Cultura, intimidade, sentimento e mediações - alguns elementos para a análise das canções românticas no Brasil - XI Congresso IASPM-AL - Música y territorialidades

June 3, 2017 | Autor: Martha Ulhôa | Categoria: Popular Music, Música Romântica
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XI CONGRESO IASPMAL • música y territorialidades: los sonidos de los lugares y sus contextos socioculturales

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CULTURA, INTIMIDADE, SENTIMENTO E MEDIAÇÕES – ALGUNS ELEMENTOS PARA A ANÁLISE DAS CANÇÕES ROMÂNTICAS NO BRASIL Martha Tupinambá de Ulhôa

Simone Luci Pereira

Martha Tupinambá de Ulhôa. Professora Titular, Programa de Pós-Graduação em Música – UNIRIO. Pesquisadora do CNPq. Contato: [email protected].

Simone Luci Pereira. Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática – UNIP. Contato: [email protected].

Comunicação dupla apresenta algumas reflexões que vem sendo elaboradas para um livro sobre canções românticas no Brasil a partir de referencial interdisciplinar (Frith 1997; Martín-Barbero, 1997, 1999, 2004; Monsivais 2010; Moore 2012; Stokes 2010). A primeira parte com aspectos antropológicos e históricos relacionados à memória, identidade e mediação (a cargo de Simone Pereira) em especial as apropriações e usos das canções românticas pelos receptores, entendendo a complexidade das construções de sentido e negociações que se acham imbricadas nas experiências do cotidiano dos ouvintes. Em seguida a discussão de aspectos musicológicos (a cargo de Martha Ulhôa), focalizando os gestos musicais relacionados à “intimidade”, e como tais gestos, ligados ao arranjo e à construção da persona vocal, se comportam. PALAVRAS-CHAVE:

Canção romântica; Mediação; Intimidade; Melodrama.

Esta doble comunicación presenta algunas reflexiones que han sido elaboradas para un libro en preparación sobre las canciones románticas en Brasil, a partir de una perspectiva interdisciplinaria (Frith 1997; Martin-Barbero, 1997, 1999, 2004; Monsiváis 2010; Moore 2012; Stokes 2010). La primera parte, trata aspectos antropológicos e históricos relacionados con la memoria, la identidad y mediación (a cargo de Simone Pereira); en especial, la comprensión de la complejidad en la construcción de significados y en las negociaciones que están imbricadas en las experiencias de vida cotidiana de los oyentes. En seguida, la discusión de aspectos musicológicos (a cargo de Martha Ulhôa), centrándose en los gestos musicales relacionados con la “intimidad”, y como tales gestos, vinculados al arreglo y la construcción de la persona vocal, se comportan. PALABRAS CLAVE:

Canción romántica; Mediación; Intimidad; Melodrama.

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1. MEMÓRIA E IDENTIDADE NA RECEPÇÃO DA CANÇÃO ROMÂNTICA

2. MEDIAÇÕES

Canções que falam de amor e dos sentimentos ligados às relações amorosas vêm desper-

A retórica do excesso no melodrama é construída a partir de ideia da existência de um câno-

tando o interesse e atenção de estudiosos de variadas áreas do conhecimento. Mesmo sen-

ne e seu Outro. O fato de o melodrama – a despeito de sua grande influência e presença em

do encaradas como mera distração, reforçadoras de ideologias patriarcais, bregas, cafonas

diversos formatos da cultura popular de massas, como também de sua estrutura narrativa e

ou kitschs, as chamadas canções românticas parecem revelar aspectos mais amplos da

sua retórica própria constituírem-se numa estratégia de comunicação que se relaciona com

escuta e das apropriações variadas que os ouvintes fazem delas. Martin Stokes (2010) ana-

diferentes universos culturais – ser rechaçado pela alta cultura como sinônimo de mau gos-

lisa a música popular na Turquia, focalizando as relações entre música, política e emoções

to, anacrônico, cafona devido ao seu apelo ao sentimentalismo, revela aspectos importantes

acionando reconhecimentos e identificações por parte do público, tornando possivel enten-

do jogo de forças em que está imerso o campo da cultura. Um campo (Bourdieu, 1988) em

der complexas narrativas e imaginários da nação, articuladas com questões sobre a moder-

que a luta material e simbólica por legitimidades e por hegemonia (Gramsci, 1978) mostra-se

nidade e a vida pública naquele país. De maneira análoga - mas analisando outro contexto e

em seu aspecto político, articulador dos sentidos que os processos econômicos e ligados ao

com métodos diferentes - Carlos Monsiváis (2010) interpretou o bolero como elemento de

poder têm para a sociedade. Nesse sentido, vai se operando um desvio metodológico que,

certa “educação sentimental” latinoamericana, uma “escola narrativa” ou forma de encarar a

se afastando do primado do econômico (como na clássica separação marxista entre infra-

vida que permeia aspectos diversos da subjetividade (por mais amplo que isso possa ser).

-estrutura e super-estrututra) e da ideia de que o espaço cultural é mero reflexo das bases

O melodrama - entendido como uma narrativa do exagero, do paradoxo e do registro éti-

materiais já estipuladas, coloca a cultura como eixo do debate. É este desvio metodológico

co em que as diferenças sociais, assim como as dores e penas de amor, aparecem como

para o campo da cultura que aqui assinalamos e que trará as bases para a ideia das media-

expressões exemplares de situações fatalistas que revelam vícios e virtudes - apresenta-se

ções (Martin-Barbero, 1997, 2004)

como matriz cultural que se mostra atuante e estruturante em narrativas do cinema, literatura

Os Estudos Culturais Britânicos (com o qual a perspectiva das mediações estabelece

e na canção, mais propriamente nas chamadas canções românticas. Segundo Martín-Barbe-

direto diálogo), ao afirmarem a cultura como questão chave para o entendimento dos pro-

ro (1997), as matrizes culturais expressam universalidades, tradições, memórias e resgatam

cessos sociais, salientam-na como cultura comum, ordinária, numa relação em que a vida

seletivamente na Modernidade traços de um passado e de um tempo aparentemente perdi-

diária não deve estar ausente da reflexão em que o cotidiano deve ser o foco principal de

dos. São dimensões universais, capazes de ativar mecanismos coletivos de identificações e

interpretação, sempre numa perspectiva de se pensar a materialidade da vida. De maneira

apropriações. Como universais, as matrizes culturais possuem formas que podem ser encon-

geral, estes estudos questionavam uma acepção comum até então (e ainda vista hoje) de

tradas nas variadas manifestações que compõem historicamente o cotidiano, expressando

tomar a cultura popular e os gostos e escolhas das camadas baixas como fruto da imposi-

formas de saber e artes de fazer, cujas estruturas fundamentam a realização de operações

ção dos media, sem levar em conta os valores, atitudes e gostos das pessoas comuns, bem

simbólicas capazes de articular - via narrativa - memórias, sonhos, desejos, realizações.

como as práticas e experiências da vida ordinária. A proposta seria, em lugar disso, perceber

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a complexa rede de negociações, num misto de resistências e incorporações em relação ao

tante recuperar, entre outras, como forma de mediação, a situação de escuta e contato com

mundo cultural estabelecido.

as canções (Pereira, 2007): como a música era e é ouvida: no rádio, em família, com amigos,

Michel de Certeau (1994) elabora uma teoria dos usos sociais como operadores das

no trabalho ou sozinho; se a partir dos Lps, Cds, Mp3, streaming, reuniões em casas de ami-

formas de apropriação, numa reflexão que interpreta a relação dialógica entre os detalhes e

gos, se em shows. Pode-se levar em consideração, como também sugere Martín-Barbero

os processos globais. Desta maneira, o cotidiano surge como lócus possível de apreensão

(1997), a competência cultural do receptor, o que ele está acostumado a ouvir, a quais per-

de papéis informais e formas de resistência e réplica que escapam aos papéis prescritos,

formances musicais está familiarizado e com as quais se identifica, qual o seu repertório. O

nesta multiplicidade de mediações na vida de todo dia, ressaltando a margem de resistência

conceito de mediação, no entanto, não se refere apenas à cultura formal, engloba também a

possível, a improvisação, a capacidade de subverter os padrões impostos. Há no cotidiano,

cultura dos bairros, das cidades, dos grupos urbanos, sendo uma marca cultural viabilizada

segundo o autor, uma outra lógica – aquela dos usos –que não necessariamente corrobora

pela experiência cotidiana. Desta forma, é necessário atentar para as leituras diferenciadas

com a lógica dominante dos meios, das instituições.

que estes ouvintes podem fazer das canções, dependendo de sua educação formal, mas

Esta noção de cotidiano se mostra presente na concepção das mediações. As media-

também de seu repertório musical, dos locais vividos, de suas relações com as técnicas

ções seriam formas de percepção da realidade, maneiras pelas quais uma mensagem, no

e suportes midiáticos, etc. Compreender assim, quais recursos performáticos, midiáticos,

caso musical, chega ao seu ouvinte e lhe afeta, gerando uma formulação de sentidos e de

subjetivos, imaginários podem ser facilitadores (ou não) deste encontro.

usos em sua vida diária1. Trazendo estas concepções para nossa reflexão sobre as canções

Pablo Vila (1996) nos ajuda a adensar esta reflexão quando discute as identidades nar-

românticas, seria refletir sobre os modos como os ouvintes se apropriam desta música, a

rativas construídas pelos ouvintes através e a partir da música. Embora o autor não fale em

inserem em suas vidas, fazem usos em seu cotidiano, organizando maneiras de ser, agir,

mediações, mas sim em articulações e interpelações, suas considerações caminham de

construir identidades, sociabilidades. Sendo assim, não nos parece que exista neste proces-

maneira próxima ao que tratamos aqui, ou seja, no caminho de reflexão que entende que

so uma mera reprodução de padrões e ideologias impostas, mas sim escutas diferenciadas

os sentidos da canção não se esgotam no texto musical (seja suas letras, sua estruturação

com produções de sentidos plurais, sem que, no entanto, isto signifique um receptor comple-

musical, arranjos, performance, etc), mas se completam nas apropriações diferenciadas e

tamente autônomo a tudo que lhe é direcionado pelos meios.

variadas com as quais os ouvintes elaboram sentidos de si, identidades e visões de mundo.

As mediações devem ser vistas de maneira historicizada, localizadas em tempos, espa-

Ele aponta a dificuldade que a ideia de articulação e interpelação enfrenta por um lado ao

ços, públicos, meios, formatos diferentes, em que, para cada caso analisado, deve-se perce-

não localizar e analisar sujeitos sociais concretos em suas análises e por outro lado, ao não

ber as medições próprias e específicas do modo de apropriação das mensagens. É impor-

poder explicar porque algumas formas de interpelação “funcionam” mais que outras, mesmo tendo como ponto de partida a sombra gramsciana e sua ideia de hegemonia e as conse-

1

DeNora (2000) também propõe uma reflexão sobre os usos da música no cotidiano, nas escutas que ocorrem em situações dispersas, sem perceber nisso uma possível regressão da audição ou uma desatenção alienante dos ouvintes.

quentes lutas discursivas próprias às construções e negociações de sentido e identidade. Assim, Vila foca sua argumentação na questão da narrativa e seu uso teórico e metodológi-

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co, compreendida como categoria epistemológica e esquema cognitivo capaz de referir-se às formas com que atores sociais concretos se apropriam das canções e a partir disso, porque algumas formas de interpelação têm mais êxito que outras. Isso porque nas narrativas, os indivíduos buscam construir um sentido, uma coerência para suas vidas, articulando passado, presente e futuro na forma de metas e desejos, construindo tramas argumentativas seletivas em que real e imaginário, memórias voluntárias e involuntárias, esquecimentos, silêncios se compõem de maneira complexa trazendo á tona as construções identitárias nas quais as músicas exercem papel de artefato cultural privilegiado para as construções de si e dos outros. Ao contar suas vidas, os ouvintes constroem-se como sujeitos de sua própria história, em que as canções entram como aportes para salientar aspectos, marcas fatos importantes, ajudar a compreender motivações que os levaram a uma ação ou caminho e não outro, expressam o que buscam e almejam para sua vida privada, suas relações amorosas, como também para sua vida em geral. No caso das canções românticas, traços melodramáticos sobre o amor, o sofrimento, a realização amorosa parecem estimula-los a encarem-se como sujeitos das emoções que os tomam, indivíduos que tem nestas narrativas musicais elementos para a construção de modelos de subjetividade e de narrativas de si, marcadas pela emotividade, é certo, mas que expressam aspectos das sensibilidades contemporâneas não só no âmbito privado, mas na esfera pública. Sendo a mediação este espaço onde é possível compreender as interações entre produção e recepção, vai se esboçando uma complexa e nada simplista ou esquemática trama onde se percebe que aquilo que as canções de publico massivo entoam não responde unicamente aos requisitos industriais e estratégias mercadológicos, mas também a exigências

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3. DETALHES TÃO PEQUENOS... GESTOS MUSICAIS E INTIMIDADE Esta seção trata da parte musicológica, ou seja, como os músicos fazem para representar intimidade e sentimento em suas performances. Mais especificamente são discutidos os gestos musicais relacionados à “intimidade”, e como tais gestos—em especial a escolha de instrumentos por parte do arranjador, e a construção da persona vocal por parte do cantor— se comportam na música romântica no Brasil. O exemplo emblemático é a canção “Detalhes” de 1971, composição de Roberto e Erasmo Carlos, sucesso de público e de crítica, que como diz Paulo Cesar de Araújo foi o “marco definitivo da consolidação de Roberto Carlos como o maior cantor romântico do país” 2 “Detalhes”, continua Araújo é uma “canção de dor-de-cotovelo moderna, na qual o amante não destila vingança nem ódio, mas uma mensagem sarcástica e provocativa, lembrando que num grande amor pequenos detalhes se agigantam com o tempo.” Além de levantar hipóteses sobre quem poderia ter sido a musa inspiradora da canção, Araújo menciona o crédito a ser dado (pelo sucesso da canção) à introdução composta pelo arranjador norte-americano Jimmy Wisner (1931-). De fato, a melodia introdutória composta por Wisner é tão marcante que passou a fazer parte integrante da canção. Nos shows de Roberto Carlos, que invariavelmente tem “Detalhes” no repertório, há um reconhecimento instantâneo da platéia no segundo em que as primeiras notas da introdução soam. Na versão original a melodia da introdução é feita pela flauta, que numa linha arpejada sublinha as funções harmônicas usadas na canção (segundo grau com função subdominante; acorde da tônica como acorde perfeito e em seguida como acorde com sétima maior).

e demandas que advêm da trama cultural e dos modos de escuta dos ouvintes. 2

É utilizada uma cópia do livro Roberto Carlos em detalhes (Editora Planeta, 2006) em word, sem paginação, baixada da internet e hoje indisponível, por conta do processo judicial movido pelo cantor ao autor do livro.

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Depois da melodia introdutória na flauta é o som do glockenspiel, pequeno mas que se

vação da canção. A gravação é o produto final do processo poético da canção e o ponto de

destaca pela tessitura aguda, que ilustra o “detalhe” como arquétipo sonoro – algo pequeno

partida para sua escuta. De fato, a recepção da canção popular gravada começa pelo reco-

mas que marca presença. A sonoridade aparece justamente no momento em que o perso-

nhecimento da identidade de um cantor. Essa identidade vocal, em conjunto com o arranjo

nagem diz “Detalhes tão pequenos de nós dois!” estabelecendo imediatamente uma relação

instrumental acompanhante e incluindo as marcas aurais do estúdio de gravação, forma o

entre a palavra e o timbre.

que tem sido chamado nos estudos da música popular de persona vocal. A persona vocal

No arranjo original outros instrumentos como violoncelos, violinos e trompa vão sendo

integra tanto os aspectos propriamente físicos do gesto musical quanto seu sentido contex-

introduzidos, algumas vezes isoladamente, introduzindo uma seção e outras em reforço à

tual. Neste último nível de densidade conceitual, pode-se dizer que estamos tratando de uma

narrativa (cordas em movimento ascendente e descendente conforme o antecedente e o

espécie de protagonista da canção.

consequente das frases – “à noite envolvida no silêncio” (ascendente); “do seu quarto” (des-

A ideia de persona é baseada no musicólogo inglês Allan Moore, que dedica um capítulo

cendente); “antes de dormir você procura” (ascendente); “o meu retrato” (descendente). O

à ideia de persona (2012, p.179-214) no seu livro sobre como as canções produzem signifi-

certo é que o arranjo em todas as ocasiões funciona como uma trilha sonora do melodrama

cado nos seus ouvintes de 2012. Moore não é o primeiro a tratar do assunto, naturalmente,

que se desenrola.

e inicialmente faz menção a níveis analíticos usados na literatura de estudos da música po-

Outro aspecto que aparece no arranjo e que acabou sendo incorporado à composição é o

pular, adequando-os para seus propósitos. Entre eles as distinções feitas por Simon Frith e

uso de um acorde de empréstimo modal, que marca a mensagem da canção: ao se deparar

Philip Auslander entre a pessoa do cantor (real person), ele(a) como ser social, o performer

com pequenos momentos relacionados ao relacionamento íntimo do casal há um “evento”

(performance persona) e, o personagem (character), para Frith a personalidade da canção.

inesperado (um acorde de Sol maior dentro da tonalidade de La M e ) que ilumina a resposta

A primeira coisa que nos impacta ao escutar uma canção é a pessoa do intérprete, in-

inevitável de a mulher se dar conta da falta do ex-companheiro. Quando o intérprete canta “E

cluindo aí sua história. Para Moore esta pessoa é o performer. Depois pode-se falar que cada

tudo isso vai fazer”, pausa, “você lembrar de mim” a harmonia é usada como reforço dramáti-

intérprete, ao cantar, assume um papel, é um personagem, o que Moore chama de persona.

co, saindo de uma preparação (o acorde de Si menor, segundo grau) para o empréstimo mo-

Finalmente, aparece a figura identificavel com canções específicas, o protagonista da can-

dal (sétima abaixada ou Sol M), partindo então para Mi M com função de dominante, mas só

ção.

que não se resolve na tônica (Lá Maior), colocando um ponto final na narrativa, mas retorna

Muitas vezes, dependendo também do gênero musical que estivermos falando, perfor-

para o acorde de preparação cadencial (Si menor). A cadência deceptiva, sem resolução faz

mer, persona e protagonista podem ser mais difíceis de distinguir. Roberto Carlos é um des-

com que o arranjo demonstre o desejo do protagonista: “Não adianta nem tentar”. “Por muito

ses casos em que o protagonista da canção se identifica com a persona e até com muitos

tempo você vai lembrar de mim”.

aspectos da sua vida pessoal.

Vale reter o quanto é importante a figura do arranjador para a música popular. E não

O que se espera da noção de persona? A noção de persona impoe certos “limites à gama

somente do arranjador, mas também de todo o pessoal de estúdio relacionado com a gra-

de opções” disponíveis para o ouvinte – perspectiva pela qual a análise é conduzida, respon-

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de Moore. Em princípio há que se verificar a posição realista ou ficcional do cantor, da narrativa ou do ponto de vista, a “voz” da canção. Se o cantor dialoga com ou se canta direcionado para o ouvinte; se a narrativa trata de situações do cotidiano ou tem uma qualidade “mitológica”; se a voz do discurso canta por experiência própria ou se observa de fora a situação (2002, p.182).

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_____. 2004. Ofício de cartógrafo: travessias latinoamericanas da comunicação na cultura. São Paulo: Ed. Loyola. Middleton, Richard, 1993. “Popular Music Analysis and Musicology: Bridging the Gap”. In: Popular Music, Vol. 12, No. 2, pp. 177-190.

A maioria das canções populares gravadas costuma se adequar a uma posição funda-

Monsiváis, Carlos, 2010. “Del bolero al pie de la ventana virtual”. In: Tejeda, Dario e Yunen, Rafel Emilio (orgs). El bolero en la cultura caribeña y su proyección universal. Santo Domingo: INEC, pp. 53-63.

mental da persona numa combinação de persona realista, em situações do cotidiano, com

Moore, Allan F. 2012. Song means: analysing and interpreting recorded popular song. Surrey, GB: Ashgate.

um olhar envolvido, tratando do tempo presente e explorando o momento. Mais uma vez Roberto Carlos é emblemático, uma vez que construiu uma persona que protagonisa a interpelação do cotidiano familiar seja pela simulação de contato (ajudado pelo espaço-tempo construído no âmbito da gravação), seja pela retórica do direto.

REFERÊNCIAS Bourdieu, Pierre. 1988. La distinción: criterio y bases sociales del gusto. Madri: Taurus. Certeau, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Ed. Vozes. DeNora, Tia. 2000. Music in everyday life. United Kingdom: Cambridge Univesity Press. Frith, Simon. 1996. Performing Rites: on the value of popular music. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. Gramsci, Antonio. 1978. Cartas do cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira. Martin-Barbero, Jesús. 1997. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. _____. 1999. “Recepcíon de medios y consumo cultural: travesías”. In: Sunkel, Guillermo (org.). El consumo cultural em América Latina. Santafé de Bogotá: Convenio Andrés Bello, pp. 2 - 25.

Pereira, Simone Luci. 2007. “Escutando memórias: uma abordagem antropológica para o estudo da canção das mídias”. In: Valente, Heloisa (org.). Música e Mídia: novas abordagens sobre a canção. São Paulo: Via Lettera. Stokes, Martin. 2010. The Republic of Love: cultural intimacy in Turkish popular music. Chicago/EUA: University of Chicago Press. Vila, Pablo. 1996. “Identidades narrativas y música - una primera propuesta para entender sus relaciones. TRANS (Revista Transcultural de Música - Transcultural Music Review). n. 2. Disponível em: http:// www.sibetrans.com/trans/a288/identidades-narrativas-y-musica-una-primera-propuesta-paraentender-sus-relaciones Acesso em Jan 2013.

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