Cultura pop, gênero e Web 2.0: estratégias de circulação do K-pop

July 24, 2017 | Autor: Alessandra Vinco | Categoria: Web 2.0, K-Pop, Cultura Pop, Gênero Musical
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UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ALESSANDRA VINCO AGUIAR CALIXTO MADUREIRA

CULTURA POP, GÊNERO E WEB 2.0: ESTRATÉGIAS DE CIRCULAÇÃO DO K-POP

Niterói 2014

UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ALESSANDRA VINCO AGUIAR CALIXTO MADUREIRA

CULTURA POP, GÊNERO E WEB 2.0: ESTRATÉGIAS DE CIRCULAÇÃO DO K-POP

Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado à Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau Bacharel em Estudos de Mídia.

ORIENTADORA: PROFª. DRª. SIMONE PEREIRA DE SÁ

Niterói 2014

AGRADECIMENTOS A Deus, pois com Sua luz e direcionamento pude fazer as escolhas certas e chegar, com muito orgulho, onde cheguei. À minha família, que sempre me incentivou nas minhas decisões e sonhos; que viram a cultura pop asiática se transformar de paixão de fã para paixão de pesquisadora e me apoiaram incondicionalmente. Ao curso de Estudos de Mídia, professores e colegas de classe, que me ajudaram a abrir minha mente e enxergar um brilhante mundo novo, dando-me a certeza que eu escolhi o curso certo e levarei, para sempre, toda a experiência e aprendizado que tive. À turma de 2010.1, pois eu não poderia ter entrado em um grupo melhor. Conquistei amizades incríveis e sei que sempre poderei contar com elas. Todos vocês estão no meu coração. Aos projetos Série Clube e Asian Club, que abriram um espaço para, assim como eu, apaixonados por ficção seriada televisiva e cultura asiática poderem estudar e debater esses preciosos objetos. É muito gratificante fazer parte desses clubes e aprender cada vez mais. À minha orientadora, Simone Pereira de Sá, que me ajudou nesse processo tão importante e me orientou frente a esse objeto de pesquisa, ainda que não muito conhecido, mas fundamental para os estudos culturais. À fascinante cultura sul-coreana, que me envolveu de forma tão apaixonante.

RESUMO Este trabalho procurou estudar como se deu a construção do pop sul-coreano, o K-pop, como um gênero musical, explicitando sua origem e desenvolvimento, onde o fenômeno da Onda Coreana se mostrou um elemento fundamental para seu crescimento e difusão. Como foco da discussão, foi analisado e pontuado as características, estratégias e “limitações” das principais agências de entretenimento e talentos da indústria do K-pop, as chamadas “Big 3”, e como estas procuram promover o gênero dentro e fora da Coreia do Sul. Com o desenvolvimento da Web 2.0, as redes sociais se tornaram uma ferramenta poderosa de propagação deste estilo musical e passaram a ser utilizadas como um processo estratégico por essas empresas na divulgação do K-pop e na captação de mais fãs. Por outro lado, o fandom se mostra um dos mais participativos, dividindo ambos papéis de consumidor e produtor, na difusão do pop sul-coreano através, principalmente, das redes sociais. Palavras-chave: K-pop, gênero musical, cultura pop, Web 2.0

ABSTRACT This paper attempted to study how Korean pop developed as a music genre, explaining its origin and development, where the Korean Wave phenomenon proved to be a key element in its growth and spread. As the focus of this discussion, the characteristics, strategies and “limitations” of the main Korean agencies of entertainment and talents of the K-pop Industry, named “Big 3”, were analyzed and punctuated. With the development of the Web 2.0, social networks became a powerful tool to propagate this musical style and began to be used as a strategic process by these companies in the divulgation of K-pop and in attracting more fans. On the other hand, the fandom has shown to be one of the most participative, sharing both consumer and producer roles, in the diffusion of the Korean pop through, specially, the social networks. Keywords: K-pop, music genre, pop culture, Web 2.0

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................................7 1. A CONSTRUÇÃO DO POP SUL-COREANO......................................................10 1.1 BREVE HISTÓRIA DA MÚSICA POP NA COREIA DO SUL...........................10 1.2 ONDA COREANA NA ÁSIA E NO MUNDO.......................................................12 1.3 K-POP: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO..........................................................15 2. CARACTERÍSTICAS E ESTRATÉGIAS DO “BIG 3”: IDENTIDADE E ALCANCE DE NOVOS MERCADOS.......................................................................21 2.1 SM ENTERTAINMET..............................................................................................22 2.2 YG ENTERTAINMENT...........................................................................................27 2.3 JYP ENTERTAINMENT..........................................................................................31 2.4 COMPETÊNCIA VS. AUTENTICIDADE..............................................................34 3. A IMPORTÂNCIA DA WEB 2.0 NA DIFUSÃO DO K-POP..............................39 3.1 A APROPRIAÇÃO DAS REDES SOCIAIS COMO ESTRATÉGIAS PELO “BIG 3”.....................................................................................................................................40 3.2 CULTURA PARTICIPATIVA E USO DAS REDES SOCIAIS PELOS FÃS....46 4. CONCLUSÃO...........................................................................................................53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................56

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INTRODUÇÃO Quando a música “Gangnam Style”, do cantor e rapper PSY, foi lançada em 2012, ninguém poderia imaginar o enorme sucesso que faria. Na verdade, a grande maioria das pessoas fora da Coreia do Sul nunca tinha ouvido falar sobre o músico, como também do gênero musical pelo qual ele representa. Hoje, com mais de duas bilhões de visualizações no Youtube e inúmeras paródias, “Gangnam Style” se consagrou como o vídeo mais visto de toda a história do Youtube. Devido a grande repercussão de seu clipe, o cantor PSY foi convidado a participar de diversos programas de TV, premiações e shows pelo mundo, e até mesmo chamado a fazer parte do Carnaval de Salvador, em 2013. “Gangnam Style” se tornou um hit mundial e proporcionou uma grande visibilidade não somente ao seu gênero musical, o K-pop, mas também para a cultura pop sul-coreana. A concepção de música pop na Coreia do Sul passou por constantes influências e reapropriações ao longo do século passado. A colonização pelo Japão e a aproximação à cultura ocidental pela influência dos Estados Unidos, após a divisão da Coreia, foram alguns dos acontecimentos que ajudaram na formação e reinterpretação do conceito de música sul-coreana, principalmente de seu gênero “Pop” (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE [KOCIS], 2011b). Apesar da produção frequente de música e produções audiovisuais nacionais, os produtos internacionais eram mais valorizados e procurados até os anos 1980. Na década seguinte, esta tendência começou a mudar, já que os produtos sul-coreanos passaram a ser mais apreciados e reconhecidos pela sua população. Foi a partir de sua valorização nacional e interesse internacional que se iniciou o Hallyu, ou Onda Coreana (KOCIS, 2011a). Esse fenômeno popularizou os produtos culturais sul-coreanos, como a música, os filmes e as produções televisivas, além da própria cultura coreana, na Ásia e, mais recentemente, na Europa e nas Américas. Inicialmente, os dramas televisivos lideraram esse movimento de propagação da cultura pop sul-coreana para o mundo, porém, com o desenvolvimento da Internet e das redes sociais, a música da Coreia do Sul ganhou um maior destaque após a grande popularidade das produções televisivas na Ásia. O gênero musical “pop sul-coreano”, ou K-pop, em especial, ganhou grande força e reconhecimento no continente asiático, como também no restante do mundo, não somente pelo estilo musical que se apropria de elementos do pop ocidental, mas,

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também, por possuir características particulares e um sistema eficaz de produção de artistas que atribuem-lhe uma identidade própria. O presente trabalho tem por objetivo abordar a construção do K-pop como um gênero, pontuando suas características e influências, com foco na discussão das estratégias das agências de entretenimento, principalmente nas empresas pertencentes ao “Big 3”, e como elas promovem este gênero musical, se utilizando das redes sociais na sua difusão. O primeiro capítulo irá discorrer brevemente sobre o desenvolvimento do conceito de “pop” na Coreia do Sul e a concepção de um gênero particular. Será apontado como a Onda Coreana foi extremamente relevante no crescimento do interesse local e global pelos produtos culturais sul-coreanos, o qual foi iniciado, primeiramente, pelos dramas televisivos e, em um segundo momento, teve o K-pop como um dos principais gêneros culturais de exportação. Dal Yong Jin (2012) atribui a esses cenários os termos Hallyu 1.0 e Hallyu 2.0, respectivamente, por conta da influência das novas mídias digitais que resultou no crescimento deste fenômeno. A origem e o desenvolvimento ao longo dos anos do pop sul-coreano serão expostos para melhor compreensão de suas particularidades, como também da sua formação na ideia atual de gênero K-pop. O segundo capítulo tem como objetivo analisar a indústria do K-pop, com base, especificamente, nas três maiores agências de entretenimento e talentos da Coreia do Sul, as denominadas “Big 3”, e suas estratégias para promover esse gênero internacionalmente. Suas origens e características serão estudadas a fim de examinar suas similaridades e distinções dentro da produção musical sul-coreana, treinamento de seus artistas e principais interesses fora da Coreia do Sul. As dificuldades em tornar o K-pop um sucesso no mercado internacional serão problematizadas de acordo com os valores de performance (JANOTTI JR, 2004; SOARES, 2012) e autenticidade (JANOTTI JR, 2007) apresentados a partir uma perspectiva global do gênero “pop”. No capítulo remanescente, explora-se a importância das redes sociais ao contribuir na disseminação do K-pop mundialmente e como as agências se apropriaram dessas ferramentas na promoção desse gênero musical, analisando, especialmente, a formação dos grupos WINNER e IKON pela empresa YG Entertainment. A movimentação dos fãs, também, se mostra fundamental na difusão deste gênero musical, como também seu papel de produtor e consumidor (GOMES, 2007; JENKINS, 2008) nas novas relações dentro de uma cultura participativa, principalmente, por um

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prisma brasileiro, já que o circuito do K-pop ainda parece se mostrar dependente da cultura pop japonesa e na mediação e divulgação dos produtos pelos fãs. A partir de características híbridas (RYOO, 2009), o caráter mediador da Coreia do Sul denota a relevância na construção de uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, onde a cultura não mais flui por uma via única (Ocidente para o Oriente), agora ocorre uma troca de informações, interesses e tecnologias e a Onda Coreana e o K-pop surgem como exemplos atuais e significativos de Soft Power1. A importância em analisar as estratégias e consequentes dificuldades que as agências sul-coreanas se utilizam e enfrentam para formar seus artistas, como também promover o gênero musical mundialmente, é estudar como o “global” – no caso a música pop de matriz ocidental – e o “local” se articulam de maneiras diversificadas, desmentindo a premissa que aposta na homogeinidade da “globalização”. Ao combinar elementos do pop ocidental como uma leitura de gênero e identidade própria, o pop sul-coreano é capaz de quebrar fronteiras e atrais fãs pelo mundo todo.

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Termo que se opõe a Hard Power, consiste na influência indireta no comportamento e interesse de outros organismos através de valores culturais e ideológicos.

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1. A CONSTRUÇÃO DO POP SUL-COREANO

Para falar da música pop atual da Coreia do Sul, é importante olhar para sua história, principalmente ao longo do século XX, para compreender como os conflitos e influências internacionais pelas quais ela sofreu marcaram sua trajetória, especialmente na formação da cultura e sociedade sul-coreana. Por possuir um histórico de importação e boa recepção de produtos estrangeiros, a música, as produções televisivas e os filmes foram os principais produtos constantemente reformulados, já que adquiriam elementos ocidentais, mas conseguiam preservar valores orientais, alguns destes absorvidos por gerações anteriores no contato com tradições e ensinamentos de países asiáticos vizinhos (KOCIS, 2011a), de modo a corroborar a força no desenvolvimento cultural da Coreia do Sul até o presente.

1.1 Breve história da música pop na Coreia do Sul

As mudanças e influências no processo de uma concepção da música pop da Coreia do Sul foram iniciadas na passagem do século XIX para o XX. Através do contato com músicas folk americanas e britânicas no início do século passado, nascia a changga2, uma evolução de hinos e melodias ocidentais. Durante a colonização pelo Japão (1910-1945), a changga passou a ser cantada a fim de elevar o amor pela nação coreana, como também o desejo de independência e uma nova forma de cultura. No mesmo período, a música popular do país passava por uma transição, em que surgiam as primeiras composições próprias por artistas coreanos, indo de encontro à produção somente de versões traduzidas de músicas estrangeiras, e, também, aparecia um novo gênero musical, o trot3, considerado por muitos como o primeiro tipo de K-pop. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a dominação do Japão não era mais reconhecida, levando ao fim o período de colonização e decretando a independência coreana. Porém, pelo estabelecimento da Guerra Fria, o país fora dividido em duas partes por causa de suas diferenças ideológicas, tendo sido ocupadas por tropas da União Soviética (Coreia do Norte) e dos Estados Unidos (Coreia do Sul), e, 2

Chang significa “cantar” e ga quer dizer “uma música”; logo changga significa, literalmente, “cantar uma música”. O gênero combina melodias de músicas folk ocidentais, hinos, músicas japonesas ocidentalizadas, como também canções para crianças (BYEON, 2007). 3 Gênero musical influenciado pelas músicas enkas japonesas (canções em ritmo de balada, que combina música ocidental e japonesa); possui elementos musicais japoneses, ocidentais e coreanos.

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posteriormente, seguido pela Guerra das Coreias (1950-1953). Durante esse período, a Coreia do Sul recebeu grande influência da música pop americana pelas tropas que ali se encontravam. Com a ida de famosos artistas como Marilyn Monroe e Louis Armstrong para fazer shows a fim de apoiar o exército americano, um maior interesse no gênero foi despertado pelos coreanos, principalmente quando o Serviço de Informação dos Estados Unidos (United States Information Service) abriu audições para recrutar cantores para apresentações para o programa militar americano. Os anos 60 foram muito importantes para a história da Coreia do Sul, pois nesta década se iniciou um debate sobre a identidade do país, como também no processo de investimento na modernidade e de uma reconstrução da cultura e da sociedade sulcoreana (JANG, PAIK, 2012; KOCIS, 2011b). O período foi marcado pelo início da indústria cinematográfica e pela popularidade dos dramas de rádio, como também a transmissão do primeiro drama de TV4 Backstreet of Seoul, em 1962. No campo musical, os artistas que se apresentaram para o serviço militar americano passaram a fazer shows próprios pelo país, dentre eles instrumentistas e compositores, tendo esses se tornado reconhecidos pelos seus trabalhos. Com o grande sucesso dos Beatles na época, bandas de rock passaram a surgir por todo o mundo, especialmente no Japão, onde a indústria musical denominou como “elecki group sound”, advindo de “electric group sounds”, conhecido também como o gênero group sound. Com a influência dos group sounds, surge o primeiro grupo de rock sul-coreano, The Add4, formado pelo guitarrista Shin Jung-hyeon, considerado o fundador do rock na Coreia do Sul por ter sido o primeiro a introduzir o gênero no país e, também, pelo seu estilo musical único. Nos anos 1970, o gênero predominante foi a música folk, conhecida também como T’onga guitar, sendo representada pela cultura jovem da época. A década de 80, por sua vez, foi dominada pelo estilo musical balada, levando muitos cantores coreanos ao sucesso. No mesmo período, as regulamentações para com as importações de produtos estrangeiros foram suavizadas, então tornou-se comum ouvir músicas americanas e europeias nas rádios e ver produções audiovisuais de outras nacionalidades na televisão e nos cinemas. Porém, na década seguinte, as tendências começaram a mudar, sendo visto, primeiramente, nas rádios do país, com a transmissão de mais músicas sul-coreanas notadas por seus ritmos diferentes, como também o 4

“Termo genérico que designa o formato televisivo que abrange as ficções seriadas produzidas pelas indústrias de TV advindas, principalmente, do Leste e Sudeste Asiático. Diferente do contexto ocidental, o termo não aponta o gênero, mas sim o formato” (VINCO, MAZUR, CORTEZ, 2014, p. 2).

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aprimoramento de sua qualidade. Artistas locais passaram a ser prestigiados pela indústria musical, da mesma forma que os dramas televisivos obtiveram maior espaço nas emissoras de TV. A Coreia do Sul foi um dos países que passou a consumir mais produtos nacionais do que estrangeiros. Esta grande valorização da produção nacional sul-coreana levou a um grande interesse não somente de sua própria população, mas também de públicos para além das suas fronteiras (KOCIS, 2011a). A importância deste movimento causou o boom do consumo dos produtos culturais sul-coreanos, desencadeando o início da Onda Coreana.

1.2 Onda Coreana na Ásia e no mundo

A Onda Coreana (Korean Wave, em inglês, e Hallyu, em coreano) pode ser compreendida como um fenômeno cultural do crescimento da popularidade do entretenimento e da cultura popular da Coreia do Sul, primeiramente pela Ásia e em um segundo momento pelo mundo, através da música, das produções televisivas, dos filmes, como também do estilo de vida, da culinária e da língua sul-coreana (JANG, PAIK, 2012; JIN, 2012; SRIPRASIT, 2012). O começo se deu com o sucesso dos dramas televisivos em países vizinhos como China, Taiwan, Hong Kong e Japão, e o termo foi inicialmente cunhado pela imprensa chinesa no final dos anos 90 a fim de descrever a invasão e o sucesso dos K-dramas5 no país. O primeiro drama sul-coreano transmitido na China foi What is Love, em 1997, contando a história de duas famílias bem diferentes, uma conservadora e a outra mais moderna, e as tensões e situações pelas quais elas passavam. Esta produção obteve uma boa recepção pelo público chinês pelo modo de vida sofisticado e pela modernidade da rotina coreana. Outra produção de sucesso sul-coreana foi A Wish Upon A Star, tendo sido exibida na China, em 1999, após ter virado hit em Hong Kong. Um dos motivos para a grande aceitação por esses países asiáticos foi o foco na família e nos valores confucionistas6 apresentados nesses K-dramas. Por ter um histórico de influências ocidentais, principalmente dos Estados Unidos, a Coreia do Sul conseguiu absorver a cultura americana sem perder sua conexão com os valores culturais orientais, de modo a apresentar histórias modernas, com elementos ocidentais, porém preservando tradições 5

K-drama: Korean drama, em inglês, ou drama de TV sul-coreano. Confucionismo é uma doutrina ou sistema filosófico chinês, em que os valores mais importantes são a disciplina, o estudo, a consciência política, o trabalho e respeito aos valores morais. 6

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comumente asiáticos, através de um processo de hibridização de alguns aspectos culturais sul-coreanos (RYOO, 2009). Para Ryoo (2009), a “hibridização se tornou uma característica universal de tendências em andamento na produção e consumo cultural, com ambas globalização e localização da indústria cultural”. O autor ainda expõe como a afinidade da cultura regional asiática ajudou a impulsionar a Onda Coreana, já que as indústrias criativas e culturais sul-coreanas possuem a habilidade de se apropriar e reinterpretar a cultura ocidental de forma que países vizinhos possam se identificar e, consequentemente, consumir. Foi o caso, em especial, do K-drama que iniciou a Onda Coreana no Japão, Winter Sonata. Transmitido, em 2003, pela emissora japonesa NHK, a produção romântica conta a história entre um homem e uma mulher, envolvendo problemas familiares, separações e o destino do primeiro amor. Alguns atores do k-drama tornaram-se grandes celebridades no Japão, e figuraram em diversas revistas, propagandas e produtos japoneses. Em particular, o protagonista da série, o ator Bae Yong-joon, tornou-se um fenômeno cultural, ganhando o nome japonês “Yon-sama” (seu nome transcrito foneticamente, “Yon”, com o sufixo “sama”, que significa senhor em japonês, usado geralmente para pessoas de alta posição ou importância), fazendo sucesso com boa parte da população feminina japonesa acima dos 30 anos. A imprensa japonesa chegou a nomear essa paixão de “Síndrome Yon-sama”, onde inúmeros jornalistas japoneses foram delegados a cobrir o ator na Coreia do Sul e especialistas em psicologia, sociologia e crítica social do Japão se ofereceram a analisar esse acontecimento. De acordo com uma revista de entretenimento japonesa, um dos motivos que levou milhares de japonesas ao fascínio pelo ator foi o “carisma romântico” dos atores sul-coreanos raro de se encontrar nos dramas japoneses (KOCIS, 2011a). Por abranger aspectos e técnicas semelhantes já experimentados pela audiência japonesa e pelo fato de Winter Sonata, como outros K-dramas posteriores, conseguir combinar dois tipos de dramas japoneses, os trendy dramas (produções mais modernas em voga nos anos 1990) e os dramas tradicionais, o apelo e interesse por produtos sulcoreanos cresceram em demasia pelo público japonês (CREIGHTON, 2009). Inclusive, por conter temáticas muito diferentes das retratadas pelas séries japonesas televisivas na época, centradas, especialmente, na violência, corrupção, materialismo, pornografia, entre outras, Winter Sonata conseguiu reavivar em muitas japonesas um sentimento de nostalgia e um laço emotivo, como também a representação do “amor puro” e dos valores tradicionais japoneses representados pelos personagens, que haviam sido

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perdidos em meio à modernidade e individualismo em que se encontrava a sociedade japonesa (HANAKI et al, 2007; KIM et al, 2007). Além de ajudar a impulsionar a Onda Coreana através da Ásia, Winter Sonata colaborou mais que muitos projetos políticos e sociais de aproximação e bom desenvolvimento das relações entre Coreia do Sul e Japão, desde sua normalização em 1965. Além disso, a “Síndrome Yon-sama” modificou o pensamento de muitos japoneses para com a Coreia do Sul, já que esta possuía uma imagem negativa, devido à questões políticas e militares, e passaram a vê-la com energia e vitalidade, disposta de novas tecnologias e de um entretenimento atual, da mesma maneira que o povo sulcoreano passou a ser visto como sofisticado, generoso e educado (KOCIS, 2011a). Assim, o Japão desenvolveu uma grande recepção a Onda Coreana e em 2004, ano seguinte do início da exibição de Winter Sonata no país, passou a ser o maior importador de produtos sul-coreanos, principalmente de dramas televisivos, música e filmes. Ademais, a Coreia do Sul se tornou um dos destinos de maior interesse japonês, tendo os locais onde foram gravados Winter Sonata como principais pontos turísticos. Além de Winter Sonata, outra K-drama que conseguiu grande visibilidade também no início dos anos 2000, não somente na Ásia, mas mundialmente, foi Dae Jang Geum, conhecido também como Jewel in the Palace. Baseada em fatos reais, a produção se passa na Dinastia Joseon e conta a história de uma garota que foi a primeira mulher a se tornar a Primeira Médica Real de seu tempo. “As bonitas vestimentas da corte real de Joseon, as restaurações da arquitetura Joseon, e a colorida cozinha do palácio geraram um interesse global na cultura tradicional coreana” (KOCIS, 2011a, p. 27). Os produtos e a comida coreana obtiveram ampla procura e interesse, e diversos restaurantes coreanos foram abertos em países onde o drama foi transmitido. Jewel in the Palace fez grande sucesso em países como China, Taiwan, Hong Kong e Irã, e foi vendida para dezenas de países de diferentes continentes, reafirmando o avanço e reconhecimento global dos dramas sul-coreanos, como também da Onda Coreana. Apesar da crise econômica asiática que ocorreu em 1997, que atingiu principalmente países como a Coreia do Sul, Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Hong Kong, a Coreia do Sul conseguiu continuar exportando seus produtos culturais e os K-dramas atraíam a atenção por serem produções de comercialização barata, mas que possuíam grande qualidade, em comparação a produtos de outros países asiáticos. Diante da sua rápida e extensa notabilidade na Ásia e em outros continentes, os Kdramas são considerados o primeiro produto sul-coreano que iniciou a Onda Coreana e

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a conduziu para outros mercados e públicos fora da Coreia do Sul. Os dramas sulcoreanos e outros produtos do Hallyu, portanto, se mostram formas de Soft Power nas relações entre a Coreia do Sul e outros países, onde, outrora, possuíam difíceis interações: Soft Power pode funcionar na produção e consumo da cultura, ou pelo poder de persuasão, e isso parece ser muito poder na habilidade da cultura de um país para dispersar através das fronteiras de um Estado-nação. (RYOO, 2009, p. 146)7

Não obstante a importância dos K-dramas para o fenômeno, ao longo da década de 2000, os produtos que passaram a liderar o interesse e consumo foram o K-pop e os games online sul-coreanos. De acordo com Jin (2012), o período entre o final dos anos 1990 até 2007 pode ser considerado como a primeira fase do Hallyu, o Hallyu 1.0, e que a partir deste ano, graças a evolução das tecnologias digitais e da Internet, a Onda Coreana experenciou uma mudança significativa na demanda pelos seus produtos, e com o surgimento das mídias sociais, o consumo se tornou mais rápido, poderoso e mundial, tornando-se o Hallyu 2.0, tendo o K-pop e os games online como principais gêneros culturais de exportação. Em particular, o K-pop, já conhecido de algumas trilhas sonoras oficiais de k-dramas, conseguiu se reconfigurar ao longo dos anos e se tornar um gênero musical com elementos próprios, reconhecido e apreciado no mundo todo.

1.3 K-pop: Origem e desenvolvimento K-pop é a abreviação de Korean pop, em inglês (no português, pop coreano8), e é um gênero musical que engloba variados ritmos, como a música eletrônica, hip hop, pop, rock e R&B da Coreia do Sul. Um dos motivos para ter atraído atenção tanto na Ásia, quanto no mundo foi a união de uma música com melodias atraentes, fáceis de lembrar e com refrões repetitivos, e uma coreografia muito bem sincronizada. Além disso, uma das características marcantes nas músicas é a inserção de trechos em inglês para obter um maior apelo global. O K-pop recebeu grande influência da música pop ocidental e passou por diferentes estágios desde copiar, traduzir e reinterpretar esse 7

Original: Soft Power may work in the production and consumption of culture, or through the power of persuasion, and there seems to be a lot of power in the ability of a country’s culture to disperse across nation-state boundaries. 8 O termo “pop sul-coreano” também é muito visto e utilizado e não há distinções.

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estilo ao longo do século XX (KOCIS, 2011b). “Apesar da música pop coreana pegar emprestado estilos do hip hop americano e do techno europeu, ela não os copia completamente” (LEE, 2011, apud KOCIS, 2011b, p. 32). Lee (2011, apud KOCIS, 2011b, p. 32-33) acrescenta que o K-pop criou uma “música mutante”, por misturar variadas fontes e formas musicais, e, por conter fortes batidas de dança, raps poderosos e por complexos ritmos eletrônicos, conseguiu ser mais dinâmico e atrativo do que o pop japonês, o J-pop. “Em termos de estilo musical, o K-pop possui mais sons globais e imagens transnacionais que o J-pop” (LEE, 2011, apud KOCIS, 2011b, p. 33). O K-pop se mostra um grande “guarda-chuva”, onde abriga diferentes gêneros de influências mais “globais”, como o pop, hip hop, R&B, entre outros. É interessante observar como artistas e grupos considerados de um gênero específico podem transitar em outros estilos musicais sem que estes sejam deslegitimados, devido a sua representação por um gênero maior, que é o K-pop. Porém, o K-pop passou por uma série de etapas e reconfigurações para chegar até o estilo atual como o conhecemos. Sua origem é considerada com a estreia do grupo Seo Taiji & Boys, em 1992, que incorporou elementos do rap e da dança, como também um estilo fashion inovador, com calças jeans excessivamente grandes e camisas com marcas aparentes. Sua música “Nan Arayo” impulsionou o sucesso da banda na Coreia do Sul, por conter uma combinação peculiar de rap, heavy metal e uma letra melancólica, além da interessante adição do estilo fashion que atraiu grande atenção do público adolescente. Com o rap e o hip hop em alta, muitos artistas foram lançados na época com o foco nesse estilo musical, como 1TYM e Drunken Tiger. A grande popularidade de Seo Taiji & Boys pelos adolescentes e jovens levou a indústria fonográfica sul-coreana a reconhecê-los como um novo público-alvo e em ascensão no consumo deste estilo musical. De acordo com Doobo Shim (2006), o grupo pop sulcoreano revolucionou a indústria musical da Coreia do Sul, principalmente, no que concerne a hibridização da música, através da mistura de variados ritmos, alguns de influência ocidental, capaz de criar uma forma musical única, suprindo a falta de dinamismo e experimentação musical dos músicos da época. Com o debut9 da boyband H.O.T., em 1996, formado pela agência de talentos e entretenimento SM Entertainment, o cenário K-pop passou a ser dominado pelo surgimento e atuação de boybands e girlgroups. Grupos como Sechs Kies, S.E.S.,

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Termo muito utilizado no circuito K-pop que designa a estreia de um grupo ou cantor solo.

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Fin.K.L, Shinhwa e g.o.d, advindos de diferentes empresas (YG Entertainment, JYP Entertainment e DSP Media), tornaram-se a primeira geração de grupos idol10 do K-pop. Apesar da crise econômica que se alastrou pela Coreia do Sul em 1997, o H.O.T. conseguiu sobreviver e fazer sucesso para além das fronteiras sul-coreanas. Porém, com a chegada da década de 2000, muitos desses grupos foram desfeitos pela falta de estratégias das suas próprias empresas para mantê-los no mercado competitivo da música pop. “[...] eles não tiveram muita chance de desenvolver seu próprio estilo musical. Suas habilidades e talentos musicais não foram suficientes para não mantê-los instáveis” (KOCIS, 2011b, p. 66). Por conta da pirataria de CDs e da política de proteção cultural das autoridades chinesas, as agências sul-coreanas decidiram melhorar suas estratégias e políticas para alcançar os mercados além-mar, implementando escritórios em outros países, como também moldando seus artistas para gerar interesse nos jovens de todo o mundo.

No sentido horário: Seo Taiji & Boys, H.O.T., BoA e S.E.S. / Fonte: Google 10

Ídolos teen, mas que se popularizaram entre jovens e adultos. Em um contexto sobre a “cultura idol”, o conceito se aproxima da concepção de “celebridade”, porém detém a ideia de uma potência do entretenimento em que cantores e atores não se restringem à sua função inicial, mas procuram transitar por diferentes ramos do entretenimento, reiterando sua condição de ídolo.

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Mesmo com o fim de alguns grupos da primeira fase do K-pop no início dos anos 2000, na mesma época, houve o debut de artistas renomados que fazem sucesso até o presente momento, sendo o caso da cantora solo BoA. Descoberta pela agência SM Entertainment, a cantora BoA (acrônimo de Beat of Angel, de seu nome original Kwon Bo Ah) estreou no mercado sul-coreano em 2000, após dois anos de treinamento. Dois anos depois, lançou seu primeiro álbum japonês “Listen to My Heart” e atingiu o primeiro lugar no topo da principal parada musical do Japão, o Oricon, sendo a primeira artista coreana a conseguir esse feito. Em 2008, a cantora estreou no mercado americano com o single “Eat You Up” e lançou um álbum inteiro em inglês em 2009. Por falar diferentes línguas (coreano, japonês, inglês e gravou muitas músicas em mandarim) e possuir certo treinamento para alcançar o mercado de outros países, o seu sucesso comercial obteve inevitável sucesso pela Ásia, sendo considerada a “Rainha do K-pop”. Outro caso de grande destaque e notoriedade é o artista Rain. De nome original Jung Ji-Hoon, Rain possui uma carreira bastante versátil, sendo cantor solo, dançarino, modelo, ator, empresário e designer. Possui sete álbuns musicais (seis coreanos e um japonês) e 19 singles. Fez seu debut no mercado musical com o grupo Fanclub, em 1998, mas, em 2002, lançou-se oficialmente como cantor solo. Começou sua carreira de ator em 2003 e ganhou prêmios nacionais e internacionais por sua atuação em dramas e filmes sul-coreanos. Rain fez seu debut em Hollywood, em 2008, no filme Speed Racer e teve seu primeiro papel principal no filme Ninja Assassino, em 2009, que lhe rendeu o prêmio MTV Award, sendo o primeiro coreano a conseguir tal êxito nesta premiação. Por sua grande influência e sucesso com os fãs pelo mundo, foi selecionado pela CNN como o artista mais antecipado do Hallyu. Em meados dos anos 2000, outros artistas e grupos pop sul-coreanos foram lançados e puderam compartilhar da atenção que Rain e BoA obtinham até então. A segunda geração de grupos idols detiveram extenso apelo da audiência asiática, graças a melhores estratégias musicais, performances e marketing: A grande diferença entre os atuais idols K-pop e aqueles de meados de 1990 e início dos anos 2000 está nas potencialidades individuais dos membros dos grupos. Seguindo o esquema estratégico das agências de entretenimento, os membros individuais têm preparado suas características únicas da sua personalidade. (KOCIS, 2011b, p. 70)11

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Original: The biggest difference between current K-pop idols and those of the mid-1990s and early 2000s lies in the individual capabilities of the groups’ members. Following the strategic outlines of their entertainment agencies, the individual members have played up their unique personality traits.

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As empresas apresentam os membros de cada grupo e sua respectiva “função” no mesmo, como “cantor principal”, “dançarino principal”, “rosto do grupo”, entre outros, de forma a mostrar as principais características de cada um e atrair o interesse dos fãs. Uma outra estratégia adotada pelas empresas sul-coreanas foi a adição de membros de outros países para atrair de modo mais efetivo o público internacional. Grupos como Girls’ Generation, KARA, 2PM e f(x) possuem membros com dupla nacionalidade ou de naturalidade única de outro país. As agências procuram fazer audições por todo o mundo para conquistar jovens que queiram se tornar ídolos K-pop para, assim, formar grupos que possuam elementos multiculturais. Com o crescimento da Internet e das mídias sociais a partir de 2007, o K-pop rapidamente se espalhou pelo mundo e alcançou públicos de forma mais ágil que antes. Esta nova fase digital que conecta os fãs às músicas, grupos e vídeos sobre K-pop de modo mais veloz e eficiente passou a ser chamada de Neo-Korean Wave (KOCIS, 2011a) ou Hallyu 2.0 (JIN, 2012). Após o sucesso na Internet da música “Sorry Sorry” pelo grupo Super Junior, em 2009, e mais recentemente, o clipe “Gangnam Style” do cantor Psy ter viralizado e possuir atualmente mais de dois bilhões de visualizações, se tornando o vídeo mais visto da história da rede social Youtube, a procura e consumo, principalmente digital, pelo K-pop ficaram mais evidentes, como também a aproximação dos fãs com os seus ídolos. Atualmente, é possível ser fã dos seus ídolos no Facebook, seguí-los no Twitter, ver suas fotos no Instagram, comentar sobre eles em fóruns e sites de discussão e ainda postar vídeos de dança cover de seus grupos preferidos no Youtube. O espaço para interação e compartilhamento de conteúdo aumentou consideravelmente para os fãs com a Web 2.0. Eles podem participar e apoiar seus ídolos de forma mais efetiva em qualquer parte do mundo. Outra vantagem do rápido alcance promovido pela Internet foi o conhecimento do K-pop por produtores e cantores internacionais. O interesse no estilo musical e no dinâmico potencial oferecido pelos artistas K-pop fez com que empresas, compositores e produtores estrangeiros buscassem artistas e agências sul-coreanos para produzir parcerias. A música “Genie” da girlgroup Girls’ Generation foi escrita pelo grupo britânico Design Music e “Run Devil Run”, também do mesmo grupo, foi feita por produtores americanos. O produtor americano Teddy Riley, conhecido pelas produções para Michael Jackson e Lady Gaga, compôs e produziu o álbum de debut da girlgroup

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RaNia, e Will.i.am, produtor e rapper do famoso Black Eyed Peas, demonstrou grande interesse no grupo de meninas 2ne1, tendo produzido algumas músicas para elas. Para serem reconhecidos e atingirem o tão sonhado sucesso na Ásia e no mundo, os grupos e cantores idols são treinados durante muitos anos para que sejam lançados no mercado. O grande segredo por se mostrarem tão “completos” é o desenvolvimento de suas habilidades como “artistas para o entretenimento”, capazes de cantar, dançar, atuar e apresentar com certa facilidade e fluidez. E por trás deste fascínio que o K-pop produz em audiências de todo o mundo, estão as agências de entretenimento e talentos sulcoreanas, especialmente as três principais empresas que fazem parte da história do Kpop: SM Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment, as denominadas “Big 3”. São elas que produzem e desenvolvem a carreira de seus artistas, e, através de um sistema de gerenciamento, é importante observar como essas empresas promovem não somente seus artistas, mas o K-pop internacionalmente. Por intermédio de características próprias e estratégias, essas empresas têm conseguido divulgar esse gênero musical, mostrando como o K-pop possui uma identidade própria e consegue quebrar fronteiras e atrair fãs além da Coreia do Sul, tal como discutido no próximo capítulo.

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2. CARACTERÍSTICAS E ESTRATÉGIAS DO “BIG 3”: IDENTIDADE E ALCANCE DE NOVOS MERCADOS Conforme análise da empresa IFPI 12, especializada em pesquisas e informações sobre mercados musicais globais, a Coreia do Sul mostrou um crescimento significativo na sua indústria doméstica musical. Em 2008, seu valor era de, aproximadamente, 148 milhões de dólares, subindo para 195 milhões em 2011. O progresso pode ser visto também em escala mundial, já que, em 2005, era a 33º maior indústria musical do mundo e, em 2012, pulou para 11º, muito por conta do grande consumo e lucro gerado pelo K-pop. Agências de talentos e entretenimento, especializadas em cantores, dançarinos e atores, passaram a surgir cada vez mais para competir dentro deste universo bastante promissor. Por meio de um “sistema de fabricação de estrelas” ou star system, cada agência cuida de todo o processo de desenvolvimento da carreira de seus artistas, desde o recrutamento e treinamento até a produção e gerenciamento de suas atividades (SHIN, 2009). Este sistema foi, em grande parte, influenciado pelo sistema japonês aidoru13que consiste no processo de desenvolvimento e maturidade dos idols através de um intenso treinamento (JUNG, HIRATA, 2012). No caso das empresas sul-coreanas, estas possuem seus próprios estúdios de gravação, salas para ensaios e conferências, como também uma equipe de compositores, coreógrafos, estilistas e empresários, que ficam, geralmente, juntos em um mesmo edifício. Esse sistema é semelhante para todas as agências sul-coreanas do ramo, sendo diferenciado apenas por algumas funções e, primordialmente, pelo capital de cada uma. No entanto, as etapas na formação e promoção de artistas se mostram as mesmas: Marketing e promoção das músicas, composições, arranjos, coreografia, e coordenação da moda são todos planejados e gerenciados por um sistema integrado de gerenciamento. (KOCIS, 2011b, p. 38)14

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Disponível em: http://www.ifpi.org/south-korea.php A cultura aidoru (pronúncia japonesa para “idol”) se iniciou na década de 1970 dentro de um contexto da indústria do entretenimento do Japão, mais especificamente da indústria do J-pop. Uma das características do termo é ser usado para aqueles que cantam e dançam simultaneamente, enquanto, no Japão, a palavra “artista” é usada para os que apenas cantam (JUNG, HIRATA, 2012). 14 Original: Music marketing and promoting, compositions, arrangements, choreography, and fashion coordination are all planned and managed under an integrated management system. 13

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São inúmeras agências de talentos e entretenimento na Coreia do Sul, porém as três maiores são a SM Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment, já que, ano após ano, seus artistas são cada vez mais conhecidos, gerando maiores rendas. Em 2013, seus lucros foram de 260 milhões de dólares, 110 milhões e 76 milhões 15, respectivamente, mostrando o resultando de anos de história, investimentos e planejamentos na elaboração de artistas que conquistem os mercados sul-coreano e mundial. Neste capítulo, serão abordados as origens e o desenvolvimento das três agências do “Big 3”, entretanto suas subsidiárias ou empresas parceiras não serão analisadas. Apesar do crescimento de duas outras agências, a Cube Entertainment e a FNC Entertainment, levantando rumores sobre um possível “Big 5”, o presente trabalho irá focar apenas nas empresas do “Big 3”, já que estas foram marcantes na história e no desenvolvimento do K-pop. Serão expostos, também, suas características, estratégias e “limitações” na formação de seus idols e na concepção de suas músicas, de modo a promover o K-pop, como também um novo sistema inovador e próspero para o restante do mundo.

2.1 SM Entertainment

Fundada em 1989 e tornando-se uma empresa comercial pública em 1995, a SM Entertainment foi e ainda é uma das maiores responsáveis na promoção do K-pop e do Hallyu ao longo da história desse circuito. O fundador da agência, o empresário Lee Soo-Man, foi um cantor bem sucedido de músicas folk e rock, como também DJ antes de entrar no ramo dos negócios. Na década de 1980, criou uma banda de hard-rock, “Lee Soo-Man and the 365 days” e foi um conhecido DJ e apresentador de programas de TV, porém, com o novo sistema de governo do então presidente Chun Doo-Hwan, rigorosas regras e censuras foram estabelecidas contra a mídia e a cena musical sulcoreana, fazendo com que o músico tivesse suas atividades canceladas. Deste modo, decidiu estudar nos Estados Unidos para se formar em engenheiro de computação (SEABROOK, 2012). Enquanto estudava na Universidade do Estado da Califórnia, Lee conheceu o novo canal musical da época, MTV, e ficou impressionado com a grade de programação dominada por vídeos musicais, predominantemente visuais (SALMON, 2013; 15

Disponível em: entertainment-revealed

http://www.allkpop.com/article/2014/05/2013-revenue-from-sm-yg-and-jyp-

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SEABROOK, 2012). Após adquirir seu diploma, Lee retornou à Coreia decidido a implementar o entretenimento dos EUA em seu país. Em 1989, criou a SM Entertainment, com base nas suas iniciais 16, e produziu artistas de hip hop e rap, ritmos muito em voga no início dos anos 1990. Entretanto, foi a partir de 1996 que sua empresa começou a ser reconhecida no circuito do pop sul-coreano, com o lançamento da boyband H.O.T. (acrônimo para High-Five of Teenagers), donos de uma mistura de estilos musicais (rap, balada, dance e rock) e de uma coreografia atraente e inovadora. O sucesso do grupo foi seguido pela estreia da primeira girlgroup da agência, a S.E.S. (iniciais das três membros do grupo: Sea, Eugene e Shoo), em 1997, como também por outras boy/girlgroups: Shinhwa (1998), Fly to the Sky (1999), M.I.LK (2001), entre outros. Foi nessa época que Lee Soo-Man e seus funcionários da SME 17 criaram um catálogo dos passos a serem seguidos para levar seus artistas ao reconhecimento na Coreia do Sul e na Ásia: o manual da tecnologia cultural, ou C.T. (cultural technology):

O manual, que todos os funcionários da S.M. são instruídos a aprender explica quando trazer compositores, produtores, e coreógrafos estrangeiros; quais progressões harmônicas usar e em qual país; a cor precisa da sombra dos olhos que um artista deveria usar em um país em particular; os gestos de mão exatos que ele ou ela deveria fazer; e os ângulos da câmera para serem usados nos vídeos (uma cena em 360 graus do grupo para abrir o vídeo, seguido de uma montagem com closes individuais). (SEABROOK, 2012) 18

Em uma entrevista, em 2011, para a Stanford Business School, Lee explica que cunhou o termo “tecnologia cultural”, pois a era da informação tecnológica havia dominado a década de 1990 e ele previu que esta fase iria continuar nos próximos anos. Seus artistas seriam feitos e não nascidos, com base em um sofisticado sistema de desenvolvimento artístico (SEABROOK, 2012). De fato, o C.T. se mostrou funcional na promoção dos grupos iniciantes da empresa, principalmente, por conta do grande sucesso do H.O.T. em países como China e Taiwan. Porém, apesar de estes grupos terem sobrevivido à crise econômica que se instaurou na Ásia no final da década de 1990, muitos foram desfeitos no início dos anos 2000. Como muitos grupos, tanto da 16

Anos depois, Lee Soo-Man modificou o significado de SM que, atualmente, equivale a “Star Museum”. As abreviações do nome da agência para apenas SM ou SME são bastante utilizados e ocorre também para as outras do ramo, como YG/YGE e JYP/JYPE. 18 Original: The manual, which all S.M. employees are instructed to learn, explains when to bring in foreign composers, producers, and choreographers; what chord progressions to use in what country; the exact hand gestures de or she should make; and the camera angles to be used in the videos (a threehundred-and-sixty-degree group shot to open the video, followed by a montage of individuals closeups). 17

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SME, quanto de outras agências, eram formados para se ajustar aos formatos televisivos, com o declínio desses programas de TV e a ascensão de novos meios midiáticos na época, esses grupos idols foram dispensados, não obstante seu forte fãclube (SHIN, 2009), juntando, também, à falta de estratégias da SM e das outras empresas para mantê-los na mídia. A necessidade de reestruturação levou à agência a formular novas estratégias e conceitos para seus artistas. Assim, em 2000, a idol BoA faz seu debut solo sob o gerenciamento da SM. De modo a conquistar não somente o mercado sul-coreano, mas também o asiático, a cantora é treinada na parte vocal, na dança, como também em aprender diferentes línguas. Com atividades intensas no Japão, BoA consegue uma base de fãs muito grande, voltando seu trabalho, nos últimos anos, primordialmente para esse país. Seguindo seus passos, a DBSK, mais conhecida como TVXQ19, foi a primeira boygroup lançada pela agência depois da crise de produção de grupos idols. Lançado em 2003, o grupo rapidamente tornou-se um sucesso na Coreia do Sul. A fim de conquistar o mercado chinês e, também, o japonês, a SM, em parceria com a empresa Avex Group, voltou as promoções do DBSK para o mercado internacional. Após o lançamento de músicas em mandarim, o grupo focou suas atividades no Japão, onde obteve grande sucesso e reconhecimento no mercado. Com a predominância de ritmos como pop, dance, R&B e eletrônico, ao longo dos anos, a agência lançou grupos de grande renome, que conquistam fãs na Ásia e no mundo todo, como Super Junior (2005), Girls’ Generation ou SNSD (2007), SHINee (2008), f(x) (2009), EXO (2012) e, o grupo mais recente, Red Velvet (2014). Graças ao manual C.T., a SM conseguiu se estabelecer na indústria musical sul-coreana e implementar uma fórmula diferente e bem sucedida na concepção dos seus grupos e no alcance de mercados estrangeiros. A C.T. consiste em um processo que vai desde o recrutamento e preparação dos trainees até a sua promoção internacional. Através de audições realizadas em escala local e global, a SME escolhe candidatos para treinamento a partir de sua aparência e habilidades no canto e na dança. A imagem, em especial, é muito importante não só para a agência, mas também para a Coreia do Sul. Além do país ser o primeiro em cirurgias plásticas no mundo, é comum aspirantes a idols operarem para ter o rosto perfeito, de modo que se enquadrem no padrão exigente de beleza sul-coreano. “Aqueles cantores que possuem ‘meramente’ 19

O nome TVXQ foi muito utilizado para as promoções japonesas, enquanto DBSK, abreviação para Dong Bang Shon Ki, é o nome coreano que significa “Rising Gods of The East”.

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talento para o canto são menos bem vindos pela televisão do que aqueles que possuem talento visual para o entretenimento” (LEE, 2007, apud LEUNG, 2012, p. 28). O grupo Girls’ Generation pode exemplificar o caso dentro da SM. As nove integrantes do girlgroup possuem rosto “perfeito” e angelical juntamente com um corpo esbelto. Um fã das meninas, ao elencar suas qualidades, apontou primeiro para a beleza, em segundo lugar para a graciosidade e humildade, em terceiro lugar para a dança e em quarto para o aspecto vocal (SEABROOK, 2012). Este relato, juntamente com o grande sucesso do grupo, mostra como a questão da performance e de elementos exteriores são aceitos como parte importante do imaginário do K-pop, a partir de uma nova fruição no modo de uma apreciação musical (SOARES, 2012).

Dois dos principais grupos da SM Entertainment: Girls’ Generation e Super Junior / Fonte: Google

Depois que os candidatos são escolhidos, dentro das qualidades requeridas, eles se tornam trainees na agência e passam por um longo período de treinamento, geralmente, entre dois a cinco anos antes de poderem ser lançados no mercado. Além de intensas horas de práticas na dança e no canto, os trainees têm aulas de atuação e de línguas estrangeiras: japonês, chinês e inglês. As agências de talento e entretenimento sul-coreanas, em geral, possuem o objetivo de tornarem seus artistas completos, capazes de cantar, dançar e atuar. No caso da SM, isso se torna ainda mais visível, já que seus idols são treinados para, também, trabalharem em qualquer ramo do entretenimento. É possível ver artistas da empresa em dramas, reality shows, como apresentadores de programas televisivos e de rádios, além de estarem ativos na execução e promoção de suas músicas na Coreia do Sul e no exterior.

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O treinamento e a promoção dos artistas nada mais são do que algumas das estratégias que fazem parte do manual C.T.. Em uma conferência da “SM TOWN em Paris”20, em 2011, Lee Soo-Man explicou os três passos do Cultural Technology em uma perspectiva global21. O primeiro passo seria a exportação de seus artistas como produtos culturais, como, por exemplo, as atividades da BoA e do TVXQ no Japão ou a criação de uma subunit22ou um grupo com seu foco musical voltado exclusivamente para um país, o caso do Super Junior-M e do EXO-M (M de mandarim), respectivamente. O segundo passo seria a colaboração da agência com cantores ou compositores estrangeiros. A SM é conhecida por trabalhar com produtores internacionais e possui uma extensa rede de contatos, e examina milhares de músicas pop ao redor do mundo na hora de compor um álbum (KOCIS, 2011b). Neil Jacobson, empresário americano da Universal Music Group, ficou encarregado de produzir o álbum “The Boys” para o debut americano das Girls’ Generation em 2012. De acordo com Jacobson, o desafio seria destacar as características coreanas do grupo, apresentando uma música mais urbana que fosse aceita por rádios e artistas americanos (SEABROOK, 2012). O último passo consiste na parceria e associação de empresas em um âmbito local e global, de modo que possam compartilhar informações e conhecimento. Instalação de escritórios em países como Japão, China e Estados Unidos possibilita a criação de uma melhor estratégia para a conquista do mercado local. Segundo Lee, o “Made by” é mais importante que o “Made in”, ou seja, um artista de outra nacionalidade poderia ser produzido através do manual C.T., de modo que o mercado asiático possa produzir um ídolo capaz de conquistar o mundo. Essa parceria internacional não é vantagem apenas para a SM, já que empresas de outros países podem aproveitar esta oportunidade para se aproximar do mercado asiático. Apesar de possuir um sistema eficaz de produção e estratégias, a SME é famosa pela “fabricação de idols”, que por usar sempre a mesma fórmula, eles podem acabar se tornando muito robóticos e suas músicas não apresentam estilos variados (SALMON, 2013; SEABROOK, 2012). Essa fórmula também pode ser vista na produção dos

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Para promover o trabalho de seus artistas, a SM criou um projeto musical para divulgar seus álbuns de compilações, chamado SMTOWN. A empresa executa concertos com todos os seus artistas em turnês mundiais com o mesmo nome. 21 Disponível em: http://www.koreatimes.co.kr/www/news/art/2012/08/201_88764.html 22 Termo utilizado na formação de subgrupos, advindos de um que já fazem parte, geralmente para promover um estilo e conceito musical diferentes de seu grupo original.

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videoclipes, já que, em sua maioria, são filmados em estúdio (a que os fãs popularmente falam como “dentro da caixa”, pois são espaços geralmente cúbicos) e possuem tomadas que revezam entre mostrar a coreografia do grupo e closes individuais, como ocorre em vídeos oficiais do Super Junior, SHINee, f(x), entre outros. Poucos clipes possuem ambientes externos e narrativas que ilustrem a letra da música, o que acaba gerando críticas por parte dos fãs pelo uso dos mesmos recursos. Além disso, a agência é conhecida pelos seus contratos controversos e processos de seus artistas contra a mesma. Membros do DBSK, Super Junior, e o caso mais recente, do EXO-M, Kris Wu, entraram com uma ação judicial contra a empresa pelos contratos longos e abusivos, como também a falta de respeito para com as decisões e a saúde dos artistas. A despeito desses casos polêmicos, a SM Entertainment continua liderando o mercado nacional sul-coreano como uma das mais poderosas e influentes da indústria musical e possui seu próprio nicho de fãs e apreciadores fiéis.

Screenshots dos clipes “Electric Shock” do f(x) e “Lucifer” do SHINee

2.2 YG Entertainment

A segunda maior agência de talentos e entretenimento da Coreia do Sul é a YG Entertainment, fundada em 1996. Seu criador, Yang Hyun-Suk foi um dos membros do famoso grupo Seo Taiji & Boys que iniciou o processo de reformulação do pop musical na Coreia do Sul nos anos 1990. Logo após o grupo acabar, em 1996, Yang decidiu abrir uma empresa própria, junto com seu irmão Yang Min-Suk para produzir novos artistas sul-coreanos, chamada Hyun Entertainment. Com a predominância dos ritmos hip hop e R&B, a empresa lançou grupos focados nesses estilos musicais, como Keep Six (1996), Jinusean (1997) e o notável 1TYM (1998), pronunciado “One Time”,

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conhecido por ajudar a introduzir o hip hop na cena musical sul-coreana. A agência passou por duas mudanças de nome, uma em 1997, quando mudou para MF Entertainment, e a outra em 1998, alterando para Yang Goon Entertainment, nome atual da empresa23. Em 1999, YGE lança a primeira colaboração com todos os seus artistas, chamada “YG Family”. Anos mais tarde, esse nome será o título para a turnê de concertos de seus idols, tanto na Coreia do Sul, quanto no mundo. No início dos anos 2000, a agência lançou no mercado outros grupos e cantores solo, como Perry (2001), Swi.T (2002), Wheesung (2002), Big Mama (2003), Se7en (2003), Gummy (2003), entre outros. O cantor Se7en, de nome original Choi Dong Wook, fez grande sucesso na Coreia do Sul e no Japão no começa da década de seu lançamento, ajudando no crescimento da YG. Em seus primeiros anos de carreira, Se7en era muito comparado ao cantor Rain por terem feito seu debut quase na mesma época e apresentarem um estilo musical semelhante dentro do K-pop. Nos anos seguintes, a YG Entertainment ganhou um maior destaque na indústria musical sul-coreana pela formação, lançamento e consequente sucesso de seus grupos e cantores, como BIGBANG (2006), 2NE1 (2009), Lee Hi (2012), Akdong Musician (2013) e, o mais novo, Winner (2014) e pela contratação de outros artistas, como o PSY (2010) e o Epik High (2012), com estilos musicais que prevalecem os ritmos hip hop, rap, R&B, eletrônico, dance e pop. Em especial, os grupos BIGBANG e 2NE1 foram os principais responsáveis pela posição privilegiada e de renome que a agência possui hoje. O treinamento pelo qual ambos passaram é semelhante ao da SM Entertainment: anos de lições e práticas na dança, no canto, com o aprendizado de beat boxing, rap e break dancing, além das aulas de japonês ou chinês, podendo os trainees escolherem entre um dos dois (LEUNG, 2012). A YG também faz audições anuais e globais para recrutar novos candidatos a futuros idols, sendo a divulgação nas redes oficias, o site YG Audition24 e a página no Facebook de mesmo nome 25. Porém, o grande diferencial da YGE em relação às outras agências de talentos e entretenimento sul-coreanas é a maior liberdade de criação e produção que ela oferece aos seus artistas e a busca pela distinção dos mesmos de outros grupos idol (CHOI, 23

No site oficial da agência, pode ser observado a linha do tempo da mesma, com as mudanças de nome e lançamento dos grupos, cantores, álbuns, entre outros: http://www.ygfamily.com/company/history.asp?LANGDIV=E 24 Disponível em: http://www.yg-audition.com/ 25 Disponível em: https://www.facebook.com/ygaudition

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2011; SEABROOK, 2012). Choi (2011) apresenta uma comparação entre a SM Entertainment e a YG Entertainment, demonstrando que, enquanto a SM atrai uma reputação negativa de que é uma empresa de “fabricação de idols”, a YG é conhecida por ser a que mais foca na produção musical. “YG encoraja os estilos e personalidades individuais, e as performances de seus artistas dão a impressão de diversão e espontaneidade no palco” (CHOI, 2011, p. 71). Inclusive, um dos motivos pelo designer de moda americano Jeremy Scott ter se interessado pelo 2NE1 foi pela originalidade e estilo único do grupo, sem uma imagem “fabricada”, que fogem do padrão de beleza sul-coreano e possuem um estilo fashion mais ousado e menos “fofo” ou “sexy”, conceitos mais presentes nos grupos femininos de K-pop . O BIGBANG foi um dos grupos que mais se destacou e mostrou uma maior evolução musical, muito por conta do seu envolvimento na composição e produção de suas músicas. Hits de sucesso como “Last Farewell”, “Lies”, “Haru Haru” e os mais recentes “Tonight” e “Fantastic Baby”, entre muitos outros, foram compostos pelos membros do grupo expondo uma grande maturidade para além de uma simples boygroup. O grupo é composto por cinco membros e todos possuem atividades solo, sejam como atores ou cantores, com atividades na Coreia do Sul e no Japão. Os membros Taeyang e G-Dragon (Dong Young-Bae e Kwon Ji-Yong como nomes de nascença, respectivamente), em particular, mostraram grande êxito no alcance do mercado sul-coreano, como também o global. No lançamento do seu primeiro álbum solo “Solar”, em 2010, Taeyang ocupou o primeiro e o segundo lugar na parada musical R&B/Soul álbum no iTunes canadense e norte-americano, nesta ordem, sendo a primeira vez para um artista asiático. G-Dragon, por sua vez, mostrou-se um músico completo, já que compôs e produziu todas as músicas de suas atividades solo e a maioria das que estão nos álbuns do BIGBANG. O diferencial dos artistas da YG não está somente no seu talento musical, mas também no jeito próprio e irreverente que se apresentam nos clipes e em eventos sociais. Roupas fashion, muitos acessórios e diferentes penteados e cortes de cabelo denotam um estilo mais diferente e individual que esses idols se utilizam, em contraste com outros grupos de K-pop. Inclusive, são poucos os vídeos que possuem a coreografia como parte principal, às vezes não existe nenhum tipo de dança, visto que é uma característica primordial nos clipes de K-pop, mostrando mais um elemento de distinção para com os outros grupos de outras agências e de aproximação do público internacional. É o caso, principalmente, do grupo 2NE1. Apesar de mostrarem uma

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figura feminina poderosa e uma representação de uma mulher mais globalizada e independente, que desafia os estereótipos asiáticos, as quatro meninas do grupo recebem críticas por fugirem do padrão de beleza sul-coreano (LEUNG, 2012). Suas músicas expressam sua rejeição à imposição desta beleza e expõem a aceitação da sua própria. Ainda que essa imagem tenha sido criada como identidade para o grupo, elas sofrem pressões sociais e comerciais: “Isso é um reflexo da negociação do 2NE1 de temas antigos e relativamente recentes do mundo do K-pop: a pressão em ser bonita, a mercantilização do corpo feminino, e a recém-descoberta da resistência contra essas pressões.” (LEUNG, 2012, p. 62-63)26

2NE1 e BIGBANG, dois principais grupos da YG Entertainment / Fonte: Google

Da mesma forma que a SM Entertainment, a YG possui escritórios em outros países como estratégia para promover seus artistas internacionalmente. O “YG Hong Kong” foi aberto com o foco no mercado asiático e o “YG USA” foi aberto para impulsionar as atividades dos seus idols nos Estados Unidos. A YG também conta com colaborações entre seus artistas e produtores estrangeiros. Muitas de suas músicas são produzidas pelo produtor americano Teddy Riley, que mistura o “black music” com o hip hop e o R&B, de forma que resulte em melodias com apelo em massa (KOCIS, 2011b). O produtor e cantor do Will.i.am, do Black Eyed Peas, fez duas colaborações com o 2NE1, com as músicas “Take the World On” e “Gettin’ Dumb”, estando a segunda presente no seu álbum “#willpower”, que conta também com a participação de 26

Original: This is a reflection of 2NE1’s negotiation of both old and relatively recent themes to the Kpop world: the pressure to be beautiful, the commodization of the female body, and a newfound resistance to those pressures.

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cantores famosos, como Justin Bieber, Chris Brown e Miley Cyrus. Outra parceria foi a recente música “Hangover” do cantor PSY com o rapper americano Snoop Dogg. Não obstante seu foco na produção e maior liberdade criativa musical, a YG Entertainment acaba demonstrando um maior foco nas inúmeras atividades do BIGBANG, que geram um grande lucro para a agência, mostrando como a YGE quase depende de um grupo só, o que não é favorável para uma empresa poderosa dentro dos padrões da indústria musical sul-coreana. Entretanto, com o sucesso do seu recente grupo, WINNER, e a alta repercussão na Internet e nas redes sociais denotam como as estratégias da YG incorporaram as novas tecnologias e a importância das mesmas, já que, seguindo os mesmos passos, a agência prevê o lançamento de outro grupo para ganhar, mais uma vez, o apelo da mídia e do público, que será exposto no capítulo três do presente trabalho.

2.3 JYP Entertainment A terceira empresa que faz parte do “Big 3” é a JYP Entertainment. A agência foi fundada, em 1997, sob o nome de Tae-Hon Planning Corporation, mudando de nome oficialmente para JYP Entertainment em 200127, pelo cantor e produtor Park JinYoung. Park fez seu debut no mercado musical sul-coreano com o grupo Park JinYoung and the New Generation em 1992. Com a falta de sucesso do grupo, Park retorna, em 1994, como cantor solo, atraindo bastante atenção e construindo sua carreira como cantor, dançarino, compositor e produtor. Como algumas de suas músicas obtinham letras consideradas fortes para a sociedade sul-coreana na época, Park se envolveu em diversas polêmicas. Após essas controvérsias, ele ganhou o status de artista que apoia a liberdade de expressão (SHIN, 2009). A primeira boygroup formada pela JYPE foi g.o.d., acrônimo para Groove Over Dose, em 1999. O grupo fez grande sucesso e foi um dos poucos que vendeu mais de um milhão de cópias na época, se consagrando ao lado de outros grupos, tais como H.O.T., S.E.S. e Sechs Kies. Outros artistas lançados pela empresa foram Rain, Byul e Noel, todos os três no ano de 2002. Rain, em especial, construiu uma sólida carreira como cantor e ator sob o treinamento e gerenciamento da JYPE, enquanto a agência 27

Através da linha do tempo da empresa disponível em seu site oficial, é possível observar as mudanças de nome, como também os lançamentos de seus grupos, cantores, álbuns, etc.: http://english.jype.com/#/company/History.aspx

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ganhou credibilidade no mercado por conta das atividades e do destaque dados a este artista. Rain foi um produto da evolução do sistema de gerenciamento de artistas na Coreia do Sul durante e depois da crise da “produção de grupos idols” (SHIN, 2009). De acordo com Shin (2009), enquanto o idol antes da crise era um mero objeto para o público adolescente sul-coreano, um novo tipo de ídolo deveria ser produzido depois dela, alguém mais “real e autêntico”. Deste modo, Rain ajudou a introduzir uma nova imagem de idol, um tipo híbrido que atenda ao público sul-coreano e detenha um maior apelo internacional, tanto musicalmente (letras em coreano, mas com sons batidas ocidentais), quanto fisicamente (ora de aparência inocente e carismática, ora um ícone sexy e de corpo escultural). A partir de meados da década de 2000, a JYPE lançou variados grupos e cantores, como Wonder Girls (2007), 2AM, 2PM (ambos em 2008), miss A (2010), GOT7 (2014), entre outros. Os gêneros predominantes da agência são o dance, R&B, hip hop e pop. O processo de audição de candidatos e treinamento é parecido com o das outras duas agências. A página oficial da agência 28 explica como as audições podem ser feitas: presencialmente, em todo terceiro domingo de cada mês na própria empresa; enviando vídeo, música ou foto pelo site; e se candidatando através do email. Há, também, a possibilidade de candidatura através da página oficial no Facebook29. Os critérios de avaliação na hora do recrutamento de trainees são as qualidades para ser um idol, as habilidades e a paixão, no caso, para cantar e dançar 30. Os trainees têm lições de canto, dança e línguas estrangeiras e o treinamento pode durar entre dois e sete anos.

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Disponível em: http://english.jype.com/#/audition/Audition.aspx Disponível em: https://www.facebook.com/jypaudition 30 Reportagem sobre o processo de audição e treinamento da JYP Entertainment do site sul-coreano Edaily (http://www.edaily.co.kr) e traduzida pelo blog Krnloop, disponível em: http://krnloop.wordpress.com/2008/03/01/jyp-entertainment-passion-is-the-most-important 29

33 Grupos 2PM e Wonder Girls da JYP Entertainment / Fonte: Google

Por trabalhar constantemente na composição e produção dos álbuns de seus artistas e ainda possuir uma carreira ativa de cantor, Park Jin-Young se diferencia dos fundadores da SM e da YG. Como parte de uma estratégia para alcançar o mercado americano, algumas de suas composições foram vendidas para artistas internacionais, tais como “I Wish I Made That” para Will Smith, em 2005, “The Love You Need” para Mase e “When My Body Is Talking” cantada por Cassie, ambas em 2006. Ainda dentro de um planejamento estratégico, a JYPE abriu filiais em Nova Iorque, em 2007, e em Pequim, em 2008. Porém, em relação às outras agências, a JYPE buscou desde cedo alcançar o público americano. Em 2006, a empresa promoveu um concerto de dois dias nos Estados Unidos para o cantor Rain, mas foi o grupo Wonder Girls que mais teve atividades no país. Em 2009, Wonder Girls se apresentou em três concertos de diferentes cidades americanas e, no mesmo ano, foram escolhidas para abrir a turnê do trio americano The Jonas Brothers. No final daquele ano, Park produziu uma versão em inglês da música “Nobody” do grupo, que entrou na lista das 100 melhores da Billboard, marcando a primeira vez que um artista coreano entra em uma parada musical americana. O estilo retrô e americano do clipe, das roupas e dos penteados é considerado um dos fatores para o sucesso da música nos Estados Unidos, já que o produto se aproxima da audiência em foco e torna-se, de certa maneira, mais apelativo ao consumo (CHOI, 2011). O grupo, em 2012, lançou um filme para TV chamado “The Wonder Girls” pela emissora TeenNick e a trilha sonora do mesmo, “The DJ is Mine”, realizado com a participação do girlgroup americano School Gyrls. Ainda no referido ano, lançaram o single “Like Money”, em parceria com o rapper Akon, marcando seu debut oficial nos Estados Unidos. Apesar das constantes promoções e atividades, a Wonder Girls não conseguiu manter seu sucesso no mercado musical americano. Na verdade, nenhum grupo das outras agências que tentou adentrar na indústria musical do país obteve grande êxito. Isto pode demonstrar uma nova necessidade de reformulação e estratégia na expansão do K-pop para outros países, principalmente, para os ocidentais, como os Estados Unidos. No caso da JYPE, esta ainda se mostra mais dependente de uma mesma estratégia, como também de um estilo e conceito de músicas muito similares. De acordo com um artigo sobre a fraqueza das agências do “Big 3” do veículo de notícias Star

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Today, traduzido e divulgado por um dos maiores portais de informações sobre o universo do K-pop, o AllKpop31, um dos pontos fracos da JYPE é o fato de a maioria de suas músicas serem produzidas por apenas uma pessoa, o CEO Park Jin-Young. Mesmo apresentando um conceito simples, porém atraente para o público, existe a probabilidade das músicas soarem semelhantes e não destacarem as qualidades e individualidades dos artistas.

2.4 Competência vs. Autenticidade

Ao longo do presente capítulo, as origens e características das principais agências de K-pop foram apresentadas, como também suas estratégias na produção musical e promoção deste gênero na Coreia do Sul e internacionalmente, buscando, principalmente, atrair e fidelizar diferentes públicos. Este processo não representa somente as empresas com maior capital, mas toda a indústria do K-pop. Por meio de sistemas de produção e treinamento, as agências podem criar e moldar seus artistas, dentro das qualidades que priorizam, e montar sua própria “fórmula” dentro de um contexto musical e artístico. Porém, à medida que a análise se volta para uma perspectiva mais global, é possível observar a dificuldade em ultrapassar barreiras interculturais e conquistar novas audiências, apesar do K-pop se mostrar bem sucedido e possuir uma série de elementos reconhecidos no universo da música pop. De acordo com o Vocabulário de Música Pop (SHUKER, 1999), a música “pop” surgiu em um contexto de oposição ao rock, sendo uma versão mais leve e direcionada ao público adolescente, a partir do final da década de 1950. O gênero passou a ser caracterizado pelas músicas das paradas de sucesso, representando ritmos como dance pop32, power pop33, bubblegum34 e new romantics35, e possui refrões fáceis e o amor romântico como tema. Thiago Soares (2012) ratifica a música pop como contraponto ao rock e a caracteriza como um gênero para consumo universal, que possui ecletismo 31

Disponível em: http://www.allkpop.com/article/2012/07/the-weaknesses-of-sm-jyp-and-ygentertainment 32 Subgênero da música pop, o dance pop surgiu na década de 1980 através das discotecas. Combina as batidas do dance com a música pop. 33 Subgênero do Rock, surgiu nos anos 1960 e é caracterizado pela mistura entre hard rock e melodias mais leves para criar uma sonoridade mais pop. 34 O ritmo surgiu na década de 1960 e foi inventado e comercializado para adolescentes, marcado pelas melodias leves e cativantes. 35 Subgênero do New Wave, influenciou no comportamento, na moda e na música dos anos 1980. Criou uma forma polida, sintetizada e dançante de pop.

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dentro de lugares comuns na sua configuração, formato musical básico, como também o emprego recorrente de refrões e estruturas melódicas e sonoras pré-estabelecidas. Diante desta caracterização e das informações prévias neste trabalho, como também da definição de gênero consistindo em “um modo de definição da música em relação ao mercado, do potencial mercadológico presente na música” (FRITH, 1998, apud JANOTTI JR, 2004, p. 3), é importante compreender o K-pop como um gênero musical dentro da Cultura Pop, que possui suas semelhanças e distinções da música pop como a conhecemos e que estas são relevantes na análise de suas características, estratégias e “limites”, a partir de complexas relações globais. No universo da música pop, sabe-se que, na maioria das vezes, a performance está atrelada a um espetáculo teatral com grande importância dada a coreografias, dançarinos e decorações. Apesar de artistas pop ainda sofrerem críticas por se enquadrarem dentro deste processo de performance e presença de palco estarem acima das habilidades vocais e de composição musical, os fãs compreendem que a relevância do gênero se encontra no conjunto que forma o espetáculo; a dança, o figurino, a maquiagem e os efeitos visuais são elementos essenciais em um ato performático de música “pop”, que não afetam a apreciação desta nova fruição da performance (SOARES, 2012). O K-pop se aproxima diretamente desta característica, já que um dos seus pontos altos é a emulação de uma narrativa extremamente visual, tanto em shows e apresentações em programas de TV, quanto na concepção de seus videoclipes e álbuns. Jeder Janotti Jr (2004) atribui às performances da música popular massiva, que integra a música pop, a conexão direta com o universo dos gêneros, ou seja, os cenários de cada gênero musical exigem relações com sua audiência de acordo com as especificidades das expressões musicais. No caso do Pop e K-pop, esta particularidade se encontra na noção de espetáculo visual em detrimento de habilidades no canto ou na execução de um instrumento: Assim, a performance define um processo de produção de sentido e consequentemente, de comunicação, que pressupõe regras formais e ritualizações partilhados por músicos e audiência, direcionando certas experiências frente aos diversos gêneros musicais da cultura contemporânea. (JANOTTI JR, 2004, p. 10)

Outros elementos estratégicos que o Pop e o K-pop partilham é a ideia de álbum (CARDOSO FILHO, JANOTTI JR, 2006) e o processo de ensaio e aprendizagem (JANOTTI JR, 2007). Os álbuns dos grupos de K-pop são confeccionados a partir de

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conceitos ou temas principais, onde todas as faixas possuem uma ligação e os boxs físicos são preparados especialmente para chamar a atenção dos fãs com cards autografados, encartes, fotos, em caixas visualmente bonitas e diferentes. Já os sistemas de aprendizagem e treinamento, como abordado previamente, são extremamente importantes no cenário K-pop e mostram os principais valores e estratégias da indústria deste gênero musical, principalmente de cada agência, para captação e concentração de capital cultural. Porém, esta lógica se encontra dentro do já mencionado star system sulcoreano, que a indústria ocidental já se utilizou muito de um modelo de “sistema de estrelas”. Apesar deste processo ter se alterado na indústria da música no Ocidente, onde é cada vez menos recorrente o acompanhamento do desenvolvimento dos artistas, este sistema é um dos pontos de destaque e peculiaridade no K-pop. Foi por meio dele que o gênero se mostrou bem sucedido na produção de artistas e músicas. Ao passo que esse “sistema de fabricação de estrelas” deu credibilidade e reconhecimento às empresas, principalmente às agencias do “Big 3”, ela acabou se utilizando em demasia de fórmulas na produção de suas obras musicais e “construção” de seus ídolos, se mostrando, de certa forma, em falta com o conceito de autenticidade. A matéria do site AllKpop, apresentada anteriormente, levanta essa discussão entre fórmula competente e autenticidade musical, principalmente, no que concerne ao gênero pop. Não obstante sua alta credibilidade e competência no processo de desenvolvimento artístico e musical, as agências SME, YGE e JYPE se mostram muito dependentes de uma “fórmula de sucesso”, que pode limitar sua expansão pelo mundo. A questão principal, entretanto, não é o uso de “fórmulas” na produção de músicas, já que a cultura pop se utiliza constantemente desse recurso, mas no equilíbrio e “dosagem” com elementos mais originais. Mostra-se necessário para as agências e a indústria do K-pop a elaboração de obras musicais menos “formulaicas”, onde a inovação e a distinção possam estar presentes mais frequentemente. “A autenticidade envolve, então, o polêmico aspecto da criatividade nas indústrias culturais e a busca por distinções e diferenciações em meio ao universo musical” (JANOTTI JR, 2007). Em uma conferência do mercado da música mundial, “MU:CON SEUL 2014”, realizado no início de outubro, a diretora, Janice Min, da Billboard e do Hollywood Reporter, dois grandes portais sobre o showbiz norte-americano, declarou que o K-pop é uma perfeita expressão do entretenimento, onde há dança, canto, beleza e moda, mas, por ser em grande parte fabricado, precisa se aproximar do público de uma forma mais autêntica para continuar se expandindo no mercado. De acordo com Min, “para ter

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autenticidade, você precisa sentir que esses artistas são apaixonados pela música, que escrevem suas próprias canções e que aquilo é a verdadeira expressão artística” 36. Este relato corrobora a necessidade de autenticidade em qualquer meio musical para a preservação de sua legitimidade e expõe que, mesmo sendo um gênero de sucesso, o Kpop precisa de novas estratégias para manter os fãs e atrair novos públicos, de modo a se reconfigurar e continuar forte na indústria musical. Além desta dificuldade em demonstrar uma maior autenticidade em suas produções, as características híbridas sul-coreanas, que refletem na cultura pop da mesma, não se mostram suficientes no alcance maior e de nível hegemônico no Ocidente para o K-pop. A absorção da cultura ocidental, especialmente americana, pela Coreia do Sul, sem perder seus valores asiáticos, foi extremamente benéfica para a boa recepção de seus produtos culturais na Ásia. Por serem culturas distintas, a Coreia do Sul se mostrou um mediador entre Ásia e Ocidente e isso repercutiu em suas produções, onde valores familiares e confucionistas de disciplina, ordem, respeito aos mais velhos, entre outros foram equilibrados com a modernidade e valores mais liberais ocidentais, em que audiências asiáticas podem se identificar e aceitar (RYOO, 2009). Esse hibridismo de valores pode ser vistos na indústria da música, como também em outros ramos culturais. Enquanto nos clipes e nas apresentações em shows e programas de TV há uma maior liberdade na coreografia, figurino e poses mais sensuais, fora deles os artistas procuram preservar sua intimidade e são mais conservadores, mostrando que o idol da vida real é diferente do idol das “performances”. Nos programas de TV, especialmente nos do tipo reality shows, é possível observar como a disciplina é mantida na rotina de treinamento e produção dos artistas, como também o respeito que eles têm com os outros membros e seus superiores ao utilizar termos e linguagem mais formal. Existe uma liberdade maior nas “brincadeiras” e em abordar temas mais complexos, mas os valores confucionistas se mostram presentes denotando um equilíbrio cultural. A temática da sexualidade entrou mais em cena, mas não ofuscou o amor romântico e genuíno presente no imaginário asiático. Porém, a direção contrária dos produtos sul-coreanos parece ser menos bem sucedida, principalmente em relação ao K-pop, já que as tentativas para adentrar efetivamente no mercado musical americano ainda se mostram utópicas. 36

Reportagem “Billboard Chief Offers Thoughts on Future of K-pop” do portal de notícias sul-coreano The Chosun Ilbo. Disponível em: http://english.chosun.com/site/data/html_dir/2014/10/09/2014100900676.html

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Para a indústria do K-pop, a exemplo do “Big 3”, conquistar o mercado americano se mostra muito importante para manter o mercado asiático, de forma que, dominando o maior mercado musical do mundo, os idols sul-coreanos poderiam ser consagrados como número um na Ásia. Shin (2009) argumenta que, apesar das críticas em relação à nacionalidade asiática dos artistas, estes não precisam perder suas características asiáticas ou coreanas, já que o que mais se prioriza são artistas que possuem um repertório internacional. A discussão sobre fórmula e autenticidade entra em pauta mais uma vez, já que o sistema utilizado pelas agências sul-coreanas se mostra competente em âmbito local, mas ainda não está preparado para alcançar um mercado global. Como referência à vontade da JYPE e que pode ser observado nas outras duas empresas do “Big 3”, mais que impulsionar a carreira de seus artistas, elas querem promover o seu sistema, a sua música e a sua marca no mercado internacional (SHIN, 2009), entretanto, apesar de uma maior expansão mundial, não possuem, até então, o reconhecimento que tanto almejam. Porém, esse alcance global se deu muito por conta da ascensão da Web 2.0 e das redes sociais. As mídias sociais se transformaram em uma ferramenta poderosa, tanto para os usuários, que agora também podem produzir e consumir variados materiais, quanto para as empresas, que podem montar estratégias de aproximação e fidelização de seu público-alvo. Desta forma, a indústria do K-pop, especialmente o “Big 3”, pôde alçar mercados internacionais e melhor investir em novos públicos e estratégias. A interação e aproximação com os fãs, que se mostram um dos grupos mais organizados e participativos, se mostram, também, muito importantes em todo o processo e promoção do K-pop, como será visto no próximo capítulo.

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3. A IMPORTÂNCIA DA WEB 2.0 NA DIFUSÃO DO K-POP O termo “Web 2.0” foi inicialmente utilizado, em 2005, pela empresa O’Reilly Media, no contexto de um debate sobre novas aplicações para Internet, o surgimento cada vez maior de sites e a possibilidade de ampliação na participação dos usuários. No artigo “What is Web 2.0” 37, feito pelo presidente da companhia, Tim O’Reilly, e lançado no mesmo ano, o CEO procura definir de forma completa o que é a Web 2.0, suas diferenças da Web 1.0 e os novos serviços e relações entre usuários que esta plataforma proporciona. A discussão enfatiza a importância dos usuários, buscando desenvolver aplicativos que facilitem a sua atuação como co-desenvolvedores nesta nova experiência de inteligência coletiva. Hoje, quase uma década após o início da Web 2.0, podemos observar como os serviços e interações entre as pessoas na Internet evoluíram e propiciam uma melhor experiência de navegação e participação online, principalmente, com o aprimoramento das mídias sociais. Mídias sociais, ou social media, podem ser consideradas como “um grupo de aplicações para Internet construídas com base nos fundamentos ideológicos e tecnológicos da Web 2.0, que permite a criação e troca de conteúdo gerado pelo usuário” (KAPLAN, HAENLEIN, 2010, apud JUNG, 2011). Atualmente, as redes sociais, como Facebook, Youtube e Twitter, são uma das ferramentas mais importantes entre as mídias sociais, e que possuem um papel central na circulação de produtos globais. Por meio delas, os usuários podem publicar, compartilhar e distribuir conteúdos próprios ou materiais que gostem e achem interessante, sem necessitar de mídias convencionais ou oficiais mediando essa circulação ou o acesso a qualquer tipo de conteúdo. De acordo com Henry Jenkins, “a inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência” (2008, p. 30). Por conta desta grande circulação de informações que se dá não somente de forma local, mas global, os produtos culturais sul-coreanos, principalmente o K-pop, puderam romper barreiras nacionais e serem conhecidos fora da Coreia do Sul. Após o clipe “Sorry Sorry”, de 2009, do Super Junior viralizar na Internet na mesma época de seu lançamento e o primeiro concerto do SMTOWN em Paris, em 2011, considerado como o debut “oficial” do K-pop no cenário europeu, o gênero

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Disponível em: http://oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html?page=1

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musical ganhou mais atenção de países asiáticos, como também de ocidentais. Devido à facilidade na circulação de produtos possibilitada por blogs e redes sociais e à movimentação dos fãs e curiosos no alto índice de compartilhamentos e publicações, muitas empresas e pessoas mundo a fora, que nunca tinham ouvido falar no K-pop, puderam ter um primeiro contato, tornando-o cada vez mais reconhecido e popular. Mas foi com o grande hit “Gangnam Style”, do cantor PSY, que o K-pop foi elevado a um novo patamar de conhecimento e curiosidade mundial pelo seu estilo inovador de música pop. 3.1 A apropriação das redes sociais como estratégias pelo “Big 3”

Em grande parte da década de 1990 e início dos anos 2000, os CDs foram os produtos mais vendidos na comercialização de músicas na indústria musical sulcoreana. Os álbuns de artistas de K-pop vendiam mais de um milhão de cópias e possuíam em torno de 14 a 16 músicas, todas voltadas para o mesmo gênero do cantor ou grupo. Porém, com a crise financeira que tomou conta da Ásia e a pirataria digital que surgiu no final dos anos 1990, a venda de CDs caiu drasticamente. O governo sulcoreano na época não tinha nenhum plano de leis ou ações contra a pirataria e viu esses produtos serem acometidos por uma grande queda em sua procura. De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, o comércio de CDs caiu 70.7% entre 2000 e 2007, levando a indústria musical a focar mais em turnês para seus artistas e em distribuição digital (CHOE, RUSSELL, 2012). O lançamento de sites e lojas virtuais de música, como o sul-coreano MelOn e o americano iTunes, fez com que o aumento de vendas digitais superasse em grande escala as vendas físicas. Os serviços de download e, principalmente, de assinaturas online (em que o usuário paga uma quantia específica por mês para baixar álbuns, singles, entre outros) passaram a ser os mais utilizados, elevando a Coreia do Sul a um dos países que mais se utilizam de canais e distribuição digital. De acordo com o IFPI, um dos motivos para este crescimento foi o maior investimento em artistas locais. A venda de músicas locais sul-coreanas era equivalente a 60%, mas com o sucesso do Kpop esse número subiu para 80% no mercado nacional, sendo que 70% do lucro deste gênero vem de veículos digitais. Por conta desta grande distribuição digital, juntamente com a maior utilização das mídias sociais no mundo e a convergência de informações, as agências sul-coreanas

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passaram a usar cada vez mais os meios digitais, especialmente as redes sociais, para promover seus artistas e músicas, a partir de bem elaboradas e eficientes estratégias. As atividades dos idols vão desde promoções de seus álbuns e singles até participações em reality shows e variados programas de TV e rádios, portanto a incorporação de uma divulgação através das redes sociais é muito importante no aprofundamento da relação com os fãs e na busca por novos apreciadores. Criação de perfis oficiais, avisos de comeback ou debut dos idols, lançamento de teasers e vídeos dos artistas com mensagens para o fandom são algumas das estratégias adotadas pelas agências, principalmente as três maiores do K-pop, para atrair potenciais consumidores e fidelizar fãs. Uma das redes sociais que se mostra mais vantajosa e bem sucedida na difusão do K-pop e de seus grupos e cantores é o Youtube. A maioria das empresas possui um canal oficial nesta plataforma, a exemplo do “Big 3”, e por meio deles, publicam vídeos e clipes de seus artistas. São variados tipos de divulgação, a começar pelos próprios clipes, mas os que se mostram muito interessantes são os vídeos teasers. Esta técnica, comumente usada no cenário K-pop, tem como objetivo chamar a atenção do público para o lançamento de um grupo, música, show ou programa e obtém, geralmente, 30 segundos a 1 minuto de duração. Um caso de sucesso na utilização dessa prática foi a promoção do grupo EXO, que se iniciou em 2011. A SM lançou um total de 23 teasers, onde apresenta cada membro do boygroup, alguns mais de uma vez, dentro de um conceito de poderes e habilidades individuais, divulgando, também, algumas músicas do grupo38. Além destes, a agência ainda divulgou dois clipes como teasers somente com os principais vocalistas do EXO-K e EXO-M para enaltecer seus talentos vocais. Esta estratégia obteve grande êxito, pois os fãs já conheciam todos os membros, tinham seus preferidos e esperavam ansiosamente pelo debut do grupo. Outro método estratégico de divulgação pelo Youtube é o lançamento de outras versões dos clipes, com o enfoque na dança ou em uma história. As publicações de vídeos das performances dos artistas em programas de TV musicais, ensaios da coreografia, onde é possível ver a dança completa e os idols em roupas mais confortáveis e sem maquiagem, e mensagens especiais para os fãs, com desejos de Feliz Natal, Ano Novo, um convite para comparecer a shows, entre outros também são muito 38

O primeiro teaser foi com o principal dançarino do EXO-K, Kai, que apareceu em 12 dos 23 teasers, sendo que em apenas quatro havia a presença de um outro membro. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2i3WBA9z0Eo

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utilizadas pelas agências. Alguns grupos ainda possuem vídeos que mostram o seu diaa-dia e momentos no backstage, divulgados no canal da empresa ou do próprio conjunto. O “Real 2PM” pode ser considerado um web reality show da boyband 2PM, da JYPE, em que exibe a rotina do grupo em shows, ensaios fotográficos, como também momentos de descontração e espontaneidade entre os membros, tendo alguns vídeos legendas em inglês para o alcance de fãs internacionais. No vídeo mais recente do “Real 2PM”39, os idols estão nos bastidores da gravação do clipe “Go Crazy!” para seu comeback e mostram algumas situações que acontecem durante as filmagens, requisitadas pelos fãs. Esses produtos mostram o quanto os fãs possuem a curiosidade em saber o que seus ídolos fazem fora dos palcos, construindo, assim, uma relação mais próxima com eles. “A indústria cultural (a indústria do K-pop faz isso muito bem) cria outras formas de consumir produtos midiáticos de ídolos, criando um senso de intimidade entre fã e celebridade” (LEUNG, 2012, p. 70). Por meio de seus canais oficiais, as agências podem criar playlists e agrupar vídeos do mesmo gênero ou artista, de modo que fique mais fácil para a navegação e busca dos fãs ou curiosos. É interessante observar como algumas delas publicam materiais de seus trainees, como vídeos deles cantando, em momentos descontraídos ou interagindo com seus sunbaes40, como forma de apresentar seus futuros artistas aos fãs e criar expectativa e interesse no desenvolvimento dos mesmos. Esses vídeos e clipes sobre K-pop são objetos de extensa procura no Youtube, local que possibilita o compartilhamento de uma grande quantidade de variados produtos, pelos fãs e pelas empresas. Devido a essa ampla busca, o Youtube criou, recentemente, um tópico oficial para o K-pop41, ou seja, um canal gerado automaticamente para esse assunto. Através de um algoritmo, são agrupados os vídeos mais procurados do momento em um tópico. O canal possui mais de 700 mil inscritos e mostra o quanto o gênero está atraindo cada vez mais interessados e como o Youtube pode ser um verdadeiro aliado na promoção do Kpop, como declarou, em entrevista, o CEO da SM, Kim Young-Min: Quando Eu experimentei com nosso primeiro clipe que eu enviei para o Youtube, os cliques instantaneamente cresceram de centenas para, chegando ao topo da lista dos top 20 do dia. Eu realmente não me importava sobre se

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Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3WY_1ZsSoT4 O termo sunbae é utilizado para se dirigir a pessoas com mais experiência ou estão há mais tempo no mercado. 41 Disponível em: http://www.youtube.com/channel/UCsEonk9fs_9jmtw9PwER9yg 40

43 nosso música iria atrair públicos internacionais; eu acreditei que o Youtube iria certamente nos dar uma chance. (OH, PARK, 2012, p. 391)42

Outras redes sociais bastante utilizadas são o Facebook e o Twitter. Através de perfis oficiais, as agências do “Big 3” publicam notícias, clipes, vídeos e imagens teasers, anúncios de audições e participações dos idols em programas de TV, fotos e vídeos dos bastidores, entre outros. Links para downloads e compras legais das músicas e álbuns dos artistas também são vistos entre as postagens. A velocidade de informações que essas ferramentas proporcionam é extremamente benéfica na construção de uma base de fãs, além de ser eficiente na distribuição digital espontânea de suas músicas, sem a necessidade de grandes investimentos. O Twitter, ainda, possibilita uma grande proximidade dos fãs com seus ídolos, pois muitos deles possuem contas próprias, onde postam acontecimentos diários, fotos ou vídeos de momentos pessoais e promovem, também, suas músicas e álbuns aproveitando a maior agilidade com que as informações circulam nesta rede social. Uma das agências que utilizou habilmente as redes sociais como parte estratégica na formação e promoção do seu recente grupo, foi a YG Entertainment. Para o lançamento do seu segundo boygroup, após oito anos que o primeiro, BIGBANG, fez seu debut, o CEO Yang Hyun-Suk decidiu criar um reality show de sobrevivência chamado WIN (acrônimo para Who is Next), realizado entre agosto e outubro de 2013, onde 11 trainees foram divididos entre Time A e Time B e, a cada episódio, mostravam sua rotina de treinamento e ensaios, a fim de duelarem em um programa de palco ao vivo, para, no final, um deles se consagrar como o grupo WINNER. O objetivo do programa seria escolher o time vitorioso com a ajuda e participação apenas do público, já que, a cada batalha, que consistiram em três durante o programa, um grupo seria escolhido ganhador por meio de votos da audiência. Após 10 episódios, a batalha final foi decidida apenas pela votação do público que elegeu o Time A como o mais novo grupo a ser debutado pela YG. Além de canais de TV da Coreia do Sul e da Ásia, o programa era exibido, simultaneamente, no site sul-coreano Daum, onde mostrava depois cenas dos bastidores, e no maior portal de compartilhamento de vídeos chinês Youku. Por sua vez, as redes sociais globais mais utilizadas foram o Facebook, Youtube e Twitter. No Youtube, a 42

Original: When I experimented with our first music video that I uploaded to Youtube, the clicks instantly increased to hundreds of thousands, topping the day’s top 20 list. I didn’t really care about whether our music would appeal international audiences; I believed that Youtube would certainly give us a chance.

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agência criou uma playlist exclusiva 43 para vídeos sobre o programa, como também para os episódios completos do mesmo, com legendas em inglês, japonês e coreano, que eram disponibilizados no dia seguinte da sua transmissão na TV pelo canal Mnet. Já no Facebook, foi criada uma fanpage oficial44, onde eram publicadas notícias sobre o reality e as equipes, além dos vídeos postados no Youtube, mantendo constantemente um diálogo entre essas duas redes sociais. Desde sua criação, em agosto, a página foi alimentada quase todos os dias, com variados tipos de informação, como fotos, posters, resultado do ganhador das batalhas e mensagens de artistas mais antigos da YG. Ao desenrolar do programa, foi possível notar inúmeros comentários de apoio na fanpage para ambos os times e pedidos para que a YG debutasse os dois. No Twitter, as informações e vídeos eram publicados através do perfil oficial da YGE. As músicas cantadas na batalha final, compostas pelos membros dos times, foram disponibilizadas para compra e download no iTunes e divulgadas no Facebook e Twitter. A página oficial do WINNER45, no Facebook, foi criada junto com a estreia do programa, mas foi oficialmente lançada em dezembro de 2013, após a escolha do Time A como vencedor. No mesmo mês, foi iniciado outro reality show, mas dessa vez focado na rotina de trabalho do WINNER, chamado WINNER TV, e seus episódios foram divulgados pelo Youtube e Facebook. No primeiro episódio, o CEO da YG explica que, através deste programa, o público poderia conhecer melhor as personalidades dos membros e que a trajetória na composição do álbum para seu debut seria transmitida pelas câmeras, de modo que “as fãs do WINNER possam sentir que estão fazendo parte do processo de criação do álbum”. A fanpage mostrava todos os passos e trabalhos do grupo, como as marcas em que fizeram propaganda, as participações em shows, os fan meetings e o processo de lançamento no mercado. As promoções para o debut se iniciaram em junho de 2014, com a divulgação de teasers como vídeos e inúmeros ensaios fotográficos, alguns destes executados em Nova Iorque. Finalmente, na semana entre 6 e 14 de agosto, o WINNER fez seu debut lançando o álbum “2014 S/S” digitalmente e fisicamente. Após a grande expectativa que a YG criou entre a mídia e os fãs no lançamento oficial do WINNER, o grupo obteve grande destaque no mercado musical sul-coreano e internacional. A música principal “Empty” conquistou o primeiro lugar em nove 43

Disponível em: http://www.youtube.com/playlist?list=PLuWI86ItS2gFy68CpnxalxbDkO7mPnfVW Disponível em: https://www.facebook.com/WIN.who.is.next 45 Disponível em: https://www.facebook.com/OfficialYGWINNER 44

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paradas musicais sul-coreanas e duas outras, “Color Ring” e “Don’t Flirt”, ainda entraram na lista das 10 melhores. Além do álbum sul-coreano, o WINNER lançou um álbum especial todo em japonês, o “2014 S/S – Japan Collection”, marcando seu debut oficial no Japão, no dia 10 de setembro, chegando ao segundo lugar na parada musical japonesa Oricon. Na Billboard, o grupo alcançou também o primeiro lugar na parada “World Albuns” e o sexto lugar na parada “Heatseekers Albuns”. Apesar de esses resultados serem comuns para artistas de grandes agências, para um grupo recémlançado isso é um acontecimento surpreendente e mostra como o plano estratégico da YG foi eficaz em formar uma imagem atraente e poderosa para o grupo, capaz de gerar um grande interesse entre o público asiático e ocidental. Com uma fórmula extremamente bem sucedida em mãos juntamente com o sucesso do Time B, Yang Hyun-Suk criou outro reality show de sobrevivência, Mix & Match, no final de agosto de 2014. Dessa vez, os seis trainees do Time B têm que disputar com três novos aspirantes a idols pelas sete vagas para o próximo boygroup da agência, chamado IKON. O programa segue nos mesmos moldes do WIN, porém terá 9 episódios no total, com a decisão final sendo dividida em 30% votado pelos jurados da YG e 70% votado pelo público através de mensagens de texto, smartphones, sites online e presencialmente. O show possui uma conta oficial no Facebook46 e uma playlist no canal da YGE no Youtube47 para os vídeos e episódios e, antes mesmo do programa ser finalizado, a YG investiu na promoção do grupo. Com o slogan “Você decide os membros do novo grupo IKON da YG”, a agência convidou os fãs para os fan meetings que foram realizados no Japão, na China e na Coreia do Sul em outubro de 2014. Um dos trainees, Bobby, foi reconhecido pelo seu talento como rapper, ganhando na competição “Show Me The Money 3” e um outro candidato, B.I, é chamado de “o próximo G-Dragon” pela sua grande habilidade em compor. No último episódio do programa, o grupo IKON finalmente foi formado por todos os integrantes do antigo Time B junto com a inserção de um dos novos trainees. Apesar de gerar algumas críticas e lamentos pelos seus candidatos preferidos não terem sido escolhidos, a maioria das fãs se mostrou satisfeita com a decisão final, principalmente pelo fato dos membros do Time B continuarem unidos e poderem debutar juntos. Apesar de não ter conseguido o mesmo efeito inovador apresentado pelo programa WIN, a formação do IKON obteve grande repercussão na mídia e com os fãs 46 47

Disponível em: https://www.facebook.com/YGMixandMatch Disponível em: http://www.youtube.com/playlist?list=PLuWI86ItS2gHhVHvpSTevCVVFcPAlOSwJ

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de K-pop. As redes sociais foram uma ferramenta importante no desenvolvimento desses novos grupos da YG, em que a agência pode, ao mesmo tempo, apresentar a personalidade de cada integrante e mostrar a trajetória de treinamento e progresso na composição artística e musical dos membros. A partir do resultado positivo desses programas e pelo fato da YG oferecer uma maior liberdade criativa aos seus artistas, esta se mostra uma das agências que pode inserir cada vez mais a ideia de autenticidade vinculada à criatividade e inovação, a fim de se aproximar de diferentes públicos, mostrando que o K-pop é um gênero musical que vale a pena conferir e acompanhar de qualquer parte do mundo.

3.2 Cultura participativa e uso das redes sociais pelos fãs Dramas de TV, live-actions48 e animes são alguns objetos que fazem parte de um imaginário do consumo e apreciação por produtos culturais asiáticos, tanto na própria Ásia, quanto no mundo (ALBUQUERQUE, CORTEZ, 2013; VINCO, MAZUR, CORTEZ, 2014). Por conta desse interesse dos fãs por esses produtos asiáticos, principalmente japoneses e chineses, como também por gêneros musicais provenientes da Ásia, como J-pop (pop japonês) e J-rock (rock japonês), que se iniciou bem antes da Onda Coreana, muitos puderam entrar em contato com os produtos culturais sulcoreanos, tanto online (através de vídeos, blogs e comunidades), quanto offline (viagens para países asiáticos que possuam contato direto ou indiretamente com a Coreia do Sul). Esses fãs se tornam mensageiros dos objetos recém-descobertos e repassam para amigos e contatos da Internet através das mídias sociais (OH, PARK, 2012). Com o desenvolvimento da Web 2.0, a facilidade para a circulação de informações se tornou maior, principalmente, através das novas tecnologias e redes sociais. A Internet, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, possuía, em sua maioria, sites estáticos com pouca interação entre os usuários, e os serviços de conversas instantâneas eram os famosos programas mIRC, ICQ e MSN Messenger. A partir de meados da década de 2000, sites mais dinâmicos e blogs pessoais apareceram para atender a extensa parcela de usuários ávida por maior interatividade e compartilhamento online. Sites voltados para o universo asiático passaram a surgir cada 48

“Termo utilizado na televisão, cinema e teatro para definir trabalhos feitos com atores reais diferentemente das animações” (VINCO, MAZUR, CORTEZ, 2014, p. 8).

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vez mais de modo a suprir a grande demanda de interessados neste conteúdo, por conta da diminuição ou falta de transmissão de produtos asiáticos em mídias de fácil acesso. Os fansites (GOMES, 2007) e as práticas fansubbers, que podem ser compreendidas como a legendagem e tradução voluntárias feitas de fã para fã (VINCO, MAZUR, CORTEZ, 2014), se mostraram muito importantes na distribuição de produções asiáticas, principalmente, por uma perspectiva brasileira, onde o alcance desses produtos é ainda menor. Atualmente, as diversas redes sociais e suas determinadas funções possibilitam não só a interação de usuários em escala local, mas também global. Para os fãs de Kpop, elas se mostraram ferramentas poderosas e indispensáveis, especialmente para os fãs internacionais que desejam apoiar seus ídolos ou conhecer mais sobre o gênero de um país que está do outro lado do mundo. Em se tratando de fandom do pop sulcoreano, este se mostra um dos mais organizados e que melhor utilizam as redes sociais na propagação de seus ídolos e, consequentemente, do K-pop. Para os sul-coreanos, fazer parte de um fandom mostra não somente uma preferência pessoal, mas também um estilo de vida, em que muitos dedicam seu tempo e dinheiro no apoio e promoção de seus ídolos. Seja para os fãs internacionais ou não, fazer parte de um fã-clube demonstra um senso de comunidade, um lugar onde você se sente acolhido pelos seus gostos e atividades fãs com outros que também pensam e agem desta forma. “Fandom [...] requer um comunidade e participação nesta comunidade – e possivelmente uma autoidentificação com essa comunidade” (BUSSE, SANDVOSS, 2007 apud PEARSON, 2010). Para começar, os fãs do gênero musical são chamados Kpoppers e cada grupo ou cantor solo possui um fã-clube próprio, geralmente, com um nome oficial e uma história por trás: os fãs do cantor Rain (em português, chuva) se chamam “Clouds” (nuvens), pois são elas que trazem a chuva; os fãs do grupo KARA são chamados Kamilia (junção de KARA mais a palavra em espanhol Familia), já que os fãs são sua família; por sua vez, os fãs do TVXQ se chamam Cassiopeias, pois existe uma constelação com este nome com cinco estrelas, mesmo número de membros quando o grupo debutou. Este fandom, em particular, é reconhecido internacionalmente por ser o maior fã-clube do mundo, com mais de 900 mil integrantes oficiais, entrando até mesmo para o livro dos recordes. Além dos nomes oficiais, os grupos possuem outros elementos específicos, como cores e objetos. São diversas cores que distinguem-se por pequenos detalhes,

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como azul safira (cor do Super Junior) e azul celeste perolado (cor do SHINee), entre outros exemplos. Os lightsticks (ou “lanterninhas”) e os balões oficiais, da mesma cor do fã-clube, são itens primordiais nos shows de K-pop, com a finalidade de oferecer um espetáculo visual para seus ídolos no palco. É interessante observar como o K-pop, essencialmente visual, possui um fandom que também se preocupa com esse aspecto, a fim de formar uma característica identitária e distintiva de qualquer outro fã-clube no mundo. Essas organizações e peculiaridades também podem ser vistas nas mídias online, através de fóruns, tutoriais, páginas e grupos nas redes sociais dos fãs, além da criação e compartilhamento de materiais próprios, de modo a aprofundar um consumo da experiência (GOMES, 2007). As redes sociais proporcionam a formação de uma comunidade ativa de fãs, até mesmo de diferentes nacionalidades, que as mídias convencionais e os encontros presenciais de fã-clubes não possibilitam ou são limitados. O Youtube, por exemplo, se mostra uma das maiores ferramentas para interação e visibilidade dos fãs de K-pop, já que, além de poder acompanhar as novidades de seus ídolos, os fãs podem compartilhar, comentar e publicar seus próprios vídeos, com opiniões e críticas, como também gravações de shows feitas por eles, as chamadas fancams. Os “video reactions” (reações de vídeos) são alguns dos tipos mais famosos na rede, em que os fãs gravam suas reações ao assistir pela primeira vez clipes de K-pop e comentam o que acharam ao final. Muitos fãs, ou ainda grupos especializados, republicam clipes e episódios de programas, com seus ídolos, legendados para os fãs internacionais que não sabem coreano. Práticas muito usadas pelos grupos e sites fansubs, como dito anteriormente, principalmente em animes e suas aberturas musicais, agora são utilizadas por kpoppers na tradução e legendas em coreano romanizado e em diversas línguas. Outra atividade muito em voga nesta rede social são os covers de canto e, principalmente, dança. “A ‘dança cover’ é um fenômeno cultural extraordinário em que os fãs imitam as danças de seus cantores favoritos” (KOCIS, 2011a). Seja feita por profissionais ou amadores, esta prática é vista em grande parte no Youtube e em outras redes de compartilhamento de vídeos e ganham até milhões de visualizações. Pelo fato do K-pop possuir coreografias criativas, que demandam certa dificuldade em sua execução, o gênero permite um espaço amplo para o surgimento de grupos covers, e são essas atividades que enfatizam a importância da dança para a popularidade do K-pop (JUNG, 2011). Alguns grupos profissionais expõem seus vídeos para ganhar visibilidade na Internet e participam de apresentações e festivais de covers em seus

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países. Apesar desse tom mais especializado, muitos fãs publicam suas replicações da dança por divertimento, com imitações perfeitas ou recriações da coreografia original. Além do objetivo de adquirir notoriedade como autopromoção, os fãs também buscam notabilidade para atrair shows e empresas de K-pop para seus países. Em 2011, o primeiro concerto da “SMTOWN World Tour”, em Paris, vendeu os 7 mil ingressos em apenas 15 minutos. Como forma de chamar atenção da SM Entertainment, os fãs fizeram um grande flashmob49, pedindo para mais um dia de concerto. Vídeos do evento foram parar nas redes sociais e geraram bastante interesse da mídia local e coreana. A SM Entertainment não demorou nem um dia para anunciar um concerto adicional. Os flashmobs se tornaram uma grande febre pelo mundo todo e apenas colocando as palavras “flashmob” e “K-pop” no Youtube, podemos ver diversos vídeos de variados países, como Espanha, Rússia, Canadá, Hong Kong, Suíça e, inclusive, Brasil, como forma de gerar atenção da mídia ou apenas homenagear seus ídolos preferidos. O Facebook e o Twitter são redes sociais que também possibilitam as atividades dos fãs. Através de perfis no Facebook, os fãs podem criar e participar de fanpages e grupos sobre o universo K-pop, a fim de compartilhar informações e conhecimento com outros fãs. Muitos fã-clubes possuem sua própria página para divulgar, em primeira mão, notícias e novidades sobre grupos e cantores idols. O Twitter também propicia um espaço de circulação de conteúdo sobre K-pop com grande facilidade. Como previamente abordado neste capítulo, esta rede social se mostra bastante vantajosa na proximidade dos ídolos e agências como forma estratégica, mas, também, para dar aos fãs um maior senso de intimidade que não teriam em outro lugar. Além de poderem saber sobre seus ídolos em tempo real, eles podem conhecê-los melhor e demonstrar a eles sua dedicação e apoio, já que existe a possibilidade de eles mesmos lerem. O Twitter também revela-se importante na diminuição da barreira linguística entre artistas e fãs, pois a publicação de fotos e vídeos muitas vezes não exige algo escrito ou verbalizado e pelo limite de palavras, muitos idols escrevem em inglês ou outras línguas para a melhor comunicação com todos os fãs. “A emergência do Twitter não só mudou a dinâmica do fandom internacional de K-pop, como também criou um novo paradigma de circulação transcultural do K-pop” (JUNG, 2011). Os fãs também possuem outras maneiras de expressar seu interesse e apoio ao pop sul-coreano e seus ídolos. Por meio de materiais criados por eles mesmos, eles se

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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8RB1QZcuP1E

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reapropriam e reinterpretam produtos do universo K-pop, como forma de satisfazer seus desejos e imaginação. As fanfics, fanarts e fanfilms (histórias, desenhos e vídeos feitos pelos fãs, respectivamente) são algumas das produções que propagam-se pelas redes sociais, principalmente pelo Tumblr e Pinterest, onde ainda são publicados gifs50 e memes51 dos clipes, episódios de programas e imagens dos artistas. Um exemplo interessante de criação de fãs é o “Fake 2PM”, animação feita por duas fãs do grupo, e o título faz uma alusão ao nome da web reality real do 2PM, comentada aqui anteriormente, e brinca com o fato de ser o “falso 2PM”. As fãs postam vídeos regularmente no Youtube (a playlist possui mais de 50 vídeos), mostrando os idols em situações fictícias. Na última animação publicada 52, elas criaram situações envolvendo o clipe “Go Crazy!” do 2PM, incluindo representações de trechos do clipe, do último vídeo do “Real 2PM” e ainda a inserção de falas reais dos membros retiradas de variados vídeos. Isto denota a dedicação dos fãs representada por criações próprias para expressar sua admiração ou, simplesmente, imaginação, como forma de aprofundar sua relação ou consumo com estes produtos. Porém, a grande realização de um fã de K-pop é ver seus ídolos ganhando prêmios e sendo reconhecidos no competitivo mercado do gênero musical. Para isso, o apoio e atuação dos fãs são, em grande parte, necessários. A televisão aberta na Coreia do Sul dedica boa parte de sua grade para programas voltados para a música e cinco deles são muito populares, pois mostram, semanalmente, as novidades na indústria musical, como lançamentos e retornos de grupos e cantores solo, e ainda premiam os melhores da semana53. São várias etapas que precisam ser efetuadas para a conquista do prêmio e a colaboração dos fãs é essencial. Algumas delas consistem na votação online e por SMS, fazer streaming das músicas através de um ID comprado e, principalmente, comprar os álbuns digitalmente e fisicamente, todos em sites sul-coreanos oficiais e específicos sobre música. As redes sociais servem como ferramentas poderosas na divulgação e troca de informações, a partir de fóruns, grupos e tutoriais feitos de fãs para outros fãs.

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Os gifs podem ser compreendidos como trechos de vídeos e imagens editados para animações curtas. Em seu conceito mais simples, os memes são ideias que se propagam na Internet e podem ser imagens, desenhos, frases, entre outros. 52 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dGM9n3Ddtrw 53 Os programas são M! Countdown, Music Bank, Music Core, Inkigayo e Show Champion. Apenas o Music Core não possui premiação, mas o grupo que se apresenta por último é considerado o grande destaque da semana. 51

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No Brasil, as atividades dos fãs e consumo de K-pop ocorrem, primordialmente, através das mídias sociais e em eventos sobre cultura asiática, principalmente, japonesa. Muitos fã-clubes brasileiros possuem perfis, fanpages e grupos para interação com fãs e apreciadores. Os dois sites principais para divulgação de notícias e informações sobre o universo do K-pop são o Kpop Station54 e o SarangIngayo 55, e ambos possuem perfis no Facebook, Twitter e Youtube. Infelizmente, o circuito brasileiro de K-pop ainda se mostra muito novo e dependente da cultura pop japonesa, como músicas e animes, e a limitação da língua ainda se mostra prejudicial no acompanhamento de notícias e na distribuição de produtos pop sul-coreanos. Porém, esse cenário tem se mostrado um pouco diferente, por conta da realização de shows de grupos de K-pop e eventos oficiais sobre cultura coreana no Brasil. O Brasil entrou no circuito de shows de pop sul-coreano em 2011, com a vinda do grupo MBLAQ para participação em uma das etapas do “KPOP Cover Dance Festival”56, onde foram jurados e realizaram um pocket show ao final do evento. Foi a primeira vez que idols da Coreia do Sul vieram ao país e acabaram levando milhares de fãs para o local do festival. No entanto, por ser um evento gratuito e ter sido realizado em um espaço pequeno, mais da metade dos que foram na esperança de ver o grupo sulcoreano ficaram do lado de fora. Em dezembro do mesmo ano, foi realizado o primeiro grande show de K-pop da agência Cube Entertainment. O show foi composto por todos os artistas da empresa na época (BEAST, G.NA e 4minute) e faz parte do projeto de turnê mundial da agência, a “United Cube”. Em 2012, houve apenas um show do cantor Junsu, do grupo JYJ, que fazia parte da sua turnê solo. Porém, o ano seguinte marcou definitivamente o interesse pelo Brasil em shows de K-pop e eventos sobre a cultura sul-coreana. Para as comemorações do 50º aniversário da imigração coreana no Brasil, foi realizado o “2K13 Feel Korea” em fevereiro de 2013. O evento teve duração de dois dias e contou com workshops de dança e maquiagem, no primeiro dia, e um show com idols e artistas de humor no segundo dia. Dois meses depois, o grupo Super Junior se apresentou no país pela turnê “Super Show 5” e atraiu milhares de fãs, obtendo grande

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Disponível em: http://www.kpopstation.com.br/ Disponível em: http://sarangingayo.com.br/ 56 O festival reúne dançarinos cover de K-pop a nível internacional. Organizado pela emissora sulcoreana MBC, os candidatos que queiram participar precisam enviar no site oficial vídeos próprios de cover e os melhores são selecionados para a etapa eliminatória no seu respectivo país. Os ganhadores são convidados a irem para a Coreia do Sul para competirem na batalha final. 55

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êxito. Os demais meses foram marcados pela vinda de outros grupos de K-pop, porém foi com o anúncio do “Music Bank in Brazil” 57 que o fandom brasileiro mostrou-se eufórico. O show aconteceu em junho de 2014 e contou com sete atrações do pop sulcoreano: B.A.P, Ailee, M.I.B, MBLAQ, Infinite, CNBLUE e SHINee. O evento foi um grande sucesso, tanto de público, quanto na repercussão na mídia local e sul-coreana. O ano de 2014 ainda contou com o evento Korea Brand & Entertainment Expo 2014 (KBEE). O objetivo do evento foi divulgar as empresas emergentes da Coreia do Sul em diversas áreas, desde T.I. e equipamentos hospitalares até produtos da Onda Coreana, moda, beleza, entre outras. Além dos estandes para as empresas, um show de K-pop foi realizado para o público, com o grupo VIXX, como também um show com o grupo de B-pop58, o Champs. Os shows de grupos idol continuaram ao longo do ano e parece que já há planos para mais em 2015. As mídias sociais tiveram um papel muito importante na divulgação desses eventos, pois o anúncio em algumas mídias tradicionais se mostrou ínfimo em comparação ao grande apelo demonstrado pelos fãs do gênero. Com o sucesso desses últimos shows de K-pop no Brasil e com o surgimento de novas produtoras brasileiras voltadas para este gênero musical, o Brasil pode ter um maior enfoque na vinda de shows de grupos e cantores pop sul-coreanos, como também de eventos sobre cultura coreana, levando a um aumento e oficialização do circuito do K-pop entre os fãs e a mídia.

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O Music Bank é um programa televisivo sul-coreano exibido pela emissora KBS. Devido a sua popularidade e exibição mundial, em 2011 foi lançado o Music Bank World Tour, onde realiza shows com diversos artistas de K-pop em diferentes países do mundo. 58 O termo refere-se a “pop brasileiro” com influência direta do K-pop. O primeiro grupo a deflagrar esse gênero ainda em desenvolvimento foi o Champs, com a música “Dynamite”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rrU96-4UMRw

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4. CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou discutir como se deu a concepção de um gênero pop sul-coreano através de acontecimentos históricos e na aproximação da cultura ocidental. A Onda Coreana surgiu como um fenômeno importante de difusão dos produtos culturais da Coreia do Sul para fora do país, onde os K-dramas foram os primeiros a liderar essa expansão e, em um segundo momento, o K-pop passou a ser o principal produto do Hallyu. Desde seu surgimento, o pop sul-coreano passou por grandes influências e reformulações na construção de uma identidade própria, com características híbridas, que possa se distinguir do pop “global”. As agências de entretenimento e talentos formularam processos estratégicos e sistemas diferenciais de treinamento para formar artistas e promover o K-pop dentro e fora da Coreia do Sul, se utilizando constantemente das redes sociais para a difusão e circulação deste produto. Suas características, estratégias e dificuldades se mostraram muito importantes para analisar os elementos que compõem o K-pop, como também os aspectos que ainda precisam ser melhorados para o maior sucesso e reconhecimento mundial do gênero. Pelo fato do Hallyu ainda estar muito presente no mercado e na rotina dos apreciadores de produtos culturais sul-coreanos, o fenômeno mostrou um visível desenvolvimento e reconhecimento da sua importância tanto para a Ásia, quanto para os países ocidentais. A indústria do K-pop, especialmente, mostrou-se em constante movimentação e crescimento ao longo dos anos, muito por conta da sua habilidade em se adaptar às tendências e em se aproximar da cultura ocidental. Essa movimentação reflete não só positivamente, como o frequente surgimento de novas empresas e artistas, além do retorno, a cada ano, de idols renomados lançando novos álbuns e músicas, mas, também, de forma “negativa”. No período de elaboração deste trabalho, houve casos que chamaram a atenção da mídia e do público sul-coreanos, além dos fãs fora da Coreia do Sul, como as saídas dos idols Luhan, do EXO, e da Jessica, do Girls’ Generation, ambos da SM Entertainment. Suas partidas foram bastante polêmicas, devido a maneira controversa e inesperada que ocorreu. Esses acontecimentos resultaram na queda das ações da agência, que se mantinha no topo por um longo período, sendo ultrapassada por uma

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das suas maiores rivais, a YG Entertainment, em capitalização de mercado 59. Atualmente, a SME conseguiu se recuperar da baixa, mas ainda continua com sua concorrente próxima. Os casos polêmicos não ocorrem apenas com as grandes empresas, como as do “Big 3”, mas também com agências menores. Recentemente, a empresa Wollim Entertainment viu um membro do seu mais novo grupo feminino ser alvo de acusações de bullying e assédio sexual que a impossibilitaram de comparecer ao primeiro show de debut do girlgroup. Apesar do surgimento dessas notícias desfavoráveis à indústria do K-pop, já que esta se encontra dentro de uma cultura conservadora sul-coreana, o gênero musical continua muito forte entre os fãs e que, em sua maioria, não tiveram sua devoção e apreço abalados, se mostrando fundamentais tanto na divulgação do K-pop nas redes sociais, quanto no apoio ao mesmo. Este constante fluxo de informações, sejam “positivas” ou “negativas”, indica como a indústria do pop sul-coreano está em constante atividade e que esta não é perfeita e pode ter suas “limitações” como qualquer outra indústria musical do mundo. E, como qualquer outra, passa por um processo frequente de renovação e aprendizado que a mantém no mercado por muitos anos. Ao observar a trajetória das agências e artistas do K-pop e, até mesmo, do circuito e expansão do gênero, é possível notar um amadurecimento e desenvolvimento na concepção de uma identidade com características particulares reconhecidas dentro e fora da Coreia do Sul. O ano de 2014 está sendo considerado pelos fãs como um dos mais marcantes na história do K-pop pelos “altos e baixos” que atingiram não somente o circuito do gênero, mas a própria Coreia do Sul. Uma grande questão atual é se haverá e quais serão os novos rumos do K-pop. Idols e agências continuarão surgindo com novas músicas e conceitos para chamar a atenção e agradar fãs de variados gostos; empresas, como as do “Big 3”, persistirão na tentativa de conquistar o mercado ocidental, especialmente o americano. Mas será que as estratégias permanecerão as mesmas? E conceitos que enfatizem a “autenticidade” serão implementados e desenvolvidos nas músicas? Estas questões poderão ser respondidas na continuidade em observar a trajetória do K-pop na Ásia e no Ocidente. O ano de 2015 já pode começar a responder essas perguntas, já que a YG Entertainment anunciou o debut americano da idol CL, membro do grupo 2NE1. 59

Registro com base na matéria do site AllKpop mostrando os valores das ações das agências YGE e SME logo após os “escândalos” envolvendo esta última: http://www.allkpop.com/article/2014/10/ygentertainment-surpasses-sm-entertainment-in-market-value

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A artista irá debutar solo e vai trabalhar com o produtor Scooter Braun, mesmo empresário de ídolos pop Justin Bieber e Ariana Grande. As expectativas dos fãs estão divididas, por conta das dificuldades anteriores dos idols de obterem êxito nos Estados Unidos, mas muitos mostram torcer pelo sucesso da cantora. É importante ressaltar que o K-pop, além de conquistar fãs em diversos países e inspirar covers de dança e canto, está influenciando no surgimento de grupos com características muito próximas ao pop sul-coreano. É o caso do grupo francês ALiife, formado por três homens e uma mulher, lançado em setembro de 2013 com o single “Peace & Love”60; e o outro, já comentado anteriormente, é o grupo brasileiro Champs, composto por cinco rapazes, lançado em maio de 2014 com o single “Dynamite”. O boygroup brasileiro obteve uma boa recepção entre os fãs de K-pop no Brasil e de outras partes do mundo e já fez uma parceria com o girlgroup sul-coreano WASSUP com a música “We Are The Champs” 61, em comemoração a Copa do Mundo realizada no Brasil. Esse movimento parece estar crescendo e atraindo a atenção dentro do fandom, já que um grupo feminino de B-pop, chamado Queens, ainda está para ser lançado. O aparecimento desses grupos pode influenciar em um novo fenômeno no Brasil, como também no crescimento e visibilidade de um circuito brasileiro de K-pop que atraia cada vez mais eventos, shows e divulgação de produtos não somente musicais, mas, também, que possam abranger a cultura pop sul-coreana. Estes acontecimentos suscitam novas análises que desafiarão novas pesquisas, demonstrando a atualidade do tema.

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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4nmVqbhFxVE Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BN7SixoO7s0

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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