Currículo e intervenções didáticas no ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos

October 4, 2017 | Autor: Gustavo Prado | Categoria: Curriculum Studies, Currículo, Educação de Jovens e Adultos, Ensino De Ciências, CURRICULO
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CURRÍCULO E INTERVENÇÕES DIDÁTICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Valdirene Bernadino Pires1,2 Gustavo Machado Prado1,3 1

Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo E-mail: [email protected] 3 E-mail: [email protected] 2

RESUMO Um currículo que contemple as características e as demandas da educação de jovens e adultos deve considerar os processos de aprendizagem e os conhecimentos vividos e praticados pelos educandos, de forma a contribuir para a formação humana e o desenvolvimento da consciência crítico-reflexiva que promova a autonomia dos sujeitos. Este estudo teve como objetivo verificar a eficácia de intervenções didáticas baseadas na valorização dos conhecimentos de professores e alunos e analisar criticamente os métodos e práticas educativas aplicadas ao ensino de ciências na EJA. O estudo foi desenvolvido em quatro escolas municipais de ensino fundamental do município de São Mateus, estado do Espírito Santo. A análise quantitativa mostrou que o número de acertos nas escolas onde houve intervenção didática foi significativamente maior do que nas escolas onde não houve intervenção didática. As análises qualitativas permitiram concluir que mesmo a escola que obteve o melhor resultado na avaliação empregada apresentou falhas que, caso não existissem, poderiam gerar resultados ainda mais positivos no rendimento do aprendizado. Espera-se, com este estudo, fortalecer o interesse pela busca de uma educação dialógica, embasada por uma escola interativa internamente e com a comunidade em que está inserida, com professores com formação profissional adequada à disciplina que ministram e com vínculo efetivo com as escolas onde trabalham. Espera-se, também, que a EJA seja efetivamente percebida como modalidade de ensino relevante na transformação social, possibilitando que jovens e adultos ainda sem a devida escolaridade se percebam como sujeitos capazes de exercer a cidadania em seus aspectos diversos. Palavras-chave: EJA, intervenções didáticas, São Mateus - ES. ABSTRACT A curriculum that includes the characteristics and demands of the Education of Young and Adults (EYA) should consider learning processes and knowledge lived and practiced by students, in order to contribute to human formation and the development of critical and reflective conscience that promotes personal autonomy. This study aimed to determine the effectiveness of educational interventions based on the knowledge of teachers and students to critically analyze the methods and educational practices applied to teaching science in EYA. The study was conducted in four elementary schools of the city of São Mateus, Espírito Santo, Brazil. The quantitative analysis showed that the number of correct response in schools where intervention occurred was significantly higher than in schools where there was no didactic intervention. Qualitative analyzes showed that even the school that had the best result in the assessment employed presented imperfections that, if absent, could generate much more positive results in performance of learning. It is hoped from this study, strengthen the interest in finding a dialogical education, based on a school interactive internally and with the community in which it operates, with teachers with adequate training to teach their discipline and effective link with the schools where they work. It is hoped, too, that the EYA be really perceived as a relevant mode of education in social transformation, enabling young people and adults yet without proper education to see themselves as subjects capable of exercising citizenship in its diverse aspects. Keys-words: EYA, didactic interventions, São Mateus - ES.

INTRODUÇÃO Segundo Pacheco (2005) o currículo é entendido, em uma de suas definições, quer como o conjunto das experiências educativas vividas pelos alunos, dentro do contexto escolar, dependentes de intensões prévias, quer como um propósito bastante flexível, que permanece aberto e dependente das condições da sua aplicação. Para este autor, o currículo se desenvolve a partir de uma proposta formal, ao que Sacristán (2000a) considera a competência política do desenvolvimento curricular, mas é na escola que se transforma em “currículo em ação” (sensu Sacritán, 2000b), que equivale às práticas dos professores junto aos estudantes. O currículo, então, não pode ser estabelecido apenas a partir de uma racionalidade técnica oriunda de uma atividade política. Ao contrário, seu desenvolvimento deve acontecer por meio de uma contribuição determinante dos professores, que o legitimam através de suas ações na escola. Inclui-se nessas ações a própria interatividade do professor com os alunos que, quanto mais profunda, mais possibilitará o recolhimento de impressões políticas, culturais e sociais da comunidade onde atua. Assim, o currículo é determinado em um conjunto complexo de relações entre a escola, a experiência individual e a vida pública (PAGE, 1990, apud SLATTERY, 1995). No entanto, essa interatividade produtiva, no que se refere às possibilidades de contribuição com o desenvolvimento curricular, só acontecerá se professores e alunos estabelecerem diálogos que permitam a troca de conhecimentos, ao invés de uma relação em que o professor expõe e o aluno apenas ouve. Um currículo que contemple as características e as demandas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) deve considerar os processos de aprendizagem e os conhecimentos vividos e praticados pelos educandos em seu cotidiano social, numa perspectiva pautada na concepção de escola como uma instituição política, um espaço propício à emancipação, que contribua para a formação humana e o desenvolvimento da consciência crítico-reflexiva e promova a autonomia dos sujeitos. A construção da autonomia não tem receita pronta, pois cada sujeito traz consigo vivências, aptidões e informações obtidas em todos os ambientes frequentados da comunidade. São diversos saberes que tencionam a escola. Nas últimas décadas, a EJA vem se apresentando como um campo pedagógicocurricular em pleno processo de construção e diversas discussões e reflexões críticas sobre as suas necessidades e objetivos têm sido desenvolvidas buscando-se compreender os educandos que participam dessa modalidade de ensino quanto à melhor forma de ir ao encontro do que eles conhecem, de suas vivências e da forma como aprendem. Como modalidade da Educação Básica, a EJA não deve ser pensada como oferta menor, nem pior, nem menos importante, mas de forma diferente, como um modo próprio de ensinar, aprender e fazer educação, modo esse condicionado pelos sujeitos que a recebem: os jovens e adultos. Deve representar um vínculo entre os conhecimentos prévios e a nova aprendizagem, uma relação substantiva e não arbitrária com o que já sabem. Se essa relação se estabelece, a aprendizagem se torna significativa. Em relação ao ensino de Ciências na EJA, há um grande caminho a ser explorado. São poucos os trabalhos que traduzem de que forma este ensino tem atuado e feito o diferencial na vida dessas pessoas. Não se tem conhecimento aprofundado acerca de como a relação professor-aluno vem se estabelecendo em sala de aula, ou se, a partir desta relação, o professor tem somado experiências trazidas pelos alunos que o permitam ser um efetivo contribuinte de propostas curriculares ao ensino de ciências nesta modalidade de educação.

Estas considerações sugerem a necessidade de maior investigação sobre o ensino de Ciências na EJA, no sentido de problematizar objetivos e práticas num processo de busca da superação de limites e da efetivação de uma proposta de formação comprometida com a emancipação e participação plena dos sujeitos e com o desenvolvimento curricular nesta modalidade educacional. Nesse sentido, estudos que possibilitem ampliar o entendimento sobre os processos pedagógicos mais adequados ao desenvolvimento do ensino de ciências na EJA, se configuram como ferramentas relevantes para melhoria das práticas curriculares no ensino fundamental. Os alunos da EJA têm uma forma diferenciada de aprender ao retornar para a escola. São pessoas que trazem consigo uma visão do mundo mais fortemente influenciada por seus traços culturais, sociais, familiares e profissionais quando comparados a alunos da educação infantil e do ensino fundamental. Trazem muitos conhecimentos nascidos de seus afazeres diários, nem sempre entendidos ou valorizados pela escola. A EJA é um espaço privilegiado ante a possibilidade de transformar pessoas excluídas pela condição do analfabetismo em cidadãos que tenham consciência de seu lugar no processo histórico, bem como das possibilidades de superação dos fatores que determinam sua exclusão nos vários níveis da sociedade. Freire (1985) enfatiza a necessidade do respeito ao conhecimento que o aluno traz para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico. O autor acrescenta que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho e destrezas. Segundo Freire (1987) a educação escolarizada e seus agentes devem relacionar teoria e prática, ensinando aos alunos possibilidades para produzir ou construir conhecimentos, reconhecendo que ao ensinar também se aprende e estando aberto a uma reflexão crítica sobre a prática educativa, pois sem ela a teoria se limita ao discurso. Sob esta perspectiva o ensino não depende só do professor, sendo preciso que ocorra uma troca, uma reciprocidade de conhecimento para que ele faça sentido, tornando-se verdadeiro. Professor e aluno são, portanto, sujeitos de um processo em que crescem juntos, porque, nas palavras de Freire (1987) “ninguém educa ninguém, ninguém se educa, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. As diretrizes curriculares para a EJA, publicada pelo Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2000), sugerem que a escola construa sua proposta pedagógica e organize o currículo a partir das capacidades a serem desenvolvidas nos alunos. Essas capacidades devem envolver aspectos éticos, cognitivos, afetivos, físicos, estéticos de atuação e inserção social, de forma a atender as necessidades dos alunos em diferentes dimensões de suas vidas (trabalho, família, participação social e política, lazer e cultura). Assim, estes alunos terão a base para se tornarem cidadãos autônomos, críticos, participativos, criativos, solidários e transformadores, capazes de enfrentar as modificações e inovações científicas e tecnológicas, de respeitar a diversidade e de visar à igualdade. Como alunos da EJA trazem consigo conhecimentos nascidos dos seus afazeres e adquiridos no meio social em que estão inseridos, esses saberes devem ser valorizados pela escola por terem significados na vida dessas pessoas, como maneira de aumentar a sua vontade de participar do processo educativo. Esses saberes devem ser atrelados aos conteúdos curriculares possibilitando que o aluno adquira autoconfiança e seja capaz de se apropriar do saber científico e estabelecer uma relação deste com a vida, o trabalho e a comunidade em que vive. Independentemente do conteúdo que o professor de Ciências desenvolva em suas turmas da EJA é necessário que esse conhecimento se faça útil para os alunos, como meio de garantir-lhes uma aprendizagem significativa.

Para Zabala (1998) o ensino depende necessariamente da prática docente. Assim, o autor relata: A prática pedagógica de qualquer professor estará sempre contaminada (no bom sentido, é claro) pelas concepções e ideias que determinam suas ações. Mesmo quando o profissional não tem consciência disso, haverá a presença dessas concepções. Elas dizem respeito ao conteúdo que o professor seleciona para ensinar (o que espera que seus alunos aprendam), a como entende o processo de aprendizagem (como a aprendizagem acontece) e quais caminhos trilha para ensinar (como deve ser o ensino) (ZABALA, 1998). Entende-se que tais concepções estarão sempre presentes nas ações docentes, independentemente do nível de ensino no qual ele atue. De qualquer forma, ao ensinar ciências, o professor deve promover espaços de discussão e reflexão, tentando instrumentalizar os alunos para a compreensão de situações problema de interesse da comunidade (CACHAPUZ et al., 2005). Ao trabalhar abordagens sobre o ensino de ciências, deve direcionar suas aulas como multiplicador de dois pontos fundamentais: teoria e prática. Entretanto, destaca-se que teoria e prática devem estar contextualizadas com a vida do aluno, para que o conteúdo estudado em sala de aula esteja conectado a referências fora dela. Nesse sentido, o aluno não aprende somente para a escola, mas para uso na vida, no contato com o ambiente em que está inserido. Desse modo, o professor não transmite apenas uma informação ou faz perguntas, ele contempla todas as indagações dos alunos, não tomando uma postura conservadora e tradicionalista, dispondo de toda a atenção e cuidado para que os alunos aprendam a se expressar, a expor opiniões e a dar respostas. O trabalho docente não deve ser unilateral. As respostas e opiniões são de vital importância para o professor, que consegue dialogar estabelecendo uma interação entre as vivências dos alunos e os conteúdos abordados em sala de aula, possibilitando a compreensão de como estes poderão fazer sentido em suas vidas. Segundo Freire (1985), isso é transformar os sujeitos inseridos no processo contextualizado de conhecimentos, saberes e práticas para que possam assegurar efetivo entendimento histórico da época em que vivem, do mundo contemporâneo e dos fundamentos teóricos da Educação. Outro ponto relevante é o fato de o professor de ciências na EJA, muitas vezes, embasar suas aulas principalmente no livro didático adotado ou utilizado no ensino regular, com linguagem para adolescentes, deixando de levar até o aluno conhecimentos abordados em outros livros, jornais, revistas, sites e até mesmo em pesquisas experimentais (de campo). Nesse sentido, a atuação docente se direciona a uma aplicação teórica limitada do conteúdo trabalhado, sem qualquer conexão que seja com a realidade prática, não levando em consideração o saber do aluno, o currículo cotidiano. Para Alves (2002), uma prática curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes do currículo, sendo, portanto, sempre tecida em todos os momentos da escola. O docente da EJA como profissional mediador, deve buscar formas de atualizar o material com o qual trabalha com seus alunos, bem como é de sua responsabilidade intervir junto às instâncias maiores da instituição em que atua para alterar o quadro de desatualização que, por ventura, se faça presente nos currículos e grades curriculares apresentados. A prática em ciências na EJA deve ser constante, tanto no ambiente escolar quanto fora dele, e o seu objetivo principal deve ser o de desenvolver a consciência cidadã e a formação social e integral do aluno. Considerar que os alunos da EJA aprenderão somente a partir do livro didático e de informações conceituais é menosprezar o conhecimento de mundo existente e até mesmo o contexto de vida de cada um deles. Diante dos aspectos apresentados, o desenvolvimento deste estudo se justifica a partir da constatação de que o livro didático e os conceitos abstratos nas aulas expositivas

ainda são instrumentos metodológicos bastante utilizados por docentes em suas aulas, e isso acaba tornando estas aulas desinteressantes e fora da realidade do educando. Assim, julgou-se relevante desenvolver um estudo que, em um contexto regional, verificasse a forma como o currículo de ciências está sendo abordado pelos professores da EJA no município de São Mateus, estado do Espírito Santo, e como modificações curriculares contextualizadas nas vivências dos alunos agiriam na qualidade do aprendizado. Pretendeu-se, também, fornecer dados para uma reflexão sobre o papel da relação entre a teoria e a prática em sala de aula na “construção de significados em ciências”. Assim, este estudo teve como objetivo verificar a eficácia de intervenções didáticas baseadas na valorização dos conhecimentos tanto de professores quanto de alunos, num processo dialógico, e analisar criticamente os métodos e práticas educativas aplicadas ao ensino de ciências na EJA em quatro escolas de ensino fundamental do município de São Mateus, estado do Espírito Santo. ASPECTOS METODOLÓGICOS Para obtenção dos dados foram selecionadas quatro escolas municipais de ensino fundamental do município de São Mateus, aqui denominadas EMEF A, EMEF B, EMEF C e EMEF D. Numa primeira etapa as escolas foram visitadas para apresentação do projeto, solicitação de autorização para realizá-lo localmente e verificação da disponibilidade de supervisores e professores em contribuir com o estudo. Em cada escola as intervenções aqui propostas foram feitas apenas nas turmas do 7º período da EJA, levando-se em consideração a necessidade de se trabalhar com o mesmo conteúdo em cada escola, como forma de viabilizar a padronização para efeito de comparação. A distribuição dos estudantes por gênero nas turmas do 7º período das quatro escolas é apresentada no Quadro 1. Também para minimizar ao máximo os vieses, nas quatro escolas foi escolhido o tema sistema nervoso como conteúdo de ciências relacionado à pesquisa aqui proposta. A partir da anuência dos participantes, os professores de ciências do 7º período forneceram explicações sobre a pesquisa aos alunos e sobre a forma com que estes poderiam contribuir. Para verificar se intervenções didáticas baseadas na valorização dos conhecimentos tanto de professores quanto de estudantes se traduziriam em melhor aprendizado, as quatro escolas trabalhadas foram agrupadas em dois pares, sendo um par formado pela EMEF A mais EMEF B (par A/B), e outro formado pela EMEF C mais EMEF D (par C/D). O par A/B foi caracterizado como grupo controle, no qual foi feita a observação das aulas dadas pelos professores sem intervenção de estratégias didáticas. O par C/D foi caracterizado como grupo estimulado, no qual, além das aulas dadas pelos professores, houve a intervenção de estratégias didáticas baseadas na valorização dos conhecimentos tanto de professores quanto de estudantes. Durante o processo, não houve qualquer interferência na didática dos professores, que mantiveram seus métodos de ensino inalterados. As intervenções nas escolas C e D foram feitas como uma sequência das aulas. Para auxílio nas intervenções didáticas com trocas de conhecimentos sobre o tema sistema nervoso junto aos alunos das escolas C e D, foram utilizados modelos anatômicos de torsos e mapas de anatomia. A partir da exposição do material didático estabeleceu-se um diálogo em que o interesse nos conhecimentos trazidos pelos alunos sobre o tema em questão foi claramente demonstrado pelo interventor, que inseria esses conhecimentos em algumas de suas ponderações científicas sobre o assunto.

Para análise da apreensão dos conteúdos trabalhados durante as aulas, foi aplicado o método de triangulação, que envolve tanto pesquisa quantitativa quanto qualitativa (NEVES, 1996). Assim, tanto nas escolas A e B, sem intervenção, quanto nas escolas C e D, onde houve intervenção, os alunos foram solicitados a responder um questionário com cinco perguntas objetivas sobre o tema abordado. Além das cinco perguntas objetivas sobre o tema, o questionário continha também oito perguntas objetivas para facilitar o entendimento do contexto social dos estudantes. O questionário é apresentado no Apêndice 1. Para verificar se houve diferença significativa no número de acertos relativos aos conteúdos trabalhados entre todas as escolas e entre os dois pares de escolas (com e sem intervenção) estudados, foi empregada uma análise de variância (ANOVA) com nível de significância de 5%. A ANOVA foi empregada apenas após a constatação da normalidade e homocedasticidade dos dados. Para embasamento da analise crítica dos métodos e práticas educativas aplicadas ao ensino de ciências na EJA nas quatro escolas, foi feito um levantamento dos materiais didáticos disponíveis e com possibilidade de uso em sala de aula. Além disso, foi realizada uma investigação sobre o contexto sociocultural dos bairros onde se localizam as escolas, bem como sobre a procedência dos alunos e professores envolvidos. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS A análise de variância mostrou que o número de acertos dos estudantes na avaliação aplicada nas escolas onde houve intervenção didática foi significativamente maior (F = 7,229; p = 0,00893) do que nas escolas onde não houve intervenção didática (Gráfico 1). Esse resultado demonstra que, ao serem trabalhados conteúdos ligados à prática do aluno, ocorre uma interação entre o conhecimento que ele tem de mundo com o conhecimento sistematizado, ofertado pela escola. Através desse processo constrói-se uma base mais sólida para aquisição de novos saberes. Intervenções como a realizada nas escolas C e D não são inovadoras e vêm sendo apontadas como prática didática mais eficaz por autores como Freire (1985), Libâneo (1991), Veiga (1996) e Saviani (1991). O que falta a cada escola é procurar meios para aplicá-las, possibilitando abertura de espaços para discussões e análises, visando constantes melhorias ao aprendizado dos estudantes, principalmente no que se refere à EJA, em que o ensino se processa em tempo corrido e tanto professor quanto alunos já chegam cansados de um dia de trabalho. A intervenção aqui proposta procurou dialogar mais com os alunos, o que se tornou possível através da demonstração clara de interesse pelos seus saberes e suas práticas, de forma a apresentar a escola não como única detentora do conhecimento, mas como um ambiente organizador de trocas de conhecimentos que partem tanto do professor quanto dos próprios educandos. Na construção do conhecimento através da dialogicidade, conforme prevê Freire (1987), nem sempre há profundidade, nem sempre o senso comum é ultrapassado, mas quando ela acontece, os estudantes deixam de ser meros expectadores e tornam-se atores no processo de aprendizagem, tendo maior satisfação na vivência educacional. Para Veiga (1996), ao se apropriarem de forma prazerosa desses saberes os alunos adquirem condições de enfrentar as exigências da vida em sociedade. Para Delizoicov (2001) tornar a aprendizagem dos conhecimentos científicos em sala de aula um desafio prazeroso é conseguir que este seja significativo para todos, tanto para o professor quanto para o conjunto dos alunos que compõem a turma.

Numa ação consciente de ensinar-aprender cabe a professor e alunos vincularem o saber escolar e seus determinantes sociais a fim de que o conhecimento científico prevaleça e a objetividade e a universalidade do saber sejam preservadas (Veiga, 1996). Além da comparação entre o par de escolas onde houve intervenção didática com o par em que a intervenção não ocorreu, análises feitas considerando-se apenas comparações entre duas escolas, especificamente A com B, B com C e C com D, apresentaram resultados relevantes, conforme mostra o Gráfico 2. Estes resultados são tratados a seguir. Considerando-se a primeira comparação, entre duas escolas onde não houve intervenção, a análise de variância detectou número de acertos significativamente maior na escola B (F = 6,2772; p = 0,01734) do que na escola A (Gráfico 3). As análises qualitativas permitiram concluir que a escola B é uma escola bem estruturada, que atende a uma clientela diversificada, oriunda de diversos bairros da cidade. O professor da escola B possui licenciatura em biologia, é efetivo nesta unidade de ensino desde muito tempo e tem experiência em trabalhar com a EJA. Além disso, muitos dos alunos que formam a turma são oriundos do período diurno que migraram para a turma de EJA devido a reprovações e defasagem idade-série, mas que estão habituados à rotina escolar. Já na escola A o professor possui licenciatura em biologia, mas não é efetivo, atuando em regime de designação temporária, e os alunos têm, em média, mais idade do que na escola B e são oriundos da própria comunidade. Para Gadotti e Romão (2011) a EJA não pode ser uma reposição da escolaridade perdida. No entanto, percebe-se que este fato ainda acontece, fazendo com que, cada vez mais, a EJA se descaracterize, tornando-a uma educação mais voltada para adolescentes do que para adultos. Geralmente os professores em designação temporária não possuem preparação para trabalharem com a EJA e aceitam trabalhar à noite porque podem conciliar melhor o horário com outra escola ou atividade. Muitos atuam no ensino regular e acabam adaptando os conteúdos aplicados durante o dia às turmas de EJA, infantilizando o ensino e muitas vezes desmotivando os alunos. Para Ribeiro (1999) a perspectiva assistencialista e infantilizadora da educação de jovens e adultos é um fator que prejudica a constituição deste campo, limitando as condições de se ofertar aos educadores uma formação adequada, que considere as especificidades do público dessa modalidade educativa. Outro possível motivo para o resultado obtido é que o professor da escola A é contratado em regime de designação temporária. Sendo temporários, os professores, em geral, atuam em uma unidade de ensino a cada ano, não estabelecendo vínculo com a escola e desconhecendo sua proposta pedagógica e o histórico dos alunos. Apesar de a análise estatística ter mostrado que o número de acertos das escolas B e C não foram significativamente diferentes entre si (F = 0,27213; p = 0,60502), o Gráfico 4 aponta que a escola C, em que houve intervenção, obteve desempenho sutilmente menor em relação à escola B, onde não houve intervenção. Um dos pontos relevantes observados é que o professor da escola C, que trabalha em designação temporária, não possui formação específica em ciências. Além disso, os alunos são oriundos do próprio bairro onde a escola se encontra, sendo este habitado principalmente por comunidades carentes com formação escolar precária. A falta de profissionais efetivos para atuarem na EJA, pode levar à desmotivação dos alunos desta modalidade. Segundo Haddad (2007), a ausência de um sistema nacional de EJA que contorne este tipo de problema, acaba por provocar descontinuidade dos estudos entre os alunos que frequentam as diversas etapas ofertadas pelos diversos níveis de governo.

Também na escola C os alunos se mostraram menos participativos nas aulas. Para o professor um dos possíveis motivos para tal comportamento é o fato de os alunos terem certa dificuldade em se expressar, pelo medo de errar. Para Pinto (1992), uma das características da EJA é a culpabilização que muitos alunos dessa modalidade educacional atribuem a si próprios. Segundo o autor, eles parecem ignorar as causas que explicam o seu “atraso cultural”, não se percebem como sujeitos cujos direitos foram tirados e carregam sobre si próprios a culpa da situação. Além disso, os alunos por muitas vezes se sentem inferiorizados devido a motivos como o atraso na idade-série, a quantidade de anos sem estudar e as reprovações. Outro ponto relacionado à escola C é que esta não possui materiais de apoio para o professor, como mapas e torsos, contando apenas com a biblioteca, que não possui material destinado a adultos, mas apenas ao ensino regular. Além disso, embora esta escola possua Laboratório de Informática Educativa (LIED), os alunos não podem usá-lo devido à perda de algumas de suas peças. Por fim, a indisponibilidade de alimentação no período noturno na escola C foi observada em várias das visitas realizadas neste estudo. Assim, percebe-se que a EJA é ainda marginalizada em algumas escolas, sendo vista como submodalidade de ensino, sem importância, estando sujeita às “sobras” do ensino regular e permanecendo distante do seu papel efetivo na transformação social que tanto se procura alcançar. Embora tenha sido aplicada nas escolas C e D a mesma intervenção didática para o desenvolvimento da pesquisa, a análise de variância mostrou que o número de acertos foi significativamente maior (F = 10,529; p = 0,00254) na EMEF D (Gráfico 5). Este fato pode ser explicado por algumas características positivas da escola D observadas, além dos problemas relacionados à escola C, já apontados. Na escola D o professor é licenciado em Biologia. Também foi possível observar nesta escola que há maior interação entre professor e alunos, sendo estes muito participativos e interessados nas propostas feitas para o desenvolvimento dos conteúdos das aulas. Houve uma grande troca de conhecimentos, permeada pelo respeito às opiniões diversas, numa proximidade do que Freire (1987) chama de educação dialógica. Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente. (Freire,1987). Apesar de algumas diferenças positivas observadas na escola D, também nesta alguns problemas foram detectados. Por trabalhar na escola apenas à noite o professor desconhecia os materiais disponibilizados para serem utilizados durante as aulas. Após uma conversa com o coordenador foi verificado que a escola possui diversos materiais que poderiam ser utilizados como suporte para as aulas, como torso e diversos mapas, ficando evidente a falta de planejamento e de entrosamento do professor com a escola. Esse desconhecimento do profissional pode ocorrer por diversos motivos, como falta de planejamento das aulas, falta de acompanhamento técnico pedagógico e falta de interação entre os diversos profissionais que integram a escola. Ainda assim, os resultados obtidos neste estudo confirmam que o aprendizado sob uma perspectiva dialógica, em que há troca e valorização de conhecimentos entre escola e alunos, tal como foi a proposta da intervenção aqui apresentada e tal como foi a didática empregada pelo professor da escola D, é muito mais positivo do que um aprendizado unidirecional. Além disso, o vínculo profissional efetivo do professor com a escola onde atua e a formação adequada à disciplina que ministra foram de grande importância para a qualidade do aprendizado. A triangulação embasada pelas análises quantitativas e qualitativas permitiu concluir que, apesar de uma escola ter se sobressaído em termos de resultado da avaliação, mesmo esta

apresentou falhas que, caso não existissem, poderiam gerar resultados ainda mais positivos no rendimento do aprendizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Espera-se, com este estudo, fortalecer o interesse pela busca de uma educação dialógica, embasada por uma escola interativa internamente e com a comunidade em que está inserida, com mais professores com formação profissional adequada à disciplina que ministram e com vínculo efetivo com as escolas onde trabalham. Particularmente em relação à EJA, espera-se que esta seja efetivamente percebida como modalidade de ensino, com importância relevante quanto ao seu papel na transformação social, possibilitando que jovens e adultos ainda sem a devida escolaridade se percebam como sujeitos capazes de exercer a cidadania em seus aspectos diversos. Finalmente, aliando-se às expectativas anteriores, espera-se que professores da EJA utilizando-se da dialogicidade na prática de ensino possam extrair de cada comunidade onde atuam os elementos fundamentais que possibilitarão o desenvolvimento de um currículo regionalmente fortalecido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Nilda (Org.). Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL. Parecer CNE/CEB nº. 11/2000 e Resolução CNE/CEB nº. 01/2000. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. CACHAPUZ, Antônio et al. A necessária Renovação do Ensino das Ciências. São Paulo: Cortez, 2005. DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTI, José André; PERNAMBUCO, Marta Maria. O ensino de ciências: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. ______. Pedagogia do oprimido. 37. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987. GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (Org). Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 12 ed. São Paulo: Cortez 2011. HADDAD, Sergio. A ação de governos locais na educação de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, v.12, n. 35, p. 197-211, 2007. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez. 1991. NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração, v. 1, n. 3, p. 1-5, 1996. PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de jovens e adultos. 13. ed. São Paulo: Cortez, 1997. RIBEIRO, Vera Masagão. A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico. Educação & Sociedade, n. 68, p. 184-201, 1999. RODRIGUES, Maria Emília de Castro. A prática do professor na educação de adolescentes, jovens e adultos: a experiência do Projeto AJA de Goiânia - GO. 2000. 250 f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000. SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? In SACRISTÁN, José Gimeno; GOMÉZ, A. I. Pérez. (Org.). Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000 (a).

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Gráfico 1 - Média (círculo) e intervalo de confiança (linha vertical) do número de acertos observados para o teste aplicado às turmas de EJA de quatro escolas municipais de ensino fundamental (EMEF A e B: sem intervenção didática; EMEF C e D: com intervenção didática) do município de São Mateus - ES.

Gráfico 2 - Média (círculo) e intervalo de confiança (linha vertical) do número de acertos observados para o teste aplicado às turmas de EJA de quatro escolas municipais de ensino fundamental (EMEF A e B: sem intervenção didática; EMEF C e D: com intervenção didática) do município de São Mateus - ES. A análise de variância (ANOVA) mostrou que o número de acertos foi significativamente diferente entre as escolas estudadas.

Gráfico 3 - Média (círculo) e intervalo de confiança (linha vertical) do número de acertos observados para o teste aplicado às turmas de EJA de duas escolas municipais de ensino fundamental (EMEF A e EMEF B: ambas sem intervenção didática) do município de São Mateus - ES.

Gráfico 4 - Média (círculo) e intervalo de confiança (linha vertical) do número de acertos observados para o teste aplicado às turmas de EJA de duas escolas municipais de ensino fundamental (EMEF B: sem intervenção didática; EMEF C: com intervenção didática) do município de São Mateus - ES.

Gráfico 5 - Média (círculo) e intervalo de confiança (linha vertical) do número de acertos observados para o teste aplicado às turmas de EJA de duas escolas municipais de ensino fundamental (EMEF C e EMEF D: ambas com intervenção didática) do município de São Mateus - ES.

Apêndice 1 - Questionário aplicado aos alunos do 7 º período de quatro escolas municipais de ensino fundamental, como parte da metodologia do estudo “Currículo e a prática de ensino de ciências na educação de jovens e adultos no município de São Mateus, estado do Espírito Santo. 1. Sexo: ( ) M

( )F

2. Escola em que estuda: _______________________________________ . 3. Idade: ( ) até 25 anos 4. ( ) casado (a)

( ) 25 a 35

( ) 35 a 45

( ) mais que 45

( ) solteiro (a)

5. Você gosta de estudar a disciplina Ciências? ( ) sim ( ) não 6. Você sente dificuldade em aprender a disciplina Ciências? ( ) sim ( ) não 7. O professor de Ciências utiliza outros recursos além do livro didático para explicar a matéria? ( ) sim ( )não 8. Você vê relação do conteúdo estudado em Ciências com o seu cotidiano? ( ) sim ( ) não Sobre a matéria Sistema Nervoso, responda: 1. Dos movimentos feitos no dia a dia quais são voluntários? ( ) batimentos cardíacos, piscar de olhos, respiração; ( ) levantar o braço,pedalar de bicicleta, subir e descer escadas; ( ) batimentos cardíacos, subir e descer escadas, andar de bicicleta. 2. O reflexo patelar, aquele que ocorre quando batemos levemente no joelho estando a perna cruzada sobre a outra, é um tipo de reflexo: ( ) do córtex cerebral; ( ) bulbar; ( ) do córtex cerebelar; ( ) medular; ( ) da base do cérebro. 3. Um indivíduo, após sofrer lesão em seu cerebelo, poderá desempenhar todas as funções a seguir, EXCETO: ( ) lembrar-se do nome de um amigo; ( ) retirar a mão, se espetada por um alfinete; ( ) resolver, mentalmente, um problema matemático; ( ) pular corda; ( ) ouvir música. 4. Se uma pessoa sofrer lesão no hipotálamo, é de se esperar que apresente problemas de:

( ( ( ( (

) memória e inteligência; ) mastigação, deglutição, fonação; ) coordenação motora, postura e equilíbrio; ) visão, audição e olfato; ) temperatura corporal, sono e apetite.

5. José sofreu um acidente que provocou um traumatismo craniano. Ao se recuperar, ficou com algumas sequelas, como por exemplo, transtornos no equilíbrio e na coordenação de alguns movimentos. A região possivelmente afetada foi: ( ) cérebro; ( ) bulbo raquidiano; ( ) ponte; ( ) cerebelo.

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