Cultura e Governo do Partido dos Trabalhadores

July 21, 2017 | Autor: A. Fonseca de Castro | Categoria: Patrimonio Cultural
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Capitalismo em desencanto

Cultura e Governo do Partido dos Trabalhadores Publicado em 22 de janeiro de 2015 por Autoras/es convidadas/os

Por Adler Homero Fonseca de Castro Uma forma de analisar a postura do Partido dos Trabalhadores em face da questão da administração da cultura demanda que se entendam dois preceitos básicos. O primeiro, indispensável para se entender o programa do partido, seria a definição de “política” e nesse texto usaremos o sentido administrativo, de que política é uma “projeção de um programa de metas que incluem valores e práticas: o processo de geração de políticas se constitui na formatação, promulgação e aplicação de identificações, demandas e expectativas”. Esta definição é importante pois, historicamente, os governos no Brasil, praticamente não tiveram políticas culturais, no sentido de uma ação direcionada e consciente para o meio – e isso desde a Independência. Ai entraremos no segundo ponto fundamental para entender a postura do Partido dos Trabalhadores para a área da Cultura, que é a forma como o partido atua nessa área De forma muito sumária, historicamente, a cultura é vista como uma coisa que “acontece de forma natural”, seu incentivo e fomento sendo praticamente ignorada pelos governos do mundo até a Revolução Francesa. A partir de então, alguns países passaram a dar importância ao tema, em termos de formação de uma identidade nacional que justificasse sua ação imperialista – os revolucionários franceses foram os pioneiros nesse campo, pois era necessário mobilizar a população para a defesa do País e reforçar o sentimento de patriotismo contra os opressores. Sintomaticamente, um dos primeiros museus modernos do mundo, o Louvre, surgiu em 1791, dois anos depois da Revolução. Daí em diante, os governos europeus passaram a dar atenção à atividade

A grande galeria do Louvre, pintura de cerca de 1795 mostrando o esforço do governo revolucionário Francês em montar uma política cultural como forma de mobilização popular.

cultural – a das elites, a assim chamada “cultura erudita”, pois essa encerrava os valores que interessavam a eles. A política cultural do período Vargas (1930-1945), a única que se percebe na história do Brasil, se enquadrava nesses parâmetros. No governo Vargas foram criadas as bases de muitas das maiores instituições culturais existentes hoje, como museus nacionais, os Serviços do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Nacional de Teatro, a lei de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais, os Institutos Nacional de Cinema Educativo e de Radiodifusão Educativa, os Conselhos Nacionais de Cultura e dos Símbolos Nacionais e o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Havia um projeto que questões culturais permeassem toda a sociedade, sendo esse momento marcado por uma grande ruptura, pelo menos a nível conceitual: apesar das ações de Vargas e sua equipe serem muitas vezes voltadas para a intelectualidade ou para atender grupos de interesse com maior respaldo, a ideia era, no final, ser a mais ampla possível. A proposta era que a difusão da mensagem do governo atingisse a maior parte da população – os trabalhadores e outros setores até então esquecidos pela administração pública. Mas esse período foi uma exceção. Os governos que se sucederam não tiveram políticas culturais no sentido estrito, agindo na área mais por inércia do que de outra maneira. Mesmo durante a ditadura militar, que investiu em propaganda para se auto justificar, se deixou o campo da cultura de lado, a ponto de instituições existentes há décadas terem caído em profunda decadência – o Museu Histórico Nacional chegou a ser temporariamente

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fechado, pois os salários dos funcionários deixaram de ser pagos por meses. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que cuidava da preservação de bens de valor cultural em todo o país, em 1979 tinha apenas quinze funcionários de nível superior. Apenas sintomas de um descaso generalizado com área, despreocupação que bem se entende na visão de alguns setores da sociedade, de que a “cultura pode cuidar de si mesma”. A redemocratização não viu uma

Propaganda da época da ditadura, com o slogan “Brasil ame-o ou deixe-o”, satirizada pela imprensa de oposição

grande

melhoria

em

termos de política cultural,

e pela população, que difundiu o ditado: “o último a sair apague a luz do aeroporto”

apesar de algumas iniciativas, tal

como

Ministério

a

criação

do

da

Cultura,

em

1985, mas sem que se perceba Celso Furtado, economista, que foi escolhido como primeiro ministro da cultura do Brasil, em 1985.

uma política cultural, tal como definimos no início desse texto. As

ações

estarem

eram inseridas

feitas sem em

um

planejamento político-estratégico maior. Isso é bem observável na iniciativa de maior impacto do período, a criação da Lei Sarney, no ano seguinte à criação do Ministério e que seria substituída em 1991 pela Lei Rouanet. Esses mecanismos de financiamento podem ser vistos como uma verdadeira antítese de uma política governamental, já que a legislação visava que a iniciativa privada financiasse atividades culturais, só que esses “investimentos” são feitos através de renúncia fiscal. Desta forma, o dinheiro vem de recursos públicos, mas a sua aplicação é decidida pelas empresas, com muito pouca ingerência governamental. Um dos grandes problemas da lei sendo a concentração de gastos nos estados desenvolvidos do sul-sudeste, onde estão as companhias e onde o retorno publicitário das ações é maior. Essa forma de agir também resulta que os investidores esperem um retorno de suas aplicações, o que gera um esforço na procura de empreendimentos culturais com maior visibilidade, tais como shows. Atividades culturais populares, as que mais precisariam de apoio, saem prejudicadas. A lei permite até a aplicação de recursos públicos em empreendimentos visando o lucro, como filmes, shows e peças de teatro, eliminando o risco da atividade capitalista, enquanto o Estado – e muitas vezes, a sociedade – não recebem retorno desse investimento. A proposta neoliberal chegou ao ponto do ministro da administração e reforma do estado, Bresser Pereira, ter proposto em 1997 que instituições públicas da área da cultura se transformassem em “Organizações Sociais”, buscando financiamento na área privada. Segundo ele, as que não conseguissem esses recursos, deveriam fechar! Por outro lado, deve-se dizer que a legislação é apoiada por muitas pessoas do meio cultural, pessoas formadoras de opinião, pois lhe dá uma imensa liberdade de captação e uso de recursos públicos. Nesse sentido, os governos do PT se apresentam como revolucionários, apesar de certas idas e vindas em sua atuação: não se pode dizer que o partido como um todo, sequer suas lideranças, tenha uma noção exata de qual seria o papel do Estado no incentivo à cultura, a velha visão de que a cultura “acontece espontaneamente”, logo, sem necessidade de intervenção governamental, ainda tem um peso muito grande. Só que alguns setores do Partido têm outra forma de ver a questão, com a opinião de que o governo tem de ter, de fato, uma política cultural, no seu sentido estrito, “um programa de metas que incluem valores e práticas”, o que exige um planejamento e direcionamento de ações visando um determinado objetivo, o Estado sendo mais intervencionista, de forma a garantir uma distribuição mais equitativa de recursos e de atividades.

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Essa forma de encarar a ação do Estado com relação à cultura é controversa,

livro de Celso Furtado sobre sua proposta de reforma de estado, que

bastando para isso ver as polêmicas criadas recentes da ex-ministra Marta Suplicy –

incluiria a transformação de instituições culturais em

ou os “vai e vens” da ação do governo, como a proposta de mudança na lei de

“Organizações Sociais”

direitos autorais: em 2010 foi apresentado um anteprojeto atualizando a legislação, de forma a adequá-la à constituição. Entre outras, a proposta previa que os direitos de autoria não são absolutos e colocando sob supervisão do governo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), uma instituição privada, que arrecada os direitos autorais, um imposto. A substituição do então ministro Juca de Oliveira, que propunha a mudança, por Ana de Holanda – uma artista que defendia o ponto de vista de sua categoria – levou ao congelamento da proposta, que iria contra interesses estabelecidos. A logomarca do Creative Commons no sítio do ministério, que marcaria que o conteúdo do mesmo poderia ser copiado, chegou até a ser removida, dando a entender que a produção do ministério não mais poderia ser reproduzida livremente, o que é um absurdo em termos de um ministério destinado justamente à difusão da cultura nacional.

logotipo do Creative Commons, removido da página do Ministério da Cultura

Ou seja, não se pode dizer que haja uma unidade programática dentro do próprio partido com relação às prioridades a serem seguidas, mesmo porque já há uma longa tradição de se deixar a cultura de lado, sem uma maior intervenção do Governo. Mesmo assim, algumas medidas foram adotadas, das quais apontamos como uma das mais importantes, a adoção de um programa de metas. O mais relevante nisso não é só texto em si, que contém algumas medidas importantes, mas a explicitação das mesmas em termos quantitativos, o que permitiria um controle da sociedade sobre a ação do governo na área. O programa está disponível na página http://pnc.culturadigital.br/metas/, contudo as ideias vão além do que está escrito ali, pois o partido – ou pelo menos segmentos dele – tem a ideia de retomar as mudanças estruturais na gestão política, fugindo das práticas anteriores, que tem mais relação com práticas liberais, de ação da iniciativa privada, o que não necessita de incentivo ou proteção do governo. A proposta não é de esquecer que há áreas da cultura tradicional que necessitam de investimento do governo, por serem serviços sociais sem retorno financeiro, como filarmônicas, museus e bibliotecas, pois estas necessitam de uma ação mais direta do governo. A ideia é de ampliar a ação, como é o caso dos pontos de cultura, projetos de financiamento de baixo custo, visando a ação de impacto em comunidades espalhadas por todo o território nacional, socializando a administração de recursos públicos entre o governo e a sociedade. Desta forma, a questão Cultura e Governo do Partido dos Trabalhadores depende agora da escolha de um de dois caminhos a seguir: o mais tradicional, com muitos defensores, de que a cultura é uma coisa que acontece, a ação do Governo sendo desnecessária ou até negativa, tal como se pode ver na controvérsia dos direitos autorais. Em oposição há uma proposta mais interventiva, de adoção de políticas culturais voltadas para projetos de menos visibilidade do que shows, peças teatrais e outros megaeventos mas que atinjam áreas em que pequenos investimentos tenham um retorno social maior. Cremos que o atual ministério seguirá a linha do partido, de

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buscar uma ação mais efetiva, talvez agressiva, de governo visando superar desigualdades e práticas existentes.

banner comemorativo de dez anos da construção de política nacional de cultura viva.

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Esse post foi publicado em Cultura, Dossiê "E agora, PT?" e marcado Cultura, Estado, PT. Guardar link permanente.

Uma resposta para Cultura e Governo do Partido dos Trabalhadores Juliana Lessa disse: 22 de janeiro de 2015 às 11:48

Será que um programa baseado em metas é fugir tanto assim de uma visão liberal em relação ao setor? E não custa lembrar que, na semana passada, o Museu Nacional (que é vinculado ao Ministério da Educação) estava com as portas fechadas, devido ao contingenciamento de recursos. Resposta

Capitalismo em desencanto O tema Twenty Ten.

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