Cultura, Religião e Empreendedorismo: O Lócus de Controle de Comerciantes de Cidades Religiosas

June 30, 2017 | Autor: R. Saraiva Lôbo | Categoria: Religião, Empreendedorismo
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Cultura, Religião e Empreendedorismo: O Lócus de Controle de Comerciantes de Cidades Religiosas Autoria: Ana Augusta Ferreira de Freitas, Rosa Cristina Lima Ribeiro, Rodolfo Jakov Saraiva Lobo, Adriano Lima, Verônica Peñaloza

Resumo O impacto da estrutura de valores culturais sobre a taxa de criação de novas empresas é uma questão ainda pouco explorada e não solucionada. O presente trabalho irá tratar de um aspecto da estrutura de valores de uma sociedade – a religião – e da sua inter-relação com o comportamento empreendedor, na dimensão específica, do lócus de controle. O objetivo é avaliar o lócus de controle entre empreendedores de cidades religiosas. Duas cidades religiosas no interior do Ceará foram escolhidas como campo de análise de onde se extraiu uma amostra de 63 empreendedores, posteriormente comparados com uma amostra de empreendedores da capital do Estado. Os resultados suportaram a hipótese da importância da dimensão de internalidade do lócus de controle entre empreendedores, mas as diferenças entre as cidades são melhor explicadas pelos diferentes níveis de desenvolvimento e pela própria filosofia de fé e trabalho das expressões religiosas das duas cidades, Padre Cícero e São Francisco. Nos resultados discute-se a utilidade das escalas validadas de lócus e se propõe a agregação de outras esferas de controle. 1. Introdução O impacto da estrutura de valores culturais sobre a taxa de criação e desenvolvimento de novas empresas é uma questão ainda pouco explorada e não solucionada. Alguns estudiosos (e.g. McGRATH et al., 1992) advertem que embora a literatura de empreendedorismo sugira que a estrutura de valores de uma determinada sociedade possa formar uma importante base de construção à teoria do comportamento empreendedor, sua magnitude e real importância ainda são desconhecidas. Uma possível explicação à ausência de trabalhos desta natureza pode estar relacionada à complexidade do assunto e a variedade das questões envolvidas. Neste sentido, o presente trabalho irá tratar de um aspecto da estrutura de valores de uma sociedade – a religião – e da sua inter-relação com o comportamento empreendedor. Esta pesquisa alinha-se a outras, como a de Mesquita (2007), quando aborda a relação entre trabalho e empreendedorismo em uma determinada religião (católica). No entanto, vai além, entendendo que a religião molda e é moldada por uma sociedade, que suporta estruturas de poder, beneficia e pune certos comportamentos. Este sistema de significados é afetado pelas experiências de grupos que manifestam sua religião, bem como pelos próprios dogmas teológicos (Cf. SOOD; NASU, 1995). Nesta tentativa de entender a relação existente entre religião e empreendedorismo, dentro da sociedade, o foco recai sobre empreendedores de duas cidades religiosas no interior do Estado do Ceará, que têm na fé a propulsão para atividade econômica, e são suportados pela crença em duas figuras centrais, Padre Cícero e São Francisco. É de se esperar que o nível e a natureza da atividade empreendedora se devam, em certa extensão, à religião enquanto suporte de uma atividade econômica independente. Além disto, é também esperado que as crenças pessoais e a prática religiosa de uma religião específica tenham seus efeitos no comportamento empreendedor. Entre as dimensões do comportamento empreendedor se escolhe o lócus de controle como objeto de análise. A internalidade do lócus de controle – percepção das pessoas sobre o controle dos acontecimentos – é geralmente identificada como uma das características 1

normalmente encontrada entre empreendedores, juntamente com a necessidade de realização e propensão ao risco. Neste sentido, o objetivo deste artigo é avaliar o lócus de controle entre empreendedores de cidades religiosas. Para discutir a análise destes aspectos será feita neste texto uma revisão inicial das evidências prévias de pesquisa que relacionaram empreendedorismo e religião. Durante este exercício de revisão, as hipóteses de trabalho serão apresentadas. Na seqüência, o método de pesquisa é apresentado, seguido dos resultados do trabalho empírico conduzido. A luz destes achados, algumas questões teóricas da área de empreendedorismo serão revisitadas, momento onde se identifica as contribuições da pesquisa e os direcionamentos futuros. 2. Fundamentação Teórica O exame da atividade empreendedora numa perspectiva mais abrangente demonstra a significância da cultura, enquanto conjunto de valores e manifestações compartilhados por grupos de indivíduos, como impulsionadora de ambientes mais, ou menos, favoráveis ao empreendedorismo (Cf. VERHEUL, 2001). Specht (1992) defende que é possível analisar culturas específicas em termos de sua relativa magnificência de fatores ambientais que motivam a atividade empreendedora. Uma sociedade, por exemplo, cuja elite política dê suporte ao empreendedorismo, pode ser identificada, coeteris paribus, diante de outras como tendo um rico ambiente empreendedor e é de se esperar maiores taxas de criação de novas empresas. Entre as formas de manifestação simbólica, uma das mais relevantes é a religião, aqui discutida como uma estrutura simbólica, assim como a língua e arte. Bourdieu (2005), numa proposta de síntese, a partir da discussão dos trabalhos de Marx, Weber e Durkheim, levanta a hipótese de uma correspondência entre as estruturas sociais e as estruturas mentais, dada a partir dos sistemas simbólicos. Nessa situação a religião, através da imposição de um conjunto de práticas e representações, se coloca na posição de responsável pela legitimação de estruturas e práticas sociais. Nesta perspectiva, Dodd e Seaman (1998) argumentam que a religião tem um papel dual de aumentar ou diminuir a magnificência do ambiente no que diz respeito à atividade empreendedora de uma determinada sociedade. Uma religião nacional que suporte e legitime a atividade empreendedora pode ser entendida como uma alavanca positiva no ambiente. A tendência a este pensamento é ainda extremamente influenciada pelas idéias Weberianas. Sua herança é claramente aparente no conjunto de pressupostos que suportam suas teorias e especificam rotinas religiosas ligadas às noções de trabalho, obrigação e auto-suficiência. Tal afirmação é corroborada também pelo trabalho de Carsweel e Rolland (2004), que indicaram que a associação com sistemas de valores religiosos não impacta negativamente na taxa de criação de novos negócios. Exemplo de pesquisa nacional que estudou estes valores específicos dentro de um determinado grupo religioso é a de Mesquita (2007), entre fiéis neopentecostais. Partindo das idéias da Teologia da Prosperidade, que aborda o vínculo entre a fé e a bem-aventurança material, Mesquita (2007) observa no relato de fiéis a crença de que o fim dos seus problemas é alcançado no alcance de uma condição econômica e social favorável, conseguida através de muito trabalho e compromisso com Deus. Embora a autora deixe claro que não é possível vincular os atos concretos em busca de ascensão social à adesão as crenças religiosas, não é possível desconsiderar a influência da Teologia da Prosperidade nas condutas dos fiéis. 2

Dado que a religião, enquanto sistema simbólico, provê aos seus seguidores um conjunto de princípios que guiam suas vidas, é razoável pressupor que os crentes serão influenciados na sua atividade econômica pela religião no qual eles depositam sua fé, assim como argumentou Mesquita (2007). Outras áreas da administração já traçaram associação semelhante. Passuello e Souza (2206), em um estudo sobre processos decisórios, encontraram evidências de que a espiritualidade e a religiosidade contribuem para o estabelecimento da confiança necessária à assunção de riscos e têm efeitos no curso das decisões tomadas. Outro ponto levantado por Dodd e Seaman (1998) é que a religião pode afetar as redes de relacionamento e consequentemente influenciar a atividade empreendedora. Membros de um grupo religioso particular que dividem o mesmo sistema de fé, valores e significados podem compartilhar conselhos profissionais e escolher, entre eles, seus colegas de trabalho. Esta discrepância torna-se mais importante quando se está falando em grupos religiosos minoritários. No que diz respeito à ligação entre os traços de personalidade dos empreendedores e a influência religiosa, este parece ser um ponto polêmico, à medida que desde o princípio já é possível argumentar que a linha associativa que vincula o comportamento empreendedor aos traços de personalidade é ultrapassada por pesquisas que mostram que este fenômeno deve ser visto como multidimensional (e.g. KORUNKA et al., 2003). No entanto, no contexto nacional, os avanços epistemológicos na compreensão da dinâmica empreendedora demonstram como necessária a construção de estudos que verifiquem, em maior profundidade, a associação entre traços de personalidade e empreendedorismo, como é o caso da característica de lócus de controle, sem que se abdique de investigações paralelas a partir da visão multidimensional. O construto representado pelo lócus de controle busca compreender de que forma as pessoas percebem a fonte do controle dos acontecimentos nos quais estão envolvidas. Algumas pessoas acreditam que a fonte do controle dos acontecimentos está nelas próprias, outras acreditam que forças como a sorte, o destino ou pessoas poderosas é que são responsáveis por esses acontecimentos. As primeiras apresentariam lócus de controle interno, o segundo grupo teria o lócus de controle externo como característica (DELA COLETA, 1987, ROTTER, 1966). Na área de empreendedorismo, o lócus de controle constitui uma das características de personalidade que permite explicar o comportamento organizacional estratégico e significa algo que todas as pessoas têm e que as diferenciam na forma como cada uma se relaciona com o mundo (MILLER; KETS DE VRIES; TOULOUSE, 1982). Pesquisas posteriores feitas em outros países e também no Brasil estabeleceram uma relação entre o lócus de controle interno e a propensão do indivíduo engajar-se em uma atividade empreendedora (GARTNER, 1985; PERRY, 1990; SHAVER; SCOTT, 1991; KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN, 1995, CALLADO et al, 2006). Perry (1990) concluiu que o lócus de controle interno e a motivação dos empreendedores, quando comparado ao restante da população, são mais elevados. A partir desses achados teóricos propõe-se a primeira hipótese deste trabalho. H1: Empreendedores apresentam na avaliação do lócus de controle uma dimensão de internalidade maior do que as dimensões de externalidade.

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No que diz respeito à religião, o trabalho de Abbad e Meneses (2004), cujo objetivo inicial foi o desenvolvimento de uma escala própria de lócus de controle a ser utilizada em treinamentos organizacionais, comprovou a existência de associações positivas entre as dimensões do lócus e a prática religiosa. Quanto à internalidade os indivíduos que obtiveram maiores escores eram não-católicos e praticantes de religião. Em relação à externalidade/sorte, os indivíduos que obtiveram maiores escores neste fator foram os católicos e os não-praticantes de religião. Finalmente, em relação à externalidade/outros, os indivíduos que alcançaram maiores escores neste fator eram católicos. Importante observar que esta associação não é consistente em outras áreas, conforme demonstram Figueiredo, Terenzi e Machado (1999). Em um estudo com pacientes da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids), não foram identificados subgrupos diferenciais, quando se testou a diferença entre católicos e evangélicos no que dizia respeito às crenças relacionadas ao enfrentamento das condições de contágio. Por associação com o trabalho de Abbad e Meneses (2004), é possível conjeturar que resultados semelhantes possam vir a acontecer entre empreendedores que tenham seus comércios em cidades de natureza religiosa, o que dá espaço a elaboração da segunda e terceira hipóteses da investigação. H2: Empreendedores de cidades religiosas católicas possuem escores mais altos de externalidade/sorte H3: Empreendedores de cidades religiosas católicas possuem escores mais altos de externalidade/outros Além da associação com a religião, uma outra associação possível para o lócus de controle é a com o nível de desenvolvimento do país. Em Smith, Dugan e Trompenaars (1997), os autores mostram que o lócus de controle interno encontra-se inversamente relacionado ao nível de desenvolvimento de um país. Tal qual foi chamado pelos autores, empreendedores de países menos modernos, como o México, exibem um lócus de controle interno maior do que aqueles situados em países mais modernos, como a Holanda e Suécia. Estes mesmos países menos desenvolvidos teriam escores mais altos de externalidade. A partir desta investigação, e também a partir de associações, propõem-se a quarta e quinta hipóteses a verificar nesta pesquisa: H4: Empreendedores de cidades menos desenvolvidas apresentam escores mais altos de externalidade/sorte. H5: Empreendedores de cidades menos desenvolvidas apresentam escores mais altos de externalidade/outros. A seção seguinte apresenta os procedimentos metodológicos e a caracterização econômicodemográfica e social das cidades pesquisadas. 3. Método A investigação aqui conduzida enquadra-se nas definições de Gil (2006) para pesquisa descritiva, já que visa descrever as características de uma dada população, neste caso os empreendedores de cidades religiosas. A pesquisa utilizou, como instrumento de coleta de 4

dados, uma escala de lócus de controle. Rotter (1966), em seu trabalho, propôs uma ferramenta que permitisse avaliar a presença deste traço de personalidade nos indivíduos, do ponto de vista da internalidade ou externalidade do lócus. Levenson, em 1974, aperfeiçoou a escala de modo que as dimensões do lócus de controle externo pudessem ser desmembradas. A partir da proposta de Levenson (1974), foi possível segmentar os indivíduos de alto lócus de controle externo, distinguindo os que atribuem a fonte dos acontecimentos à sorte ou ao destino; dos que o fazem a pessoas poderosas. Dela Coleta (1987) adaptou este material para o contexto brasileiro, e é a base desta pesquisa. A escala de Dela Coleta (1987) possui o total de 24 itens distribuídos em três sub-escalas (IPC). A sub-escala I, composta pelos itens 1, 4, 5, 9, 18, 19, 21 e 23, mede o grau de internalidade e quanto mais alto o escore, mais os sujeitos supõem que eles próprios são os controladores dos fatos que ocorrem em suas vidas. A sub-escala P, composta pelos itens 3, 8, 11, 13, 15, 17, 20 e 22, mede o grau de externalidade associado a outros poderosos e quanto mais alto o escore, maior a indicação de que o sujeito supõe que pessoas poderosas têm controle sobre sua vida. A sub-escala C, composta pelos itens, 2, 6, 7, 10, 12, 14, 16 e 24, mede o grau de externalidade ligado ao acaso e quanto mais alto o escore, maior a indicação de que o sujeito explica os acontecimentos de sua vida como ligados ao acaso, ao azar, ao destino e à vontade de Deus. Cada item foi dividido em cinco níveis (concordo totalmente, concordo, indeciso, discordo, discordo totalmente) que correspondem a valores 5, 4, 3, 2 e 1, respectivamente, podendo cada indivíduo em cada sub-escala obter um escore variando de 8 a 40. Desta forma cada indivíduo obtém três escores, um para cada escala. As cidades selecionadas para a investigação são municípios do interior do Estado do Ceará reconhecidos pela força da prática religiosa, cuja raiz de devoção é pautada pelo catolicismo. A primeira, Canindé, tem como figura de devoção São Francisco, a segunda, Juazeiro do Norte, cultua a figura do Padre Cícero. Ambas têm como forte atividade econômica o turismo religioso. Em termos geográficos, Canindé está localizada no sertão central do Ceará, distante 108 km de Fortaleza e possui uma população estimada em 74 mil pessoas (IBGE, 2007). A origem da devoção a São Francisco é atribuída a um fazendeiro do mesmo nome. Conta-se que, por volta do ano de 1795, com a ajuda de fazendeiros da região, Francisco Xavier Medeiros ergueu uma igreja dedicada a São Francisco das Chagas. Por ocasião das reformas um operário sofreu uma queda da torre da igreja e invocou a proteção do santo para livrar-se da morte certa. O milagre, atribuído a São Francisco, deu início às romarias e no início do século dezenove os festejos do santo franciscano já eram tradicionais (SANTOS, 1990). As maiores expressões do patrimônio religioso de Canindé são representadas pela Basílica de São Francisco, a Praça dos Romeiros, a igreja de Nossa Senhora das Dores e a Casa dos Milagres, onde são guardados os ex-votos (SANTOS, 1990). Cabe ressaltar que a Basílica de São Francisco da cidade de Canindé é a segunda em importância na devoção do santo – a maior está localizada em Assis, na Itália - e a mais importante no continente americano. A Prefeitura de Canindé estima em 2,5 milhões o fluxo de pessoas no município durante as festas em homenagem a São Francisco. Juazeiro do Norte, localizada no sul do Estado do Ceará, na região do Cariri, é considerada um dos maiores centros de religiosidade do mundo. Dista cerca de 570 km da capital 5

Fortaleza e possui uma população estimada em 242 mil habitantes (IBGE, 2007). Diferentemente de Canindé, onde a tradição religiosa é atribuída a um milagre dos céus, nesse caso de São Francisco, a tradição da cidade de Juazeiro do Norte advém da convivência dos fiéis com a figura de Padre Cícero. No final do Século XIX o padre estabeleceu-se na região que daria início a cidade; era a época de transição da monarquia para a república, caracterizada por grandes indefinições no cenário político e social. Padre Cícero era procurado pelos devotos como fonte de orientação e consolo, e sempre os exortava ao trabalho e à fé. O trabalho proveria as necessidades materiais, a fé daria o sustento para convivência com as dificuldades e intempéries climáticas. A atuação de Padre Cícero era ao mesmo tempo social, política, econômica e religiosa (ARAÚJO, 2005). Os romeiros que visitam a cidade de Juazeiro do Norte são estimados em dois milhões por ano. O túmulo de Padre Cícero, a Igreja do Socorro, a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores e a rua do Horto, onde acontecem as estações da via sacra, figuram como os monumentos religiosos mais visitados da cidade (ARAÚJO, 2005). Estes romeiros movimentam o comércio local, principalmente em torno de produtos religiosos. Com vistas a melhor estabelecer as diferenças sócio-econômicas entre os municípios investigados e prover bases de comparação, apresenta-se na TAB.1 o detalhamento do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH dos municípios pesquisados e também da cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará. O IDH consiste numa medida, proposta pelo Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento – PNUD (2006), que visa a mensurar a qualidade da vida humana baseada na congruência de três dimensões básicas: expectativa de vida, alfabetização de adultos e renda per capita, quanto mais próximo da unidade melhor o índice, que é calculado pela média aritimética simples dos indicadores encontrados para suas sub-dimensões. Os dados referem-se ao ano de 2000, última posição divulgada do índice municipal (IDH-M): Cidade

IDH-M 0,786

IDHRenda 0,729

IDHLongevidade 0,744

IDHEducação 0,884

Fortaleza Canindé

0,634

0,498

0,705

0,699

Juazeiro do 0,697 0,606 0,713 0,773 Norte Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM Fonte: PNUD (2008)

A amostra foi definida por conveniência e é representada por sessenta e três empreendedores, dos quais trinta e dois são da cidade de Juazeiro do Norte e trinta e um da cidade de Canindé. Os empreendedores são essencialmente representados por comerciantes de produtos religiosos, mas um pequeno grupo é de comerciantes de outros produtos que têm na movimentação religiosa uma força para conduzir e manter os seus negócios. Para fins de comparação foram utilizados também resultados da investigação conduzida por Callado et al (2006) sobre lócus de controle em empreendedores de Fortaleza, neste exemplo utilizada como cidade não religiosa. Os dados foram coletados no mês de maio de 2008 e a técnica de análise de diferenças de média foi a ANOVA (entre grupos) e o teste Tukey HSD para avaliar as diferenças entre as cidades.

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4. Resultados A primeira verificação realizada buscava testar a H1 de trabalho, acerca da maior internalidade do Lócus de Controle entre os empreendedores. A TAB. 2 apresenta a média de cada uma das sub-escalas IPC. Os resultados confirmam H1, visto que os empreendedores das três cidades apresentaram maiores médias na dimensão da internalidade (I) do lócus de controle do que nas duas dimensões relacionadas à externalidade (P e C). Cidade

Média (I)

Fortaleza

29,47

18,59

17,59

34

Canindé

29,39

21,29

24,03

31

30,87

19,16

19,75

32

29,91

19,64

20,36

97

Juazeiro do Norte Total

Média (P) Média (C)

N

Tabela 2 - Média do lócus dos empreendedores em cada uma das sub-escalas IPC

Com relação às hipóteses 2 e 3, onde se previa que empreendedores de cidades religiosas apresentariam maiores escores nas dimensões da externalidade de lócus tanto na dimensão P (outros poderosos) como na dimensão C (acaso, azar, sorte e destino), os achados corroboraram as previsões. Os resultados apresentaram-se significativos, quando tomadas em grupos, na distinção dos empreendedores quando se comparam as três cidades, a partir da dimensão da externalidade do lócus de controle (TAB. 3). Como é possível avaliar, a partir das TAB. 4, não há distinção entre as três cidades no que se refere à dimensão de internalidade. No entanto, em uma análise mais precisa, mostrada nesta tabela, é possível perceber que nas dimensões de externalidade-poderosos e externalidadesorte, as diferenças são significativas apenas entre Fortaleza e Canindé, não sendo significativas entre Fortaleza e Juazeiro. Tais diferenças serão também significativas na comparação de externalidade-sorte entre Juazeiro e Canindé e, se considerada significância de 85% e não 95%, estas mesmas cidades são diferentes na dimensão externalidade-poderosos. A busca pela explicação levou estes pesquisadores a uma análise das hipóteses seguintes. Soma dos quadrados

Df

Média dos quadrados

F

Sig.

I

Entre grupos 44,840 2 22,420 1,743 0,181 Dentro dos 1209,325 94 12,865 grupos Total 1254,165 96 P Entre grupos 129,530 2 64,765 3,121 0,049 Dentro dos 1950,841 94 20,754 grupos Total 2080,371 96 C Entre grupos 691,168 2 345,584 13,484 0,000 Dentro dos 2409,203 94 25,630 grupos Total 3100,371 96 Tabela 3 – Análise de variância entre empreendedores para os fatores IPC

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Variável (I) (J) Diferença Std. Erro Sig. dependente CIDADE CIDADE Média (I-J) I Fortaleza Canindé 0,08 0,891 0,995 Juazeiro -1,40 0,883 0,255 Canindé Fortaleza -0,08 0,891 0,995 Juazeiro -1,49 0,904 0,232 Juazeiro Fortaleza 1,40 0,883 0,255 Canindé 1,49 0,904 0,232 P Fortaleza Canindé -2,70 1,131 0,049 Juazeiro -0,57 1,122 0,868 Canindé Fortaleza 2,70 1,131 0,049 Juazeiro 2,13 1,148 0,156 Juazeiro Fortaleza 0,57 1,122 0,868 Canindé -2,13 1,148 0,156 C Fortaleza Canindé -6,44 1,257 0,000 Juazeiro -2,16 1,247 0,198 Canindé Fortaleza 6,44 1,257 0,000 Juazeiro 4,28 1,276 0,003 Juazeiro Fortaleza 2,16 1,247 0,198 Canindé -4,28 1,276 0,003 Tabela 4 – Teste de significância dos empreendedores para os fatores IPC com ANOVA utilizando o Tukey HSD

Com relação às duas últimas hipóteses colocadas nesta investigação, H4 e H5, as de que empreendedores de cidades menos desenvolvidas apresentariam maiores escores nas dimensões de externalidade-outros e externalidade-sorte, representadas pelas sub-escalas P e C respectivamente, os resultados também as confirmam. Quando se comparam os três municípios verifica-se que Fortaleza, enquanto cidade mais desenvolvida (maior IDH), é a que apresenta menores escores nas dimensões relativas à externalidade do lócus de controle. Por outro lado Juazeiro do Norte e Canindé, com IDH menores, apresentam maiores escores nas dimensões relativas à externalidade do lócus. Conforme as informações disponíveis para avaliação do nível de desenvolvimento, Canindé apresenta-se como a cidade menos desenvolvida, dentre as investigadas, nas três dimensões avaliadas pelo Índice de Desenvolvimento Humano–IDH, com níveis de renda e escolaridade significativamente inferiores aos dois outros municípios. Da mesma forma, em Canindé foram verificados escores significativamente mais altos na atribuição do controle das situações vividas pelos empreendedores a outros poderosos ou a sorte, confirmando, em nível municipal, a questão da associação de lócus e desenvolvimento apresentada por Smith, Dugan e Trompenaars (1997), discutida na revisão teórica. Cabe aqui retomar a proposta de Bourdieu (2005) e ressaltar a forma de estruturação da religiosidade enquanto manifestação simbólica nas duas cidades religiosas. Em Juazeiro do Norte a figura de fé, o Padre Cícero, incentivava o homem a modificar seu destino pela ação do trabalho. Em Canindé a construção da cidade religiosa baseou-se na intervenção divina, no milagre. Talvez deste conjunto de credos advenha a maior crença dos empreendedores canindeenses na ação da sorte ou destino no controle de suas vidas. 8

5. Considerações Finais Partindo de uma teoria ainda pouco desenvolvida, foram extraídas algumas evidências teóricas e empíricas da relação entre religião e empreendedorismo e da complexidade deste relacionamento interdependente. De maneira sintética, foi possível pressupor teoricamente que a religião tende a influenciar a magnificiência ambiental de maneira positiva no que diz respeito à atividade empreendedora. Na falta de estruturas teóricas mais aprofundadas, esta relação foi expandida para avaliar as cidades religiosas, as características de seus empreendedores e uma dimensão da personalidade, o lócus de controle. Em relação à análise proposta, a primeira característica que se observa é que independente da vocação religiosa das cidades, a dimensão de internalidade é maior do que as dimensões de externalidade entre os empreendedores. Quando se procede a uma análise entre as cidades, as conclusões não são tão lineares, quando se busca uma associação com a natureza religiosa das cidades. A distinção entre elas é melhor explicada pelo seu desenvolvimento econômico e humano e pelos preceitos sobre fé e trabalho vinculados às duas figuras santificadas do que pelo sua tendência a religiosidade. De maneira geral, a pesquisa aqui desenvolvida demonstra a utilidade da escala de lócus de controle proposta por Dela Coleta em 1987, no que se refere a um entendimento inicial sobre o controle percebido. No entanto, o que se observou é que as três dimensões propostas não refletem todas as dimensões de controle percebido e neste sentido não caracteriza o indivíduo de maneira precisa. De maneira informal, os empreendedores que participaram da pesquisa declaravam que faltavam itens relativos à fé que eles têm em Padre Cícero e em São Francisco como responsáveis pelos acontecimentos da vida. Neste sentido, se propõem a continuação dos estudos com a inclusão de itens relativos à fé em Deus e a construção de uma nova escala de lócus de controle. Referências Bibliográficas ABBAD, G.; MENESES, P.P.M. Lócus de controle: validação de uma escala em situação de treinamento. Estudos de Psicologia, v.9, n.3, p.441-450, 2004. ARAÚJO, M.L. A cidade do Padre Cícero: trabalho e fé. 2005. 260 f. Tese. (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – Centro de Ciências Jurídicas e Aplicadas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. CALLADO, M. et al. Lócus de controle interno: uma característica de empreendedores. Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, In Anais do ENANPAD 2006 (CD-ROM), Salvador/BA, 2006. BORDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005. CARSWELL, P.; ROLLAND, D. The role of religion in entrepreneurship participation and perception. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v.1, n. 3/4, p. 280-286, 2004. DELA COLETA, M.F.; Escala multidimensional de lócus de controle de Levenson. Cadernos Brasileiros de Psicologia. v. 39, n. 2, p. 79-97, abr/jun, 1987. DODD, S.D.; SEAMAN, P. T. Religion and enterprise: an introductory exploration. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 23, p. 71-86, 1998. FIGUEIREDO, M.A.C.; TERENZI, N.M.; MACHADO, A.A. Um estudo diferencial sobre crenças de portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), relacionadas ao

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