Cumprimento de Sentença contra a Fazenda Pública e a Coisa Julgada Inconstitucional

May 29, 2017 | Autor: Rodrigo Becker | Categoria: Coisa Julgada, Processo Civil, Cumprimento De Sentença, Novo CPC
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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Rodrigo Frantz Becker Advogado da União. Ex-Procurador-Geral da União. Mestre em Direito pela UNB. Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-DF. Exconselheiro seccional da OAB/DF. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e Membro fundador da Associação Brasiliense de Direito Processual (ABPC).

1. INTRODUÇÃO O Código de Processo Civil de 1973, quando idealizado, trazia procedimento próprio para fazer cumprir a obrigação disposta em título executivo judicial. O credor iniciava um procedimento executivo, por intermédio de um processo autônomo, denominado execução de título judicial, que, em regra, ficava apensado aos autos principais, onde proferida a sentença. Nesse procedimento, o credor tinha de trazer aos autos todos os documentos necessários à execução, sobretudo o próprio título judicial (art. 584 do CPC/73), para que houvesse a devida instrução do processo. Iniciado o processo por petição inicial de execução, e impulsionada, assim, a jurisdição, podíamos dizer que estávamos diante de uma verdadeira ação de execução, na medida em que o procedimento executivo não se iniciava de ofício, e dependia impreterivelmente de um impulso do credor, por meio de petição dirigida ao juiz e distribuída na conformidade das regras processuais. Isso porque, conforme livro específico do CPC/73, estávamos diante de um processo autônomo, que tratava apenas do processo de execução. O devedor era, portanto, citado para pagar em 24 horas ou oferecer bens à penhora (art. 652 do CPC/73, na redação original). Havia, inclusive, procedimento próprio para a

defesa do devedor, por meio de embargos à execução fundamentada em sentença (art. 741 do CPC/73 na redação original). Dessa forma, verificavam-se duas fases distintas, consubstanciadas em dois procedimentos diversos, inseridos em dois processos próprios: um de cognição, em que se buscava a certeza da obrigação com a condenação do devedor em uma sentença, e outro de execução em que se pretendia o cumprimento dessa sentença e a satisfação da obrigação. Posteriormente, a Lei 11.232/2005 alterou o procedimento de execução por quantia certa fundada em título executivo judicial, autorizando que fosse realizada no próprio processo principal, sem a necessidade de instauração de um procedimento autônomo. O processo, que antes era inteiramente dualista, com fase de conhecimento e de execução, tornou-se sincrético, com duas fases inseridas no mesmo contexto processual: a fase de conhecimento e a de cumprimento de sentença (execução de título judicial). Vale transcrever a manifestação do Ministro da Justiça à época, Márcio Thomaz Bastos, sobre a modificação do CPC em 2005, que extinguiu a execução de sentença autônoma:

A ‘efetivação’ forçada da sentença condenatória será́ feita como etapa final do processo de conhecimento, após um ‘tempus iudicatti’, sem necessidade de um ‘processo autônomo’ de execução (afastam-se os princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’, no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário são alteradas as ‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória, cuja ‘executividade’ passa a um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’ passa a ser o ato ‘de julgamento da causa, com ou sem apreciação de mérito.1

Todavia, essa regra não alcançou as execuções movidas contra a fazenda pública, independentemente da natureza do título, porquanto permaneciam com a necessidade de ajuizar um processo de execução autônomo para se buscar o cumprimento da obrigação.

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BASTOS, Marcio Thomaz. Exposição de Motivos que precedeu o projeto que deu origem à Lei no 11.232/2005.

A respeito do tema, Ernani Fidelis dos Santos, Nelson Nery Júnior e Teresa Arruda Alvim Wambier se manifestaram tão logo aquelas mudanças no código foram efetivadas:

O processo de execução de dividas pecuniárias contra a Fazenda Pública, entretanto, não foi atingido pelas reformas havidas no Código de Processo Civil. Muito pelo contrário, a estrutura do processo de execução de obrigação de pagar quantia certa, baseada na prévia inclusão da dívida no orçamento futuro da entidade devedora, decorrente de determinação judicial para tanto, e pagamento de acordo com a ordem cronológica de entrada dessa ordem, remonta à Constituição Federal de 1934. Desde então, as Constituições têm repetido o sistema de pagamento de dívidas em dinheiro da Fazenda Pública através desse procedimento.2

Permanecia, assim, para a execução contra a Fazenda Pública, a necessidade de ajuizamento de uma ação de execução com o intuito de fazer cumprir o título, fosse ele judicial ou extrajudicial. Como afirmava Leonardo Carneiro da Cunha, após a reforma de 2005, a sistemática do cumprimento de sentença nos próprios autos não alcançou a execução contra a Fazenda que continuou sendo uma execução autônoma3. Isso se dava porque os arts. 730 e 731 do CPC/73, que tratavam da execução contra a Fazenda Pública, cuidavam de processo autônomo de execução, não abrangidos pela reforma. Com a nova sistemática do CPC/2015, houve importante modificação, na medida em que também as execuções de título judicial contra a Fazenda Pública passaram a ser reguladas pelo procedimento do cumprimento de sentença nos próprios autos, em atenção ao processo sincrético, e em harmonia com as modificações e aprimoramentos do processo civil idealizados a partir da reforma de 2005. Assim, a partir do novo código, toda e qualquer pretensão do credor em ver cumprida a obrigação disposta em título judicial, independentemente da natureza devedor (particular ou fazenda pública), será processada pelo rito do cumprimento de

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SANTOS, Ernani Fidelis dos, NERY JÚNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Execução Civil. Estudo em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 336/337 3 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, São Paulo: Dialética, 10ª edição, 2012, p. 283.

sentença, nos próprios autos do processo, tornando mais fácil e mais célere a prestação jurisdicional. O que diferenciará as diversas espécies de cumprimento de sentença4 é que determinados devedores (Fazenda Pública e o devedor de alimentos), estarão sujeitos a certas regras específicas no procedimento, que não alteram a essência da ideia de se fazer cumprir a sentença nos mesmos autos em que proferida. Há quem diga que, quanto à execução de sentença que reconhece a obrigação pecuniária de que é devedora a Fazenda Pública, o novo CPC apresenta uma inovação simbólica, ao determinar que esta deverá ser realizada por fase processual e não mais de processo autônomo de execução5. Todavia, ressalte-se, e este é o objetivo do presente trabalho, essa modificação não teve nada de simbólica, mas constituiu-se de verdadeira mudança de paradigma, porquanto equipara todos os tipos de devedores a uma mesma ideia de sincretismo processual, trazendo celeridade e instrumentalidade para a execução de título judicial. Nas palavras de Marco Antônio Rodrigues, a execução de título judicial, contra a Fazenda Pública, a partir do novo CPC, passou a ser regida pelo sincretismo, deixando de ser ação e passando a ser fase do processo6. Em razão dessa mudança de paradigma, e da forma de se executar títulos judiciais contra entes públicos, é que deve-se analisar qual o procedimento e as mudanças relativas a essa nova forma.

2. PROCEDIMENTO No novo Código de Processo Civil, o procedimento do cumprimento de sentença, como visto, agora alcança a Fazenda Pública como devedora. Antes de incursionar pelo procedimento propriamente dito, vale uma observação da parte geral: muito embora a designação do título II, do Livro I, da parte especial do

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No novo CPC há os seguintes tipos de cumprimento de sentença: pagar quantia certa; fazer ou não fazer; dar coisa certa diversa de dinheiro; contra a fazenda pública; dívidas alimentícias. Todos esses nos mesmos autos do processo principal, idealizados como fase processual. 5 BALEEIRO NETO, Diógenes. A execução no novo CPC in Informativo da Apeminas, ano 8, nº 24, setembro/outubro/novembro de 2015. 6 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 118.

CPC (onde está inserido o capítulo referente ao tema deste artigo) seja “cumprimento de sentença”, estamos, na verdade, diante de uma execução de título judicial. Nesse ponto, é de se criticar a escolha do legislador pelo título, que, ainda que informalmente seja o mais adequado, tecnicamente se mostra incorreto. Isso se dá em razão da natureza dos “títulos” passíveis de serem cumpridos na forma sincrética, como fase do processo de conhecimento. Veja-se que o art. 515 do novo CPC traz um rol de nove documentos que submetem às regras do “cumprimento de sentença”:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa; II - a decisão homologatória de autocomposição judicial; III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal; V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial; VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado; VII - a sentença arbitral; VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;

Da leitura desses documentos, verifica-se que, pelo menos três, de pronto, não são sentenças (IV, V e IX) e nem a elas se assemelham. Ademais, o inciso I, engloba tanto decisão interlocutória e acórdão, os quais, tecnicamente, também não se enquadram na definição de sentença. Destarte, andou mal o legislador ao denominar o nome do “título” do livro I, de “cumprimento de sentença”, quando o mais correto e mais técnico seria, sem

criatividade desnecessária, tão somente designar de cumprimento de título judicial ou, mais formalmente, execução de título judicial7. Como se manifestou José Miguel Garcia Medina, “a expressão ‘cumprimento’ não tem o condão de alterar a natureza da atividade desenvolvida pelo órgão jurisdicional, disciplinada nos arts. 513 e ss. do CPC/2015: tais dispositivos regulam a execução judicial, e não uma nova modalidade de tutela jurisdicional”8. Quanto ao objeto do trabalho propriamente dito, o Capítulo V, do Título II, do Livro I, da parte especial do CPC, trata do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública. Em palavras mais simples: cumprimento de sentença (execução de título judicial) contra a Fazenda Pública. Quanto ao polo passivo, por Fazenda Pública entende-se a União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias, nos termos do art. 1º da Lei 6.830/80, conceito que vale para a execução aqui tratada. Vale ressaltar que as fundações de direito público são incluídas nesse conceito por serem espécies de autarquia9. Ademais, também os conselhos de fiscalização se inserem nesta definição, pois o art. 58, que lhes conferia natureza jurídica de direito privado, foi declarado inconstitucional pelo STF na ADI 171710. Por outro lado, as empresas públicas e sociedades de economia mista não se inserem no conceito de fazenda pública, por se submeterem ao regime jurídico das empresas privadas11. Nos termos do art. 534, o início do procedimento depende de pedido de cumprimento, que será deduzido nos próprios autos, após o trânsito em julgado da sentença, e deverá conter: i) demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo; ii) nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente; iii) o índice de correção 7

Não se desconhece a crítica feita a tal expressão porquanto traria a ideia de novo processo. Todavia, não parece ser essa crítica adequada, na medida em que se trata de crítica formalística, que deixa de lado a essência da atividade desenvolvida, privilegiando uma denominação atécnica. 8 MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 846. 9 STJ, REsp 1.330.190/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2012 10 Destaque-se que a OAB não se insere no conceito de Fazenda Pública, porquanto o STF entendeu ser ela um serviço público independente diverso de uma entidade da administração indireta (ADI 3026, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29/09/2006). 11 STF, AI 854548/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 31/08/2011. Deve-se observar a peculiaridade dos correios, que, muito embora trate-se de empresa pública, recebeu os privilégios de fazenda pública, por força de decisão do STF (RE 229444/CE, Rel Min. Carlos Velloso, DJ 31/08/2001).

monetária adotado; iv) os juros aplicados e as respectivas taxas; v) o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados; vi) a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso; vii) e a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados. Determina, ainda, o código que, havendo pluralidade de credores, cada um deve trazer aos autos o próprio demonstrativo de cálculo. Nessa hipótese, pode o juiz limitar o número de litisconsortes, por força de expressa determinação legal, que manda aplicar o art. 113, § 1º e 2º, do CPC/201512 ao procedimento do cumprimento de sentença contra a fazenda pública. Ademais, a multa de 10% (art. 523, § 1º, do CPC/2015) para os casos de não cumprimento espontâneo da obrigação não se aplica à Fazenda Pública. Tal questão já estava consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça13, e agora ficou expressa no código (art. 534, § 2º). No tocante ao início da fase de cumprimento de sentença, por força de dicção legal, que exige requerimento do credor para que haja o impulso da atividade de cumprimento de sentença que reconheça o dever de pagar quantia (art. 513, § 1º, do CPC/2015), não se admite que o juiz proceda de ofício o início dessa fase14. Como se trata de processo sincrético, não há mais a necessidade de citar a Fazenda Pública para embargar, como previa o CPC/73, devendo agora ser ela intimada para impugnar o cumprimento (execução), no prazo de 30 dias (art. 535 do CPC/2015). Nesse ponto, é de se destacar que há apenas uma única relação processual dividida em duas fases distintas: cognitiva e executiva15. Dessa forma, a fazenda é citada na primeira, e intimada na segunda, porque essa é apenas prosseguimento daquela nos próprios autos. 12

Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: (...) § 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença. § 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar. 13 Resp 1201255/RJ, relator Ministro Mauro Campbell, dentre outros. 14 No mesmo sentido: COSTA, Eduardo José da Fonseca in Comentários ao novo Código de Processo Civil, Coordenação Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 848 e MEDINA, José Miguel Garcia, ob. cit., p. 858. 15 COSTA, Eduardo José da Fonseca, ob. cit., p. 848.

A intimação é feita na pessoa do representante legal da Fazenda Pública, conforme determina o art. 183, § 1º, do CPC, por meio de carga, remessa dos autos ou por meio eletrônico. Ressalte-se que o meio eletrônico “não consiste na publicação no Diário da Justiça, mas, sim, outros meios de comunicação direta e pessoal, tais como o e-mail, desde que devidamente cadastrado para este fim, bem como consulta eletrônica a portal próprio do tribunal, nos termos do art. 5º, caput e § 1º, da Lei 11.419/2006”16. Como a Fazenda Pública se submete ao rito do pagamento por precatório (art. 100 da CF) e seus bens são impenhoráveis, não pode ser ela compelida a pagar qualquer quantia, na linha do que estabelece o código para o cumprimento de sentença contra particular (art. 523). Por essa razão é que a intimação se dá para que ofereça a defesa no procedimento, chamada de impugnação, que deverá ser apresentada no prazo de 30 dias a partir da referida intimação, como visto acima. Caso a Fazenda Pública não apresente a impugnação, duas consequências se mostram imediatas: a) não incidência de honorários advocatícios, conforme determina o art. 85, § 7º, do CPC, porquanto o réu não ofereceu obstáculo à execução; e b) aplicação dos meios de satisfação do credor, consubstanciados na expedição de precatório ou requisição de pequeno valor (art. 535, § 6º, do CPC).17 Na impugnação, a Fazenda poderá alegar, nos termos do art. 535, as seguintes matérias: I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II - ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; V incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença. O rol é taxativo, pois se trata de fase do processo, e não nova ação, daí porque não se pode ampliar as hipóteses para permitir qualquer discussão, que já teve seu momento

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AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 652. 17 RODRIGUES, Marco Antonio, ob. cit., p. 120-126. O autor faz importante observação no sentido de que a primeira consequência refere-se exclusivamente aos casos em que haverá expedição de precatório, e não quando houver requisição de pequeno, hipótese em que serão devidos honorários. Isso porque o art. 85, § 7º, do CPC trata apenas de precatório, deixando de mencionar o RPV, na linha do que já decidia o STJ, ao prever a incidência de honorários para as execução não embargadas contra a Fazenda Pública, que fossem satisfeitas por RPV.

na fase de conhecimento. Além disso, caso fosse autorizada qualquer alegação no cumprimento de sentença, haveria violação à coisa julgada formada na primeira fase. Quanto ao inciso I, a falta ou nulidade da citação somente ocorre se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia, não se aplicando para os casos em que houve expressa manifestação durante aquela fase. Para essa hipótese, a Fazenda deve se utilizar da querela nullitatis. A ilegitimidade de parte do inciso II diz respeito ao cumprimento, e não ao conhecimento18, porquanto, como dito, as alegações referentes a essa fase já se tornaram preclusas pela coisa julgada. No tocante ao inciso III, que trata de inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, o tema será tratado em tópico próprio neste artigo. Já o excesso de execução, regulado no inciso IV, refere-se a toda e qualquer discrepância entre o título executivo e a pretensão manifestada pelo exequente19. Quanto a esse ponto, é importante destacar que o art. 917, § 2º, do CPC traz um rol do que se pode entender por excesso de execução. Ademais, o § 2º do art. 535, dispõe expressamente que “quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição”. Por sua vez, a cumulação indevida de execuções, dicção copiada do art. 525, V, do CPC, direciona-se apenas aos casos em que a parte pretenda executar um título judicial contra um particular e a fazenda num mesmo pedido. Como se tratam de ritos distintos, seria inviável utilizar peça única para tal objetivo. A incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução, disposta no inciso V, trata da competência para o cumprimento e tem como novidade a possibilidade de alegar também a incompetência relativa na impugnação, porquanto o novo CPC extinguiu a exceção para esse objetivo. Por fim, o inciso VI refere-se a qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença. Vale notar que essa é a única matéria 18

No mesmo sentido: SICA, Heitor Victor Mendonça in Comentários ao novo Código de Processo Civil, Coordenação Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 830. 19 SICA, Heitor Victor Mendonça, ob. cit., p. 830.

alegável em impugnação que não tem cunho processual, pois se trata de questões de direito material e somente são passíveis de serem alegadas apenas se ocorrerem após o trânsito em julgado da sentença objeto do cumprimento. Sobre o ponto, vale transcrever a lição de Heitor Mendonça Sica:

“Esse dispositivo revela abertamente que a coisa julgada material imuniza a declaração ou comando emergente da sentença de mérito, mas não os seus efeitos, de tal sorte que a obrigação reconhecida no título judicial continua a ter vida no ambiente extrajudicial e pode ser afetada por fatos modificativos e extintivos.” 20

Destaque-se, quanto à impugnação, que, diferentemente daquela apresentada no processo entre particulares, tem ela efeito suspensivo quando se trata da Fazenda Pública como devedora. Isso se deve ao fato de que o pagamento pelo ente público se dá mediante precatório, o qual somente pode ser expedido quando não houver mais debate quanto ao valor pretendido pelo credor. Portanto, não basta o trânsito em julgado do processo de conhecimento, devendo haver também, o trânsito em julgado da impugnação, sobretudo porque nela ainda se discute o valor devido pela Fazenda, seja quanto ao montante, seja quanto ao próprio conteúdo do título executivo. Julgada a impugnação, o recurso cabível dependerá do conteúdo do seu julgamento. Caso haja extinção do processo, caberá apelação, por outro lado, se não houver tal extinção, e o processo prosseguir, o recurso cabível será o agravo de instrumento, na forma do art. 1015, parágrafo único, do CPC.

3. COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL Conforme mencionado no capítulo anterior, quanto ao inciso III, do art. 535, que trata das hipóteses de inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, merece atenção tal dispositivo em razão do que estabelece o § 5º desse mesmo artigo. O referido parágrafo, idêntico ao art. 525, § 7º, do CPC (na seção referente ao cumprimento de sentença entre particulares) trata da hipótese em que a sentença que se 20

Ibidem, p. 831.

pretende cumprir se fundamentou em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Esta é a redação do artigo:

Art. 535 (...) § 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Antes de incursionar pela essência do dispositivo, vale uma breve digressão sobre a ideia de coisa julgada inconstitucional. A revisão da coisa julgada pode se dar pela forma clássica, através da ação rescisória, regulada no art. 485 do Código de Processo Civil, pela ação declaratória de nulidade, ou ainda, pela querela nullitatis. Tanto a declaratória, como a querela são verdadeiras ações, podendo-se afirmar, inclusive, que a querela nada mais é do que uma espécie de ação declaratória de nulidade21. O Superior Tribunal de Justiça admite a utilização da ação declaratória de nulidade para desconstituir sentença, acobertada pela coisa julgada, quando houver vício de ordem superior, que atinja valores constitucionais22. Teresa Wambier faz importante distinção entre o cabimento da rescisória e o da querela nullitatis, afirmando que admite-se que há nulidades de pleno direito “mais graves” (como a falta de citação) e “menos graves” (como o impedimento). Essas dariam azo à rescisória; aquelas, à declaratória de nulidade (querela nullitatis)23. Fredie Didier Jr., muito embora em posição um tanto restritiva, discorre sobre os casos em que a querela nullitatis pode ser utilizada no direito processual civil brasileiro, após o prazo da ação rescisória, denominando tais vícios de transrescisórios: decisão proferida em desfavor do réu, em processo que correu à sua revelia, quer porque não 21

STJ, Resp 445.664/AC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 03/09/2010. STJ, Resp 710599/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 14/02/2008. 23 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 287. 22

fora citado, quer porque o fora de maneira defeituosa. Nesses casos, completa o autor, impugna-se a decisão judicial por meio de ação de nulidade, denominada querela nullitatis, que se distingue da ação rescisória não só pela hipótese de cabimento, mais restrita, como também por ser imprescritível e dever ser proposta perante o juiz que proferiu a decisão24. No tocante à relativização da coisa julgada, o tema é instigante e desperta o interesse dos mais renomados doutrinadores, da jurisprudência e do código de processo civil, que trouxe o dispositivo acima mencionado por duas vezes em seu texto: no cumprimento de sentença entre particulares e no cumprimento contra a fazenda pública. Extrai-se da leitura das mais variadas doutrinas que duas formas de relativização da coisa julgada são admitidas: a relativização baseada em princípio e a relativização legal. Com relação à primeira hipótese, parte da doutrina defende que a coisa julgada deve ter um limite, não podendo ultrapassar certos valores constitucionais, ainda que implicitamente. Para essa parcela, a coisa julgada não pode violar, por exemplo, os princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Um dos maiores expoentes dessa corrente é José Augusto Delgado, para quem a ciência jurídica deve ter por finalidade a busca de decisões justas e legais, razão pela qual a segurança jurídica deve ceder quando outros princípios de maior hierarquia no sistema jurídico são violados pela sentença, dada a necessidade de prevalência do “sentimento do justo e da confiabilidade nas instituições”25. Conclui afirmando que a sentença considerada injusta, ofensiva aos princípios da legalidade, moralidade e atentatórias à Constituição não faz coisa julgada, podendo ser desconstituída a qualquer tempo26. Dinamarco se posiciona no mesmo sentido, lecionando que não ficam acobertadas pela coisa julgada as sentenças “que, por colidirem com valores de elevada relevância

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DIDIER JR., Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil, v. 1 e 2, 12ª edição. Salvador: Jus Podium, 2010, p. 437. 25 DELGADO, José Augusto. Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais in Coisa julgada inconstitucional. 4ª edição, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 46. 26 Ibidem, p. 46.

ética, humana ou política, também amparados constitucionalmente, sejam portadoras de uma impossibilidade jurídico-constitucional”27. Interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça admitiu a relativização da coisa julgada, baseada no princípio da “justa indenização”, nos casos de desapropriação, quando a condenação extrapolar os limites do razoável. Entendeu a Corte que, além de se admitir o afastamento da coisa julgada quando a sentença fixa indenização em desconformidade com a base fática dos autos ou quando há desrespeito explícito ao princípio constitucional da "justa indenização", “com muito mais razão deve ser "flexibilizada" a regra, quando condenação milionária é imposta à União pela expropriação de terras já pertencentes ao seu domínio indisponível”28. Todavia, critica-se essa posição, exatamente em razão da segurança jurídica, que é essencial para a estabilização das relações jurídicas, e que recebe sua maior concretização com a coisa julgada. Ademais, a subjetividade inerente à desconstituição da coisa julgada baseada em violação a princípios é perigosa demais, sobretudo porque retira a possibilidade de se estabelecer o que pode ou não ser desconstituído, ficando ao alvedrio do julgador, sem critérios legais, a decisão. Buscando uma objetividade e uma delimitação mais precisa é que o CPC/73 instituiu a segunda espécie de relativização (legal), baseada na inconstitucionalidade do dispositivo que fundamentou a sentença transitada em julgado, conforme art. 475-L, § 1º29, e art. 741, parágrafo único30. Os dispositivos foram inseridos na reforma de 2005 e tinham por finalidade evitar que sentenças inconstitucionais fossem cumpridas. Essa teoria tem aplicação prática e teórica muito mais pacífica na doutrina e na jurisprudência do que aquela vista anteriormente, notadamente por haver previsão legal de que a sentença proferida com fundamento em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que acobertada pela coisa julgada, é nula e, portanto, não pode ser cumprida. 27

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 306-307. 28 STJ, Resp 1015133/MT, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, DJe 23/04/2010. 29 Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. 30 Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

De acordo com aqueles dispositivos, havia a possibilidade de se alegar, em impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução de título extrajudicial, a inexigibilidade do título executivo judicial, formado com fundamento em dispositivo declarado inconstitucional pelo STF. A razão de ser desses dispositivos pode ser encontrada em precisa lição de Luis Roberto Barroso, para quem a interpretação constitucional deve se assentar “no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental”31. O novo Código de Processo Civil repetiu a ideia do CPC/73 e trouxe dispositivo similar, que mantêm a essência da regra, com algumas delimitações mais específicas, conforme se pode observar de seu texto:

Art. 535 (...) § 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Por essa disposição, qualquer sentença contra a fazenda pública, se tiver sido fundamentada em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em controle difuso ou abstrato, pode ter seu cumprimento impugnado, para que não seja efetivado direito inexistente. Isso se dá porque, uma vez que o STF declara inconstitucional determinada norma constitucional, a regra é que essa declaração tem efeitos ex tunc, fazendo desaparecer o dispositivo do mundo jurídico, como se ele nunca tivesse existido. Dessa forma, a sentença nele baseado teria concedido direito que nunca existiu.

31

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 156.

Destaque-se que o novo CPC, ao aprimorar a redação da norma que prevê a impugnação com base em sentença declarada inconstitucional, deu guarida à noção de objetivação do controle difuso, na medida em que admitiu que também nesses casos de controle de constitucionalidade, é possível a desconstituição do julgado que se fundamentou em dispositivo declarado inconstitucional. Interessante notar a disposição do § 5º do art. 535 do CPC/15, que trata da possibilidade de o STF modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, estabelecendo que “no caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica”. Ressalte-se que não será o juízo do cumprimento da sentença que decidirá sobre o tema, mas o STF na competência que lhe é atribuída pela Constituição Federal32. Na verdade, o dispositivo diz o óbvio, porque tal regra já estava disposta nos arts. 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99, razão pela qual o legislador nesse ponto em nada trouxe de inovador. Instigante debate é aquele relativo a quais efeitos gera a aplicação do art. 535, § 5º, do Código de Processo Civil. Para parcela da doutrina, dentre vários, Heitor Sica, a incidência desses artigos retira apenas a exigibilidade do título judicial (plano da eficácia), “não afetando os seus demais elementos eficaciais, em especial o comando declaratório nele contido”33. Por outro lado, há corrente doutrinária, defendida por Daniel Assunção Neves, ainda sob o pálio do Código/73, que entende que a relativização da coisa julgada, nesse caso, atua no plano da validade, desconstituindo a própria sentença, por ser ela nula34. O tema mais controvertido, contudo, é aquele disciplinado nos parágrafos 7º e 8º do art. 535, que diz respeito ao momento em que pode ser alegada a inconstitucionalidade da norma que fundamentou o título judicial. Pelo § 7º, se a decisão do Supremo Tribunal Federal, que tiver declarado inconstitucional o dispositivo, for proferida antes do trânsito em julgado da decisão

32

AMARAL, Guilherme Rizzo, ob. cit., p. 641. SICA, Heitor Victor Mendonça, ob. cit., p. 833. 34 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2009, p. 472. O autor manteve o posicionamento no seu Manual de Direito Processual Civil, 8ª edição, conforme Novo CPC. Salvador: Jus Podium, 2016, p. 921. Esse parece ser também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 795710/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 14/08/2006). 33

exequenda, poderá a Fazenda Pública alegar este fato na impugnação, conforme autoriza o § 5º do art. 535. Até aqui nenhum problema, pois o § 7º apenas reproduziu a dicção do art. 741, parágrafo único, do CPC/73, que tinha autorização semelhante. A diferença é que agora, no CPC/15, o momento processual ficou determinado com o trânsito em julgado da sentença. Daí vem o questionamento: e se a declaração de inconstitucionalidade se der após o trânsito em julgado da sentença, o título torna-se estável ou subsiste alguma medida para o devedor, no caso, a Fazenda Pública? O § 8º do art. 535 trouxe uma solução que vem causando muito debate na doutrina. Diz o artigo que se a decisão do STF for proferida após o trânsito em julgado da sentença que se pretende cumprir, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. De antemão, é importante destacar que o dispositivo está mal colocado no Código de Processo Civil, porque disciplina hipótese de ação rescisória dentro do capítulo referente ao cumprimento sentença, deixando de fazê-lo no capítulo próprio da ação rescisória. Quanto ao mérito do dispositivo citado, pouco importa que haja trânsito em julgado da sentença que se pretende cumprir, pois se ela foi baseada em dispositivo legal, posteriormente declarado inconstitucional pelo STF, caberá ação rescisória que terá como prazo 2 anos a partir do trânsito em julgado da decisão da Suprema Corte. Isso quer dizer que mesmo uma sentença transitada em julgado pode ser desconstituída, muito tempo depois, se o Supremo Tribunal Federal declarar inconstitucional a norma em que se baseou essa sentença. Heitor Sica adverte que “o dispositivo abre ensejo para que o prazo de ajuizamento da ação rescisória seja ad infinitum, pois define um termo a quo (trânsito em julgado da decisão do STF) sem indicar termo ad quem (como faz o art. 975)”35. A razão de ser do artigo é evitar que se cumpra decisões fundamentadas em normas declaradas inconstitucionais pelo STF, que, como visto acima, retiram do

35

SICA, Heitor Victor Mendonça, ob. cit., p. 834.

mundo jurídico a norma, refletindo na sentença que, assim, estaria baseada em algo inexistente. O conteúdo do artigo já era defendido por Teresa Arruda Alvim Wambier e por José Miguel Garcia Medina em trabalho sobre o tema:

(...) no caso da rescisória com o objetivo de desconstituir a coisa julgada que se forma sobre sentença proferida com base em lei posteriormente tida como inconstitucional em ação declaratória de inconstitucionalidade, o prazo só pode começar a contar a partir do julgamento da ação declaratória de inconstitucionalidade.36

A justificativa para esse raciocínio é que seria ilógico admitir início e exaurimento de prazo para ajuizamento de rescisória com esteio em fundamento ainda não passível de ser invocado. Contrário a esse dispositivo legal, e, consequentemente, ao entendimento perfilado pelos autores, estão Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega, para quem a segurança jurídica fica abalada com a possibilidade de se ajuizar ação rescisória sem vínculo com o trânsito em julgado da decisão que se pretende cumprir. Confira-se trecho do pensamento dos autores: Em defesa da segurança jurídica, entendemos, pois, que o termo inicial do prazo decadencial para aviamento da rescisória deve ser o do trânsito em julgado da decisão rescindenda, e não da decisão do STF. Proferida essa quando já exaurido o prazo para rescisória, conservar-se-á decisão inconstitucional. Isso porque o "risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização (‘rectius’: desconsideração) da coisa julgada". 37

Portanto, tem-se que de um lado o dispositivo preserva a essência das regras do controle de constitucionalidade, definindo que não se pode admitir sentença baseada em norma declarada inconstitucional, qualquer que seja o momento dessa declaração.

36

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. Hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003, p. 208. 37 NUNES, Jorge Amaury Maia e NÓBREGA, Guilherme Pupe. Segurança jurídica e a rescisória fundada em inconstitucionalidade superveniente no novo CPC. Disponível na coluna Processo e Procedimento, em http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI222202,11049Seguranca+juridica+e+a+rescisoria+fundada+em+inconstitucionalidade, acesso em julho/2016.

Todavia, de outra banda, a regra causa problemas ao afrontar a segurança jurídica e a coisa julgada prevista na Constituição Federal. Esse tema será alvo, ainda, de muitos debates na doutrina e nos Tribunais, valendo observar que até o momento os livros que se propõem a estudar e analisar o novo Código de Processo Civil pouco ou nada falam sobre essa instigante matéria.

4. CONCLUSÃO O cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública é uma das grandes inovações do Código de Processo Civil, pois, além de harmonizar os procedimentos entre particulares e entre esses e a Fazenda, dá celeridade e instrumentalidade à execução da sentença. Isso porque, como visto, a execução agora é feita na modalidade de cumprimento de sentença, já utilizada desde 2005 entre particulares, nos próprios autos, ficando desnecessária o ajuizamento de nova execução, em autos apartados em por petição inicial. De outro lado, preserva-se as garantias processuais da Fazenda Pública, como o prazo diferenciado para impugnar, a existência de efeito suspensivo da impugnação, e o pagamento por precatório, determinado pela Constituição Federal. Tema que vai gerar muitos debates na doutrina e na jurisprudência é possibilidade de se alegar a inconstitucionalidade do dispositivo que fundamentou a sentença exequenda. Muito embora já esteja parcialmente previsto desde 2005, ele nunca foi unanimidade na doutrina, porque gera insegurança jurídica, ao se admitir que a parte suscite tal questão na impugnação ao cumprimento, ainda que não tenha deduzido anteriormente, mesmo podendo, na fase de conhecimento. Acrescente-se, agora, com o novo CPC, a possibilidade de se alegar tal inconstitucionalidade em ação rescisória sujeita ao prazo de dois anos, mas com contagem diferenciada, que leva em consideração o trânsito em julgado da decisão de inconstitucionalidade do STF e não o trânsito em julgado da decisão que se pretende cumprir.

Teremos ainda muitos debates sobre esse tema, mas que não retiram a importância das modificações inseridas pelo novo CPC, e que devem ser interpretadas de modo a fazer valer aquilo que o legislador pretendeu, ainda que com as críticas cabíveis.

BIBLIOGRAFIA AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2015,. BALEEIRO NETO, Diógenes. A execução no novo CPC in Informativo da Apeminas, ano 8, nº 24, setembro/outubro/novembro de 2015. BASTOS, Marcio Thomaz. Exposição de Motivos que precedeu o projeto que deu origem à Lei no 11.232/2005. COSTA, Eduardo José da Fonseca in Comentários ao novo Código de Processo Civil, Coordenação Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015. CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 10ª edição, 2012. DELGADO, José Augusto. Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais in Coisa julgada inconstitucional. 4ª edição, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. DIDIER JR., Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil, v. 1 e 2, 12ª edição. Salvador: Jus Podium, 2010. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. III. São Paulo: Malheiros, 2001. MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2009. ________ Manual de Direito Processual Civil, 8ª edição, conforme Novo CPC. Salvador: Jus Podium, 2016. NUNES, Jorge Amaury Maia e NÓBREGA, Guilherme Pupe. Segurança jurídica e a rescisória fundada em inconstitucionalidade superveniente no novo CPC. Disponível na coluna

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http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI222202,11049Seguranca+juridica+e+a+rescisoria+fundada+em+inconstitucionalidade. RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2016. SANTOS, Ernani Fidelis dos, NERY JÚNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Execução Civil. Estudo em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. SICA, Heitor Victor Mendonça in Comentários ao novo Código de Processo Civil, Coordenação Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. Hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003.

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