CULTURA, HISTÓRIA E SOCIEDADE EM DOIS DESTINOS TURÍSTICOS DA AMÉRICA LATINA

May 25, 2017 | Autor: Cele Nava | Categoria: Tourism
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CULTURA, HISTÓRIA E SOCIEDADE EM DOIS DESTINOS TURÍSTICOS DA AMÉRICA LATINA

Ivan Rêgo Aragão1 Celeste Nava Jiménez2

RESUMO O turismo como um fenômeno que proporciona a mobilidade da sociedade merece um estudo histórico vinculado aos elementos que identificam as atividades turísticas e culturais em regiões de países distantes. Pela perspectiva do aporte teórico-conceitual, o presente trabalho evidencia os fatos numa perspectiva histórica e turística de locais geograficamente diferenciados. O artigo discute categorias como história, turismo e sociedade em dois destinos na América Latina. O texto se detém a dois eixos principais: o primeiro aborda o estudo da história, turismo e sociedade na Cidade de Guanajuato, México, a segunda parte apresenta uma análise da história, festa, identidade e turismo em Aracaju, Brasil.

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PALAVRAS-CHAVE: TURISMO. INTERCULTURALIDADE. SOCIEDADE. IDENTIDADE.

Mestre em Cultura e Turismo (UESC); Especialista em História e Cultura do Brasil (UGF). Professor de turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Estudos de Turismo Universidade de Guanajuato México/UG. Email: [email protected] e [email protected] 1

Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

INTRODUÇÃO

A cultura encontra ampla aceitação nos estudos dos teóricos que refletem o valor na construção da identidade e pertencimento em lugares separados geograficamente, que possuem diferenças e semelhanças em processos de formação histórica cultural e apropriação pela atividade turística. Pelo diálogo intercultural, a UNESCO (BRASIL, 2011, p. 9) entende que se imbricam as diversas “[...] formas pelas quais as culturas se relacionam umas com as outras e uma maior consciência dos valores que partilham e dos seus objetivos comuns, para além de um inventário dos obstáculos a afastar para ultrapassar as diferenças culturais”. É o caso da Cidade de Guanajuato no estado que recebe o mesmo nome na região Central do México e Aracaju no estado de Sergipe na região Nordeste do Brasil (Figura 1).

Guanajuato

Figura 1 – Mapa da América Latina. Destaque para México-Guanajuato e Brasil-Sergipe em Vermelho Fonte: http://gabrielamapas.blogspot.com.br/2009/02/mapa-da-america-latina.html

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Sergipe

Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

Na relação dialética glocal,3 elementos e fatos da cultura global possuem rebatimento nas produções materiais e imateriais das localidades, e, nesse contexto, são adaptados pelo turismo para o usufruto de moradores e visitantes como valor de atrativo. O turismo ao se vincular à cultural local, é realizado através do encontro entre pessoas de diversos nichos, e por esse contato, estabelece-se uma aceitação e assimilação de costumes diversos. Alfonso (2003) menciona que o turismo produz a cultura do encontro. A atividade desde sua gênese até os dias atuais está ligada ao encontro de indivíduos e culturas diversas e suas manifestações. Para Augé (2010), a mobilidade humana é verificada como elemento essencial para a relativização cultural. O indivíduo que viaja aos locais com culturas distintas a sua, torna-se um ser “transcultural” e adquirindo interesse por saberes, ofícios e construções do mundo. Dias (2000) argumenta que o turismo promove o intercâmbio entre diferentes culturas (com o contato entre os turistas e residentes locais) resultando disso mais compreensão e respeito mútuos, tolerância em relação a valores, hábitos e costumes diferentes, aceitação da pluralidade cultural como um aspecto importante da humanidade. Neste entendimento, a identidade se constrói não somente nas similitudes, mas também nas diferenças. Não basta dizer que é diferente, mas demonstrar em que se é diferente, pois como afirma Ortiz (2003), toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença. A presença dos turistas fortalece hábitos e costumes da comunidade receptora, pois a partir desse contato podem-se perceber diferenças culturais entre o morador e o visitante. O contado entre guanajuatenses e visitantes no México, bem como, de sergipanos e turistas em Sergipe torna-se importante para a afirmação e valorização da identidade local nesses destinos de viagem. Hoje já se sabe que nem sempre os de “fora” são responsáveis na sua totalidade por problemas de aculturação, exploração e violência. Pesquisas anteriores realizadas por antropólogos4 já indicam que o visitante

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também pode passar por problemas de violência física, preconceito e falta de hospitalidade. 3 4

Termo utilizado para designar o modo de pensar e agir global, influenciando no local. Barreto (2007), Graburn (2009), Santana (2009). Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

Através do aporte teórico-conceitual, o presente trabalho avalia a importância do diálogo com uma perspectiva cultural entre um destino oficializado pelo mote cultural (Cidade de Guanajuato/México) e outro de sol e praia (Aracaju/Brasil), analisando categorias tais como: história, turismo, sociedade, festa e identidade nesses dois destinos. Dividido em duas partes, o trabalho aborda o estudo da história, turismo e sociedade no destino mexicano. A segunda parte apresenta uma análise da história, festa, identidade e turismo no atrativo brasileiro. SOCIEDADE, HISTÓRIA E TURISMO NO MÉXICO Assim como ao redor do globo, o México está passado por transformações onde a sociedade vem experimentando um período de catarse social, política e econômica, cujo contexto nacional presencia trocas e transformações que rebatem em seus habitantes numa ordem global-local. Nessa perspectiva, a sociedade mexicana tem buscado mudanças no que tange a globalização social, política e econômica. O turista do e no México, “representa bem essa nova dinâmica global e participa da abertura e da conquista de novas e surpreendentes regiões e espaços ambientais e culturais” (BENI, 2003, p. 17). Essas transformações na atitude dos indivíduos, embora a nível local denota rebatimento na situação global, pois visam aos seus membros se inserir em uma ordem mundial. A globalização não traz consigo o significado de segmentação social, cultural e política, visto que, tenta destruir a pluralidade do mundo humano para evitar a diversidade e controlar e uniformizar as sociedades. Em contrapartida, surge o multiculturalismo (DEL MORAL, 2013) reconhecendo que a modernidade ocidental pode ser definida de muitas maneiras, bem como construir-se a partir de outras. Em tempos

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de globalização o turismo tem se configurado como uma atividade moderna e paradoxal: ao mesmo tempo em que aproxima as diferentes culturas de lugares longínquos, ele também põe em evidência as diferenças culturais entre os povos e nações. Barretto (2007a) informa que, paralelamente, como atividade problemática relativa aos aspectos Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

socioculturais e econômicos da sociedade afetada pelo turismo, o mesmo pode revitalizar culturas, economias locais e desenvolver a sociedade onde essa atividade está sendo desenvolvida. A inserção do México na modernidade incluiu o processo de libertação social, econômica, artística, e de contextos educativos. Essa fase de transição ocorreu desde o rompimento dos laços que significavam três séculos do vice-reinado espanhol, através de influências da Revolução Francesa, da ideologia liberal, a categoria progresso resultou no que posteriormente seria a cultura mexicana atualmente (ORTEGA; CORONA, 2014). Como informa os autores citados anteriormente, as cidades cresceram e com elas a produção de mineração, o que permitiu um processo de boom financeiro no século XVIII. Guanajuato representa na história um exemplo claro deste fato. TURISMO, HISTÓRIA E SOCIEDADE EM GUANAJUATO O estado de Guanajuato localizado no centro do país na região conhecida como El Bajío, possui um grau de importância no contexto da identidade nacional mexicana. É um destino onde o turismo representa a segunda renda após o setor automobilístico, possuindo a capital – Cidade de Guanajuato (Figuras 2 e 3) - um polo integral de desenvolvimento turístico desde 1975. A partir do ano de 1978, é considerado destino turístico prioritário pelo decreto presidencial (VIDAURRI, 2015). A cidade de Guanajuato desde o ano de 1988 é Patrimônio Cultural da Humanidade declarada pela UNESCO. Na atualidade, vem sendo divulgada para ser um destino cultural do México, visto que, é fato um “[...] movimento de pessoas em busca de motivações essencialmente culturais, tais como excursões de estudo, teatralizações e excursões culturais, viagens para festivais e outros eventos” (RICHARDS, 2009, p. 26) em

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direção da cidade. Este é o principal potencial do destino guanajuatense, além de já ter

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sido

nomeada

a

Capital

Ibero-americana

Figura 2 – Campanário da Igreja de la Compañia na cidade de Guanajuato Autora: Celeste Nava Jimenéz

da

gastronomia

em

2015.

Figura 3 – Panorâmica da Cidade de Guanajuato Fonte: www.mexicodestinos.com

Embora um termo em desuso, o país hoje se refere ao turismo como indústria, buscando cada vez mais segmentos turísticos como um sintoma da globalização no mundo. Atualmente, ouve-se nos discursos políticos quando se refere à Guanajuato como um pólo da indústria do turismo no México. Através do turismo cultural, o estado promoveu leis como à da promoção para o cinema e indústria audiovisual.5 O secretário de estado de turismo como parte de suas funções, mediou às relações entre instituições e campos de procedimentos governamentais que correspondem o acompanhamento desta lei. No país, o grupo de indivíduos relacionados por certas diretrizes, formas de vida, hábitos e sentimentos comuns (Greco, 2008, p. 357), dão significado para a cidade de Guanajuato, como um destino cultural. Para Barretto (2007b), ser um destino cultural implica fatores positivos, pois o turismo pode ser um meio eficiente para a preservação do patrimônio e do diálogo entre as culturas. O destaque a essa escolha de destino

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turístico, pressupõe que a sociedade humana deve ter a consciência do que significa a Apresentação à Assembleia do estado-conferência da lei de promoção para o cinema e indústria audiovisual em Guanajuato pelo delegado Adrián Camacho Trejo Luna. Disponível em: . Acesso em: 21 de fevereiro de 2014. 5

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cultura numa esfera mundial. E perceber a multiplicidade de visões de mundo, refletida nos processos intercultural e multicultural. Boaventura (2013) informa que a ciência tem papel na responsabilidade social e política, visto que a mesma faz parte da vida cotidiana das pessoas (Figura 4).

Fenómeno social

Figura 4 – Gráfico sobre a Interação entre Ciência e Política como Responsabilidade Social Fonte: Elaboração da Autora baseada em Boaventura (2013)

Nesse sentido, atribui-se que para interpretar o turismo como um objeto do estudo social, é necessário elevar a inter-relação do fenômeno entre sociedade, ciência e política, evitando fragmentar seus conhecimentos para apenas incluí-lo nos discursos de interesses econômicos e pragmáticos. As duas categorias (turismo e sociedade) são elementos sociais que compõem uma rede de relações de cortes interculturais, envolvendo a relação de respeito e tolerância entre culturas, do turista para o local visitado, e este, para com o visitante. É um processo dialógico, onde o turismo como um fenômeno e seus atores sociais não devem exceder os limites do seu conhecimento, sendo racionais e positivos nos modos de pensar.

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Esta visão ocidental e multicultural é percebida na Cidade de Guanajuato no México. O local é uma amostra representativa de um corpo maior, envolto numa dinâmica heterogênea cuja realidade social é caracterizada pela diversidade de atividades econômicas, juntamente com a complexidade, a variedade e o contexto de Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

suas expressões políticas e simbólicas (VALENCIA, 1998). A troca de capital e as estatísticas turísticas não devem exceder as relações de uma sociedade turística com os visitantes, porque elas envolvem mais do que apenas números. Após a transformação da cidade em um destino turístico, a sociedade em Guanajuato tem buscado planejamento no campo dos atrativos. Vidaurri (2015) em seu esforço para dar visibilidade à atividade turística em Guanajuato 1890-2007 descreve os fatos históricos vinculados à região de destino, como mostram os tópicos a seguir: 

1548, a origem da população na região.



Viagem de início do século XIX para Guanajuato por Alexander Von Humboldt.



1891, o primeiro calendário Guanajuato referindo-se a estabelecimentos voltados para os viajantes.



1903 é impresso o Guia para o Forasteiro no México.



Após a Primeira Guerra Mundial, desponta o México como destino para o turista americano.



Os anos 20 do século XX, o governo considera as ações para impulsionar o turismo e aumentar o fluxo de visitantes.



1930, menção no relatório oficial do governo de Agustin Arroyo, o ano em que a presença de turistas no estado é alimentada.



1948, as autoridades estaduais iniciam constantemente contemplar o tema do turismo.



1959, embaixadores visitam a cidade de Guanajuato. Declaração de "cidade-piloto de turismo".



1960, considerada a cidade como Meta Tourist City. Primeiro guia turístico oficial.



1961-1967, período de promoção e fortalecimento do turismo com diversas obras que deram vida às atrações existentes.

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1968, mantendo a Semana Cultural Olímpico. Criando a Casa do Artesanato, hoje Teatro Cervantes. Integração dos Comitês Municipais de Turismo. Edição UMA para o guia mensal dos turistas (México e EUA). Departamento de Turismo define o trabalho na promoção do turismo. Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]



1970, a indústria hoteleira e de restauração dos investimentos.



1973 - 1979, período de fortalecimento de outros destinos turísticos no estado.



1977, criação do Conselho Estadual de Turismo.



1978, Guanajuato desponta entre os cinco mais importantes destinos do México. 325 hotéis e 565 restaurantes foram registrados no estado. Por decreto presidencial Guanajuato é "prioridade destino turístico”.



1979 - 1984, o impacto econômico, cultural, social e político do turismo de massa, apontando para o turismo como um meio para manter a paz entre os povos são enfatizadas.



1988, Guanajuato é incluído na Lista do Património Mundial.



1992 é promovido Guanajuato na Feira Mundial de Sevilha. Três corredores turísticos são planejados.



1993, a Secretaria de Turismo (Diretoria de Turismo, Secretaria de Turismo e da Comissão de Turismo Pró-história são criados).



1994, a devolução do setor do turismo as funções federais. Criação do Conselho Consultivo de Turismo do Estado.



1998, é criada a Coordenação de Turismo do Estado.



2003, 451 estabelecimentos de alojamento são registrados.



2007, criação do Departamento de Desenvolvimento Turístico. No tocante à sociedade, esta deve perceber as mudanças naturais, sociais e

culturais em sua essência. Os indivíduos guanajuatoenses não devem perder sua identidade cultural e o sentido de pertença à sua terra, e tudo o que dela se manifesta. Entendendo que toda a identidade é construída, e seguindo um conceito de Castells (2003) de que essa construção vale-se da matéria-prima fornecida pelas ciências humanas, sociais e biológicas, por instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva, patrimônio, por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de

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O intuito está em reconsiderar o turismo como um fenômeno social, e a sociedade

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cunho religioso. um elemento essencial para a manifestação deste fenômeno. É importante estudar tendo

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uma perspectiva interdisciplinar para qualificar o turismo como um objeto/fenômeno cultural que permite o diálogo entre culturas e indivíduos com diferentes visões de mundo. Acima de tudo, a sociedade de hoje que vive o destino de Guanajuato, deve ser capaz de reconsiderar e se sensibilizar para estas novas dinâmicas contemporâneas que fazem vibrar a cidade e os fenômenos que se manifestam nela.

TURISMO, HISTÓRIA E IDENTIDADE EM SERGIPE Historicamente, o Brasil é um país que tem como maior densidade populacional a região litorânea em detrimento do interior. Localizado na região do litoral do Nordeste brasileiro, de clima quente, praias de águas mornas e beleza cênica, o estado de Sergipe se consolidou na prática do turismo de sol e mar, ou seja, na região costeira das praias. Foram os elementos que compõem a paisagem litorânea que tradicionalmente outorgou a Aracaju (Figura 5) destino para o turismo de verão ou alta estação.

Figura 5 – Vista Panorâmica de Aracaju Fonte: Google Imagens

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Como informa Pires (2002, p. 161) “essa dimensão visual da paisagem constitui o principal apelo de atratividade, com frequência desencadeado para compor juntamente com o aporte de meios e serviços a oferta de uma destinação turística”. No entanto, o interior do território sergipano possui manifestações culturais, festas singulares, belezas Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

cênicas fluviais e ecossistemas que denotam particularidade à produção cultural e ambiental, sendo esses eventos e espaços, atrativos turísticos potenciais. Segundo dados do inventário cultural de cada um dos oito territórios sergipanos (VARGAS; NEVES, 2009) e (SERGIPE, 2010), embora com pequena extensão territorial, o estado detém mais de três mil comemorações (desde festas de padroeira, encontros culturais a festejos dos ciclos festivos anuais). Nesse sentido é relevante pensar em que medida essas manifestações culturais locais devem se configurar como atrativo turístico, pois antes de servirem para o usufruto turístico, são elementos tradicionais, simbólicos e de pertencimento na comunidade onde elas se manifestam. Ao longo do processo histórico da sociedade sergipana, em que pese à povoação da Capitânia de Sergipe até a transferência da capital da Província, o estado assimilou culturas do colonizador português vinculadas ao catolicismo português e os santos comemorados anualmente, como as manifestações culturais de outras etnias: a indígena com práticas da mata concentradas na ancestralidade e conhecimento oral, bem como os africanos e seus descendentes, tendo na religiosidade elementos da natureza com a mitologia

dos

Orixás.

Segundo

Perez

(2012),

a

principal

fonte

da

mestiçagem/hibridismo/sincretismo no Brasil é de fundo religioso com inspiração festiva e Sergipe não difere dessa premissa. No cenário sergipano, os espaços sagrados interagem com os profanos pelos elementos que compõem a festa como missa, lavagens, procissões, folguedos e encontros culturais. Sendo assim, o turismo se apropria de diversas festas culturais em Sergipe e as transforma em atrativos turísticos. No início da colonização onde hoje se encontram demarcadas as terras do estado, Sergipe foi uma região para a criação de gado e, nesse contexto, as disputas pela terra dos índios tupinambás produziram algumas das maiores batalhas no estado. Dessa forma, “o desfecho da colonização de Sergipe significa a vitória dos grandes latifundiários baianos, especialmente os ligados à atividade pastoril” tendo a cidade

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construída para servir de entreposto entre os dois maiores núcleos urbano do Império Português no Brasil: Salvador e Olinda, bem como sede da Província (ARAGÃO, 2009). A historiadora Nunes (2007, p. 2) cita Freire mencionando que “antes do sergipano ser lavrador, foi pastor”. Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

Entre 1590 a 1855, São Cristóvão foi sede governamental do estado, sendo transferida a sua capital no final do século XIX para Santo Antônio do Aracaju. Segundo consta, Aracaju foi se adequando à vida moderna que era exigida de uma capital de estado. Com uma nova posição geográfica, o povoado passa a ser o local da sede do governo de Inácio Barbosa e outros governadores a posteriori. Após a mudança da capital, com a entrada do século XX até os anos 30, Santo Antônio do Aracaju, uma vila de pescadores se urbanizou promovendo uma cidade planejada e moderna a partir do “Quadrado de Pirro” (PORTO, 1945)6. Essa denominação se deveu, [...] ao engenheiro Sebastião José Basílio Pirro que desenvolveu para a nova capital de Sergipe um plano urbanístico moderno em formato de tabuleiro de xadrez, o que diferencia Aracaju das cidades brasileiras de influência portuguesa (OLIVEIRA 2011, p. 1).

A partir da década de 30 do século passado, a cidade de Aracaju se modernizou com construções nos estilos art nuveau e eclética, no centro da cidade e na avenida em frente ao rio Sergipe (Figuras 6 e 7).

Figura 6 – Praça Fausto Cardoso em Aracaju Autor: Ivan Rêgo Aragão

Figura 7 – Museu da Gente Sergipana Fonte: http://guiaviajarmelhor.com/

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A capital sergipana fixou no calendário de eventos, as festas vinculadas aos ciclos comemorativos, santos e irmandades. Já na virada do milênio em Aracaju-Sergipe, a A construção da cidade de Aracaju foi planejada pelo engenheiro Sebastião Basílio Pirro, por este motivo ficou conhecido o centro de Aracaju como o “Quadrado de Pirro”. 6

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potencialidade das festas como atrativo turístico e valorização do destino, tem sido vista como elemento essencial para ampliar o leque das opções sobre o qual o turismo cultural se desenvolve. Perceber potenciais nichos de atração fora da estação do verão e férias escolares tem auxiliando na quebra da sazonalidade de destinos consolidados por um período especifico do ano. Nesse arcabouço que se vincula a novos paradigmas, Dias (2005, p. 124) sinaliza que, O Turismo pode ser um estímulo importante para a preservação e conservação da herança cultural de uma localidade, região ou país, pois se justifica como necessário para manter um atrativo turístico que gerará receitas para a comunidade como um todo e para a própria manutenção do patrimônio cultural.

É primordial um planejamento da atividade turística tendo em vista o processo histórico do estado e da capital como mostram os tópicos abaixo, pois relembrando os fatos relacionados à história aracajuana, bem como de Sergipe, não se despreza fatores vinculados à identidade, a memória e ao pertencimento cultural. Deve-se ter em conta que assim como o turismo aumenta a renda e o emprego, pode ampliar as desigualdades econômicas nas comunidades receptoras se não for enaltecidos ou postos em evidência a cultura, tradição e costume local. 

1602 – Local onde hoje é Aracaju, foi terra de sesmaria doada a Pedro Gonçalves;



1699 – Surgimento da vila de pescadores Santo Antonio do Aracaju;



1820 – Emancipação política de Sergipe da Bahia;



1855 – Transferência da capital de São Cristóvão para o povoado Santo Antônio do Aracaju;



1855 a 1905 – Início da construção do Quadrado de Pirro;



1884 – Inauguração da primeira fábrica de tecidos, marcando o início do

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desenvolvimento industrial; 

1912 – Criação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe;



Anos 30 do século XX – Modernização da cidade com construções nos estilos art nuveau e eclética no centro da cidade;



1958 – Inauguração do edifício Atalaia;

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1962 – Inauguração do Hotel Palace de Aracaju;



1967 - Tombamento do centro histórico de São Cristóvão pelo IPHAN;



1971 – Criação da Empresa Sergipana de Turismo (EMSETUR);



1972 – Início do Encontro Cultural de Laranjeiras;



1972 a 2005 – Período do Festival de Arte de São Cristóvão (FASC);



1992 a 2013 – Período do Pré-caju; 7



1992 – O governo decreta a mangabeira como arvore estadual;



1996 – Tombamento do centro histórico de Laranjeiras pelo IPHAN.



2001 – Inicio do Forrócajú; 8



2003 – Criação da rota Aracaju-Xingó;



2006 – Construção da ponte Aracaju - Barra dos Coqueiros;



2008 – Registro como da Renda Irlandesa de Divina Pastora como patrimônio imaterial nacional;



2010 – A UNESCO concede a Praça São Francisco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade;



2011 – As embarcações tradicionais denominadas “tototós” são decretadas patrimônio cultural sergipano. Turismo, história, cultura e sociedade apontam para fatores que definem a

identidade sergipana ou sergipanidade9, pois como informa Burity (2002), esse interesse pela identidade, diz respeito à percepção dos atores de que seu lugar no mundo passa por investimentos simbólicos pelos quais eles se afirmam e negociam com outros sua forma de inserção na sociedade. Estas quatro categorias anteriormente mencionadas, apontam para elementos que devem ser trabalhados como atrativos em Aracaju. No entanto, deve-se ter cautela e sensibilidade para não transformar os lugares e seus atrativos apenas pela ótica do

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desenvolvimento econômico. É fundamental na atualidade, refletir como a atividade Carnaval fora de época. Uma das festas do ciclo junino na capital. 9 Segundo Barreto (2013, p. 13), o termo sergipanidade significa “os traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-os diferentes dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum”. 7 8

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turística deve ser fomentadora dos elementos ligados à sustentabilidade (natural, cultural e humana). Um turismo que valorize os diversos ecossistemas ambientais, festas e manifestações culturais, sem impor a lógica do capitalismo e do desenvolvimento social na base de uma economia destrutiva, mas numa economia criativa. Para Cárdenas (2003), a que se ter em conta que essa necessidade de mercantilizar os lugares não deve ultrapassar a fronteira que divide uma oferta turística da teatralização e conversão da população em um grande parque temático. Dessa forma, Aracaju no estado de Sergipe do Brasil, tem buscado a valorização do seu meio ambiente, manifestações culturais inseridas nos calendários festivos e divulgadas pela mídia como forma de atrair o visitante. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta de vincular turismo, história, cultura e sociedade formando uma base em prol da valorização dos destinos, auxilia não só no resgate e manutenção de produções singulares da sociedade na qual essas quatro categorias estão inseridas, como valoriza as atrações nos locais e a hospitalidade. Embora definidos como destino cultural (Cidade de Guanajuato) e sol e mar (Aracaju), as potencialidades dos citados locais vão além do que foi definido pelo mercado turístico. Aspectos de ambas as culturas, tais como, culinária, folguedos, ritmo, danças e festas, além dos cenários naturais dos seus ecossistemas proporcionam as diferenças calcadas nas identidades em ambos os destinos. Ao final das reflexões, verificaram-se distanciamentos e proximidades nas duas cidades, destinos turísticos na América Latina. Considera-se a atividade turística complexa pela própria realidade dos espaços que são dinâmicos. Ambos os destinos, adotaram práticas sócio-culturais, políticas e

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identitárias como ativos de turismo, para preservar sua história e certificam-se de uma prática social em que pesa a mobilidade dos seres humanos. Práticas que se vinculam aos indivíduos inseridos nos ambientes (culturais ou naturais) tornam-se mais do que um bem social, são também recursos do turismo para Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5, n. 2, jul./dez. 2016 http://periodicos.uern.br/index.php/turismo [ISSN 2316-1493]

trazer boas experiências aos visitantes. Experiências que devem ser interculturais, contanto que, a comunidade flutuante, permita o diálogo e a compreensão das culturas visitadas. O turismo tem sido percebido como um fenômeno de inter-relações, ou seja, configura-se, principalmente, por práticas de diversão para o lazer e recreação. Especificamente na América Latina, aproximam-se os lugares pós-coloniais como nichos de atração turística, onde se verifica a busca da identidade na diversidade cultural. Entendemos que a atividade turística não deve ser abstraída para uma unidade, mas construída a partir de sua diversidade, respeitando os fatos históricos locais, a exemplo de Aracaju no estado brasileiro de Sergipe e a cidade de Guanajuato em Guanajuato no México.

CULTURE, HISTORY AND SOCIETY IN TWO TOURIST DESTINATIONS IN LATIN AMERICA ABSTRACT Tourism as a phenomenon that provides the mobility of society deserves a historical study linked to the elements that identify the tourist and cultural activities in distant countries. From the perspective of theoretical-conceptual contribution, the present work shows the facts in a historical perspective and local tourist differentiated geographically. The article discusses categories as history, tourism and society in two destinations in Latin America. The text holds the two main axes: the first deals with the study of history, tourism and society in the city of Guanajuato, Mexico, the second part presents an analysis of history, party, identity and tourism in Aracaju, Brazil. KEYWORDS: TOURISM. INTERCULTURALITY. SOCIETY. IDENTITY.

REFERÊNCIAS

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