado ao estabelecimento. Não há música ambiente ou apresentações de músicos. O som local é das pessoas conversando, é um lugar de convivência de amigos e de desconhecidos. Trata-se de um bar frequentado por várias classes sociais, mas a classe média predomina. O Bom Bar é localizado no Bairro Cambuí, região antiga e nobre da cidade. No Cambuí concentra-se a maior parte dos estabelecimentos do ramo de serviços de alimentação da cidade, já que predominam bares, restaurantes, cafés, lanchonetes e boates. Em frente ao estabelecimento há uma exuberante igreja que é um ponto turístico e centro cultural da cidade. Na praça há um teatro e muito dos que frequentam o teatro passam pelo Bom Bar. Também ocorre na praça uma feira de artesanato e antiquários semanalmente. O local é conhecido por ser um ponto de encontro de jornalistas por ficar aberto até tarde e por ser anteriormente bastante frequentado por estudantes universitários da cidade. O Balhego Imperial foi classificado como próximo à cultura do trabalho do tipo empresarial. Talvez ele seja o estabelecimento do ramo mais antigo de Campinas, está quase completando os seus 80 anos. O Balhego modernizouse junto à cidade; possui filiais e existem acionistas que investem na marca. Entretanto o nome do bar, que advém do sobrenome do primeiro proprietário, um imigrante, permanece. Além disso, uma rede de padarias da cidade pertence aos proprietários do Balhego; a rede fornece salgados para o estabelecimento. Na década de 1980 o bar foi vendido para um português, daí virou rede e se expandiu. Neste sentido é um bar “sem dono”. Ao longo do processo de modernização parte das demandas de consumo foi atendida. Além do Balhego Imperial, localizado no Centro da cidade, existem mais dois outros estabelecimentos em Campinas, O Balhego Hall e o Balhego Cambuí. O primeiro é localizado em um dos shoppings da cidade e o outro em um Bairro nobre da cidade. O Imperial permanece no mesmo local desde o princípio. É um local pequeno e aconchegante, ao contrário das filiais que comportam o número bem maior de frequentadores. A marca do Balhego é levada para outras filiais e é adequada ao local e a clientela, em contrapartida o Imperial é 52

conservado. Por isso, possui ao mesmo tempo uma clientela cativa e uma passageira, composta por curiosos turistas, por exemplo. Gerações passam pelo estabelecimento, desde avós a netos e muitos funcionários permanecem trabalhando no local e percebem o fluxo familiar. Na entrada há um pequeno espaço para exposição de produtos que levam a marca Balhego: tulipas, camisetas, bonés, etc. É necessário frisar que o bar pesquisado foi o Balhego Imperial, contudo, uma apreciação das filiais foi realizada para contextualizar a marca. O estabelecimento é em um pequeno prédio com três andares: no térreo é o bar; no primeiro há o banheiro para clientes e o depósito; no segundo andar há uma barbearia comanda por um senhor e também tem um senhor que conduz um ponto de jogo de bicho; o terceiro andar é destinado para os trabalhadores do Balhego, nele há banheiro e armários para guardar objetos pessoais. Antes da compra do prédio do estabelecimento, o prédio era alugado para três contratantes (o Balhego, o barbeiro e o bicheiro). Quando o prédio foi adquirido pelo Balhego, os atuais proprietários preferiram manter ambos, barbeiro e bicheiro, no local por estarem no prédio há muitos anos.Para o barbeiro Elídio foi dito de modo taxativo “compramos o prédio com o que tinha dentro, você fica aí”. Para ir até ambos é preciso passar pelo Balhego, não há uma entrada diferenciada, existe a brincadeira de que para ir visitá-los é preciso “pagar pedágio para o Balhego”, ou seja, beber um chope antes. Sete garçons são responsáveis pelo bar, na parte interna dele, existem vinte e quatro pequenas mesas de madeira redondas e na parte externa, na calçada, onze mesas de ferro. O Balhego Imperial abre logo pela manhã e recentemente passou a servir almoço. Músicas não são tocadas no bar. A partir da década de 1970 as mulheres começaram, timidamente, a frequentar o Balhego. É que antes disso a entrada de mulheres era coibida, se não proibida, era um ambiente eminentemente masculino, por isso as mulheres tinham receio de frequentá-lo, por medo de serrem mal vistas por estarem ali. No entanto, muitas iam até o local encomendar pratos; pediam do lado de fora e lá mesmo esperavam. As mais modernas por vezes entravam. Nesta época tratava-se de um “botecão”, segundo o gerente Pereira, o local passou por reformas para adaptar a presença de mulheres (mais rigor na limpeza, pratos mais leves, opções de bebidas não alcoólicas). Atualmente a maior parte da clientela do Balhego Imperial é masculina, mas existe a presença de mulheres. O Pereira 53

afirmou que os clientes que não gostavam da presença de mulheres no bar “já morreram”. Entretanto, a paquera não é bem vista por lá, trata-se de um ambiente do tipo familiar. O Gira Mundo Bar foi classificado como próximo à cultura do trabalho do tipo familiar. É um estabelecimento recente, está há 6 anos no mercado e é localizado no Bairro Cambuí, mais especificamente no local em que o “agito” de Campinas é concentrado. O atual proprietário do estabelecimento, Jan, começou junto com um sócio, que investiu financeiramente no negócio e o Jan colaborou, sobretudo no conhecimento que tinha do ramo e com o trabalho. É que Jan trabalhou muitos anos em renomados estabelecimentos da cidade como garçom. Ele sempre alcançou sucesso no que se refere ao atendimento ao cliente e ainda é popular na cidade devido ao trabalho no ramo durante mais de duas décadas. O sócio deixou o negócio e agora apenas Jan está no comando. O fato deste ser uma figura conhecida na cidade ajudou bastante o Gira Mundo, muitos tornaram-se clientes do bar por sua causa. Jan normalmente fica no estabelecimento; entretanto existem outros funcionários que o ajudam a gerenciar o bar: uma pessoa da família cuida do departamento financeiro, um amigo de infância é gerente e outro responsável pelo salão. Um diferencial do local é que todos os dias há música ao vivo. Por isso, para entrar no lugar é preciso desembolsar um valor considerável, não se trata exatamente de um couvert artístico, é que o bar é realmente fechado. Inicialmente a proposta do bar era outra, a de um estabelecimento alternativo, em que música regional e música popular brasileira seriam apresentadas em shows ao vivo. A ideia era remeter à “época de ouro do Cambuí”, época em que o Cambuí era a “Broadway campineira, na década de oitenta, noventa” (palavras do Jan). Neste período a Música Popular Brasileira era privilegiada nos bares de Campinas. Entretanto, o número de estabelecimentos no Cambuí começou a crescer demais, inclusive lugares com propostas semelhantes, além disso, alguns transtornos surgiram como o trânsito excessivo na região e a falta de estacionamentos e o cartel dos vigias de carros, que cobram altos preços e adiantadamente para vigiar o veículo. Muitos consumidores preferem buscar locais mais tranquilos. Consequentemente o tipo de cliente do Cambuí, de modo geral, foi modificado. Para agradar os jovens o estilo musical do bar predominante é o pop rock. O Gira Mundo deixou de ser um local do tipo ponto 54

de happy hour alternativo para uma balada noturna da moçada. Por dois anos seguidos o bar foi coroado pela revista Veja como o “Bar para paquerar”. O Gira mundo tem outra especificidade, é decorado pó objetos de outros países e por bandeiras, de diversos estados e países, todas doadas por clientes por isso muitos estrangeiros vão até o estabelecimento. Possivelmente os taxistas colaboram nesse sentido. O cardápio do lugar é pensando em torno de lugares, diversas cidades, estados e países são homenageados. Isso porque Jan é um viajador nato. O Gira Mundo tem como estratégia para fidelizar clientes: o Clube do Uísque. Funciona assim: a pessoa compra a garrafa de uísque e tem privilégios na casa, tem acesso direto ao bar, ou seja, não é preciso utilizar a fila, tem um caixa exclusivo, uma pulseira com cor diferente especifica quem faz parte do clube. O número de garçons é pequeno para o estabelecimento, existem apenas seis garçons trabalhando no local e um cumim os auxilia; às vezes, dependendo do dia um free lancer é chamado. Entretanto, o temporário estava trabalhando lá há cerca de três meses e a expectativa era de contratálo. Os clientes podem fazer pedidos de bebida direto no balcão, para o barmens, que são três, e também há um chopeiro. O pedido é marcado na comanda eletrônica, que cada cliente recebe ao entrar no estabelecimento. O cartão controla o número de pessoas que ingressam; quando a casa está lotada, mais de quatrocentas pessoas se acomodam no local, em pé ou nas mesas. O Vila Cambuí 1 foi considerado um estabelecimento estritamente pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um estabelecimento renomado de Campinas, na cidade possuem duas unidades do local, o Vila Cambuí 1 e o Vila Cambuí 2. O Vila Cambuí 1 é o primeiro e já está no mercado há 11 anos. É localizado no Bairro Cambuí e o outro no Gramado. O estabelecimento emprega profissionais especializados e os proprietários, dois, são pouco presentes na dinâmica do bar. O diálogo deles é restrito aos profissionais da área da administração: marketing, comunicação, financeiro e outros. O lugar é bonito e muito organizado e limpo, além disso, possui estacionamento próprio. O estabelecimento é grande, acomoda cerca de

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quinhentas pessoas. Dez praças28 dividem o ambiente, no verão aumenta mais uma, porque são colocadas mesas no jardim. Dez garçons cuidam do espaço. Não é permitido o atendimento direto no balcão, apenas direto com o garçom. Além dos dez garçons, existem dois cumins, um maître, um chefe de fila 29. Se necessário, free lancers são solicitados. Existem mesas de vários tamanhos, mas sentados acomodam-se cerca de trezentas pessoas. O local recebe muitos estrangeiros, mas de modo geral o público é diversificado e composto predominantemente por pessoas da alta classe média. Não há música ao vivo, mas DJ’s são chamados para animar a noite; o estilo de música predominante é música eletrônica, mas, mais cedo é tocado MPB. No Vila Cambuí 1 acontece uma espécie de happy hour, mas não é um bar restaurante para ir direto do trabalho, é um local sofisticado, as pessoas se produzem para ir até lá. O lugar serve almoço, por isso os garçons têm dois turnos de trabalho. Há o Clube do Cambuí, um clube de destilados, como o Gira Mundo, participando o cliente tem vantagens. A profusão de marcas no local é corriqueira existe: na camiseta dos garçons, nos banheiros, nas paredes, no bar, no local destinado a espera, dentre outros tantos30. Festas são realizadas para confraternizar clientes e comemorar o aniversário do estabelecimento, convites são mandados diretamente para a casa dos aclamados convidados.

2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia

O Arena foi considerado um estabelecimento pertencente à cultura do trabalho empresarial, embora não atenda às três variáveis relacionadas ao tipo. Existe há cerca de 2 anos e meio e é localizado no setor Marista. O Marista é a 28

Praça é um termo utilizado pelos garçons para demarcar a área que cada garçom está responsável por atender. Ou seja, o estabelecimento é dividido em espaços e cada garçom é responsável por atender um destes espaços, que são chamados por eles de praça. 29 Ambos, maîtres e chefes de fila, controlam o serviço prestado pelos garçons. O maître tem a função de supervisionar o serviço de garçons, basicamente é responsável por planejar a rotina de trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por: recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e organizar a lista de espera. 30 Carmen Rial escreve sobre o assunto e identifica nos fast foods a profusão de publicidade em elementos não tradicionais, como a TV, cinema, jornais, rádios, ou em outdoors. Segundo ela “os fast foods inovaram também na introdução de publicidade em suportes anteriormente neutros, como o cardápio e a toalha de mesa (1996, p. 94).

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região de Goiânia que atualmente mais concentra bares e boates da cidade; também existem restaurantes e alguns cafés. O Arena possui dois sócios, ambos amigos e jovens, com idade aproximada de trinta anos. Ian e Júlio já trabalhavam em Goiânia promovendo eventos, festas, shows. Além disso, o Júlio era sócio de uma boate sertaneja de Goiânia. Eles decidiram abrir um bar por gostarem e frequentarem muitos, a ideia era construir um “com a cara deles”. Outro fator considerado foi o número de conhecidos e amigos na cidade. O Ian está sempre no Arena, já o Júlio vai as vezes, então quem toma conta e é responsável no dia-a-dia é o Ian. Entretanto, a mãe do Júlio trabalha na parte administrativa da empresa. Os clientes são fundamentalmente os amigos dos donos, os que se tornaram amigos deles após a criação do bar e os outros que apreciam o local. Os amigos dos proprietários e os proprietários costumam ficar em uma mesa específica, logo na entrada do estabelecimento. Dali a rotina do ambiente é observada. Os donos acabam por fazer “o social” para os amigos e ao mesmo tempo avaliam o serviço prestado e a qualidade dos produtos ofertados. Para eles o trabalho também envolve a diversão. O estilo musical do bar é o sertanejo, há um DJ no comando. Por toda parte tem TV’s exibindo clipes de música, ou lutas. Contrariando o estilo, a decoração não remete ao sertanejo, há muitos quadros de filmes e artistas (Beatles, Poderoso Chefão, Michael Jackson, Elvis etc.) frases de poetas, objetos antigos, artigos de futebol. Nas paredes também há propagandas de bebidas, cigarros, mas são discretas, parecem compor a decoração. Há propagandas no uniforme dos garçons também. Ao longo da noite, mulheres bonitas panfletam, divulgando lugares, festas, shows. O Arena acomoda duzentos e cinquenta pessoas sentadas e a lotação máxima acontece mais nos fins de semana. Ao todo são trinta e seis funcionários, sendo que nove são garçons, um cumim e um maître. O maître da casa trabalhou quase dez anos na famosa Choperia Matilha, apenas saiu da casa devido à proposta do pessoal da Arena ser bastante atrativa. O Ian e o Júlio conheciam o trabalho do maître no Matilha e resolveram chamá-lo para coordenar o serviço de atendimento ao cliente no Arena. Ele também é responsável pela fila de espera. O bar tem vários ambientes, do lado de fora, na calçada, existem dez mesas de plástico, o salão maior possui trinta e uma mesas e é o lugar mais disputado, o salão superior, com doze mesas, o mais próximo da cozinha e do bar, cinco mesas 57

americanas em frente aos banheiros e cerca de quinze bancos espalhados ao redor do bar. O Arena faz uso do comércio eletrônico em sites de compra coletiva. Segundo o Ian é uma forma de fazer propaganda do estabelecimento. Apesar de aparecer clientes que destoam do perfil do lugar, ele acredita que trás mídia para o lugar e conquista novos clientes que se identificam com o estabelecimento. É uma maneira de manter o comércio intenso diante de tanta concorrência. O Cidinho Petisqueria foi considerado um estabelecimento estritamente pertencente à cultura do trabalho familiar. Ele está localizado no Setor Oeste e está no mercado há 21 anos. No início era uma pequena lanchonete em frente a uma escola; com o aumento da clientela mudou de lugar duas vezes, mas sempre tendo no Setor Oeste. No último ponto já são quatorze anos. Ao todo são cento e quarenta mesas e cerca de vinte garçons divididos pelo salão interno e parte externa. A casa tem quase sessenta funcionários. À parte externa é bem maior e é coberta por árvores e toldos. É um ambiente do tipo happy hour, mas muitos frequentam o ambiente mais tarde, no fim da noite ou no início da madrugada. Lá não se toca música, às vezes na parte de dentro alguma MPB como som ambiente. Mas o Cidinho prefere não ter música, para não desagradar o gosto de distintos clientes. Um diferencial da casa é uma mesa de petiscos self-service por quilo. A lotação máxima é de seiscentas pessoas e a rotatividade da casa gira em três vezes ao dia. Inicialmente a lanchonete sequer tinha nome, mas acabou levando este nome devido à clientela falar “vamos para o Cidinho?”. O Cidinho comanda o estabelecimento junto com seus dois filhos. Agora que os filhos estão mais presentes Cidinho não é tão atuante como antes. Entretanto a popularidade é praticamente toda do Cidinho. Os clientes gostam de vê-lo no lugar. Um dos filhos cuida mais da parte administrativa, enquanto o outro do tratamento com os clientes. Devido estar a família trabalhando e muitos amigos frequentarem o local fala-se na Família Cidinho. Além disso, muitos funcionários trabalham lá por muito tempo. A Choperia Matilha foi considerada como pertencente à cultura do trabalho familiar, mas não atende a todas as características do tipo. Ela surgiu há 25 anos e atualmente é um ponto gastronômico de referência da cidade. O, Marcos, proprietário do estabelecimento iniciou o trabalho na área com um pequeno empreendimento de lava-jato acoplado a um barzinho. O local 58

localizado no Setor Oeste era ponto de encontro de amigos e estudantes. Com o tempo, com a intenção de diversificar a clientela, um bar restaurante mais sofisticado foi aberto. Depois outra unidade foi aberta no Setor Marista (estabelecimento pesquisado); o local é dividido entre choperia e restaurante. O ambiente passou a ser frequentado por famosos que visitavam a cidade, por políticos e figuras sociais importantes. Nos fins de semana a clientela é mais jovem e o clima de paquera toma conta do lugar. A marca Matilha teve expansão na cidade, além da choperia há dois Empórios Matilha, um restaurante em um dos shoppings da cidade e o serviço de bufê também é ofertado. O Marcos tem uma pessoa da família como braço direito na parte administrativa do negócio. Ele se apresenta no local basicamente para tomar decisões importantes e resolver questões essenciais. Além disso, visita os estabelecimentos para verificar a qualidade dos produtos e serviços prestados. Muitos funcionários são antigos na casa, sobretudo os da cozinha. O ambiente pesquisado basicamente é dividido em três áreas: restaurante, sem acesso direto para a choperia; parte interna e superior com mesas de madeira, e parte externa inferior com mesas de plástico. O som tocado no ambiente é diversificado, porém discreto, no local há TV’s que passam clipes e, às vezes jogos de futebol. O Santa Parada foi considerado um estabelecimento estritamente pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um bar recente em Goiânia, não tem sequer 2 anos. Também é localizado no Setor Marista. A inspiração do estabelecimento vem da Vila Madalena, em São Paulo, local de grande concentração de bares, boates e restaurantes da capital. O estabelecimento possui dois andares e é decorado preponderantemente com imagens de Goiânia. O Vila Marista não tem uma proprietária, que não participa da organização do estabelecimento e até vai razoavelmente pouco ao local. Ela possui outro estabelecimento de entretenimento na cidade e exerce também uma profissão, a advocacia. A gerente, Rafaela, é quem fica no comando do lugar. Os garçons são direcionados por ela, já que a casa não possui maître. A Rafaela já havia trabalhado em um renomado restaurante da cidade. Devido aos seus contatos muitos garçons foram trabalhar no estabelecimento por a conhecerem. O local não tem estilo happy hour, funciona mais como ponto de balada. Para se firmar no mercado e aumentar o número de clientes algumas 59

estratégias foram desenvolvidas; o segundo andar tornou-se uma boate, em que é preciso pagar para assistir shows. A atitude foi tomada muito pela notória clientela do bar em frente, que tinha música ao vivo. O estilo musical é bastante variado durante a semana, mas se toca em geral sertanejo, pop rock, pagode, MPB. Outra estratégia utilizada para conquistar clientes é a utilização de ofertas em sites de compra coletiva. Pode-se visitar o local quando a promoção estava em vigência, a clientela bastante variada, com certeza fugia do tipo de cliente desejado, além de o atendimento ter deixado a desejar, devido ao número excessivo de pessoas no local e o tipo de serviço ser diferente, pois se tratava de servir almoço e não bebidas e petiscos como normalmente se faz no local. No Santa Parada trabalham dez garçons e cada um fica responsável por dez mesas. Há um rodízio: quem trabalha um dia em baixo trabalha no seguinte em cima e vice-versa. Tendo

em

vista

que

os

estabelecimentos

pesquisados

foram

apresentados, o Quadro 4 expõe em qual tipo de cultura do trabalho cada bar restaurante foi inicialmente adequado. Resta ainda esclarecer que alguns locais são considerados estritamente familiares ou empresariais, mas nem todos, alguns apenas se aproximam do tipo descritivo elaborado. O estabelecimento é amplamente considerado familiar e empresarial se atende todas as variáveis avaliadas: 1) presença ou ausência do proprietário na dinâmica do local; 2) relação entre direção e funcionários pessoal ou impessoal e; 3) organização do trabalho individual (seguindo ordens da direção) ou em equipes (decidindo tarefas coletivamente). Caso atenda apenas duas variáveis é considerada pertencente ao tipo, mas não totalmente. Claramente, essas variações se apresentam e é isso que será abordado no tópico seguinte.

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QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO

Cultura do trabalho Familiar

Empresarial

Bom Bar

Balhego Imperial

Gira Mundo Bar

Vila Cambuí 1

Arena

Santa Parada

Cidinho Petisqueria Choperia Matilha

2.4.3 Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares restaurantes

A princípio será tratada a presença ou ausência do proprietário em bares restaurantes. Sua presença em estabelecimentos antigos e consolidados no mercado não é essencial, no que se refere à organização do trabalho de garçons. Como, normalmente, os funcionários são antigos na casa, já conhecem o modo de trabalhar e apenas seguem o modelo. Quando novatos começam o trabalho o aprendizado e a adequação ao local de trabalho acontece junto aos outros colegas de trabalho. Ao mesmo tempo, nota-se a preferência em alguns casos, de nomear e instruir funcionários. Como é o caso do português João, proprietário do Bom Bar: sua trajetória é ascendente, começou na área como empregado até se tornar dono do próprio negócio. Em suas palavras, quem “trabalhou em tal lugar, tal lugar, eu não quero, mas se ele me falar, “não trabalhei em lugar nenhum”, então vem que eu ensino. Claro que eu levo muito mais tempo”. O fato de não ter trabalhado na área ou em outros estabelecimentos demonstra que o funcionário não terá manias inadequadas vindas de outro tipo de local. O funcionário “verde” aprende como o dono quer que seja sem hesitar. O Cidinho Petisqueria seleciona funcionários de forma semelhante, prefere os funcionários da casa mesmo, que trabalha em outras funções, como os cumins, mas possui dois tipos de seleção, como afirma Cidinho:

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Ou a gente pega o cumim, o cumim é aquele que começa aqui. Ele vai levar os pratos feitos, vai limpar as mesas, tirar garrafa, trocar cinzeiro. Então esses quando ele começa cumim se o cara for muito bom, você vê que ele tem jeito pra coisa, a gente sobe ele pra garçom. Primeiro dá uma testada, né, vai pondo ele assim no dia que precisa numa praça mais fraca, ai falta um você joga ele ali até... A gente tem esse critério e muitas vezes você está com o cumim e o cumim não tem nenhum perfil pra ser garçom, por exemplo, teve uma época que eu tava com uns quatro ou cinco cumim então tem uma época que os quatro não têm aquele perfil ou ainda não está preparado pra entrar, daí a gente pega algum de alguma casa ou quem vem procurar emprego, saiu por um motivo ou outro, então tem isso, ou é... Ai acontece o seguinte, tem os pretendentes que passam e deixam o currículo. Aí tem o maître, ele faz isso eu não, ele faz a entrevista, tudo.

O Joaquim, dono de um estabelecimento de mais de quarenta anos de Goiânia, boteco não selecionado nesta pesquisa, declara que, “com o tempo você vai descobrindo o potencial de cada funcionário, a qualificação você vai fazendo com o tempo”. Outro fato que ele chama atenção é para a dificuldade com a mão de obra, que além de ter pouca qualificação o rodízio de funcionários é considerável. Um fato peculiar notado na pesquisa, é que muitos garçons saem e voltam para o ramo ou para a casa anteriormente ocupada, esse assunto será tratado adiante. A seguir, Cidinho expressa uma política de sua petisqueria sobre o retorno de ex-funcionários:

Teve uma época que a gente não aceitava ex-funcionário, tinha que passar quatro anos. Como a dificuldade era muito grande e tem funcionário que sai por bobeira, outro sai pra tentar outra coisa e não dá certo ai quer voltar, então quando era quatro anos era difícil até passar quatro anos, ai passamos pra dois anos. E ai hoje a gente já abre mão também se o cara for muito bom e quer voltar a gente sempre dá uma chance pra ele. Mas o cara que vai pra fora ele volta bom, porque com a cabeça lá fora, ele viu que aqui o caminho era mais fácil, porque a gente paga rigorosamente em dia, nunca atrasou um pagamento, damos incentivo, damos.

Já no Arena, estabelecimento do tipo empresarial, em que o dono, Ian, acompanha a rotinha do bar, mas possui um renomado maître coordenando a atividade dos garçons desde a seleção de funcionários, o processo é diferente. Ian assegura os critérios avaliados “apenas duas coisas: se for experiente, os locais que já trabalharam e as referências. Se não for – vontade de trabalhar, esforçar e crescer”. É relevante frisar que a trajetória de Ian não é ascendente 62

como nos exemplos de estabelecimentos do tipo familiar em que o proprietário trabalhou em outras casas até montar seu próprio negócio ou começou com um estabelecimento pequeno até se tornar reconhecido. Casos assim são como os do João (Bom Bar), Jan (Gira Mundo), Cidinho (Petisqueria do Cidinho). Ian era um empreendedor de eventos, até se tornar dono de bar. Por isso, para a seleção de funcionários, requer o auxílio de um maître e a referência de outros estabelecimentos para trabalhar no Arena. A ideia é que o trabalhador chegue ao estabelecimento pronto, justamente para que não gaste tempo para qualificar funcionários. Acredita-se que com a experiência adquirida em outros estabelecimentos contribua para que haja destreza suficiente para que o funcionário se adapte as demandas do novo local de trabalho. Sobre a relação desenvolvida entre a direção e funcionários pode-se dizer que em estabelecimentos em que o proprietário é presente na dinâmica do estabelecimento a relação entre o patrão e o trabalhador é de certa proximidade, pode ser considerada como uma relação pessoal. No Bom Bar, há relatos de que o João libera funcionários a faltarem do dia de trabalho caso necessitem por motivos pessoais. João explicita o motivo do seu diferencial no que se refere ao seu tratamento com funcionários e ainda expõe uma situação de solidariedade entre ele e um dos seus empregados:

Sabe por quê? Principalmente, eu já fui empregado, eu comecei como funcionário. Com quinze anos vim de Portugal, fui trabalhar atrás de um balcão de bares. (...) Agora eu tenho consciência porque eu fui funcionário, e sei como eles me tratavam, e sei como eu queria ser tratado, por isso trato eles dessa maneira, se eles têm um problema eu tento resolver. Tenho trinta se cada um traz um problema eu tento ajudá-lo a resolver o problema, mesmo particular. Esses dias um funcionário: “nossa meu filho está com problema saiu umas pipoquinhas e não sara”. Eu falei “traz o teu menino” e eu paguei um médico particular para o filho do funcionário. Ele foi fazer a consulta e o médico cobrou R$ 300,00 reais a consulta, levei e paguei. E depois quis saber se o menino sarou, então essas coisas eu sei que faz o diferencial. Eu não faço isso para ganhar nada, eu faço isso porque eu acho que a gente tem que ser útil ao próximo.

Na rotina do ambiente de trabalho João também desenvolve uma relação igualitária entre os funcionários. O grupo e as pessoas são valorizadas por ele. Assim, o relacionamento entre os membros do estabelecimento é

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privilegiado independente das funções ocupadas. O garçom Vilmar expressa satisfação ao falar sobre o assunto:

Aqui é o seguinte, é maravilhoso, o patrão come junto com você não tem essa “aqui é só os cabeças e os operários tudo pra lá”. Aqui você come o que você quiser. A única coisa que diz é “não jogue fora”. Mas se eu quiser chegar agora e comer dois quilos de bacalhau eu como dois quilos de filé de bacalhau. Ele deixa comer e beber à vontade, todo mundo.

Em outro momento o garçom Vilmar, que já trabalhou no Gira Mundo, contou como era trabalhar lá. A discrepância no que se refere ao tratamento dos funcionários e distinção dos mesmos nos dois locais é aparente. Os utensílios de uso dos funcionários são de qualidade bem diferente do que os utilizados pelos consumidores. Para tomarem água durante o trabalho copos de plásticos não descartáveis são utilizados. Isso é válido para os ambientes usados, a área do bebedor era semelhante a um depósito, cheio de objetos em volta e com escassa limpeza. A alimentação só pode ser feita durante o horário do jantar. É uma regra, nada pode ser consumido pelos garçons fora deste período. Embora, relatos de alimentação escondida feita com os restos dos pratos dos clientes foram ouvidos pelo próprio Vilmar e outro funcionário da casa. O garçom Otalício do Bom Bar, que já trabalhou no Balhego, ao escutar a conversa com o Vilmar acrescentou: “no Balhego, também é assim, garçom não come o que o cliente come”. Outra diferença do Bom Bar é que se não houver mesas vagas o garçom pode pedir licença para algum cliente amigo ou antigo para se sentar e comer. Muito contrastante do que acontece no Vila Cambuí, que as vias de acesso dos clientes não podem ser utilizadas pelos funcionários de baixo escalão da casa, ou seja, aqueles que vestem uniformes. Existem vias especificas e fechadas para que os trabalhadores não sejam vistos, o que, em muitas circunstâncias, é antioperacional. Já o clima protetor do Bom Bar é apresentado por Vilmar, ao falar de sua relação com seu patrão, o João:

Eu falar do seu João é muito suspeito, eu tenho doze anos com ele. Hoje o que eu sou é através dele, quando eu vim pra cá, era um cara completamente descabeçado, então seu João pra mim é como um pai, tudo que faço na minha vida pessoal, primeiro eu consulto ele.

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“Estou pensando em comprar isso, o que você acha e tal” ele dá a opinião dele, se ele falar assim: “não é necessário” não faço negócio não.

No Gira Mundo, estabelecimento considerado do tipo de cultura do trabalho familiar o garçom Roberto reconhece os problemas de relacionamento do patrão Jan, por ás vezes ser grosseiro na maneira de tratar pessoas. Entretanto, gosta do fato de Jan ter o cuidado de questionar se está tudo bem, perguntar pela família ou se está precisando de algo. Afirma que já trabalhou em lugares que sequer ouvia a voz do dono, muito menos comprimentos, como “boa tarde”. Outra situação de que se lembrou, ao falar de Jan, é a respeito de um funcionário colega da casa que faleceu e ele teve o cuidado de cuidar das questões formais de um sepultamento, já que boa parte da família estava distante. Simples atos, como o de o patrão servir um cliente, geram proximidade no grupo. Ao indagar se o patrão era legal, Roberto responde:

É. Ele já foi garçom. Porque ele entende o lado da gente, às vezes quando está pegando ele está aí começa a ajudar a gente, tira garrafa e vai, atende, ajuda levar pedido, nunca quer se aparecer. Ele sempre fala que um dos melhores serviços da vida dele foi ser garçom, hoje ele tem um lugar devido ele ser garçom, ele dá muita força pra gente. Às vezes na reunião ele fala assim “eu queria que vocês ganhassem dez mil, vinte mil”, ele fala. Eu acho que das casas aqui, a única casa que paga mais certo, certinho é o Gira Mundo. (...) Mas para falar que ele tem dinheiro, ele não tem dinheiro, ele luta na vida dele, uma pessoa que era um cara, que era garçom que teve uma ideia e arranjou um pessoal que ajudasse ele. É uma ótima pessoa, ele é capaz de vender gelo para pinguim, para esquimó.

Por sua vez, na Choperia Matilha, local estabelecido na cidade e que passou por um processo de expansão do negócio: empórios foram abertos, o serviço de bufê foi criado e outros restaurantes foram inaugurados, o proprietário Marcelo não é tão presente na rotina de trabalho da choperia. Isso é possível porque a casa têm funcionários bastante antigos e de confiança. O maître de lá, por exemplo, está na função há vinte e três anos e trabalhou outros anos como garçom na casa. Por isso, muito do que precisa ser resolvido não é atribuído ao Marcelo. Quando frequenta o estabelecimento raramente reclama ou dá palpite no trabalho dos garçons. O contato é pequeno entre eles,

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ao falar sobre as passagens dele no local o garçom Dalton diz “ele conversa com os clientes, mas com nós não”. No Cidinho Petisqueria foi dito que os problemas do dia a dia devem ser resolvidos diretamente com o maître, apenas se preciso o contato deve ser feito com o Cidinho ou algum de seus filhos. Ou seja, existe uma estrutura de hierarquização instituída e mediada pela descentralização da tomada de decisões, não mais concentrada na figura do proprietário. Ainda assim, o garçom Neto, que trabalha há onze anos no estabelecimento, conta situações em que o patrão se mostra solidário às necessidades pessoais dos funcionários: “um tempo atrás eu estava com um problema financeiro e ele foi e arrumou pra mim, ele faz pra mim. Quando eu tive um acidente de moto ele adiantou um dinheiro pra mim para arrumar minha moto”. No Balhego casos semelhantes foram relatados: três garçons afirmaram que, se precisar de ajuda do patrão, possivelmente recebem o apoio. Os garçons Abelardo, Gerson e Lauro, afirmaram já terem contato com a ajuda financeira do patrão quando preciso. Abelardo vai além e afirma “quando a gente precisa de alguma coisa eles ajudam a gente. Financeiramente. Se tiver um problema para resolver dá orientação, eu acho que eu não quero outro lugar”. Contudo, os proprietários do Balhego não participam da rotina diária do estabelecimento, a ampla divisão de trabalho e funcionários especializados possibilita que estes se ausentem do local, ainda que continuem com certa relação com os funcionários, até pelo tempo de serviço dos funcionários do Balhego ser grande. No Santa Parada a relação entre a direção e funcionários tem sua especificidade. A proprietária não participa da dinâmica do local; de vez em quando aparece para conferir como está o estabelecimento, portanto, praticamente não desenvolve relacionamento com os funcionários. Além disso, o estabelecimento é recente em Goiânia. Por sua vez, a gerente responsável pelo bar restaurante tem relação próxima com alguns garçons, porque chamou alguns deles para trabalhar no Santa Parada por conhecer o serviço dos profissionais de outros estabelecimentos em que trabalharam juntos e até por serem amigos. Então alguns possuem posição privilegiada pela direção do local. Ainda assim, a gerente Rafaela, não tem condições de conferir privilégios que um proprietário poderia efetivar. Mesmo assim, a proximidade trás 66

benefícios. O garçom João conta que sua namorada foi contratada a seu pedido porque ela estava com ciúmes devido ao trabalho noturno. Além disso, afirmou ter privilégios por ser o mais antigo da casa, como ligar e dizer que vai se atrasar, ou até ser liberado durante o carnaval para fazer uma viagem. Somado a isso, ele contou que é colocado pela direção para atender clientes especiais na praça de outro garçom, o que gera certo desconforto entre os colegas de trabalho. Ian é proprietário do Arena junto com o Júlio, mas apenas Ian, que acompanha diretamente a dinâmica do local falou sobre sua relação com os garçons: “amizade cada vez que passa eu tento diminuir, porque eles, não todos mas, a maioria, são uma coisa aqui trabalhando, e outra fora daqui, quando saem. Mas o que eles precisam, sempre é dinheiro, e agente tenta ajudar sempre que possível”. No Arena é o maître Ribeiro quem é responsável por coordenar o trabalho dos garçons, então os proprietários não dirigem a palavra para os garçons, quando é preciso criticar falam com o Ribeiro para que este tome as devidas providências. Isso torna o relacionamento entre eles ameno. O garçom Sandro dá sua opinião sobre os patrões e do seu superior, o maître Ribeiro: . O dono mesmo, o Ian, é super gente boa com todos, ele não tem exceção, brinca com todo mundo, eu vejo aí que ele trata a gente como se fosse irmão, o Júlio é mais fechadão, porque é o homem de negócio. Mas ele é super gente boa também, sempre que eu precisei ele me ajudou, tipo, vale, essas coisas, eu já fiz vale com ele, me ajudou bastante. O Ribeiro o convívio está melhor agora, antes eu vinha pra cá, “nossa eu vou conversar com o Ribeiro”, chegava aqui e ficava na minha aqui, quietinho e ele na dele lá, a gente não se batia não, mas hoje não, hoje eu estou aqui no canto ele vem e me cumprimenta, conversa comigo, nós moramos no mesmo setor, quase vizinhos e antes não dava certo, eu não estava fazendo o serviço correto, pra falar a verdade eu estava acomodando, agora não.

Apesar de algumas divergências entre os colegas de trabalho do Vila Cambuí o relacionamento entre eles é considerado de maneira positiva. Desde o gerente de salão, o maître, o chefe de fila, garçons, responsáveis pelo bar e cozinha. Mas os proprietários, Carlito e Plínio, nunca são mencionados nas conversas ou entrevistas, apesar de o Carlito estar sempre no estabelecimento, 67

na parte reservada para a administração do local. O que é comum na maior parte dos estabelecimentos como conhecer os proprietários ou fazer pedidos de vale ou empréstimo de dinheiro, não foi relatado. O relacionamento entre os proprietários e funcionários é restrito aos empregados de maior escalão. Estes realizam reuniões e coordenam a dinâmica do estabelecimento junto com os outros funcionários. Ou seja, o padrão a ser seguido foi estabelecido e cabe a alguns averiguar se os procedimentos estão sendo realizados com excelência. No caso do Vila Cambuí então pode-se dizer que a relação existente entre os patrões e funcionários é impessoal. Possivelmente sequer se conhecem. Em estabelecimentos burocráticos são considerados por Perrow como empresas que criam cargos especializados na tentativa de criar rotina nos processos internos e diminuir a influência de fatores externos para aumentar a eficiência do trabalho (1972, p. 83). O Vila Cambuí pode ser considerado um estabelecimento burocrático, ou seja, é uma empresa em que sua estrutura funcional é pautada claramente pelo nível de: autoridade, informação e capacidade técnica dos trabalhadores. A ideia é de uma pirâmide de conhecimentos:

À medida que se desce essa pirâmide hierarquicamente, diminuem as informações técnicas e locais, sobre as referidas circunstâncias, o mesmo acontecendo com o controle sobre os recursos da firma. Verifica-se também a existência de um delineamento mais claro das tarefas de cada pessoa, por seu superior, de modo que tal pessoa pode não só saber o que fazer, em circunstâncias normais, sem precisar consultar ninguém, como pode também saber até que ponto uma situação pode afastar-se da rotina. Além de um certo limite, ela não terá autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á capacidade técnica para tomar qualquer decisão. Informase-lhe, claramente, portanto, a extensão desses limites, além dos quais só lhe resta um caminho: comunicar os fatos ao superior imediato (PERROW, 1972, p. 62).

Maîtres e chefes de fila ocupam posições superiores aos garçons, ambos supervisionam o serviços prestado. Por ocuparem um cargo acima da hierarquia e atuarem diretamente com os garçons podem interferir no trabalho destes. Maîtres e chefes de fila se vestem de modo diferente do que os garçons. O uso da gravata para eles é obrigatório na composição da vestimenta e demonstra o status adquirido por eles. Já em muitos 68

estabelecimentos os garçons usam o avental para não se sujarem, caso aconteça, o avental é virado de lado (Cf. MARRA; REGO; JARDIM, 2002). Outra interessante característica foi comumente percebida nos locais pesquisados, tanto em estabelecimentos com cultura do trabalho familiares e empresariais. Trata-se da contratação por indicação. Amigos e familiares de garçons, proprietários e até de outros funcionários de bares são recrutados por serem conhecidos. Obviamente muitos desses amigos são conhecidos por terem trabalhado juntos em outras casas. Ou seja, além do conhecimento interpessoal há, às vezes, prévia experiência no ramo. O garçom Vilmar está no Bom Bar há treze anos e foi contratado por convite do primo, o então gerente do estabelecimento. O garçom China, do Arena, conta como foi trabalhar no local “Eu comentei com um amigo meu que trabalha aqui e ele falou “eu arrumo pra você”, aí liguei e falei com o gerente e ele resolveu me dar uma oportunidade”. O mesmo aconteceu com o Israel, do Vila Cambuí , “Eu tinha procurado emprego aqui antes e não tinha conseguido, tinha um amigo meu que entrou e me indicou, eu vim e fiz o teste, deu certo, o pessoal aprovou a entrevista”. O Volnei foi trabalhar lavando pratos no Gira Mundo porque o tio era gerente do lugar. E assim como tantos outros casos documentados. O garçom Rildo, do Santa Parada, afirma que algumas casas não contratam pelo currículo, apenas por indicação, segundo ele acontece é que:

Quem indica geralmente somos nós mesmos, nossos próprios colegas. Para você ter um bom restaurante você precisa ter uma boa equipe também. A boa equipe começa dessa forma um indicando o outro, aí a casa vai embora.

Devido ao grande tempo de convivência no trabalho, sobretudo nos horários de lazer e descanso de amigos e familiares, e devido à contratação de pessoas conhecidas e próximas torna o ambiente de trabalho de certa forma “familiar”, pelo menos este pensamento é propagado em frases do tipo “passamos mais tempo aqui do que com nossos familiares”. No Vila Cambuí, em que os funcionários dobram o turno, trabalham durante o período do almoço e noturno isto é evidente, nas palavras do Israel:

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A gente tem uma afinidade muito grande, como se fosse uma família na verdade, é muito bacana. Muito tempo, a gente acaba se apegando um ao outro, como se diz quando acaba acontecendo uma perda, saindo da empresa a gente acaba sentindo bastante. Muito ligado à pessoa no dia-a-dia, a gente acaba vivendo mais com os parceiros de trabalho do que com a própria família, na verdade, se for contar as horas que a gente fica aqui.

Pelo tempo no serviço e convivência próxima há certos desgastes na equipe de trabalho que lembram brigas e rixas de irmãos. As brincadeiras e zoações marcam isso. Por vezes há estresse, mas logo “tudo volta ao normal”, como fala o garçom do Balhego, Abelardo. O Fred, do Cidinho Petisqueria, expressa o tipo de brincadeira que acontece, bem como o Gerson do Arena, respectivamente:

Tem de todo jeito. Mas, mais é de mulher “pé de pano”. O cara vai embora e o Ricardão vai lá na sua casa. Esse tipo de brincadeira. Às vezes a gente não gosta, porque não tem esse de intimidade com a pessoa. Aí brinca e a gente corta. Esse eu considero um péssimo dia de trabalho.

Às vezes acontece brincadeira demais, exagerando um pouco. Eu até falo na hora da muvuca mesmo está todo mundo a flor da pele. Às vezes uma brincadeira chata dá uma vontade de explodir e aí a gente tem liberdade, segura um pouco. Comigo eles ainda não brincaram, mas tem uma brincadeira que eles fazem assim, “oh tá armado?!” e puxa a caneta da gente assim, “tá armado?” aí eles vêm e puxam a caneta, aí você tem que tirar e colocar, brincar com eles, aí a gente perde tempo. Eles não brincam comigo, mas eu acho isso muito ruim.

No Bom Bar, onde o ambiente de trabalho é mais informal, as brincadeiras são corriqueiras, tanto entre os funcionários, quanto entre funcionários e clientes. O garçom Otalício resume: seus colegas de trabalho “são brincalhões!”. Outro garçom de lá, Vilmar, conta: A gente se diverte pra caramba dá risada, brinca com os funcionários, a gente faz umas pegadinhas com os funcionários, por exemplo, um copo se tiver trincado a gente coloca de uma forma que na hora que ele vira esbarra e quebra e a gente ri.

O rendimento da atividade é bom para o nível de qualificação exigido. Além disso, foi constatado que o nível de escolaridade dos garçons não é alto. Dentre os entrevistados nem a metade possui ensino médio completo e apenas 70

um cursa ensino superior. No discurso dos garçons é habitual ouvir que é difícil sair da profissão devido à escassa qualificação e escolaridade para ingressarem em outras atividades e pelo rendimento alcançado no ramo da alimentação. Relatos de garçons que desistiram da ocupação e buscaram outras formas de se manterem foram narradas: seja na área da construção civil ou aqueles que abriram pequenos negócios. O Fred, do Cidinho Petisqueria, expõe uma tentativa de abandonar a profissão: “Projeto a gente já fez muitos. Inclusive em dois mil e três eu abri um depósito de gás, mas não deu certo, trabalhei um ano, mas não deu certo, eu fechei. Tentar a gente tenta. A expectativa é não trabalhar mais para os outros no futuro”. No entanto, todos voltaram a serem garçons. Nesta atividade é comum que em momentos de alto estresse trabalhadores abandonem seus empregos. Seja para tentar outra carreira ou para voltarem a suas origens. Voltam para amenizar a saudade de sua terra, família e amigos. O maior número de garçons entrevistados não trabalha em sua cidade natal, apenas quatro deles trabalham na cidade em que nasceu. Alguns são do interior do estado, outros de Minas Gerais e o restante do Nordeste do país. A economia de um tempo de trabalho é utilizada para tanto. Também é dito que se deve sair de um estabelecimento sem deixá-lo de portas fechadas, caso seja necessário retornar para o emprego. Os garçons Volnei do Gira Mundo e o China do Arena, contam respectivamente um dos fatores que os fazem estressar em um ambiente de trabalho e até pedir as contas é a troca de gerentes: É o seguinte, cada vez que muda o gerente é muito difícil adaptar naquele esquema dele. Você está aqui acostumado a beber leite todos os dias, e no outro dia é café com leite e você não gosta, aí pede sai, entra em acordo. Depois que eu estou aqui passou uns quatro.

Tem um tempo que estressa. O fato deu ter saído da casa na maioria das vezes é troca de gerente. Troca de gerente, você já está acostumado, aí chega outro, sabe, e quer mostrar serviço. E você já trabalha muito tempo daquele jeito. O cara quer chegar ou quer chegar e por o pessoal dele de outro lugar.

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A dificuldade em sair desta atividade também tem haver com a trajetória ocupacional vivenciada na área, que normalmente é ascendente. Alguns começaram realizando serviços gerais em algum estabelecimento de alimentação, limpando, lavando pratos, sendo auxiliar de cozinha, trabalhando no bar ou copa, até alçarem um lugar no atendimento ao cliente, em alguns casos, passando antes pelo serviço de cumim. No caso de garçons mais antigos no ramo e, sobretudo os estimados maîtres seguiram trajetórias ocupacionais ascendentes iniciadas em hotéis, em seus bares e restaurantes, em que todo o serviço prestado é experimentado por terem ocupado todas as funções existentes. Assim, a dinâmica de um bar restaurante é dominada por este tipo de profissional. Os garçons mais jovens no ramo não possuem trajetória idêntica, começaram a trabalhar diretamente em bares e restaurantes. Em alguns casos iniciaram logo como garçons ou tiveram ascensão no ramo. A movimentação funcional dentro da ocupação motiva o funcionário e dá segurança aos trabalhadores, o que dificulta a saída efetiva da profissão. O principal motivo que faz com que alguns garçons se estressem e desistam de seus empregos é o horário de trabalho. É uma clara “chateação” para os garçons. Contudo, essas reclamações foram mais feitas em bares de cultura do trabalho empresarial, em que os números, metas e o lucro são amplamente valorizados em detrimento dos recursos humanos que a empresa detém. O Bom Bar, definido como cultura do trabalho familiar, é o único dos estabelecimentos que é fechado no domingo. Isso implica mais oportunidades para encontros interpessoais e possibilidade de frequentar festas de amigos e familiares e um tempo de lazer em um dia que as oportunidades de fazê-lo existem com maior frequência. A seguir as diversas queixas dos garçons sobre o assunto:

O lado ruim é o familiar, casa, não é tão bom, por quê? Não tem tempo. Você chega em casa cansado, saí cedo de casa e chega a noite, de dia você quer dormir, você acorda e tem que almoçar e já tem que ir embora, falta o tempo com a família. (China – Arena)

A parte ruim é que você não tem tempo pra namorar direito, trabalha a noite acaba dormindo durante o dia, então fica complicado arrumar uma namorada, ficar muito tempo com ela. Às vezes ela não te entende, acho que isso é a parte que mais incomoda mesmo. (João – Santa Parada)

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Ruim é o horário, entrada e saída, não tem horário pra sair, só tem pra entrar, não tem final de semana, não tem feriado. Enquanto os outros estão se divertindo você está trabalhando. (Marcolino – Vila Cambuí)

A parte ruim de ser garçom: o que a galera fala mais eu não sei. Porque não conseguimos sair da noitada, tive a oportunidade e não fui. Sair e divertir, como eu vou sair para divertir se eu estou trabalhando, se os melhores dias para se divertir eu estou aqui, que são os fins de semana, que tem a balada, tem festa, tem aniversário e não sei o quê, a gente está. (Volnei – Gira Mundo)

Falta de tempo, as datas comemorativas, não tem tempo pra família. (...). A parte ruim é trabalhar a noite, deixar sua família em casa e trabalhar a noite. (Neto – Cidinho Petisqueria).

Enquanto os horários são considerados como a parte ruim da atividade de garçom, o salário e o fato de conhecer muitas pessoas e pessoas que têm maior condição financeira e status são considerados como aspectos positivos de se trabalhar como garçom. Outra característica do trabalho de garçons é referente à taxa de serviços. No ramo é comum que a taxa seja direcionada individualmente para cada garçom conforme seu desempenho enquanto vendedor. Dentre os bares pesquisados apenas o Bom Bar e o Balhego, ambos de Campinas, adotam a taxa de serviço global, ou seja, o total da venda do estabelecimento é socializada igualmente entre os garçons. Só que no Balhego a taxa de serviços global é adotada apenas no período diurno; no período noturno a taxa é individual. Já no caso do Bom Bar o valor é dividido igualmente entre todos os funcionários (segurança, balconistas, chapeiros, cozinheiros, etc.). Todavia, a forma como o valor é distribuído varia bastante entre os estabelecimentos: no Gira Mundo, por exemplo, os garçons recebem um salário mínimo mais 5% do valor das vendas efetuadas por cada um, os outros 5% das vendas de todos os garçons são utilizadas para repor as perdas do estabelecimento (utensílios quebrados) e dividido entre os funcionários do bar e da cozinha. No Santa Parada há situações atípicas, existe garçons que não têm vínculo empregatício com a casa, ou seja, não têm a carteira de trabalho assinada, não recebem salário fixo, mas recebem integralmente os 10% do valor vendido individualmente. Trata-se de um acordo entre ambas as partes. 73

Os outros garçons cada casa recebem 7% das vendas efetivadas, além de um salário mínimo. Entre os garçons há o discurso arraigado de que a taxa de serviços individual é o ideal, apesar de relatarem em suas falas certa dependência no trabalho entre eles, o que é característico da organização de trabalho de garçons. O garçom Neto, do Cidinho Petisqueria, defende que a taxa de serviço deve ser individual já que não é justo que quem trabalha mais ou menos receba o mesmo valor no fim do mês. Para ele é um direito receber um valor maior pelo trabalho realizado com mais esforço para vender ou mais ágil. O Volnei, do Gira Mundo, fala sobre sua insatisfação quando a taxa de serviços era global: “Eu vendia dez mil, doze mil e o parceiro do meu lado vendia três mil e aí? Ia tirar da minha para passar pra dele, isso não era legal”. O que é dito pela maioria deles é que muitos “escorram” e “acomodam” diante do trabalho dos outros. O garçom Roberto do Gira Mundo expressa bem esse ponto de vista, inclusive introduz a questão de gênero em sua resposta, ao comparar o seu desempenho no trabalho ao de Paula, sua colega de trabalho garçonete:

Eu acho que é bom, sabe por quê? Se for global, por exemplo, ela tem um ritmo de trabalho e eu tenho outro, eu gosto de fazer as coisas certas, gosto de correr, de andar rápido, não gosto de ficar parado senão fico doente, eu gosto de atender rápido, atender mais mesas, agora imagina? Tem outra pessoa devagar e ganhar o mesmo tanto que aquela pessoa que não está nem aí, agora o individual não! Você quer ganhar.

Apesar de Volnei e Roberto, ambos referidos anteriormente e funcionários do Gira Mundo, apregoarem que a taxa de serviço deve ser individual, em certos pontos o posicionamento deles é divergente. Por um lado, Roberto define o colega como sendo um garçom “liso”. Para ele isso quer dizer que ele é um funcionário esperto diante das situações que envolvem os colegas de trabalho, ou seja, que costuma folgar diante de ocasiões que podem render algo a ele. Já Volnei identifica situações semelhantes e as encara como sendo um aspecto que denota a solidariedade existente na ocupação:

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Aqui nem isso tem competitividade, aqui é o seguinte: você tá nessa praça aqui, aí cada um tem sua praça, aí tem alguém nadando, a gente fala nadando, não sei, se você já ouviu falar essa palavra. Nadando é o seguinte: quando a gente está cheio de pedido e não consegue atender, não consegue. Tipo quando a gente está num mar e sai de barco, fica quieto no mar, aí a gente vem e ajuda todo mundo. Se você está aqui e eu tiro o seu pedido, aí a Paula foi lá no banheiro, tomar água, fazer as necessidades dela, aí você chega, eu vou atender vocês, marco na comanda manual e quando ela chegar eu passo pra ela, é assim que funciona. Não tem esse negócio deu chegar aqui...

A dependência entre colegas de trabalho acontece quando, por exemplo, algum garçom se ausenta da praça para jantar e o colega de trabalho responsável pela praça ao lado fica responsável pela praça do outro. Os pedidos anotados na comanda, seja de papel ou eletrônica, devem ser marcados no nome ou número do colega, para que a taxa de serviços seja destinada a ele. Ou seja, há aí, por um lado, uma relação de confiança, e por outro, ao mesmo tempo, possivelmente, certo sentimento de cobiça, no que se refere a vendas. Também pode ser uma estratégia da gestão para que o trabalhador não demore no período da refeição. Outra situação que acontece é quando um cliente chama um garçom que não é o responsável pela praça em que ele está trabalhando. Há casas em que a regra é a de que não se deve negar atendimento ao cliente dizendo “está não é minha praça” ou “não estou responsável por atender essa mesa”, deve-se, portanto, anotar e levar o pedido ou então repassar o pedido para o garçom da praça. Também há casas em que o comando é para não atender clientes de outras praças. Novamente mostra-se a estreita relação entre certa confiança e cobiça e as possíveis divergências entre os colegas de trabalho. Acontece também de situações desagradáveis em o garçom vende na praça do colega justamente porque sua praça está vazia, enquanto a do outro está cheia. O Israel, do Vila Cambuí, conta uma situação que aconteceu e que causa chateação entre os colegas de trabalho:

Como a gente trabalha com venda de repente o pessoal faz uma brincadeira ou uma atitude acaba te irritando, dando um de João Bobo. De repente vende uma água na sua praça, a gente trabalha com venda, aí chega e fala “foi sem querer”, mas isso acaba te irritando e deixando você irritado.

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A questão é que a taxa de serviços individual prega atitudes e valores individualistas em uma atividade em que a dependência entre trabalhadores é necessária. Outro exemplo para elucidar a dependência dos garçons: as praças de atendimento normalmente não são fixas, todo dia elas são sorteadas entre os garçons. E existem praças boas e ruins, isso depende do movimento e da preferência dos clientes; então acontece de garçons estarem repletos de serviços enquanto outros estão parados. Assim como também é preciso da ajuda de colegas para observar mesas de consumidores considerados suspeitos a saírem sem pagar. Neste tipo de caso, a solidariedade é natural já que eles conhecem o sofrimento de levar um calote. A competitividade velada nas palavras dos garçons é facilmente percebida em algumas situações. Por exemplo: um garçom atende com capricho uma mesa que tem alto valor de consumo e os integrantes da mesa resolvem mudar de mesa e isso implica em mudar de praça, seja para outra em que possam serem mais vistos ou verem mais, ou para um local mais arejado, o que seja. Como o ideal de que a razão do cliente é que comanda os estabelecimentos a troca de mesas é permitida, desde que tenha mesas disponíveis. O Sandro fala sobre uma situação semelhante: Somos seres humanos, o ser humano é egoísta, tem pessoas que não entra na minha mente, não bate, isso que atrapalha, mas eu procuro sempre fazer o meu melhor, dar o melhor de mim. Tem gente que toma uísque e às vezes você tem que transferir aquela mesa para outro garçom, porque o cliente quer passar para outra mesa. Tem garçom que quer fechar a mesa para não passar a porcentagem para outro garçom, eu não tenho isso, eu acho que ele tem o direito se quiser pedir a mesa ele pede. Pra mim pode ir para a outra mesa de boa. Já fizeram isso comigo, eu não gostei, pedir para puxar a conta do cliente eu não tenho coragem. (...). Eu estou com aquela mesa ali e o outro garçom está do lado, o cliente vai sentar na mesa dele, se o cliente dele senta na minha mesa, se ele perguntar: “Sandro eu estou quase terminando de atender e ele está quase indo embora, pode terminar pra mim?”. Às vezes minha praça está ruim e tem pouca gente ou então não estou vendendo bem, eu não posso deixar... A praça é minha, a norma da casa é essa, se o cliente passou para a minha mesa, a mesa é minha.

A taxa de serviços individual não acorda com o paradigma da administração científica, a taxa de serviços está voltada para o paradigma da administração centrada na figura do cliente. Assim é possível haver competição individualizante a partir do discurso instrumentalizado do atendimento 76

diferenciado (Cf. LINHART, 2007). Uma das preocupações de empresas burocráticas do século XX é destacada por Mills e se assemelha ao pensamento de Linhart, trata-se do “hiato existente entre a produção em massa e o consumo individual” (1976, p.197). Mills analisa o papel da publicidade no processo de vendas, auxiliando o vendedor; a ideia dele é mostrar como o processo é difuso. Para Mills o vendedor é, muitas vezes, apenas o elo entre consumidor e produto e eles têm posturas diferentes diante do processo de vendas:

Se a venda é fragmentada em suas etapas, torna-se evidente que as três primeiras fases – estabelecimento de contato, criação de um interesse e fixação de uma preferência – são hoje realizadas pela publicidade. Restam ao vendedor duas etapas conclusivas: fazer uma proposta específica e obter um pedido (1976, p. 200). Quanto às competências, o pessoal de vendas abrange desde os vendedores que criam e satisfazem os novos desejos, os vendedores que não criam desejos ou fregueses, mas esperam por eles, até que simplesmente recebam um pedido (1976, p. 182).

O atendimento ao cliente será abordado especificamente no próximo capítulo. No que se refere à competição por vender mais, em bares restaurantes, é preciso ressaltar que, o ranking de vendas de garçons utilizado em algumas casas expressa isso. A técnica colabora para acirrar a competição entre os trabalhadores, trata-se de uma estratégia de motivação31 para aumentar o lucro dos estabelecimentos. Entretanto, como consequência a estratégia pode enfraquecer a rede de apoio mútuo dos trabalhadores; a colaboração entre eles diminui já que o reconhecido será dado individualmente, a moral passa a ser individual. No Gira Mundo e no Vila Cambuí o ranking dos vendedores é exposto mensalmente. É necessário lembrar que o proprietário do Gira Mundo trabalhou como garçom ou maître em casas conceituadas de Campinas, inclusive no Vila Cambuí. Isso interfere no modo de gestão de seu 31

Motivação é um termo utilizado no campo da psicologia e refere-se a uma força instituída que visa direcionar comportamentos segundo determinado objetivo. A ideia é que a força instituída funciona como um incentivo já que a mesma rompe o equilíbrio existente, assim, haverá uma tensão para que o equilíbrio seja retomado. Desta maneira, identifica-se a motivação, não sendo um atributo individual, mas uma reação diante do ambiente interacional (Cf. AlLLEGRETTI; TITTONI, 1999).

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estabelecimento; apesar disso, o Gira Mundo é considerado familiar, porque atende as outras características do tipo de cultura familiar. Ao contrário dos proprietários de estabelecimentos que são estritamente familiares, em que a gestão do local é eminentemente leiga. O Balhego apresenta às vezes o ranking, a estratégia não é utilizada mensalmente. No Balhego a ideia é de os garçons se acomodam em uma zona de conforto no que se refere às vendas. Os rankings seriam uma forma de motivá-los a aumentar o valor recebido ao final do mês através da competitividade benéfica criada. O gerente do local afirma que a estratégia motivacional visa alcançar os garçons mais antigos, os que são mais acomodados. Mas talvez, até por serem funcionários mais antigos e com maior idade, a estratégia não tenha o efeito desejado. O Bom Bar, em que a taxa de serviço é global, não faz uso dessa técnica. Os estabelecimentos pesquisados de Goiânia, todos com taxa de serviço individual, são claramente divididos: os do tipo familiares (Cidinho Petisqueria e Choperia Matilha) não fazem rankings dos funcionários, os do tipo empresariais (Arena e Santa Parada) utilizam. Possivelmente pela maneira de trabalhar de cada garçom é normal que as posições diante do ranking não variem tanto. Ainda assim não é possível afirmar que a estratégia não tenha validade, conforme se depreende de alguns depoimentos. O garçom China, do Arena, vangloria-se: “em várias casas que eu trabalhei, fui recorde de vendas, primeiro, aqui também é, numa noite de vendas o recorde também é meu”. Bem como o João, do Santa Parada: “exatamente tem uns três meses que eu sai em primeiro lugar nas vendas, né, então eu acho que eu melhorei bastante esses dias”. O Israel, do Vila Cambuí, orgulha-se por ocupar continuamente o primeiro e o segundo lugar dentre os garçons que mais venderam garrafas de destilados. A seguir ele comenta suas estratégias para vender mais:

O cara tem que trabalhar o cliente, de repente o cara pede uma água e você oferece um coquetel ou uma bebida energética, você oferece e vê que a pessoa está mais agitada está tomando uma água oferece coquetel, energético, “vai te dar mais disposição”, você acaba ganhando, isso é um vendedor.

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Para motivar às vezes há premiação para os primeiros colocados, mas nem sempre, apenas estampar as primeiras colocações diante dos colegas basta. O garçom João, que ficou três vezes consecutivas em primeiro lugar no Santa Parada comenta esse aspecto: “a gerente tinha pensado em fazer uma premiação para primeiro, segundo e terceiro lugar nas vendas, só que acabou que acho que ela esqueceu isso, acho que vou lembrar ela”. A motivação por vezes parece ser subjetiva como expressa Volnei, do Gira Mundo, que estipula suas próprias metas, porém pode-se considerar que o mesmo assuma as metas da organização como sendo suas. Possivelmente, a prática da empresa é assumida vigorosamente e subjetivamente. Um valor é estipulado como meta de acordo com a satisfação de suas necessidades individuais impulsionadas pelo estabelecimento, nas palavras de Volnei: Eu sempre tenho uma meta de vendas. É minha mesmo. Eu não posso vender menos de sete mil por semana, acima de oito mil reais. Eu sempre tenho essa meta, não posso ficar menos sete mil, têm que ser oito, dez mil reais.

Também existem regras que visam motivar o comportamento adequado dentro da organização. Algumas têm estilo punitivo. O Sandro, do Arena, por exemplo, contou sobre uma estratégia da direção do local para que os funcionários cheguem no horário estipulado. O ambiente é fechado por duas grandes grades pesadas e altas, a norma da casa é que os dois últimos garçons a chegarem ao estabelecimento devem retirá-la do local e guardar no local designado. A norma causa desavenças entre os colegas de trabalho. Em um dos dias de observação do local o último garçom a chegar foi o Rilton, o mais velho dentre eles. Contudo, pela idade, ele tem maiores dificuldades para realizar a tarefa. Mesmo diante da discussão ocorrida ele e o segundo que chegou mais tarde foram executá-la com a ajuda de um colega. Já o proprietário Cidinho mencionou outro tipo de estratégia motivacional realizada por ele em algumas das reuniões da equipe:

No caso de uma reunião, assim você inventa moda. Por exemplo, quem chega até três horas, até três horas o cara tem direito a participar de um sorteio. E ai você faz um sorteio ai, vamos supor R$ 120,00 reais, R$ 150,00 reais, ai você põe lá e quem chegou três horas e dois minutos, já não pode participar.

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O tipo descritivo sobre a organização do trabalho dos bares restaurantes pesquisados foi elaborado segundo a oposição: individual, seguindo ordens da direção e; em equipe, decidindo tarefas coletivamente. O primeiro tipo refere-se à cultura do trabalho familiar e a segunda à cultura do trabalho empresarial. Na prática, empiricamente foi difícil distingui-los. Em alguns estabelecimentos as práticas organizacionais estão bem estabelecidas, mas em outros não, quando não aparecem estar mescladas o que complica o entendimento sobre a situação. No Bom Bar, os garçons seguem suas rotinas sem serem questionados ou mesmo convocados para algo; eles sabem o que e como fazer. Na Choperia Matilha e no Cidinho Petisqueria, ambos pertencentes à cultura do trabalho familiar e estabelecimentos há certo período no mercado, a dinâmica é semelhante; contudo há a presença da maîtria para interferir em casos que escapam do controle dos garçons, principalmente em relação ao atendimento de clientes. No Arena, o trabalho do maître têm maior interferência no trabalho dos garçons, talvez por ser um estabelecimento recente e ainda não ter atingido um padrão a ser seguindo conforme a identidade do local e por ainda não

compor uma

equipe

de

trabalho coesa

diante

dos ideais do

estabelecimento. Trata-se de uma organização orientada pelo poder e marcada pela hierarquização diante das funções atribuídas. No Santa Parada, a gerência decide as tarefas coletivamente, aí pode haver uma questão de gênero. A gerente, nova, é quem comanda o serviço dos garçons, todos homens, ao contrário de outros estabelecimentos, em que há maîtres mais velhos e com bastantes anos de atividade na área. Neste caso, do Santa Parada a subordinação de funcionários é pouco aparente. No Gira Mundo, em que o proprietário trabalhou muitos anos no ramo e o estabelecimento ainda tenta firmar seu lugar no mercado de Campinas, Jan participa de modo ativo na rotina de trabalho dos garçons, até porque não acerta na escolha de um gerente de salão ou maître. Lá a rotatividade do cargo é alta e isso causa desconforto e insegurança nos funcionários devido à falta de um modelo de referência a ser seguido e de um líder a ser respeitado. Jan até é visto como um chefe rigoroso e autoritário por perceber aspectos inadequados no ambiente de trabalho.

80

No Balhego e no Vila Cambuí traços relacionados a uma gestão empreendedora são percebidos. A participação e o envolvimento do trabalhador

na

dinâmica

do

trabalho

são

instigados,

bem

como

a

especialização dos serviços prestados. No material de treinamento interno do Balhego são explicitados a Missão, a Visão e os Valores do estabelecimento, como se vê a seguir:

Missão e Visão  Intercâmbio de opiniões obtidas pelo esforço em equipe, buscando sempre superar as expectativas da empresa.  Capacitar novos profissionais, reciclar os antigos e formar equipes especializadas em atendimento e serviços. Valores  TRABALHO EM EQUIPE: Ajudar os colegas de trabalho que precisam de ajuda para que tudo seja perfeito: atendimento e serviço. Dessa forma, todos colaboram para que o resultado final seja a satisfação do cliente.  RESPONSABILIDADE: Ao fazermos parte de uma empresa, assumimos responsabilidades e compromissos perante a ela. Devemos cumprir normas e regras, trabalhando com seriedade e desempenhando corretamente a nossa função.

Outras características relevantes no que se refere à cultura do trabalho serão avaliadas apenas no próximo capítulo, pois se referem ao atendimento ao cliente. O grau de autonomia dos garçons constitui um exemplo desta, pois é em algumas situações do atendimento ao cliente que o serviço de garçons se afasta da rotina de e o funcionário pode demarcar de maneira mais ou menos livre sua esfera de ação no trabalho.

2.5 Considerações finais

Percebe-se que os tipos descritivos sobre a cultura do trabalho dos bares

restaurantes pesquisados

enquadram

estabelecimentos

segundo

algumas variáveis consideradas. Ainda assim, pelo desenvolvimento das ideias é possível notar as especificidades de cada local e a complexidade da questão discutida. Resta analisar a cultura do trabalho dos estabelecimentos quando se considera a relação entre garçons e clientes e consumidores, tema discutido na 81

próxima parte que se vincula às relações efetivadas na modernidade, sobretudo nas interações de serviços.

82

PARTE 3

INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS

3.1 Os terceiros lugares

O sociólogo estadunidense Ray Oldenburg escreve sobre a importância de locais informais e públicos de reunião para a sociedade. No livro The Great Good Place o autor classifica três tipos de locais: o primeiro é a casa, lugar da família, do descanso, não é um bom local para conhecer outras pessoas, fazer amigos e socializar, não há conforto adequado para isto e nele existem objetos danificados; o segundo lugar é o local de trabalho, este é o local para alcançar o sustento e demais regalias, o cenário é estruturado e preparado para a produção e competitividade, também não é um local adequado para a socialização; por sua vez, o terceiro lugar é caracterizado pelas conversas, amizades e por nivelar perfis (Cf. OLDENBURG, 1999). Segundo o autor os terceiros lugares são fundamentais porque exercem uma importante função social: reunir diferentes pessoas que estabelecem relações amigáveis. Nele a informalidade e a ausência de uma estrutura social sólida abrem margem para diferentes experiências; relações humanas são desenvolvidas. Neste tipo de local as pessoas suprem suas necessidades de filiação e intimidade; as situações vivenciadas em terceiros lugares funcionam como “tônicos espirituais” para aqueles que frequentam esses lugares. Trata-se de locais em que ocorrem boas conversas, onde há equilíbrio entre egoísmo e altruísmo. As pessoas se animam após uma xícara de café amigável em um terceiro lugar e assim, ficam imunes as pessoas infelizes dos segundos lugares. Ao mesmo tempo, lá recebem e dão aceitação ao outro, as relações estabelecidas faz com que as pessoas se sintam melhores (Cf. OLDENBURG, 1999). O terceiro lugar é denominado pelo autor de the great good place32. Os terceiros lugares podem ser: cafés, bares, livrarias, salões de beleza, pubs, botequins, tavernas, dentre outros.

32

Oldenburg expressa no livro sua surpresa diante da pouca atenção dada na literatura científica para os benefícios dos terceiros lugares. Estes lugares são comumente identificados como locais que funcionam como uma válvula de escape para o estresse, solidão e alienação. Por muitos são considerados como remédio para estes males. Opostamente, o autor acredita na vivacidade da comunidade e na autenticidade das pessoas nestes lugares. Além disso, Oldenburg surpreende-se diante da literatura que valoriza benefícios transcendentais de encontros ritualísticos, como encontros de meditação, corrida e massagem.

82

Em seu livro, após caracterizar os terceiros lugares e identificar elementos comuns, Oldenburg descreve alguns tipos de terceiros lugares de diferentes culturas: como o pub inglês, o café francês, o jardim da cerveja alemão, e outros. Ao singularizar cada tipo Oldenburg acredita que assim está tornando o padrão dos terceiros lugares mais evidente. K. Erickson (2004) trás uma contribuição ao trabalho do autor ao destacar que na visão de Oldenburg os terceiros lugares são resultados da produção de comportamentos dos frequentadores do local. Entretanto Erickson contesta este ponto de vista e considera também o papel dos prestadores de serviços para criar um ambiente agradável; transfere o foco do consumidor de sociabilidade para o servidor. Neste sentido, o enfoque aqui adotado se inspira no trabalho de Erickson. O sociólogo e historiador R. Sennett influenciou a obra de Oldenburg sobre os terceiros lugares e traz importantes contribuições para a temática. Na obra O declínio do homem público (1988) Sennett realiza uma investigação sobre a decadência da esfera pública e o advento de uma sociedade intimista. O autor defende que há um descompasso entre a vida pública e a vida íntima. Na sociedade intimista as pessoas estariam mais preocupadas com suas histórias e sentimentos. Em contraste, o espaço público torna-se sem sentido e silencioso. Para Sennett há uma ambivalência entre a visibilidade em público e o isolamento íntimo meio aos estranhos das cidades graças à vinda de mão de obra necessária ao capitalismo industrial. Basicamente na sociedade intimista há o predomínio de uma cultura narcísica e há a formação de comunidades destrutivas, o termo remete ao oposto da cultura cosmopolita, surgem comunidades fechadas integradas. Ao adotar a metáfora do Theatrum Mundi33 o autor vai além, ao afirmar que na contemporaneidade os atores estariam inibidos de representar. Para representar é necessário um público de estranhos e não de pessoas íntimas. Deste modo os atores estariam desprovidos de sua essencial arte de desempenhar papéis sociais. Os atores sociais passam a serem expectadores

33

A genealogia do Theatrum Mundi remonta a Platão ao referir sobre a comédia e tragédia da vida. A metáfora do drama social, da vida como um teatro originou o método dramatúrgico (Cf. TEIXEIRA, 1998).

83

da vida pública, vivem em silêncio, e aos poucos a cultura pública está a se esfacelar. Sennett realiza, em seu livro, o diagnóstico a partir de duas cidades ocidentais importantes dos séculos XIX e XVIII: Londres e Paris. O autor discute articulando o crescimento das cidades e os locais que estranhos se encontravam. Sennett reflete sobre a criação de praças e parques urbanos para pedestres como lazer; a época em que cafés, restaurantes, bares e pubs (estabelecimentos que servem bebidas alcoólicas) tornaram-se centros sociais. Outro tipo de centro de reuniões prestes a se constituir em meados do século XVIII era o clube para homens, contrariando o perfil dos outros centros sociais, a base dos clubes é que a plateia é selecionada, trata-se de uma associação privada. A abertura de venda aberta para teatro e ópera, anteriormente concentrada na distribuição de lugares por aristocratas também é destacada pelo autor. É um momento em que privilégios familiares não mais centravam as relações sociais, propiciando então encontros de estranhos. Os cafés, por exemplo, estavam no auge no século XVII e apenas decaíram com a importação de chás no século seguinte. Na época os cafés eram importantes centros de informação de ambas as cidades; neles os jornais eram lidos:

Como centros de informação, os cafés eram naturalmente locais onde floresciam discursos. Quando um homem entrava no recinto, encaminhava-se diretamente ao bar, pegava um penny, era avisado, se nunca tivesse estado lá anteriormente, sobre os regulamentos da casa (por exemplo, não cuspir nesta ou naquela parede, não brigar perto das janelas etc), e então se sentava para divertir. Isto, por sua vez consistia em conversar com outras pessoas, comandada por uma regra cardinal: a fim de que as informações fossem as mais completas possíveis, suspendiam-se temporariamente todas as distinções de estrato social; qualquer pessoa que estivesse sentada num café tinha o direito de conversar com quem que fosse, abordar qualquer assunto, quer conhecesse as outras pessoas, quer não, quer fosse instada a falar, quer não. Era desaconselhável fazer referências às origens sociais das pessoas com que se falava no café, porque isso poderia ser obstáculo ao livre fluxo da conversa. (...). O tom da voz, a elocução, as roupas, podiam ser dignos de nota, mas a questão toda estava em não se notar (1988, p. 109).

Por sua vez, o bar e o pub, são retratados como instituições do século XVIII; a maior parte dos frequentadores eram trabalhadores subalternos. Sennett também escreve sobre a ligação entre classe e estabelecimentos que 84

vendiam bebidas alcoólicas. De início este tipo de sociabilidade não era temido, “o beber os faria calar” (SENNETT, 1988, p. 265). Mas logo, no século XIX, passou a ser considerado uma ameaça social. Este tipo de reunião então passou a ser coibido pela polícia. Apenas em estabelecimentos próximos aos teatros a clientela era misturada e servia de ponto de encontro antes e depois das apresentações (p. 110):

Quando o café se tornou local de conversação entre os pares no trabalho, ameaça a ordem social; quando o café tornou um local onde o alcoolismo destruía o discurso, mantinha a ordem social. A condenação de pubs das classes baixas pela sociedade respeitável precisa ser vista com olhos desconfiados. Ao mesmo tempo em que essas condenações eram sem dúvida sinceras, muitos exemplos de fechamento de cafés e de pubs ocorreram não quando a beberagem tumultuosa ficava fora de controle, mas, antes, quando se tornava evidente que as pessoas do interior dos cafés estavam sóbrias, zangadas e conversando (1988, p. 266).

A ideia apresentada por Sennett perpassa uma mudança social em que “o silêncio é a ordem, porque o silêncio é ausência de interação social” (p. 266). Assim as pessoas poderiam se proteger contra a sociabilidade e gozar da “privacidade pública” (p. 269). Tratava-se de uma época em que cafés estavam repletos de pessoas, no entanto cada uma estava separada das outras, lendo,bebendo, relaxando, todavia a sós. O autor ainda destaca mudanças nas relações mercantis quanto ao consumidor final:

O mercado urbano do século XVIII era diferente de seus predecessores medievais ou do Renascimento: sendo internamente competitivo, aqueles que nele vendiam competiam para atrair a atenção de um grupo mutável e amplamente desconhecido de compradores. À medida que a economia de mercado se expandiu, e as modalidades de crédito, de contabilização e de investimento tornaram-se mais racionalizadas, os negócios eram realizados em escritório e lojas e numa base cada vez mais impessoal. Fica claro que seria errôneo imaginar que a economia ou a sociabilidade dessas cidades em expansão tomaram de um só golpe o lugar das modalidades mais antigas de negócios ou de prazer. Melhor é dizer que modalidade sobreviventes de obrigação pessoal se justapuseram a novas modalidades de interação, adequadas a uma vida levada entre estranhos, sob condições de uma expansão empresarial regulamentada de forma diferente (p. 32-33).

85

A intensa instigação de Sennett serve de ponto de partida para a apresentação dos tipos descritivos desenvolvidos quanto à interação entre garçons, clientes e consumidores em bares restaurantes do século XXI nas cidades brasileiras pesquisadas e nos estabelecimentos selecionados.

3.2 Interações em serviços formais e informais

Quanto à construção dos tipos descritivos relativos às relações desenvolvidas com os consumidores tomou-se como base inicial a tipologia criada por Frenkel et al. (1999) e a pesquisa empírica então em andamento. A tipologia foi expressa no livro On the front line, baseado em um estudo feito por quatro autores em cinco anos com oito empresas líderes dos Estados Unidos, Austrália e Japão. A classificação triádica desenvolvida caracteriza o ambiente de trabalho, em contexto de economia da informação, como: burocrático, empresarial ou de conhecimento intensivo. Para analisar a relação estabelecida entre a organização e seus consumidores os autores elaboraram tipos ideais para as várias nuanças que interferem no trato com o consumidor, são elas: 1) relação entre trabalhador e consumidor; 2) relação entre gestão e consumidor; 3) relação entre gestão e trabalhador; 4) relação do triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” e por fim; 5) as mais prováveis relações constituídas em cada tipo de ambiente de trabalho. O Quadro 5, organizado por Frenkel et al. (1999), expõe as relações referentes entre organização e consumidores segundo cada ambiente de trabalho:

86

QUADRO 5 – TIPOLOGIA DE FRENKEL et. al. (1999)

Tipos ideais de ambiente de trabalho Relações

Burocrático Neutralidade Afetiva

Trabalhador e consumidor

Empresarial Afetivainstrumental

Conhecimento intensivo Afetiva

Baixa Alta Alta proatividade proatividade do proatividade do trabalhador trabalhador do trabalhador Encontro34

Pseudorrelação Relação

Consumidores Consumidores Consumidor indiferenciados diferenciados visto como em categorias altamente Gestão e consumidor diferenciados Passíveis de Soberania do rotinização consumidor reconhecida Trabalhador Trabalhador Trabalhador usado para contratado com poderes maximizar a como agente, ilimitados para Trabalhador e Gestão eficiência e mas deve negociar o padronizar o seguir regras serviço serviço Gestão tem Consumidor Ambiguidade Gestão/trabalhador/consumidor mais poder tem mais poder quanto o mais (triângulo de poder) poderoso

Relações mais prováveis

Aliança entre gestão e trabalhador contra o consumidor

Aliança entre gestão e consumidor contra o trabalhador

Aliança entre gestão e consumidor

34

Esta tipologia de interações de serviços (encontro, pseudorrelação e relação) é proposta por B. Gutek et al. (2000). A tipologia parte de três questões a respeito da experiência de serviços: 1) trabalhador e consumidor conseguem identificar a pessoa com que eles interagiram?; 2) trabalhador e consumidor esperam interagir no futuro? e; 3) existe uma história de interações compartilhadas entre eles?. Há uma relação de serviço quando trabalhador e consumidor tornam-se interdependentes e, portanto esperam interagir no futuro. Há um encontro de serviço quando trabalhador e cliente não esperam interagir no futuro. A pseudorrelação é um tipo híbrido de interação, o cliente não necessariamente volta no mesmo prestador de serviço, ou seja, ao mesmo trabalhador, mas volta à mesma empresa prestadora de serviço.

87

Apesar de os autores não abordarem diretamente os serviços de alimentação para construir a tabela, supõe-se que possam ser integrados na classificação mais ampla por eles desenvolvida. No caso dos bares restaurantes aqui analisados, apenas o ambiente de trabalho de tipo “burocrático” interessa pouco, ainda que as relações estabelecidas com os consumidores sejam bastante frutíferas para explicar o que ocorre em serviços de fast food. Em estabelecimentos de fast food prevalecem aspectos eminentemente racionais como a eficiência, a calculabilidade, a previsibilidade e o controle35. Para Ritzer (1995) o sucesso desse tipo de estabelecimento é justamente porque oferecem, tanto para clientes, trabalhadores e diretores a racionalidade durante a jornada de trabalho e durante o período de consumo. Trata-se de uma empresa burocrática, porque, como afirma Perrow (1972): dispõe de trabalhadores especializados que atuam para manter os processos internos e diminuir a influência de fatores externos com a intenção de aumentar a eficiência do trabalho. Já as relações estabelecidas com clientes em ambientes de trabalho “empresarial” e de “conhecimento intensivo” são mais evidentes nos bares restaurantes pesquisados, pelo menos no que se refere à relação entre trabalhador e consumidor e à relação entre gestão e consumidor. Nesse sentido, presume-se que o ambiente de trabalho “empresarial” se incline para o estilo de estabelecimento denominado como moderno e o ambiente de trabalho de “conhecimento intensivo” se incline ao estilo de estabelecimento denominado tradicional. Quanto à própria tipologia descritiva elaborada para as interações entre garçons e consumidores/clientes em bares restaurantes foram considerados: 1) a predominância em cada estabelecimento: da afetividade na interação entre ambos; 2) o tipo de experiência predominante nas interações entre garçons e consumidores e clientes; segundo a tipologia proposta por Gutek et al. (2000) e; 3) o tipo de atendimento oferecido pelo estabelecimento (pessoalizado ou 35

Segundo Ritzer (1995), autor que teve como objeto de pesquisa uma renomada empresa de fast food, a eficiência é marcada pela realização rigorosa de um processo predeterminado sob a supervisão de um superior. A calculabilidade é marcada pela ênfase em todo processo de aspectos quantitativos (tempo gasto, tamanho do produto). A previsibilidade assegura que a oferta de produtos e serviços será a mesma independente da franquia que esteja. Os trabalhadores seguem ordens corporativas em relação ao modo de falar com os consumidores, seguem scripts para criar interações previsíveis. O controle exercido nos trabalhadores e consumidores assegura a rapidez no serviço prestado.

88

impessoalizado). A seguir o Quadro 6 expõe a tipologia desenvolvida para o caso deste projeto:

QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS CLIENTES E CONSUMIDORES

Tipos descritivos Variáveis

Bar Tipo Tradicional

Bar Tipo Moderno

Interações informais

Interações formais

Afetiva

Neutralidade afetiva ou Afetiva-instrumental

Pseudorrelação ou Relação

Encontro ou Pseudorrelação

Pessoalizado

Impessoalizado

Afetividade na relação entre garçons e consumidores Experiência de interações entre garçons e consumidores Atendimento consumidor e cliente

Por fim, o Quadro 7 ilustra a caracterização dos bares restaurantes pesquisados segundo as duas tipologias criadas, a referente à cultura do trabalho e à referente ás interações desenvolvida entre garçons clientes e consumidores. Notando que a cultura do trabalho familiar e as interações informais desenvolvidas entre as partes consideradas remetem ao tipo inicialmente denominado como bar tradicional. Enquanto a cultura do trabalho empresarial e as interações formais entre garçons e consumidores e clientes remetem ao tipo dito bar moderno.

89

QUADRO

7

-

CARACTERIZAÇÃO

DOS

BARES

RESTAURANTES

SEGUNDO AS TIPOLOGIAS ELABORADAS

Tipos descritivos Bares restaurantes

Cultura do trabalho

Bom Bar

Empresarial

Gira Mundo Bar

Familiar

Vila Cambuí 1

Empresarial

Arena

Familiar

Cidinho Petisqueria

Familiar

Choperia Matilha

Informal

Familiar

Balhego Imperial

Santa Parada

Interação entre garçons clientes e consumidores

Informal Formal Formal Formal Informal

Empresarial

Formal

Empresarial

Informal

3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise dramatúrgica

Goffman apresenta uma perspectiva sociológica para estudar a vida social,

sobretudo

em

estabelecimentos

sociais

(hospitais,

escolas,

restaurantes, etc.). A perspectiva adotada por ele é da metáfora do teatro, em outros termos, basicamente Goffman pretende analisar as interações sociais em lugares públicos a partir da representação teatral. Além da perspectiva da metáfora teatral Goffman propõe como modelo de análise a ordem social. A ordem social é entendida como “consequência de qualquer conjunto de normas morais que regulam a forma com a qual as pessoas buscam atingir objetivos” (GOFFMAN, 2010, p. 18). Alguns conceitos norteiam a obra do sociólogo canadense. A apresentação, por exemplo, acontece quando um indivíduo na presença de um 90

grupo exerce certa influência. A representação idealiza a situação social, por isso os indivíduos tendem a incorporar valores reconhecidos socialmente quando interagem. Ao indagar sobre a representação deseja-se saber da legitimidade do ator em desempenhar um determinado papel social. A representação feita por um impostor pode enfraquecer o elo moral da situação social. A fachada é referente ao desempenho individual normalmente geral e fixo de definir a situação diante dos observadores. O cenário corresponde aos elementos do pano de fundo da ação (decoração, mobília, disposição, etc.). Já a fachada pessoal diz respeito dos elementos expressivos do próprio ator (idade, vestimenta, sexo, expressões gestuais e corporais, etc.) (Cf. GOFFMAN, 2008). A região é outro conceito importante, Goffman realça a relação entre o ambiente físico e a vida social. O modelo conceitual proposto colabora para compreender a estrutura normativa que envolve as interações face a face. A região, por exemplo, é um lugar “limitado de algum modo por barreiras à percepção” (GOFFMAN, 2008, p. 101). A partir da metáfora teatral Goffman distingue duas regiões: a fachada e o bastidor. A primeira é onde a representação ocorre e atos legítimos são executados. Já nos bastidores, atos que são suprimidos na fachada aparecem. Nos bastidores há elementos de apoio à encenação do ator social. Isso porque nos bastidores não há a presença da plateia. Na fachada os atores vigiam a representação e agem em tom de autoridade, já nos bastidores o clima é informal e familiar. E é nos bastidores que os atores oferecem apoio uns aos outros. Na ocupação de garçons é evidente as duas regiões existentes no ambiente de trabalho. O próprio métier da ocupação é dividido nos momentos de atuação na fachada e bastidor. Ao chegarem ao ambiente de trabalho os garçons primeiramente montam o salão. Neste momento, em que estão no local físico onde mais tarde se tornará fachada, mas sem os olhares de clientes e consumidores estão no bastidor. Os garçons ficam sem uniforme já que ainda não começaram a atender clientes. Antes de assumirem o trabalho de atendimento eles se alimentam, mas normalmente não no mesmo lugar em que os clientes consomem aquele ambiente. Frequentemente são em lugares mais precários, pequenos, escuros, quentes e com poucas cadeiras e mesas. Os utensílios 91

para se alimentarem também são bem diferentes do que os clientes usam, trata-se de pratos, talheres, copos de plásticos, os alimentos também não são os mesmos, é uma refeição diferenciada para os trabalhadores. Apenas o Bom Bar,

dentre

os

estabelecimentos

pesquisados,

como

mencionado

anteriormente, não assume esta postura de diferenciar trabalhadores e clientes e consumidores de forma tão acentuada. Depois de organizarem o salão, os garçons se alimentam, vestem o uniforme (sempre limpo e bem passado), para depois atenderem os clientes. Daí em diante, sobretudo em estabelecimentos estritamente formais, a postura é amplamente modificada, os garçons se apresentam apenas em pé e em direção aos clientes, nunca de costas. Os rostos passam a serem aprazíveis em relação aos clientes, sorrisos aparecem no semblante dos trabalhadores. Estresse, fisionomia brava e problemas exteriores ao bar são amplamente coibidos em todos os estabelecimentos pesquisados, já que há a ideia de que os clientes estão no estabelecimento para minar o estresse. Além disso, os clientes estão dispostos a gastar dinheiro no estabelecimento e são eles é quem incrementam o salário do garçom. Portanto, os clientes devem ser bem tratados para que voltem e façam propaganda do lugar. E mais do que isso, para que não façam propaganda negativa do lugar, afastando outros consumidores. Aqui, fica claro que estas ações acontecem na fachada. Nos bastidores é diferente, quando chateados com consumidores enjoados ou mesmo exigentes demais os garçons desabafam nos bastidores, onde não podem ser vistos por quem não é da organização. Muitas vezes fazem piadas, conversam e até choram fazendo referência às interações que tiveram com os consumidores. É nos bastidores que as emoções dos trabalhadores florescem naturalmente. Na fachada as emoções não são manipuladas. É comum o receio que nos bastidores acontecem ações desrespeitosas em relação ao cliente, como garçom que cospe na bebida alheia e etc. Nada disso foi relatado na pesquisa de campo, dizem que é lenda sobre a ocupação, mas há essa ideia nas representações sociais sobre garçons. No caso do Bom Bar, devido ao pouco espaço do lugar, não existe um local que poderia ser chamado de bastidor, já que o espaço é constituído apenas pelo salão e pela área atrás do balcão e pelo caixa em que os garçons 92

nem entram. A cozinha do Bom Bar, que poderia ser entendida como um bastidor, é em outro lugar, está a mais ou menos um quilômetro estabelecimento. Quando estressados e cansados do barulho e calor os chapeiros, balconistas e garçons tinham como hábito de se acomodar do lado de fora do local, junto às mesas e cadeiras extras colocadas, ali conversavam e alguns fumavam cigarro. O local funciona quase como um bastidor, entretanto nem sempre se tem tempo para ausentar do serviço e sair. Até mesmos os banheiros são comuns a trabalhadores e consumidores. O Balhego é semelhante ao Bom Bar quanto ao espaço pequeno. Há apenas o salão, o balcão e uma cozinha bem pequena, que sequer comporta outras pessoas além do cozinheiro.

A área que pode ser considerada o

bastidor está nos outros andares do prédio, no primeiro em que há um depósito e no terceiro onde há uma área própria para os trabalhadores se vestirem e guardar pertences. Como é preciso fazer um deslocamento vertical e também há a falta de tempo, o local acaba por não funcionar como um bastidor, porque é difícil encontrar outros pares para desabafar. Nos outros estabelecimentos pesquisados havia uma clara divisão entre fachada e bastidor. A divisão de regiões nos estabelecimentos era claramente percebida pela restrição da presença da pesquisadora no local. O bastidor simplesmente não era apresentado ou aberto. No Gira Mundo, através de um pedido e da confusão sobre a minha presença no local um garçom, sem jeito de recusar, um garçom me conduziu até uma área específica para trabalhadores: onde estava o armário dos trabalhadores, o banheiro e bebedouro. Mas com certeza a ação causou certo desconforto no estabelecimento. A cozinha eu consegui visualizar da parte de fora, de onde os garçons retiram os pratos. Na Choperia Matilha consegui visualizar a cozinha porque para ir até o escritório do local é preciso passar por ela, por isso, a presença não causou estranheza. Entretanto foi uma passagem pelo ambiente e não uma apresentação. Por sua vez, a experiência no Bom Bar foi diferente. Após conceder uma entrevista João, todo orgulhoso, me levou até a cozinha do Bom Bar e mostrou todo o processo de produção dos alimentos do lugar. No estabelecimento também tive a interessante oportunidade de estar do lado de lá do balcão e perceber o local de outro ponto de vista, no Balhego também foi possível isto. 93

A diferença do Bom Bar e do Balhego quanto ao local do bastidor não se deve apenas ao pequeno espaço do estabelecimento. Deve-se também a tradição na cidade de estabelecimentos com balcão. É uma diferença cultural. Estabelecimentos com balcão desenvolvem outro tipo de interação em serviços. Em outros termos, é preciso ressaltar que o balcão assume outro significado na cidade e nesses estabelecimentos. Nestes lugares o ato de beber em pé no balcão é corriqueiro. Dali é possível visualizar o trabalho desenvolvido e conversar com garçons, balconistas, chapeiros, chopeiros, caixas, sanduicheiros, gerente, proprietário. No balcão é possível se familiarizar com o estabelecimento de modo mais completo. No moderno Vila Cambuí, outro estabelecimento de Campinas, é diferente. Existe balcão, mas é regra não é permitido beber ou sequer fazer um pedido no balcão. A presença da pesquisadora diante dele causava certo desgosto, ainda que não tenha sido dito foi possível perceber. Já nos estabelecimentos pesquisados de Goiânia o balcão é funcional, servia para repassar bebidas. Até mesmo em um estabelecimento que tem nitidamente a inspiração em botequins cariocas (estabelecimento visitado durante a iniciação científica) o balcão é vazio, é apenas ocupado por trabalhadores. Ou seja, a arquitetura dos botequins é construída, mas a informalidade, a sociabilidade e a intimidade, que marcam a essência do botequim carioca36 não são efetivas. O pensamento do cientista social D. Slater (2002) sustenta a presença de um “botequim carioca” em Goiânia ao considerar a cultura do consumo na modernidade. Slater escreve no prefácio do livro Cultura do consumo & Modernidade que: “ser moderno é ser consumidor; modernizar é, em última instância, manter tanto um modo de vida consumista quanto a capacidade de participar da cultura do consumo global” (SLATER, 2002). Ou seja, um

36

Uma estimulante conversa sobre os bares tradicionais ocorrida no I Seminário Internacional do Bar Tradicional, realizado em dezembro de 2011 na capital carioca, discutiu justamente a primazia da comida em botecos. A ideia em voga era a de que a gastronomia estava a invadir este tipo de estabelecimento e isso evidencia algo simples “não temos o que conversar”. A sociabilidade, eminente a estes lugares, não ocupa mais a motivação central de consumo destes estabelecimentos. Para colaborar a hipótese resta destacar os vários eventos gastronômicos realizados, um deles que é feito em ambas as cidades da pesquisa, evento de referência, é o “Comida di Buteco”. Além disso, existem os eventos realizados pelos sindicatos de estabelecimentos de alimentação e pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) para divulgar os estabelecimentos das cidades.

94

“botequim carioca” em Goiânia expressa ao mesmo tempo o consumo de uma novidade e certa participação de outra cultura. Ainda que haja uma adaptação à cultura local.

3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes

Serviços interativos são chamados de serviços da linha de frente, porque o servidor interage diretamente com o consumidor. O cliente participa da produção do serviço em maior ou menor grau, dependendo do tipo de serviço. Quando um cliente pede sugestões ou realiza um pedido para o garçom, por exemplo, desenvolve seu papel na situação. Téboul (1999) reflete sobre os serviços como uma “caixa preta”: o que entra na caixa é a necessidade ou problema do cliente, após o serviço prestado, ou seja, fora da caixa preta apresenta-se o cliente suprido ou com a solução. “Dentro de um restaurante, por exemplo, um cliente entra esfomeado e sai satisfeito. Da mesma forma ocorre no hospital, um paciente entra doente e sai curado” (TÉBOUL, 1999, p. 20). A coprodução do cliente nos serviços aumenta o grau de incerteza da atividade. A rotina não é habitual, afinal situações inusitadas acontecem e o comportamento dos consumidores não é previsível. Se a empresa é estritamente burocrática como o McDonald’s, em que seu layout e proposta direcionam o comportamento do consumidor, é possível controlá-lo de modo suficiente. Caso contrário não. Ainda assim, é preciso destacar que ambos, trabalhador e consumidor, atuam seguindo normais morais da ordem social. Ou seja, atuam conforme os valores reconhecidos nas situações sociais vivenciadas. Outra forma de aumentar a previsibilidade das interações em serviços é a partir de uma criteriosa seleção e treinamento de funcionários (Cf. MCCAMMON; HOLLY, 2000). Perrow (1972) enfatiza técnicas e procedimentos utilizados por empresas burocráticas para direcionar como deve ser o relacionamento com os consumidores:

Os indivíduos são separados por categorias, porque seria tremendamente dispendioso tratar cada caso especialmente, através de uma análise completa. As categorias, assim como os estereótipos, permitem-nos atuar num ambiente em que vivemos sem ter que

95

tomar decisões a cada minuto. A impessoalidade e o formalismo são essenciais em uma organização, para evitar o favoritismo e a discriminação prejudiciais e para proteger indivíduos do constrangimento causado pelo conhecimento e amizade, quando a situação exige uma decisão impessoal (1972, p. 82).

No Vila Cambuí, a situação é semelhante. O estabelecimento é considerado um representante de um estabelecimento com interações formais entre garçons, clientes e consumidores. A gestão do estabelecimento coíbe contato mais íntimo e igualitário dos trabalhadores com o público, acentuando as diferenças sociais entre trabalhadores, clientes e consumidores ao determinar o posicionamento distante dos garçons perante os frequentadores do lugar. Trata-se de estabelecer abertamente o lugar dos garçons diante da situação social. Quando acontece algum problema mais grave em uma mesa, por exemplo, o garçom se abstém e chama o maître para responder a questão. Os garçons não devem estabelecer laços com os consumidores, ainda que os conheçam. Cumprimentos e apertos de mão, por exemplo, são proibidos. As vias de acesso ao estabelecimento são diferenciadas para clientes e trabalhadores. Neste sentido percebe-se que as interações entre garçons, clientes e consumidores do Vila Cambuí são preponderantemente formais e impessoais. Há neutralidade afetiva ou afetividade-instrumental. Alguns clientes, por exemplo, arriscam “fazer amizade” com garçons por interesse, o garçom Israel relata: “quando ele volta ali ele já quer de graça, algum benefício, vantagem”. Mas a distância exigida dos garçons em relação aos consumidores dificulta o afeto. Os garçons devem estar apostos para atender o consumidor: com postura solicita, braços cruzados para trás e virados em direção sua praça de modo que fiquem em contato direto como os seus clientes. Um garçom do estabelecimento, Marcolino, aponta para a dificuldade em utilizar a formalidade durante a atividade no Vila Cambuí, e de certa forma, também para a demanda por parte dos clientes de atenuar o formalismo no tratamento:

Eles cobram, só que a gente não consegue essas cobranças em dia, porque a gente já tem o conhecimento de muitos anos da casa, da cobrança. A cobrança com o cliente é “senhor e senhora”. E a cobrança deles. A gente não consegue fazer isso porque têm conhecimento com os clientes muito grande, todos os clientes aqui.

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Marcolino inclusive menciona o comportamento de alguns clientes do Vila Cambuí que não colaboram com o serviço porque acreditam que o garçom deve fazer o trabalho dele da melhor forma. Para não ocorrerem casos de garçons que “leiloam pedidos”, o estabelecimento criou uma forma de numerar além das mesas, as cadeiras dos clientes:

Já pensou você chegar na mesa “de quem é o suco de laranja?”. Fica aquela coisa, o cliente começa a assustar, tem cliente que nem responde se o suco é dele, mas ele nem responde, tem cliente desse jeito. Se eu pedi o garçom ele tem que saber. Ele tem a obrigação de saber de quem é o suco dele, tem uns que responde, tem uns que responde mais bravo.

No entanto, há relatos de situações que fogem das exigências gerenciais da empresa quanto ao tratamento com clientes. Normalmente a regra informal da ocupação de garçom é que o trabalhador deve seguir a demanda do cliente. Então se o cliente estende a mão para cumprimentar o garçom este precisa fazer o mesmo. Se o cliente puxa conversa ou faz perguntas o garçom deve responder. Ou seja, o garçom está ali para servir o consumidor. Entretanto o garçom não deve iniciar uma conversa ou ter a iniciativa de cumprimentar pessoalmente o cliente. Frases receptoras devem ser exprimidas “boa noite”, “seja bem visto”, “a disposição”, na saída, “volte sempre”, “até mais”. Isso são regras informais da atividade, contudo variam de estabelecimento para estabelecimento. O garçom Marcolino, do Vila Cambuí, afirma não conversar muito com os clientes: “eu acho que o cliente não saiu da casa dele para conversar com o garçom, se ele puxar conversar com você, você conversa e de cara já procura sair para não tomar muito o tempo dele, principalmente se tiver acompanhado”. No caso do Vila Cambuí há uma curiosa especificidade sobre a postura do garçom. Ele não deve respeitar os estímulos do cliente, se o cliente entender a mão para cumprimentar o garçom, o mesmo não deve fazê-lo, por exemplo. É uma forma de educar o cliente à proposta do estabelecimento e selecionar o tipo da clientela do local. Porém, nem sempre na prática é assim, há situações que destoam das reivindicações gerenciais. O garçom Israel e o Marcolino apresentam, concomitantemente, pontos de vista e situações sobre o assunto em voga: 97

O cliente tem um relacionamento como se fosse amigo, muito parceiro, admira muito. Os clientes chegam e têm um carinho muito grande pelo o nosso profissional. Abraça, beija, quer saber como você está e sua família. A gente fica satisfeito porque a pessoa preocupa com a gente. Uma situação é que a gente expõe um pouquinho para poder trazer ele pra gente, conversa.

Acontece muito, você vê o cliente entrando daquele jeito e você faz uma leitura. E chega lá ele é outra pessoa, acontece, aconteceu comigo ontem. O senhor entrou, um casal, entrou sério, eu achei que ele era uma pessoa mais séria. Ele começava a brincar com a mulher e eu não aguentava, chegava perto da mesa e começava a sorrir. E ele “pô! Você só vem na minha mesa sorrindo”, “não aguento olhar no seu rosto”, “se você vim me atender e começar a sorrir vou dá soco em você”, brincando, a mulher dele não aguentava de risada, era legal, era divertido o coroa.

Mas de modo geral, pode-se afirmar que o relacionamento desenvolvido entre garçons e consumidores do Vila Cambuí é instrumentalizado e baseado na aparência. A afirmação de Marcolino expressa claramente isto: Tem gente que gosta que chame pelo o nome, para mostrar que eles já conhecem a casa e conhece os garçons. Por ser o terceiro maior clube de bebidas, o cliente quando entra aqui ele já gosta que leva a garrafa dele pra mostrar que ele é conhecido da casa.

Mas ainda que haja “causos”, neste estabelecimento, situações mais marcantes e um pouco menos formais que ocorrem entre garçons e clientes advêm de episódios não rotineiros, como um incidente na prestação do serviço. Certo dia, no Vila Cambuí, um jovem cliente mostrou descontentamento com o garçom quando este trouxe copos molhados para degustar uma cerveja importada (o hábito de beber cervejas importadas no país tem se popularizado e o mercado apresenta rápida expansão). Fato é que o barman do estabelecimento preparou a bebida e os copos especiais para a cerveja para o garçom levar, antes imergiu os copos em um recipiente de gelo. Certo ou não, o cliente não gostou e acusou o garçom de ter levado copos molhados (escorrendo água) para a mesa. Este sem saber ao certo explicitar o motivo técnico de os copos estarem daquela forma disse que era norma da casa o

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procedimento37. Prontamente pediu desculpas e buscou um lenço e secou os copos em frente à mesa, enquanto os amigos discutiam sobre a maneira correta de degustar a cerveja o precursor da situação ainda resmungava. A situação

demonstra

insatisfação

com

o

estabelecimento,

sobre

seus

procedimentos adotados, contudo a “chateação” é descontada no garçom. Afinal está é uma característica da atividade, por estar em contato direto com o consumidor a maioria dos problemas ocorridos no processo são creditados ao garçom. Porém as reações dos consumidores são variadas e Israel, garçom do estabelecimento, comenta:

De repente aconteceu um acidente ali na mesa e nada a ver, uma pessoa superpreparada, chega e derruba uma coisa na pessoa e a pessoa acaba te surpreendendo porque você esperava uma dura. Tem cliente que se você derrubar uma gota de água no braço da pessoa fala que você é um péssimo profissional, chama o gerente e quer te tirar da casa (...).Tem clientes que são muito pra frente chega e chama na lasqueira, chega e fala, tem umas que são muito educadas, outras que são através do olhar.

Israel afirmou que, quando alguém se altera na mesa, sempre tem uma pessoa na mesa que entende a situação e tenta apaziguar, mas mesmo assim o garçom assume a posição subalterna na situação. “Por mais que seja um acidente ou não, não foi à intenção, você fica humilde, pede desculpas, “foi distração minha”, você tem que assumir”. Segundo ele é gratificante saber lidar com o estado do cliente: Acho que a gente usa um pouco dessa psicologia porque a pessoa que está querendo conversar, desabafar, a pessoa chega estressada, você tem que falar com ela pra ela sorrir, é gostoso. Eu acho que é persistência, você chegar na pessoa e tentar agradar, sempre sorrindo, você consegue. 37

Em alguns estabelecimentos barman realizam pequenos cursos de preparação de drinques oferecidos por distribuidoras de bebidas. Quando algum bar fecha uma parceria com uma marca específica é possível que isso ocorra. Além disso, garçons passam por um treinamento para vender os drinques. Através do Vila Cambuí participei de ambos: do curso para barman ministrado para vários barman da cidade e do treinamento para garçons do Vila Cambuí para vender drinques e também vinhos, oferecido por outra distribuidora. A ideia era que todos os estabelecimentos vendessem drinques específicos com o intuito de instigar e aumentar o consumo de bebidas destiladas no Brasil, já que a expressividade das vendas no país é pouco notória. O que assinala para a massificação e padronização nas situações de consumo, entretanto que ocorre em estabelecimentos específicos. Ou seja, aqueles considerados modernos e empresariais, que fecham contratos com marcas específicas para promovê-las e promover o estabelecimento. Em contrapartida, assinala situações de contínua formação dos funcionários.

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O Vila Cambuí busca o fidelizar o consumidor diante do estabelecimento e não do atendimento personalizado; em outros termos trata-se de uma experiência de serviços que é considerada por Gutek et al. (2000) como uma pseudorrelação, o consumidor volta ao estabelecimento prestador de serviços, mas não volta atrás por causa de um profissional específico que presta o serviço. Em alguns serviços específicos a confiança depositada em um profissional graças a sua competência técnica faz com que o consumidor volte ao profissional do ramo: como é o caso de serviços de beleza, reparação ou cuidados. Ao que parece o Vila Cambuí ambiciona manter-se uma comunidade destrutiva, no sentido apresentado por Sennett. Ou seja, em que surgem comunidades fechadas e integradas cunhadas a partir de uma cultura narcísica. No qual nelas, trabalhadores subalternos devem manter distância correlata à ocupação desenvolvida. É fácil perceber ao analisar a rotina do estabelecimento, o jornal impresso e o site do estabelecimento. Fotos de famosos e pessoas bonitas são estampadas para mostrar quem passou pelo Vila Cambuí. A ideia apresentada é de que aquele não é um mero estabelecimento, é “o lugar” daquelas pessoas. Ou seja, é a “Vila” delas, bem como é a base do clube de homens apresentado também por Sennett, ou seja, a plateia é selecionada. O estabelecimento, por exemplo, proporciona festas exclusivas para seus clientes. No jornal comemorativo de dez anos do estabelecimento são aclamados ordenadamente: os frequentadores do local; os eventos e propostas do lugar; sua história; prêmios; depoimentos de parceiros e clientes e para finalizar, na última página; trabalhadores que compõem a equipe do Vila Cambuí. O que mostra o lugar e importância destes na proposta do estabelecimento. No Balhego Imperial é diferente. Ele é considerado representante de um estabelecimento

com

interações

informais

entre

garçons,

clientes

e

consumidores. Os funcionários da empresa são valorizados. São antigos. O Balhego motiva os funcionários ao declarar que eles foram escolhidos para trabalharem na renomada casa campinense. A cada cinco anos “de casa” os garçons recebem um broche em formato de tulipa de chope para afixarem no 100

uniforme. Funciona como uma espécie de medalha; a intenção é reconhecer o trabalho prestado na casa. Também é uma forma de mostrar isso aos clientes e consumidores, bem como uma maneira de fazer com que considerem e respeitem o trabalhador pelo tempo que está atuando na casa. A combinação de funcionários antigos e clientes frequentes recai em certa familiaridade e intimidade entre ambos e faz com que certo tipo de interações seja desenvolvido. O gerente Pereira, que antes de alcançar o cargo tinha sido garçom no Balhego, por vezes senta-se a mesa com alguns clientes para prosear. Clientes conversam com garçons. também conversam com outros clientes que ali se encontram por acaso. Pontes conta sobre os clientes do local: “o cliente aqui normalmente vem todos os dias, você tem uma amizade com ele, você sabe como ele gosta de ser tratado”. Pontes também afirma que brincadeiras costumam resolver as angústias dos clientes: “se é um domingo o cliente não tem pressa pra ir embora, normalmente eu falo ‘hoje é domingo pra que a pressa? O lanche vai sair rapidinho’. Não pode é ficar estressado com o cliente senão ele vai cancelar e pedir a conta e ir embora”. Os clientes chegam a perceber o estado dos garçons: Tem muitos clientes que vem todos os dias, tem muita amizade com o garçom. Se algum dia você está com algum problema eles percebem na fala do garçom. “Hoje ele não está igual nos outros dias, sorrindo, brincando”. Então normalmente como tem mais contato, vem mais vezes e tal, conhece, pode ter alguma reclamação... Brincando né, eles falam pra mim “hoje o Pontes não está sorrindo não”, mas na brincadeira e acaba incentivando a gente sorrir, sorriso no rosto.

O hábito de acomodar ao balcão é comum. Certo dia também um cliente ficou parado um bom tempo na porta do estabelecimento tomando um chope e observando o movimento do centro da cidade e o largo a frente. Outro cliente disse que ser um hábito saudável ir até o Balhego. “Bar é vida, quem não vem não sabe nada da vida. Aqui é possível sentir o pulso da cidade, dilemas e dramas”. O clima de sociabilidade e tradição do local é evidente. O Pereira afirma que as mudanças normalmente não são bem vistas pelos clientes do Balhego Imperial. Se os outros estabelecimentos da rede mudam algo, não necessariamente a medida é implementada no local. Lá a preocupação de

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manter as coisas. Pereira nota “às vezes há uma mudança boa no mercado e o cliente não acompanha”. Para ele o antigo cliente Pedro é radical, tem suas manias. Constantemente aparece para tomar um chope, mas só aceita se for tirado por Manuel. Além disso, o estabelecimento guarda tulipas antigas para os poucos clientes que não gostam de tomar chope no novo copo, como é o caso de Pedro. A massa do pastel que antes era feita no cocho e agora é feita na máquina também causa descontentamento em alguns. Por sua vez, o gerente pondera a mesma qualidade do produto e funcionários saudáveis, sem forçarem excessivamente os braços e coluna para amassar a massa. Entretanto a maior descoberta no estabelecimento foi quanto à diferença no tratamento dos tradicionais clientes do Balhego Imperial. Segundo Pereira o cliente do estabelecimento “quer ser tratado como rei, ele não quer intimidade, não quer amizade” e ainda ressalta o desprezo de alguns que sequer respondem ou olham quando o garçom cumprimenta “boa noite”. Lá há tanto os clientes que reconhecem o trabalho dos garçons e os que não se importam, desejam apenas serem atendidos por um garçom discreto. Para estes o trabalhador é praticamente invisível, algumas vezes o atendimento sequer é agradecido. Ainda assim conforme a cartilha do Balhego é essencial identificar clientes. Pereira destaca isto: “o fato de cumprimentar um e não outro faz com que quem não foi se sinta diminuído, ele quer ser conhecido”. Na apostila de treinamento, por exemplo, um dos aspectos elencados que diferencia o profissional é o atendimento personalizado “chamando-o sempre pelo nome”. O tratamento deve ser diferenciado porque “as pessoas sentem a necessidade de serem tratadas como únicas” e isso carece capacidade do funcionário de perceber o cliente. Porém não pode haver discriminação no atendimento. A evidência valorativa disto é apontada pelo garçom Abelardo: “o dinheiro vale tanto quanto o do outro”. O garçom Gerson conta sobre as diferenças dos clientes, mas diz que eles gostam de atenção:

Tem cliente chega quer tomar o chopinho dele, quer privacidade e não quer nem papo. Mas tem cliente, a maioria deles, quer que você trate dando atenção a eles, como se ele fosse o único e ninguém mais em volta dele. Você conta piada pra ele e dá risadas, conversa com você e você dá atenção ao que ele está falando não importa que seja sobre serviço, assunto de trabalho ou de fora, mas dá atenção

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pra ele, e às vezes uma palavra de apoio naquele momento ele vai gostar muito. Às vezes o cliente chega “você não me viu aqui não? Nem me cumprimentou” porque de repente é difícil você atender um cliente e ser de fora, primeira vez que vem aqui, geralmente o cara “eu já vim aqui você lembra de mim?”. Eu costumo falar um ditado que é verdadeiro, a gente do Balhego conhece a metade de Campinas e a outra metade conhece a gente.

Por sua vez, a intimidade pode ser mal vista. Abelardo conta uma situação que ocorreu com ele e apresenta distintos gostos dos clientes quanto ao tratamento:

Tem cliente que se você ficar massageando ele, ele acha ruim, tem cliente que não gosta e a gente tem que entender. Eu já tive cliente que eu fui atender, recepcionar na porta ele fez um sinal pra mim (sinal de pare), tava com a mulher dele aí, esse aí eu nunca mais, eu deixo ele a vontade.

No Balhego, extremamente curioso é há ânsia por caprichos por parte dos clientes, fazendo com que algumas vezes o garçom extrapole suas obrigações, como comprar remédios para clientes em comércios vizinhos ou comprar crédito para o celular do cliente que degusta tranquilamente um chope, chamar táxi, entre outras coisas. O garçom está ali para servi-los de modo amplo e parte dos consumidores do Balhego gosta desta cômoda situação. É o prazer em ser servido ressaltado por Gorz. Abelardo conta situações vivenciadas no estabelecimento neste sentido, bem como o garçom Pontes:

Às vezes, o cliente está sentado e ele pergunta pra mim: “onde vende cartão telefônico, cartão para carregar celular?”, eu falo “na banca”. Se eu tiver parado sem fazer nada eu peço para o outro garçom “dá uma olhada na minha praça para eu buscar o cartão do cliente”. É uma cortesia, para sair lá e comprar um cigarro. O cliente não vai falar “vai lá comprar pra mim”, ele não vai exigir de você, a gente que vai e compra. O cliente gosta, agradece, às vezes dá até caixinha, tem uns que dá tem uns que não dá. Você quer agradar o cliente, por exemplo, tem muito cliente que pede pra gente buscar alguma coisa e a gente vai para agradar ele. Mesmo que não seja o papel da gente, eu procuro sempre fazer para agradar ele. Lógico se for uma coisa demais você não vai fazer.

O gerente Pereira apresentou outras situações que ocorrem. Como por exemplo: se preciso é possível inventar algo para o cliente que extrapole o 103

cardápio, “como um caldinho, vale para qualquer um”. Também ocorre de os clientes quererem levar alguma peça de frios exposta no estabelecimento. Apesar de os objetos não estarem ali com esta intenção, Pereira assegura primeiro serve ao cliente, “se quiser, vende. Ter o produto e não servir o cliente, não dá!”. Este tipo de situações de serviços denota algo semelhante ao que defendido por Sennett no período de grande urbanização, trata-se de certa necessidade dos indivíduos de adquirir reputação: ser conhecido, ser reconhecido, ser singularizado. Numa cidade grande, essa busca da fama por se tornar um fim em si mesmo; para tanto, os meios são todo tipo de imposturas, convenções e etiquetas com que as pessoas estão sempre tão dispostas a jogar numa cosmópolis (SENNETT, 1988, p. 152).

Essa característica é única ao Balhego. Em Goiânia algo semelhante não foi encontrado, nem mesmo nos outros estabelecimentos de Campinas. Com certeza, essa é uma diferença cultural que remonta à história da cidade, a tradição do Balhego em Campinas e de seus consumidores. Uma cidade em que a elite por muito tempo foi servida por farta mão de obra escrava parece carregar resquícios da escravidão. Ainda que esta característica identificada no Balhego corrobore com a tipificação descritiva de interações informais entre garçons e clientes, no sentido de que, demonstra a afetividade nas interações de serviços. Bem como também demonstra uma tentativa de desrotinizar o dia a dia de trabalho. Quanto ao relacionamento com clientes o Balhego Imperial apresenta estabelecer relações marcadas pela afetividade, ora pela afetividade instrumental, graças à efetividade nos processos de seleção e treinamento dos funcionários contratados e anos de experiência no local. Por ser um estabelecimento conhecido na cidade as experiências de serviços manifestam principalmente relações e pseudorrelações, mas encontros de serviços ocorrem também devido a sua fama. A pseudorrelação é entendida pelo nível do padrão de qualidade que o estabelecimento alcançou ao longo dos anos. Pela idade, tradição e política do estabelecimento o relacionamento com clientes é pessoalizado.

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O Bom Bar é considerado um estabelecimento com interações informais entre garçons, clientes e consumidores. A afetividade e o atendimento personalizado são evidentes nas interações de serviços. Saudações, abraços, apertos de mão, beijos no rosto, fala ao pé do ouvido e atos afetuosos entre trabalhadores e clientes foram comuns na observação durante a pesquisa empírica. Denominações carinhosas feitas por garçons para clientes também eram comuns de observar como “amigão”, “minha deusa”. Além disto, a informalidade é constante no Bom Bar. Os garçons fazem brincadeiras e “pegadinhas” com clientes e trabalhadores. Uma delas, por exemplo, é quando um garçom bate a caneta duas vezes no pé de alguém distraído e continua de forma séria o trabalho. A pessoa olha ao redor e não entende o que aconteceu. Um dos garçons, Vilmar, cantarola e marca o ritmo na batida do cardápio, “oh abre alas que eu quero passar” e também faz sinal da sirene para que as pessoas saiam do pequeno caminho da parte interna do estabelecimento. Quando alguém dá caixinha para um balconista, eles gritam alto para animar os colegas “caixinha de fulano”. A caixinha recebida no Bom Bar é dada diretamente aos funcionários e é dividida para todos no fim do expediente. A pessoalidade é eminente no Bom Bar, o aviso imperativo nos banheiros do local expressa isto: “conserve, que eu limpo, Pretinho, o cara que limpa. Obrigado”. O relacionamento com a pesquisadora não foi diferente. Os clientes cumprimentavam e os trabalhadores também. Também houve em alguns momentos em que o estabelecimento oferecia como cortesia da casa, deliciosos salgadinhos quentes, sobretudo. Ao pagar as contas o Gerônimo no caixa entregava gentilmente um bombom. O Bom Bar possui clientela variada, tem pessoas mais jovens, mais velhas, mais simples, mais abastadas. Segundo o garçom Vilar no estabelecimento “dá de tudo sem exceção, eu acho que aqui é a escola da vida eu falo para os outros funcionários, porque você trabalha desde os lá de baixo até os topes mesmo”. O estabelecimento tem clientes antigos e bastante frequentes no estabelecimento, tem clientes antigos, mas não tão frequentes e tem aquelas pessoas que vão ao estabelecimento apenas para conhecer. São clientes realmente assíduos. Na semana em que acompanhei a rotina do estabelecimento reconheci várias faces. Aqueles com hábitos extremamente 105

rotineiros, aqueles que ali encontravam a turma de amigos, aqueles que por morarem bastante próximo ao lugar estavam sempre no Bom Bar. Por isso, pode-se considerar que a predominância nas experiências de serviços é marcada pela relação ou pseudorrelação. O número pequeno de garçons no estabelecimento, apenas quatro, também tende ajudar a vislumbrar que as pessoas

voltem

ao

estabelecimento

não

apenas

por

gostarem

do

estabelecimento, mas por gostarem do atendimento prestado pelos garçons da casa. Outras evidências apresentadas a seguir, denotam que relação de serviços é importante para muitos clientes do Bom Bar. O garçom Vilmar, começou a trabalhar aos dezoito anos no Bom Bar e já está na casa há doze anos, ele conta sobre o seu relacionamento com os clientes:

Tem clientes super amigos, de marcar churrasco no fim de semana, tem uns que já é sócio da casa, vem todos os dias. A gente já considera que faz parte da família, porque aqui devido os funcionários serem tudo antigo, então a gente já considera uma família, esses clientes que já são né, que vem todos os dias, já considera um dos nossos, então há uma grande amizade sim.

Por isto um diferencial da casa é que muitos clientes possuem conta na casa. Dois clientes diários da casa que pagam suas contas mensalmente afirmaram que o critério para a barganha é que no Bom Bar o “pedágio é ser honesto”. E não só isto, muitos clientes se servem, vão até o freezer abrem a cerveja e pede ou para os balconistas ou garçons anotarem. Ao indagar para o João sobre o ato velado de vender fiado ele responde enfaticamente:

Claro, uai. Como é que eu não vou vender fiado, eu não quis vender fiado. Mas, o sujeito levanta e vai embora e não paga a conta. Quando foi outro dia o cara vem e fala “está aí a conta”. Sabe o que eu falo pra você hoje em dia 90% de quem vêm aqui eles sabem quem é e o nome da pessoa.

Além disto, o nível de confiança dos clientes com os garçons é alto. Um dia um cliente anota a senha do cartão em um guardanapo e entrega junto ao cartão para o garçom para que ele efetue o pagamento. Em outros estabelecimentos não percebi nada parecido, talvez aconteça. Mas com certeza é uma característica semelhante ao que acontece no tradicional

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Balhego, em que os clientes pedem aos garçons para comprarem coisas no comércio vizinho. O garçom Otalício está trabalhando há apenas um ano no Bom Bar, mas afirma conhecer o estabelecimento há muitos anos. No passado ele foi garçom do Balhego, ele e outros colegas de trabalho foram mandados embora quando o estabelecimento em que trabalhava foi fechado. Apesar do pouco tempo no Bom Bar, o tempo de trabalho em outras casas de Campinas e sua experiência na área evidencia sua afetividade no tratamento com os clientes e a afetividade dos clientes com ele:

Tem o carinho que alguns clientes têm com a gente. É uma coisa muito... A pessoa gosta de você, gosta de você atender. Te trata bem, te trata com muita atenção. Isso é uma coisa que marca a gente, isso marca, tem vários clientes aqui, clientes ativos que nossa! São gestos, abraços, eles te olham nos olhos e isso a gente percebe, o cliente não te vê só como um garçom... Diz: “vai na minha casa e tal”.

Além disto os garçons, de modo geral, acabam por aproveitar o bom relacionamento com clientes e o reconhecimento do trabalho prestado de algumas formas. Uma delas é ganhar presentes ou serviços relacionados ao trabalho dos clientes ou ainda receber ofertas de emprego. O garçom Vilmar conta que ele e sua filha já foram atendidos gratuitamente por médicos que são seus

clientes

e

a

seguir

menciona

os

presentes

que

recebe

e

consecutivamente, Otalício conta uma constrangedora situação vivenciada com um cliente do Bom Bar, dono de uma fábrica de colchão:

Camisa, vinho, champanhe, quando eles viajam traz uma lembrancinha da cidade. Tem uma moça que me considera como um filho, devido à vida dela ser corrida e a minha também, então todas as datas marcantes dia das mães, natal eu sempre mando mensagem pra ela, ela sempre traz presente para minha filha, pra mim, nossa quando ela me ver quase chora. Chora, dá aquele abraço. Aí eu perguntei pra ele “quanto você me venderia um colchão?”, ele falou “Otacílio me dá o seu endereço, eu vou mandar com o preço pra você”. Chegou lá e entregou com a nota fiscal isento. Eu queria pagar, mas é uma coisa que eu não gosto. Eu gostei de ganhar, mas eu me senti mal porque não sei... É gostoso você ganhar, mas eu vou pagar pelo ao menos um pouco pra ele.

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A situação narrada pelo garçom expressa a proximidade e pessoalidade entre garçons e clientes do estabelecimento, bem como a informalidade apresentada nas interações de serviços. Para Otalício agradar o cliente é importante para alcançar um bom relacionamento com o cliente e ele gosta de fazê-lo:

Eu sei o que você gosta de tomar eu já trago pra você, minha intenção é de te agradar. Você vai sentir: “pô! O garçom lembra do meu nome e sabe o que eu gosto de tomar”. Ou isso é ruim? É gostoso você chegar, o cliente, e o garçom te abordar a dez anos, ver as pessoas, ele saber o seu nome.

O garçom Vilmar tem outra característica no que se refere ao tratamento de clientes, sua autenticidade é manifesta no trabalho. Várias situações mostram isto. Em um diálogo com uma mãe e filha adolescente após comprarem um chocolate derretido e reclamarem ele pergunta se quer que coloque na geladeira, mas logo em seguida diz: “o gostoso minha filha é lamber o papel” e mostra o gesto. De fato é o que ocorre. Ao escutar outro resmungar “tem mais na garrafa”, diz “ah quer lavar e beber”. Outro dia estava a fazer massagem na cabeça de uma cliente. Quando a esposa de um cliente reclama do calor e ele pede um ventilador ele volta com um cardápio, abana ela e diz “que marido inútil que você tem”. O cliente segue a mesma linha: “olha não vai cobrar mais que 10%”. No Bom Bar os garçons possuem maior autonomia quanto ao atendimento aos clientes, podendo desenvolver suas personalidades sem que seja instrumentalizada tendo em vista o gerenciamento e os benefícios da empresa. Segundo Erickson (2004) quando os trabalhadores possuem maior autonomia no trabalho são mais envolvidos com o mesmo. Com isto a propensão de sofrerem psicologicamente com os princípios gerenciais é menor. Vilmar conta que quando trabalhou em outra casa, o Gira Mundo, era bem diferente, “você mal podia ver um amigo seu cumprimentar e dar um abraço, aqui não, deixa você totalmente à vontade, desde que você não deixe o seu serviço”. A seguir Vilmar conta como é sua postura diante dos clientes do Bom Bar:

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No meu caso eu procuro ser legal com todo mundo. A gente tenta dar o melhor da gente. Eu gosto de brincar bastante. Já que eu vou passar várias horas no meu serviço eu procuro fazer do meu trabalho uma diversão. Lógico tem gente que não gosta, mas aqueles que não gostam você já percebe de imediato. Você faz uma brincadeirinha ela faz uma carinha que não gostou, tranquilo você faz o seu trabalho. Eu gosto de tirar sarrinho. Vamos supor: você faz um pedido e como tem muita coisa acumulada dá uma demoradinha você fala que estar vindo de Portugal ou fala que está vindo de jegue, então esses fatos aí. Eu procuro tratar da mesma forma, a única coisa que muda em relação algumas atitudes. Eu sei o cliente que posso atender brincando, aquele que não posso me aproximar muito dele. O atendimento é o mesmo, o que diferencia é a forma que a pessoa deixa chegar próxima dela. Quem vem sempre já é bastante amigo nosso. Já aconteceu de pessoas serem assim no início e ao decorrer do tempo vem aqui direto, e a gente vai quebrando essa barreira com ele, e ele se solta mais com a gente.

Sobre os assuntos conversados com os clientes Vilmar afirma que os clientes é que iniciam a conversa. E frisa o fato de serem psicólogos em sua atuação no trabalho, por escutarem e até aconselharem seus clientes. Pelo fato de não poderem deixar o serviço para prosearem uma técnica utilizada por ele para não ser descortês com o cliente ao ter que deixá-lo é usar frases como “só um minutinho”, quando o papo está divertido diz “está na hora do comercial”. Segundo ele é como “uma programação boa, você está assistindo e chega o comercial. Eu falo agora está na hora do comercial porque às vezes o assunto está tão agradável, que eu tenho que parar pra atender”. Mills (1976), à semelhança de Hochschild (1983), destaca no mundo das vendas a comercialização da personalidade, porque ao servir as pessoas é necessário características pessoais que interferem diretamente na esfera comercial. Sorrisos e gestos amáveis são bem vindos, enquanto a agressividade deve ser repreendida. Trata-se do aluguel de “seus talentos pessoais para o lucro de outros” (p. 19). O controle de aspectos pessoais em função

de

uma

troca

comercial

refere-se

à

comercialização

de

personalidades38:

38

Para Mills (1976) o mercado das personalidades é marcado por três características: 1) o empregado deve trabalhar em uma empresa burocrática, ser selecionado, treinado e controlado por um superior; 2) seu trabalho está associado ao contato direto com o público; 3) a grande proporção do público é composta por anônimos (p. 201).

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Conhece-se o vendedor não como uma pessoa, mas como uma máscara comercial, uma saudação e um reconhecimento padronizados; não é preciso ser gentil para com um homem da lavanderia hoje, basta pagá-lo; ele, por sua vez, deve apenas ser cordial e eficiente. A gentileza e a amabilidade tornam-se aspectos dos serviços personalizados ou das relações públicas das grandes firmas, padronizadas para aumentar as vendas. Assim, o Homem Vitorioso, com uma falsidade anônima, instrumentaliza sua própria aparência e personalidade (MILLS, 1976, p. 201).

Para o proprietário do Bom Bar o essencial para um garçom é a educação. Quando o estabelecimento está lotado, por exemplo, ele indica que o garçom deve atender o cliente pedindo “um minuto” para que possa atendêlos ou dizendo “já venho te atender”. Segundo ele independendo do tempo que o garçom o fizer esperar, os clientes compreenderam a situação e esperaram. Vão embora apenas se realmente precisarem.

Um caso que passou aqui sexta-feira passada um garçom que não é mal educado, mas estava numa correria e dirigiu a um cliente. E ele veio e reclamou pra mim que ele era mal educado. Oh cara chegou e perguntou como é o esquema daqui e o garçom respondeu: “pergunta pra o gordo aí”. Ele achou que não foi legal e veio reclamar pra mim. O cara perguntou como é o esquema ele deveria ter respondido “só um minutinho” essa é a maneira, a maneira mais simples.

O direcionamento dado pelo João aos clientes remete a algo interessante mencionado no I Seminário Internacional do Bar Tradicional por um amante de botequins cariocas. Segundo ele não ser atendido tem o seu charme, chamar pelo garçom é bom. Ou seja, trata-se justamente da valorização da informalidade em que esperar e não ser prontamente servidos é natural e até desejável. Aí a máxima comercial de que o cliente sempre tem razão não tem lugar. Cabe ao cliente se adaptar aos moldes do estabelecimento está e se preciso “espere um minutinho”. Contudo, o relacionamento dos garçons com os clientes e consumidores do Bom Bar também apresentam problemas relativos a um serviço subalterno. É uma atividade em que normalmente o status de quem é atendido é superior ao do servidor. Conforme Mills (1976) em conflitos com clientes ou com algum superior no trabalho o servidor vai ser sempre “o perdedor padronizado: deve sorrir e permanecer por trás do balcão”. Trata-se de ocupações em que “a cortesia, a obsequiosidade e amabilidade, antes traços do caráter individual, 110

fazem parte agora dos elementos impessoais de uma profissão”. (p. 18-19). Contudo, a postura de alguns garçons do Bom Bar, como o Vilmar, não é passiva quanto aos maus tratos dos clientes. Segundo ele, é o seguinte: “eu trato as pessoas do jeito que me trata, eu não gosto dessas indiferenças não. Se você me jogar uma pedra eu jogo tijolo, se você me dê um abraço eu te dou um beijo, eu sou assim”. Há casos drásticos, Vilmar menciona um ato de violência física ocorrido no estabelecimento em que traz consigo cicatrizes do evento. Em outro caso, o garçom Everton recebeu inexplicavelmente um murro de um cliente. Diante da situação os funcionários do Bom Bar espancaram o agressor. A seguir Vilmar conta uma situação desgastante com uma consumidora do estabelecimento: Eu tenho comigo assim eu vim para trabalhar e eu estou aqui para atender todo mundo bem, mas não vem me tirar não que eu não aguento não! O cliente vê que você está com o seu avental e ele acha que é o rei do mundo. Sabe aquele tipo de gente que fala com aquela autoridade. Uma vez aconteceu um fato assim: dois casais, os caras estavam bem vestidos, engravatados, pediram uma mesa pra mim e tinha uma mesa disponível que era mais afastada e eu disse: “liberando aqui eu trago vocês”, “tudo bem”. Acomodei eles lá e tal. E fizeram o pedido beleza! E essa menina me chamou e falou assim: “porque não tem música ao vivo aqui?”. Expliquei pra ela: “moça a gente está a 500 metros do hospital e não permite som” e o bar era aberto. Ela já começou só porque eu falei “sinal sonoro” ela começou a tirar sarro. Aí liberou uma mesa, mas tinha uma fila de espera, eu falei que “tinha duas pessoas na sua frente quando der eu ponho vocês”. Aí ele falou “liberou uma mesa na frente ali”. Eu falei como “eu te falei tem duas pessoas na frente ainda não é a sua vez”. Ela: “não é a minha vez ou você não quer me colocar lá?”. Aí eu brinquei com ela “olha moça! Se você não me der serviço eu não tenho emprego” e ela “o mal de assalariado é isso” aí eu perdi as estribeiras. Eu penso assim a partir do momento que o cliente te maltrata ele te dá liberdade de maltratar ele. Eu falei “moça simplesmente não é porque os dois caras estão de gravata não significa que ganha mais dinheiro do que eu com esse aventalzinho. Esse aventalzinho aqui, tudo que eu tenho hoje, tenho a minha casa, tenho o meu carro” aí ela começou a dar risadas pois é pelo o que eu ganho aí ela ficou quieta.

O Gira Mundo é considerado um estabelecimento com interações formais entre garçons, clientes e consumidores. Lá o contato com os clientes é mais restrito. Porque o estabelecimento funciona mais como uma boate. O número de pessoas dentro do local é alto, por vezes até dificultando o atendimento ao cliente. Por isto, muitos fazem pedidos diretamente para o barmen no balcão, o que é possível porque a comanda é individual e não por 111

mesa. As conversas que acontecem com o cliente são normalmente restritas ao atendimento prestado. Segundo o garçom Roberto o atendimento é do “tipo profissional, não pode ir para o pessoal, porque não tem tempo, você tenta dar o máximo de atenção para o mínimo de tempo, é uma coisa muito compacta”. Para ele é desonesto com os colegas e com o estabelecimento conversar com clientes outros assuntos enquanto a casa está lotada. O garçom Volnei reafirma: “aqui dentro não dá pra conversar muito. Só vender o produto, alguma conversa mais sobre venda mesmo. Mais é sobre a casa, a agenda musical”. Uma situação de alto estresse vivenciado no Gira Mundo pelo garçom Roberto expressa a impossibilidade em atender clientes de maneira personalizada. Foi um dia que o estabelecimento estava lotado e o palm parou de funcionar. Segundo ele sua vontade era de “largar tudo e sair correndo, ir embora”. Apesar de poder utilizar a comanda de papel, manual, nestas situações, o número alto de pedidos em pouco tempo dificulta o trabalho dos mesmos e dos barmen: Uma loucura, gente pra todo lado e você não consegui se movimentar. Você ia no bar e os caras não conseguem te atender. Você estava aqui na quinta-feira? Então naquela quinta-feira que você estava aqui deu quase quinhentas pessoas, você não conseguia andar. Naquele balcão, loucura, palm dando pau, travando, eu mesmo já quebrei um, ah! Mil reais. Daí pedi alguém pra ficar aqui e fui lá, bebi um pouquinho de água, alguma coisa pra tomar e relaxar, fumei um cigarro, lavei o rosto e voltei de novo. Queria atender e o palm não ia.

Mas, por ser um local em que as pessoas frequentam para paquerar, também acontecem especulações dos clientes com os garçons sobre os frequentadores da casa, bem como os garçons entregam bilhetes e medeiam conquistas. Ou seja, percebe-se que no Gira Mundo há uma ligação instrumental entre garçons e clientes e consumidores. Estes desejam obter informações dos garçons sobre o estabelecimento e os seus frequentadores. Trata-se de uma afetividade instrumental ou de uma neutralidade afetivas nas interações de serviços. Por parte dos garçons o atendimento ao cliente também é instrumentalizado, a amizade com clientes pode ser mal vista, assim observa o 112

garçom Roberto: “o cliente não te dá mais caixinha”; “você não vai enfiar uma faca nele, ao invés de você vender um fusquinha você não vai mais vender uma Mercedes, é mais ou menos assim”. É como o garçom Volnei analisa seu “melhor cliente”: Duas semanas atrás atendi um cliente, “gostei muito do seu serviço”, aí deu uma olhada pra minha mão e colocou duzentos reais, fiquei feliz (risos). E disse “gostei do seu serviço sempre que eu vir aqui quero ser atendido por você”. E hoje é o meu melhor cliente, sempre que ele vem.

Pode até haver atendimento personalizado, mas o tipo de atendimento predominante no Gira Mundo é impessoal. Da mesma forma, percebe-se que os encontros de serviços são evidentes neste tipo de estabelecimento. Mas também existem aqueles consumidores que gostam do local e possuem experiências de serviços cunhadas na pseudorrelação. Dificilmente se nota relações de serviços, ou seja, ambos, funcionários e consumidores, não possuem uma história juntos e não possuem a expectativa de interagirem no futuro. No Gira Mundo, gestos carinhosos ou conversas entre garçons e clientes e consumidores eram raras. Em contraposição ao observado e dito sobre as restrições nas interações de serviços, o discurso dos garçons, por vezes é contraditório. O garçom Roberto, afirma que clientes chamam para “curtir”, já o garçom Neto, por exemplo, acredita que tem amizade com os clientes do Gira Mundo: A gente acaba pegando amizade com o cliente, tem cliente que convida a gente: “vamos sair daqui, vamos lá na boate”. Tem clientes que convida a gente pra sair com eles, eu não gosto muito de sair assim, fechou aqui e vou pra casa, às vezes passo num bar e tomo uma cerveja.

O garçom Roberto lembra que “tem gente que vai embora sem te cumprimentar. Eu passei dez dias fora e escutei ‘nossa pensei que você tinha saído’, isso te gratifica”. Volnei afirma ter ganhado vários presentes e que os garçons perguntam se ele está no estabelecimento. Ele conta sobre a amizade com os clientes:

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Aqui tenho muito amigo, muita gente que gosta de mim! Cara que me quer super bem, aqui dentro, fora, só cliente gente boa (...). Às vezes encontro com eles nas ruas ou onde eles trabalham, advogados. Conversa, vou lá onde eles trabalham. Às vezes encontro e passo no escritório, eu moro no Centro. Às vezes tomo uma junto. Às vezes liga pra mim (...). Paga a conta (risos). Apesar deu ser garçom tem muita gente que me considera!

Além disto, Volnei assegura que as amizades têm limites. Isto porque o Gira Mundo identifica que o elo pode ser prejudicial à casa. Algo errado pode estar acontecendo. Ou seja, ambos, garçons e clientes, podem se unir segundo seus interesses em detrimento dos interesses do estabelecimento. “Toda casa tem que ter um certo limite. Todo mundo brinca, brinca com o cliente, o cliente brinca com a gente, mas tudo tem o seu limite, e eles falam pra gente, está passando a gente corta”. Além disto, a posição do garçom diante do cliente de certa forma é complicada. Afinal o trabalhador tem que mediar expectativas individuais de clientes e estabelecer os preceitos da organização. Por um lado está mais distante da gestão, por outro mais próximo (Cf. FRENKEL, et.al., 1999). Um número considerável de garçons entrevistados, tanto em Campinas, como Goiânia, trabalhou na boate Café Cancun. E um saudosismo existe sobre este período. Se o estabelecimento cunhado na ideia de diversão agradava consumidores os trabalhadores muito mais. O garçom Roberto que pouco interage com os clientes do Gira Mundo conta sobre como era trabalhar no Café Cancun: O Café Cancun era apaixonante! A gente vai sabe: trabalhar cabisbaixo, não ter felicidade de trabalhar? Não tem um por que de você trabalhar? Lá não! Você não via a hora de ir trabalhar, você contava os minutos para poder ir trabalhar lá, lá se vestia de palhaço, pintava o cabelo, arrepia os cabelos, pintava a cara, colocava a roupa, fantasiado, tinha aniversário pegava panela, subia em cima da mesa, dançava em cima do balcão. Quebrava totalmente essa barreira entre nós e os clientes. Chamava por nome “oh! Fulano”. Chegava abraçando, pô, você trabalhar vamos dizer sete, oito anos, onze anos, então tinha uma relação assim. Sabe o dia que a pessoa vai, sabe o que a pessoa gosta de beber, gosta de comer, se a pessoa está de bem, se largou da namorada, se está de bem, tem gente que casou ali conheceram no Cancun e se casaram.

Os estabelecimentos pesquisados de Goiânia não apresentam tantas 114

distinções e peculiaridades quanto às interações formais e informais entre garçons, clientes e consumidores como nos estabelecimentos pesquisados da cidade de Campinas. No Cidinho Petisqueria as interações entre garçons, clientes e consumidores foram consideradas preponderantemente informais. O maître do local é o Fagundes, segundo ele, o estabelecimento possui clientes assíduos, ele conta como é seu reacionamento com clientes do estabelecimento e expõe a proximidade que possui com eles: “tenho uns quinhentos nomes na cabeça, já fui em uns dez velórios de cliente”. A postura dos garçons do Cidinho Petisqueria não é protocolar e baseada na formalidade. Os garçons, por exemplo, são vistos conversando entre eles quando a casa não está cheia. Conversam em roda junto até mesmo do maître do local. Ao fazerem isto, contrapõem preceitos básicos de estabelecimentos formais, ou seja, dar as costas para a praça em que está atendendo. O Cidinho Petisqueria é um estabelecimento grande, tem cerca de vinte garçons atendendo a clientela. Por isto, o atendimento nem sempre é personalizado. Quer dizer, não é sempre que os garçons conhecem os clientes pelo nome e sabem de seus gostos. Mas existem os clientes que os garçons desenvolvem afetividade por eles e os tratam de maneira pessoal. No estabelecimento existem os três tipos de experiências de serviços elencados por Gutek et al. (2000). No entanto, no estabelecimento predominam as relações e pseudorrelações de serviços. O garçom Neto, que trabalha há onze anos no Cidinho Petisqueria, conta como é seu relacionamento com os clientes do local: Eu acho que sou o garçom mais velho, então eu conheço a maioria dos clientes. Porque tem cliente... Se você tiver amizade com o cliente, atender o cliente bem desde o começo que ele chegou, que você começou a trabalhar no local, aí você vai ter intimidade com o cliente. Aí você trata ele bem e ele já sabe o seu nome, chama você direitinho e você dá atenção pra ele.

Neto prefere não conversar assuntos pessoais dos clientes. Os assuntos mais comuns são futebol e especulações dos clientes sobre mulheres, inclusive a respeito de profissionais. Os clientes também perguntam sobre a vida 115

pessoal dele, sobre família e hábitos. O diálogo entre garçons e clientes e consumidores é aceito no estabelecimento. O garçom Fred inclusive diz que os colegas de trabalho falam que tem um cliente chamando um garçom. “Você estar atendendo de um lado e o cara pergunta ‘fulano está aí?’.Aí alguém vem e chama e você vai lá” Convites também são feitos para garçons, sobretudo para trabalhar em algum evento promovido por algum cliente. Mas a falta de tempo não possibilita atender à solicitação do cliente. Entretanto, convites relacionados à diversão ocorrem em proporções bem menores, mas acontece inclusive de serem realizados, como conta Neto: “tem cliente que eu já fui no Serra Dourada (estádio de futebol em Goiânia) com ele já, aí tem um que é torcedor do Goiás, já me chamou também pra ir. São muitas poucas pessoas que convida você pra essas coisas aí, muitas poucas mesmo”. Além disto, Neto destaca que há tratamento diferenciado oferecido a certos clientes, o que acaba causando certa recompensa financeira, porque estes tendem a só sentarem na praça do garçom preferido. Ao chegarem os clientes procuram determinado garçom ou perguntam ao maître onde ele está atendendo. Ao mesmo tempo, Neto admite que existem aqueles clientes que não o agradam, mesmo assim, confessa fingir durante o atendimento gostar de servi-los. O garçom Fred é recente na casa, trabalha há apenas um ano no estabelecimento. Apesar do pouco tempo de serviço no Cidinho Petisqueria, Fred afirma ter um relacionamento bom com os clientes. Segundo ele existem clientes de outras casas em que trabalhou que frequentam o local após saberem que ele estava trabalhando no estabelecimento. O ponto de vista adotado por ele é que “toda ação tem uma reação”, por isto nas mesas em que atende os agradecimentos e elogios são normais. Fred conta com animo e talvez de modo exagerado que uma situação marcante para ele foi o seu casamento: Fora que, quando eu casei, mais de cinquenta foram no meu casamento, ganhei muitos presentes de cliente, ganhei casa na praia, ganhei casa em Caldas Novas. Tudo cliente que me deu. Mas eu não pude usufruir dessa área porque o poder aquisitivo de casal novo é pouco, mas estar lá para quando eu quiser. Você tem dez dias. Tem dez dias lá em Itaparica. Eu ganhei a casa na praia de Itaparica em

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Salvador do Wesley Prado e o outro foi do João Heitor, professor da Universidade Católica de Goiás.

Fred nota que para alguns clientes o garçom sequer importa. E muitos ainda chamam garçons de modo que causa chateação nos mesmos, como quando dizem “psiu”, estalam os dedos, assobiam com os lábios ou utilizando garrafas. A maneira preferida de serem chamados é pelo nome, assim como os clientes também preferem. A seguir o ponto de vista expresso pelo garçom Fred: nem olha para o garçom que esta atendendo ele, nem conhece, não é a toa que você passa e ele diz “ô cadê minha cerveja?”. “Não é você que está me atendendo não?”. Não tem a preocupação, a perspectiva visual de relacionar a imagem ao garçom dele. A gente ainda brinca assim: “pô o cara não sabe ler nem o nome do garçom dele!”. Olha o tamanho do crachá.

No Cidinho Petisqueria clientes que cumprimentam e conversam com garçons foram observados. Clientes frequentes da casa também. Uma interessante situação observada foi a de um senhor debilitado em sua condição de saúde frequentar o local para tomar pinga. O senhor tem dificuldades em escutar, no entanto, apesar da dificuldades em manter uma comunicação, conversa bastante, inclusive, segundo um dos garçons, tem o hábito de “alugar” as moças do local. Também pechincha e reclama do preço da cerveja. Ele paga, não pede a conta. Quando deixou o recinto, o senhor que é vizinho do estabelecimento, um garçom foi ajudá-lo a atravessar a rua para chegar em casa. Na Choperia Matilha existe tratamento personalizado e há afetividade no atendimento ao cliente, porque o estabelecimento é antigo, bem como muitos funcionários são. Além disto, o bar restaurante possui clientes fiéis também pelo fato de o estabelecimento se destacar pela qualidade dos produtos oferecidos e serviços prestados. Então muitas experiências são relações ou pseudorrelações de serviços. Há inclusive clientes assíduos da Choperia Matilha que são pessoas famosas, ou importantes da cidade. O local muitas vezes recebe pessoas de fora, ou seja, trata-se de um local de referência da cidade. O maître do local disse que cantores, apresentadores e atores vão até o local. Na parte do 117

escritório do estabelecimento há um mural que exibe boa parte das pessoas de famosas e de referência que já estiveram na choperia. De certa forma, os garçons tomam emprestado o prestígio dos frequentadores do local e do estabelecimento de trabalho. Um dos garçons até contou que gosta de ir a uma loja e contar que trabalha na Choperia Matilha, porque isto impõe respeito sobre sua pessoa. É semelhante ao que Mills (1976) afirma em A nova classe média referindo-se as balconistas de grandes magazines e proprietárias de pequenas lojas, ambas gostam de estarem associadas a alguns tipos de fregueses (p.192). Então os garçons, ao mesmo tempo em que gozam do prestígio de trabalhar num local dese tipo também recebem clientes ativos e amigos. O maître do estabelecimento Jairo conta sobre o status do estabelecimento e sobre uma característica dos goianos: “goiano é igual boi, gosta de estar embolado e assim é aqui, o povo gosta de fila, gosta de esperar no balcão, de esperar em pé”. Neste caso, não se trata de um tumulto para estar no point do momento. Afinal o estabelecimento é antigo e sequer realiza reformas no ambiente para atrair clientes. O renome do estabelecimento é que seduz clientes e consumidores. A Choperia Matilha é considerada um estabelecimento com interações informais entre garçons, clientes e consumidores. Apesar de os garçons conhecerem muitos clientes e também haver certa pessoalidade no atendimento (garçons e clientes se cumprimentam, chamam pelo nome, garçons conhecem os gostos dos clientes, e sabem como preferem ser abordados e tratados etc.), há um pouco de formalidade nas interações de serviços. Neste estabelecimento é evidente, por exemplo, que os garçons evitam ter intimidade com o cliente. A postura do garçom Dalton evidencia isto: “levo mais para o lado profissional, evito intimidade, converso com ele, mas se for para pedir as coisas não é comigo. Ele é meu amigo, ‘vou vê se ganho alguma coisa’, eu não levo para esse lado”. O recente garçom Fábio afirma que a relação deve ser estritamente profissional “a gente não pode misturar, tem que ser relação normal cliente com o garçom”. Ainda assim, há casos de garçons que recebem presentes de clientes. Inclusive há clientes que vão todo dia ao estabelecimento, há aqueles para quem é preciso reservar uma mesa 118

específica e também os garçons sentem falta quando um cliente que está presente todo dia não comparece. A maneira como o antigo garçom Lauro chama os clientes também denota distância e diferenciação social entre garçons e clientes: “doutor”, “madame”. Segundo ele não são todos clientes que gostam de serem chamados de senhor e senhora, por isto ele chama assim e ainda afirma que os clientes gostam de serem chamados deste jeito. A ideia na Choperia Matilha é que o cliente é quem deve conversar com o garçom e jamais o contrário. As conversas existentes entre ambos também entoam diferença, basicamente remetem ao dia a dia, aos hábitos e obviamente os problemas vivenciados por clientes. E também existem aqueles clientes que possuem o telefone do garçom e liga para perguntar como está ou para desejar feliz Natal. O garçom Fábio, por sua vez, que trabalha como garçom há apenas um ano no estabelecimento e mais dois anos em atividades de bastidor afirma que os clientes agradecem o atendimento e que irão procurá-lo novamente. Mas para ele é claro que os garçons mais antigos sejam mais requisitados. O que causa certo ciúme nos garçons, porque às vezes acontece de um cliente ser atendido por um garçom e pedir para chamar outro para que possam conversar. Por fim, pedem que de vez em quando, se possível, apareça por lá. A informalidade nas interações de serviços é expressa na Choperia Matilha através de brincadeiras com o cliente, quando reclamam de algo, por exemplo, o garçom Fábio, está pronto a rebater com uma descontração. O garçom Lauro é mais antigo, trabalhou doze anos na casa, saiu e está novamente há dois anos no estabelecimento. Os clientes têm maior liberdade com ele, conversam e brincam. Segundo ele, se ficar sem crachá os clientes o chamam pelo nome. Lauro conta com satisfação como é conhecer o gosto dos clientes e poder servi-los sem que sequer façam seus pedidos: Tem um pessoal, tem uma cliente minha que ela chega aqui, ela nem pede ela já chega e eu já trago a bebida dela. Ela bebe a tacinha martini e um pouquinho de groselha pra misturar e ai fica um kir royal e ai ela gosta. Ela adora quando ela já chega aqui já levo pra ela água, né só é servido água. (...) Tem, tem pessoas que a gente conhece, a bebida que ele gosta. Se ele gosta de Signo Cirraf eu levo Signo Cirraf pra ele. Às vezes ele fala “não hoje eu não vou beber vinho”, aí você já traz o cardápio, né. “E ai doutor que bebida vai beber hoje?”.

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O Santa Parada possui a peculiaridade de comportar dois ambientes. Primeiramente, no estabelecimento que não obteve tanto êxito enquanto bar restaurante foi aberta uma boate com música ao vivo no segundo andar. Com certeza as interações de serviços correntes giravam em torno da boate. Tratase de um estabelecimento considerado com interações formais entre garçons, clientes e consumidores. O relacionamento do garçom João com as pessoas que frequentam o lugar demonstra isso. Trata-se de um atendimento cunhado pela afetividade instrumental. Ao interagirem com os garçons os consumidores desejam obter informações sobre o local e sobre mulheres. É que ali o garçom também funciona como um promoter do lugar e dos eventos realizados, assim como faz intermédio de paqueras no estabelecimento por meio de recados e bilhetes. Alguns clientes possuem o telefone do garçom para saber dos shows ou se tem ou vai ter mulher bonita em um dia específico. Daí o garçom reserva a mesa para seus clientes. Neste sentido, a gestão até incentiva elos entre garçons e consumidores. Alguns casos demonstram relações de serviços, mas com certeza os encontros e pseudorrelações predominam no Santa Parada. Por isto, o atendimento também normalmente é impessoal. Um interessante fato que aconteceu entre o garçom João e um dos seus clientes mostra proximidade:

Olha, aqui já teve um cliente que bebeu demais e eu tive que levar ele em casa. Pegar a chave do carro dele, ele pediu eu pra levar ele em casa. Foi bem engraçado esse dia, ele bêbado me atentando, querendo que eu corresse demais, tive que levar ele na casa dele. Foi aquela história eu com medo da polícia e foi triste. Eu sou garçom dele há muito tempo né, que eu atendo ele né, como ele viu que estava muito bêbado me pediu pra levar ele em casa. E o mais engraçado que ele veio no outro dia e falou que não lembrava de nada, veio perguntar como é que ele chegou em casa. Acredita? Ele mora aqui pertinho, no Marista mesmo. Mas ai foi bem engraçado, ele chegando e perguntando como é que eu cheguei em casa? Como que eu fui embora? Como que eu sai daqui? E eu aprontei alguma? E ai a gente acaba conversando com ele e rindo, né.

O garçom Rildo do Santa Parada é mais cauteloso ao destacar como é criado o elo com clientes. Mostrando que normalmente o atendimento é impessoal e com de neutralidade afetiva. Segundo ele: Não é fácil. Porque você tem que fidelizar o cliente, fidelizar um cliente não é fácil, você tem que tratar ele muito bem, é um processo

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lento e demorado, porque não tem como você fidelizar muitos numa noite só. Então você tem que fixar num grupo de clientes, não é que você vai se desfazer dos outros. Não tem como pelo fato da gente atender várias pessoas ao mesmo tempo, não tem como você dar um atendimento 100% pra todo mundo, principalmente se a casa estiver cheia. Como eu estou dizendo pra você é outra coisa. Por quê é outra coisa? Todo mundo senta, tem todo processo de leitura de cardápio, pedido, você tem como dialogar com o cliente, explicar o que vai e o que não vai, tem todo esse processo, nesse processo você vai fidelizar o cliente, vai uma conversa diferente, uma história que ele te conta, então são coisas que você vai vivendo no seu dia-a-dia e cada dia mais. Tem cliente que te fala uma coisa hoje e de repente aconteceu um fato na vida dele e ele fala pra você e no outro dia ele volta e te pergunta como é que está e por aí vai criando amizade.

No Arena as interações entre garçons, clientes e consumidores foram consideradas formais. O tratamento normalmente é impessoal. As queixas de garçons reclamando de serem chamados de “psiu”, “ou”, estalando dedos são consideráveis. Os garçons afirmaram conhecer por nome, sobretudo os amigos dos proprietários. E também foram poucos os relatos de clientes que chamam os garçons pelo nome e preferem o atendimento de um garçom específico e às vezes ligam para pedir para resevar mesa. Percebe-se que os encontros e pseudorrelações de serviços são predominantes no Arena. A neutralidade afetiva ou a afetividade instrumental também são destacadas em relação a afetividade nas interações entre garçons, clientes e consumidores. Os assuntos são os básicos, futebol e mulher. O mais interessante de notar é que diante toda a formalidade e distância entre garçons e clientes e consumidores, raras às vezes foram relatadas casos de brincadeiras com clientes para espairecer e divertir no trabalho, mas existem. O garçom China, mais descontraído, conta um caso, bem como o garçom Gerson, respectivamente:

É o meu estilo é mais na brincadeira, mesmo que você seja séria. Uma vez aconteceu uma coisa com o ketchup. Eu fui lá e naquela correria toda e levei pra mesa, tinha voltado de outra mesa. O cara abriu e colocou lá de volta, o cara pegou... Eu já conhecia ele, “está tudo aberto”, “não irmãozinho eu trouxe aberto para facilitar pra você e você ainda reclama”, daí já virou brincadeira, foi o que veio na hora. Aconteceu esses dias, como tem esse negócio da Lei Seca veio um grupinho de seis pessoas. “Dá uma cerveja aí”, “quantos copos?” a gente pergunta porque as vezes tem gente que não bebe e tal “me dá só cinco”, “dá refrigerante pra ele”, é brincadeira, mas a gente não leva. Os outros pegaram cerveja. Servi ele com coca de boa, e brincando e tal. E eu falei “vou fazer uma gracinha com esse menino”.

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A gente tem que ver o bom humor dos clientes também, aí eu peguei meio copo americano de leite, coloquei um pouco de café velho, toddy e umas torradas, e coloquei no prato e peguei aquele negócio que chama de pica-pau, ele vem no prato tampado, cheguei na mesa dele e falei “foi aqui que vocês pediram um prato individual?”, ele ficou meio assim e ninguém tinha pedido nada “não pedi nada não”, mas eu falei para o outro colega dele e o colega dele “foi eu que pedi pode por aí”, aí coloquei do lado dele e quando abri o toddy e a torrada e os caras morreram de rir, aí ficou extrovertido, ficou marcante. Fiquei conhecido por eles, eles me chamam até pelo o nome “gostei demais da sua brincadeira” e o outro fechou a conta dele, e ainda foi lá e me deu uma caixinha.

Entretanto o mais comum no Arena é formalidade e o tratamento distante em relação aos clientes. O garçom Gerson inclusive afirma que não se deve misturar profissional com pessoal. Segundo ele quando um garçom faz amizade com o cliente os responsáveis pelo estabelecimento tendem a pensar que eles estão “fazendo rolo”, então para ele “cliente é cliente, garçom é garçom, funcionário, estou aqui pra trabalhar. Eu não tenho muito diálogo. Eu converso só sobre a empresa mesmo, cardápio”. O garçom Grandão também do Arena age da mesma forma, aliás ele até menciona que pelo fato de os clientes serem mais jovens o público já chega e faz o pedido, não pede sugestão: Converso pouco. Não sou muito de ficar batendo papo assim não. Eu gosto de tentar fazer o serviço bem feito. Não sou de ficar papeando não. Você viu aquele negócio ontem? Não sei o quê? Você assistiu isso aqui?. Não gosto muito dessas barulheiras não.

Aqui

as

interações

entre

garçons,

clientes

e

consumidores

desenvolvidas em diferentes estabelecimentos de Campinas e Goiânia foram consideradas informais e formais. Além disto, os aspectos que caracterizam cada tipo descritivo foram analisados. Nas considerações finais, a relação entre os dois tipos descritivos utilizados é destacada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto de pesquisa que originou esta dissertação propunha analisar, no serviço de garçons, a cultura do trabalho; e as interações desenvolvidas entre garçons, clientes e consumidores de determinados estabelecimentos de duas

cidades

brasileiras.

As

tipologias

elaboradas

demonstraram

a

complexidade dos estabelecimentos e a insuficiência de denominá-los de “tradicionais” e “modernos”. Da mesma forma, as tipologias descritivas fornecem a vantagem de mostrar variações, ora se aproximando mais ou se afastando de um tipo. Também demonstram mudanças e contradições histórias que remontam para mudanças e caracterizações de diferentes ordens sejam mercantis ou culturais, por exemplo. É preciso destacar que, ainda que o foco do trabalho seja o trabalho de garçons o desenvolvimento da pesquisa está relacionado à estabelecimentos que

primariamente

foram

considerados como

ligados à

tradição ou

modernidade. Saber situar-se como pesquisadora diante desta distinção para que não fosse seduzida pelo saudosismo de botequins e mercearias ou pelo consumismo eminente as diferentes marcas ofertadas no mercado foi um instigante estímulo. No que se refere aos resultados obtidos, alguns estabelecimentos pesquisados destacam-se, por exemplo, por estarem muito associados à tradição, como no caso do Bom Bar, em que a sociabilidade é eminente e a proximidade não é apenas entre os membros que compõem o estabelecimento, mas também entre clientes e consumidores, funcionários e clientes e consumidores. A pessoalidade e o tratamento diferenciado são claros e considerados normais pela direção do estabelecimento. Além disto, na organização do trabalho, não é evidente uma organização baseada na especialização de funções. O tratamento entre proprietário e funcionários é próximo e tem como uma das bases a solidariedade. Já o Vila Cambuí evidencia estar associado à modernidade. A gestão preconiza a impessoalidade, tanto no que se refere ao tratamento dado aos funcionários,

como

ao

tratamento

dos

funcionários

com

clientes

e

consumidores. Além disso a gestão também apregoa a distinção entre funcionários e consumidores. Contatos pessoais não devem ser efetivados, vias de acesso são diferentes para funcionários e clientes, bem como os acessórios utilizados pelos empregados. 123

Por sua vez, o Balhego Imperial tem características de ambos os estabelecimentos; por um lado os hábitos de consumo são relacionados à tradição. Os clientes gostam dos objetos que remetem ao passado, assim como nas interações estabelecidas com garçons percebe-se muito de servilidade, quando, por exemplo, clientes pedem aos garçons para efetuarem atividades que esquivam de suas obrigações. De certa forma essa atitude remete a situações usuais para um garçom tradicional, como já caracterizava Noel Rosa em “Conversa de Botequim”. Por outro lado, a empresa conseguiu expandir-se no mercado, ao mesmo tempo em que respeita as demandas dos clientes do Balhego Imperial. A equipe de trabalho da organização é extensa e especializada. Os funcionários são bem selecionados e treinados, tendo em vista os objetivos da empresa. Contudo, a mão de obra é valorizada e não é substituída por novos funcionários. A lealdade não é apenas dos clientes, mas dos funcionários também. A Choperia Matilha é semelhante a este estabelecimento, também tem filiais e expande sua marca, mas ainda assim conserva funcionários e clientes antigos. Entretanto. na Choperia Matilha não há evidências que remetem à tradição do local como há no Balhego Imperial. O estabelecimento da jovem Goiânia é marcado mais pela sofisticação e qualidade dos produtos e serviços prestados. Daí se deve os clientes do estabelecimento. Ao mesmo tempo, para manter a marca funcionários tiveram que apreender o padrão do bar restaurante; por isto, os trabalhadores também são mais antigos, o que facilita a maior sociabilidade no ambiente. Ir a um lugar e encontrar pessoas familiares é confortável. Bem como é confortável, ir ao McDonald’s e tudo estar igual ou muito parecido. Em um mundo globalizado conhecer pessoas e processos é cômodo. E aí está um aspecto que denota tradição. Afinal ser moderno, conforme Slater, é consumir em uma cultura do consumo global. Logo frequentar ambientes familiares remete a uma volta à tradição. Outros estabelecimentos, como o Gira Mundo, o Santa Parada e até o Arena, alcançam públicos que consomem a modernidade. O importante é estar em um lugar em que outras pessoas estarão, para ali se tornarem vendáveis, no sentido utilizado por Bauman, que em uma sociedade de consumo as pessoas também são mercadorias. As relações entre garçons e clientes e 124

consumidores que são estabelecidas neste tipo de estabelecimento são instrumentalizadas. Não cabe ao garçom socializar, entreter, sugerir. Cabe à ele vender mais e aumentar o valor da taxa de serviço destinado a ele ao final do mês. Atender o cliente, apenas quando lhe é pedido, seja para enviar um bilhete, obter informações, ou, por vezes, dependendo do estado do cliente, escutar um desabafo e até, quem sabe, emitir conselhos. Os garçons, para quebrarem o estado de invisibilidade, indiferença e pouca autonomia, às vezes realizam brincadeiras que fogem à regra. Numa dessas, podem até ganhar o cliente, ou ao mesmo uma caixinha, pelo momento de espontaneidade. O trabalho de garçom consiste em basicamente em organizar estabelecimentos para receber consumidores, para então servi-los. Contudo, a maneira de servi-los diferencia conforme o estabelecimento em que o garçom trabalha,

conforme

destacado

nos

estabelecimentos

analisados.

Em

estabelecimentos familiares tanto as relações de trabalho, seja com colegas de trabalho ou com consumidores, tende a serem mais próximas e cunhadas na pessoalidade no tratamento. Enquanto em estabelecimentos empresariais a relações de trabalho tendem a serem mais distantes e impessoais. E não se pode vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho familiar as relações de trabalho serão calcadas eminentemente pelo autoritarismo de um chefe e que pessoas da organização são privilegiadas por ele. Percebe-se, neste tipo de estabelecimento, maior autonomia para o trabalhador desenvolver o seu trabalho e também laços de solidariedade existentes no local de trabalho, desenvolvidos tanto entre proprietários e funcionários, entre funcionários e funcionários e também entre funcionários e clientes. Da mesma forma, não se deve vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho empresarial as relações de trabalho sejam sempre cunhadas pela competitividade e impessoalidade. Relações de amizade e solidariedade também foram notadas nos locais analisados. Assim como a especialização e hierarquização destes estabelecimentos podem dificultar a realização de trabalhos em equipe. Por fim, cabe salientar que as narrativas de proprietários e garçons tipificam a relação desenvolvida com clientes e consumidores, sejam interações mais igualitárias, participativas, subservientes etc. E cabe ao garçom ter jogo de cintura para se adaptar a novas mudanças, seja de estabelecimentos e consumidores. Ou até mesmo de graduais modificações 125

mercantis e culturais que ocorrem. Entretanto recorrer aos clientes e consumidores também contribui para incrementar ainda mais o debate sobre o setor de serviços. A problemática em questão proposta direciona para novas pesquisas a serem realizadas.

126

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134

ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa no estabelecimento

_____________, ____, de _____________ de 201__

À Marina Lemes Landeiro Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG

Eu,____________________________________________________________________ ______________________________________, declaro que estou a par da proposta de pesquisa da cientista social Marina Lemes Landeiro, aluna regularmente matriculada no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás e integrante do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras – Procad NF 2008 – com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unicamp, RG. 4758670. A pesquisa intitula-se “Cultura do trabalho e interação no serviço de garçons”, cujo objetivo é analisar sob o prisma da sociologia do trabalho o serviço de garçons em bares com nuanças e contradições no que tange à modos de interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do estabelecimento nas cidades de Goiânia –GO e Campinas – SP. Venho aqui conceder a aquiescência para que Marina Lemes Landeiro observe e presencie a rotina de trabalho no ____________________________________ durante uma semana, entreviste trabalhadores e capture imagens. Estou ciente que a mestranda Marina Lemes Landeiro respeitará todas as exigências do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, ao qual se subordina ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Goiás.

Atenciosamente ___________________________________

Nome e contato da organização ______________________________________________________________________

135

ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, de uma pesquisa, sou a pesquisadora responsável e minha área de atuação é a Sociologia do Trabalho. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma. Para tirar dúvidas sobre a pesquisa ou obter maiores informações entre em contato com a pesquisadora responsável, Marina Lemes Landeiro, nos telefones (62) 3086-4114 e (62) 8133-5475 ou no e-mail [email protected]. Em caso de dúvidas sobre seus direitos como participante nesta pesquisa, você poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás pelos telefones: (62) 3521-1075 e (62) 3521-1076.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título do Projeto de Pesquisa: Cultura do trabalho e interação no serviço de garçons Pesquisadora responsável: Marina Lemes Landeiro Orientador: Jordão Horta Nunes

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar, sob o ponto de vista da sociologia do trabalho e do consumo, o serviço de garçons de modo comparado, nas cidades de Goiânia – GO e Campinas – SP e em bares com nuanças e contradições no que tange à modos de interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do estabelecimento. Pretende-se identificar e analisar: a cultura do trabalho da ocupação; as 136

interações entre garçons e consumidores e; as identidades laborais de garçons. São utilizadas informações de arquivos de órgãos públicos (SEPLAN, SEDESE, IBGE), de bases de dados (RAIS, Censo Demográfico, PNAD), de instituições do sistema S (SEBRAE) e de livros e artigos especializados sobre o assunto. Serão também realizadas entrevistas com trabalhadores – cumins, garçons e mâitres – proprietários e gestores de estabelecimentos comerciais, além disso será recolhido endereços eletrônicos de consumidores de bares para que respondam um formulário online sobre hábitos de consumo em bares e modos de interação com garçons. Serão realizadas cerca de 35 entrevistas. Apesar da expansão das atividades de serviços, as pesquisas sociológicas ainda concentram-se no setor produtivo. Neste sentido, a pesquisa trará contribuições sobre uma forma de tratamento entre pessoas na sociedade ocidental: a relação entre servidor e servido; a construção da identidade laboral de garçons e parâmetros para a profissionalização da atividade. O intuito da pesquisa é estritamente científico, os resultados desta serão publicados apenas em revistas científicas e em eventos científicos e estará disponível a todos entrevistados interessados. As entrevistas serão gravadas no local de trabalho do entrevistado e têm a duração de 30 a 80 minutos. Só serão efetivadas entrevistas após a assinatura do termo de consentimento da participação da pessoa como sujeito da pesquisa.

A identidade do entrevistado será resguardada e só serão divulgadas

informações relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. O entrevistado tem o direito de, a qualquer momento durante ou após a entrevista, retirar seu consentimento, obrigando o pesquisador a não utilizar as informações porventura registradas ou de não responder perguntas incomodas. O sujeito entrevistado não incorrerá em qualquer sanção ou penalidade caso retire seu consentimento. O entrevistado é voluntário e não receberá nenhum incentivo financeiro ou gratificação para participar da pesquisa. A Universidade Federal de Goiás e a Universidade Estadual de Campinas aproximam-se, assim, das necessidades e demandas da sociedade, procurando alternativas para analisar as representações sociais da cultura do trabalho e das práticas de consumo no setor de serviços.

___________________________________________ Marina Lemes Landeiro

137

ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de pesquisa

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA PESQUISA

Eu,___________________________________________________________________, RG/CPF____________________, abaixo assinado, concordo em participar como sujeito da pesquisa: Cultura do trabalho e interação: o serviço de garçons em perspectiva comparada. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela pesquisadora Marina Lemes Landeiro sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. A pesquisadora declarou que minha identidade será resguardada, assegurando a privacidade dos dados confidenciais, e só serão divulgadas informações relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Local e data:________________________________________________

Nome e Assinatura do sujeito ou responsável:

_____________________________________________________

138

ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO

Roteiro de entrevista (garçom) Estímulo a memória Imagine que você está indo trabalhar, o que você pensa que te aguarda no dia de trabalho, quais são as primeiras coisas que lhe vem à cabeça. Ambiente de trabalho Descrever ambiente de trabalho, falar de satisfações e insatisfações. Dia-a-dia de trabalho Descrever, contar sobre como é um dia de trabalho seu. Descrever um ótimo e um péssimo dia de trabalho. O que acontece nesses dias? Relação com colegas de trabalho Falar sobre relações/situações que envolvam fidelidade, amizade, solidariedade, hierarquia, situações marcantes vivenciadas. Trajetória ocupacional Obter uma descrição de empregos/trabalhos. Identificação ou não. Diferenças entre estabelecimentos (bares). Sair e voltar para a mesma casa. Motivação para se tornar garçom. Questões jurídicas. Identidade pessoal/social (representação social) Definir-se como pessoa. Como se reconhece? O que acha que é? Como as pessoas te reconhecem? Você acha que as pessoas o conhecem como você realmente é? Identidade ocupacional (representação social) Expectativas e anseios que tem frente à atividade exercida. Identificação (gosto). Aspectos positivos e negativos. Como seria a sua vida se não fosse garçom e com que acha que estaria trabalhando. Com que realmente gostaria de trabalhar, realização, sonho. 139

Curso de qualificação, estudo. Representações sociais de garçons O que é ser garçom? Como é ser garçom? Como você se sente sendo garçom? Pra você como é um bom garçom? Subjetividade Relação com a vida privada, doméstica, particular. Frequenta bares, como se sente, como trata trabalhadores. Como é em casa? Representações sociais de bares Pra você o que é um bar? Quem frequenta bares? O que as pessoas fazem nos bares? O que procuram nos bares? Interações com clientes Qual o perfil dos seus clientes? Como você acha que são suas vidas deles? Relacionamento com clientes. Relações de fidelidade, amizade, solidariedade. Remontar conversas típicas, frequentes com clientes. Contar situações marcantes vivenciadas com clientes. O que faz pra contornar situações desagradáveis? “O cliente sempre tem razão”. Sorriso. Relação “oficial” de garçons e clientes Normativo, o que deve ser, postura da administração. O que pode e não pode. O que faz para atender as expectativas e exigências da empresa? História de vida e Hábitos Contar sobre família (pais, irmãos, esposa, filhos). O que fazem, de onde são, religião, o que deseja para eles. Hábitos, o que gosta de fazer. Gênero Trabalho majoritariamente masculino, por quê? A atividade tem a ver com o masculino? A atividade colabora pra identidade como homem?

140

ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários e gestores de estabelecimentos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO

Roteiro de entrevista (proprietários) Estabelecimento Capacidade, média de clientes por dia, faturamento médio, quantas mesas, cadeiras, quantos funcionários. Lógica de funcionamento Organização dos trabalhadores, 10%. História e caracterização do estabelecimento Idade, nomes e caracterizações, localização, tamanho, proprietários, tipo de empresa, clientela, o que tem num bar (tipos de comida, de bebida, de produtos) inspiração em algum bar. Representações sociais de bares Como é um bar hoje e antigamente. Imagem que tem de bares. Relação do dono com clientes Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes. Relação do dono com funcionários Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes. Relação “oficial” com clientes e funcionários: normativo, o que deve ser, postura da Administração, relação com garçons. Público-alvo e público-atingido Interesses do estabelecimento, perfil do cliente. Garçons Seleção – critérios, gênero, qualificação, questões jurídicos com funcionários. Subjetividade Motivação para ter um bar, identificação, trajetória de trabalho/história de vida, se freqüenta bares, relação com a vida privada, doméstica, particular. 141

Dia-a-dia de trabalho: descrição. Ambiente de trabalho: descrição, satisfações insatisfações, hierarquias. Associações e sindicatos.

142

ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e Vadico) Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada, Um pão bem quente com manteiga à beça Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada. Feche a porta da direita com muito cuidado Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol. Vá perguntar ao seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol. Se você ficar limpando a mesa Não me levanto nem pago a despesa. Vá pedir ao seu patrão Uma caneta, um tinteiro, Um envelope e um cartão. Não se esqueça de me dar palitos E um cigarro para espantar mosquitos. Vá dizer ao charuteiro Que me empreste umas revistas, Um isqueiro e um cinzeiro. Seu garçom o favor de me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada, Um pão bem quente com manteiga à beça Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada. Feche a porta da direita com muito cuidado Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol. Vá perguntar ao seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol. Telefone ao menos uma vez Para três quatro, quatro, três, três, três E ordene ao seu Osório Que me mande um guarda-chuva Aqui pro nosso escritório. Seu garçom me empreste algum dinheiro, Que eu deixei o meu com o bicheiro. Vá dizer ao seu gerente Que pendure esta despesa, No cabide, ali em frente. Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada, Um pão bem quente com manteiga à beça, Um guardanapo e um copo d‟água, bem gelada. Feche a porta da direita com muito cuidado Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol. Vá perguntar ao seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol. 143

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