Culturas juvenis: descobertas do diálogo com os jovens

July 22, 2017 | Autor: Ivar Vasconcelos | Categoria: Juventude, Culturas Juvenis
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Resenha CULTURAS JUVENIS: DESCOBERTAS DO DIÁLOGO COM OS JOVENS PAIS, José Machado. Culturas juvenis. 2. ed. Lisboa, 2003. Ivar César Oliveira de Vasconselos1 1

Universidade de Brasília/ Brasília, Distrito Federal. [email protected]

Que seria a juventude? O grupo de indivíduos pertencentes a uma faixa etária que precede imediatamente a vida adulta? Os participantes de classes sociais e situações econômicas de maneiras desiguais, com interesses e maneiras de se relacionar diferentes? Da visão homogeneizadora à consideração heterogênea, juventude pode ser explicada como um conjunto social formado por pessoas de situações sociais diferenciadas, possibilitando falar sobre ela no plural. Na contemporaneidade, a chamada sociologia da juventude busca atender à exigência de um dialogar com os jovens como demonstra Pais em Culturas Juvenis – obra organizada em três partes e uma conclusão. Na primeira parte, o autor define a problemática e o método de investigação, apresentando as correntes teóricas da sociologia sobre o tema. Para o autor, uma problemática de investigação deve explorar representações sobre a realidade não tomando os jovens como se eles fossem parte de uma cultura juvenil unitária, mas explorando diferenças sociais vividas por eles. O autor apresenta, em grandes linhas, problemas impactantes sobre a juventude, transformada, assim, pelos jovens, em problema social – a exemplo das dificuldades de inserção no mundo do trabalho, revoltas, marginalidade e delinquência. Como há um reconhecimento social destes problemas, ela passa a ser representada como construção social. Então, indaga o autor, como elaborar um discurso sociológico sobre a mesma? Questões em torno do tema ajudam a desconstruir a ideia de homogeneidade. Levam a transformar o significante social em significado. Elas proporcionam explicações sobre as transformações sofridas pela juventude, tornando-a visível como uma categoria socialmente construída conforme as circunstancias econômicas, sociais ou políticas, modificando-se com o tempo. Na sociedade contemporânea, por exemplo, os jovens buscam o direito de influenciar e anunciar comportamentos e preferências, não sendo mais avaliadas por papéis pré-determinados a serem desempenhados na vida

2 adulta. Esta busca é permeada por problemas sociais, como o desemprego e falta de habitação (eles coabitam com os pais por mais tempo) e por situações de revolta e até de delinquência (com impactos associados ao consumo de drogas). Desse modo, o autor propõe um olhar sobre o tema da juventude em torno de dois eixos semânticos: como uma aparente unidade (fase de vida) e como diversidade (atributos sociais como fatores de distinção). Passar da aparente unidade para a diversidade considera que “não há uma forma de transição para a vida adulta: haverá várias, como várias serão as formas de ser jovem (segundo a origem social, o sexo, o habitat etc.) ou de ser adulto” (p. 44). Esta passagem tem descontinuidades, evidenciadas nas transformações socioeconômicas, modos de vida e mobilidades geracionais no contexto da reprodução. Partindo desse pressuposto, o autor analisa a transição para a vida adulta, olhando a juventude não apenas como um conjunto social em termos de fase de vida, mas também em termos de atributos diferenciadores – daí porque o autor revisa a literatura sobre as correntes teóricas voltadas para o assunto, a geracional e a classista (segundo capítulo). A perspectiva geracional encontra-se circunscrita às teorias funcionalistas da socialização e seus adeptos concebem os conflitos intergeracionais como disfunções na socialização dos jovens, que são tomados em termos de fase de vida – a transição para a vida adulta ocorreria com a reprodução social de itens importantes para as gerações mais velhas. O autor critica a forte tendência dessa corrente de representar a juventude como unidade homogênea. Para a corrente classista as culturas juvenis são sempre de classe, sendo a transição para a vida adulta baseada sempre nas desigualdades sociais, seja quanto à divisão sexual do trabalho (mulher sem emprego fica em casa, sendo esposa e mãe) ou quanto à condição social (filho de operário é operário). O desemprego começa a fazer parte das preocupações dos jovens – e não o futuro profissional. Como não conseguem consumir, pois lhes falta dinheiro, eles se sujeitam a todo tipo de trabalho. Para o autor, essa corrente erra porque encaixa a realidade à forma como esta é concebida, deixando de fora da análise científica o que é alheio à resistência. No fluxo e refluxo destas correntes (geracional e classista), o autor toma decisões visando a compreender o conceito de culturas juvenis. Percebe que as duas correntes tomam as culturas juvenis como processos de socialização presentes nos níveis macro e micro. Considerando isto, o autor admite um conceito mais dinâmico de culturas juvenis, decidindo por explorá-lo em termos antropológicos, uma vez que neste âmbito significados e valores são expressos tanto nas instituições como no cotidiano dos

3 indivíduos. Desse modo, o autor decide por perspectivar as culturas juvenis no fluir do cotidiano dos participantes da pesquisa, articulando as duas correntes. A segunda parte apresenta os aspectos metodológicos do trabalho de campo (terceiro capítulo). As comunidades Rio Cinza (típica de classe operária), Dorninha (perfil de classe média) e Coutada (típica de classes médias e altas superiores) serviram de amostra, com sessenta e quatro participantes (13 a 29 anos de idade). Foram utilizadas técnicas diferenciadas (observação participante passiva e técnicas do estudo de campo), constituindo um jogo de sucessivas observações diretas que resultou em duas estratégias: definição da problemática, formulação de hipóteses, coleta e análise de informações (viés positivista); seleção de problema com seus significados, coleta/análise de informações sem condicionamento a formulação de hipóteses (viés etnográfico). À maneira weberiana, autor e colaboradores buscaram compreender o fenômeno da transição para a vida adulta atentando para o sentido dado pelos próprios jovens às suas ações – para possibilitar dizer, pelo não dito, o sentido das falas. Comprova-se a importância metodológica de se utilizar técnicas de análise das comunicações que se diferenciam nos procedimentos (é a análise de conteúdo) em estudos sobre discursos diversificados como é o caso das linguagens juvenis. No final da segunda parte são colocados os aspectos metodológicos relacionados à análise de conteúdo. Até que ponto o dito é reflexo do não dito? Como fazer falar o material recolhido? Perguntas assim foram importantes porque elas se vinculam à explicitação das inferências. O autor põe a interpretação do dito em roda livre desvelando o sentido semântico percebido e a intencionalidade presente neste sentido. Como afirma, “frente aos cadáveres das palavras escritas é possível descobrir, nomeadamente através da observação participante, a riqueza inesgotável da palavra sonora, o seu conflitivo em contextos situacionais e referenciais próprios” (p. 106). Constata-se, portanto, a preocupação do autor em ir além do que havia sido descrito, decompondo e relacionando, resultando em interpretações. Neste momento, o autor chegou ao sentido das falas e das ações, alcançando uma compreensão para além da mera descrição e análise. Da descrição à interpretação, passando pela inferência, ficou demonstrada a importância da metodologia utilizada. Na terceira parte, o autor caracteriza as culturas juvenis e as modalidades de passagem para a vida adulta. Dentre outros, a identidade grupal revelou-se no simbolismo presente no vestuário, nas éticas de consumo, no gosto por teatro e na

4 linguagem – envolvendo fortemente o lazer num processo dialético de singularização e dependência na construção de identidades. Ao articular esta concepção com os dados empíricos gerados, o autor elaborou quatro enunciados hipotéticos (quarto e quinto capítulos) relacionados à sociabilização e à marginalidade normativa: 1) as lógicas legitimadoras da violação de normas dominantes variam de acordo com os contextos sociais; 2) a maior ou menor marginalidade normativa e o maior ou menor investimento em lazeres transgressores dependem da maior ou menor aceitação, por parte dos jovens, de trajetórias de êxito social; 3) em situações de marginalidade normativa eles tendem a se fixar por mais tempo nos grupos de amigos onde têm lazer, enquanto em situações de êxito social desenvolvem lazeres ecléticos e os compartilham com a família; 4) a conjugação entre divisões segundo a idade e divisões segundo a classe social criam oposições sociais e geracionais. Nessa dialética de singularização e dependência ocorre o processo de transição para a vida adulta – envolvendo orientações axiológicas relacionadas ao percurso escola-trabalho (sexto capítulo) e também o namoro, o casamento e as estratégias conjugais (sétimo capítulo). Dentre outras, o autor identifica duas orientações correspondentes a tipos ideais weberianos: a) uma voltada para o futuro, com a aposta em estratégias de mobilidade social capazes de promover integração social consonante com estilos de vida projetados; b) outra voltada para o presente, com pouca valorização do risco de ser estigmatizado socialmente. No que se refere às culturas escolares, o autor identificou os marrões, sempre enfiados em livros; os graxas, pouco dispostos a se sacrificarem para alcançar boas classificações; os bacanas, apreciadores da convivialidade e a excitação permanente; os baldas, alheios ou repulsivos ao sistema escolar. Estes tipos etnometodológicos evidenciam posturas diferentes em relação à escola e às normas do sistema de ensino. Cada um deles olha diferentemente para o canudo, que poderia representar a recompensa pelo esforço e gosto pelos estudos (os marrões), a certificação do aprendizado (os graxas), a posse de algo desejado (os bacanas) ou algo sem importância (os baldas). Assim, interpretando esses tipos estudantis a partir da apreensão e análise sociológica, o autor conclui que a escola pode ser encarada como um mosaico de culturas no qual se encontram mergulhados os mais variados matizes de comportamentos e reações – conforme o Seminário Juventudes: possibilidades e limites (Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília) este contexto multicultural precisa ser considerado na ressignificação do

5 espaço escolar que ainda não percebe as necessidades dos jovens, provoca aborrecimento, desinteresse, abandono e fracasso. Em relação ao mundo do trabalho, a separação entre escola e emprego ocorreria não em decorrência da inadequação da escola ou da inadaptação dos jovens a ele. Mas ocorreria em função das reações diferenciadas dos jovens em relação ao trabalho, ao emprego e ao desemprego. Enquanto no meio operário (em Rio Cinza) o trabalho é encarado como uma obrigação moral de ajudar no orçamento familiar, nas classes médias e superiores (em Coutada e Dorninha), ele é visto como o lugar da realização pessoal e profissional. Ou seja, emprego e desemprego poderiam ser explicados em relação às estruturas sociais ou em relação ao esforço individual. Neste diapasão, cabe lembrar que sendo a escola instância formadora para o mundo do trabalho, os currículos precisam falar aos jovens, contribuindo para serem protagonistas de sua aprendizagem, buscando mudar quadros desfavoráveis em que jovens analfabetos exercem trabalhos informais ou assumem trabalhos não decentes de acordo com o conceito da Organização Internacional do Trabalho (cf. o seminário citado). Das preocupações com as culturas escolares e suas vinculações com o trabalho, emprego e desemprego, o autor passa aos temas do namoro, casamento e estratégias conjugais. Constatou que sentimento e erotismo são priorizados em relação ao ter, ao econômico. No entanto, a varinha do amor não une os jovens por acaso e, assim, o autor descobre três modelos definidores das relações amorosas e conjugais: os jovens orientam-se para o casamento (preferência dos que vivem no meio operário), para o bom casamento (classes sociais mais elevadas) e para o amor experimental e curtição (classes médias) – as famílias influenciam, pois controlam os jovens em relação aos namoricos, à reputação, ao apoio econômico e à filtragem das amizades. O autor conclui fazendo um balanço do percurso investigativo. Após comentar sobre a articulação entre as transformações socioeconômicas e aquelas que influenciam a transição para a vida adulta; a melhor forma de apreender as culturas juvenis (geracionais ou de classe); os ganhos por adotar a perspectiva do cotidiano dos participantes da pesquisa como postura metodológica, o autor reafirma a importância de estudar os jovens a partir do discurso sobre o seu cotidiano. Para o autor, “os jovens parecem conservar do ‘ordinário’ um ponto de vista tão apaixonante que, na prática, o ordinário transforma-se em extraordinário” (p. 400).

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