CULTURAS E COMUNICAÇÕES DO UNIVERSO PLUS SIZE: UMA CARTOGRAFIA DAS IMAGENS DE CORPO NOS DISCURSOS NAS REDES SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PATRÍCIA ASSUF NECHAR

CULTURAS E COMUNICAÇÕES DO UNIVERSO PLUS SIZE: UMA CARTOGRAFIA DAS IMAGENS DE CORPO NOS DISCURSOS NAS REDES SOCIAIS

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PATRÍCIA ASSUF NECHAR

CULTURAS E COMUNICAÇÕES DO UNIVERSO PLUS SIZE: UMA CARTOGRAFIA DAS IMAGENS DE CORPO NOS DISCURSOS NAS REDES SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão.

SÃO PAULO 2015

Banca Examinadora

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Esta dedicatória era para você mesmo mamãe, mas era para ser com você em vida na Terra. Hoje, dedico não só esta pesquisa, mas a minha vida às lindas lembranças que tenho suas, minha mãe, minha melhor amiga, irmã e confidente. Nadia Sônia Assuf Nechar, a pessoa que mais celebrava a vida! Até o final você acreditou em mim, me incentivou em tudo na vida com muita alegria, carinho e amor que não existe igual no mundo. Você me ensinou a viver e me passou tanto conhecimento que não cabe em nenhum livro já escrito. Prometo viver os momentos da minha vida como você me ensinou: com muita alegria, total entrega e coragem. Vou te orgulhar como sempre fiz. Meu amor por você transcende o céu, o mar, a terra. Sei que além do arco-íris um dia vou te encontrar... Te amo muito!

AGRADECIMENTOS

À memória da minha mãe e a Deus por me dar forças. Agradeço a meu pai Raul e a meus irmãos Raul Jr e Ricardo por me apoiarem no momento mais difícil da minha vida. À minha orientadora Lucia Leão pelos ensinamentos, acolhimento e incentivo em todos os momentos deste trabalho. Ao professor José Amálio por seu um grande amigo e acreditar em minha competência. A Cida Bueno, a “guardiã” da COS que me ensinou e direcionou com muito carinho todos o processo do mestrado. A Helena Custódio por me iniciar e me apresentar ao mundo plus size. A Elisangela Munhoz Peña por dividir todos momentos felizes e difíceis desta dissertação. A Bernardo Queiroz e Ana Luiza Aguiar pelo acolhimento quando eu mais precisei. À amiga e professora Paula Carolei por me ensinar a nobre missão de lecionar. Ao prof. Rogério Costa pelo acolhimento nos meus primeiros passos da minha vida acadêmica. Aos ensinamentos dos professores José Aidar Prado e Cecília Salles. A Luís Fernando Pereira pela compreensão e paciência. Aos meus amigos e companheiros do grupo de pesquisa CCM que sempre me apoiaram: Guilherme E. Rocha, Adriana Pereira, Alessandra Marassi, Thiago Silva, Pablo Villavicencio, Fernanda Cereta, , Mirian Meliani, Gabriel Dualiby, Bruno Tavares, Janaina Oliveira, Christian Petrini, Juliana Caetano, Micheline Penafort, Roseli Demercian, Silvio Anaz, Daniel Amadei, Emerson. Otavio Donasci e você. Aos meus amigos da PUC que ajudaram nesta caminhada: Tatiana Lunardeli e Kina, Gilmar Pereira, Cyntia Calhado e Daniel Libanori, Thiara Ribeiro, Pablo Garran, Regina Helena Giannotti e Roberto Schmidt.

Aos meus amigos que nunca deixaram de me apoiar: Regina Golden Barbosa, Dulce Spinelli, Giuliana Vitti, Luiz Fernando Misukami, Keka Demétrio Ana Cris Maia, Fernanda Perini, Lucy Aihara, Rosana Britto, Romilda Germano, Lorenza Calefi, Josiani Ometto, Marlene Matos, Mirian Rother, Valéria Moro, Dr. Rodolfo Oliveira, Dr. Cley Rocha de Farias, Camila da Silva Gonçalo, Cilene de Lima Oliveira, Raquel Roma, Dani Maggah. Às meninas do “Sou Gordinha Sim”. Aos meus colegas da UNIMEP e FDDJ. E à CAPES.

O mito da beleza na realidade sempre determina o comportamento, não a aparência. Naomi Wolf, O mito da Beleza

é perfeitamente possível ser gordo e saudável. Assim como é possível ser baixo e saudável. Criou-se uma espécie de superstição em torno da gordura. Se você é gordo nunca se casará, nunca terá um emprego, nunca terá uma vida sexual satisfatória. Frequentemente os gordos adoecem não por causa da gordura, mas sim pelo stress, pela opressão a que são submetidos. Ninguém assume que está incomodado com a gordura, dizem que estão preocupados com nossa saúde. Marylin Wann

NECHAR, Patricia Assuf. Culturas e comunicações do Universo Plus Size: uma cartografia das imagens de corpo nos discursos nas redes sociais. 2015. Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Orientador: Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão. RESUMO Esta dissertação de mestrado tem como objeto de estudo os discursos das redes sociais em relação ao corpo gordo, em especial, aqueles que circulam no ciberespaço, nos blogs do universo Plus Size. Inserida no campo da comunicação, na linha de pesquisa processos de criação nas mídias e na cultura, nossa pesquisa tem como foco o mapeamento e análise crítica dos processos de criação e construção de uma imagem do corpo que problematiza e subverte as representações e os discursos hegemônicos. Atualmente, o corpo é objeto de discussão frequente no universo das mídias. Observa-se a predominância de dois tipos de discursos: nas mídias de massa, os discursos assumem um caráter imperativo e pregam a valoração de um corpo ideal. Nas mídias digitais, no entanto, é possível observar a emergência de um contra-discurso que defende a valoração de outros tipos de corpos que fogem às normatizações que regem o corpo ideal. Nesse contexto, esta dissertação de mestrado tem como objetivo cartografar as imagens e discursos que emergem no ciberespaço, em suas multiplicidades. Entende-se o conceito de ciberespaço tal como foi definido por Leão: um labirinto gigantesco e quase-infinito de interações da era contemporânea, uma rede composta por hardwares, softwares, pessoas e grupos. Entre os temas que circulam nas discussões elencamos: cotidiano, aceitação do corpo, moda, saúde, autoestima, preconceito e respeito. A pesquisa tem como referencial teórico: teorias de análise e crítica de processos (Salles e Leão); corpo, imagem e poder (Foucault); redes sociais (Costa); dispositivos comunicacionais (Prado); imagens do corpo (Sant’Anna, Ortega e Vigarello). A metodologia é composta por revisão bibliográfica; coleta, seleção e análise de documentos das redes sociais elencadas; pesquisa imagens (iconologia) vinculada a projetos artísticos que se relacionam com o conceito de corpos obesos; e cartografia de imagens e imaginários como método de produção de conhecimento (Leão). Fundamentada na ideia de imagem, espaços de conversações e poder (Foucault), a pesquisa demonstra a importância da construção de um imaginário. Através da análise dos documentos que circulam nessas redes (imagens fotográficas, registros de discussões em rede, entre outros) foi possível mapear as complexidades das questões de natureza relacional que constituem os autores e os grupos do universo plus size. Entre os resultados alcançados, a cartografia de imagens e discursos desenvolvida em nossa pesquisa demonstra que a criação de um imaginário alternativo, subversivo e politicamente engajado é fundamental na valoração aos direitos de expressão e comunicação vinculados ao corpo situado fora dos padrões estabelecidos.

Palavras-chave: processos de criação na comunicação e na cultura; cartografias do imaginário; imagens do corpo plus size; ciberespaço; redes sociais e discursos de poder.

ABSTRACT The purpose of this Master’s thesis is to study the social media’s discourses regarding the fat body, especially those circulating in blogs associated with the plus size universe. Inserted in the field of communication and following the “processes of creation in media and culture” line of research, this study focuses on mapping out and conducting a critical analysis of the processes of creating and building a body image that questions and subverts the hegemonic representations and discourses. Nowadays, the body is a frequent object of discussion in the media. Two types of discourses prevail: in the mass media, the discourse takes on an imperative note, preaching the importance of having a perfect body. In the digital media, however, it is possible to notice the emergence of a counter discourse that defends other types of bodies, which escape the rules that govern the “ideal body”. This Master’s thesis aims to map out the multiplicity of images and discourses emerging in the cyberspace. The concept of cyberspace adopted was the one defined by Leão: a gigantic, almost endless maze of interactions typical of contemporary times, a network composed of hardware, software, people and groups. The research focuses on the following topics of discussion: daily life, body acceptance, fashion, health, self-esteem, prejudice, and respect. The theoretical frameworks adopted were: process analysis and criticism theories (Salles and Leão); body, image and power (Foucault); social networks (Costa); communication devices (Prado); body images (Sant’Anna, Ortega and Vigarello). The methodology consisted of literature review; identification, selection and analysis of documents published in the social networks included in the study; image research (iconology) associated with art projects related to the concept of obese bodies; and mapping of images and imaginary as a method of knowledge production (Leão). Grounded in the idea of image, talk spaces and power (Foucault), the research shows the importance of building an imaginary. Through the analysis of documents published in these networks (photographs, records of discussions, among others), it was possible to map out the complexities of the issues involving the authors and groups in the plus size universe. Among the findings, the mapping of images and discourses conducted in this research shows that the creation of an alternative, subversive and politically engaged imaginary is essential to promote the freedom of expression and communication regarding the body that does not conform to established standards.

Keywords: processes of creation in communication and culture; mapping of imagery; plus size body image; cyberspace; social networks; power discourses.

Abreviaturas ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade da Síndrome Metabólica. ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos ABNT – Associação Brasileira de normas técnicas ABRAVEST – Associação Brasileira do Vestuário BM – Blog Mulherão CCPS – Cheias de Charme Plus Size DEXA – Composição Corporal Medida pela Densitometria EPS – Espaço Plus Size FSP – Faculdade de Saúde Pública FWPS – Fashion Weekend Plus Size IEMI – Inteligência de Mercado IMC – Índice de massa corpórea INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia JR – Blog Ju Romano MGG – Maggnificas Nedic – National Eating Disorder Information Centre OMS – Organização Mundial da Saúde SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SGS – Sou Gordinha Sim TCAP –Transtorno da compulsão alimentar periódica TP – Tamanho P Unicef – O Fundo das Nações Unidas para a Infância USP - Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13 CAPITULO 1............................................................................................................................. 22 1.1 O que é Plus Size .............................................................................................................. 22 1.1.2 Propagação do termo Plus Size .................................................................................. 26 1.2 Padrões de beleza no mundo .......................................................................................... 34 1.3 As construções dos padrões de beleza no Brasil ........................................................... 36 1.4 1970: O corpo e mente saudáveis ................................................................................... 46 1.5 1980: Início da malhação ................................................................................................ 48 1.6 O corpo como inimigo ..................................................................................................... 56 CAPÍTULO 2............................................................................................................................. 61 2.1 Temas encontrados blogs do Universo Plus Size .......................................................... 61 2.2 Temas do mundo plus size .............................................................................................. 74 2.2.1 Artes nas esculturas, nas telas e nas ruas.................................................................... 74 2.2.2 Vênus de Willendorf .................................................................................................. 75 2.2.3 Peter-Paul Rubens ...................................................................................................... 76 2.2.4 Fernando Botero ......................................................................................................... 77 2.2.5 Alguns artistas nacionais ............................................................................................ 78 2.2.6 As gordas de Eliana Kertész....................................................................................... 79 2.2.7 O mundo das fofas de Beto França ............................................................................ 80 2.2.8 O Imaginário Mundo Plus Size de Edull .................................................................... 81 2.2.9 Ativista e artista “Negahamburguer” ......................................................................... 83 2.2.10 Fernanda Magalhães ................................................................................................. 84 2.3 Mídia................................................................................................................................. 86 2.3.1 Televisão – Atores e Apresentadores ......................................................................... 86 2.4 Mercado De Moda Plus Size ........................................................................................... 90 2.4.1 A Ascenção das roupas de tamanhos grande no Brasil .............................................. 91 2.4.2 Moda Plus Size nos Blogs – Look do Dia ................................................................. 93 2.4.3 FWPS – Fashion Weekend Plus Size ......................................................................... 95 2.4.4 Grupo Mulheres Reais ................................................................................................ 96 2.5 Beleza................................................................................................................................ 97 2.5.1 Concursos de beleza ................................................................................................... 98 2.6 Sexo ................................................................................................................................. 100 2.6.1 Gordinhos na Cama .................................................................................................. 100 2.6.2 Eles preferem as gordinhas? ..................................................................................... 105 2.7 Gordofobia ..................................................................................................................... 107 2.7.1 Bem-estar social ....................................................................................................... 111 2.7.2 Gordofobia nas redes sociais .................................................................................... 113 2.7.3 Feminismos e gordofobia ......................................................................................... 116 CAPÍTULO 3........................................................................................................................... 120 3.1 Os discursos e narrativas das blogueiras plus size...................................................... 120 3.2 Blogueiras Nas Redes Social – Capital Social ............................................................. 123 3.2.1 Laços Entre Seguidoras E Blogueiras ...................................................................... 125 3.2.2 Cultura Interativa Entre Blogueiras E Seguidoras ................................................... 127 3.3 Exemplos de narrativas das blogueiras plus size ........................................................ 129 3.4 A presença do Outro ..................................................................................................... 132 3.4.1 Exemplo ................................................................................................................... 134

3.4.2 Exemplo de Felicidade ............................................................................................. 144 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 154 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 160 ANEXO .................................................................................................................................... 169

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INTRODUÇÃO

O corpo atualmente é um dos objetos de desejo mais ostentados em nossa cultura. Vivemos em uma sociedade em que o “culto ao corpo ideal”, os discursos do culto às imagens corporais invadem diferentes mídias. Assim, nossa cultura e esses discursos excessivos são capazes de desencadear doenças psicológicas em busca de um corpo idealizado. A busca pelo padrão de beleza é um assunto hegemônico em todas as mídias e hoje em dia é comum vislumbrar corpos com medidas mínimas, magros, em todos os lugares que nos cercam. Já é comum em nosso cotidiano nos depararmos incessantemente com discursos (textos, imagens e vídeos) que falam de dietas miraculosas, práticas de exercícios físicos, plásticas, tratamentos estéticos, fármacos e cremes milagrosos em busca do corpo descrito socialmente e pela mídia como perfeito. E este tem o perfil magro. Esse padrão de beleza, além de ser sinônimo de felicidade em nossa sociedade, se transformou em uma indústria que faturou em 2014 R$ 101,7 bilhões1, e o setor só tende a crescer. Podemos ver nesse fenômeno uma característica da época da corpolatria.2 Por outro lado vivemos o que os médicos dizem ser a epidemia da obesidade, nunca tivemos o corpo tão gordo como atualmente. Conforme a Associação Brasileira para o estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) cita, a “Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo”. E faz uma projeção de que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões obesos devido a inúmeros fatores, desde uma alimentação cotidiana calórica, fatores genéticos, fatores psicológicos, dentre outros. Mas então que corpo é esse que temos/vivenciamos atualmente? Se por todos os lados somos cercados por questões sociais, culturais, midiáticas, psicológicas e de saúde para nos encaixarmos dentro de um padrão de corpo, mas na realidade não possuímos esse corpo exigido socialmente, não sabemos definir qual é o nosso corpo. Vivemos uma época em que o corpo é incerto (ORTEGA, 2008) inserido em uma cultura repleta de paradoxos onde o corpo por um lado é supervalorizado socialmente dentro de suas

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Fonte: Negócio e Estética . Acesso em: set. 2015. 2 A “Corpolatria” é uma espécie de “patologia da modernidade” caracterizada pela preocupação e cuidado extremos com o próprio corpo não exatamente no sentido da saúde (ou presumida falta dela, como no caso da hipocondria) mas particularmente no sentido narcisístico de sua aparência ou embelezamento físico. Wanderley Codo e Wilson Senne, "O que é Corpolatria" - Col. Primeiros Passos, Ed. Brasiliense, 1985.

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práticas físicas e por outro lado desvalorizado por não atender as necessidades sociais pelo fato dele ser visto como gordo e ser completamente depreciado. A questão tratada nesse trabalho não é a doença da obesidade em si, mas sim as alternativas de sobrevivência em busca de um corpo mais visto socialmente e pesquisar o indivíduo com um corpo fora dos padrões midiáticos e como esse corpo vive sob as influências sociais que estão ao seu redor, como ele se identifica em meio a tantos bombardeios midiáticos de um padrão de corpo magro, já que ele não o tem. Conforme Dra Joana Vilhena Novaes autora de vários livros e textos sobre a autoestima e o corpo da mulher, fala em seu livro o O intolerável peso da feiura que “Nas mulheres, a beleza vem na forma de trabalho sobre o corpo – ser bela cansa e dói. Portanto, mais importante do que ganhar dinheiro é estar em forma: seca, sarada e definida.” (NOVAES, 2006, p. 71) Com os auxílios das ferramentas disponíveis no ciberespaço, como as redes sociais, iremos investigar usuários que se identificam com a denominação plus size. Esse corpo pelo que percebemos não é visto com frequência nos meios de comunicação como revistas e televisão, pelo fato de não terem um corpo padronizado por convenções midiáticas. A imagem simbólica que a sociedade tem sobre o gordo é que ele é visto como feio, preguiçoso, desleixado e sujo. Nos guiando pelos caminhos apresentados por Georges Vigarello, historiador francês, sociólogo e diretor da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS), em seu livro “As metamorfoses do gordo: história da obesidade no ocidente”, percebemos que este corpo que no passado era tido como sinônimo de prestigio, fortaleza, robustez, um sinal de vigor na idade média, ao longo do tempo começou a ser mais vigiado por conta da sua silhueta. O gordo se torna “incapaz, mole e inerte” no século XVII. Os olhares para o corpo passam a julgar sua aparência e o problema com o peso, passa ser mais crítico até que no século XVIII a imagem do corpo passa a ser tão avaliada como a imagem do rosto. Tanto corpo gordo como o magro, as “silhuetas contratantes” (2012, p. 218), passam a ser um paradoxo nas descrições dos perfis descritos na Europa. Com o avanço dos estudos na medicina na química e na fisiologia em relação a saúde no século XIX, a gordura passa a ser vista como um perigo e catalogada pelos seus diversos graus, relacionando-a as várias doenças e assim tornado o corpo gordo mais “sensível as morbidades” em 1830. (2012, p. 230). Vigarello nos mostra em seu livro que a busca pelo corpo sem gordura começa no século XIX a partir das dietas. Alimentos como açúcar, a farinha e o amido, considerados

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fonte de energia, passaram a ser restrição obrigatória dos hábitos alimentares. A cozinha então começa a ser mais vigiada e os pratos como “assados, saladas e legumes começam a serem melhores preparados (2012, p. 232). Conforme Vigarello (2012, p. 249-253) narra, a exigência do emagrecimento só aumenta com a ascensão do costume do banho de mar, os regimes ficam mais evidentes. O corpo magro e jovem também, principalmente em relação as mulheres. Com a exposição do corpo na praia a admiração aumentou, com isso se exigia mais da silhueta. Quem não possuía um corpo perfeito para a época era tratado com “desdém” e “zombaria”, principalmente as mulheres gordas, conhecidas como “esferas, bolas, boias, baleias, e as muito magras como “tábuas” e estacas.” “As novas formas de lazer deixam entrever “monstruosidades”. Daí o aumento das pressões pelo emagrecimento.” (VIGARELLO, 2012, p. 252). Vigarello relata sobre a infelicidade que os obesos do século XIX passavam. Neste século, é a primeira vez que se tem conhecimento do sofrimento do obeso em relação a sua condição corporal, em relação as dificuldades sociais e o desprezo da pessoa amada. Essa infelicidade só aumentava com as infrutíferas tentativas de emagrecimento. Devido à falta de conhecimento sobre a obesidade naquela época, os relatos sobre as sensações emocionais eram relacionados com as questões do corpo. "As interrogações sobre as sensações e os sofrimentos “morais”, para que a obesidade viesse a ser mencionada mais como um mal de que se era acometido, um sofrimento incoercível, uma queda mal controlada" (VIGARELLO, 2012, p. 240). Percebemos então que a medicina da época não possuía a devida compreensão para chegar a ponto de ignorar tais sofrimentos relacionados ao perfil do corpo gordo. Conforme Vigarello diz em seu livro, a partir do final do século XIX o corpo gordo se torna monstruoso, a gordura era considerada uma anomalia e os gordos eram expostos em feiras e circos, conhecidos como freak show3 (show de aberrações), como uma atração de aberração, por isso a monstruosidade.

Após algumas décadas, aliás, a insigne gordura já não pertence mais ao mundo do gordo, mas à categoria do monstruoso. Anatomias fortemente desproporcionais não passavam de exemplos “grotescos”, de curiosidades expostas na feira, em tendas tipo “entra e sai”. (VIGARELLO, 2012, p. 297)

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Freak Show, ou show de aberrações são datados aproximadamente de 1840 a 1940 conforme cita BOGDAN, 1988 p. IX

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Vigarello nesse caso se refere aos casos de obesidade mórbida que conhecemos hoje, como por exemplo pessoas que pesam quase 300 quilos, mas isso deixou marcas sociais que se tornaram referências em relação às pessoas gordas. “A existência do muito gordo já não passa de um desvio, um descaminho: sua aparência é apenas ‘monstruosidade’”. (VIGARELLO, 2012, p. 298). Com a entrada do século XX, a sociedade, junto com a comunicação acelerada, conforme Vigarello, transforma o monstro gordo em fenômeno social, aquilo que era uma “esquisitice tolerada” agora passa ser uma preocupação cotidiana. O corpo é “confrontado com o outro” (p. 298), como por exemplo o mais gordo com o mais magro, o mais alto com o mais baixo. Com o passar dos anos, aproximadamente no início dos anos de 1920, esse freak show de padrões diferentes passa a ser simplesmente um sofrimento em relação à aparência. O “muito gordo” não é mais um caso para se expor em feiras e circos, mas sim em clinicas médicas, a gordura se transformou em um caso clínico, médico, que só os “cientistas conseguem encarar”. O corpo gordo se torna uma “uma visão insuportável”. (VIGARELLO, 2012, p. 299) Com a dissipação dos males causados pela obesidade, a preocupação dos médicos com a gordura se torna ímpar e nasce portanto a cultura do corpo magro. Da preocupação em emagrecer e manter-se magro a qualquer custo emerge o estigma do gordo. Nasce então não somente a questão das dificuldades com as dietas, mas sim a questão psicológica da luta de um corpo gordo para se encaixar em um padrão magro.

O gordo, longe de ser o glutão ou estupido, é antes de mais nada aquele que se “esquiva”, que se recusa a emagrecer, negligente em trabalhar o próprio corpo. Sua falha é o desleixo, sua responsabilidade é uma falta intima, menos as paixões que a indiferença, menos entusiasmo que o descontrole, a impossibilidade de se regrar ou se transformar. O fracasso adquire uma nova figura reforçada pela banalização do tratamento e pela ascensão do psicológico. Crescem os relatos dolorosos. Como crescem na cultura contemporânea as autoavaliações e os testemunhos sobre a experiência própria. O lugar assumido pelo magro reforça duplamente a estigmatização. O Obeso não é mais apenas o gordo. É também aquele que não consegue mudar: identidade desfeita numa época em que o trabalho sobre si mesmo e a adaptabilidade se tornam critérios obrigatórios. O que a obesidade revela é na verdade um fracasso em se transformar. (VIGARELLO, 2012, p. 300)

Compreender a obesidade como um fracasso na capacidade de se transformar em magro é dar à obesidade um caráter discriminatório, transformar a gordura corporal em marca de incompetência, em estigma. A estigmatização do gordo é tanta nos anos de 1920

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e 1930 que as questões patológicas em relação à obesidade se proliferam de uma maneira avassaladora, tanto que se começa a fazer uma generalização das doenças em relação à gordura corporal. A gordura se torna uma vilã implacável e traz consigo um emaranhado de doenças nocivas desde o câncer, o envenenamento, a intoxicação isso sem falar em todas as questões culturais e psicológicas que, de certo modo, se infiltraram nas relações das pessoas e acabaram sendo alvo de opiniões divergentes, de referências éticas e morais e até que conseguiram transformar a gordura de um modo extremo “em um mal universal”. O gordo passa a ser uma ameaça estética e vital à sociedade. Esse corpo gordo se torna o doente do século XX, a busca em combater a gordura torna-se o principal objetivo de vários setores da saúde (médicos, nutricionistas, treinadores físicos, etc.) além de pesquisadores, membros diversos da sociedade e principalmente das pessoas. Os tratamentos químicos e pesquisa em relação à gordura tornam-se um grande desafio, pois acredita-se que a gordura é imutável apesar dos avanços das inúmeras pesquisas para combatê-la. No entanto, apesar dos esforços com dietas e remédios, muitas pessoas se tornam resistentes aos regimes e às manipulações do tratamento, assim o corpo obeso, apesar de muita luta contra a gordura, não consegue emagrecer. Assim, esse corpo gordo se transforma em símbolo de fracasso apesar das inúmeras tentativas de emagrecê-lo. A gordura torna-se uma doença envolta em muita tensão e isso acarreta sofrimento em vários âmbitos do ser. Entre eles, podemos falar das dificuldades de aceitação social, a dificuldade de aceitar o corpo gordo e a dificuldade em eliminar a gordura corporal. A cura, ou seja, o emagrecimento e se manter magro, torna-se um martírio pessoal. A dor vivida é a exposição do corpo. Como ela, o ser parte em busca de discursos milagrosos, e dedica-se, muitas vezes com afinco, a seguir todas as instruções que recebe para cumprir sua meta. Mas, o ser tem que conviver com várias dores: infelicidade da rejeição social, a sensação de fraqueza e impotência tanto nos aspectos físicos como no seu cotidiano, a infelicidade nos relacionamentos românticos ou com as pessoas da família e seu círculo de amizade, os vergonhosos momentos que envolvem simples ações como sentar-se em uma cadeira, ou mesmo vestir uma roupa, a sensação de fracasso o tempo todo, a rejeição e por fim a solidão. A experiência de viver em um corpo gordo torna-se viver em um corpo humilhado, fadado ao seu próprio fracasso. Como viver em um corpo não aceito socialmente, fora dos padrões sociais, um corpo negado socialmente? A obesidade é um fenômeno altamente complexo: não é somente uma questão médica, é também um distúrbio social.

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O corpo gordo é colocado à margem da sociedade. E como conviver com esse corpo fora dos padrões sociais? Os discursos midiáticos afirmam: não existe a possibilidade de ser feliz com tal corpo. Ouvindo e seguindo essas afirmações, o ser sofre.

Objeto e Objetivos O objeto desta pesquisa são os discursos a respeito do corpo feminino nas redes sociais em relação à questão do corpo acima do peso que permeiam o universo plus size. Os objetivos da pesquisa são: (1) interpretar e analisar algumas narrativas dos discursos do corpo; (2) pesquisar o imaginário da mulher que convive com bombardeios midiáticos de estereótipos femininos, as conquistas e dificuldades vividas, interpretando, comparando e relacionando alguns símbolos que exemplificam os elementos das narrativas do comportamento feminino.

Problema As redes sociais apresentam uma infinidade de narrativas e relação ao corpo. Elas discursam sobre um mundo de corpos perfeitos e inalcançáveis, apresentando propagandas de fórmulas mágicas para emagrecer, tirar as rugas, sumir com varizes; prometendo um corpo lindo como o das artistas ou a top models do momento e tudo isso, claro, com rapidez e sem sacrifícios. Por outro lado, nesse mesmo ambiente midiático, encontramos comunidades virtuais com um discurso oposto, que discorre sobre a aceitação do corpo como ele é, idolatrando e acolhendo uma figura oposta citada acima. Mostrando corpos volumosos e curvilíneos de mulheres aparentemente felizes, igualmente das top models estampadas em algum veículo de comunicação, mesmo estando fora de um padrão midiático. Assim algumas questões aparecem: Até que ponto os discursos das redes podem libertar o imaginário feminino em buscar um corpo padronizado pela sociedade, como por exemplo, os corpos esbeltos das artistas que estampam as capas da revista, protagonizam as novelas, desfilam as marcas famosas, são construções do imaginário feminino ser magra, linda, bem-sucedida, sempre bem arrumada de uma perfeição física imaginária impecável. Desse modo questiona-se: Quais são os discursos em relação ao imaginário do corpo gordo que caracterizam os blogs plus size, em um mundo em que se discutem estigmas do corpo feminino perfeito; e se as fanpages e blogs do mundo plus size incentivam a autoestima?

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Hipótese Os meios de comunicação têm forte presença na construção do imaginário coletivo, o comportamento da mulher que está fora de um padrão de corpo publicitário é diferenciado, devido ao fato que socialmente seu corpo não é bem aceito, ela aprendeu a valorizar o corpo que tem, se aceitar e viver bem ele. Sua autoestima aumentou e esta mulher vem lutando para a mudança do padrão social de beleza seja mais curvilíneo. As mudanças nas formas de pensar da sociedade em relação à diversidade dos corpos ainda são pouco expressivas. O que se observa são discursos de controle e pressão da mídia pela perfeição física ainda é maior do que a aceitação de um corpo mais cheio. Os discursos midiáticos têm um longo caminho a percorrer em relação a aceitação de um corpo fora dos padrões idealizados. A mulher, buscou, conquistou sua autonomia, liberdade de expressão, a inserção em espaços políticos, mas ainda existem lacunas e em relação ao corpo. O corpo como identidade também traz formas diferenciadas. É preciso discutir certos estereótipos, vivenciar a experiência única que só pode advir do próprio corpo. Método Para investigar os discursos a respeito do corpo feminino no contexto das redes sociais, iremos utilizar como metodologia as análises relacionadas aos documentos que circulam nas redes, como imagens fotográficas, registros de discussões entre outros eventos específicos. A partir de acontecimentos que afetam o universo plus size, iremos investigar as questões que envolvem os discursos das blogueiras, o discurso do outro e as questões da busca da felicidade através do corpo. O corpo em discussão é aquele que está fora dos padrões sociais estéticos. Justificativa A pesquisa contribuirá para fomentar as discussões sobre o corpo feminino nas fanpages, nos blogs e nos sites. A partir daí, talvez ampliar os conceitos de identidade feminina e suas dinâmicas de autoestima e aceitação, fortalecendo a diversidade nos discursos de emancipação do corpo nas redes sociais.

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Procuramos neste trabalho investigar nos discursos os dispositivos de poder, saber e subjetividade nas redes sociais que abordam aceitação do corpo das pessoas que não se encaixam com modelos pré-definidos. Assim, iremos investigar as transformações que visam desconstruir o imaginário do corpo feminino na atualidade via rede social. Essa pesquisa atualiza procedimentos da cartografia e, analisando os discursos das redes, fará três tipos de mapeamentos lógicos: (1) discursos do corpo saudável, corpo magro, e corpo atlético; (2) discursos do corpo plus size e (3) discursos de valoração e construção da subjetividade feminina. A pesquisa tem caráter multidisciplinar de analise empírica dos blogs e fanpages do universo plus size e irá relacionar conceitos ligados ao o corpo, as redes sociais e os discursos midiáticos sobre o comportamento contemporâneo. Fará parte do estudo a pesquisa exploratória, o levantamento bibliográfico, as entrevistas com profissionais que produzem site do comportamento feminino e com as pessoas que passaram por experiências identitárias com relação ao corpo. Nossa hipótese é que podemos buscar essas respostas investigando um novo acontecimento social que, desde 2009, está invadindo o ciberespaço: o conceito de plus size. No primeiro capítulo deste trabalho iremos investigar o que é o plus size – um movimento a favor da aceitação do corpo como ele é. Pelo fato de ser um conceito novo e pouquíssimo explorado academicamente, o investigaremos pelo viés dos registros jornalísticos para mapear como esse novo padrão de beleza está se fixando no território nacional. Continuaremos a nossa investigação fazendo um apanhado histórico do padrão de beleza para conseguimos desvendar como são as construções desses padrões no mundo até chegarmos ao Brasil. Como foi construído o nosso padrão de beleza desde 1920 até os dias atuais, até a inserção do padrão plus size. Com o surgimento do padrão plus size, iremos explorar no segundo capítulo esse universo que acontece dentro e fora do ciberespaço, tentando desvendar cada aspecto que o engloba como, por exemplo, as artes, a entrada e influência do gordo na mídia, a beleza, a moda, o sexo, discutiremos o mercado plus size. Um ponto importante a ser explorado é em relação à saúde desse corpo, o bem-estar social, até passarmos pelas dificuldades, o preconceito social e a luta para superar esse preconceito. Ao chegarmos nessa luta, percebemos então que nas redes sociais existem pessoas que incentivam as pessoas gordas a se identificarem com o corpo e a se gostarem, com o

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corpo que possuem. Aqui nomeadas como blogueiras plus size, que escrevem em seus blogs e redes sociais sobre a autoestima do corpo fora dos padrões de beleza, e sua luta diária contando suas dificuldades, suas superações e assim tentando incentivar seus leitores a se amarem do modo que são. O terceiro capítulo apresenta os discursos e narrativas das blogueiras, falaremos sobre o potencial que as blogueiras possuem em agregar pessoas, das interações entre blogueiras e leitoras nas redes sociais e sobre os discursos do outro e suas possíveis influências e sobre a felicidade em relação ao corpo.

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CAPITULO 1 O primeiro capítulo dessa dissertação de mestrado tem como objetivo apresentar os conceitos fundamentais da pesquisa, fazendo um resgate histórico para compreendermos o conceito plus size no Brasil e no mundo. Iremos discorrer sobre o movimento plus size, sua reivindicação pelo direito à diversidade e inclusão de um estilo diferente de corpo que não é visto nas mídias hegemônicas. A partir da leitura que fizemos da pesquisa de Sant’Anna, iremos discorrer sobre as transformações da beleza na história do Brasil a partir de 1920, buscando paralelos com a questão das transformações do corpo e a progressão dos discursos em relação à busca de um ideal de corpo que está em constante transformação. Nossa pesquisa está sustentada pela ideia de que o corpo é linguagem, um lugar de disputa, um locus político, onde os desejos são disciplinados e os corpos docilizados. Para tanto, utilizaremos os conceitos de Foucault.

1.1 O que é Plus Size Quando nos propomos a estudar os blogs que discorrem sobre o corpo gordo e o comportamento plus size, é importante levar em consideração os aspectos culturais que regem o padrão de beleza, assim como as transformações que esse padrão passou na história da humanidade. Sendo assim, o primeiro passo para entendermos o que é o plus size e como iremos defini-lo no contexto deste trabalho consiste em realizar reflexões sobre o padrão de beleza da cultura atual e como ele se desenvolveu em nosso país. O termo plus size está ligado diretamente à indústria da indumentária. O primeiro relato que se tem notícia sobre a utilização do termo plus size vem dos anos de 1970 no setor de vestimenta norte-americano. Entretanto, considerando que pessoas acima do peso padrão sempre existiram, esse mercado vinha sendo pouco explorado. As roupas acima da modelagem regular que equivalentes a numeração até 44/46 que eram feitas sob medida. A empresa de indumentária Lane Bryant, fundada em 1904, por Lena Bryant, costureira e viúva é um caso histórico nesse setor. A empresária começou sua loja muito timidamente e com pouco investimento. Uma de suas clientes que estava grávida, incentivou Lena a produzir roupas mais confortáveis para gestantes e ao mesmo tempo

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elegantes (roupa para passeio) e assim criou vestidos com cós e saias plissadas. O vestido ficou muito conhecido e logo tornou-se o carro chefe da empresa. Antes da Primeira Grande Guerra, em 1909, o segundo marido de Lena, Albert Malsin assumiu a empresa modernizando sua produção e organizando as questões contábeis. A empresa ia bem e tinha um produto inovador no mercado que eram os vestidos para mulheres grávidas, mas na publicidade em jornais naquela época não era tradicional fazer anuncio falando sobre gravidez. Mesmo assim, seu atual marido convenceu o jornal New York Herald a fazer a propaganda dos vestidos. O sucesso foi tão grande que, no dia seguinte da publicidade, todos os vestidos do estoque foram vendidos. Na década de 1920, Lena percebeu a lacuna existente no mercado para as mulheres que vestiam tamanhos grandes, pois não havia empresa alguma que fizesse isso, e esse público precisava adquirir suas roupas através do trabalho de costureiras particulares. Bryant então desenhou três tamanhos grandes diferentes para mulheres “stout-figured”, ou seja, uma configuração mais robusta, para mulheres mais “corpulentas” chamadas também de chubbies. Essas roupas “plus size” rapidamente ultrapassaram as vendas dos vestidos maternos e em 1923 o faturamento da loja chegou a U$ 5 milhões, já que anteriormente, em 1911 aproximadamente, o seu rendimento era de U$ 50.000 por ano, ou seja, em 12 anos o faturamento da empresa aumentou não só a sua visão de mercado de Lena Bryant, mas também pelo pulso firme de seu marido Albert Malsin como já citado anteriormente. Com a expansão dos negócios e com 100 unidades da loja espalhadas pelos Estados Unidos em 1969 o faturamento da empresa foi de U$200 milhões4. Lane Bryant, não foi só pioneira em vendas de roupas de tamanhos grandes ou para gestantes. Devido às tradições da época era muito difícil fazer anúncios em jornal, assim, buscando alternativas para a divulgação de seus produtos, Lane desenvolveu um catálogo de vendas roupas pelo correio. Atualmente a Lane Bryant é uma grande cadeia de varejo presente em várias cidades dos Estados Unidos e com o advento da internet, a empresa consegue abranger inúmeros países. O Brasil está incluído na sua rede de varejo on line.

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Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

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Figura 1: Um dos primeiros anúncios de moda plus size de Lane Bryant datados da década de 1920. Fonte: . Acesso em: 26 ago. 2015.

Figura 2: Print da página Lane Bryant. Fonte: . Acesso em: 26 ago. 2015.

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A história de uma outra empresa, a marca britânica Evans Clothing surgiu nos anos de 1930, fundada por Jack Green. Foi a segunda marca a produzir roupas de tamanho maior. Por 40 anos a empresa foi administrada pela família e em 1971 foi vendida para o Burton Group (atualmente como Arcadia Group). Com a venda para o grupo, Evans expandiu-se com 77 filiais e em 1988 se tornou a marca mais famosa e líder de mercado em roupas outsize da Europa. Interessante observar que os britânicos não usam o termo plus size e sim outsize. A respeito disso, poderíamos pensar o quanto na cultura inglesa o fato de ter medidas maiores das padronizadas leva o indivíduo a ser classificado como excluído à medida que o termo indica um posicionamento “out”, isto é, fora do tamanho industrial. No caso do termo norte-americano, o termo indica algo adicional à medida que plus significa adição, além, a mais. Voltando à discussão a respeito da marca inglesa, somente em 2011 a marca se lançou no mercado Americano e atualmente vende para mais de 100 países via internet. Em 1997 a Evans foi a pioneira em desenvolver uma linha de roupas fashion para seus clientes mais jovens e se tornou a primeira marca da Arcadia Group a vender roupas on line

Figura 3: A logomarca da Evans descreve Goodbye size Zero, hello size Hero, fazendo uma brincadeira com as palavras Zero e Hero. trocando o Z, pelo H. Pela nossa tradução seria adeus tamanho zero, olá tamanho herói. Fonte: . Acesso em: 26 ago. 2015.

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Figura

4:

Site

da

loja

Evans

UK.

Fonte:

. Acesso em: 26 ago. 2015.

1.1.2 Propagação do termo Plus Size Em meados de 1970 que o termo plus size efetivamente começou a ser difundido pelo mundo devido a modelo Mary Duffy que foi apontada pelos jornais americanos da década de 1970 1980 como uma das mais expoentes modelos plus size no mundo. Duffy gostou tanto da profissão de modelo que em 1979 comprou a agencia de modelos de Beth Kramer que só trabalhava agenciando modelos pequenos (Little Women) e incluiu em seu quadro de modelos as plus size, renomeando a agência para a Big Beauties / Little Women A agência fez tanto sucesso que acabou sendo comprada pela Ford Models em 1988 sendo a diretora executiva dos tamanhos especiais da agencia até 2010. Mary Duffy atualmente tem uma empresa chamada Fashion 4 The Rest Of Us direcionada ao mercado plus size, ela ministra palestras sobre como é o funcionamento do mercado plus size, orientando empresários e comerciantes a direcionarem seus investimentos para o público

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plus size, ministra palestras motivacionais para mulheres acima do peso, escreveu vários livros entre eles o Hoax Fashion Formula sobre os diversos tipos de formatos de corpos femininos e como esta mulheres de tamanhos diversos podem se vestir bem reformulando seu guarda-roupa sabendo combinar texturas de tecidos, cores, linhas e formas à seu favor.

Figura

5:

Mary

Duffy

fotografando

para

a

grife

Jordan

Marsh.

Fonte:

. Acesso em: 26 ago. 2015.

Figura 6: Mary Duffy desfilando. Fonte: . Acesso em: 26 ago. 2015.

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Figura 7: Página inicial do

site de Mary Duffy,

mostrando-a com 60

anos de idade.

Fonte:

. Acesso em: 26 ago. 2015.

Figura

8:

Livro

HOAX

editado

em

1987.

Fonte:

. Acesso em: 26 ago. 2015.

No campo das produções de revistas, destaca-se a MODE, que embora tenha tido um tempo de vida curto, foi a primeira revista de moda plus size a ser lançada no mercado internacional. Idealizada por editores de revistas famosas como Vogue, Mademoiselle e Marie Claire, a primeira edição foi em 1997 com 250.000 cópias e logo foi um sucesso.

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Após seu lançamento, agências de modelos aumentaram a lista de modelos plus size e os varejistas aumentaram suas produções. Mas o tempo de vida da revista foi pequeno, em 2001 a editora Advance Publications fez uma parceria com a Lewit e Le Winter e os negócios não foram tão bem como o esperado. Tanto que os designs da Versace e Valentino pararam de produzi para a revista, ocasionando assim um grande déficit entre outros problemas incluindo o mercado publicitário. O fechamento da revista se deu no final de 2001 com 600.000 exemplares de sua última edição. No cenário atual, a revista Plus Model Magazine, fundada em 01 de julho de 2006 pela editora chefe Madeline Figueroa-Jones é primeira revista virtual do mundo da plus size e líder de mercado. Conforme descrito no site, Plus Model Magazine, não é somente uma revista voltada para o público plus size, é também blog e mídia social que fala de moda, beleza, eventos e comportamento. Designada, desenvolvida e escrita também por mulheres plus size, portanto as editoras entendem o coração das leitoras, pois elas também consomem e vivem o plus size.

Figura 9: Plus Model Magazine do mês de julho/agosto de 2006 que estampa na capa a top model Fluvia Lacerda. Fonte: . Acesso em: 26 ago. 2015.

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A expressão plus size é considerada como uma categoria de modelagem de indumentária que comporta uma padronagem de tamanho grande a partir da numeração 46. O segmento plus size engloba peças que vão do tamanho 46 ao 56, podendo chegar até o 62 e também aos tamanhos maiores G, GG, EG e EGG, como são classificados em muitas empresas.

Entretanto, é importante observar que a padronização é bastante

irregular e falha, pois algumas peças GG não vestiriam o número 44 em algumas modelagens. Aparentemente a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) está estudando junto às associações ligadas ao vestuário para estabelecer um padrão mais assertivo. É tão falho e confuso as questões da numeração da roupa plus size que a superintendente do Comitê Brasileiro de Normatização Têxtil, Maria Adelina Pereira, não sabe ao certo a partir de qual numeração de vestuário podemos considerar que inicia-se o plus size, como ela comenta em entrevista no mês de junho de 2012 para o blog Chic de Glória Kalil: “Alguns acreditam que o padrão plus size começa a partir do 44, já outros 46”5 (PEREIRA, 2012). Portanto nesta dissertação de mestrado para podermos desenvolver o conteúdo iremos considerar a numeração 46. O ano de 2009 marca o início do movimento no Brasil, com a vinda da top model plus size Fluvia Lacerda, junto com sua assessora de imprensa Joyce Matsushita, que trouxe a brasileira que mora e trabalha como modelo plus size nos Estados Unidos para divulgar o nome de algumas marcas nacionais de roupas de tamanho grande no mercado. Fora do país, Fluvia é conhecida como a "Gisele Bündchen plus size". Já com uma mudança no comportamento do mercado diante da entrada da influência de roupas tamanhos grandes e a vinda de a consolidação de alguns blogs de moda de tamanhos grandes na internet, em 2009 a expressão plus size começou a ser mais difundia e começou a ser agregada na cultura da moda com maior visibilidade em nosso país. A vinda da modelo ao Brasil não significa e nem exclui que antes desta data não existissem roupas para as pessoas que vestem acima do 46. Sempre existiram catálogos e roupas voltadas para este perfil de consumidor, mas não era ainda um movimento voltado aos padrões sociais de corpo, como veremos adiante. O uso do termo plus size no Brasil já era utilizado para roupas grandes, mas teve maior consolidação a partir destes acontecimentos. Conforme já apontamos de modo

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Fonte: .

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rápido anteriormente, a palavra em inglês “plus" transmite a ideia de adição. O mesmo se dá com o “plus” do idioma francês. Estamos no universo semântico da somatória, da inclusão, das qualidades positivas e afirmativas: plus6 1 sinal de adição (+). 2 qualidade positiva (a plus). 3 saldo positivo. • adj 1positivo. 2 adicional, extra. • prep mais, acrescido de. two plus two equals four dois mais dois igual a quatro. Para adjetivos7 Also: positive (prenominal) indicating or involving addiction = a plus sing Another word for positive plus8 adv comparatif ou superlatif indiquant la supériorité adv employé en corrélation avec ne, indique la cessation d'une action, d'un état Mathématique - signe qui indique l'addition ou qu'un nombre est positif

Como observamos podemos utilizar o conceito de plus entendendo como uma riqueza adicional, acrescentando a diversidade. O significado do plus size não se limita somente a um número, ele também é relacionado a movimentos sociais que se formaram a partir de pessoas que possuem um perfil estereotipado e negativo de corpo, consideradas socialmente como pessoas gordas, fora do peso e de um padrão ideal de corpo. Estes movimentos sociais são grupos de pessoas que buscam na sociedade a inclusão de padrões corporais mais amplos, militam a favor de uma aceitação em relação ao tamanho do seu corpo, discutem sobre a segregação e o estigma em relação ao corpo estereotipado de tal forma e questionam sobre os padrões corporais apresentados nos meios midiáticos como revistas e televisão e internet. Essas pessoas se dedicam com fervor para que a sociedade perceba que independente de possuir um corpo gordo, ou seja, fora de um padrão tido como ideal, ela continua sendo capaz de exercer funções físicas e intelectuais como qualquer outra pessoa preparada para tal, de maneira que seu caráter não muda em relação ao seu peso e principalmente que seu corpo é tão belo como outro qualquer. Atualmente, o plus size é um movimento difundido pelo ciberespaço, dentro das redes sociais e blogs que defende o direito e o respeito a um corpo que está fora de um

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padrão social e midiático, um corpo mais curvilíneo, arredondado ou mesmo gordo comparado aos padrões. A definição do ciberespaço nesta dissertação está relacionada o conceito de Leão (2004) um território em constante ebulição. Camaleônico, elástico, ubíquo e irreversível, o ciberespaço não se reduz a definições rápidas. Partindo de um olhar tríplice, percebemos que o ciberespaço engloba: as redes de computadores, integradas no planeta (incluindo seus documentos, programas e dados); as pessoas, grupos e instituições que participam dessa interconectividade e, finalmente, o espaço (virtual, social, informacional, cultural e comunitário) que emerge das inter-relações homem-documentosmáquinas. (LEÂO, 2004, p. 09)

Entendemos nessa citação que ocorre uma interação entre os usuários das redes a partir da máquina. Voltando a questão do corpo, a beleza está diretamente ligada a padrões sociais e o corpo plus size aparece como um paradigma deste, ou seja, tão bonito como um corpo magro, mas gordo. Denise Bertuzzi de Sant’anna, em seu livro A História da Beleza no Brasil, de 2014, sistematizou em sua obra os costumes utilizados pelo povo brasileiro em busca da beleza, mapeando diferentes realidades em relação ao tempo, espaço e costumes sociais. Em seu livro, encontramos uma afirmação que afirmam os ideais definidos pelo movimento: Para um significativo público masculino, as cheinhas não são feias. Dividemse em diversas categorias: cheinhas, gordinhas, gordas ou em estrelas GG e beldades plus size. Algumas novelas da Rede Globo contribuíram para tornálas famosas, assim como blogs e sites. Os movimentos sociais em prol da aceitação sem preconceito da diversidade corporal também favorecem o valor de uma beleza mais redonda do que longilínea. (SANTANNA, 2014, p. 182)

Em suma, a historiadora, nesse pequeno trecho, nos fala dos movimentos de valorização de uma diversidade de corpos, apesar de uma visão do público masculino, esta afirmação nos ajuda a compreender que o plus size também está inserido na categoria de valor de gosto e já apresenta traços de aceitação de um corpo gordo na mídia televisiva, mas discutiremos isso no segundo capítulo desta dissertação. O plus size visto como movimento encontrado no ciberespaço tende a agregar pessoas que possuem um corpo que não comumente visto nas capas de revistas e nem nas mídias televisivas. Este corpo que é diferente e não possui um formato desejado pela sociedade. Este corpo que é colocado as margens da sociedade. Na cultura que vivemos, observa-se uma série de discursos e imagens que valorizam o corpo magro, jovem e

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atlético e os que não se enquadram neste perfil torna-se invisível para a sociedade. Em nosso contexto cultural, conforme Matos, Fábio Zoboli e Mezzaroba em seu texto “O corpo Obeso: Um corpo deficiente? Considerações a partir da mídia”, descrevem que o corpo gordo é visto como: "doente, impossibilitado, limitado e indesejado, ou seja, é percebido como deficiente no sentido que não ser eficiente o suficiente para ser adequado nos padrões de normalidade, bem como se refere à esfera do mundo produtivo" (MATOS; ZABOLI; MEZZAROBA, 2012, p. 92). Desta forma, o movimento plus size veio para tentar fazer um resgate do corpo indesejado, como citado acima, pelo respeito ao corpo e a inclusão deste corpo gordo na sociedade, tentando mostrar que todo imaginário social construído em volta do gordo não condiz com a pratica do cotidiano de uma pessoa gorda. O movimento plus size tende a agregar pessoas que possuem um corpo fora dos padrões midiáticos e isso faz com que de uma certa maneira o plus size seja um movimento que social que luta por pessoas que possuem corpos estereotipados, podendo se comparar a algumas formas de inclusão social de corpos igualmente marginalizados como os dos deficientes físicos que lutam por uma aceitação social. Esses corpos são marginalizados, conforme José Luiz Aidar Prado em seu livro “Convocações biopolíticas dos dispositivos comunicacionais” que reflete sobre a política comunicacional contemporânea, pretende nos mostrar que houve uma construção glamorosa em torno da aparência a partir de 1970 no que ele nomeia de mundo pós-moderno, comenta:

a sociedade constrói regimes de visibilidade e de pseudointegração em que se apresenta somente o lado glamoroso [...] que brilha nos corpos soltos, bonitos, jovens, rejuvenescidos e turbinados, preocupados em cuidar da qualidade de vida, da beleza, da saúde e do prazer efêmeros. (PRADO, 2013, p. 35)

Desta forma, Prado nos mostra que a sociedade diante o capitalismo pós-moderno, somente tende a indicar em suas propagandas corpos bonitos, cheios de saúde, beleza e nos passa uma falsa sensação de bem-estar, e que as revistas são como “mapas rumo ao sucesso” (PRADO, 2013, p. 35) para alcançar esta qualidade de vida. E quem não possui este padrão ou não segue este mapa estão fadados ao fracasso. Esses corpos bonitos, devem permanecer sempre em evidencia, os outros corpos que não possuem este padrão, devem permanecer invisíveis. "Isso deve permanecer invisível, junto com a vida e o corpo dos gordos, dos mulçumanos, dos terroristas, dos transexuais, das lésbicas não consumistas, das ativistas pobres, dos deprimidos e tantos outros." (PRADO, 2013, p. 35)

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Conforme a citação, não somente o corpo gordo torna-se invisível, mas também todos os quais de certa maneira geram uma forma de preconceito. Até mesmo uma pessoa que não é animada, feliz, ou seja, o deprimido é excluído. Mas esses discursos hegemônicos vistos nas mídias, como televisão e revista, as vezes apresentam falhas e não conseguem capturar a todos. A internet, com sua estrutura poli-centralizada e aberta, é um espaço que permite que os discursos da diversidade prosperem, com o é o caso dos discursos que orbitam em torno do universo plus size. No ciberespaço, universo plus size, com toda sua carga de realidade e seu tom político, pode se fazer mais visível, abrindo espaço para que esse corpo seja representando e apresentado em uma gama maior de manifestações, podendo influenciar em diversas linguagens, como no campo das artes – música, cinema, artes plásticas; na mídia televisiva – inclusão de atores gordos, nas capas de revistas; em relação a comportamento – o caso dos militantes “antigordofobia”, ao movimento feminista e acima de tudo blogs voltados à autoestima do homem e da mulher gorda, que até este momento eram como que invisíveis para si mesmos e para a sociedade.

1.2 Padrões de beleza no mundo A frase “A beleza está nos olhos de quem a vê”, do poeta espanhol do estilo Realismo Ramón de Campoamor, exprime o que podemos entender aqui como beleza, ou seja, que é algo de uma simplicidade dos sentidos. Sabemos que a beleza se manifesta através dos sentidos, culturais, sociais, históricas, políticas e subjetivas. A beleza, entre outras definições, é algo que agrada os sentidos e, como é um conceito de gosto e valor, quando nos deparamos com culturas diferentes o sentido do belo se molda conforme a cultura de cada país. Quase todas as culturas apresentam padrões específicos de beleza, mas o que é belo para um povo pode não ter a mesma qualificação em outro. É muito variável a questão da beleza. Em cada lugar do mundo os elementos de influenciam na beleza, como cultura, sociedade, economia entre outros trabalham este conceito de forma diferente, e também é mutável conforme tempo vai passando. Achar um denominador comum em relação a isso, definir o belo, algo ou alguém que possui uma beleza impar é algo impossível devido as diferenças pois a cultura de cada país apresenta um ideal de beleza diferente de outros países e culturas. Até mesmo dentro de um mesmo país o padrão pode se diferenciar em relação à região e aos costumes. Iremos apontar a seguir de modo a ilustrar neste trabalho como a beleza possui avaliações

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e classificações diferentes. Lucia Marques Stenzel em seu livro “Obesidade, o peso da exclusão” de 2003 comenta que a beleza não é universal e que ela varia em uma mesma sociedade ao logo do tempo conforme a citação abaixo: As representações de beleza e os valores a ela conferidos foram mudando ao longo do tempo. O que consideramos belo hoje, pode não ter sido no passado, assim como os padrões de beleza do passado já não servem mais para a sociedade moderna. Da mesma forma ocorre nas diferentes culturas, cada qual com suas especificidades no que se refere à beleza do corpo. (STENZEL, 2003, p. 22)

A citação de Stenzel refere-se as mudanças sócias e culturais que passamos ao longo do tempo e que a beleza acompanha essas mudanças. É interessante observar que na África Ocidental, o padrão de beleza adotado pelas mulheres é a obesidade, como é o caso na Mauritânia, uma vez que o problema do local é a fome, a desnutrição e a pobreza. A comida é escassa, portanto é considerado um privilégio ser gordo e, de certa forma, isto representa saúde e prosperidade. As mulheres obesas desse país transmitem um sinal de prestigio e riqueza. As meninas desde cedo são condicionadas a comer bastante. Tal costume é muito antigo, de séculos atrás: os Moors, população nômade que povoou o país, dizem que, se um homem se casa com uma mulher gorda, isso significa fartura e riqueza. O ideal de beleza remete a questões políticas e econômicas deste país, ser gorda que significa melhores condições sociais, mas existe uma corrente querendo mudar isso. O próprio governo se preocupa e muito com esse tipo de costume, pois vivem um paradoxo: de um lado o país luta contra a desnutrição, principalmente na região sudeste que, junto com a Unicef, a OMS e outras entidades, intervém em ações sustentáveis para melhorar a segurança alimentar, o comportamento alimentar e o fortalecimento contra a desnutrição. Por outro lado, já foram constatados inúmeros casos de abuso contra as crianças, por obrigarem-nas a comer muito (mais do que podem), e obesidade infantil. E, para finalizar, com a influência do Ocidente, os jovens que vivem nas grandes cidades e têm acesso a outros costumes questionam os padrões de beleza de corpos grandes. No Irã, mais especificamente em Teerã, devido ao uso do véu islâmico deixar somente à mostra os olhos e o nariz da mulher, o cuidado com essas partes do rosto tornam-se primordiais. O excesso de maquiagem nos olhos e o aumento de cirurgias plásticas do nariz acabou ganhando uma atenção especial. A genética árabe possui um padrão de nariz que costuma ser grande e muitas vezes adunco. O desejo de um nariz com proporções menores e mais delicados fez crescer o número de cirurgias de um nariz mais

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ocidentalizado fazendo com que a rinoplastia (cirurgia plástica do nariz) crescesse muito e se tornasse símbolo de status e beleza. Outro exemplo da variação nos padrões de beleza pode ser encontrado em países como Malásia, Coréia do Sul, Hong Kong, Índia e Tailândia. Nesses países a pele alva é sinônimo de beleza, diferente do que acontece em alguns lugares na América do Norte e do Sul, em que a pele bronzeada é sinônimo de saúde e vivacidade. O exemplo de beleza das mulheres girafas remete também às questões de adequação as normais sociais dos costumes de Myanmar, ao norte da Tailândia. As mulheres da etnia karen-padaungs usam anéis de bronze ou latão em volta do pescoço. As mulheres da tribo, em sinal de beleza, desde jovens, usam esses anéis no pescoço. Quanto mais alto o pescoço, mais bela é a mulher. Sinal de beleza, adaptação as normas e costumes sociais, os anéis no pescoço começam a ser colocados nas meninas por volta dos 5 ou 6 anos de idade. A cada ano que passa, outros anéis são adicionados. Uma mulher adulta usa 37 anéis de bronze em volta do pescoço – esse é considerado o número ideal. Apesar do que se pensa, as mulheres não morrem se os anéis forem retirados (elas costumam fazer isso para se lavar), mas a musculatura do pescoço é enfraquecida.

1.3 As construções dos padrões de beleza no Brasil Conforme discutimos até agora, as culturas têm padrões específicos relativos ao que é atrativo ou desejável. A beleza pode, então, se expressar de forma semelhante em muitas delas. Em contrapartida, o que é belo para um povo pode não receber a mesma qualificação para outro povo. Entretanto, é algo que desperta a curiosidade e causa agrado, satisfação, admiração ou prazer por meio dos sentidos do observador. Em nosso país não é diferente do resto do mundo, a beleza para a mulher sempre esteve relacionada com a nossa cultura, ambos caminham juntos principalmente no que tange às representações do corpo feminino. Conforme Joana de Vilhena Novaes em seu livro O intolerável peso da Feiura, sobre as Mulheres e seus corpos, onde ela fala sobre a ditadura da estética nos corpos femininos discorre que: "A imagem da mulher na cultura confunde-se com a da beleza. Este é um dos pontos mais enfatizados no discurso sobre a mulher: ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher." (NOVAES, 2006, p. 85) Entendemos pela citação de Novaes que a imposição da beleza em relação a mulher sempre existiu e caso ela não compactue com isso, ela não é totalmente mulher.

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A preocupação com a beleza sempre existiu. Mas os discursos imperativos sobre padrão de beleza no Brasil ao longo do século XX foram brutais. Segundo o livro de Denise Sant’Anna (2014), as mudanças principais ocorreram a partir de 1920, com o uso de cosméticos, mudanças na alimentação, saúde, atividades esportivas, a preocupação com a aparência física torna-se de extrema importância. Essas mudanças estão ligadas também ao crescimento das mídias impressas, radiofônicas, televisivas e ao cinema que ajudaram muito nas transformações sociais durante todo esse período. Sant’Anna narra diferentes tipos de comportamento diante da beleza, como foi a evolução da beleza e quais eram os meios que mais disseminavam e idealizavam as informações sobre a beleza. Em 1920 por exemplo, o cinema era o grande influenciador de estilos, tendências e, até no comportamento com suas divas hollywoodianas. Propagandas em jornais e farmácias também eram (e continuam sendo) de grande importância para a disseminação de um padrão de saúde e beleza (SANT’ANNA, 2014). Na leitura de Sant’Anna, as revistas Fon-Fon, Revista da Semana e o Almanaque Eu sei Tudo recebem destaque em suas pesquisas ilustrando os acontecimentos relacionados a beleza e seu comportamento. Com o fechamento destas revistas, outras continuaram fazendo o mesmo papel, como O Cruzeiro, Claudia, Querida, Capricho até mesmo a 4 Rodas e almanaques direcionados aos esportes. As pesquisas de Sant’anna não ficaram somente nas revistas, existe um profundo levantamento em relação as propagandas, o comercio de cosméticos, cinema, jornais, outros historiadores, artigos acadêmicos nacionais e internacionais. Por isso a grande relevância para esta dissertação de mestrado. Nas décadas de 1920/30, os famosos periódicos, possuíam uma aura de glamour, neles escreviam médicos renomados e pessoas muito influentes da época, os artigos escritos repercutiam de modo a influenciar seus leitores a tal ponto de eles seguirem à risca os seus conselhos descritos. As revistas ditavam como as pessoas deveriam se comportar, “mapas rumo ao sucesso”, (PRADO, 2013, p. 35) Conforme citado anteriormente, mesmo não sendo da mesma época, as revistas de 1920 com as atuais funcionam da mesma maneira, mostrando novos comportamentos. No percurso do livro de Sant’Anna, percebemos várias influências desse tipo e principalmente uma mudança de comportamento e de padrão de beleza durante as décadas, a tal ponto de subestimarem a inteligência em relação à beleza, como percebemos nesta passagem de uma propaganda da revista Fon-Fon ironizando a beleza em relação a inteligência: "Enquanto isso, mundanismo carioca revelava o charme das mulheres afeitas à beleza com boa dose de

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humor e malícia '- Preferes ser bonita ou inteligente? – Muito bonita - Ah!... – Sim, porque há mais homens tolos do que cegos'." (SANT’ANNA, 2014, p. 28) Esta citação foi veiculada na Revista Fon-Fon em 04 de janeiro de 1913, p.66, esse trecho, podemos perceber a relevância da beleza em relação a inteligência, mesmo de forma irônica, não deixa de ser uma forma velada de dizer que a beleza feminina tende a se destacar em relação a sua beleza, direcionado assim para agradar ao gosto masculino. O corpo nos anos de 1920, 30, 40 e 50 era considerado como um corpo social. “Costumavam servir como instrumento de gestão para a vida coletiva, pertencentes a uma comunidade, ficando assim dependentes da aprovação dela” (SANT’ANNA, 2014, p. 58). Percebemos então que a comunidade se importava naquela época com padrões do corpo, principalmente com a beleza. Um grande influenciador de regras de beleza, corpo e ensino religioso em relação a sua alma, foi o médico Hernani de Irajá, especialista em “psicopatologia sexual da mulher brasileira” (SANT’ANNA, 2014, p. 51) que escrevia em um almanaque chamado “Eu sei tudo” que descrevia mandamentos sobre os cuidados com a beleza, os cuidados com as questões religiosas, o caráter e as emoções. Ainda segundo Sant’anna (2014) Entre vários mandamentos, nota-se bem que a mulher precisava cuidar do corpo e realçar os traços naturais de sua beleza utilizando cosméticos e outros recursos da época, mas sem deixar de valorizar sua “beleza espiritual” (SANT'ANNA, 2014, p. 51), já que as chamadas virtudes morais e espirituais refletiam um bom caráter e beleza de espírito para aquelas que eram consideradas como desprovidas de beleza física. Contudo não se comenta em momento algum sobre a questão do intelecto da mulher, deixando isso a cargo dos homens, dando a impressão de que as atividades intelectuais da mulher, consideradas reduzidas e menosprezadas, se dirigiam somente para as funções dos cuidados domésticos, com o corpo e o espírito. (SANT’ANNA, 2014, p. 51-54). O corpo social para a década de 1920 não era nem o gordo e nem o magro, e sim o que na época “eram considerados feios porque habitavam os extremos de uma linha imaginária cujo maior valor era o meio termo” (SANT’ANNA, 2014, p. 30). Em relação a beleza feminina, os exercícios físicos não eram bem vistos, pois pessoas daquela época costumavam associar as atividades em relação ao gênero, portanto o balé clássico era muito voltado a figura feminina. Outros exercícios que faziam o corpo suar eram tendencialmente voltados ao corpo masculino (SANT'ANNA, 2014, p. 39). Ainda em 1920, conforme Sant’anna, o culto ao corpo e ao emagrecimento começaram nesta época. O corpo era uma “maquina energética” (SANT’ANNA, 2014,

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p. 60) O sangue era como um fluído e o motor corporal representados pelo coração ou pulmões, e as pessoas eram goras pois esses “motores” não trabalhavam direto, conforme citação:

Nos anos 1920, o corpo era representado pelo coração ou pelos pulmões. Os muito gordos o eram sobretudo porque seus “motores” não trabalhavam suficientemente bem, daí o excesso de gordura em seus corpos. Aliás, o culto ao emagrecimento foi inserido na propaganda e nas imagens impressas principalmente a partir da dessa década, quando o Brasil contava com cerca de 186 laboratórios farmacêuticos. Vários deles fabricavam medicamentos para emagrecer. Nos Estados Unidos, a exigência do emagrecimento recaía mais sobre as moças do que sobre os rapazes. Para o sexo masculino, o maior problema era a falta de peso, e não o seu excesso. No Brasil ocorria o mesmo; mas tanto para as mulheres como para os homens os rigores dos regimes não incluíam ainda o detalhamento das normas hoje amplamente conhecidas . (SANT’ANNA, 2014, p. 60)

Podemos entender nesta citação que o corpo é comparado a uma máquina e que suas peças eram valorizadas para fazer o motor funcionar. O mesmo que David Le Breton, professor de Sociologia na Universidade de Estrasburgo na França, e membro do Institut Universitaire de France e autor de vários livros e entre eles “Adeus ao Corpo” onde comenta: “não se compara a máquina ao corpo, compare-se o corpo à máquina” (LE BRETON, 2013, p. 19). A busca da beleza pelo corpo magro começa a se evidenciar estudioso sendo que tanto nos Estados Unidos como no Brasil a busca por um corpo magro se intensifica, desta vez a cobrança não era somente do lado feminino, mas sim do lado masculino também.

Figura 10: Praia em 1920. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

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Percebemos na foto que as vestes cobriam bastante o corpo. O padrão de corpo em 1920 tem um formato mais volumoso, com um pouco de gordura. Com ao aumento de frequência da ida à praia, em 1930, tais corpos ficaram mais expostos. Ao discorrer a respeito dos anos de 1930, Sant’anna afirma que o sorriso e a felicidade eram sinônimos de beleza e saúde. Assim, cuidados com o corpo começaram a surgir com mais frequência, principalmente em relação às mulheres. Como podemos exemplificar, a mulher que se cuidava em relação ao seu período menstrual mostrava um sinal de saúde, portanto, de beleza, já que na época não havia tanto conhecimento em relação a este período menstrual, percebemos que o bem-estar e a beleza já estavam relacionados. A tristeza injustificável da mulher era atribuída aos hormônios femininos, como se o útero fosse a causa de todos os problemas. (SANT’ANNA, 2014, p. 82-88) Na verdade conforme Fabíola Rohdenas, pesquisadora do Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo “O império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos”, Rohdenas faz um levantamento histórico em relação aso hormônios femininos e as conditas médicas e em sua linha do tempo apresenta que a partir de 1920 os estudos em relação aos hormônios começaram a avançar, pois anteriormente as mulheres com muitas oscilações hormonais eram consideradas histéricas e na maioria das vezes internadas em hospícios. Continuando com a narrativa de Sant’anna (2014, p. 82-93), nas décadas de 1930/40 a beleza se resumia de certa forma no rosto. A necessidade de sempre estar feliz e mostrar o sorriso bonito para disfarçar as dores abdominais fez com que os cuidados com o rosto e cabelos aumentassem. As propagandas de produtos de higiene pessoal, como sabonete para o rosto, xampu, pasta de dente, aumentaram, e o mesmo aconteceu com as vendas de batom. Em sua narrativa histórica, Sant’anna afirma que em 1940 e 50 a mulher bela deveria conter-se emocionalmente, como por exemplo: “gritos, conter risos longos, choros compulsivos, bocejos (SANT’ANNA, 2014, p. 92) e com o corpo a mesma premissa era seguida, deveria ouvir os conselhos de “manter a linha” em relação ao corpo, “cremes e regimes embelezadores” pois a mulher bonita era aquela que mantinham um “lar feliz”, a cultura era delineada por conselhos para ser uma boa esposa e mãe primorosa. A virgindade e bons modos eram regra geral de beleza para as moças nas décadas de 1940 e 50 (SANT’ANNA, 2014, p. 93).

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Figura 11:

Banhistas em praia do Rio Grande do Sul no final

da década de 1940. Fonte:

. Acesso em: ago. 2015.

Percebemos na imagem acima que os a exposição do corpo na praia de 1920 para 1940 ficou bem mais visível. A questão com a aparência do corpo começa a querer mudar em 1955, mas foi algo bem suave, não foi o ápice dessa mudança. Antes disso, em 1940, o formato do corpo era o violão, mulher que possuía curvas sedutoras e saliências no lugar certo. Os homens gostavam das mulheres que eram uniformemente distribuídas, apelidadas como “mocotó”, ou seja, o perfil da vedete. Mulheres barrigudas eram consideradas “bucho”. Feia era a mulher que tinha um corpo não harmônico, conforme Sant’Anna (2014, p. 100) “mal distribuído” ou seja: “nariz grande, dentes careados, pernas tortas, pés grandes e grossos”. Mulher feia também era a mulher “taboa” seca fisicamente, muito magras, sem curvas. Continuando pelos caminhos de Sant’anna, o livro nos informa que os homens cariocas achavam bonito ver as mulheres “desfilarem” na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, uma mulher mais cheia mas com a cintura fina. Os homens gostavam de olhar os glúteos, a valorização das nádegas na cultura brasileira vem desde 1940. “Cintura fina, pés delicados, sorriso meigo e quadris largos faziam parte dos atributos da bela mulher” (SAN’ANNA, 2014, p. 101). As vedetes, bailarinas do estilo teatro de revista, musical debochado da década de 1860 e se estendeu até 1960, possuíam este perfil de corpo: cintura fina e coxas carnudas,

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consequentemente um bumbum também carnudo. Junto com as vedetes, as pinups americanas seguiam o mesmo padrão de corpo na mesma época (SANT’ANNA, 2014).

Figura 12: Wilsa Carla. Vedete. 1950. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

Sant’anna nos fala que em 1955, as mudanças de comportamento foram mais marcantes. Segundo ela, essa mudança foi sincronizada com o desenvolvimento acelerado do Brasil na época em que Juscelino Kubitschek presidiu o Brasil. Não só o progresso de “50 anos em 5” na vida econômica dos brasileiros, mas socialmente ocorreram muitas influências. A diferença entre o comportamento dos mais jovens e dos mais velhos era grande, a rebeldia toma conta não só do coração dos jovens, mas dos seus corpos também. A ousadia, o abraço forte, os sorrisos escancarados eram sinônimos de beleza. Ouvir seus sentimentos, ir em busca de prazer e escutar o corpo, mesmo a mulher não sabendo direito o que era isso. Nasce então o imaginário da mulher sexy, a mulher fatal. Um grande exemplo que podemos é mostrar é a atriz Marilyn Monroe que além de ter o corpo de pinup anteriormente descrito, era detentora de uma sensualidade marcante e a boca sempre com batom em evidência.

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Figura 13: Marilyn Monroe. Fonte:< http://www.bancodesaude.com.br>. Acesso em 03 set. 2015.

Conforme Sant’anna, os cuidados com o corpo também mudaram, a mulher não procurava mais aquele corpo violão. Agora o corpo magro, a preocupação com a ginástica e os esportes aumentam. Em relação as roupas, que eram feitas com costureiras e sob medida começou a perder espaço, pois era considerado “super charmoso” comprar roupas prontas em lojas. Os cabelos soltos, além de um ar de rebeldia, também eram considerados sexy.

Figura 14: Brigitte Bardot. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

Continuando com Sant’anna, a descoberta da pílula anticoncepcional em 1960, não só o comportamento feminino mudou, como também influenciou no corpo. A mulher

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da Jovem Guarda, como Wanderléa e Martinha, influenciaram o modo de vestir das mulheres que usavam minissaias, botas, bastante rímel, às vezes cílios postiços e cabelos longos. Para usar essas roupas, o corpo magro era necessário. A moda calça Saint-tropez valorizava as barrigas magras e as nádegas femininas, a cintura deveria ser mais fina, considerada “de pilão”. O corpo tinha que ser bronzeado, jovem e magro. A demanda da barriga era totalmente magra, firme e bronzeada. Surgiu então o repúdio à gordura. Ter o corpo todo magro era tendência da moda e foco das publicidades. As revistas começaram a fazer propaganda de produtos para emagrecer, várias dietas surgiram, os conselhos de beleza incluíam das dietas calóricas, o açúcar se transformou no principal vilão, muito parecido com os dias que vivemos atualmente. Passou a ser feio ostentar alguma saliência ou flacidez logo abaixo do umbigo. Ou seja, anos antes da inversão da “barriga negativa”, foi preciso criar uma rigorosa aversão à gordura acumulada no ventre. Hoje o vocabulário dessa exigência é criativo, incluindo barriga zero, chapada, seca, trincada e talvez a mais trabalhosa de todas, a barriga tanquinho. (SANT’ANNA, 2014, p. 128)

Figura

15:

Wanderléa

em

1965

na

praia.

Fonte:

. Acesso em: ago. 2015.

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Figura 16: Botas, vestidos curtos e corpo magro. Para os anos de 1960, as pernas abertas eram um sinal de rebeldia nas poses das modelos. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

A silhueta magra, segundo Sant’anna se tornou a tendência dominante da época. A modelo Twiggy - Lesley Lawson, ex modelo, atriz e cantora britânica - e Veruschka Vera Gräfin von Lehndorff-Steinort é uma ex-modelo, manequim, atriz e artista alemã foram copiadas por todas as moças da época, e até hoje são lembradas como referência em todo o universo da moda, principalmente porque Twiggy mudou o perfil da moda. Considerada como uma das primeiras supermodelos do mundo, sua imagem única fez parte da revolução cultural. Magérrima, pequena, cabelos loiros e curtos, olhos grandes com muito rímel e cílios postiços, ela tornou-se ícone dos anos de 1960.

Figura 17: Modelo dos anos de 1970, Twiggy, que iniciou sua carreira com 1,67 de altura e pesando 41 quilos. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

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Entendemos pelos estudos de Sant’anna, (2014, p. 127-131) que na década de 1960 magreza foi muito desejada no Brasil, e até “foi objeto de poesia” (SANT’ANNA, 2014, p. 131). Mas o estilo de corpo da cantora Wanderléa era o mais seguido pelas brasileiras da época, pois conseguia conciliar os dois estilos, a magreza e a cintura. Para ser moderno, além do corpo afilado, era necessário ser irreverente. A quebra dos traços e perfis sérios de modelos fotográficos deram espaço para as caretas, saltos, pernas abertas e muita atitude na frente das câmeras. A beleza magra neste momento começou a ser sinal de inteligência, mais ainda, a magreza começou a se tornar símbolo de status e estilo de vida. Produtos para emagrecer eram comuns nas propagandas de revistas e jornais. Devido à grande procura por emagrecimento, o produto que mais se destacou foi o adoçante. Tabelas calóricas, em meio a receitas de chás, e balanças com um design pequeno entraram nas casas. Era chique ser magro, mas, infelizmente, não só a magreza era símbolo de status, a bebida alcoólica e o cigarro também faziam parte da sofisticação da época. "A magreza não podia ser apreciada por muitos, mas, na propaganda impressa de cigarros, bebidas alcoólicas, automóveis e roupas, ela era associada ao estilo de vida de pessoas ricas, modernas e grã-finas." (SANTANNA, 2014, p. 131)

1.4 1970: O corpo e mente saudáveis Os cuidados com o corpo começaram a se fortalecer em mensagens de propagandas de revistas que começaram a dar mais importância ao tema corpo especialmente pelo viés da sensualidade. Propagandas de toalhas com personagens que passavam a impressão que amavam seus corpos, Leila Diniz com suas entrevistas arrojadas para a época, eram sinais de que 1970 “década do eu” (SANT’ANNA, 2014, p. 132) chegou para mudar muitos costumes sociais. Sant’anna afirma que nesta época, a proposta era “gostar do próprio corpo” (p. 132), mesmo que isso fosse uma “resistência” aos antigos costumes. Os meios de comunicação intensificaram a questão do gostar do próprio corpo, fazendo com “que o jovem combatesse a timidez, soltassem as amarras corporais” (p. 133) e assim esses conselhos começaram a incentivar os cuidados de si. As revistas incentivavam os cuidados e a questão de dedicar um tempo para si, fazer com que a mulher começasse a se olhar e realmente a se perceberem como uma mulher inteira e completa, não só

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cuidando de seu corpo, mas percebendo sua capacidade de tomar decisões, diferente de anteriormente, quando o homem era o único possuidor do intelecto: agora a mulher também era dotada e considerada como capaz de assumir compromissos fora dos afazeres domésticos. Ela pode de cuidar da casa e das crianças. Além da esposa perfeita ela pode tomar decisões sozinha e sair de casa sem depender do marido ou de uma figura masculina. Descrevendo esse período, Sant’anna afirma que em 1975 surge a questão da “mente e corpo saudáveis”, a autenticidade de se expressar pelo corpo pela arte, dança, meditação yoga e alimentação balanceada, macrobiótica e alternativas. A beleza então seria uma harmonização entre corpo e mente. Percebemos então que essas construções de padrões de beleza estão relacionadas também as questões políticas da época. Para a mulher, a força física feminina reflete os valores da ditadura militar, elas precisam ter uma personalidade forte, como lutadoras diante as questões sociais da época, serem corajosas e não mais o sexo frágil. Che Guevara se transformou em referência estética e corporal da época. Os homens deixavam a barba crescer de qualquer maneira e os corpos não eram obrigados a se submeter às atividades físicas. Nesta época, dos anos 1970, a mulher já se destacava profissionalmente, e seu sucesso profissional faziam parte das matérias das revistas da época, e também as questões da sua sensualidade e sexualidade. As revistas propunham que a mulher se expressasse mais livremente em relação aos seus prazeres. Conforme narra Sant’anna, os termos das revistas tratados como “marido”, “noivo” ou “namorado” agora são substituídos pela palavra “homem” que se refere mais a ““Seu homem”, podendo ser marido, namorado ou amante” (2014, p. 153). Essas questões se remetem as expressões de liberdade sexual que caminhou junto com as expressões de liberdade profissional”. A mulher agora é mais “segura de si e satisfeita consigo mesma”. A mulher ganha autonomia de si e de sua vida, os cuidados com a alma e espirito como eram ditados em 1930 não existem mais. Cuidar do corpo naqueles dias era mais importante do que cuidar da alma e “a preocupação estética prevalece sobre a questão da saúde” (SANT’ANNA, 2014, p. 158).

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Figura 18: Chacretes 1978. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

Como vemos a figura acima, os estilos de corpo buscado no final da década de 1970 para meados de 1985 era o das Chacretes.

1.5 1980: Início da malhação Os anos de 1980 foram uma época marcada pela valorização dos exercícios físicos pesados, conhecidos popularmente como malhação. Devido as políticas de incentivo na área da Educação Física e Desporto no final dos anos 1970, “o esporte era um dos mais importantes elementos para a formação de um homem e a coerção social” (SANT’ANNA, 2014, p. 158) fez com que a cultura da malhação fosse mais difundida socialmente fazendo com que fizesse parte da cultura. A atividade física tornou-se tendência. O corpo que, além de sensual, deveria ser tonificado, e flexível, as aulas de dança como o jazz e balé clássico se tornaram um desejo entre as jovens da época. A musculação e outros exercícios saíram das quadras, das academias e dos clubes e foram para a rua. (SANT’ANNA, 2014, p. 157) Caminhadas, corridas em parques e na rua se tornaram corriqueiras e comuns. A busca por malhação virou uma febre. A musculação e o jogger ou o cooper eram práticas diárias que mantinham o corpo sempre esbelto. Por outro lado, aqueles que não conseguiam atingir o padrão de beleza da época poderiam buscar uma outra opção: a cirurgia plástica. O tema ganhou popularidade nas

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revistas a partir dos anos de 1980. As publicações de matérias de cirurgias abdominais e de seios mostrando o antes e o depois eram as preferidas das mulheres. Principalmente porque além de se conseguir obter um corpo cirurgicamente adequado aos valores da época, poderia se combater o envelhecimento com o auxílio da cirurgia estética. As técnicas do bisturi evoluíram como a sociedade também. Além da cirurgia reparar problemas de nascença como o lábio leporino ou mesmo um nariz mais avantajado, ou defeito causado por algum acidente, como a reconstrução de alguma parte do corpo, um mito que envolveu a cirurgia plástica foi de que, ao passar por um procedimento estético, se recuperaria a “felicidade, a saúde, a ascensão social e o sucesso”. O paciente se torna cliente, a obsessão por cirurgia plástica e a busca do corpo perfeito a todo custo fazem com que o Brasil lidere o ranking de cirurgias plásticas em todo o mundo.

Figura 19: Xuxa Meneguel e Luiza Brunet são as top models dos anos 1980. Tanto que Xuxa foi convidada para ser apresentadora de programa infantil: as roupas que ela vestiam eram imitadas tanto pelas crianças como pelas mães das crianças

que

assistiam

ao

programa.

Disponível

em:

. Acesso em: ago. 2015.

Sant’anna nos fala que no início dos anos de 1990, o padrão de corpo e beleza era o das top models. Pele sedosa, alta, magra e ombros largos e retos, cabelos esvoaçantes e no mínimo 1,70m de altura eram requisitos básicos para serem consideradas belas. A década das top models influenciou muito o mercado de luxo, produtos sofisticados que

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prometiam ao consumidor uma beleza internacional, como a das modelos da época, e isso inclui uma relação de desejo e valor do produto que vende a ideia de que a mulher era “bem-sucedida” em todos os aspectos. Tanto que a busca pela carreira de moda começava lá pelos 12, 13 anos de idade de uma garota, existia um ar de status e glamour para aquelas que ingressavam neste mundo com cita Sant’anna: Muitas adolescentes de 12 e13 anos deixavam suas famílias e escolas para integrar aquele universo de negócios entre adultos, tão sedutor quanto estafante [...] As modelos mais famosas já se mostravam espetaculares “cidadãs do mundo”, habituadas a constantes viagens, ciosas de possuírem habilidades impressionantes, como aquela de se sentir absolutamente à vontade em qualquer pais. (SANT’ANNA, 2014, p. 163)

Figura 20: Modelos Ana Hickman e Luciana Gimenez foram representantes desta época. Disponível em: ; . Acesso em: ago. 2015.

Em uma breve observação, como vimos anteriormente, em 1930 a mulher era criada totalmente voltada as funções domésticas, ela saia da casa dos pais somente para se casar e dedicar sua vida ao marido e aos filhos. Os valores em 1990 já se mostram completamente diferentes, a menina ainda com 13 anos de idade sai de casa em busca de uma profissão longe da sua família e do seu país em busca do que ela imagina ser uma carreira de sucesso.

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Ao final da década de 1990, até meados da década de 2000, o padrão de beleza do corpo da mulher brasileira corresponde muito ao seu cotidiano. A impressa retrata alguns tipos de mulheres como as funkeiras, as popozudas e as bombadas, ou seja, as “turbinadas” ou “saradas” vistas até os meados de 2013 nos programas de televisão. As funkeiras se originaram de tendências mais de gostos populares. O uso de tecidos com stretck, que marcam bem a silhueta, exaltando a sensualidade feminina. O “bumbum sarado” é a característica destas mulheres consideradas no meio do funk brasileiro como “popozudas”. Uma observação cabe aqui: conforme dissemos anteriormente, em 1950 o padrão de corpo admirado pelos homens eram as vedetes que tinham quadril lardo, ou seja, a valorização das nádegas. Essa admiração pelo “bumbum” da brasileira caiu no gosto popular masculino e perdurou por todos esses anos. Tanto que as funkeiras como as dançarinas de Axé – estilo de musical que surgiu na Bahia – chamam a atenção pela valorização e cuidados dessa parte do corpo. Mas a imagem das funkeiras na mídia dentro de um baile funk possui diferentes perfis. O corpo é visto como um meio de diversão e sedução, esse perfil sugere o que realmente a mulher deseja, tanto no sentido sexual, como sendo uma guerreira na vida pessoal. Torna-se declarada a questão da satisfação imediata. A urgência das coisas e a impaciência refletem tanto no sexo como no cotidiano das mulheres e na sociedade em si. Na narrativa de Sant’anna, podemos entender que as mulheres passam a assumir o papel de guerreiras na vida real, disciplinadas, sabem o que querem, são estrategistas e objetivas, e isso pode ser observado no formato padrão do corpo desta época Sant’Anna (2014, p. 175-181). As mulheres exibiam corpos musculosos obtidos com uma malhação pesada para os músculos crescerem e ainda com a ajuda de cirurgia plástica para a implantação de próteses para aumentar o tamanho do musculo. Seus corpos, como aqueles soldados e dos gladiadores, resultam de muita disciplina em treinos e exercícios diários. Mas também é preciso seguir dietas especiais e em vários casos realizar cirurgias plásticas. Uma imbatível virilidade guerreira pode ser deste modo construída. (SANT’ANNA, 2014, p. 178)

Dessa maneira, no imaginário da mulher, esse corpo supera qualquer questão de sexo frágil – ela é capaz de superar as dificuldades, superar qualquer desigualdade em relação ao homem.

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Figura

21:

Adriana

Bombom

no

carnaval

de

2009.

Foto:

Marcos

Ribolli.

Fonte:

. Acesso em: ago. 2015.

Com todo esse desenrolar em volta do padrão, a estética feminina, ao se igualar esteticamente aos grupos musculares masculinos, acabou causando um estranhamento aos olhares e “críticas severas” (p. 176). Com isso, fazemos uma consideração, hoje em dia, algumas mulheres retroagiram do perfil “bombadona” e procuram manter um corpo esculpido, mas tão musculoso como os das “guerreiras”, surgindo assim o padrão atual que são as “panicats” como observamos na mídia atualmente. O programa Pânico na TV foi quem deu início à inclusão das panicats, que são as vedetes ou chacretes da nossa década. O programa Pânico na TV existe desde 2003. O Pânico na verdade é um programa que nasceu na rádio, transmitido pela Jovem Pan FM, desde 1993. Tem como característica o tom de humor escrachado voltado para o público jovem, as principais brincadeiras humorísticas são exploradas a partir de seus integrantes, convidados e ouvintes. Os radialistas Emílio Surita, Marcelo Baptista e Fernando Mello são os idealizadores do programa. Devido ao sucesso do programa, em 2003 a emissora Rede TV começou a produzir o programa e inseriu as assistentes de palco que também participam de outros quadros, conhecidas como panicats, que vestem somente biquínis em todos os momentos do programa.

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O padrão de corpo das panicats também passou por modificações: no início do programa as moças apresentavam um corpo estilo “popozuda” e “bombada”, “sarada”, “guerreiras”, mas, com a mudança e contratação anual de assistentes, o estilo de corpo mudou: atualmente as assistentes possuem um corpo mais curvilíneo e tônus musculares bem marcados. Um ponto importante para se destacar neste estilo de corpo novo é o da “barriga negativa”, que tem como principal objetivo ter uma barriga côncava, para dentro das costelas. Este padrão de corpo ficou conhecido em 2013 como “estética do risco” (Revista Veja, ed. 2346, ano 46, n. 45, p. 87), que explora a busca pelo limite da magreza do corpo, com músculos à mostra, mas buscando saúde.

Figura 22: Panicats 2015. Fonte: . Acesso em: ago. 2015.

Em 2009, os discursos que normatizam o ideal de corpo passam por transformações. O foco é voltado à “beleza do corpo individual”. Ocorre uma inclinação para os estudos do tema, atraindo muitos olhares de pesquisadores de várias áreas. “O tema da beleza corporal tornou-se objeto de publicações específicas, atraindo não apenas

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escritores e cronistas, mas também antropólogos, sociólogos, historiadores e psicólogos de diferentes cidade e países” (SANT’ANNA, 2014, p. 187). A empresa Unilever, com o produto Dove, e a L’Oréal lançaram campanhas e projetos que se estendem até hoje e que consistem em aumentar os níveis de satisfação das mulheres consigo mesmas, promovendo a ideia que, independente do formato do seu corpo, ele é o seu aliado. Em 2004, Dove foi a primeira marca a questionar os estereótipos de beleza produzidos pela sociedade, com o lançamento da campanha pela “Real Beleza”. Fruto de uma pesquisa mundial, o estudo investigou como as mulheres encaravam sua beleza e reagiam à pressão dos padrões estabelecidos pela mídia. A pesquisa foi revisitada e ampliada e os resultados evidenciaram que a autoestima feminina e a troca de experiências sobre esse tema são o norte para as novas ações da marca, que lançou a "Campanha pela Real Beleza", para que mulheres de todo mundo pudessem enxergar a própria beleza e seu potencial. Em 2013, lançou as campanhas globais “Retratos da Real Beleza” e “Câmera Tímida”, com o principal objetivo de desenvolver a autoestima nas mulheres.

Figura 23: Campanha Retratos da Real Beleza. Disponivel em:

Em 2009, a Fundação L’Oréal, que promove pesquisas científicas na área da ciência, apoia a educação e ajuda pessoas em situações vulneráveis oferecendo alternativas de beleza para que recuperem sua autoestima e seu lugar na sociedade, lançou uma série de cinco livros que recebeu o nome de 100.000 Anos de Beleza. Cada volume

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aborda as diferentes nuances da busca pela beleza. O prefácio da obra é um ensaio do filósofo francês Michel Serres. O primeiro volume fica sob a tutela do paleoantropólogo Pascal Pic, que discorre sobre a beleza na pré-história, o segundo e o terceiro volume ficaram a cargo do historiador e sociólogo Georges Vigarello, sobre a beleza na Antiguidade os cuidados e beleza da Idade Clássica; no quarto volume o historiador Marc Nouschi aborda os cuidados da beleza na Modernidade e o quinto volume, sob a responsabilidade da etnóloga Elisabeth Azoulay e a filósofa Françoise Gaillard, fazem um estudo para o futuro – “este é o primeiro trabalho a explorar o assunto com uma abordagem tão ampla de tempo e espaço.” A tese central da publicação afirma que a busca pela beleza, por meio do corpo ideal, é um movimento contínuo desde a pré-história. O modelo do corpo, o uso de cores, penteados e adereços, a nudez e as roupas definem a identidade cultural das sociedades e o seu status social. Publicado pela editora francesa Gallimard, o livro é um esforço editorial que reúne 300 autores de 35 nacionalidades diferentes, que oferecem uma abordagem multidisciplinar e internacional sob a ótica da Antropologia, Arqueologia, Etnologia, Sociologia, Arte, Filosofia, Museologia e Psiquiatria. Simone Nogueira, diretora de comunicação da L’Oréal, diz: O Grupo L’Oréal acredita que a beleza é a expressão de um sonho universal de bem-estar e harmonia interior. Ela permite que as pessoas demonstrem suas personalidades e sejam seguras em suas relações. A coleção consagra essa questão fundamental do significado de beleza, destacando suas implicações psicológicas e sociais desde as mais remotas civilizações. (NOGUEIRA, 2010)

Podemos entender que o aumento da liberdade individual para com o corpo está se posicionando socialmente. O exemplo do corpo da mulher, que era voltado para a beleza e o espírito, passando por cuidados do rosto, tendo que sempre se mostrar feliz, a sensualidade das vedetes de um corpo com curvas, a rebeldia das hippies e revolucionárias, o corpo montado por um bisturi, o corpo trabalhado pela exaustão da ginástica, a comparação física entre homens e mulheres até chegarmos a uma época em que o corpo se torna mais sensível do que a alma.

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1.6 O corpo como inimigo Tanta cobrança física e insatisfação nessa busca frenética em sempre perseguir o modelo ideal de beleza torna o corpo “o maior inimigo que alguém pode ter” (SANT’ANNA, 2014). Essa inquietude em embelezá-lo está atravessando uma época de ansiedade e descontentamento com o espelho, pois os corpos vistos nas mídias, nas academias ou mesmo a tentativa da Dove em mostrar “corpos reais” não são suficientes para a maioria da população que possui um corpo que não está no formato desejado e tão glorificado visto nas mídias. É importante perceber neste momento que o modelo de corpo na mídia é um, mas existem outros socialmente, outros padrões de corpos. Podemos ver nuances distintas, como por exemplo, o corpo sarado de uma funkeira é diferente de um corpo malhado de uma passista de escola de samba, e também é diferente de uma jovem que tem como exemplo um corpo de “panicat”, ou mesmo um corpo plus size deve possuir características que caibam dentro de medidas que socialmente são aceitas. Percebemos que a imagem do corpo passa por discursos que sempre perambulam pelas questões sociais que o tempo todo estão em constantes mudanças, mas ao mesmo tempo sempre sendo controlada dentro das concepções de corpo e de beleza aqui explicitados, que estão pautadas em relações de poder, pois os discursos que fomentam e constroem esse entendimento estão ligados às relações históricas e culturais de uma sociedade. Para darmos continuidade à discussão da ideia de corpo como inimigo, como algo a ser moldado para atingir uma forma padronizada, é preciso antes de mais nada entender o corpo como espaço de disputa, como espaço de inscrição da cultura. Michel Foucault, em seu livro "Vigiar e Punir", fala da domesticação do corpo, do desenvolvimento de um corpo dócil: “em qualquer sociedade o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações (FOUCAULT, 1997, p. 118). Organizado em quatro partes, “o suplício”, “punição”, “disciplina” e “prisão”, nesse livro Foucault discorre sobre as práticas disciplinares usadas para a produção do corpo dócil. No processo de docilização, o corpo é o lugar que encena todas as disputas de poder que permeiam uma cultura. Para Foucault, o corpo e a disciplinarização do mesmo estão no cerne de uma série de dispositivos de poder. Além disso, é importante pensar o corpo enquanto linguagem.

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Em outro momento, Foucault, ao discorrer sobre a história da sexualidade, nos fornece pistas para entender como a normatização com o cuidado que o sujeito deveria ter com o próprio corpo foi sendo construído. Portanto para entendê-lo, precisamos fazer toda esta retrospectiva história e social. Numa cultura que dita regras rígidas de comportamento e estilo de vida, o “cuidado de si” comporta uma série de imperativos e princípios que regem a construção do corpo dócil. Nesse contexto, não existe a consciência de um corpo mutável, frágil, sensível às mudanças da esquecida alma e beleza de espírito que falamos anteriormente, os cuidados com a espiritualidade já não são tão fortes como os cuidados com o corpo. Mas por outro lado as pessoas que não se encaixam dentro de um padrão social de corpo. A necessidade de aceitar o corpo vivido, o corpo que está fora do padrão magro e sarado, é a força motriz de uma série de discursos e projetos nas redes que irão compor o corpus de análise da presente pesquisa. O movimento plus size surgiu inicialmente como uma questão de inclusão de vestuário para pessoas que usam números de roupa acima do 46. As mulheres volumosas e cheias de curvas (consideradas fora do padrão) se identificaram e aderiram ao movimento. Gordinhas, gordas, cheinhas, curvilíneas, volumosas, GGs, BBW (big beautiful woman) fazem parte deste universo denominado plus size que também é um movimento a favor da aceitação do corpo grande, do corpo volumoso, seja este um corpo feminino ou masculino, sem pré-julgamentos e em defesa da diversidade de corpo. Como já dissemos, na cultura das mídias, as mulheres são sempre mais cobradas a manter um corpo dentro do padrão social mais do que os homens, mas isto não isenta os homens de sofrerem as pressões sociais e midiáticas em relação ao seu corpo. O movimento, como dissemos, tem como marco no Brasil a vinda da top model plus size Fluvia Lacerda. Com a vinda de Fluvia, ganham espaço sites e blogs que discorrem sobre o tema e têm como público-alvo pessoas que se identificaram com o perfil mais cheio de curvas que até então não se encaixavam no perfil de beleza visto nas mídias impressas e televisivas. O “movimento plus size” é um discurso mais encontrado nas redes sociais. Sites, blogs e fanpages agregam pessoas e discutem sobre todos os assuntos desse mundo novo, desde moda, comportamento, mercado e a troca de informações de vivências e afetos. O plus size pode ser considerado um movimento de ordem social pois visa se incluir a um padrão mais diverso de corpo tanto no mercado como na comunidade, para que este corpo possa participar do cotidiano de uma vida, podendo se vestir com roupas

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próprias para seu tamanho, ter a liberdade de poder usufruir dos benefícios de ter uma vida social e também melhorar a avaliação de si, ou seja a autoestima. O movimento procura descentralizar o foco do corpo magro e busca que este corpo gordo seja visto como parte integrante da sociedade A conquista deste espaço tem uma importância social para a inclusão de corpos não midiáticos, pois, a partir daí, muitas empresas e lojas de departamento começaram a ver que existia um nicho de mercado que corresponde a 56% da população, e que estava esquecido. Lojas de departamento famosas no Brasil, como C&A, Marisa, Renner, Pernambucanas, se empenharam para acompanhar a moda de tamanho grande. Concursos de Miss Plus Size, desfiles de moda plus size, encontros nacionais de gordinhos e admiradores e principalmente estudos sobre esse novo público-alvo atualmente são não só um padrão de beleza, mas sim um estilo de vida. Nesse capítulo, apresentamos os conceitos fundamentais que norteiam nossa dissertação, falamos sobre a história da beleza, mais especificamente sobre a construção dos padrões de beleza no Brasil, como o corpo foi influenciado por questões políticas, sociais e midiáticas. A mudança de comportamento feminino e sua emancipação social fez com que a mulher se igualasse ao homem no mercado de trabalho e na sua produtividade. Mas o corpo ainda está limitado e aprisionado à disciplinarização, aprisionado aos padrões sociais de beleza, sujeitando-se às configurações impostas pela mídia. Seu corpo torna-se seu inimigo. Os apelos em prol de um corpo mais tangível que foge às regras é mais visível nas artes e nas ruas ele é submetido às regras de docilização. Em 2009 com a abertura do mercado de roupas tamanhos grandes a exposição de um corpo fora do padrão ficou mais visível e este percebendo seu potencial diante a inúmeras dificuldades até então vividas. O movimento plus size toma forma, se estrutura e toma uma posição diante aos padrões sociais, mostrando assim que é também um corpo capaz de se inserir socialmente e que também é belo. Com a ajuda das redes sociais, o movimento plus size se organiza e se fortalece agregando corpos até então esquecidos pela sociedade. O capitulo a seguir será dedicado a mostrar um panorama discursivo sobre o universo plus size em relação aos blogs e suas discussões, o mercado de moda plus size e as dificuldades que um corpo fora do padrão passa no seu cotidiano.

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Figura 24: Top Model Plus Size Fluvia Lacerda

Gráfico da evolução de padrão de corpo feito pela estilista e professora da Universidade Anhembi Morumbi Regina Barbosa Ramos especialmente para esta dissertação.

70 - época da rebeldia, as poses em catálogos de moda mudam

60 - padrão de corpo magro, fino e pequeno sem curvas

50 - O corpo das vedetes: cintura bem marcada e curvas

30 /40 - Começa a exposição do corpo na praia

20 - A mulher ainda escondia seu corpo com roupas sem deixar aparecer a silhueta

2015 plus size

2000 mulher sarada

2010 barriga negativa

90 - Top Models

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Evolução das silhuetas ao longo do tempo

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CAPÍTULO 2

Neste segundo capítulo iremos discutir o tema plus size e sua relação na cultura. Assim, apresentamos um panorama do cotidiano do corpo gordo encontrado em várias linguagens, como redes sociais, mídia televisiva e revistas. Falaremos sobre eventos culturais e suas relações com o mercado e a moda, artes, sexo. Enfim, nossa proposta é traçar um panorama amplo que inclua, desde debates sobre o mundo plus size até as expressões de preconceito em relação aos obesos (gordofobia). Nosso direcionamento de estudo é mais voltado para o gênero feminino, pois como já apontado no capítulo anterior, o corpo feminino é mais cobrado pela sociedade para seguir um padrão de beleza, conforme já apontado por Novaes e Sant’anna, portanto os discursos encontrados nos blogs são mais direcionados a este público. Lembraremos também que o corpo do homem não está excluído do panorama que iremos apresentar. O corpo gordo masculino aparece nos discursos de inclusão à medida que desenvolvemos os temas. Para a análise de classificação de blogs usaremos Primo, para a elucidação das questões da busca e aceitação beleza e o corpo gordo Novaes e iremos nos apoiar nos estudos de Foucault sobre o corpo dócil. A questão da emancipação do corpo gordo em relação a sua sexualidade será vista pela perspectiva de Giddens e Costa. Para fecharmos o cenário, falaremos sobre preconceito.

2.1 Temas encontrados blogs do Universo Plus Size O que iremos pesquisar neste trabalho são os blogs, sites, fanpages e blogueiras que discorrem sobre o assunto plus size. Os blogs encontrados na internet fazem parte das transformações que surgiram junto com o ciberespaço, como uma forma de novo comportamento na comunicação, um novo meio que transformou o sentindo de informação, não só a jornalística, mas sobretudo o tipo informação que pode ser passada de várias maneiras como a escrita, ouvida ou vista como são os casos dos vlog9, sendo responsáveis por diversas mudanças sociais em relação ao comportamento das pessoas.

Vlog – Video blog, onde a pessoa faz a gravação de seu depoimento ou opinião em formato de vídeo e posta nas redes sociais. 9

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O ciberespaço é um espaço onde podemos compartilhar nossas reflexões. Conforme já afirmado por Leão (2004) no capítulo anterior, o ciberespaço é “um território em constante ebulição” e que ocorre na interação entre usuários e redes, a partir da máquina. Sabemos que não são todos que possuem acesso a essas máquinas, ou seja, dispositivos que possibilitam a conexão com o ciberespaço. Conforme informações do site da ONU10 no Brasil, 4,4 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à internet, somente 40% das pessoas têm este tipo de acesso. No Brasil 51% das pessoas têm acesso à internet e 48% da nossa população já está conectada às redes sociais segundo informações também da ONU11. A tendência desses números é somente crescer. Blog12 termo que deriva de weblog, a junção de dois termos: web que é a rede; e log, linguagem utilizada na informática que registra as atividades do computador. Com a popularização do blog que tem o intuito de ser um diário on line, registrando as atividades diária, como poesias, opiniões e pensamentos dos usuários, essa pratica começou a crescer e hoje se popularizou tanto que com fáceis ferramentas do ciberespaço qualquer usuário pode criar e montar um blog. Conforme Maria João Gomes escreveu em seu artigo para o Simpósio Internacional de Informática educativa: É uma página na Web que se pressupõe ser actualizada com grande frequência através da colocação de mensagens – que se designam “posts” – constituídas por imagens e/ou textos normalmente de pequenas dimensões (muitas vezes incluindo links para sites de interesse e/ou comentários e pensamentos pessoais do autor) e apresentadas de forma cronológica, sendo as mensagens mais recentes normalmente apresentadas em primeiro lugar. (GOMES, 2005, p. 305-311)

Conforme citado acima, podemos entender que os blogs possuem constantes atualizações para as informações através de mensagens que são postadas cronologicamente, mas diante da crescente demanda e da popularidade dos blogs essa ferramenta também não deixa de ser uma fonte de informação. Alex Primo, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS, autor de diversos livros sobre os espaços comunicacionais em rede, gêneros e interações em blogs e conversações online, escreve em seu artigo “Blogs

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A informação da fonte é datada de outubro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2015. 11 A informação da fonte é datada em 22 de setembro de 2014. Fonte: . Acesso em: 29 ago. 2015. 12 Fonte da informação: . Acesso em: 29 ago. 2015

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e seus gêneros” que o blog não é mais somente um diário pessoal em rede, onde as pessoas fazem suas escritas diárias e anotações. Segundo Primo, os blogs trazem uma heterogeneidade de informações e podem ser classificados em várias “categorias temáticas” (PRIMO, 2008, p. 2).

É preciso que fique claro que blogs são meios comunicação. A criação de um blog/espaço não determina necessariamente se ele será mantido de forma individual ou coletiva, tampouco se servirá a interesses lúdicos ou comerciais. Ao se instalar um blog/programa em um servidor ou passar a se utilizar um servidor gratuito [...] não se está subscrevendo um compromisso com este ou aquele estilo literário. Logo, definições que caracterizem blogs, por exemplo, por produção individual, de tom confessional. São, portanto, visões essencialistas que no fundo, servem apelas a intenções normativas (que visam impor como blogs “deveriam” ser) ou a críticas fáceis (como “blogs nunca tem credibilidade”). (PRIMO, 2008, p. 7)

Nesta citação, podemos verificar que Primo propõe que o blog, principalmente o pessoal, não precisa seguir uma linha literária por obrigação. Pode ser uma manifestação pessoal independente de regras e estilos. Alex Primo identificou dezesseis gêneros de blog que são definidos em diferentes categorias. É interessante observar que nesses 16 tipos de blogs estão incluídos grupos e subgrupos. Para a análise desta dissertação de mestrado, iremos utilizar somente os gêneros que Primo classifica como Blog Profissional, Blog Pessoal, Blog Grupal e Blog Organizacional conforme matriz utilizada e formulada por Primo.

Tabela Matriz Primo

Figura 25: Tabela Matriz para classificação dos blogs conforme Alex Primo.

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Para entendermos a matriz, muito sucintamente iremos identificar os pontos mais importantes da tabela. Nas abas de cima identificamos os blogs profissionais e pessoais quando somente uma pessoa escreve, ou seja, individual. As abas “grupal” e “organizacional” são escritas de forma coletiva, ou seja, quando duas ou mais pessoas participam produzindo textos e informações para o blog. No canto direto da tabela temos as abas que correspondem aos estilos de texto, sendo eles auto reflexivo, informativo interno, informativo e reflexivos. Auto reflexivo: quando as informações se referem às manifestações internas reflexivas, no caso de um blog profissional quando as reflexões são relacionada às atividades profissionais expressando opiniões; blog o pessoal são as manifestações reflexivas dos pensamentos, um blog grupal ou organizacional desejam discutir atividades internas; Informativo interno: refere-se às informações ou tarefas a serem ou que foram realizadas. No caso do blog profissional pode ser utilizado como um “bloco de notas” ou agenda para suas atividades ou mesmo para divulgação de trabalhos como palestras, por exemplo, no blog pessoal é basicamente um registro do que o blogueiro faz, de onde foi e para onde vai, um blog que conta o seu cotidiano, diferente do blog auto reflexivo que não faz reflexões sobre o seu cotidiano, o blog informativo interno grupal e organizacional é um relato das atividades do grupo e é utilizado também como um quadro de avisos para as atividades da organização; Informativo em modo geral são as informações que os blogueiros disponibilizam para si ou para os seus leitores, como, por exemplo, fotos, textos, musicas, links de seus interesses. Esses conteúdos não necessariamente precisam ser da própria autoria do blog, podem ser de outras fontes, é isso que o diferencia dos informativos internos; Reflexivo: este estilo de texto no blog pessoal refere-se às críticas ou comentários das informações que o blogueiro recebeu, como, por exemplo, um livro, um texto, um acontecimento. Diferente do auto reflexivo que são críticas ou pensamentos voltados para si, os reflexivos são voltados para fatos externos como por exemplo acontecimentos políticos. Os blogs profissionais reflexivos fazem uma crítica a algum acontecimento. O que diferencia os blogs pessoais dos profissionais são a especialidade e o olhar apurado nas críticas, diferente do pessoal que é amador. O estilo grupal reflexivo são as manifestações das opiniões sobre os temas de interesse que aproximam os participantes que os compõem, essas opiniões podem ser divergentes ou não no grupo. Diferente do blog organizacional em que todos compartilham de um mesmo ideal.

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Com base no texto de Alex Primo, iremos, de forma resumida, apontar algumas diferenças primordiais nos blogs que são: a lucratividade, questões mercadológicas, se a pessoa vive ou não deste blog, faz dele sua profissão e fonte principal de renda; quem é ou quem são as pessoas que escrevem as informações técnicas e específicas para o desenvolvimento do assunto, e se nos blogs existem uma hierarquia de trabalho em relação a essas pessoas. Blogs profissionais são essencialmente aqueles que o blogueiro é uma pessoa especializada que “atua profissionalmente, cujo impacto pode ser identificado no post” (PRIMO, 2008, p. 3). A pessoa que escreve o post não necessariamente precisa ser especialista no assunto, mas devido a sua credibilidade que foi construída com o tempo, reflete em sua ação um “valor qualitativo prévio” daquilo que ele posta. Por exemplo: o blogueiro especializado em arquitetura pode eventualmente comentar sobre futebol. O lucro não é a principal característica de um blog profissional, mas sim os posts relativos à sua área da atuação. Quando o ato de “blogar” se torna a principal fonte de renda de uma pessoa, conforme Primo, esse tipo de blog é conhecido na blogesfera como problogger.

Nesses casos, blogar torna-se uma atividade profissional e o blogueiro uma profissão. Como a lucratividade do blog depende da quantidade de cliques em links patrocinados e bannes, questões sobre tamanho da audiência e frequência de visitas torna-se fundamentais. (PRIMO, 2008, p. 05)

Percebemos então que, neste caso, o problogger é a principal atividade de um blogueiro e faz dessa sua principal fonte de renda. Em relação aos blogs plus size, existem vários que são problogger, como podemos citar os que mais estão em evidencia atualmente: “Blog Mulherão” da jornalista Renata Poskus e o blog “Ju Romano” da jornalista Juliana Romano. Em relação ao estilo de escrita, o “Blog Mulherão” e do Blog da “Ju Romano” são semelhantes. O “Blog Mulherão” se caracteriza por uma escrita crítica reflexiva em relação a assuntos polêmicos, mas ao mesmo tempo Renata Poskus faz de seu blog informativo com links para receitas, dicas de moda e informativos externos anunciando sobre seus cursos de “dia de modelo” e também postagens de auto reflexões em relação aos seus relacionamentos passados. Portanto o “Blog Mulherão” se encaixa nos 4 estilos de escrita. O blog da “Ju Romano” já tem uma característica diferente de escrita. Ela comenta sua opinião e critica em alguns textos acontecimentos do universo plus size, ou seja, é

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reflexivo, é informativo, pois disponibiliza informações de eventos e bazares relacionados à moda e é informativo interno pois disponibiliza sua agenda de eventos. Também é auto reflexivo pois há postagens em que ela comenta como se sente em relação ao seu novo apartamento. Importante observar que ambos os blogs têm características de blogs pessoais como veremos abaixo, mas eles diferem do tipo de blog pessoal pois tanto a Juliana Romano como a Renata Poskus são jornalistas especializadas em Plus Size. Na página inicial de cada blog, em lugares estratégicos que costumam ser a parte superior da página e o lado direto, próximo à barra de rolagem, ou mesmo conforme a disposição visual segundo a estética de cada página, encontramos os “links patrocinados”, são desses links que vem o retorno financeiro do blog. Estes se apresentam em banners animados com o nome das lojas e um link que direciona diretamente à página patrocinada. Vejamos na figura a seguir, os links patrocinados presentes no “Blog Mulherão”:

Figura 26: Links patrocinados “Blog Mulherão” em destaque vermelho os links patrocinados. Disponível em: . Acesso em maio 2015.

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Figura 27: Blog “Ju Romano”, em destaques vermelhos os links de patrocinadores. Disponível em http:// . Acesso em: ago. 2015.

O blog pessoal conforme Primo é mais direcionado “para a manifestação de opiniões e reflexões pessoais sobre si, sobre os outros e sobre sua vida cotidiana” (2008, p. 8). O blog pessoal é aberto a qualquer tipo de manifestação que a pessoa quiser expressar, podemos encontrar em alguns casos perfis fictícios que escrevem histórias mirabolantes. O blog pessoal pode funcionar de diversas maneiras, como um “repositório de informações encontradas em outros sites”, que pode ser uma coleção pessoal de informações, ou até mesmo uma análise crítica de notícias, “produtos culturais”. Dentro do universo plus size encontramos muitos desses blogs. Pessoas que estão incluídas no universo plus size mostram em seus blogs várias informações de valores pessoais. Comentam sobre diversos assuntos com ou sem análises críticas, comentam sobre como estão se sentido, sobre sua família, sobre eventos, seu cotidiano entre outros. No discurso de Primo, pode acontecer que haja um valor mercadológico. “Um blog pessoal pode também construir uma reputação de excelência” (PRIMO, 2008, p. 7) e isso vem com o tempo. Como por exemplo um cinéfilo que comenta sobre vários filmes, fazendo assim uma “resenha crítica” ou mesmo uma blogueira plus size que comenta sobre blog, beleza e autoestima. Esses blogs podem ter “altos índices nas estatísticas de visitação de internautas”. Esses vinculam anúncios publicitários e materiais promocionais. No caso das blogueiras são feitas parcerias com lojas online e outras parcerias comerciais. “Contudo, o lucro com publicidade não é o principal foco desses blogueiros.” (PRIMO, 2008, p. 7). Podemos exemplificar com o blog “Cheias de Chame Plus” de Camila Ribeiro, 34 anos, advogada, que tem paixão em escrever no seu blog e é patrocinada para isso.

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Em relação ao estilo da escrita é simplesmente informativo, pois existe muita informação sobre moda, beleza e curiosidades, não se observa outro tipo de escrita em seu blog. O mesmo acontece com o blog “Espaço Plus Size” da proprietária Shirlei de 36 anos que não oferece muitas informações sobre a sua vida pessoal. Diferente do blog “Cheias de Charme” citado acima, o “Espaço Plus Size” comenta sobre os lugares em que a escritora visitou, anexando fotos dos eventos e viagens (informativo) e expressa sua opinião sobre assuntos polêmicos (reflexivo).

Figura 28: Blog “Cheias de Charme Plus”. Em destaque vermelho os links patrocinados. Disponível em Acesso: 29 de ago de 2015.

Figura 29: Blog “Espaço Plus Size”, em destaque vermelho os links patrocinados. Disponível em . Acesso em 29 de ago de 2015.

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Continuando com Alex Primo, blogs grupais são aqueles que são produzidos por mais de 02 pessoas e que conversam entre si sobre o mesmo tema de interesse. Os temas abordados pelo grupo dependem do que cada pessoa quer comentar no blog, por exemplo fãs do estilo musical Rock, cada um comenta de uma banda.

Este grupo pode se formar em virtude de uma amizade, laços familiares e interesses em comum [...] No entanto os laços que unem esses integrantes não apresentam a mesma formalidade das relações de uma organização. [...] o que mais importa em um blog grupal é o convívio dos participantes e a troca de informações. (PRIMO, 2008, p.09)

Conforme citado acima podemos entender que o ponto principal que une essas pessoas é o prazer de escrever sobre um tema, sem obrigações de mostrar produtividade e nem volume de trabalho. Em relação a questão de lucro, o mesmo acontece com o blog individual. Existe sim a possibilidade de ganho, de parcerias financeiras, mas não é o principal foco do blog grupal ter fonte de renda. Podemos explicar com o blog “Maggnificas” funciona da mesma maneira e é administrado por: Alline Rosa, Carol Caran e Marina Sena. O blog “Tamanho P. Porque a vida é Grande” é administrado por Patricia Feitosa e Maristela Abreu. A rede social Facebook lançado em 2004 em também possibilita a criação de páginas com este perfil, como é o caso da fanpage e do blog “Sou Gordinha Sim”, a proprietária Helena Custódio e as administradoras Cátia Martins, Patrícia Nechar, Paula Pereira e Daniela Maggah. Os estilos de escrita desses blogs são semelhantes. Todos os blogs grupais citados são auto reflexivos, pois sempre seus participantes comentam sobre fatos que mudaram sua vida ou os que marcaram de alguma forma; informativo, postando fotos e link de acontecimentos importantes; reflexivo, pois criticam e avaliam acontecimentos do mundo plus size. Somente o blog “Tamanho P” não apresentou texto do estilo informativo interno.

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Figura 30:”Blog Maggnificas GG” Disponível em: Acesso: 31 ago. 2015.

Figura 31: Blog Tamanho P Disponível em . Acesso em 31 ago 2015.

No Facebook, a propaganda acontece igualmente, mas ao invés de banners, são posts com data e hora certas para serem exibidos.

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Figura 32: Fanpage “Sou Gordinha Sim” em destaque link patrocinado de lingerie tamanhos grande. Disponível em Acesso 12 jun 2015.

O blog organizacional, diferente dos blogs coletivos, trabalham dentro de uma estrutura organizacional, isto é, tem diretores e chefes. São voltados para ter um retorno mercadológico, ou seja, o blog é organizado para obter fins lucrativos e que consiga se sustentar financeiramente. "Diferentemente de blogs grupais, onde o prazer de blogar pode ser a própria justificativa para tanto, em blogs organizacionais o alcance de objetivos é o que direciona todos os esforços, sendo as atividades necessárias prazerosas ou não." (PRIMO 2008 p. 11) Entendemos por essa citação que independente do prazer de escrever ou não o blog deve ser considerado como um trabalho, com tarefas obrigacionais. No universo cibernético plus size desconhecemos até o presente momento blogs que funcionem desta maneira.

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Tabela Matriz Primo Blogs Plus Size Blog Profissional Problogger

Blog Pessoal

Auto

Blog Grupal

MGG

Reflexivo

BM

SGS

JR

TP

Informativo

BM

MGG

Interno

JR

EPS

SGS

MGG Informativo

BM

CCPS

JR

SGS TP

MGG BM Reflexivo

JR

EPS

SGS TP

Legenda: BM – Blog Mulherão; CCPS – Cheias de Charme Plus Size; EPS – Espaço Plus Size; JR – Blog Ju Romano MGG – Maggnificas ; SGS – Sou Gordinha Sim; TP – Tamanho P

A importância dos blogs em relação ao universo plus size é muito grande, pois não se vê com frequência em veículos midiáticos como a televisão e revistas matérias sobre moda, ou um corpo fora do padrão de beleza magro, a não ser para emagrecê-lo. Diferente do que encontramos em portais de notícias, na rede social Facebook, Instagram e em blogs voltados para ao plus size. Portanto, a maioria das relações com o mundo plus size se dão por estes meios, através de informações, expressando suas opiniões, vendo a opinião do outro. Os blogs se destacam de certa maneira, pois é lá que encontramos as maiorias das opiniões, eventos e informações relevantes em relação ao tema plus size.

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Encontramos na blogosfera uma rotatividade muito grande de blogs que discutem assuntos do universo plus size são inúmeros, e a cada dia surge um novo blog que se utiliza desses recursos para disseminarem suas ideias e opiniões. Os blogs fazem parte das redes sociais, tanto que o próprio Facebook ajuda a desenvolver blogs pessoais. O crescimento de pessoas querendo divulgar suas opiniões sobre o que acontece no mundo plus size tem uma relação direta com interesses financeiros e uma questão narcísica, mas como não é o foco de nossa análise, não iremos discutir isto em nossa dissertação. Para podermos analisar o alto número de blogs e sites nas redes, existem várias ferramentas disponíveis no ciberespaço para a análise e a produção de relatórios estatísticos e também para poder ranquear sites em relação às visualizações, duração de tempo médio de visita, entre outras maneiras de fazer um relatório de tráfego. Entre eles, podemos citar: Google Trends, Pagerank ou o Alexa Rank, dentre vários outros. Em relação às páginas da rede social Facebook, esses números são mais explícitos, já aparece em cada página o número de curtidas ou seguidores para fazer um mapeamento de quanto uma fanpage é mais visitada do que a outra. Mas esses números podem ser manipulados com programas hackers que podem aumentar o número de seguidores e curtidas ou mesmo contratando um administrador da rede para aumentar o número de visitações nos sites. Existem também as postagens patrocinadas que o proprietário da fanpage paga para o administrador da rede social, no caso, o Facebook e as postagens são vistas no “feed de notícias” das pessoas que seguem ou não aquela página; esses são conhecidos como “links patrocinados”. Devido à manipulação de dados, não podemos ter certeza de que realmente algumas páginas do Facebook ou blogs são realmente seguidas pela quantidade de pessoas que estão sendo indicadas na página inicial de cada perfil. Então, adotamos o critério para a investigação de algumas fanpages e blogueiras pela relevância do assunto analisado. O universo plus size, não se limita ao ciberespaço, redes sociais, blogs e fanpages. Ele se expande em diversas formas de expressão, é um o movimento engloba inúmeros tipos de manifestações, como artes, música, pintura, cinema e escultura. Na mídia

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televisiva e revistas digitais e manifestações ativas contra preconceito que são os discursos dos militantes em relação a gordofobia13. 2.2 Temas do mundo plus size O plus size está ligado à moda, à beleza, às artes, ao mercado, à mídia, à música, à tv, ao comportamento, sexo, fetiche, estilo de vida, saúde, cotidiano, tanto para o homem como para a mulher, mas quem mais sofre e se manifesta atualmente são as mulheres pois o movimento também engloba questões pertinentes ao feminismo. Existem homens no movimento, mas ainda em pequeno número. O preconceito contra o gordo, em suas mais diferentes manifestações, é o que mais se aborda dentro do universo plus size atualmente. Ou seja, assuntos relacionados ao cotidiano de uma pessoa comum, mas com o diferencial de que ela é gorda, por isso, invisível na sociedade, e isso a faz se juntar aos grupos dos seus iguais, outros gordos para discutirem, trocarem informações sobre o cotidiano.

2.2.1 Artes nas esculturas, nas telas e nas ruas Através da arte podemos contar sobre nossa cultura, nossa história, deixar nossos registros, comunicar-nos através de inúmeras formas já que ela, além de produção simbólica, também é uma forma de comunicação e expressão, através de diversas linguagens: esculturas, representações pictóricas, a música, o cinema, fotografia, até mesmo a culinária. Não é nenhuma novidade falarmos de arte e suas representações em relação ao corpo gordo, pelo contrário, temos inúmeros exemplos que podemos destacar que vêm desde os primórdios até os dias atuais e que representam, enaltecem e contam a história do corpo. Podemos citar como exemplo a época medieval e a renascença europeia, quando várias pinturas e esculturas retratavam corpos volumosos. Os padrões eram diferentes, nessa época, a gordura não era problema e significava prestígio, conforme Vigarello afirma em seu livro “As Metamorfoses do Gordo”:

O imaginário encanta-se com a acumulação. A saúde supõe barriga cheia. O vigor é fruto da densidade de carnes. É preciso ter a medida dessas certezas para melhor avaliar as críticas futuras ao “gordo”. Temos, antes de tudo, que

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Gordofobia é a discriminação em relação às pessoas gordas.

75 nos deter sobre o prestígio de que gozam volumes e gorduras. (VIGARELLO, 2012, p. 21) As referências nobres prolongam a promoção do gordo. O cavaleiro, nos romances dos séculos VII e XIII, entrega-se como ostentação à uma alimentação massiva [...] Os romanos medievais demoram-se em intermináveis repastos da nobreza, em que os pratos desfilam como outros tantos símbolos de poder. (VIGARELLO, 2012, p. 24)

A arte retrata os costumes de uma época. Podemos notar que o corpo volumoso se destaca em alguns períodos. Apesar de estarmos vivendo uma época em que os padrões corporais são muito magros, sem curvas e com tônus muscular, nas artes plásticas as manifestações mostrando corpos volumosos são inúmeras. Tanto artistas antigos como os contemporâneos fazem referência para enaltecer o que menos vemos na mídia hoje, o corpo fora de padrão, o que hoje é o corpo plus size. Podemos citar alguns exemplos antigos e contemporâneos.

2.2.2 Vênus de Willendorf A pequena estátua de 10 centímetros de altura e de aproximadamente 25 mil anos antes de Cristo foi encontrada em Willendorf, na Áustria. Esculpida em pedra calcária, é uma das primeiras representações do corpo feminino e tem a proporção do seu corpo concentrada no ventre, na vulva e nos seios, em uma referência à fertilidade. As formas avantajadas também sugerem uma ideia de segurança e bem-estar em uma civilização ainda no estágio da caça e da coleta, sujeita a condições difíceis de sobrevivência14.

14

Disponível em: . Acesso em ago. 2015

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Figura

33:

Venus

de

Willford

Disponível

em:

Acesso 02 jul.2015

2.2.3 Peter-Paul Rubens Pintor do período barroco, Rubens viveu de 1577 a 1640 e fez vários quadros a partir de personagens com proporções mais avantajadas, seguindo o padrão de beleza corrente na época, como já apresentado acima por Vigarello. A cor e a sensualidade são algumas das características de sua obra, fortemente influenciada pela sua passagem pela Itália, onde conheceu a obra de pintores renascentistas. Em sua trajetória, fez retratos e pinturas com motivos mitológicos e alegóricos. Um exemplo é a representação de uma mulher denominada de Vênus apreciando sua beleza no espelho15.

15

Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2015/04/11/internas_viver,570856/pernambuca no-beto-franca-pinta-inspirado-em-gordinhas-e-provoca-padroes-de-beleza.shtml> Acesso em ago. 2015.

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Vênus no Espelho - Rubens

Figura 34: Vênus no espelho – Disponível em: http://41.media.tumblr.com/tumblr_llpkj2PxTv1qzix81o1_500.jpg Acesso 02 jul.2015

2.2.4 Fernando Botero O pintor e escultor colombiano, nascido em 1932, se destacou mundialmente por retratar figuras redondas em suas obras e se tornou, por extensão, um símbolo da arte latinoamericana16. Um de seus trabalhos, o quadro EVA retrata a figura de Eva no estilo de pintura do artista. A obra faz parte do acervo do Museo d’Arte Lugano na Suíça. Devido ao seu estilo inconfundível de desenhar e esculpir uma beleza fora dos padrões, predominando as formas redondas, seu estilo hoje é conhecido como “boterismo”17.

16

Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2015/04/11/internas_viver,570856/pernambuca no-beto-franca-pinta-inspirado-em-gordinhas-e-provoca-padroes-de-beleza.shtml> Acesso em ago. 2015. Disponível em: . Acesso 07 jun. 2015

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Eva - Botero

Figura 35: EVA – Disponível em . Acesso 02 jul 2015

2.2.5 Alguns artistas nacionais

Os padrões de corpo relacionados a beleza são os magros, esbeltos, com um físico esguio e malhado, conforme visto no capítulo anterior. Mas uma área onde podemos achar representações que fogem à esta regra deste corpo é no campo das artes. Devido a liberdade de expressão muitos artistas representam corpos gordos. É o que acontece com artistas contemporâneos que aqui iremos citar, Eliana Kertész, Beto Franca, Eduardo Santos “Edull”, Evelyn Queiroz “Negahamburguer” e Fernanda Magalhães Iremos apresentar poucos artistas em um mundo repletos deles que representam a mulher gorda, seus desenhos e esculturas redondas fazem uma reverencia a mulher e tentam representar uma quebra dos padrões de beleza que vemos atualmente na sociedade que é o corpo magro.

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O convite em relação as estas obras é para que haja uma “experiência estética das representações” em relação as formas redondas. Conforme Inês Lacerda Araújo comenta sobre o livro “A arte e experiência” de John Dewey. "O poder da produção artística e intelectual é maior do que o poder da reflexão moral. Pelo poder da imaginação, ao despertar desejos e emoções, a arte vai além das evidências, transforma e transcende hábitos arraigados."(ARAUJO, 2015, p. 114) Podemos entender então que pela arte podemos quebrar regras sociais, transformar a realidade por uma ação pacífica, a questão de ter um corpo gordo pode incomodar visualmente algumas pessoas. Pelas representações artísticas, essa experiência pode gerar mudanças e relação ao corpo gordo, ou não. Pois a experiência estética é de cada pessoa, e vem de encontro com o repertório de cada um. Conforme Araújo comenta sobre Dewey, o importante é a “experiência, sem ela não há vida, sem ela não há arte.” (ARAUJO, 2015, p. 114)

2.2.6 As gordas de Eliana Kertész A artista plástica baiana Eliana Kertész era vereadora e deixou a vida política para se dedicar à arte e tornou-se uma das escultoras mais importantes da Bahia. Ficou conhecida por criar esculturas de gordinhas que emanam sensualidade e alegria. Nascida no Recôncavo Baiano, logo aos seis anos mudou-se com a família para Salvador, onde vive até hoje. Formada em Administração, fez carreira na vida pública e na política baiana. Em 1991, passando por uma época muito difícil em sua vida, esculpir no barro foi uma opção que suas mãos conseguiram agarrar para fugir de sua tristeza. A primeira tentativa de escultura já saiu com formas redondas, como a artista diz: “embora ainda tosca – já saiu gorda” Sua primeira exposição foi em 1993, na galeria Paulo Darzé. Eliana expos 33 gordinhas que cativaram a crítica e o público, ganhando fama e inúmeros convites para outras mostras. A partir daí Eliana ficou famosa no Brasil e no exterior. Em 2004, foi premiada na Bienal de Roma com a escultura Aleluia, uma negra em resina. Publicou o livro “Gordas” que traz várias imagens de sua obra. Eliana tem suas obras espalharas pelo Brasil, em Olinda, em Salvador, São Paulo e no Acre.

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Eliana explica o porquê das gordas: “Tem um pouco da minha rebeldia em aceitar a ditadura, a imposição da beleza magra. Todo mundo vive atrás da magreza, não da felicidade” (KERTÉSZ, 2013)18.

As Meninas do Brasil

Gordinha de Eliana Kertész

Figura 36: A direita: “As Meninas do Brasil” da artista Eliana Kertész. Disponível em: <

http://www.panoramio.com/> A esquerda Gordinhas de Eliana Kertész Disponível em : < http://1.bp.blogspot.com> Acesso 02 jul 2015.

2.2.7 O mundo das fofas de Beto França Nascido em 1980 no Recife, Beto França, ficou conhecido por desenhar com vetores redondos em aquarela. Suas obras são tão admiradas que ganhou a bolsa de estudos na Quanta devido aos desenhos de suas “Fofas”. “As fofas” de Beto França nasceram em 2010, quando desenhava despretensiosamente no intervalo do almoço em seu trabalho. “Fiquei rabiscando alguns personagens até que gostei de um. Uma fofa, que nem chamava de fofa ainda, e resolvi finalizar. A primeira foi Chá (TEA). Depois fiz mais 3 e finalizei todos digitalmente, não imaginava elas sendo finalizadas na aquarela. Como eram bem geométricas, vetorizava todas com círculos e mais círculos. Quando postei as 4 no meu blog, falaram: Beto e as fofinhas. Achei massa!” diz em entrevista.

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Entrevista Jornal Nacional 19 de outubro de 2013. Disponível em . Acesso 07 jul 2015.

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Em 2015 fez sua primeira exposição individual em A Casa do Cachorro Preto, em Olinda, intitulada: Cores Curvas Livres. Todos os trabalhos são em aquarela. Atualmente Beto ministra oficinas de aquarela e atua como ilustrador freelancer em jornais, revistas, editoras e agências de publicidade.

Aquarelas de Beto França

Figura 37: As Aquarelas de Beto França 02 de julho de 2015 - Fonte: Release para divulgação.

2.2.8 O Imaginário Mundo Plus Size de Edull Eduardo Santos, mais conhecido como Edull, nascido em 1986, é artista plástico, design e só desenha mulheres gordinhas, como ele mesmo diz, “é um modo carinhoso de chamálas”. Percebemos em sua obra que seus traços são baseados em estilos anime e mangá. Edull ficou conhecido em primeiro lugar fora do país pelo Instagram com suas ilustrações que representam as princesas da Disney em versão plus size. Cinderela, Bela, Aurora, Branca de Neve, dentre outras, essas princesas ganharam curvas e quilos a mais. Em respeito e admiração pelas mulheres, só as desenha com roupas, pois como seus desenhos eram muito vistos nos Estados Unidos, ele não queria erotizá-los, conforme comentou via WhatsApp no dia 22 de maio de 2015: “É comum artistas ilustrarem mulheres nuas. Eu até já fiz no passado, mas percebi que não queria erotizar meus desenhos. Porque os homens, principalmente dos EUA, sentem fetiche, daí tira o foco”. O trabalho de Edull veio antes do abaixo-assinado criado pela estudante Jewel Moore que pede à Disney que crie uma princesa plus size. Edull, que atualmente trabalha desenhando somente mulheres

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gordinhas, trouxe uma proposta diferente para os seus desenhos: ilustrar apenas personagens acima do peso. “Não tem como objetivo dizer que as mulheres são gordas, mas sim que todas são iguais”, diz em um depoimento em sua fanpage no Facebook. Em entrevista via Whatsapp para esta dissertação no dia 22 de maio de 2015, comenta como começou a desenhar gordinhas “O que me fez começar a ilustrar o tema plus size foi justamente por causa da minha monografia da graduação em design [...] Fiz um estudo das formas das mulheres gordinhas [...] para fazer uma coleção de roupas e minha inspiração da coleção foi Transformes. Porque o estudo era transformar (diminuir, aumentar, chamar a atenção ou não) o corpo da mulher com roupa (pelas formas e cores de roupas)” Atualmente Edull só faz este estilo de desenho. She-Ra e Mulher Maravilha de Edull

Figura 38: Imagem de Divulgação da fanpage de álbum de ilustração do artista disponível em: . Acesso em jun. 2015

Medidas de uma Gordinha e As Princesas da Disney

Figura

25:

Imagem

de

divulgação

fanpage

de

alguns

de

Acesso em jun. 2015

ilustração

do

artista.

Disponível

em

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2.2.9 Ativista e artista “Negahamburguer” O blog e a fanpage “Negahamburguer” tem como sua idealizadora a artista Evelyn Queiroz que criou a página em dezembro de 2013 e faz de sua arte a voz de libertação de um corpo oprimido. Com seus traços, rabiscos, desenhos, quadros e grafites, denuncia a opressão e o preconceito sofrido por mulheres cujo biotipo não corresponde ao padrão estético mercadológico de corpo, seja ela gorda, magra, com excesso de pelos ou disforme. A arte de Evelyn é um exemplo de discurso “plus”, pois consegue englobar a questão do preconceito contra as mulheres, a opressão racial, questionar o padrão de beleza e tudo isso se expressa em suas ilustrações. Evelyn Queiroz, nascida em 1989, não terminou a graduação, foi se especializando dentro dos seus próprios traços, que estão em constante processo de aperfeiçoamento. Em entrevista publicada no blog “Mode Fica” de Marina Corelato 19, em 26 de maio de 2015, Evelyn comenta seu sucesso – Pergunta: A Negahamburguer cresceu muito e alcançou muita gente, como isso aconteceu? Você tem alguma ideia?

Sinceramente, ideia eu não tenho muita. Talvez pela mensagem da ilustração. Eu criei a página da Negahamburguer no Facebook de maneira totalmente despretensiosa, para mostrar a Nega para quem quisesse vê-la ou se identificasse com ela. A partir daí, fugiu do meu alcance e a página passou a receber muitas curtidas por dia, até chegar no número que está hoje, e isso me deixa muito feliz. É uma grande realização. (QUEIROZ, 2015)

Evelyn Queiroz é idealizadora do “Projeto Beleza Real”, que, por intermédio de sua intervenção artística, retrata relatos reais sobre agressões, medos, opressões e outras violências vividas por mulheres que não se encaixam no padrão de beleza, conforme Evelyn descreve em seu blog: “São relatos tristes e extremamente íntimos que só podem ser ditos a alguém em que se confia, como em uma relação de amizade”. Esta idealização resultou em um livro com o mesmo nome do projeto. Evelyn Queiroz afirma que se considera feliz em conseguir viver de arte no Brasil, como explica em entrevista datada no dia 25 de junho de 2015 publicada no blog “Mode Fica”: Hoje fico feliz em dizer que sim. Minha arte é o meu ‘ganha pão’. É claro que devido às condições de todos no Brasil, existem épocas mais difíceis de

19

Disponível em . Acesso 07 jul. 2015.

84 manter, mas trabalho duro para que essa seja para sempre a minha realidade. Eu não quero ficar rica, nem tenho grandes ambições, mas quero viver bem e feliz com o suficiente que ganhar do meu próprio trabalho. (QUEIROZ, 2015)

Aceitação do corpo

Figura 40: Aceitação do Corpo Disponivel em Acesso 07 jul 2015

2.2.10 Fernanda Magalhães Maria Fernanda Vilela de Magalhães é fotógrafa, artista visual, doutora em artes pela Unicamp e professora da Universidade Estadual de Londrina. Nascida em Londrina, no Paraná, em 1962. Em suas obras, apresenta uma rebeldia em relação ao corpo, devido a usar seu próprio corpo fora do padrão midiático para produzir seus trabalhos e isso indica um enfrentamento social diante as questões estéticas do corpo20. A arte de Fernanda Magalhães tem caráter performático e político. Conforme podemos ver nas imagens a seguir, Fernanda levanta o questionamento de representação de vida de um corpo gordo, de um corpo fora do padrão tentando quebrar preconceitos e padrões. A natureza da Vida

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Referência Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./JuL. 2007 Tvardovskas (p 55-63).

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Figura 41: Fotografia: Graziela Diez. Disponivel em < http://www.artetransmultiflexmixmultimaga.blogspot.com.br/> Acesso 29 ago 2015.

Foto Divulgação

Figura 42: Disponível em: < http://www.jornaldelondrina.com.br/1-em-500-mil/img/8/10.jpg>; Acesso 29 ago. 2015.

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2.3 Mídia Com base dos conceitos da Indústria Cultural da Escola de Frankfurt (Teoria Critica) que nos mostra como a cultura foi transformada em mercadoria a favor do capitalismo, assim podendo divulgar um discurso hegemônico que possui um grande poder de evocação. Isto posto, iremos abordar como a mídia pode influenciar as questões estéticas do corpo e a atual inclusão de pessoas gordas na televisão e nos meios artísticos.

2.3.1 Televisão – Atores e Apresentadores A televisão é um meio de entretenimento e informação, e também uma forte influenciadora cultural. Adorno em seu texto Televisão e Formação21 ressalta as questões de formação ideológicas da Tv. Acredita que as pessoas possam assistir a tevê sem serem iludidas. O estudo que fiz nos Estados Unidos sobre a televisão: "How to look at television?’, que significa "Como ver tevê?". Mas, abstraindo da ironia do título sem injuriar nossos espectadores, percebe-se a existência da questão de fundo: como ver tevê sem ser iludido, ou seja, sem se subordinar à televisão como ideologia.(ADORNO, 1996)

Nesta citação, percebemos uma preocupação de Adorno com a veiculação de conteúdo televisivo. E mesmo tento passado 60 anos desta entrevista, o assunto ainda é muito relevante quando se pensa em como a questão do corpo obeso aparece na TV. No mesmo texto, Adorno afirma sua ideia de uma ideologia televisiva, mas ela é direcionada tanto para formação educativa, mas também para impor valores não positivos. Em primeiro lugar, compreendo "televisão como ideologia" simplesmente como o que pode ser verificado, sobretudo nas representações televisivas norte-americanas, cuja influência entre nós é grande, ou seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos (ADORNO, 1996)

Tendo por base as afirmações de Adorno, podemos entender que a televisão de massa ainda apresenta discursos preconceituosos como relação ao corpo acima dos

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Disponível em Acesso 14 set 2015

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padrões de peso é, com seus programas que falam de emagrecimento, constroem discursos com objetivo e influenciar o telespectador. Um dos fatores importantes a apontarmos é a questão da influência do culto ao corpo, na mídia televisiva trabalha com imagens de corpos magros, considerados pelo nosso atual padrão de beleza como “perfeitos”. Essas imagens de corpo conforme Novaes (2006) promove um “fascínio” no espectador e isso pode influenciar no comportamento e na escolha de certos valores, como citado acima por Adorno. Neste caso, a presença constante do imaginário televisivo em relação ao corpo magro pode ser nocivo em determinados momentos, principalmente no que tange às manifestações de padrões de beleza pois para se ter um corpo midiático, pode levar o telespectador a desenvolver distúrbios alimentares para conseguir a imagem desejada. Mas, por outro lado, novas possibilidades de imagens começam a surgir, a inclusão de um elenco de pessoas gordas, fora do padrão de beleza, está aparecendo a cada dia mais nas telas da tevê. Parece ser o início de uma tendência à aceitação de um corpo fora do padrão magro e é natural que a mídia televisiva se aproveite desta fatia de mercado e comece a dar espaço para a presença de pessoas gordas, diferente do que costumamos ver, mesmo que seja por poucos instantes. Vejamos agora alguns exemplos de pessoas com um perfil gordo que estão em evidência na mídia televisiva. Isso pode ser um indício de mudança de comportamento ou apenas uma inclusão de perfil e diversidade dentro do quadro do elenco das emissoras. Atualmente uma das pessoas que mais se destaca na televisão, mas especificamente na TV Globo, é a atriz e humorista Fabiana Carla, que não possui o corpo do padrão ideal de beleza, se tornou conhecida no programa de humorístico Zorra Total da Rede Globo que exibiu o quando do ano de 2008 até 2013 no papel da nutricionista Doutora Lorca. Com esse papel, Fabiana Karla se destacou no mundo televisivo e foi chamada para fazer o papel de Perséfone, na novela Amor à Vida exibida de maio de 2013 até janeiro de 2014, do diretor Walcyr Carrasco. A personagem Perséfone ficou rotulada como gorda e virgem, passou por inúmeros problemas relativos ao preconceito contra gordos, causando grande comoção junto ao público, o que acabou mudando o enredo de sua história. A cantora, atriz e apresentadora brasileira Preta Gil afirma ser uma das celebridades que mais sofrem preconceito nas redes sociais e fora dela pelo fato de não possuir um perfil de padrão midiático. Um episódio famoso foi o catálogo da loja C&A de roupas plus size. O catálogo teve que ser refeito pois teve excesso de correção de

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photoshop deixando Preta Gil magra e desforme. Como se não bastasse, a mídia também não deixou de alfinetar a silhueta da cantora em seu próprio casamento, com críticas em relação à escolha do vestido para “gordinhas”. Esse fenômeno que percebemos na televisão é também presente em outros âmbitos. Assim, propomos que esse corpo foge do padrão midiático, está sendo incluído em uma nova categoria que iremos chamar aqui de “gordos midiáticos”. Quais seriam os critérios para definir um gordo midiático? Por observações de biotipo e empíricas podemos apontar que eles podem possuir uma gordura bem distribuída pelo corpo, podem não ser classificados como obesos, segundo a classificação da tabela de IMC22, mas sim terem uma aparência saudável, praticar atividades físicas e manter-se sempre na linha do sobrepeso. E continuando, no estereótipo de gordo deve ser incluído, eles teriam prioridade nos papeis humorísticos. Conforme Novaes (2010) comenta sobre o estereótipo de figuras associadas ao corpo gordo. também nos gêneros literários da caricatura, da sátira, da paródia, da ironia, da anedota, o feio foi explorado esteticamente em sua dimensão risível. [...] A figura do deus Hefesto é típica de uma feiura ridícula. Homero conta que quando o deus de baixa estatura e coxo adentrava o Olimpo, os outros deuses não podiam conter as gargalhadas, deixando entender que esse riso tinha uma função apaziguadora. Talvez fosse o caso de acrescentarmos a esta lista os gordos em sua função social de pessoas engraçadas. A aceitação social, através do ato de fazer graça e provocar risos, é um papel não negligenciável no imaginário sobre pessoas gordas. (NOVAES, 2010, p. 77)

Conforme percebemos na citação, o estereótipo do engraçado tem uma explicação em relação a aceitação social. Ser um gordo legal e engraçado, para fazer parte do cotidiano social. Continuando com as questões de um corpo midiático, em 2013 o ator e apresentador André Marques estava fora do peso como ele disse em entrevista no programa “Mais Você”23: "Estava com diabetes, pressão alta, glicemia alterada... Fui mais de dez vezes para o spa. Queria dormir e acordar transformado. Tentei de tudo, estava doente, exaurido. Estava indisposto no trabalho, meu corpo não acompanhava" (MARQUES, 2015)

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Ver tabela de IMC em anexo. Entrevista disponível em: Acesso em jun 2015. 23

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Conforme Marques comenta estava com muitos problemas de saúde devido a obesidade. A gordura do apresentador chamou atenção dos diretores da emissora por apresentar uma estética fora dos padrões midiáticos, até dos “gordos midiáticos”. Se sentindo pressionado no trabalho e sentindo que sua saúde estava debilitada, André Marques resolveu fazer a cirurgia de redução de estômago. O caso foi envolto de muitos boatos divulgados pela mídia, ouviu-se dizer que se ele não emagrecesse estaria fora da Rede Globo. Os mesmos boatos se ouviram em relação a atriz Solange Couto e Fausto Silva. André Marques pode ser considerado um exemplo de submissão ao poder de manipulação de acordo com os interesses de mercado. Os sujeitos se submeteram a regimes, dietas, exercícios, cirurgias em busca não da beleza, mas sim por um controle velado. Ao mesmo tempo em que ela inclui um corpo apresentando pessoas gordas bemsucedidas, ela as controla, as vigia. A estética magra vista na televisão ou nas capas de revista ainda é forte e muito cultivada. Por meio do pensamento de Foucault (1997), o poder disciplinar desenvolve procedimentos de vigilância que vão, aos poucos, impondo seus processos reguladores com suas normas e regras, homogeneizando e disciplinando os corpos, a fim de controlar as diferenças para normalizá-los. "É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados" (FOUCAULT, 1997, p. 154). Entendemos nesta citação que a partir do momento em que o corpo se classifica fora de um padrão, deve ser punido. Ao mesmo tempo em que a televisão inclui corpos gordos ela produz um programa sobre perda de peso com premiação. Isso não acontece somente com a TV Globo, mas também na TV Record. Na Tv. Record por exemplo, pela manhã um bate-papo no programa “Hoje em Dia” recheado de culinária, uma mesa posta com um apetitoso e guloso café da manhã e, no “Programa da Tarde”, um quadro chamado “Além do Peso”, um reality show em que se premiam as equipes que mais perdem peso. Na Rede Globo o mesmo acontece, o programa “Mais Você” da apresentadora Ana Maria Braga que além de entrevistar seus convidados em uma mesa farta de café da manhã e ter o quadro sobre culinária, o programa dominical Fantástico, há um quadro chamado “Na Medida Certa”, que convida as próprias “celebridades” da emissora que estão fora do padrão para participarem de um quadro em que se faz dieta e exercícios para perder peso até que se

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atinja a “medida certa”, ou seja, a medida do padrão de corpo do “gordo midiático” deve ser modificada para entrarem em um padrão que a mídia vende. Em alguns programas de televisão voltados ao bem-estar de saúde e corpo, induz a escolha, podendo manipulá-la de acordo com seus interesses com um poder coercitivo velado, ou seja, segundo Foucault em Microfísica do Poder: "Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle−repressão, mas de controle−estimulação: ‘Fique nu... mas seja magro, bonito e bronzeado’” (FOUCAULT, 2000, p. 83) Ou seja “tenha o corpo que quiser, mas esteja dentro de um padrão estético para trabalhar em uma emissora de televisão”. Nesta citação percebemos a questão do controle e do poder exercido pelo em cima do corpo da pessoa. Ou você se encaixa no padrão, ou estará fora da empresa. A estética de corpo apresentado na mídia atualmente tenta incluir um padrão de beleza gordo. Mas isso pode ser esporádico e momentâneo, pois a própria mídia que exclui, agora está inserindo esse padrão de beleza gordo: ao mesmo tempo em que ela acolhe, também pode destruir.

2.4 Mercado De Moda Plus Size A importância de ser falar sobre o mercado de moda plus size nesta dissertação pois pelos parâmetros mercadológicos podemos perceber a questão da invisibilidade dos corpos gordos em nosso meio social. Conforme Novaes comenta:

O corpo tomou conta do nosso imaginário de forma nunca antes vista. Conquista práticas e discursos, define normas de comportamento, regula nossas práticas cotidianas e determina padrões de inclusão e exclusão social – alguns deles socialmente validados. (NOVAES, 2010, p. 16)

Podemos entendemos por essa citação o corpo gordo validado dentro do mercado de vestuário é somente aqueles que podemos encontrar vestimentas, a numeração que se encontra nas lojas tradicionais é até o número 46 no máximo. Isto posto, as pessoas que vestem acima desta numeração são excluídas não só do mercado consumidor, mas também socialmente.

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2.4.1 A Ascenção das roupas de tamanhos grande no Brasil A moda plus size é o principal assunto entre as blogueiras plus, por isso não podemos deixar de lado o tema sobre o qual elas muito comentam: as tendências de consumo em relação à moda no mercado de vestuário. A questão da moda é por onde se expressam as blogueiras e gordinhas. Pelo fato de, por muitos anos, elas terem sido consideradas invisíveis ao mercado, a moda plus size não deixa de ser um fenômeno de enquadramento social para as mulheres que estão acima do peso e não encontravam roupa até então para se vestir. Pela roupa podemos expressamos personalidade, pois é através da vestimenta que podemos sair ao mundo social, exercer nossas funções do cotidiano. A roupa não deixa de ser uma forma de se expressar, pois cada ambiente pede um tipo de vestimenta. Tanto os acessórios como as roupas, dependendo da ocasião, não deixam de ser uma representação da personalidade da pessoa, uma identidade visual, podendo dar indícios sobre seus gostos e suas preferências. As tendências de mercado estão relacionadas diretamente ao aumento de consumo de roupas de tamanhos grandes. Pois, além das blogueiras darem dicas de moda, elas influenciam diretamente na opinião da leitora com os tópicos chamados “Look do dia”. Como houve um aumento de pessoas que estão acima do peso no Brasil, conforme anexo do IMC, o consumo desse nicho de mercado automaticamente aumentou. Por muito tempo as pessoas que vestiam acima da numeração de roupa 46 viveram uma moda renegada em relação aos tamanhos grandes. A dificuldade em achar numeração e roupas acima do 48 era extremamente difícil, mas o mercado agora está abrindo novas oportunidades. Em relação às tendências de moda, não havia muitas opções de roupas acima da numeração 46. Havia muitas reclamações de serem peças fora da moda, com estampas que prejudicavam a estética visual e, automaticamente, em relação ao emocional, as peças faziam efeito negativo, as pessoas não tinham alternativas para escolher algo de seu gosto. Somente tinham, como opção para se vestir, calças de moletom, calça legging de tecidos elásticos, juntamente com camisetões e vestidos largos que escondiam e aumentavam a silhueta das pessoas, proporcionando um visual distorcido do corpo. A problemática aumenta a partir do momento em que algumas mulheres só achavam numeração de roupa para seu corpo em lojas direcionadas ao público masculino.

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As pessoas que vestem acima do 46 também precisam ter acesso a vestimentas apropriadas para poderem fazer parte de um cotidiano social. Quem veste acima do 46 foi deixado de lado também pelo mercado. Conforme estudos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2015):

A maioria das roupas em tamanhos maiores era confeccionada sem muita consideração com as tendências da moda, sem muitas opções de cores ou padronagens. Mulheres jovens muitas vezes acabavam por levar para casa roupas esportivas (camisetas, leggings) ou peças voltadas a mulheres maduras.

Percebemos nesse trecho que o mercado deixou esta lacuna do vestuário de tamanho grande em aberto e somente agora alguns empreendedores perceberam a oportunidade e se dedicaram a atender esse nicho de mercado de modo mais fashion, com mais opções de roupas. A moda está diretamente ligada ao mercado de vestuário em que, segundo dados da Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), 2015, as roupas plus size foi a fatia que mais cresceu em relação ao mercado de vestuário em relação ao varejo nacional. Cerca de 6,8%, segundo o Indicador de Atividade do Comércio, conforme diz o blog da Associação, o IEMI, em 15 de abril de 2015. Os últimos dados liberados pela Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), de 2013, mostram que, no Brasil, o mercado movimenta anualmente cerca de R$ 4,5 bilhões, o que significa cerca de 5% do faturamento total do setor de vestuário em geral, que hoje ultrapassa os R$ 90 bilhões. Conforme as estimativas de estudo e os indicadores acima citados, o mercado atualmente fatura aproximadamente R$ 5,1 bilhões tomando por base o crescimento estimado de 6% no ano de 2014. A estimativa, em 2015, é de 6,8%. Isso é uma verdade, apesar do país neste momento estar passando por uma crise econômica. O mercado plus size é muito promissor no Brasil e só tende a crescer, conforme os Estudos de Tendência24 e Estudo de Inteligência25 do SEBRAE.

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Estudo de tendência do site Sebrae 2015 disponível em: 25 Estudo de inteligência Sebrae 2015

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Mais um dado importante é que as vendas pela internet de roupas e acessórios estão aumentando. Conforme o site e-bit, o e-commerce faturou R$ 35,8 bilhões em 2014 e o crescimento nominal foi de 24%. 2.4.2 Moda Plus Size nos Blogs – Look do Dia Já falamos anteriormente sobre os blogs e suas classificações. Neste tópico iremos ver como as blogueiras fazem para disseminar seus discursos sobre moda de tamanhos grandes e que também é uma outra forma de obter lucros com o blog, que é a pratica muito assistida atualmente nas redes sociais chamada “look do dia”. No Brasil, as blogueiras comentam e falam sobre diversos assuntos, mas uma ou outra tem mais vocação para escrever e discorrer sobre o assuntos relacionados a moda. Os blogs de moda plus size não figuram somente com roupas, mas com assessórios para cabelo, cor de esmalte, sapatos, dicas de cosméticos, cuidados com a pele e beleza em geral, dicas e comentários de moda veiculados na mídia e quais são as lojas onde se pode comprar as roupas. As blogueiras apresentam as tendências do mercado da moda, como tecidos, cores e afins, cada uma com seu estilo, comentando e expondo suas opiniões sobre os “looks” e dando valor de gosto para os assuntos, que são variados. Na maioria das vezes, esses blogs apresentam fotos com o “look do dia”, ou seja, a roupa que estão usando no momento ou para ir trabalhar, ou para algum evento específico. O processo de produção do “look do dia” pode acontecer de três maneiras: permuta com a loja em troca de roupa e divulgação do nome da marca, isso só ocorre com blogueiras mais famosas; a blogueira simplesmente fala e comenta o nome da loja, para enaltecer uma marca plus size que ainda é um mercado relativamente novo no Brasil; ou então somente comenta como é que montou o look postando fotos estilo “selfies”. Blog Tempo de Mulher – Keka Demétrio

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Figura 43: Dicas de "Looks do dia" Blog Tempo de Mulher. Disponível em: Acesso 14 jun. 2015.

As blogueiras Keka Demétrio, Aline Zatar e Helena Custódio regulamente apresentam roupas patrocinadas por lojas plus size em suas páginas.

Figura 44: Looks do Dia postados nas fanpages pessoas de: Keka Demétrio postado no dia 04 de maio de 2015; Aline Zatar postado no dia 08 de junho e Helena Custódio 10 de junho de 2015 em suas fanpages

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A blogueira Débora Fernandes possui um blog profissional que discorre especificamente sobre moda. Graduada em moda, com pós-graduação em Administração, ênfase em produção de moda e desenvolvimento de produto. Débora Fernandes fez sua primeira postagem no blog em 09 de junho de 2009, muito timidamente, e começou a desenvolvê-lo em 2010 com postagens sobre o FWSP – Fashion Weekend Plus Size. Look Plus Size de Débora Fernandes.

Figura 45: Blog Débora Fernandes Plus Disponível em . Acesso 11 jul. 2015

Os eventos de moda plus size no país são poucos, os dois mais importantes são o Fashion Weekend Plus Size, idealizado pela jornalista Renata Poskus Vaz, e o Desfile Plus Size Mulheres Reais, idealizado pelo Grupo Mulheres Reais que também são

2.4.3 FWPS – Fashion Weekend Plus Size O Fashion Weekeng Plus Size é considerando o evento mais importante da moda plus size no país. Sua idealizadora, Renata Poskus Vaz, diretora do FWPS e autora do blog Mulherão começou o evento no dia 24 de janeiro de 2010 na casa das Caldeiras, na cidade de São Paulo, juntamente com Andrea Bosquim. O desfile ocorre duas vezes ao ano, uma edição de moda outono/inverno e a outra de primavera/verão. Em suas edições anteriores, o evento já foi realizado em vários lugares como, por exemplo, no Memorial da América

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Latina, e agora, em sua 12ª edição, foi realizada no Centro de Exposições do Shopping Frei Caneca SP. O evento não é só desfile de roupas, ele também reúne um salão de negócios de moda plus size, por isso chama muito a atenção da mídia, reunindo celebridades do mundo plus size, como blogueiras, modelos e estilistas, jornalistas, figurinistas, programas de televisão e grandes marcas do mercado de vestuário. O casting26 de modelos é feito de duas maneiras: o lojista leva suas próprias modelos, ou o casting é feito pela própria Renata Poskus, e segue a exigência de cada marca de roupa, por isso os estilos de corpos das modelos de algumas marcas são questionados pelas leitoras que às vezes não se sentem representadas pelas modelos plus size que lá se encontram.

2.4.4 Grupo Mulheres Reais O diretor do grupo Mulheres Reais é o empresário Adilton Amaral e sua produtora de moda Mônica Casareggio são os responsáveis por produzirem o segundo maior evento da moda plus size do país. Desde dezembro de 2009, em São Paulo, já se realizaram mais de 20 desfiles com participação de 50 grifes, com vários editoriais de moda para revistas. O grupo também promove curso para modelo plus size e concurso de beleza. Adilton Amaral comenta no blog da revista “Dellas”, em 28 de março de 2015, que identificou a demanda aqui no Brasil após ter feito uma pesquisa sobre o mercado brasileiro de moda e se espelhou em modelos americanos, então resolveu iniciar seu projeto para a autoestima das mulheres que tinham um padrão que não correspondia ao mundo midiático. Atualmente Mulheres Reais também é uma referência de moda destacando as tendências dessa fatia de mercado. O critério para a escolha do casting de suas modelos para o desfile é diferente do FWPS. Amaral procura diversificar suas modelos com explica abaixo: "A preferência é por modelos acima de 1,70m de altura e entre os manequins 46 e 50. Mas sempre inserimos outros biotipos, como baixinhas e

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Casting para a área de comunicação, mais especificamente na área de moda, consiste em selecionar profissionais para atuar em um determinado evento ou trabalho. O casting requer muito cuidado em escolher as pessoas certas para cada tipo de trabalho. O responsável pelo casting deve ouvir as necessidades do cliente, avaliar as características do evento e só então partir em busca dos melhores profissionais para o trabalho. Esta busca pode ser por características físicas (cor dos cabelos, olhos, altura, idade, peso, etc.) ou pessoais, que variam conforme a complexidade do evento em questão.

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mulheres com diferentes formatos de silhueta. Nossas ações são inclusivas. Quanto mais diversidade, melhor." (AMARAL, 2015) Junto com sua produtora de moda, Mônica Casareggio, eles comentam o tempo todo que não estimulam a obesidade e que a intenção é mostrar que a mulher que veste acima do número 44 agora também pode ter escolhas e se sentirem “mais bonitas, elegantes e sensuais. Esse bem-estar gera autoestima. Além disso, queremos quebrar o preconceito contra o conceito plus size”. Comenta Casareggio:

Antes as gordinhas não tinham muitas opções. Compravam roupas sem critério, apenas para cumprir a obrigação social de se vestir. Agora é diferente. A indústria da moda finalmente passou a atender essa enorme demanda por peças com qualidade, que vão além do manequim 44. (CASAREGGIO, 2015)

Quando se fala de desfile de moda imaginamos manequins altas e magras e não ao contrário. Esses eventos representam um estilo de inclusão social em relação ao corpo gordo. O que antes era escondido, agora está sendo visto e exposto nas passarelas. Comentamos sobre o casting, ou seja, a escolha de manequins na passarela. Podemos observar que dentre as modelos, alguns desfiles solicitam manequim até a numeração 50 ou escolhidas pelos empresários. Percebemos novamente uma formação de padrão de corpo gordo para a passarela do mesmo modo como é feito um padrão para o gordo na televisão. Nos questionamos então: Se a moda plus size se trata inclusão de diversidade de corpo gordo, por quê escolher corpos que não representam totalmente esta diversidade. Pois não existe somente pessoas que vestem até a numeração 50. Uma das explicações para este questionamento pode ser o preconceito do próprio fabricante em relação as roupas de tamanhos grandes pois eles não considerem esteticamente bonito uma modelo muito grande usando suas roupas.

2.5 Beleza Conforme vimos no capítulo anterior, o conceito de beleza é mutável e acompanha os padrões sociais e culturais que se modificam ao longo do tempo. E como atualmente estamos vivendo uma época de tentativa de inclusão do padrão gordo e a ascensão do mercado nesta área, foram criados concursos de beleza direcionados a este nicho de mercado. Com o conceito de elevar a autoestima da mulher gorda, esses concursos de beleza pretendem mostrar a sociedade que independentemente do tamanho do corpo a

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mulher plus size também é bela. Mas como iremos demonstrar também é um mercado que envolve uma lucratividade alta.

2.5.1 Concursos de beleza Os concursos de beleza direcionados a mulher plus size são muitos. Mas existem no mercado os mais visados que são: Mulheres Reais, mencionado no tópico acima desde 2012; “A Mais Bela Gordinha do Brasil”, produzindo pela carioca Claudia Ferreira desde 2013; “Miss Brasil Impacta Produções”, idealizado por Alberto Conde 2012; o “Miss Brasil Plus Size Oficial da Asy Brasil Produções Artísticas”, idealizado por Renata Issas desde 2012, e “Miss Plus Size Carioca”, produzido por Eduardo Araúju desde 2010. Como podemos perceber, esses concursos possuem nomes parecidos e as seleções ocorrem basicamente de modo semelhante para todos os tipos de concursos de misses, seja ele dentro do padrão de corpo midiático ou no caso das plus size. Não podemos deixar de informar sobre a grande produção envolvida em cada evento, pois é um nicho de mercado que rende altos valores financeiros que acabam atraindo as mulheres pelo imaginário glamoroso criado em torno deste universo de beleza. Podemos percebem que o fundamento dos concursos são os mesmos, mas nem sempre o resultado tem a mesma projeção de um concurso de miss tradicional. Todos os concursos têm um regulamento com cláusulas jurídicas que delimitam as obrigações e deveres de ambas as partes, que podem ser encontrados na internet nas correspondentes páginas oficiais de cada concurso. O requisito básico para todas as participantes é ser brasileira, não ter antecedentes criminais, ter idade de 18 a 50 anos e vestir acima da numeração 46. Para cada concurso é feita uma inscrição prévia, em alguns existe seleção por foto, em outros não. As candidatas devem preencher uma ficha de inscrição com todos os dados necessários e pagar uma taxa de inscrição que varia de 20 a 80 reais, dependendo do concurso, e, após ter a foto aprovada, o pagamento pode variar de 250 a 3000 reais. Esse número possui uma variação grande pois dependendo do concurso, a contratante não precisa passar por todas as etapas do mesmo, podendo ir diretamente para a final nacional. Os concursos ocorrem com etapas regionais em cada estado, as mulheres são eleitas em número ímpar por uma comissão de jurados – pessoas influentes do meio plus size, como, por exemplo, blogueiras famosas, modelos, estilistas, jornalistas, proprietários de marcas de roupas plus size e pessoas da mídia em geral. Os concursos

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costumam eleger: Miss Plus Size , Vice Miss Plus Size, Terceira Colocada, Miss Simpatia, Miss Elegant, Miss Plus Size Senior e Miss Plus Size Virtual por votação na rede social Facebook. As candidatas são julgadas pelos seguintes critérios: “beleza”, postura, desenvoltura e elegância. No caso do Facebook, por mais votos. Os prêmios variam também conforme os organizadores, podendo ser desde um book profissional, contrato com fabricantes e lojas de roupas, viagens com acompanhante para fora do país (Itália, Estados Unidos), contrato de trabalho como modelo plus size, entre diversos prêmios dos patrocinadores. A obrigação exigida em todos os concursos é que a miss vencedora apresente a faixa em todos os eventos que for convidada. Conforme Novaes (2010, p. 16) “A gordura, associada à feiura é uma das mais presentes formas de exclusão feminina”, portanto um concurso de beleza, por mais mercadológico que possa ser, carrega em seu imaginário uma inclusão social, continuando com Novaes, “A beleza é via para a possibilidade de ascensão social dos contos de fada (A gata borralheira) às produções cinematográficas (Uma Linda Mulher). (NOVAES 2006 p. 83), com isso podemos entender que no imaginário dessas mulheres gordas todo o glamour vindo da beleza desses concursos poderá na fantasia delas incluilas socialmente dentro de uma sociedade que a excluí. Esses concursos não deixam de ser uma forma de auto aceitação de si e do seu corpo. Sobre a questão mercadológica ainda segundo Novaes, a “Beleza é valor e moeda de troca, beleza é capital. (NOVAES, 2006, p. 83). O mercado que envolve a beleza atualmente registra um faturamento de R$ 101 bilhões no ano de 2014, que corresponde a 1,8% do PIB nacional segundo o site da ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Entendemos por esses números que a busca da beleza e também por uma aceitação social, faz com que as pessoas invistam em si e no seu bem-estar. Os organizadores dos concursos de beleza comentam que eles são voltados para fomentar a autoestima da mulher plus size, mas um questionamento simples se desenvolve, como fica a autoestima da pessoa que não é classificada? Podem ou não causar danos emocionais? Afinal é difícil para quem já está com a autoestima abalada lidar com perdas. Existem, portanto, algumas manifestações contra os concursos de Miss Plus Size. As pessoas que são contra alegam que eventos como esses incentivam a obesidade. Podemos exemplificar com o caso da estudante Thais Neves que disse em sua rede social que o evento é uma “palhaçada” e que as pessoas negligenciam a saúde por trás da palavra

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“plus” . Ela comenta também que o termo correto é “obesa” e que pode se entender que toda a pessoa gorda é sedentária e preguiçosa. Essas observações e análises se encaixam no que podemos entender como gordofobia, que é a forma de discriminação que as pessoas gordas sofrem pelo fato do corpo gordo ser um estigma dentro da sociedade atual. Iremos discorrer melhor sobre este assunto no tópico direcionado ao preconceito e à gordofobia.

2.6 Sexo Um dos temas muito procurados e falados do universo plus size são os inúmeros assuntos sobre sexo. O sexo envolve a aceitação do corpo, a autoestima, quebras de tabus sociais e fetiche. Neste tópico iremos demonstrar como as redes sociais discutem a sensualidade em relação ao corpo gordo, com pontos de reflexão baseadas no livro “A transformação da intimidade” do sociólogo britânico Antony Giddens.

2.6.1 Gordinhos na Cama Como se entregar ao parceiro ou parceira se a gordinha não está bem com seu corpo? Observou-se que quando a postagem é relacionada a sexo a repercussão é visível, analisamos os dados estatísticos das postagens do blog “Sou gordinha Sim”. Em muitos blogs se lê sobre sexo em relação a homens e mulheres acima do peso, dicas de melhores posições sexuais para o casal entre outras intimidades. Postagens como “Os homens estão preferindo as gordinhas de 18 de setembro de 2014 é uma das mais visualizadas no site como mostram os gráficos do mês de abril e maio de 2015. Em abril a postagem obteve 125.533 visualizações, sendo que o total de visualizações no blog foi de 218.967.

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Figura 46: Disponível em: . Acesso 27 set 2015

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Figura 47: Disponível em Acesso 27 set 2015

Como observamos na imagem, a postagem “Os homens estão preferindo as gordinhas” em maio de 2015 obteve 20.478 visualizações; “Posições na Hora do Sexo” 8.814 visualizações e “Gordinhas são melhores na cama” 6823 visualizações. Já que temas relacionados a sexo costumam ter autos níveis de visualização, muitos blogs se aproveitam disso para tentarem se popularizar. Os temas mais postados são dentro dessas variações: “Gordinhas são melhores na cama27” ou então “Pesquisa aponta: Mulheres Gordinhas São Melhores de Cama Do Que as Magras28” ou “Porque as gordinhas são as melhores”29 ou “Os homens estão preferindo as gordinhas” 30

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Disponível em: . data da última visita 01/09/2015. 28 Disponível em: . data da última visita 01/09/2015. 29 Disponível em: . 30 Disponível em . data da última visita 27/09/2015.

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Em busca pela comprovação da veracidade dessas “pesquisas”, não se encontraram as fontes, apenas na postagem “Gordinhas são melhores na cama” que indica quem solicitou a pesquisa e iremos ver este caso adiante. O que entendemos em nossa análise é que este assunto está diretamente ligado como as mudanças sociais afetam a liberdade sexual da mulher em relação ao seu parceiro. Conforme Antony Giddens analisa em seu livro é algo positivo que está acontecendo. A liberdade de escolhas e o comportamento feminino mudaram devido, entre outros fatores, à descoberta da pílula anticoncepcional e junto com isso, o comportamento sexual da mulher também. A mulher pode sair de casa, trabalhar, ser independente, e fazer suas escolhas. Conforme Giddens analisa em relação ao atual comportamento feminino: "As mulheres querem sexo? Sim, pela primeira vez as mulheres coletivamente, e não como especialistas em uma ars erótica31, são capazes de buscar o prazer sexual como um componente básico de suas vidas e de seus relacionamentos." (GIDDENS, 1993, p. 79) Nesta citação percebemos que a busca do prazer sexual feminino é desmitificando. O prazer não somente pelas especialistas da arte erótica, mas em relação as mulheres dentro do contexto social. A liberdade sexual que as mulheres conquistaram não estão relacionadas ao tipo ou padrão de corpo que elas têm. O que pode perturbar as mulheres, independentemente de serem gordas é se o seu parceiro irá gostar do seu corpo. Se ele vai notar sua barriga ou sua dobrinha, ou um outro defeito que seu corpo tenha. Essa insegurança vem de um imaginário de padrão de corpo preferido pelos homens, são os estampados nas capas de revistas masculinas, como por exemplo a revista Playboy. Os blogs que comentam sobre comportamento sexual discorrem muito sobre o tema autoestima e aceitação do corpo. Não podemos certificar neste momento o quanto isto ajuda a mulher gorda a aceitar melhor seu corpo e se liberar junto ao seu parceiro, mas o que temos em mãos são as respostas nos comentários das postagens quando o assunto está relacionado ao sexo. Em relação a postagem do tema “Gordinhas são melhores na cama” publicada em 22 de dezembro de 2014 no blog “Sou Gordinha Sim” 22 de dezembro de 201432, conforme citamos acima, traz a descrição de uma pesquisa feita pela marca Silentnight,

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Ars erótica: arte erótica, que segundo Foucault .

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fabricante de colchões que afirma o tema: “As gordinhas são melhores de cama.” Iremos tratar sobre esta pesquisa no tópico abaixo, o que iremos observar são os comentários de algumas mulheres em relação a autoestima e seu corpo. A postagem obteve 67 comentários, entre eles: Júnior - 23 de dezembro de 2014 às 11:46 Minha mulher é gordinha e eu adoro isso pois a amo da forma que ela.ela é e não da forma que a sociedade julgam as mulheres. Então meninas valorizem quem vocês são. Cristiane - 11 de janeiro de 2015 às 10:01 Concordo plenamente com tudo..Nós as gordinhas estamos cada vez melhor , não é preciso ter um corpo sarado para sermos amadas, desejadas e acima de tudo ser feliz.. Angel - 6 de abril de 2015 às 17:50 Sou gordinha e me amoooooo… Problema daquele q acha q só ocupamos espaço,sou vaidosa,gostosa,charmosa e sedutora. Um brinde aos homens que me perderam e aos que ainda bou conhecer!!!😄😄 Viva as nossas curvinhas,as nossas gordurinhas só aviões de qualidade conseguem dar voos rasantes!!!😘😘😘 Cristina Rego 23 de maio de 2015 às 16:00 Então garotas, palavra de um cara que sabe o que diz… Estima sempre em alta, alegria, otimismo são ingredientes que deve fazer parte da nossa vida. Eu me amo assim e me cuido, sou vaidosa como tantas gordinhas também são, sejamos felizes! cristina oliver - 23 de maio de 2015 às 19:04 - O povo tem que acordar para a vida.somos diferente somente no corpo…e vcs mennas bota um sorrizo no rosto e bora ser feliz,enqnto vc ficar ai parada pensando noq os outro pensam ao seu rrspeito,a vita ta passando e vc ta deixando sua felicidade passar…..somos as melhores

Podemos notar que os comentários ultrapassam o dia da postagem original, ele fica repercutindo por muito tempo, a postagem foi feita em dezembro e em maio as pessoas ainda comentam. O importante é notar nos discursos dos comentários que de uma forma ou outra o tema da autoestima se sobressai, valorização de si e ser feliz com o corpo também. Em um estudo do dirigido pelo Prof. Roberto Fernandes da Costa no Hospital das Clinicas de São Paulo denominada “Imagem corporal e comportamento sexual de mulheres obesas com e sem transtorno da compulsão alimentar periódica” aponta que a imagem corporal tem relação direta com o comportamento sexual. Costa afirma que a autoestima tem uma grande relevância e influencia em cima dos dados coletados. Participaram do estudo 20 mulheres obesas (IMC –entre 30,0 e 39,9 kg/m2), portadoras de TCAP33, entre 20 e 50 anos de idade e 20 mulheres obesas não portadoras de TCAP, pareadas por idade e IMC. Os estudos chegaram as seguintes conclusões:

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Transtorno da compulsão alimentar periódica.

105 Em relação à imagem corporal, os dois instrumentos utilizados mostraram diferença significante entre os grupos, com as portadoras de TCAP sentindose menos atraentes [...], mais gordas [...] e menos aptas fisicamente [...]. Já o comportamento sexual não mostrou associação com a obesidade nem diferença estatisticamente significante entre os grupos, apontando apenas uma tendência de maior risco para disfunção sexual entre as portadoras de TCAP. (COSTA, 2009)

Entendemos que, segundo esses dados, as mulheres se sentem menos atraentes com a doença e isso compromete a sua imagem corporal, mas em relação ao comportamento sexual não houve muita diferença entre pacientes saudáveis e doentes. Trazemos este estudo não para levantar as questões de doenças da obesidade em relação à sexualidade da mulher, mas sim que pessoas obesas saudáveis ou não tendem a ter um comportamento sexual muito semelhante. As discussões sobre este estudo levantam nitidamente as questões relacionadas à autoestima, como destaca-se nesta afirmação. "Problemas sexuais em indivíduos obesos são o resultado de vários fatores, como diminuição da autoestima, relacionamentos insatisfatórios, ou a estigmatização coletiva sofrida pelos obesos." (COSTA, 2009) Nesta citação, identificamos que os problemas de ordens emocionais como por exemplo a autoestima baixa interferem na satisfação sexual da pessoa, ela sendo portadora de TCAP ou não. Vemos também que o corpo pelo fato de ser gordo sofre preconceito social. Entendemos por este estudo que independente da pessoa ser gorda ou não a questão da autoestima é relevante. Se a pessoa não estiver bem com sua autoimagem, ela não irá se sentir bem em um relacionamento, principalmente na hora do sexo. Percebemos neste estudo também que o sobrepeso e obesidade em si não tem consequências diretas ou negativas para o prazer sexual, mas se a pessoa possui uma autoimagem negativa, isso implica muito em seu desempenho sexual. 2.6.2 Eles preferem as gordinhas? A postagem do blog “Sou Gordinha Sim” sobre a postagem “Gordinhas são melhores de cama”, comenta sobre uma pesquisa feita por um fabricante de camas e colchões do Reino Unido. Ao pesquisarmos sobre o assunto conseguimos chegar até a pesquisa que faz tal afirmação. A fabricante de camas Silentnight, do Reino Unido, encomendou uma pesquisa para poder desenvolver um colchão para parceiros de diferentes pesos. O resultado da pesquisa de dois anos resultou em uma tecnologia inovadora para colchão de casal

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nomeada pela empresa de “Miracoil” que são molas muito resistentes desenvolvidas para que o parceiro não sinta o movimento do outro enquanto dormem. Os pesquisadores entrevistaram aproximadamente 1019 pessoas entre homens e mulheres. Entre os entrevistados do sexo masculino, 89% disseram que preferem ter uma parceira cheia de curvas, acima do peso, do que o padrão estético magro. 56% do total dos homens entrevistados disseram que preferem as gordinhas, pois são mais atenciosas em relação ao que gostam ou não gostam na cama; 24% disseram que pessoas com curvas se entregam mais ao parceiro; 12% disseram que elas se esforçam mais para agradar o parceiro na cama e 8% que elas tendem a se entregar mais ao amor do que as parceiras magras. A admiração pelas gordinhas não está somente relacionada ao juízo de gosto dos homens, mas existe também questões primitivas que envolvem a fertilidade da mulher e seus hormônios. Outra pesquisa que podemos citar e que apresentam outras fundamentações, feitas pelo neurocientista Steven Platek e Todd K. Shackelford, do Georgia Gwinnet College, USA, que resultou no livro publicado pela Cambrigde University Press denominada Foundautions in Evolutionary Cognitive Neurocience34. Esse estudo aponta que quando os homens olham para uma mulher mais volumosa, ativa em seu cérebro uma área ligada ao “Sentimento de Recompensa”. Segundo os cientistas, as curvas das mulheres estão diretamente associadas à fertilidade, geração de filhos e menor incidência de doenças. Estudos apontaram que corpos roliços ativam áreas cerebrais que concentram a atenção do homem em relação as mulheres com potencial de serem boas reprodutoras. Para finalizarmos, destacamos um trecho de uma entrevista com o cientista social francês Claude Fischler sobre suas pesquisas em relação ao corpo feminino. Em certas culturas, engordam-se as mulheres deliberadamente. Há também as imagens pré-históricas de mulheres extremamente gordas. Então, desenvolvi um tipo de análise sobre a evolução do corpo feminino e as várias funções a que ele serve. Em várias culturas, as pessoas têm diferentes expectativas, de acordo com a idade. Mas uma coisa é certa, eu pesquisei dados em mais de 400 culturas: não há uma só cultura em que as pessoas não gostem de alguma gordura no corpo da mulher. Em todas as culturas tradicionais, os antropólogos relatam que machos gostam que os corpos das fêmeas tenham um pouco de gordura na barriga e, talvez, nos glúteos. (FISCHLER. 2001)

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O livro Foundautions in Evolutionary Cognitive Neurocience não está disponível no Brasil e nem em sites para visualização, somente para compra.

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Como podemos entender a partir do olhar de Fischler, existe uma relação entre a gordura e a atração entre sexos opostos que está presente desde a pré-história até os dias atuais. O que podemos entender sobre a postagem “Gordinhas são melhores na cama” e as outras postagens citadas acima é que cientificamente e antropologicamente a gordura bem distribuída é sinal de fertilidade e assim atrai o sexo oposto. O padrão social de beleza magro que temos atualmente, somente causa insegurança em relação ao excesso de gordura no corpo feminino e isso pode ser um fator que leve as mulheres a desenvolverem doenças como depressão e transtornos alimentares que afetam sua autoestima. Dany Hot e Dany Candy- As gordinhas também podem atrair os homens.

Figura 48: Dany Candy Dany Hot. Foto divulgação - 12 de junho de 2015

2.7 Gordofobia

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Um dos assuntos que se destacam nos blogs plus size estão diretamente relacionados ao preconceito contra os gordos. A palavra gordofobia é um neologismo da língua portuguesa, que designa atualmente o preconceito contra pessoas gordas. A fobia é uma “aversão exagerada” em relação a algo ou alguma coisa, ou seja, uma neurose, uma patologia. A fobia social, que se encaixaria ao caso da “gordofobia”, seria então um transtorno psíquico que geraria ansiedade, um pavor, medo, pânico ao ver ou ter contato com uma pessoa gorda, numa leitura ao pé da letra. Mas não é assim iremos discorrer sobre o assunto. O termo usado em alguns estudos acadêmicos é “lipofobia” considerada aversão por obesos, segundo descreve Francisco Ortega (2008, p. 52). “A aversão aos obesos, a lipofobia, é um caso extremo dessa tendência estigmatizante.” Segundo Claude Fischler, o fato da nossa sociedade contemporânea repudiar a gordura corporal, chama-se lipofobia: “Chamo esta representação sobre a gordura nas sociedades contemporâneas ocidentais de lipofobia”. (FISCHLER, 2001) Gordofobia, entretanto, entra na categoria de preconceito, da discriminação, falta de respeito com as pessoas gordas, falta de conhecimento social por achar que uma pessoa gorda é diferente ou inferior, e por isso, motivo de piada. O preconceito aparece de diversas formas, tanto de uma forma como maus-tratos existentes nos xingamentos, ou desdenhar pessoas gordas, como também aparece de uma forma velada sob discursos a respeito de saúde do gordo. Notamos que existe uma associação de que ser gordo não é ser saudável, que parece ser doente, ser uma pessoa sedentária e preguiçosa. Portanto não existe o medo de gordo, mas sim o preconceito explícito ou velado, uma forma pejorativa de pensar sobre o outro, afastando então o indivíduo que é diferente por causa do seu corpo. Conforme podemos ver no seguinte trecho do artigo “Promoção da vida ativa: Nova Ordem Físico-Sanitária na educação de Corpos contemporâneos”, o Doutor em Educação da UFRGS Alex Branco Fraga, defende a educação física como política pública, mas com novas formas lúdicas, pois ele questiona as condutas tomadas por essas políticas, que ao invés de ajudar, estão agindo de modo inadequado. Fraga tenta difundir um estilo de vida ativo e questiona as pessoas que somente apontam os gordos como marginais.

109 Políticas Públicas específicas para o setor, vem cada vez mais investindo na organização/disseminação/fixação dos procedimentos inadequados à boa conduta de si, ao mesmo tempo em que cada vez mais os sujeitos são responsabilizados/culpabilizados pelos contratempos que lhes advêm. Sedentário, gordo, bêbado, fumante, estressado, promiscuo, drogado, passam a fazer parte da longa lista de “novos marginais” que assombram o bem viver coletivo, seres degradantes constituídos por um discurso mais fluído em sua sanha moralizante e menos solidário com quem dele se desvia: “não faz exercício porque é preguiçoso”; “é gordo de relaxado”; não larga o cigarro por que não tem força de vontade”; “bebe de sem vergonha”... (FRAGA, 2006, p. 110)

Nesta citação, Fraga comenta como as políticas públicas agem de modo inadequado nas práticas da educação física, culpando as pessoas pelas condutas que elas tomam. Vemos também que o gordo é colocado em uma lista de marginalizados, culpando o indivíduo por sua suposta falta de força de vontade. Todos apontam para eles como preguiçosos ou não fazem exercício por que não querem. Podemos entender então que a gordofobia é uma forma de discriminação que se dissemina em vários contextos, seja através dos discursos de falta de saúde, dos discursos de saúde pública, através do mercado de vestuário, condições sociais de transporte público, sobre a capacitação intelectual do gordo nos mais variados contextos socioculturais, consistindo na desvalorização, uma estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos. Quando uma pessoa faz alguma narrativa utilizando esses recursos a fim de ofender, rotular uma pessoa gorda, entende-se que tal tipo de atitude é gordofóbica. Geralmente essa atitude reforça o estereótipo do gordo que resulta numa situação de vergonha, constrangimento e ofensa, ferindo a reputação da pessoa. Conforme comenta a jornalista na Revista Fórum, Jarrid Arraes que realiza ações de educação popular sobre cidadania, diversidade sexual e de gênero, direitos da mulher e questões raciais comenta: “a gordofobia está presente não apenas nos tipos mais diretos de discriminação, mas também nos valores cotidianos das pessoas” (ARRAES, 2014). O objetivo dos blogs e sites que discorrem sobre a gordofobia é lutar contra o preconceito, as perseguições e os maltratos que as pessoas gordas sofrem. Nesse sentido, seus discursos promovem uma consciência ampliada do problema em todos os seus âmbitos (social, político, emocional). Um dos objetivos é estimular atitudes com que a sociedade encare as pessoas gordas sem condená-las, sem comentários pejorativos ou constrangedores.

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O gordo vive diversas dificuldades no seu cotidiano. Ir a um restaurante, fazer passeios em shopping-centers, conseguir um trabalho, lidar com o público, sem que seja estigmatizado, ou então o preconceito velado com um discurso em forma de cuidados com a saúde, que é o mais comum de se encontrar. A gordofobia está implícita em comentários com a preocupação com o corpo do outro. Existe um problema de saúde, não podemos negar, mas persistir em dizer que este sujeito tem problemas de saúde pelo fato de ser gordo, enquanto que as pessoas magras gozariam de vitalidade, e não são questionadas em relação à sua saúde, é uma visão muito equivocada. Existe uma questão cultural de que o magro é saudável, mas nem sempre é verdade. É desse ponto de vista, sobre os atributos de características físicas, que rotula-se o gordo, e assim estamos diante de um estereótipo, um estigma social. O gordo não leva consigo somente o peso físico, mas o peso de um estigma social. Adotamos esta visão pelo que Ervirng Goffman, cientista social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense, denomina este estereótipo e preconceito de “estigma e identidade social” em seu livro Estigma (1963/1988). Para Francisco Ortega “Os estereótipos atuais contra os gordos, idosos e outras figuras que fogem do padrão do corpo ideal têm o mesmo efeito estigmatizado e excludente” (ORTEGA, 2008, p. 36). Goffman (2004) descreve em os gregos que costumavam marcar seus criminosos, traidores ou pessoas com má índole com cortes feitos com fogo deixando marcas visíveis no corpo para que outras pessoas a identificassem e os afastassem do convívio social. Essas marcas corporais chamavam-se estigmas. Conforme Goffman (2004) escreve, quando um estranho nos é apresentado, notamos primeiramente seus atributos físicos. Essas características físicas formam então uma “preconcepção” sobre a pessoa, pois nós não temos como saber sobre outras características das pessoas. O atributo físico da gordura não é visto com bons olhos em nossa cultura: o gordo é sinônimo de sedentário e preguiçoso, ou seja, a pessoa em primeira instância já é estereotipada. Após surgirem indícios das características sociais, a pessoa se encontra em uma categoria em que ele pode ser incluído ou não na identidade social. “Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande - algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem.” (GOFFMAN, 2004, p. 06) Os gordos sofrem com estes estigmas pois vivemos em uma sociedade que deposita toda a sua credibilidade na mídia que apresenta cotidianamente corpos magros, sarados, bronzeados fazendo com que os gordos sejam tratados como doentes de uma

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forma “profundamente depreciativa”. Infelizmente isto é visto de modo estereotipado e estigmatizado, como afirma Goffman. "Observa-se também, que nem todos os atributos indesejáveis estão em questão, mas somente os que são incongruentes como estereótipos que criamos para um determinado tipo de indivíduo." (GOFFMAN, 2004, p. 13) Estamos em uma sociedade que não existe espaço para um corpo gordo, vivemos em um mundo feito para pessoas com pesos e medidas antropométricas35. Caso contrário, ocorre o estereotipo baixo, do gordo do muito alto entre outras rotulações físicas. Vivemos em um mundo que é feito para magros, as medidas dos acentos das cadeiras de lugares públicos, de transportes públicos e em todos os lugares que existem compartilhamentos sociais são feitos com base de peso e medidas para pessoas magras. Temos também aqui que levantar a questão que envolve a numeração de roupas; mas não é só isso, como o movimento é voltado para as questões sociais, são discutidas também as questões sobre a empregabilidade de pessoas gordas e respeito por biótipos diferentes.

2.7.1 Bem-estar social Transitar pela cidade, por exemplo, é um ato considerado simples, mas para um gordo não é. Viajar de avião, ou mesmo em momentos de lazer como ir ao cinema, ou ir à praia, são coisas do cotidiano que acabam sendo complicadas para as pessoas gordas. Relatos sobre as condições dos transportes públicos, como passar em uma roleta de ônibus, sentar no banco do metrô, sentar em uma poltrona de avião, subir as escadas de um ônibus interestadual é uma tarefa difícil para quem tem um corpo gordo. Atos relacionados com a gordofobia velada que muito se comenta em blogs militantes como Coletivo Anti – Gordofobia36 e Precisamos falar de gordofobia37 que quando um gordo vai a um restaurante, se sentem incomodados com olhares analíticos em sua volta. Olhares críticos e julgadores de pessoas gordofóbicas. O que é de senso comum fazer um pré-julgamento de uma pessoa que está gorda só porque não sabe se alimentar. Por mais que a pessoa gorda escolha um prato de salada, ela estará sendo

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Antropometria é um ramo da antropologia que estuda as medidas e dimensões das diversas partes do corpo humano. Segundo este estudo o corpo do homem médio brasileiro tem em média 1,67cm de altura e pesa 63 quilos. Fonte IIDA, Í. Ergonomia projeto e produção. São Paulo: Edgar Blucher, 2005. 614p. 36 Disponível em: . seguidores até ago. 2015. 37 Disponível em . com 8585 seguidores até ago. 2015.

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julgada e criticada naquele momento. A pessoa gorda, quando está andando na rua, tornase ponto de referência, onde ela estiver irá atrair olhares, o gordo pelo simples fato de sair de casa irá ser o centro das atenções, mas pejorativamente. A locomoção urbana de uma pessoa gorda está comprometida em relação a transportes públicos. Para a pessoa se locomover dentro da cidade alguns vagões no trem e no metrô da cidade de São Paulo e Rio de Janeiro são reservados para pessoas gordas, assim como os ônibus municipais de São Paulo também possuem acentos reservados para gordos com IMC acima de 40. Só que no cotidiano, os ônibus não são preparados para receber pessoas gordas. Uma pessoa com sobrepeso tem dificuldades em passar na roleta do ônibus, passar na catraca do metrô. É inviável ter acento reservado se não se consegue utilizar este recurso já que para utilizar o ônibus precisa passar na roleta. Para o obeso que vai ao cinema, hoje é possível encontrar acentos maiores reservados nas salas de projeção. Esses acentos são mal posicionados nas salas, não visam o conforto e bem-estar da pessoa gorda. O mesmo ocorre com a posição que a cadeira de rodas ocupa no caso de um deficiente físico: o banco ou espaço somente está lá por um cumprimento da lei número 10.048 de janeiro de 2006, do Estado de São Paulo, que garante acento aos obesos em todo o transporte público. Mas isto na realidade não acontece.

Acentos reservados para obesos no metrô.

Figura 49: Foto tirada dia 23 de junho na estação Liberdade do metrô em São Paulo. A foto não era no vagão, mas sim um banco de espera na plataforma.

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Blogs e fanpages que são voltados ao assunto do preconceito contra os gordos, apontam inúmeras dificuldades sociais, e as que mais se destacam são questões que a gordura (obesidade) é uma epidemia, alimentando assim o preconceito, ou até mesmo as questões que envolvem o desrespeito contra as pessoas. Alguns casos tornam-se gravíssimos devido à imensa falta de respeito e se encaminham às questões judiciais, pois discriminação, injuria, difamação são crimes, conforme artigo número 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro.

2.7.2 Gordofobia nas redes sociais Para exemplificarmos, vejamos agora um caso recente de gordofobia nas redes sociais foi uma postagem de um perfil de nome Thais Neves que comenta sobre um evento do Miss Plus Size Ribeirão Preto. No conteúdo de sua narrativa no dia 12 de junho de 2015 diz que os concursos de beleza plus size incitam a obesidade nas pessoas, que concursos como esses deveriam ser proibidos, e que as misses não são bonitas pelo fato de serem gordas; diz que pessoas gordas são preguiçosas, sedentárias e que possuem uma má alimentação. A imagem é da reportagem o canal R7 notícias.

Gordofobia no concurso de Miss Plus Size

Figura 50: Fonte:

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Centenas de pessoas se sentiram ofendidas com a postagem de Thais Neves, e devido à repercussão, os organizadores do Miss Plus Size Ribeirão Preto fizeram queixa à polícia, várias blogueiras famosas se manifestaram contra o discurso gordofóbico de Thais. O caso tomou grandes proporções e apareceu em telejornais. Como Thais não retirou o que disse, muito pelo contrário, montou um blog chamado “Porca Gorda” (http://www.porcagorda.com.br/) sustentando seu discurso em cima de que padrão de beleza é saúde, acabou gerando mais desentendimento sobre o caso. Outro caso polêmico nas redes sociais, que teve repercussão midiática e que foi para a justiça, foi o caso do policial militar que chamou as modelos plus size de “leitoas”, “criaturas bizarras”, “recalcadas” e “mal-amadas” após ter assistido na televisão local uma manifestação das misses contra a gordofobia. As modelos que foram para Brasília para participar de um concurso de beleza plus size se sentiram ofendidas ao chegar ao hotel onde ficariam hospedadas. O recepcionista do hotel disse que na cama de casal não caberiam duas modelos. Elas se sentiram ofendidas e fizeram o protesto na frente do Planalto Central, que foi fotografado e televisionado. O policial militar Roberto Sousa, ao assistir em sua casa a reportagem das modelos se sentiu ofendido e postou em sua rede social: Aí eu estou no sossego do meu lar assistindo telejornal e me deparo com uma reportagem que diz que 4 leitoas (e olha que ainda não é natal) foram para a frente do Congresso tirar a roupa e protestar contra o que elas chamam de “gordofobia” pois afirmaram que vieram à Brasília participar de um ensaio fotográfico e o atendente do hotel disse que elas não caberiam em uma cama de casal. Detalhe: as focas dizem que são modelo, (só se forem modelos fantasia sexual bizarra). (SOUSA, 2014)

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116 Figura 51: comentário do policial militar Roberto Sousa sobre a manifestação das misses no Planalto Central. Fonte:

A repercussão do caso trouxe consequências ao policial militar teve que deletar seu perfil da rede social e o caso está sendo investigado pela Corregedoria-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal. Os militantes então levantam inúmeras questões sobre a gordofobia. As soluções apresentadas por eles de como agir diante de determinados problemas que sofrem durante o cotidiano são na maioria fundadas em leis contra o preconceito em relação a injúria e difamação, bullying sofrido nas escolas e no trabalho. A maioria dos apelos dos militantes é a aceitação de um corpo que é igualmente capaz ao corpo de uma pessoa que não seja gorda. A luta pela aceitação social pelo seu corpo é a maior luta de um militante. O que vemos mais em seus discursos são as questões de respeito e condições de um espaço físico democrático para eles. Só que essas reivindicações não são centradas, cada grupo se manifesta pleiteando mudanças que acham necessárias, mas não vemos nas redes sociais uma força tarefa para juntar esses grupos e unificar suas reivindicações. Muitas questões são levantadas dentro do ativismo em relação a gordofobia, mas são encobertas, ou não surtem grande repercussão pela sociedade em um discurso em prol a saúde do gordo. Infelizmente não encontramos o discurso de apoio ao gordo fora das redes sociais. E ao discutirmos isso fora das redes sociais, percebemos que quem mais sofre com este tipo de preconceito são as mulheres devido às questões culturais do nosso padrão de beleza. Não que os homens não sofram, eles sofrem sim, mas as mulheres são muito mais cobradas socialmente em relação aos seus corpos. A questão da militância faz eco com os discursos feministas atuais. Muito se aprende sobre gordofobia dento dos movimentos feministas que abordam inúmeras questões, principalmente sobre a escolha do corpo. Como podemos citar Naomi Wolf, escritora feminista estadunidense autora do livro “O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres” e Marilyn Wann escritora e ativista americana do FAT SO? (Gorda e daí?)

2.7.3 Feminismos e gordofobia Como já dissemos anteriormente, o fato do padrão de corpo feminino magro e jovem no Brasil é uma questão cultural. O movimento feminista está ciente disso e tem a noção de

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que esta visão não irá mudar tão facilmente. O feminismo sobre o qual iremos discorrer aqui é feito por mulheres plurais que criticam o machismo e as questões de padrões de corpo. Em um artigo da Revista Fórum, “As questões que o feminismo abraça”, pela escritora Jarid Arraes, que entrevistou várias feministas, deixa claro o posicionamento destas mulheres em relação ao movimento plus size e à gordofobia. O que percebemos são discursos muito ligados aos das blogueiras plus size, em relação à aceitação do corpo, como o “ame suas curvas”. O diferencial são as questões voltadas aos discursos mais hostis e menos afetuosos, mais severos e menos suaves. Neste aspecto, ele se mostra muito mais eficaz socialmente, pois é argumento nas fundamentações e nas questões políticas sociais e menos na mudança interior da mulher, como é a questão da autoestima. "É importante que a mulher ame o seu corpo, mas é ainda mais importante que sua dignidade seja resgatada, para isso é preciso combater a gordofobia que vem do lado de fora, de uma sociedade hostil.” (ARRAES, 2014). Essa afirmação acima mostra que as militantes querem combater socialmente um problema que vem de fora, da sociedade, que afeta diretamente a elas. Diferente do movimento plus size que tenta mostrar para a mulher que independente da sociedade preconceituosa ela pode se sentir bem se estiver bem. O papel da feminista militante é denunciar abusos e defender os direitos sociais das mulheres, e no nosso caso a discriminação em relação ao estereótipo do corpo. Elas promovem que o sofrimento por ser gorda pode ser superado a partir do momento em que se quebra as questões sociais do estilo de padrão midiático de beleza. Ir em busca da beleza, mesmo gorda, não é prioridade para o movimento. A mulher pede por respeito, sendo “bonita” ou não e ela deve ser respeitada pelas suas escolhas. Para as feministas, ser bonita não é a questão do problema, na verdade isso não importa, o que está em questão é a aceitação do corpo e os questionamentos sociais dos padrões midiáticos de que a beleza é uma construção social e cultural. Narrativas, e aqui repito, muito parecidas com os das blogueiras plus size. A diferença é que as blogueiras plus size falam que todas as mulheres são bonitas, para se aceitarem e se sentirem bonitas (autoestima), que não é o padrão que deve ser mudado, mas sim elas próprias. Existem poucos espaços de debate para as mulheres gordas e feministas envolvendo o levantamento das dificuldades e situações e resoluções do que pode ser feito para a melhoria da vivência da mulher. Pois além das mulheres sofrerem discriminação, elas ainda sofrem bullying pelo fato de ser gorda.

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As ideias do feminismo podem hoje ser fundamentais para ajudar as mulheres na busca de seus direitos e na construção de uma consciência corporal positiva. Além disso, os ideais do feminismo podem ajudar na construção de argumentos que lutem pelos direitos das mulheres gordas. A questão do sofrimento com o corpo em relação ao padrão de beleza é encarada com um ponto de partida para as modificações internas e externas dessa mulher. Tanto no movimento plus size, como no feminismo dizem que não é o corpo da mulher gorda que está errado, mas sim a sociedade que bombardeia por todos os lados corpos magros, sarados e malhados, dizendo e mostrando que o certo é o da capa de revista e não o seu próprio corpo. Que seu modo de agir e pensar devem seguir padrões determinados. Como se essas revistas fossem guias ao sucesso à felicidade. (PRADO, 2013). Se libertar desses discursos midiáticos torna-se praticamente impossível. "Para enfrentar essa realidade, é necessário um trabalho contínuo que quebre os hábitos machistas; é preciso conscientizar as pessoas de que o corpo feminino não é propriedade pública e que ser gorda não é uma licença para discriminação." (ARRAES, 2014) Para Arraes, na citação acima, a questão do preconceito com as mulheres está diretamente ligada ao machismo, ponto que não é de discussão nesta dissertação. Mas o que nos interessa na citação de Arraes é o fato da pessoa ser gorda ela sofre preconceito. Para as feministas, a quebra do padrão de beleza somente será possível a partir da conscientização social e um movimento político. Para as feministas as relações das transformações estéticas através de procedimentos como cirurgia plástica, redução de estômago ou tratamentos, não invalidam a luta contra os padrões. Pois mesmo em busca do tal padrão, a mulher ainda continuará sofrendo com a imposição dos mesmos já que são atitudes naturalmente culturais e as mulheres, independente de quem ela seja, estará sujeita a essas convenções. Algumas feministas criticam o movimento plus size em relação à etiqueta numerada das roupas, ao formato de corpo que a moda plus padroniza, que são ditas como “falsas gordas”, ou seja, aquelas mulheres que vestem manequim 46, que possuem um corpo mais roliço. Este tipo de corpo não se encaixa no que é o plus size. Em relação a numeração da indumentária, elas criticam empresas que fabricam roupas com numeração limitada, até o número 54, por exemplo. É o que comentamos sobre o “gordo midiático”. Existe dentro das questões empresariais um padrão de roupa que restringe os moldes maiores de roupas. Feministas falam que o plus size é uma forma maquiada de integração dos gordos. Quem faz este comentário é a blogueira Jéssica Balbino, jornalista e escritora, autora dos livros “Hip-Hop – A Cultura Marginal” (2006) e “Traficando Conhecimento”

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(Ed. Aeroplano, 2010). "A mulher que continua fora do padrão estabelecido pelas castas mais altas, segue sem conseguir comprar roupas, segue sem conseguir se encaixar. Mas está tudo maquiado pelo selo de plus size. Do 44 ao 54”. (BALBINO, 2014) Novamente percebemos nesta citação que há um padrão dentro do plus size, as questões mercadológicas estão explicitas e não a questão da diversidade de corpo. Não só feministas, mas militantes anti gordofobia criticam o movimento plus size, por acharem que blogueiras plus somente falam de moda e não discutem questões mais complexas e profundas em relação a atuação social e de diretos legais. Em nossa dissertação, consideramos essa visão como equivocada, pois as blogueiras que desde 2009 estão abrindo portas para as mulheres se sentirem bem com seu corpo fora do padrão midiático de beleza. É uma forma de inclusão da mulher gorda, ela acabou sendo mais vista socialmente, mesmo sendo pelo mercado da beleza. Gizelli Sousa blogueira feminista e escritora do blog Lugar de Mulher38 tem uma visão diferente a favor das blogueiras plus size com ela fala: "temos muito o que aprender com as blogueiras plus size de moda, que estão há anos desbravando a internet e tocando em assuntos que dizem respeito à mulher gorda”. (SOUSA, 2014). O que podemos entender por todas as questões levantas em relação ao feminismo e a gordofobia é que o feminismo usa de meios políticos para combater a gordofobia, contrapor o preconceito perante uma sociedade com argumentações sensatas, diferente do movimento plus size que é mais direcionado as questões do bem estar e autoestima. O movimento feminista também tem a capacidade de agregar forças para combater a o preconceito no ciberespaço, pois por esta ferramenta elas podem se expressar livremente, mas da mesma forma serem criticadas e ameaçadas por levantarem a bandeira por um corpo mais democrático. Neste capítulo fizemos uma cartografia pelo do universo plus size, passando por todos os temas em que o corpo plus size se manifesta. No próximo capítulo iremos investigar os discursos das blogueiras, de como elas lidam com o preconceito e como são os discursos em relação a autoestima, os cuidados de si e a busca pela felicidade.

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CAPÍTULO 3 Neste capítulo iremos discorrer sobre o fenômeno da força comunicativa dos blogs focados no mundo plus size. Iremos analisar suas criações de rede, a natureza de suas narrativas (LEÃO, 2004), a formação de laços afetivos e de confiança. Partimos do pressuposto de que as blogueiras conseguem formar e manter estes laços que são denominados Capital Social conceituado por Costa e as interações entre blogueiras e seguidoras por Santaella. Para as discussões e reflexões sobre o tema trazemos um fato ocorrido dentro do meio plus size que foi o falecimento de uma seguidora devido a pressões de padrões estéticos. Para finalizar iremos refletir sobre a relação do bem-estar do corpo e suas reflexões sociais dentro das narrativas das blogueiras com base em Freire Filho e Sibila.

3.1 Os discursos e narrativas das blogueiras plus size O que buscamos entender nesta dissertação é como as blogueiras, através de seus discursos conseguem transmitir para suas seguidoras o que realmente o movimento plus size se propõe. Como elevar a autoestima da mulher e ajudá-la a melhorar sua autoimagem, sua autoaceitação através de suas narrativas. Os conceitos de narrativas e discursos se entrelaçam em nossa investigação, usaremos aqui a narrativa como discurso, conforme o conceito de Silva que diz: "Considera-se a narrativa como discurso quando este discurso é dirigido pelo narrador ao leitor/ouvinte. Isto é, a narrativa é utilizada como forma de discurso, para afirmar ou dizer mais do que diz a história." (SILVA, 2007). Ou seja, como percebemos as histórias das blogueiras. Para entendermos ou tentarmos diferenciar quando a blogueira narra ou discursa depende então do que se interpreta no momento, por exemplo, “Ame-se” pode ter a significação do discurso ou de uma narrativa conforme o entendimento da leitora. Como nossa investigação acontece no ciberespaço, o meio é propício para inúmeros tipos de narrativas e formas de discursos, o que diversifica nossa busca. Mas para conceituarmos as narrativas encontradas neste meio relembraremos o conceito de Leão (2004), mas com as características direcionadas ao uso das narrativas do ciberespaço.

121 Quais são as propriedades narrativas do ciberespaço? Pode-se observar uma série de propostas instigantes emergindo no ciberespaço, se o considerarmos como uma rede dinâmica composta por pessoas e grupos ambientes cíbricos (que integram simultaneamente o real e o virtual) além dos sistemas de informações, softwares e máquinas. (LEÃO, 2004, p. 165)

Este conceito nos deixa livre para navegarmos em diferentes estruturas de linguagens existentes no ciberespaço, pois é um meio em que aparecem inúmeras narrativas para transmitir um mesmo fato acontecido. O ambiente do ciberespaço é propício para as variedades de formas e assuntos abordados pelas blogueiras, e isso faz com que este ambiente se torne rico para a nossa investigação. Dentro da construção das narrativas dos blogs acontece a interpretação empírica e subjetiva a fim de produzir um sentido ideológico em relação à luta pelo respeito às diferenças (crítica à necessidade de se seguir padrões estereotipados de corpo). As blogueiras produzem suas postagens embasadas em vivências, elas comentam suas experiências de vida, sobre fatos e acontecimentos do mundo que envolvem os assuntos relacionados ao corpo gordo. No que tange ao universo plus size, algumas blogueiras têm muito conhecimento prático e costumam estar bem informadas sobre questões desse mundo. No entanto, observa-se que, na maioria das vezes, suas narrativas assumem um tom emocional, e adquirem nuances inflamadas. Observa-se também a presença de vários textos com opiniões embasadas em juízos de valor. Alguns conteúdos possuem relevância para serem estudados, já que quando uma postagem faz sucesso na maioria das vezes elas são replicadas por outras blogueiras, ou então cada uma adapta sua opinião sobre o mesmo assunto. Uma das propriedades do ambiente do ciberespaço é o dinamismo e a possibilidade de troca de informações e de interação entre blogueiras e leitoras/seguidoras. Essa interação possibilita que os internautas expressem suas opiniões através de curtidas ou comentários, que são espaços abertos para as manifestações das seguidoras que também possuem seus juízos de valor a fim de discordar das opiniões das blogueiras ou de algum comentário feito na postagem do blog. "A força dos blogs está em possibilitar que qualquer pessoa, sem nenhum conhecimento técnico publique suas ideias e opiniões na web e que milhões de outras pessoas publiquem comentários sobre o que foi escrito, criando um grande debate aberto a todos." (CARVALHO; ROSAB, 2008, p.31)

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Não é somente de narrativas subjetivas que se alimenta os blogs plus size. No mundo plus size também temos blogueiras que possuem um poder de integração, com embasamento e opiniões de persuasão, baseados não só na subjetividade, mas também em conhecimento técnico e é demonstrando sua coerência e competência em relação ao assunto, que conseguem manter suas seguidoras, como falamos anteriormente quando classificamos os blogs. É a empatia e o laço de confiança, a percepção do outro e de suas dificuldades. São essas, na maioria das vezes, blogueiras que não discutem somente sobre moda, mas sim sobre comportamento, elas falam também sobre o preconceito que é a gordofobia, as relações sociais e todo o cotidiano em que um corpo gordo está inserido, falando sobre as dificuldades de aceitação. De certa maneira, isso afeta suas leitoras de modo que elas reflitam sobre os assuntos abordados. Percebemos então que durante nossos estudos, mesmo que os assuntos em pauta sejam replicados pela maioria das blogueiras, existem algumas que se destacam devido ao seu carisma e empatia. Não só essas características, mas também outros componentes de identificação, que iremos analisar posteriormente. A identificação leitora-blogueira cria laços afetivos, sejam eles fortes ou fracos, mas embasados na construção de uma confiança mútua e no entendimento do outro. Essa identificação pode ocorrer pelo modo como se constroem as narrativas e pelo poder de conseguir se expressar em palavras, passando assim toda uma carga sentimental em seus textos, entendemos em Malini e Antoun (2013) que:

Narrativas ou histórias sempre foram muito importantes para manter as pessoas unidas em uma organização, pois elas podem exprimir o sentido de identidade e pertencimento – elas são capazes de dizer quem somos, porque estamos juntos e o que nos faz diferentes dos outros. Elas podem igualmente comunicar um sentido de causa, propósito e missão, exprimindo objetivos, métodos e disposições culturais – o que acreditamos, o que queremos fazer e como. (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 74)

Conforme citado acima, a união pode nascer das histórias e ideias, uma identificação com o outro que escreve, aquilo nos toca porque a blogueira consegue transmitir o que a pessoa pensa e como ela pensa, isso vem através das informações, pela composição de ideias, suas argumentações, isso faz com que haja um reconhecimento, um espelhamento de emoções que cria laços entre o leitor e quem escreve. Essa capacidade de formação de grupos com construção de laços e de como fazer para mantê-los em rede é um estudo atual, pois dentro do ciberespaço as relações são muito fugazes e as blogueiras possuem seguidoras tão fiéis que a relação de uma com a

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outra é como se fosse um casamento. Diante deste panorama nós encontramos o capital social em rede.

3.2 Blogueiras Nas Redes Social – Capital Social Em nossos estudos percebemos a imensa capacidade de integração social dessas blogueiras ao criar laços afetivos em relação às suas seguidoras. Esta capacidade de agregar pessoas nas redes sociais é fenômeno que chamou a atenção de estudiosos das redes Para compreendermos melhor este estudo, iremos nos guiar pelas pesquisas e reflexões de Rogério da Costa. Esse fenômeno chama atenção pois a cada dia que passa o número de pessoas dentro das redes sociais seguindo blogs aumenta e, com isso, as blogueiras passam a ter influência na vida das seguidoras. A interação das leitoras com as blogueiras tende a formar e a fortalecer essas redes, podendo chamá-la de “capital social”. Conforme Costa, "o capital social significa aqui a capacidade de os indivíduos produzirem suas próprias redes, suas comunidades pessoais" (COSTA, 2005, p. 239). Mas por que chamar essa capacidade de “capital” se é um termo que remete à área de finanças? Conforme Costa afirma: “Quanto mais um indivíduo interage com outros, mais ele está apto a reconhecer comportamentos, intenções, valores, competências e conhecimentos que compões seu meio” (2004, p. 67). Quando observamos um crescimento em relação ao conhecimento entre os membros das redes, uma evolução nos processos de interação com as pessoas, esses diálogos passam a ser considerados “riquezas a serem exploradas” como capital. O conhecimento de sua rede, o tempo despendido de dedicação, o carisma no trato com as pessoas, a sua capacidade de escrita, de agregar indivíduos é o trabalho que desenvolve uma blogueira. Compreender esta capacidade de produzir informações, coletar ideias para poder se relacionar com os outros, têm seu valor, mas ele não é financeiro. “O potencial de relação dos indivíduos (capital social)” (COSTA, 2004, p. 66), ou seja, uma espécie de criação de bagagem de conhecimento e informação para desenvolver conteúdo. Podemos entender em relação ao nosso objeto que o tempo em busca da produção do teor em seus meios de comunicação, blogs, fanpages e vlogs, é dispendioso. São essas relações que formam o capital social.

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Conforme Costa, percebemos também que para chegarmos a alcançar uma amplitude de rede requer muito tempo e dedicação para a construção de laços de confiança: “é preciso investir na construção e no desenvolvimento de relações de confiança e isso requer no mínimo anos de encontros e interações” (COSTA, 2004, p. 70). Em relação ao nosso estudo, as blogueiras precisam estar sempre atualizadas sobre todos os acontecimentos. Após muito estudo e dedicação, vem a recompensa de informações privilegiadas – nesse ponto percebemos o imaginário do status e glamour que é passado em algumas postagens, como, por exemplo, convites para divulgação de festas e eventos, ou até mesmo “presentes” de roupas de grife para fazerem propaganda. Aqueles que ocupam posições estratégicas no interior das redes, especialmente aqueles cujas ligações percorrem vários grupos, potencialmente têm mais recursos do que seus pares, precisamente porque sua posição de rede lhes proporciona maior acesso a mais e melhores recursos. (GROOTAERT; WOOLCOCK, 2000 apud COSTA, 2004, p. 70)

Conforme a citação acima entendemos que devido à visibilidade das blogueiras, elas têm mais acesso a informações e recursos para desenvolver suas relações em rede. A construção da blogueira como capital social vem da ideia que Costa explica em seu texto: Cabe lembrar que James Coleman (1990) e Robert Putnam (1993), que estão entre os primeiros a analisar a noção de capital social, procuraram defini-lo como a coerência cultural e social interna de uma sociedade, as normas e valores que governam as interações entre as pessoas e as instituições com as quais elas estão envolvidas. A importância do papel das instituições é muito clara aqui, pois estas funcionam como mediadoras da interação social, uma vez que propagam valores de integração entre homens e mulheres. Escolas, empresas, clubes, igrejas, famílias ainda funcionam como referência para as relações sociais, apesar de todas as crises que vêm enfrentando. Compreender seu papel e influência numa comunidade faz parte do processo de avaliação do capital social. (COSTA, 2005, p. 239)

Trazendo este contexto para a nossa dissertação de mestrado, podemos entender que a ideia da blogueira como capital social surge a partir do ponto em que podemos mensurar a capacidade de relacionar ideias em rede e como elas se posicionam em relação às pessoas da rede, ou seja, a capacidade que a blogueira tem em fazer correlações culturais e sociais do meio em que ela vive, conseguir compreender esse fenômeno e repassar essas ideias para suas leitoras. Entender o papel da blogueira e a influência que ela causa em sua rede faz parte do sistema de como entender o capital social, da construção da confiança e de como fazer para mantê-la. Elas também fazem o papel de mediadoras de conflitos ao darem exemplos de como lidam com o seu corpo e como

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fazem para conseguir interagir melhor com seu corpo e mente, com as questões sociais, sejam elas a família, a sociedade ou outros. Comentam sobre a autoestima, sobre a recuperação da confiança em si, de como lidam com a sociedade, falam sobre como lidar com conflitos sociais e tentar fazer com que realmente haja uma mudança no comportamento de suas seguidoras. Algumas blogueiras fazem de suas páginas um diário de memórias do cotidiano em aberto. Um registo público de todas as suas informações. As blogueiras pretendem com isso que haja um maior reconhecimento e identidade nas interações entre blog e leitora, com isso elas deixam em aberto todas as suas informações como, por exemplo: quais lugares frequentam, com quem conversam, o que fazem, quais os eventos a que irão, como foi o dia no trabalho, na escola, postam fotos do cachorro, com a família, o namorado, os amigos etc. Neste momento percebemos as relações de estilo de blog pessoal apontado no segundo capítulo desta dissertação. Com isso, ocorre um espelhamento em relação ao cotidiano da blogueira, fazendo quebrar um pouco a construção imaginária de uma heroína que consegue lidar com as dificuldades dentro de uma sociedade gordofóbica, ou então de um mundo cheio de glamour, maquiagem ou roupas bonitas que estão na última moda. Esse espelhamento traz a leitora para mais próximo da realidade da autora do blog.

3.2.1 Laços Entre Seguidoras E Blogueiras A confiança e a conquista de uma leitora não se fazem rapidamente. Por mais que esta capacidade de construir sua própria rede e de formar um capital social sejam importantes, o mais difícil é mantê-los, pois os laços entre blogueiras e leitoras podem se tornar frágeis se não estiverem consolidados.

Afinal, estamos lidando com seres

humanos. Conforme dissemos sobre o capital social, a construção e a fixação destes laços depende de tempo para a produção de conteúdo e de informação, mas também despende de tempo em cultivar os laços, pois uma vez desfeito, é difícil reatá-los. Fomentar um canal ou uma rede em que o conteúdo trabalhe com sentimentos, como é o caso das blogueiras plus size, que falam de corpos que são esquecidos socialmente, deve ser feito de certo modo com um cuidado extra, pois a pessoa que lê já está emocionalmente abalada com tudo que a cerca em relação à exclusão social pelo fato de não possuir um corpo que é exigido socialmente. Criar confiança é primordial.

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Continuando com a narrativa de Costa (2005), para entendermos o processo de confiança em uma rede é necessário que a pessoa que pretende escrever um blog tenha a capacidade de aumentar suas aptidões emocionais e consiga perceber e sentir o outro (nesse caso as leitoras). Construir credibilidade requer confiança em si e desprendimento de questões narcisistas, “nossa generosidade é limitada por natureza” (COSTA, 2005, p. 242), para que possamos entender o outro. O bem querer ao outro, aceitar o outro e a confiança já é um modo de construir esses laços. Conforme Costa, “os sentimentos de estima, respeito e confiança são exemplos práticos que apontam para os meios de integração de nossa simpatia com as simpatias de outros” (2005, p. 242). Portanto, entendemos que para conquistar a confiança do outro é necessário se desfazer de um egoísmo natural que limita o olhar para o outro e então só assim podemos interagir com o outro com totalidade. Para fortalecer esses laços é necessário também a construção da confiança mútua, ou seja, “A construção dessa confiança está diretamente relacionada com a capacidade que cada um teria de entrar em relação com os outros, de perceber o outro e incluí-lo em seu universo de referência" (COSTA, 2005, p. 242). Entendemos nesta citação que isso nada mais é que reconhecer o outro, sentir o outro em suas fraquezas, pois isso, a identificação por troca de experiências vividas é extremamente importante nas narrativas das blogueiras que comentam sobre suas dificuldades e como elas superaram isso e de que forma. Reconhecer que o gordo é capaz, que tem suas habilidades tanto físicas como profissionais, possui capacidade de trabalhar independente de sua aparência, contar suas dificuldades pelo fato de ser gordo, abrir-se e mostrar que é igual ao outro e perceber o outro em si. Continuando com Costa, o reconhecimento do outro e suas dificuldades, ajuda a construir a confiança com as leitoras conforme trecho abaixo: Esta dinâmica do reconhecimento é com certeza uma das bases para a construção da confiança não apenas individual, mas coletiva. Redes sociais só podem ser construídas com base na confiança mútua disseminada entre os indivíduos. Isso pode se verificar em maior ou menor grau, mas de qualquer forma a confiança deve estar presente da forma a mais ampla possível. (COSTA, 2005, p. 243)

Mas para manter esses laços sociais é necessário fomentá-los o tempo todo e isso requer investimento nas relações de confiança. Um modo pelo qual Helena Custódio, do blog “Sou Gordinha Sim”, consegue manter esses laços estreitos com suas leitoras é de sempre promover encontros fora das redes sociais. Ela promove de tempos em tempos

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encontros, como piqueniques em parques, com o intuito de promover a interação com as leitoras e de ser um espaço de troca de experiência ou mesmo uma forma de se fazer novas amizade. Ou então, workshops. Esses workshops são de extrema importância para Helena e suas leitoras, pois nesse evento, ela promove a recuperação da autoestima da mulher gorda, fazendo com que ela passe por uma experiência através da qual recupere a confiança em si. Se oferece nesse dia maquiagem, cabeleireiro, roupas de butiques famosas do mercado plus size, fotógrafo profissional para a realização de um book tradicional ou sensual, palestra sobre autoestima e espaço para conversa entre as participantes. Alguns dos workshops são direcionados excepcionalmente para formação de casting ou agenciamento para desfile. Com tudo isso, se promove uma reformulação na confiança da mulher, sua autoestima, estreita os laços com as redes sociais e, sim, mexe com a estrutura emocional e psicológica, recuperando a confiança e fazendo com que ela seja capaz de retomar o controle sobre o seu corpo e sobre sua vida potencializando suas virtudes. O mecanismo de relações nas redes, como são essas conexões, sua frequência e a vivencia rápida encontradas no ciberespaço são conhecidas como “cultura participativa". (SANTAELLA, 2013, p. 28)

3.2.2 Cultura Interativa Entre Blogueiras E Seguidoras Conforme dissemos anteriormente em relação aos encontros, eventos e workshops realizados fora do ciberespaço que estreitam os laços entre seguidoras e blogueiras, também se trocam muitas experiências nos espaços de conversação, se descobrem muitas afinidades e surgem muitas ideias que ajudam a fomentar os discursos dos blogs dentro e fora das redes. A troca e interação entre as blogueiras e leitoras é de muita importância para a criação de conteúdo para que os blogs sejam constantemente atualizados. Dentro das redes sociais, a participação da leitora acontece através de curtidas e comentários em fanpages e blogs. Mais importante de ressaltar é a presença de alguns comentários nas postagens das blogueiras que são abertos e, após comentado por uma seguidora, a blogueira pode interagir com a leitora através deste canal, assim como qualquer outra pessoa que tenha se interessado por aquela postagem. É uma espécie de “cultura interativa e participativa” (SANTAELLA, 2013, p. 29) que promove uma troca de ideias e conversas entre os participantes, e de lá podem surgir inúmeras ideias para alimentar as postagens e isso também ajuda a fortalecer os laços entre leitores e blogueiras.

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Essas interações auxiliam no fluxo de informações,

abrem espaço para a criação de ambientes de convivência instantânea entre as pessoas. Instauraram, assim, uma cultura participativa, onde uma conta e todos colaboram, portanto, uma cultura integrativa, assimilativa, cultura da convivência que evolui de acordo com as exigências impostas pelo uso dos participantes. Conforme foi amplamente discutido por Shirky (2011) nesse tipo de cultura, o sentido de pertencimento é animado pelo compartilhamento de uma visão ou projeto. (SANTAELLA, 2013, p. 29)

Entendemos então que quando uma pessoa conta algo, essa pode representar a blogueira e suas postagens e os membros colaboram discutindo e interagindo sobre o assunto e o “compartilhamento de uma visão ou um projeto”. São as novas ideias que podem vir a desenvolver novas postagens. A abertura deste canal é de tamanha importância que promove a sensação de pertencimento naquele espaço, e isso além de fortalecer o laço faz com que a leitora permaneça naquele espaço.

Enfim, é uma cultura em que seus membros creem que suas contribuições importam e desenvolvem determinado grau de conexão social com o outro, de modo que tem grande relevo aquilo que os demais pensam ou se supõe que pensam sobre o que cada um cria, por mais insignificante que seja. (SANTAELLA, 2013, p. 29)

O que percebemos desta citação é que mesmo quando parece ser insignificante e irrelevante a participação da leitora, o simples fato do espaço participativo estar aberto já é algo que impulsiona o fortalecimento do laço e também podemos complementar com o estreitamento das identificações. Como constatamos, as práticas do capital social, dos laços afetivos e da cultura interativa são distintas, mas uma está relacionada com a outra, pois sintetizar que o capital social é a capacidade pessoal da blogueira em reunir pessoas através das identificações com suas narrativas e assim criar laços, laços afetivos fortalecidos com dinâmicas participativas dentro e fora das redes. A cultura interativa é um espaço de participação e interação de todos direcionados às redes sociais. Desta forma, são por essas práticas de construções de identificação e interatividade que a blogueira afeta sua leitora.

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3.3 Exemplos de narrativas das blogueiras plus size As construções que identificam as leitoras podem afetá-las de inúmeras maneiras conforme o tema abordado dentro do universo plus size, seja ele a moda, a aceitação do corpo através da autoestima, a luta pela inclusão social de um corpo fora dos padrões. Importante nesta dissertação de mestrado é falarmos que a identificação pode ocorrer também pelo biótipo das pessoas. No entanto, isso não significa que, no público de leitoras desses blogs, não existam pessoas magras. Na verdade as blogueiras falam muito sobre autoestima e isso atrai várias pessoas independentes da sua constituição física. Mas quando ocorre a identificação com o biótipo, a narrativa é a base de como elas enfrentam problemas parecidos devido ao corpo volumoso. As leitoras acabam criando laços com algumas blogueiras devido às histórias de superação e autoestima e falando que o corpo gordo também é normal. Essas redes ajudam a superar um mal-estar vivido por pessoas que não se encaixaram dentro de um padrão estético apresentado nas mídias. Na maioria dos casos, as pessoas que estão fora dos padrões se sentem frustradas, tristes, pois por mais que lutem para emagrecer, sua constituição apresenta características que não as ajudam a perder peso, como as questões de estrutura física ou mesmo fatores genéticos e de saúde deixando-as vulneráveis a comentários externos. As blogueiras, contando suas histórias, demonstram como combatem a imposição cultural do padrão de beleza midiático através de sua postagem a fim de promover o bemestar, não só social, mas físico e psicológico. Para exemplificarmos como as narrativas funcionam, iremos discutir algumas postagens e comentários feitos por usuários e fãs das fanpages. No blog “Sou gordinha Sim” a proprietária Helena Custódio, devido ao sucesso da página, criou o blog wordpress em 2012 com uma média de visualização de 723 pessoas em dias normais. O pico máximo de visualização deste ano foi o mês de abril que chegou a 3253. No mesmo dia da inauguração do blog, uma das suas fãs postou a seguinte mensagem: Amei o blog… Quem criou esta de parabéns Sou gordinha e tenho muita vergonha de colocar um biquíni e por sinal na frente da minha família eles são muito preconceituosos =\ vivem falando que eu tenho que emagrecer ficar linda como eles dizem que eu era quando solteira, quando estão comigo acho que fazem para me provocar só comentam sobre comida Diet x Light afff não aguento mais, isso sem flar na tiração de sarro :@ Casei com o homem maravilhoso porem gordinho e a minha família não aceitou sofri muito com o preconceito deles Porem hj em dia quando leu o blog Sou Gordinha Sim, ou os post no face fico mais feliz em saber quem as gordinhas estão bem mais a vontade e to seguindo

130 a mais linha de raciocínio :) GORDINHA E FELIZ s2 (Blog “Sou Gordinha Sim” postado dia 08/fev/2014

Em resposta, a criadora da página “Sou Gordinha Sim” disse: "Linda seja feliz independente do seu biótipo não se importe com que os outros falam, o mais importante é ser feliz com saúde claro beijos Helena." Desta forma, o comentário em aberto são formas de interação participativa que encontramos nos blogs e nas fanpages. Quando a leitora comenta: “quando leu o blog Sou Gordinha Sim, ou os post no face fico mais feliz em saber quem as gordinhas estão bem mais a vontade e to seguindo a mais linha de raciocínio :) GORDINHA E FELIZ”, podemos identificar a força do capital social do blog na identificação com seu problema e deixá-la mais feliz, da cultura participativa e da formação de laços na parte em que engloba “as gordinhas”. O blog “Grandes Mulheres”, de Paula Bastos, jornalista, foi criado em novembro de 2009 e em um texto da blogueira denominado “Quando me tornei uma gordinha legal”, ela narra suas dificuldades com alguns relacionamentos que teve, que fez de tudo para alguns homens, para que se sentisse aceita e superar o fato de ser gorda. Mas ao mesmo tempo começou a perceber que tudo o que ela fazia para agradar ao outro, ela poderia fazer para agradar a si mesma, portanto, gostar mais de si mesma e elevar sua autoestima. Ela termina o texto da seguinte maneira: Eu sou uma mulher maravilhosa e não uma gordinha legal, entendem a diferença? Você também pode ser: deixe o passado para trás, encare o desafio da mudança e dê um passo de cada vez para conseguir viver melhor. É assim que as coisas mudam, é assim que a gente progride e é isso que faz a mágica acontecer! Estamos juntas! Paula Bastos (blog Grandes Mulheres postado em 17/fev/2014)

Em um dos comentários: Parabéns pelo seu texto! Adorei e assim como muitas me descreveu, não me considero gordinha e o peso até q não é um problema, mas a auto estima sim… Sempre achei, como você, que tinha que me acabar para agradar os outros e só me ferrei… Pode ter certeza que ganhou mais uma fã… Mais uma na luta para se aceitar como é… Beijos

No caso do depoimento de Paula Bastos pode ser percebida a identificação com a narrativa da história como Malini e Antoun propõem; os problemas de namoro em relação à sua insegurança com o corpo. Do modo que ela mudou consigo mesma e como ela fala para a leitora também seguir os passos dela. Importante salientar que o depoimento não

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veio de uma leitora gorda, com problemas em relação ao seu peso, mas sim com relação à sua autoestima, podemos apontar aí a formação do capital social.

O blog de Kéka Demétrio fundou sua fanpage em 2009. Ela é uma das atuantes contra o preconceito contra os gordos, sendo convidada pela jornalista Ana Paula Padrão a escrever uma coluna semanal no blog Tempo de Mulher, portal do MSN, postando na sua fanpage, com 15.42639 seguidores no dia 30 de dezembro de 2013, a seguinte frase: Coisa chata!! Véspera de Natal, Fim de Ano, e a mídia abarrotada de: Dietas para o ano novo; Porque você não consegue emagrecer; Dicas para não extrapolar nas festas de fim de ano; Alimentos que você pode comer e não vai engordar nas festas de final de ano e blá blá blá. Ahhhh, tenham dó!!! Deixem a gente viver uns dias sem essa pressão toda, sem essa cobrança estúpida. Já nem se pode mais viver as festas de final de ano em paz!!!!! (Fanpage Keka Demétrio postado em 30/dez/2013)

Um dos comentários: “Vanessa”: Keka Demétrio hoje estou aqui para te desejar em FELIZ 2014 e te agradecer por ter feito a diferença em minha vida,á partir do momendo que te conheci aprendi a me amar,a nw me importar tanto com as opiniões alheias,a ter auto-estima mesmo gordinnha!Aprendi que emagrecer é para saude e nw por beleza pqe essa nos acompanha independente do peso!A beleza interior essa só nós mesmos podemos ver e sentir e essa nw tem preço!!Que Deus continue iluminando vc para que vc possa continuar iluminando nossas vidas!!FELIZ 2014

Keka Demétrio comenta sobre as questões das propagandas da mídia com a cobrança de manter o corpo em forma, podemos aí apontar um exemplo de dispositivo de poder com relação à vigilância do corpo. Em relação ao espaço aberto de interação, a leitora cita que aprendeu com a Keka a se amar e não importa com a opinião alheia. Nesses pequenos exemplos, dentre vários outros que poderíamos ter trazido, podemos perceber nas postagens das blogueiras e nos relatos dos fãs que as seguem, o acolhimento, o carinho, os “laços de afetos” que são demostrados. Com prioridade percebemos também a presença do outro, como nos exemplos acima: a família, o namorado ou mesmo a mídia, sempre querendo trazer este corpo diferente para dentro do padrão midiático. Temos então a presença do outro nos relacionamentos e a identificação com as narrativas expostas em relação à “precariedade das aparências”, de tal forma que

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Dados coletados dia 11 de agosto de 2013

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a leitora do blog ao se deparar com essas narrativas consegue então olhar um pouco para si e consegue deixar de lado, por alguns minutos que seja, a sua insegurança com o corpo.

3.4 A presença do Outro A presença do outro é importante para ajudar o desenvolvimento de uma identidade tanto do blog como dos membros e para que isso ocorra, a necessidade da comunicação e interação entre os membros do blog se faz necessária. Mas esse outro nem sempre é um membro do grupo, muito pelo contrário, este outro pode apresentar outras características e nem mesmo pertencer ao grupo, ele pode ser um agente externo, uma pessoa diferente das demais e que possui uma narrativa oposta à que vimos nos sites, blogs e fanpages que acolhem seus membros. Dentro da nossa cultura, o corpo diferente, mesmo que gordo, chama atenção pela sua forma e causa estranhamento para aqueles que estão acostumados a conviver e aceitar pacificamente as questões sociais de ter um corpo magro e esbelto e trazer para a sua realidade que aquilo é o certo. Conforme afirma Marli Appel em seu artigo para a revista da ESPM – “O Surgimento do homo estheticus – o crescimento do mercado da beleza”, no meio social vivemos uma exigência da beleza, “o corpo deve ser firme, magro, jovem e bonito” (APPEL, 2003, p. 36). No imaginário social, o corpo que não segue tal padrão é ridicularizado, e se a pessoa fora desse padrão não estiver convicta de sua identidade e autoestima, a palavra do outro pode influenciá-lo de maneira negativa. Pois vivemos em uma sociedade em que ser gordo é ser fracassado conforme comenta Appel.

O sujeito tornou-se responsável por gerenciar seu corpo. Se ele consegue é um vitorioso, tem mérito pessoal. Mas se não consegue adequadamente, poderá ser percebido como um fracasso e tornar-se até desprestigiado socialmente, o que pode representar a maior exclusão nos grupos. (APPLE, 2003, p. 37)

Entendemos nesta citação que Appel mostra que socialmente se a pessoa não possui um corpo aceito pelo grupo, ele é excluído pelo grupo, como dissemos anteriormente nas citações de Prado (2013). Observa-se uma hegemonia nos meios tradicionais midiáticos, como televisão e revista, que socialmente acabamos incorporando como forma magra. Através dessas mídias se alimentam o imaginário social e o desejo por estes corpos. Quem foge desse padrão social e midiático de corpo é marginalizado, conforme dito nas referências de

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Prado (2013), e de Costa (2009), os corpos dos negros, das mulheres, dos homossexuais que diferem estão fadados ao fracasso, do mesmo modo em que Santaella e Noth (2009), no artigo “Representações e alteridade nas mídias”, demonstram que esses corpos invisíveis fazem parte de um contexto cultural fora do seguimento do comum, do normal, mas de uma mesma maneira cheia de cultura, mesmo que estereotipado e marginalizado.

Desde os debates pós-modernistas dos anos 1980, especialmente no contexto do pós-colonialismo e das culturas híbridas, numerosas formas de alteridade cultural foram descritas e identidades culturais dos mais diversos segmentos da cultura foram definidas nas suas especificidades: mulheres, os excluídos, os estrangeiros exóticos, afroeuropeus, afro-americanos, homossexuais e mesmo os doentes mentais. Nesse campo de estudos extremamente heterogêneo, muitas formas distintas de estereótipos culturais podem ser encontradas, cujo único denominador comum é aquele da marginalidade. (SANTELLA; NOTH, 2009, p. 36)

Portanto podemos perceber que existem dois tipos de discursos em constante conflito: os das blogueiras a favor da aceitação de um corpo, da autoestima e do amor próprio independente de qualquer estereótipo de beleza e o discurso do outro que está recheado de preconceitos e embasado em vivências midiáticas de saúde e intolerância pelo que é diferente em relação aos seus costumes. Isso vem a colocar em conflito toda a construção dos discursos das redes quando esse outro vem com uma carga negativa e destrói emocionalmente esse corpo que inconscientemente está estigmatizado. Mesmo com a presença dos discursos carregados de afetividade das blogueiras, com seus discursos inflamados de emoções e trabalhados para aperfeiçoar a auto aceitação, autoestima, reestabelecer a confiança da pessoa, às vezes tudo pode ser em vão. A insegurança gerada pela sociedade por não conseguir aceitar o que é diferente, um corpo gordo que está fora do padrão e isso acaba de certa maneira chamando atenção do outro. Esse outro, às vezes incomodado, tende a ser intolerante com as diferenças e não consegue demostrar capacidade de conviver com uma pessoa desigual ao padrão, fazendo assim comentários destrutivos. Com a autoestima abalada, devido aos discursos midiáticos do corpo magro que exigem uma padronização muitas vezes impossível de ser alcançada devido às várias características do biótipo, a pessoa gorda é capaz de se sacrificar para conseguir alcançar o prometido corpo ideal do padrão de beleza visto na capa de revista e mais aceitável na sociedade. Mesmo com todas as narrativas e discussões sobre o tema de se aceitar, de se amar e ser responsável por si, às vezes os discursos das blogueiras não são suficientes para ajudar aquelas que as seguem. Não que eles sejam ineficazes, mas muitas vezes as

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palavras de outras pessoas podem ferir e abalar o emocional de maneira tão negativa que os danos são irreversíveis. Neste ponto observamos uma problemática, uma possível quebra de laços, a falta do capital social e a falta de interatividade e participação da leitora. Conforme fala Costa (2004) em relação ao capital social “É fato que a confiança é mais facilmente destruída do que construída e que sua produção não é sem custos, requer investimento, pelo menos de tempo e esforço” (COSTA, 2004, p. 70). Como podemos entender nesse texto, Costa fala sobre o capital social que ele precisa de investimento de tempo e esforço; mas um indivíduo fragilizado também precisa reestabelecer sua confiança e para isso precisa de tempo para se refazer e aumentar a responsabilidade sobre si.

3.4.1 Exemplo

Para exemplificarmos o dano de uma palavra vinda do outro, iremos apresentar um caso noticiado não somente pelas redes sociais, mas também pela mídia jornalística e televisiva, de uma mulher que morreu após perder 45 quilos. Conforme o site de notícias do jornal Extra40 do dia 14 de julho de 2015, Cintia Cunha, 37 anos, após ter sido humilhada devido ao seu peso por um desconhecido nas redes sociais, ela se desequilibrou emocionalmente e, em fevereiro de 2015, pesando 115 quilos, Cintia Cunha procurou uma nutricionista, mas percebeu que os resultados do emagrecimento iriam demorar. Começou por conta própria uma dieta diária de 400 calorias. No decorrer da dieta, em março, já com a imunidade baixa, foi diagnosticada com anemia e, ao longo do tempo, de março até julho, chegou a ser internada várias vezes. Foram diagnosticadas além da anemia, infeções, pneumonia, problemas no fígado e no coração. Em abril, Cintia chegou a fazer um vídeo enquanto tomava uma bolsa de sangue no hospital e publicá-lo em sua rede social, e nele dizia assim:

Um dia, uma pessoa me falou que eu não seria ninguém se fosse gorda. E aí o que aconteceu? Emagreci 45 quilos em menos de seis meses. E o resultado é esse: vivo internada na UTI, doente e com risco de vida. Temos que procurar nos amar como somos. Se alguém quer emagrecer, acho que tem que fazê-lo por causa da saúde, e não motivado pela opinião alheia. (CUNHA, 2015)

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http://extra.globo.com/noticias/brasil/mulher-morre-apos-se-submeter-dieta-radical-perder-45-quilosem-menos-de-seis-meses-16753502.html

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Cintia Cunha veio a falecer dia 12 de julho de 2015 por falência múltipla dos órgãos. Cintia era usuária das redes sociais, era seguidora de algumas blogueiras que falam sobre a aceitação do corpo e frequentava grupos sobre emagrecimento saudável e grupos de autoestima para pessoas que estão acima do peso e um dos motivos que impulsionou a repercussão da notícia dentro das redes foi o fato dela ser conhecida em alguns grupos. Keka Demétrio postou em sua fanpage dia 17 de julho a seguinte chamada para o artigo em seu blog: “Estar fora de um padrão que se julga aceitável pela sociedade pode criar feridas que talvez nunca se curem de fato.” No artigo do blog Tempo de Mulher da Keka Demétrio intitulado “o preconceito mata”, o outro o tempo todo se faz presente, principalmente na citação acima. O outro pode ser então a sociedade, também é a pessoa que falou tais palavras que marcaram a vida de Cintia. Por mais que se lute em ser aceito, feridas são feitas ao longo do tempo, elas cicatrizam, mas ficam marcas. Keka Demétrio comenta em seu texto no blog “Tempo de Mulher” sobre a corpolatria e que atualmente é um dever fazermos dieta e praticarmos exercícios físicos. E que a sociedade mais cedo ou mais tarde “nos cobra com juros e correção monetária” pelo fato de não seguirmos o padrão de corpo, e que ser magro é a receita para sermos felizes e bem-sucedidos, conforme dissemos no primeiro capítulo desta dissertação ao citarmos Prado (2013) em relação aos “mapas rumo ao sucesso”. “Grande engano”, comenta Keka, "O mais terrível disso, é que essa cultura tem feito aumentar os casos de transtornos alimentares. Nunca antes se falou tanto em obesidade, compulsões, anorexia e bulimia. Perde-se peso e a saúde física e emocional." (DEMÉTRIO, 2015) A questão de cuidar do corpo passou a ser parte do cotidiano social, e devido aos meios de comunicação como revistas, o corpo magro tornou-se o padrão social de beleza. O olhar e a palavra do outro fere, pois quem é gordo deixa de frequentar determinados lugares pelo simples fato de estarem acima do peso, pois, como diz Keka, um simples “olhar de desaprovação é um dedo apontando na cara berrando o quanto eles te chamam de preguiçoso, desleixado, feio e indisciplinado”. Nesse parágrafo vemos o quanto a sociedade atual é preconceituosa com o gordo, isso sem exageros, pois é exatamente assim que é visto o corpo gordo, conforme Vigarello diz em seu livro, é mais um estigma que o corpo gordo sofre diante a sociedade, de “viver com um corpo rejeitado” (VIGARELLO, 2012, p. 341). Pois nesta obra é mostrado que o sofrimento e a impotência

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de ter um corpo excluído pela sociedade fez com que o gordo perdesse até mesmo a sua identidade pelo fato de sua condição corporal não se encaixar em padrões sociais não somente de nossa época, mas sim de uma construção que vem se formando de séculos anteriores. Como podemos exemplificar com o texto de Keka Demétrio que termina com os seguintes dizeres: "Ser forte o suficiente para assumir seu corpo e cuidá-lo como bem entender deveria ser regra, mas a sociedade faz questão de tomar para si esse papel e ir, aos poucos, adoecendo seus gordos com doses homeopáticas de preconceito." (DEMETRIO, 2015) Ao se tratar do caso da Cintia em si, questionando a citação de Keka, não sabemos desde quando Cintia sofria com seu peso, a questão é que ela foi forte para aguentar o preconceito da sociedade que não vem em doses homeopáticas, e sim cavalares. Cintia foi forte em querer lutar, mesmo de maneira errada ela reagiu de alguma forma. Desde a adolescência sofrendo bullying, dificuldade em arrumar namorado, dificuldade em conseguir roupa e trabalho já é o suficiente para ser forte em uma sociedade discriminante. A professora em sociologia e militante feminista contra a gordofobia, Bruna Giorjiani de Arruda, 30 anos, que fundou a fanpage Senhorita Gorda com 5772 seguidores, já foi vítima de um caso que repercutiu na mídia sobre ter sido reprovada em um exame médico adicional para o cargo de professora por ser obesa. Também escreveu em sua página na rede social sobre o caso de Cintia em um texto intitulado “Gordofobia mata!” Assim como tantos outros preconceitos, a gordofobia também mata. Quando Cintia desenvolveu seu transtorno alimentar (tratado pela mídia apenas como regime radical), certamente foi tratada como vitoriosa. Imagino que ao emagrecer 45 quilos foi parabenizada muitas vezes, afinal vencedor é aquele que consegue emagrecer. (ARRUDA, 2015)

Percebemos que, no discurso de Bruna, fica claro que a mídia tenta amenizar a situação trocando as palavras transtorno alimentar para regime radical para deixar mais “leve” o assunto. Pois a questão do transtorno alimentar é considerado como uma doença causada por distúrbios psiquiátricos. A questão de ser tratada “como vitoriosa” por ter perdido peso tão rapidamente e tentar se adequar ao modelo de padrão em nossa sociedade é motivo de elogios, superação de limites, como se fosse uma atleta que vence seus desafios.

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A morte de Cintia, assim como a morte de tantas adolescentes (a primeira causa de morte entre meninas de 15 a 24 anos são os transtornos alimentares) é

alarmante. Não representam senão a morte pela futilidade, a morte pelo padrão. A morte injusta de quem não bastou por si só para a existência e teve que dar a própria vida em nome do que deseja a sociedade. (ARRUDA, 2015)

A informação que Bruna transcreve em seu texto sobre a primeira causa de morte sobre transtornos alimentares em adolescentes é um dado universal, mas não é uma referencia brasileira. Quando ela fala sobre transtorno alimentar, isso significa anorexia, compulsão alimentar, bulimia, orthoxia, vigorexia. Sobre afirmar que é a principal causa de morte são esses transtornos alimentares, acreditamos que Bruna se baseia em dados internacionais, conforme nossa pesquisa esse dado é do Centro Nacional de Informações sobre Transtornos Alimentares do Canadá (Nedic41, na sigla em inglês) que indicam que as incidências mundiais de mortes relacionadas à anorexia em mulheres entre 15 e 24 anos é 12 vezes maior que qualquer outra causa nessa faixa etária (MORGAN, 2009). No Brasil, as maiores causas de morte entre meninas e adolescentes nesta faixa etária de idade são: acidentes e homicídios (morte violenta) e suicídio, conforme pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP), da USP 2011, conforme informação abaixo.

Acidentes e violência corresponderam a 15,4% dos óbitos. No Norte, 12%, e Centro-Oeste (18,9%). Em 57,3% das ocorrências, a mulher tinha menos de 30 anos. Nordeste e Sudeste destacaram-se neste tipo de óbito, e em todas as capitais o total ficou em 39,3%. Em 44,6% dos casos, as mortes ocorreram entre 15 e 24 anos. (JANES, 2011)

A socióloga Bruna continua seu texto comentando sobre a luta contra o estigma que o corpo gordo traz, ou seja, a gordofobia. Comenta sobre a autoaceitação e que ser gordo não é doença. Ela conclui seu raciocínio dizendo que hoje as pessoas só são aceitas pela sociedade se emagrecerem e que o gordo que emagrece é vitorioso e que isso só fomenta mais a discriminação contra os gordos.

Crer que uma pessoa gorda só se mostrará responsável e vitoriosa após emagrecer é manter um ciclo de injustiças e discriminações que colocam grande parte da população como inferior pelo simples capricho dos que desejam que todos sejam iguais. Meu corpo, minhas regras. (ARRUDA, 2015)

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Nedic - National Eating Disorder Information Centre www.nedic.ca

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Na Fanpage Precisamos falar de Gordofobia, com 7.167 seguidores, Thalita Braga Martins de Paiva, 28 anos, uma das administradoras da fanpage e admiradora do estilo prosa poética fez uma homenagem a Cinta em forma de poesia:

Cíntia era gorda. Cíntia era positiva. Cíntia era bem resolvida. Cíntia tinha uma autoestima de dar inveja a muita gente. Cíntia ouviu de um homem que não conseguiria nada na vida sendo gorda.

Quando Cíntia decidiu emagrecer, ela tinha o mesmo peso que eu tenho hoje. Cíntia tinha problemas de saúde antes de tentar emagrecer. Era hipertensa e diabética. E poderia ter emagrecido de forma saudável, se seu objetivo fosse tratar sua saúde. Mas seu objetivo era emagrecer pra ser alguém, porque disseram a ela que, sendo gorda, ela não poderia ser alguém. Gorda não pode ser alguém. Gorda não pode ser. Gorda não pode. Gorda não. Cíntia morreu antes de nós e depois de muitas. Cíntia morreu pelo que nos matará um dia e pelo que já matou muitas. Porque gordofobia humilha, dilacera e mata. Tha Lita

Percebemos um desenho estético da poesia, começando com palavras pequenas e depois maiores, e ao final faz o mesmo desenho ao contrário de palavras grandes a pequenas. Houve da parte de Tha Lita um reconhecimento pessoal com o caso da Cintia quando ela disse que ela tem o mesmo peso que ela quando resolveu emagrecer. Isso aponta também que o discurso do outro poderia ter afetado ela, já que Cintia, como Tha Lita, tinha autoestima e eram bem resolvidas. O que levanta dúvidas é que se Cintia fosse realmente bem resolvida, positiva e tivesse a autoestima de dar inveja, será que iria se deixar abalar por um comentário de uma pessoa que não a conhecia e ser tão determinada a emagrecer a ponto de encarar uma maratona de dieta pesada para mostrar para ou outro que ela é capaz de emagrecer e ser alguém? Ao final do poema Tha Lia diz que “Gorda não pode ser” e diz que o que matou Cintia foi o preconceito e que a gordofobia fez mais uma vítima e fará outras.

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No Blog Não Sou Exposição comenta o caso de uma maneira mais suave. O texto foi replicado na fanpage Coletivo Anti-gordofobia que aborda a gordofobia e o ativismo Gordo dentro do feminismo. Não são raras as histórias de pessoas que comprometeram a saúde em nome de um emagrecimento repleto de riscos e de modo abrupto. A Cintia sofreu danos físicos… Mas praticamente diariamente recebo relatos de pessoas que sofrem riscos emocionais e mentais muito graves por causa de um comentário, por conta da opinião das outras pessoas, porque foram rejeitadas pelos parceiros, porque sofreram pressão dos pais, porque não conquistaram uma vaga de emprego unicamente por não serem MAGRAS como a sociedade dita, cobra, insiste que sejamos... Você acha que você é o seu corpo e que seu valor reside na sua aparência? (NÃO SOU EXPOSIÇÃO, 2015)

Percebemos que o comentário fala sobre a rejeição social por não ter um corpo que a “sociedade dita”. Muitas pessoas sofreram e sofrem emocionalmente por isso e Cintia, após os danos emocionais, também sofreu danos físicos. Fica clara a tentativa de suavizar uma situação limitando-a em danos físicos, os quais levaram ao óbito da Cintia. Para Cintia chegar ao ponto da decisão em fazer uma dieta restrita de 400 calorias à base de sucos que prometem desintoxicar o organismo, o “emocional” e o “mental” dela já deveriam estar bem abalados. Nota-se também que Paola foi a única que no texto não comentou sobre a “gordofobia” propriamente dita, mas sobre temas que envolvem esse tipo de preconceito, como, por exemplo, a rejeição familiar e a rejeição social, principalmente a questão da empregabilidade de pessoas gordas. Tudo por causa da questão estética, da aparência física. Claudia Ferreira, produtora da “A mais Bela Gordinha do Brasil” com o total de 14.588 seguidores em sua fanpage comenta o caso de Cintia: Quando fazem as piadinhas maldosas ninguém se importa se vai afetar ou não a pessoa!!! Pra começar, a cobrança já parte de dentro de casa, na maioria das vezes, mas ninguém pára e pergunta ou quer saber, pq a pessoa engorda tanto. É só comida????? Não!!! Tenho certeza que não!!! Parece que o amor e o respeito ao próximo a cada dia acaba. As pessoas estão cada vez mais egoístas!!! Só pensam em si e o resto que se dane!!! É triste ter que se deparar com histórias trágicas como esta e ao mesmo tempo revoltante por saber que um ser indigno lançou a mensagem negativa/preconceituosa para esta jovem linda!!!! Eu sou uma Gorda Forte o suficiente para aguentar qualquer tipo de piadinhas idiotas, mas nem todas são e por isso eu temo que minhas Gordinhas deparem como pessoas assim, tão vazias. É lamentável o ocorrido. Espero que as pessoas pensem muito bem antes de lançar as INFELIZES PIADAS, seja qual for o tipo de preconceito... Se gorda, gordo, magro, negro, enfim, PAREM! Chega!!!! #GordasUnidasJamaisSeraoVencidas (FERREIRA, 2015)

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Claudia Ferreira faz parte do movimento Plus Size, apesar de não ser explicitamente militante da causa antigordofobia, mas agir de forma a favorecer e lutar pela autoestima da mulher gorda. Sua narrativa é mais leve e suave, sem falar especificamente de preconceitos. Ela realça a presença da fala do outro em nossas vidas. Como as pessoas precisam estar emocionalmente preparadas e fortes para ser gordas em uma sociedade que tem dificuldade em aceitar um corpo diferente do midiático. Claudia deixa clara a presença do outro, a alteridade na fala em relação às “piadas maldosas” já que se enfrentam problemas dento da própria família e fora dela. A falta de respeito entre os outros. Claudia fala mais abertamente e aponta um problema social de uma pessoa não conseguir aceitar outra pelo fato de ser diferente. E o fato de umas serem mais fortes que as outras para poder suportar este peso emocional que é ser diferente. Quésia Almeida, 26 anos, com 20.664 seguidores, publicitária e modelo plus size. Dona de uma autoestima imensurável – ela se intitula diva. Ela defende muito a autoestima e o amar-se em qualquer situação. Sobre o caso da Cintia, Quésia fez um vídeo de aproximadamente 6 minutos que, até o dia 11 de agosto de 2015, teve 145.541 visualizações, dando maior enfoque a amar-se e não dar ouvidos ao que os outros falam, de como superar dificuldades enfocando principalmente a autoestima. Diferente dos discursos anteriores que falam sobre gordofobia, Quésia estimula suas seguidoras a não dar ouvidos ao que os outros dizem e também fala no depoimento sobre sua história. Ela comenta sobre bullying e preconceito, mas os focos principais em sua fala são de superação, de se amar e respeitar os limites. Já que Cintia veio a óbito pois não respeitou os limites de seu corpo. Quésia diz em seu discurso: você pode ser o que você quiser independente do seu estado físico. Gorda, magra, loira, branca negra, careca, aleijada, cega [...] Você pode ser o que você quiser, basta você querer [...] Tudo está dentro de você. Isso aqui (referindo-se ao corpo) é só uma pele, uma capa. [...] Não deixe que ninguém venha falar palavras para te ofender. Então você se ame, se valorize. Corre atrás de você! Corre atrás, corre atrás!! Corre atrás se abrace, se ame! Se ame!! Você tem que se amar! Por que se você não se amar, ninguém vai fazer isso por você, não! Só Deus que te ama, só Deus. Então se ame, se aceite, se respeite. Respeite seu corpo. Respeite seu limite. Se ame! Se ame! Se aceite! [...] Cuide da sua autoestima, cuide do seu eu. Cuida do seu eu. Pare de dar ouvido as pessoas que ficam falando [...] besteira. Eu sou gorda sim. EU SOU DIVA, meu bem! Eu sou maravilhosaa!! Como muito outras gordinhas maravilhosas que existem neste mundo! Então flor, se ame! E eu espero que este vídeo da Cintia que ela fez sirva de exemplo para vocês, tá? Por que assim: é muito triste você ver uma pessoa tão linda, sabe, uma pessoa tão maravilhosa indo embora por preconceitos, né? Muitas pessoas dizem que bullying é palhaçada, né não!!! É isso aí que acontece. Né não, né não

141 Então eu espero que sirva de exemplo para você e para muitas pessoas aí que não se cuidam, né e não se amam o suficiente para procurar um nutricionista, um médico, então você tem que se amar e se cuidar e primeiramente se respeitar. Respeite o seu limite, tá bom? Um beijo plus pra vocês, fiquem com Deus e até mais. (ALMEIDA, 2015)

O que percebemos em todos esses discursos são as variações sobre o mesmo tema mas com enfoques diferentes: Keka Demétrio tem um discurso mais focado em um padrão social em relação ao culto ao corpo que é a corpolatria, ser forte para superar a questão do preconceito da sociedade em relação ao corpo gordo. A socióloga Bruna Arruda focou na questão da gordofobia (preconceito): somente é vitorioso aquele que se encaixa nos padrões sociais. Tha Lita comenta poeticamente sobre a baixa autoestima, a identificação entre ela e o biótipo de Cintia e o fato de que socialmente não se pode ser gorda. Paola se refere aos danos físicos e danos emocionais e sobre como as pessoas lidam com a sociedade. Claudia Ferreira comentou ser uma “Gorda Forte” ou seja, a autoestima forte para poder aguentar piadas debochadas. E para finalizar, Quésia deixou claro em todo o seu discurso uma história de superação e amar-se acima de qualquer coisa para manter a autoestima alta. Colocamos em reflexão exatamente essas narrativas que não foram suficientes para que Cintia fosse forte e capaz de não dar ouvido a um comentário que quem é gordo sempre ouve: “Você não vai ser ninguém se for gordo”, ouvir comentários assim e outras indiretas fazem parte do discurso de pessoas que não acreditam que uma pessoa gorda é capaz. Percebemos vários pontos que não foram abordados pelas blogueiras. Podemos tentar analisar o poder da palavra proferida através dos discursos das blogueiras e uma palavra proferida do outro ter mais “persuasão” para influenciar ou mover sentimentos. Não podemos exigir da Cintia ou de qualquer outra pessoa essa “fortaleza” implícita nos discursos de autoestima. “Não deixar se abalar por palavras”. Não sabemos que tipo de representação tinha esse outro na vida dela. O quanto ele era importante (ou não) para abalar o emocional de Cintia, não podemos julgá-la de não ser forte, de não ter a autoestima elevada pois não sabemos nada sobre o estado emocional dela. Não sabemos de nada sobre Cintia, aqui analisaremos somente a repercussão do caso entre as blogueiras, seus discursos e de quais formas iremos abordá-los. Sabemos portanto que a palavra do outro sobre Cintia teve mais poder do que as palavras das blogueiras. Conforme Foucault fala em “O Governo de Si e dos Outros”, todos têm liberdade de oratória – o que ele chama de parrésia – mas esse poder avassalador que a palavra tem

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pode ser cruel, o que coloca em análise o poder das palavras das blogueiras e o poder da palavra do outro. “O exercício de uma palavra que persuada os que são comandados e que num jogo agonístico dê liberdade aos outros que também querem comandar é, a meu ver, o que constitui a parrésia.” (FOUCAULT, 2010, p. 98) Podemos perceber o jogo entre as palavras das blogueiras versus a palavra do outro (podemos interpretar este outro como uma pessoa, as influências da mídia e a influência social em cima de um corpo). Amar seu corpo fora dos padrões e lutar pelo seu espaço ou ter um corpo dentro dos padrões para ser alguém. O poder da palavra para Foucault não é um poder soberano e nem tirânico, mas ela tem o poder de persuasão, o poder de convencer alguém a tomar uma determinada atitude. Com, é claro, todos os efeitos que são associados a tal luta e a tal situação. Primeiro: que a palavra que você pronuncia não persuada e que a multidão se volte contra você. Ou ainda, que a palavra dos outros, à qual você cede lugar ao lado da sua, não prevaleça sobre a sua. É esse risco político da palavra que dá liberdade a outras palavras e se atribui como tarefa, não dobrar os outros à sua vontade, mas persuadi-los. (FOUCAULT, 2010, p. 98)

Percebemos que o poder de persuasão da palavra dita por uma pessoa pode ter levado Cintia a tomar sucessivas atitudes que a levaram ao enfraquecimento emocional e físico. Ela deu maior importância à palavra do outro e não fez prevalecer a sua. Para Foucault, o sujeito é sempre resultado de uma prática, ou seja, o sujeito é fabricado dentro das regulações sociais. Neste sentido, não somente a palavra proferida, mas todos os discursos midiáticos relacionados ao corpo fortalecem a determinação do controle sobre o mesmo. Como vivemos em uma sociedade com normas instituídas, o não cumprimento delas faz com que o sujeito seja rotulado dentro da verdade e liberdade construídas pela sociedade que o pune pelo fato de ele não pertencer ao padrão estabelecido. Mediante este cenário a palavra induz o sujeito a se encaixar dentro do modelo social de corpo.

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Discurso midiático X Discurso das Blogueiras

Figura 52: Discursos midiáticos X Discursos das blogueiras.

Percebemos então que a palavra quando se coloca em discussão entre as narrativas do “ame-se” das blogueiras, da autoestima, do “meu corpo minhas regras” das feministas versus o “emagreça e tenha um corpo perfeito” das revistas e barriga zero, o ganhador, conforme Foucault, é aquele que possui a “verdade e a eficiência na sua persuasão”. Mas qual verdade? Essa vai depender do que vive cada indivíduo. Ao voltarmos aos discursos das blogueiras, Keka Demétrio faz menção à corpolatria. Pela ótica do mundo plus size, observamos que ao estudarmos o universo que o corpo gordo habita, olhamos para um mundo diferente, que é diferente do que estamos acostumados a ver no mundo midiático do corpo. Estamos vivemos mais do que nunca o fenômeno da corporeidade onde se ultrapassa os limites para conseguir um corpo dito pelo padrão como perfeito. O fenômeno corpolatria é tão evidente que a partir do

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momento em que uma pessoa adquire uns quilos a mais, mesmo dentro de um padrão, automaticamente, dentro de um imaginário social de beleza, começa a se flagelar com dietas mirabolantes com números irrisórios de calorias e sem base nutricional nenhuma; exercícios físicos extremamente agressivos que beiram a treinamentos militares de guerra, chegando à fadiga física e muscular, e desrespeitando os próprios limites mentais e do corpo. Tanta fé na vivência desta corpolatria que ultrapassa o limiar saudável e evoca o sofrimento em busca do padrão de beleza que atualmente é visto positivamente como superação de limites.

Nessa luta cotidiana contra o contumaz desajustamento corporal, não é raro que ocorram exageros. Em casos extremos, lamentavelmente cada vez mais frequentes, essa busca tão desesperada pela boa forma corporal é capaz de incitar até mesmo a destruição do organismo. Os esforços por cinzelar a própria carne de modo a circunscrevê-la nos moldes da boa imagem podem ter consequências imprevistas: em vez de se adaptar às medidas desejadas, o corpo humano pode evidenciar violentamente seus limites e quebrar-se ou, inclusive, morrer. (SIBILA, 2010, p. 199)

Cintia era capaz de ser alguém com o corpo que ela tinha sem passar por tamanhos sacrifícios que rendeu sua vida. Uma dieta de 400 calorias diárias era aproximadamente o que se comia nos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial, um regime que variava de 200 a 700 calorias diárias (NYISZLI, 2011).

3.4.2 Exemplo de Felicidade Em nossa pesquisa, ao visitar o blog Gordiva de Claudia Rocha, só vimos a replicação da matéria do jornal Extra, mas o que chamou a atenção foi o depoimento de uma leitora:

tenho 44 gordinha infeliz, sinto vergonha de mim, incapaz de ser amada por alguém, maioria que tenta se aproximar acha que sou pacote de bolacha, para ser comida depois jogada como tivesse vencida, por este motivo, não me envolvo com ninguém, nem mesmo saio de casa, me sinto um nada cheio de banha, fui muito humilhada por vários preconceito, as vezes me pergunto nunca encontrarei alguém que me olhe com outros olhos, prefiro ficar solteira infeliz, do que ser um objeto de desejos

Estamos diante de um depoimento que é comum na maioria das pessoas que sofrem por estar acima do peso. Durante o tempo em que analisamos os discursos das blogueiras, percebemos a infelicidade que ter um corpo gordo é capaz de trazer. O que nos traz de volta para nossa reflexão em relação ao assunto da Cintia: pode-se levantar a

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hipótese de que a infelicidade com o corpo dela a levou à procura do imediatismo em busca da felicidade em relação ao corpo perfeito. É explicito que nesse depoimento a leitora se põem em uma posição de vítima e apresenta falta de autoestima, ao se comparar com uma bolacha vencida, ter vergonha de si própria, prefere ficar “solteira e infeliz”. Apesar de uma certa dose de “coitadismo”, não devemos ignorar um depoimento deste mediante a gravidade do assunto que foi o caso da Cintia Cunha. A pessoa acuada diante de tanta marginalização devido ao seu peso chega e incorporar tantos defeitos físicos e até ver coisas que não existem nela mesma que ela fica doente emocionalmente e depois fisicamente. A sociedade aponta que não percebe e as acusa de fazer papel de vítima. No blog “Mulherão”, fundado em março de 2009, a autora Renata Poskus Vaz narra em um de seus textos sobre “A Gorda Coitadinha”, que tudo o que acontece com uma mulher é porque ela está gorda, se perdeu o emprego é porque está gorda, se os amigos se afastaram é porque está gorda, o namorado deixou é porque está gorda. Quanto mais eu choramingava, mais era acalentada pelos que me cercavam. E esse carinho e piedade alheia, alimentavam cada vez mais o meu complexo de vítima. Ser a gorda coitadinha tem lá suas vantagens. Mas a realidade é que ninguém aguenta gente chata por muito tempo do lado. As pessoas te consolam, te apoiam, mas paciência tem limite. E aí você se enxerga em uma encruzilhada. Ou você levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, adotando uma postura positiva e feliz, ou vai viver isolada, sem amigos, depressiva e infeliz. Ver a vida de forma positiva nos permite conquistar novos amigos, amores, trabalhos, experiências… Não é nossa circunferência que nos isola do mundo, mas a forma como olhamos para nós mesmas e como nos mostramos para o mundo. (POSKUS, 2014)

Neste texto, o que percebemos é que às vezes o gordo se coloca no lugar de vítima e de autoindulgência, isso pode trazer vantagens para ele, mas não necessariamente ocorre. O fato de não ter um corpo dentro do padrão de beleza social não exclui ninguém de ser feliz e de tomar atitudes em relação ao seu bem-estar social, começando com pequenas atitudes e sendo responsável pelo seu corpo. No caso de Cintia, por exemplo, ela procedeu de maneira incorreta e sua postura em relação à perda de peso rápida prejudicou sua saúde. Fazer o papel de vítima tem seus ganhos, mas tomar atitudes frente a um problema pode ser um processo lento, penoso e nada garantido de que as coisas possam melhorar. A busca imediata pela felicidade torna-se hoje praticamente uma obrigação, conforme João Freire comenta em seu livro “Ser Feliz Hoje”. Estamos “na era da

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felicidade compulsiva e compulsória” (FREIRE FILHO, 2010, p. 17) e isso se reflete na sociedade que cobra um corpo perfeito, como comenta Gilberto Velho “portanto, a ideia de felicidade desenvolve-se num quadro sociocultural em que a interação e o olhar e julgamento dos outros é fundamental” (FREIRE FILHO, 2010, p. 229). A felicidade não está em um corpo perfeito, pois tal corpo pode até ser mais aceito pela sociedade, mas isso não implica na felicidade emocional. Mas a satisfação vem através do corpo. Conforme Joel Birman comenta em seu texto Muitas Felicidades?! O imperativo de ser feliz na contemporaneidade: “O sujeito deve ser feliz acima de tudo” (2010, p. 27) já que a felicidade se transformou em um imperativo dentro da nossa contemporaneidade e tal felicidade vem através do corpo, para quem a alma perdeu o lugar. A felicidade passa pelo registro do corpo, pois é ele que regula os prazeres e desprazeres psíquicos e morais. Socialmente, a busca da felicidade vem através do corpo, mas ele precisa ser um corpo aceito pela sociedade, e o corpo aceito socialmente é um determinado tipo de corpo, com vários adjetivos como sarado, malhado, magro, fino, rígido, dentre outros, e somente este corpo lhe trará felicidade, conforme Paula Sibila: ter um “corpo perfeito” é um bem de valor contemporâneo, “como a autoestima e a felicidade, a carne humana é obstinadamente submetida a um conjunto de técnicas de modelagem corporal, que demandam enormes doses de esforço, tempo e dinheiro” (FREIRE FILHO, 2010, p. 197). Todos esses autores levantam uma crítica a essa felicidade que vem através do corpo, assim como encontramos nos discursos das blogueiras, a felicidade não está no corpo, é mais uma questão de se aceitar e buscar a autoestima independente do corpo que se tem. O mesmo discurso vemos nos blogs militantes em relação à afirmação social de um corpo e à liberdade de escolha de ter o corpo que quiser. Existem vários fatores que interferem na presença desse imediatismo de felicidade em relação ao corpo. Como citamos anteriormente, a presença do olhar do outro, a alteridade nos relacionamentos sociais e a identificação com os discursos das blogueiras. As blogueiras, em suas postagens, tentam sempre inserir algo sobre a autoestima, do amar-se, de sair de uma posição de vítima e aceitar-se com a intenção de que suas seguidoras busquem melhorias internas (emocionais), para depois melhorar seu corpo, respeitando sempre seus limites e buscar esta harmonia entre corpo e emocional de uma forma saudável. As pesquisadoras da área da psicologia Teresa Freire e Dionísia Tavares comentam que a autoestima está diretamente relacionada a indivíduos felizes:

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A autoestima foi identificada como uma das características mais associadas aos indivíduos mais felizes. A evidência empírica revela que essa característica individual poderá estar associada, quer a resultados negativos como a ansiedade, a depressão e a agressão, quer a indicadores de funcionamento positivo. Apesar de alguma controvérsia no estudo da autoestima, a sua definição é mais ou menos consensual. A autoestima é definida como a avaliação afetiva do valor, apreço ou importância que cada um faz de si próprio. (FREIRE; TAVARES, 2011)

Sobre isso, Freire Filho (2010) comenta que estar feliz não deixa de ser vital, pois a felicidade traz consigo subprodutos como: aumento do sistema imunológico, melhora aspectos da vida sexual, ajuda a lidar com o estresse, prolonga a expectativa de vida, dentre outros pontos positivos sobre a busca da felicidade e a psicologia positiva não precisarmos ir muito além das verdades intuitivas do senso comum – ‘em cada parte dos conselhos de nossas bisavós existe uma semente de verdade’ (LYUBOMIRSKY, 2008, p. 73) – reverberando formulas do bem-viver ou máximas de sabedoria já compiladas por profissionais da autoajuda: ‘saboreie as alegrias da vida’; ‘aprenda a perdoar’; ‘se você sorri o mundo sorrirá para você’. (FREIRE FILHO, 2010, p. 59)

Percebemos que nas postagens das blogueiras elas buscam e mostram o tempo todo que a felicidade (ou a autoestima) depende mais de fatores internos do que externos, depende do comportamento que as leitoras têm em suas dificuldades do cotidiano. Nessa situação, o papel das blogueiras se direciona para impulsionar a autoestima de suas leitoras para que elas tomem partido de si. Em algumas postagens notamos que a mensagem a ser transmitida depende das mudanças internas da pessoa que lê, ou seja, a felicidade de cada uma só depende dela mesma, devolvendo-lhe, assim, a autonomia de seus atos, ou seja, elas são responsáveis pelo seu próprio bem-estar, como iremos exemplificar abaixo. Na fanpage “Sou Gordinha Sim”, uma foto com a atriz americana negra e gorda Mo’Nique, ganhadora do Oscar de melhor atriz coadjuvante, foi publicada com a seguinte frase: “Eu sou digna de ser feliz! Por isso vou ser forte e lutar pela minha felicidade.”

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Figura 53: Mo'Nique em Sou Gordinha Sim.

Nessa foto, o fato da atriz Mo’Nique ser gorda não acarretou nenhum problema para ela conseguir alcançar a felicidade, nessa frase ela buscou mostrar que um corpo fora dos padrões da mídia não impediram de a atriz ser determinada e realizar seus sonhos, tanto que conseguiu ganhar o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2010 com o filme Precious. Podemos analisar que independente de quem você seja você pode lutar pela sua felicidade. A imagem tende a transmitir para a seguidora da página que existe sim a possibilidade de ser feliz e alcançar seus objetivos. Na fanpage “Negahamburguer”, temos um desenho com o seguinte enunciado: “Aceitação do Corpo”, que mostra duas mulheres, uma com o semblante triste e uma corda amarrada em volta de seu corpo prendendo os braços na altura dos seios, com os dizeres “de fora para dentro”. No mesmo quadro, a outra mulher com um semblante feliz sorrindo e com a corda na transversal e os braços soltos como se fosse um colar com os dizeres “de dentro pra fora”.

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Figura 54: Negahamburguer em aceitação do corpo

No caso dessa imagem, a corda traz consigo um significado de estar presa aos padrões, a busca de um modelo de corpo que não é dela a frustra, pois além de não conseguir alcançar esse tipo de corpo, ela fica envergonhada e presa dentro de si mesma. A outra mulher do desenho já aparenta lidar melhor com o corpo, tanto que a corda que representa “estar presa” já está colocada na figura transversalmente, como se fosse um adorno, um colar. Ela soube lidar com a situação e com o seu corpo, as mudanças ocorreram de dentro para fora, por isso ela não se sente obrigada a pertencer a um padrão midiático de corpo. Na Fanpage “Grandes Mulheres”, a figura mostra a ilustração de uma mulher gorda com uma faixa cobrindo os seios e a púbis onde se lê Fat Fabulous42 e ao lado a seguinte frase de Demi Lovato: “se você não se ama com seus defeitos e imperfeições não pode esperar que ninguém mais ame”.

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No contexto da foto Fat Fabulous significa Gorda Fabulosa (nossa tradução)

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Figura 55: Fat Fabulous - Grandes Mulheres

A questão da autoestima é bem clara nessa imagem e frase. A figura mostra que ser gorda não é tão ruim, é até “fabuloso”. Essa postagem pretende transmitir que mesmo com defeitos ou imperfeições a necessidade de amar-se em primeiro lugar é importante, pois se ela não se amar, ninguém irá fazer isso por ela. Keka Demétrio postou um quadro com a seguinte frase: “Um dos maiores erros que cometemos é ficar brigando com a gente mesma. As boas relações também devem começar de dentro para fora”

Figura 56: Boas Relações começam de dentro para fora. Keka Demétrio

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Essa frase engloba não só a autoestima, mas a busca de um equilíbrio, autoconhecimento. A blogueira emite uma mensagem de que não adianta negar seu corpo, ou tentar transformá-lo em um padrão midiático, quanto mais ocorre a rejeição de si, menos as melhorias irão aparecer. Portanto, o melhor é buscar a serenidade, e a partir daí buscar melhorias, respeitando-se. Não só nesses blogs, mas em vários outros podemos encontrar exemplos como esses. São postagens que buscam alimentar a autoestima, a cada mensagem a seguidora pode se identificar, sentir-se afetada por ela, até ser persuadida pelas palavras das blogueiras, e isto pode trazer mudanças.

logos no sentido de palavra verdadeira, palavra sensata, palavra que persuade, palavra que pode se confrontar com as outras palavras e que só vencerá graças ao peso da sua verdade e da eficiência da sua persuasão um momento em que as mudanças começam a ocorrer. (FOUCAULT, 2010, p. 98)

Podemos entender que do mesmo modo que a palavra pode abalar o sujeito, ela também pode reconstruí-lo em relação à sua autoestima. As palavras das blogueiras servem como estimulo para que a leitora tente buscar novas formas de ver a si mesma. É valido dizer que qualquer desses sites, blogs ou fanpages voltados ao público plus size têm a intenção de o tempo todo estimular suas leitoras a refletir sobre si mesmas, avaliando o seu potencial, suas aptidões, trabalhando para a otimização de suas competências, procurar ser responsável por si, é sempre como uma forma de ajuda benéfica e saudável. Os laços entre as blogueiras e seguidoras podem ocorrer em vários momentos, pode ser no impacto da narrativa exposta nas mensagens por questões emocionais, por exemplo, dentre outros. As blogueiras estimulam a autoaceitação, o autoconhecimento e ajudam a ampliar a conscientização dos mecanismos de manipulação em relação às construções midiáticas em relação ao corpo, assim as seguidoras tendem a começar a se aceitarem e se reconhecerem como mulheres bonitas e saudáveis e também a serem mais donas de si, saber de suas vontades, o que querem e o que não querem, ou seja, há a valorização de si, a potencialização da autoestima e o cuidar de si, tema amplamente discutido por Foucault que fala sobre práticas de regimes em busca de um equilíbrio do corpo e das participações em movimentos religiosos e as praticas de lazer. Independente do biótipo de corpo, sendo gordo ou magro, alto ou baixo, a partir do momento em que você se ama e se aceita, as coisas começam a mudar para melhor.

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Figura 57: Mude suas ações, não as circunstâncias. Sou Gordinha Sim

O que observamos nas redes sociais é que na verdade existe uma necessidade de ser visto e ouvido o tempo todo, podemos interpretar isso talvez por uma carência emocional, por não se ter um corpo que a sociedade acolhe. Será verdadeiro que ter um corpo midiático é sinal de felicidade? A incessante busca pela felicidade, a necessidade de ser feliz parece uma obrigação social. Estar feliz com o corpo, com a profissão, com a vida em família e com relacionamentos amorosos tornou-se socialmente um dever. Postagens de fotos de momentos felizes, de pessoas sorridentes, de passeios alegres dão uma falsa impressão de que tudo e todos estão felizes. Uma felicidade plastificada é mostrada nas redes sociais. As blogueiras plus size, mesmo com um corpo fora do padrão midiático, demostram sempre serem bem resolvidas e felizes consigo mesmas. Contudo, isso não significa que as blogueiras nunca ficam tristes por terem um corpo fora do padrão, mas, por outro lado, demostram como lidam com essa dificuldade, sendo responsáveis por si mesmas, e não se vitimando o tempo todo pelo fato de serem gordas, já que, socialmente, o gordo não é aceito. A inquietude da busca pela felicidade, a inquietude da busca pela beleza, a inquietude de um corpo ideal, tudo isso nos remete aos “valores contemporâneos em relação ao corpo humano” (SIBILA, 2010, p. 204) e novamente estamos presos na

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disciplinarização de corpos, porém o movimento plus size aparece trazendo essa diversidade que não disciplina o corpo à submissão dos comandos sociais. O movimento plus size nos mostra que existe a necessidade de se lutar pelo direito à diversidade de formas corporais. Essa necessidade envolve a valoração e o respeito pelo outro, pelo singular e também o respeito pelo próprio corpo.

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DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa dissertação de mestrado, estudarmos os discursos dos blogs plus size e suas interações com as leitoras, percebemos o dinamismo deste tema extremamente atual, suas interações sócias e culturais com um indivíduo que possui um corpo gordo que é marginalizado há muito tempo mas que começa a emergir dentro da sociedade em busca de seu espaço. Somente após uma busca levantando vários pontos discutidos dentro dos blogs é que foi possível contribuir de alguma forma com a potencialização dos discursos das redes sociais ligadas ao corpo gordo. Para responder nossa pergunta sobre as características desses discursos plus size em relação a autoestima, optamos por observar e analisar empiricamente os blogs plus size, participar de eventos relacionados a este universo com a finalidade de entendermos o fenômeno mais de perto. Optou-se por não analisar um ou outro blog especificamente, mas um caso em particular que acarretou a questionarmos sobre a hipótese levantada, ou seja, o que podemos encontrar nos discursos da valorização da autoestima e de não se permitir ser atacada por normas reguladoras de padrões que afirmam que a forma do corpo deve o não seguir um determinado padrão. Mas antes de analisamos especificamente os blogs, buscou-se entender de o corpo na cultura e em diferentes momentos históricos, suas complexidades. Depois, esboçamos a noção de corpo vivido, falamos da predominância de discursos que defendem a importância de estar em contato com o próprio corpo, ama-lo, cuida-lo. Na revisão conceitual que fizemos, foi possível mapear as lógicas que defendem a exclusão do corpo gordo na nossa sociedade atual, como foi que isso aconteceu e porque chegamos a marginaliza-lo. Com base na narrativa de Vigarello (2012), percebemos a ascensão e a queda do corpo gordo. Na idade média o corpo gordo era considerado robusto, vigoroso, forte, um “urso” ou “leão” nas lutas e batalhas medievais. A beleza estava no corpo gordo, ele era gracioso, envolto de uma aura de realeza, tanto que o corpo magro era considerado uma figura sem graça, tanto corpo do homem quanto o da mulher. As preocupações relacionadas com a saúde era quando o corpo emagrecia rapidamente, a pessoa magra era considerada triste e a sociedade naquela época não se importava com sua presença, o que fazia este corpo ser invisível no convívio social. A queda da popularidade do corpo gordo começou no final do século XVIII para o século XIX com as evoluções médicas, químicas e fisiológicas em relação aos males

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que o excesso de gordura poderia vir a causar, junto com a exposição maior do corpo devido aos hábitos em relação aos banhos de praias e a consequente diminuição de tecido nas roupas, acompanharam o declínio do corpo robusto para dar espaço ao corpo magro que até os dias atuais é considerado como modelo a ser seguido. O corpo gordo começou a ser estigmatizado a partir do momento em que sua exposição fica maior até o ponto em que chegou a ser uma aberração. Considerado monstruoso, tornou-se atração de circo no século XIX e no século XX foi retirado do circo para ser um objeto de estudos médicos. Percebemos então a inversão de lugares, o corpo que era invisível era o magro no século XIV e no século XX para o XXI o corpo gordo se torna invisível e marginalizado pela sociedade. Diante este fato foi necessário entender como este padrão de corpo magro se tornou um ideal de beleza em nossa sociedade. Para tanto, tivemos que fazer um levantamento de como são as ocorrências dos padrões de beleza em diversas sociedades e observamos que a beleza está relacionada as questões culturais e sociais de um determinado pais, por isso ela é mutável conforme a região que investigamos. Para continuarmos com a busca de nossa resposta é afirmamos que as construções em volta do corpo sempre estiveram presentes para ambos os sexos, mas as exigências maiores sempre foram voltadas ao corpo feminino e isto é uma questão cultural. Nas narrativas de Vigarello (2012) o corpo feminino apresenta-se voltado as questões da moda e mais preocupado em relação a sua aparência. “Cintas, faixas e espartilhos” (2012, p. 134), o corpo feminino que o autor deixa transparecer em várias passagens do livro é que ele deve ser mais “leve e esbelto” (2012, p. 137) do que o corpo masculino. No Brasil esta investigação de seu por base de Sant’anna (2014) que nos mostrou com a antes de 1960 a beleza da mulher brasileira era submetida ao gosto masculino, o bonito era ter um corpo formato violão com as saliências bem distribuídas e a cintura fina, mas em 1960 com uma forte influência da moda a busca por um corpo magro ser torna a aspiração de uma sociedade, nem todos concordam em ter um corpo magro, mas as mídias da época, como jornais, revista e televisão mostravam que a magreza era associada ao estilo de vida de pessoas ricas e entre outros fatores além dos sociais, médicos e da moda, a gordura corporal deve ser elimina. A parti daí toda a construção de um padrão de beleza está direcionado ao corpo magro até os dias atuais. Desta forma, conforme nos mostrou o caminho de Sant’anna (2014) constatamos que o corpo magro o tempo todo está em evidencia, mas ele se torna um ideal quase que

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inatingível. Pela luz de Foucault podemos entender que a imposição deste ideal, é um corpo que o tempo todo sendo vigiado, observado, e socialmente são impostos limites e proibições do que deve-se ou não fazer com ele. Devido a isso, a busca pela liberdade corporal e as buscas incessantes atrás de um corpo cada vez mais magro, a insatisfação e a ansiedade de acompanhar o ritmo frenético de mudanças, fez com que algumas mulheres, que nunca se encontram em nenhum tipo de padrão estético mostrado pela mídia e determinado pela sociedade fossem vistas e ouvidas, entre eles, as mulheres detentoras de um corpo mais curvilíneo, denominadas como plus size. O corpo plus size, ou o corpo gordo é visto no Brasil a partir de 2009 e assim iniciou-se um movimento em prol desde corpo até então esquecido. Muitas mulheres aproveitaram o espaço das redes sociais para exporem suas ideias em relação ao seu corpo e de como elas estavam enfrentando os problemas do cotidiano devido a não pertencer a um padrão estético. A partir do ponto em que elas começaram a falar sobre aceitação do seu corpo e se verem bonitas independente do padrão exposto na mídia, muitas pessoas começaram a seguir essas mulheres pela s redes sociais. Muitas delas se destacaram e se tornam blogueiras profissionais dando mais ênfase ao movimento plus size e para a autoestima da mulher. Para entendermos melhor como essa ferramenta que é o blog conseguiu assumir um papel importante dentro do processo comunicacional, nos guiamos pelos estudos de Primo (2008) e assim percebemos como é o mecanismo mercadológico dos blogs. Dentro da nossa investigação, constatamos que o universo plus size não se limita apenas no ciberespaço, ele se estende em várias expressões e linguagens como na arte, fotografia, esculturas, eventos, encontros entre grupos e outras atividades que permitem a interação entre os membros deste universo. Esses espaços são de extrema importância para nossa investigação, pois é a partir daí se fortalecem os laços do movimento em si fora das redes sociais e fomentam assuntos para novas discussões dentro e fora das redes. As expressões fora das redes sociais, contribuem neste trabalho para entender que existem espaços de acolhimento desses corpos e a luta por espaços para que eles sejam vistos. A arte por exemplo é um meio em que o corpo gordo se mostra como belo e ao mesmo tempo é visto como forma de protesto questionando os padrões estéticos. No processo de investigação ao chegarmos na mídia televisiva, podemos perceber que o gordo começa a ter seu espaço, mas ao mesmo tempo em que é visto, este continua com o estereótipo do humor. Os papeis desenvolvidos por artistas gordos sempre passam

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pelos mesmos clichês como por exemplo personagens engraçados, comilões ou mesmo da moça sonhadora romântica que pelo fato de ser gorda, ou seja, não ser bonita, é o tempo todo desprezada. Um ponto importante que percebemos é que mesmo com a inserção do gordo na mídia televisiva, este corpo precisa seguir um padrão de um “gordo aceitável” ou como colocamos, um “gordo midiático” de modo que isso acaba sendo um fator excludente. No que se refere ao mercado da moda, constatamos a criação de um padrão de corpo gordo nas passarelas. A modelos devem ter sua gordura bem distribuída, possuírem uma firmeza de pele e vestirem até o manequim 50; forma-se então um padrão que exclui outros estilos de corpos. Dentro dessas configurações, o movimento contra o preconceito divide opiniões. Alguns militantes se posicionam contra o plus size pelo fato de achar que é um movimento puramente voltado a estética e excludente, e por outro lado existem os militantes simpatizantes que alegam que foi pelo movimento plus size que os corpos dos gordos começaram a serem mais vistos e aceitos em nossa sociedade. Sobre os movimentos dos militantes antigordofobia, reconhecemos vários pontos de discussão que envolvem o movimento plus size. A descentralização de um corpo magro e a inclusão de um corpo diferenciado, as questões sobre a mobilidade social, como por exemplo os transportes públicos e também as horas de lazer como os acentos do cinema entre outras discussões de políticas públicas que afetam diretamente a liberdade de escolha e de ir e vir do corpo. O movimento plus size pode se incluir junto aos militantes pois está relacionado em primeiro lugar com a aceitação sobre o corpo e a partir disso se pode lutar socialmente para inclusões sociais. O movimento plus size em momento algum exclui as questões políticas sobre o corpo, ele trabalha diretamente com a quebra dos paradigmas de que o gordo é relaxado e preguiçoso, faz com que ele saia da posição de vítima e desabroche para a enfrentar seus conflitos internos e crie uma conscientização de si. Isto posto, voltamos ao ponto problemático da nossa pesquisa que é a busca do modo pelo qual as blogueiras fazem para melhorar a emancipação das pessoas gordas e os discursos em volta da autoestima em busca de uma melhora do bem-estar emocional. Sobre os discursos das blogueiras plus size, parte fundamental desta pesquisa, ressaltamos o poder de gerar suas redes, a capacidade de cativar seguidores e os laços de afeição criados entre blogueiras e seguidoras, da dedicação a favor de uma causa, da aceitação do próprio corpo, das orientações de como fazer para superar dificuldades e ao

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mesmo tempo também expõem de como lidar com das exposições em relação ao mundo preconceituoso com o gordo. Importante ressaltar que este poder denominado de capital social (COSTA, 2005) é que as blogueiras deixam o tempo todo suas experiências cotidianas evidentes e isso traz uma sensação de proximidade com o cotidiano da leitora, quebrando um pouco da barreira de que ser famoso é ser intangível. Existe ai portanto um espelhamento do cotidiano, uma conexão mais real com a figura da blogueira. Acredita-se também que esta proximidade faça que a cada dia aumente os números de blogs. As pessoas estão carentes e apresentam uma necessidade de que o outro concorde com seus apontamentos e assim expõem seus problemas cotidianos. Ao mesmo tempo que querem ser vistas e ouvidas em busca de uma reciprocidade de ideias, buscam também a aceitação. A vontade de ser aceito é tanta que os indivíduos gordos fazem das redes sociais um lugar de acolhimento e acreditam que expondo seus sentimentos não serão julgados por terem um corpo fora do padrão social de beleza. Durante o processo desta dissertação, pudemos entender que o papel das blogueiras plus size como capital social, as colocam em um lugar de prestígio e isto lhe proporciona ter acesso às informações privilegiadas, capacitando-as para influenciar e formar opiniões diversas, principalmente porque não existe em outro meio midiático o acesso ao universo plus size. Todas as mídias tradicionais como televisão ou revistas apresentam discursos hegemônicos valorizando o corpo magro e ignorando o corpo gordo. Além do que seu poder de formar laços afetivos traz a convicção de que em seus discursos existem a autenticidade. Com isso, evidenciamos a persuasão de seus discursos em relação a autoestima em pela luz de Foucault novamente percebemos o poder da palavra em relação à vontade do outro. Neste caso, a palavra da blogueira vai de encontro com todos os discursos hegemônicos existente contra o corpo gordo. Ao ouvir “aceite o seu corpo como ele é” faz com que o gordo se liberte menos por instantes de todo o discurso que o limitava e proibia dele ser o que é. A blogueira com sua persuasão liberta e alivia as amarras emocionais de ter um corpo gordo. A palavra da blogueira para o gordo vem com a carga de autonomia e capacitação. Alivia emocionalmente um indivíduo que o tempo todo viu e ouviu que o seu corpo está errado, um corpo reprimido social e emocionalmente. Suas palavras estimulam uma visão positiva sobre o próprio corpo, assim trazem conforto e as vezes até acalentam não só o peso de seu corpo, mas o peso de sua alma.

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Para concluir acreditamos que este estudo traga mais visibilidade aos discursos plus size e que eles não se limitem somente as questões estéticas de padrão de beleza, este movimento é muito mais amplo que uma questão de beleza ou de numeração de roupa, ele trabalha com o emocional das pessoas tirando-as da posição de vítima para serem soberanos de suas vontades. O movimento plus size agrega as relações sociais, apaziguando conflitos e tirando peso dos corpos estigmatizados pela sociedade pelo fato de serem gordos. Todo o ser humano tem o direito de viver bem coletivamente, e espero que esta dissertação de mestrado seja entendia para que essas diferenças sociais parem de existir. Além disso, o mapeamento das imagens, desejos e devires que orbitam nas esferas do mundo plus size que realizamos em nosso trabalho podem contribuir para diversas pesquisas futuras. Em suma, as características dos discursos que observamos nesse universo são: ideológicos, a partir do momento em que abrangem uma forma que tenta conscientizar socialmente a mulher em aceitar seu corpo independente de padrões sociais. Nos discursos das blogueiras percebemos valores emocionais que estão relacionados à autoestima, dos cuidados de si e do respeito ao corpo. Neste sentindo podemos entender que além dos elementos de ordem social, temos também elementos que se relacionam ao sentido que sustentam emocionalmente e que ajudam a construir a mensagem Observamos também que essas redes, via seus canais de participação, propiciam um sentimento de pertencimento ao grupo. Em síntese, considerando os procedimentos de observação, coleta, seleção e organização de discursos, (ou seja, o mapeamento) que realizamos, podemos concluir que existe nas redes sociais do universo plus size um espaço de construção de subjetividade. E afirmar isso implica pensar que esses grupos estão construindo colaborativamente, em fluxo, um novo modo de viver e pensar o corpo. Pois, tendo em vista uma noção de “subjetividade como um sistema complexo, heterogêneo e em processo”, na proposta de conceitual de Lucia Leão (2005), foi exatamente isso que observamos nas redes. Além disso, revendo o pensamento de Pelbart, pensamos a subjetividade como o conjunto de “maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de sonhar, de fazer, mas também de habitar, de vestir-se, de se embelezar, de fruir etc” (2000, p.37). Assim, nosso entendimento dessa pesquisa e das conclusões a que chegamos ficam ainda mais nítidas. Podemos por fim afirmar que as redes do universo plus size são espaços interativos que possibilitam e atuam nos processos de construção da vida, e, nas idas e vindas das espirais do cotidiano, a configuração de uma nova subjetividade está sendo amalgamada.

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ANEXO Saúde segundo os dados de IMC A maioria dos blogs plus size comentam sim sobre saúde e obesidade, sempre incentivam o leitor a praticar exercícios físicos, pois há a consciência de que o problema não somente a gordura, mas o sedentarismo. Podemos destacar situações distintas, o sobrepeso e a obesidade, porque para a comunidade médica existem graus diferentes. O que iremos tratar aqui na verdade é uma questão sobre como abordar o método usado. A obesidade sem dúvida nenhuma é prejudicial à saúde, podendo levar a óbito. Atualmente, no Brasil, 52,5% da população está com sobrepeso. A pesquisa do Ministério da Saúde divulgada em 15 de abril de 2015 diz que o excesso de peso dos brasileiros aumentou. Há nove anos atrás, 2006, era de 43%. O aumento de 9% se explica por sedentarismo, alimentação com baixo índice de nutrientes, maior quantidade de sal nos alimentos, maior consumo de alimentos industrializados, excesso de gorduras e carboidratos na alimentação. O atual Ministro da Saúde, Arthur Chioro, no site do Ministério da Saúde, comenta que este índice é baixo e que ocorreu uma estagnação no crescimento dos índices do crescimento da obesidade, mas não do sobrepeso. O governo está traçando metas para a diminuição desses números através de orientações que incentivam hábitos saudáveis entre a população. Os homens registram maiores percentuais do que as mulheres. O índice de excesso de peso na população masculina chega a 56,5%, contra 49,1% na população feminina. Não há diferença significativa entre os dois sexos quando o assunto é obesidade. Em relação à idade, os jovens (18 a 24 anos) são os que registram as melhores taxas, com 38% pesando acima do ideal, enquanto entre as pessoas de 45 a 64 anos a taxa é de 61%. Dentre as doenças crônicas a que o excesso de peso pode levar, a que mais se destaca entre os brasileiros é o colesterol alto que leva a doenças. Nesse caso, as mulheres são as que sofrem. Do total dos dados coletados pela Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico), 22,2% das mulheres registram o aumento da média nacional e 17,6% ficam com os homens. O Brasil tem uma meta de diminuição de 10% destes números do sobrepeso até 2022. A Vigitel calcula a porcentagem de excesso de peso na população pela proporção do número de indivíduos com excesso de peso sobre o número de indivíduos entrevistados conforme as seguintes questões: “O (a) senhor (a) sabe seu peso (mesmo

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que seja valor aproximado)?", "O (a) senhor (a) sabe sua altura?". É considerado com excesso de peso o indivíduo com Índice de Massa Corporal (IMC) superior ou igual a 25 kg/m2, segundo a Organização Mundial de Saúde, calculado a partir do peso em quilos dividido pelo quadrado da altura. Quando o índice de Massa Corporal é superior ou igual a 30, o indivíduo é considerado obeso. Conforme a pesquisa acima, o excesso de peso aumentou e a obesidade se estabilizou em nosso país. Toda a pesquisa é baseada no IMC, mas este cálculo é muito polêmico entre os profissionais de saúde. Esse é um método muito utilizado para diagnosticar os graus da obesidade, pois a facilidade do cálculo matemático pode ser utilizado por qualquer pessoa e em qualquer lugar. Qualquer outro tipo de análise tem um custo alto de equipamentos e os resultados do IMC não são próximos da realidade dos pacientes, mesmo assim o cálculo é o mais indicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para se encaixar as pessoas dentro de uma curva padronizada que indica qual é o peso ideal para determinada altura. A seguir iremos entender porque ele é mais utilizado e porque seu cálculo possui uma grande margem de erro.

1.2 Índice de Quetelec IMC O índice de Quetelet, hoje chamado de IMC, é um método criado no século XIX por um importante estatístico social belga chamado Adolphe Quételet, que em 1835 lançou um dos mais importantes livros da época: Sur l’homme et le developpement de ses facultes, essai d’une physique sociale (Do homem e do desenvolvimento de suas faculdades, testes físicos de uma construção social). Em sua obra apresenta então um método prático e rápido que, usando a divisão do peso do indivíduo pela sua altura ao quadrado, em que o peso é medido em quilogramas e a altura em metros, chega-se a uma noção estatística social e ao conceito de homem-médio. Quételet estudou a proporção de corpo de homens, mulheres e crianças de várias nacionalidades, como egípcios, gregos, romanos, italianos, alemães, belgas, franceses, dentre outros habitantes de países europeus, considerando vários fatores, dentre eles o clima do país, a alimentação, aspectos psicológicos e culturais, as influências morais da época, influências cívicas (políticas) e religiosas, o casamento, taxas de mortalidade, a influência de cada região estudada nos países. O livro não é uma obra voltada ao estudo médico da obesidade, mas sim a um comportamento social que muda ao longo da vida de uma pessoa em um determinado período histórico. Quételet fez um estudo demográfico aprofundado para cada tipo de padrão europeu existente e chegou ao índice de Quetelet.

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O livro mostra dados estatísticos sobre os fenômenos sociais e é nítida a análise sobre a mortalidade dos países estudados. Então esse índice na verdade é um estudo para uma medida de comportamento ao longo da vida, ou seja, o homem ou mulher que estão dentro um equilíbrio do comportamento humano, se tiveram uma vida equilibrada para os padrões de cada época e de suas condutas até chegar a morte. A necessidade de colocar números no índice de Quetelet veio da verificação de um grande aumento na morte de assegurados obesos. Louis I. Dublin (1882-1969), um estatístico e vice-presidente da Metropolitan Life Insurance Company, foi o primeiro a liderar o desenvolvimento de tabelas de pesos normais, com base nos pesos médios registados por Quételet. Ao examinar os dados acumulados, Dublin separou os pesos em pequenos, médios e grandes. Os médios ficaram denominados como ideais, ficando para os fins de seguro de saúde o peso "desejável", 26-69%, peso indesejado foi considerada a 20-25%, e obesidade mórbida em 70-100% acima do peso desejável para um determinado quadro conforme o cálculo de IMC. A busca por um índice prático de peso corporal relativa que começou logo após atuários relatou o aumento da mortalidade de seus segurados com sobrepeso culminou após a Segunda Guerra Mundial, quando a relação entre peso e doença cardiovascular tornou-se objeto de estudos epidemiológicos. Nossa tradução (EKNOYAN, 2007)43

Como a relação entre o peso corporal e mortalidade, principalmente a doença cardíaca e a diabetes, gradualmente tornou-se uma preocupação médica após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a busca de um índice confiável e prático de peso relativo começou a assumir uma importância crescente nos estudos epidemiológicos e clínicos que estavam sendo iniciados. Ao explorar vários índices que combinam peso e altura, tornou-se evidente na década de 1960 que, em adultos, o peso corporal normal em quilogramas foi proporcional ao quadrado da altura, em metros, como originalmente proposto em 1832 por Adolphe Quetelet. Um dos primeiros estudos para confirmar a validade do Índice de Quetelet em dados epidemiológicos com estudos comparativos de obesidade, foi publicado em 1972 por Ancel Keys, que o nomeou como Índice de Massa Corporal (IMC). Desde então,

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The quest for a practical index of relative body weight that began shortly after actuaries reported the increased mortality of their overweight policyholders culminated after World War II, when the relationship between weight and cardiovascular disease became the subject of epidemiological studies. (EKNOYAN, 2007)

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como evidências da associação da obesidade com várias doenças continuam a se acumular, o IMC tem sido utilizado como uma expressão para denunciar o link de excesso de peso em relação à morbidade e mortalidade.

Categoria

IMC

Abaixo do peso

Abaixo de 18,5

Peso Normal

18,5 – 24,9

Sobrepeso

25,0 -29,9

Obesidade Grau I

30,0 – 34,9

Obesidade Grau II

35,0 – 39,0

Obesidade Grau III

40,0 acima

Curva de IMC - Considera-se obesidade mórbida com o IMC maior ou igual à 35. Com co-morbidade maior ou igual a 40.

Como calcular o índice de massa corpórea IMC = PESO / Altura x Altura IMC = 70,0 / 1,80 x 1,80 IMC = 70,0 / 3,24 IMC = 20,58 Ou seja, está dentro do peso considerado normal

Desde Quetelet e Keys, costumes mudaram e a média do tamanho do homem também, e por que o cálculo ou a média do IMC não mudou? Será honesto comparar

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dados estatísticos europeus com brasileiros? Existem inúmeros fatores atualmente que comprometem o cálculo do IMC. O cálculo indica para alguns estudos o grau nutricional do indivíduo, sendo este como “conhecimento das reservas energéticas e da massa metabolicamente ativa dos indivíduos” e no portal de saúde do governo federal “O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma forma para conhecer o estado nutricional do indivíduo”. Mas nesse cálculo não conseguimos mensurar o que é gordura, o que é massa magra (músculo), a quantidade de água proporcional ao corpo. A questão do sexo também influencia na quantidade de gordura no corpo. A mulher, por exemplo, pode ter a mesma altura e peso que um homem mas ela tende a ter mais gordura corporal do que o homem. Sabe-se que a porcentagem de gordura corporal aumenta com a idade enquanto a massa magra diminui, mas o peso e a estatura não necessariamente refletem estas mudanças de composição corporal. Assim, alguns idosos que possuem aumento de massa gorda e em contrapartida diminuição de massa magra podem ser classificados como eutróficos segundo o IMC, enquanto indivíduos como atletas com elevado percentual de massa magra poderiam ter elevados valore de IMC, sendo assim classificados como sobrepeso ou obesidade. (MIALICH, 2009, p. 12)

1.3 Outros índices Existem atualmente outros índices e métodos para a análise de massa mais exatos no corpo humano, como a bioimpedância, e já foram feitos estudos sobre os reajustes das numerações da base da curva de IMC. Em 2002, por exemplo, o brasileiro Hindemburg Melão Jr. publicou o primeiro artigo propondo uma fórmula melhor no Sygma Society e também a biomédica Mirele Savegnago Mialich, em 2009, comprovou em seus estudos a correção do número do IMC pela bioimpedância. Em 2013 ,Nick Trefethen, professor de Análise Numérica na Universidade de Oxford, reajusta a tabela com outros índices. Pesquisadores da Universidade de Medicina de Nova York e da Faculdade de Medicina Weill Cornell afirmam que determinar a obesidade por IMC é um equívoco. Eric Braverman, um dos pesquisadores, afirma que “o índice é uma medida insensível, passível de erro, enquanto há medições de gordura mais eficazes, já que mostram a distribuição da gordura pelo corpo” (BRAVERMAN, 2012). Atualmente o método mais confiável para identificar a quantidade de gordura, músculo e osso no corpo é o DEXA, o mesmo aparelho computadorizado que se utiliza para a densitometria óssea. “Trata-se de um procedimento de imageamento de alta tecnologia que permite a quantificação da gordura e do músculo, assim como do conteúdo mineral ósseo e das estruturas ósseas mais profundas do corpo” (MELLO et al, 2006 p. 268)

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Então, podemos entender que o IMC não é portanto um método de se identificar a saúde do indivíduo, mas sim um método de classificação de tamanho por peso. Pessoas com o IMC dentro da faixa de normalidade podem ser doentes, como uma pessoa com IMC acima ou abaixo do índice de normalidade pode ser completamente saudável. Ao complemento de nossa pesquisa sobre o IMC, o peso padrão para as medições de produtos utilizado pelo INMETRO para testes de produtos usuais como cadeiras, mesas, colchão, elevadores etc, utilizados os padrões antropométricos de medidas equivalente a de um homem médio, utilizando-se das seguintes medidas: 1,70 metros para 70 quilos. Alguns aparelhos são testados pelo INMETRO nos valores de 95 quilos. Para produtos relacionados aos obesos, a ABNT, na resolução NBR 9050, estabelece que o valor em relação ao peso de um obeso equivale ao suporte de 250 quilos. Alguns fabricantes possuem produtos que variam de valores de peso entre 130 quilos a 250 quilos. Tais valores variam conforme a especificação do produto fabricante. A margem de segurança de cada produto é de 5 quilos a mais nos testes de fabricação.

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