CURRÍCULO E PARTICIPAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE WEBRÁDIO NO ENSINO MÉDIO

June 8, 2017 | Autor: Éverton Almeida | Categoria: Mídias na Educação
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CURRÍCULO E PARTICIPAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE WEBRÁDIO NO ENSINO MÉDIO Éverton Vasconcelos de Almeida Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) [email protected] Roseli Zen Cerny Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) [email protected] Modalidade: Comunicação Oral Eixo Temático: 5. Novas Tecnologias na Educação. Resumo: Com a universalização do acesso às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação através dos dispositivos móveis, diferentes modificações foram provocadas no espaço educativo. O principal modelo escolar, focado na transmissão de conteúdos, enfrenta perturbações que colocam as TDIC como catalizadoras deste processo. Mesmo com os avanços tecnológicos experimentados na última década, a escola continua com grande importância na formação dos sujeitos, alargando ainda mais sua função social, principalmente através do desafio de incluir a educação para as mídias no espaço escolar. Este estudo pretende analisar o potencial da webRádio na Escola, com uso de podcast, como cooperação na formação crítica dos sujeitos. De abordagem qualitativa, a pesquisa se desenvolve em uma escola de Ensino Básico, com a participação de professores, estudantes, gestores e comunidade escolar, através da linguagem radiofônica.

Palavras-chave: webRádio, participação, mídia-educação.

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INTRODUÇÃO

A docência possui diferentes níveis de complexidade que tornam a ação do profissional uma atividade multifacetada e que exige múltiplas habilidades. Com o avanço das tecnologias digitais de informação e comunicação e a recente democratização do acesso às tecnologias móveis, através de smartphones e computadores portáteis, o trabalho docente tem ganhado novos contornos. De modo geral, os acessos às tecnologias digitais mobilizaram novos processos de aprendizagem que ultrapassam os espaços das escolas. 1

Tais aprendizagens atravessam o currículo de diferentes formas, influenciando as relações de professores e estudantes com o conhecimento e, principalmente, colocando em questão a tradicional concepção de currículo como prescrição de conteúdos. A escola, compreendida como local de encontro e de tensões culturais, concentra as mais diversas formas de aprender que se desenvolvem através das mídias digitais, dos jogos eletrônicos e das redes sociais. Concentra as diferentes formas de se relacionar com o mundo da comunicação digital em escala global, com o mundo multimidiático da propaganda e do consumo. Por isso, é emergencial que se promova a reflexão sobre como as tecnologias e as mídias digitais tem impactado as subjetividades que não mais se conformam com a mera transmissão de mensagens e prescrições de conteúdos. “No mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo o consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia” (JENKINS, 2009, p. 29). Na medida em que educadores e educandos, crianças, jovens e adultos, se apresentam na sala de aula trazendo informações culturais adquiridas através dos meios de comunicação, a escola precisa oportunizar momentos adequados para que esta bagagem cultural não seja desprezada. Como aponta Silverstone (2011, p.9), a mídia “está presente em todos os aspectos da vida cotidiana”. Mediar as disputas entre as influências midiáticas passa a ser uma dimensão fundamental para a atuação do professor que pretende uma formação crítica e emancipadora. A fundamentação proposta por esta investigação encontra-se na junção entre os campos da Educação e da Comunicação, a partir dos pressupostos teóricos da Mídia-Educação, com a intenção de fazer emergir as potencialidades das tecnologias digitais, utilizadas como uma atividade didática pedagógica que oportuniza a participação dos sujeitos envolvidos e que possibilita a participação direta no currículo, no percurso formativo, através da escolha dos conteúdos colocados em pauta em uma webRádio.

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TDIC’S, CURRÍCULO ESCOLAR E PARTICIPAÇÃO

As escolas possuem algumas características que são comuns a todas elas. Com forte teor na tradição do currículo prescritivo, o principal modelo escolar tem um enfoque maior na figura do professor que se coloca como um transmissor da mensagem e o estudante como um receptor. As decisões sobre os procedimentos da escola não passam por avaliação ou discussão dos jovens e com os jovens, presumindo um comportamento de passividade. Apesar das inúmeras situações que demonstram que este lugar de passividade não cabe mais aos estudantes, esta presunção ainda os colocam em situação de dever de aceitação das regras, dos currículos e dos conteúdos estudados. A primeira década do século XXI trouxe ao cenário mundial - e por consequência ao cenário educacional - o avanço das TDIC’s. Os processos de comunicação em rede oportunizaram a inserção dos usuários da web 2.0 na mídia que, por sua vez, passou por fortes transformações no que diz respeito a participação, com a internet como carro chefe deste processo. Primo (2007, p.2), aponta que “a Web 2.0 refere-se não apenas a uma combinação de técnicas informáticas”, ela concerne aspectos mais profundos, referindose “a um determinado período tecnológico, a um conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação mediados pelo computador”. Para o autor, as principais contribuições deste período estão na potencialização de processos de trabalho coletivo, de trocas afetivas, de produção e circulação de informações, de construção social de conhecimento, apoiada pela informática (PRIMO, 2007). Um profundo impacto na cultura popular se dá através dos mecanismos de participação. Henry Jenkins, chama a atenção para a expressão cultura participativa, processo que rompe com a passividade dos espectadores dos meios de comunicação e permite o contato direto com os meios. “Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo com um novo conjunto de regras” (JENKINS, 2009, p.30). Desta maneira, tem-se ampliado as possibilidades de experiências educativas e igualmente ampliado o percurso formativo dos cidadãos. 3

Já se aponta para um processo de formação ao longo da vida, nas interações com as TDIC’s, e “a educação já não é mais pensável a partir de um modelo escolar que se encontra ultrapassado tanto espacial como temporalmente por concepções de formação correspondentes às demandas da sociedade em rede” (Catsells, 1998 apud MartínBarbero, 2014, p.10). O campo da educação e o campo da comunicação encontram-se cada vez mais imbricados e a mídia-educação, conforme apontam Bévort e Belloni (2009), “no plano epistemológico, por suas características estruturais, [...] se situa na intersecção dos campos da educação e da comunicação”. Neste sentido, “a mídia-educação é parte essencial dos processos de socialização das novas gerações, mas não apenas, pois deve incluir também populações adultas, numa concepção de educação ao longo da vida” (BÉVORT E BELLONI, 2009, p.1083). Na educação básica, é emergente a necessidade de dialogar criticamente com as crianças e jovens sobre esta nova miríade de oportunidades de participação, já que “as crianças são participantes ativas nessa nova paisagem midiática, encontrando a própria voz por meio da participação” (JENKINS, 2009, p. 284). Com um currículo pautado na divisão por disciplinas, que ainda conserva as características do modelo bancário, desenvolvem-se uma série de problemas que impedem a escola de avançar no sentido da formação humana integral. “Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem” (FREIRE, 2011, p.80). A supremacia do conhecimento fragmentado em disciplinas impede frequentemente a relação entre as partes e o todo, e "deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto” (MORIN, 2012, p.16). Ensinar não se encerra na transferência de determinados conceitos curriculares. Como aponta Morin (2012, p.16) “é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo". Conduzir a formação focada no objetivismo produtivo, que conduz ao pensamento fragmentado, que pensa suas finalidades apenas para a formação de jovens que alimentem um desejo de futuro incerto (Hernández, 2006) e que gerem uma experiência social 4

competitiva e igualmente fragmentada, se coloca em oposição aos anseios de uma educação que contemple a formação humana integral. Há um processo de esgotamento do modelo de escola centrada na transmissão do conhecimento. Esse esgotamento se dá a partir da percepção de que há um profundo gesto de desigualdade no processo de transmissão de conhecimento. Os recursos pedagógicos, voltados ao professor e a serviço da transmissão, conduzem ao entendimento de que “que a grande tarefa do mestre é transmitir seus conhecimentos aos alunos, para elevá-los gradativamente à sua própria ciência” (RANCIÈRE, 2013, p.10.). Neste contexto de oportunizar aos educandos a participação na construção do seu saber, no sentido de dar voz ao que o estudante traz e reflete consigo e com os outros, é que a Rádio Escolar pode desempenhar um caráter de transformação na rotina da escola. Para Belloni (2009, p.47), “a mídia educação ou educação para as mídias, tem objetivos amplos relacionados à formação do usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e comunicação”. Por isso, constitui-se como um dos referenciais deste trabalho, numa perspectiva crítica para o trabalho com as tecnologias na escola.

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WebRádio na Escola

O projeto teve início em fevereiro do ano de 2014. Exercendo a função de professor da unidade escolar, assumi a pesquisa qualitativa como processo que considera o lugar de onde se observa e como partícipe da realidade estudada. Conforme aponta Rivoltella (2009, p. 127-128) “o ponto de vista da pesquisa no âmbito da Mídia Educação é sempre interno; isto significa que o pesquisador é quase sempre um educador que se serve da pesquisa para melhorar a eficácia de sua intervenção”. A primeira ação da pesquisa foi a apresentação do projeto de webRádio na escola aos professores e equipe gestora da escola. Após, buscou-se as impressões dos professores, sobre as possibilidades do projeto, através de um questionário com perguntas abertas e fechadas que versaram sobre a formação docente, experiência no magistério, com projetos de Rádio na escola e sobre as contribuições da proposta no processo educativo 5

das disciplinas do currículo. No que tange o trabalho especificamente voltado à rádio escolar, sete professores responderam que já trabalharam em unidades escolares que possuíam projeto de rádio, porém quatro deles afirmaram não possuir experiência pedagógica com essa ferramenta. Três professores relataram ter se envolvido pedagogicamente com um projeto de rádio. Os demais, vinte e três professores, responderam que nunca trabalharam em unidades escolares que possuíssem um projeto de rádio. Um professor relatou que nunca trabalhou em escolas que possuíssem rádio em seu espaço escolar, mas que possuía experiência pedagógica com esse tipo de ferramenta. Nas questões abertas, sobre como os professores percebiam a utilização de uma rádio na escola, as respostas foram categorizadas de maneira que pudessem representar a dimensão participativa do projeto, tanto por professores como pelos estudantes. Os professores foram identificados pela letra “P”, seguido de número para os diferentes respondentes. Foi possível destacar que, por um lado, um projeto desta dimensão, desperta para a participação das crianças e jovens no ambiente da escola. “A rádio na escola é um instrumento de participação efetiva do aluno no ambiente escolar” (P1). “Uma rádio na escola facilita a comunicação, transmite informações importantes e necessárias à comunidade escolar” (P2). “[...] desperta a criatividade dos alunos e por fim conseguimos detectar diversas habilidades de cada uma” (P3). “[...] serve para estimular o aluno a criar” (P4). “Desperta a curiosidade dos alunos. Pode ser uma forma de auxiliar as informações dos alunos, mantê-los informados” (P5). Por outro lado os professores não se reconheceram como participantes do projeto, imputando a ação exclusivamente aos estudantes. Nas respostas apresentadas, os professores não se colocaram como atores do processo de construção da webRádio. Há um distanciamento entre as ações pedagógicas desenvolvidas nas disciplinas da sala de aula e as ações pedagógicas envolvendo a Rádio Escolar. A participação é identificada como de caráter exclusivo dos estudantes. No decorrer da implementação do projeto, a proposta de inserir uma webrádio na escola foi apresentada aos estudantes durante as reuniões de início de ano, que visavam dar as

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boas-vindas e comunicar as regras e procedimentos da escola. Após a reunião, optou-se pelo critério de seleção por adesão dos jovens que procuraram o pesquisador. As atividades de Rádio na escola iniciaram com a participação de quatro jovens do ensino médio do turno da manhã. Este grupo reuniu-se em turno inverso para organizar um plano piloto de ação que resultou na realização de quatro episódios com a mesma temática. O conjunto destes episódios formaram o protótipo da Rádio na escola, disponibilizado em podcast. Nos áudios resultantes desta primeira ação, foram entrevistados professores, estudantes, diretores, mães e pais, sobre a percepção da comunidade escolar sobre a proposta de Rádio na escola. Também houve o envolvimento de uma mãe de um dos estudantes da escola, que é jornalista, e que entrevistou o rapper brasileiro Mv Bill, com a mesma temática do trabalho elaborado pelos jovens, versando sobre o papel de uma Rádio na escola. O processo de aprendizagem instrumental para uso do software de edição de áudio Audacity se deu de maneira intuitiva, a partir de uma breve demonstração do pesquisador sobre os principais recursos para a edição. O uso crítico da ferramenta se deu através dos debates de elaboração do plano piloto, onde os diálogos versaram sobre o papel da mídia na sociedade, a responsabilidade ética em torno dos conteúdos discutidos e a forma como os estudantes identificavam as ações de rádio. Quando questionados sobre quais as atividades poderiam ser produzidas na rádio pelo grupo, as referências trazidas pelos jovens eram de programas famosos da grande mídia. Tais referencias conduziram uma ideia inicial que pretendia repetir os programas de rádio de cunho humorístico, esportivo e noticiários. De certo modo, a ausência de outros referencias de mídia, conduziram os estudantes a reproduzirem os produtos da grande mídia que colocam o ouvinte na recepção passiva da mensagem, apagando a possibilidade de participação dos demais estudantes. Como forma de reflexão sobre esta questão, buscou-se a utilização de outra palavra que substituísse a referências aos “programas” de rádio, na tentativa de mudar o significado e o resultado das produções da webRádio. Desta maneira, encontrou-se na palavra 7

performance, que conforme aponta Rancière (2012, p.8) é uma palavra que inclui “todas as formas de espetáculo”, a construção de novos significados que eliminassem a exteriorização de referenciais nas ações da rádio, oportunizando a participação e emancipando o pensamento dos produtos da mídia corporativa. “É objetivo da performance eliminar essa exterioridade de diversas maneiras: pondo os espectadores no palco e os performers na plateia, abolindo a diferença entre ambos, deslocando a performance para outros lugares, identificando-a com a tomada de posse da rua, da cidade ou da vida” (RANCIÈRE, 2012, p.19).

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CONCLUSÃO

O potencial da Rádio na escola está na abertura de participação dos sujeitos em atividades pedagógicas que compõem o currículo. Fazer uma webRádio possibilita aos jovens um olhar crítico e a mobilização de diferentes talentos e habilidades. Dividir o poder da fala entre os membros da comunidade escolar é um ponto crucial no sentido democrático que deve pautar o processo educativo. Nesta ação, oportuniza-se a participação na construção e ampliação dos saberes desenvolvidos pelos currículos escolares, estimula-se a reflexão sobre temas que atravessam a escola e abre-se oportunidade para processos de autoria através de atividades na área de mídia educação.

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REFERÊNCIAS

BELLONI, M.L. O que é Mídia Educação. 3ª ed. Campinas: Editores Associados, 2009. BÉVORT, E.; BELLONI, M. L. Mídia-Educação: Conceitos, história e perspectivas. IN: Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 30, n. 109, p. 1081-1102, set./dez. 2009. Disponível em Acesso em 17 set. 2014 FREIRE, P. Pedgogia do Oprimido. 50ª ed. Rio de Janeiro, 2011. HERNÁDEZ, F. Por que dizemos que somos a favor da educação se optamos por um caminho que deseduca e exclui? IN: SANCHO, J.M., HERNÁNDEZ, F. [et al.] Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. JENKINS, H. Cultura da convergência. 2ª Ed. São Paulo: Aleph, 2009. 8

MARTÍN-BARBERO, J. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014 MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ªed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2011 PRIMO, A. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Volume 9, agosto de 2007. Disponível em: Acesso em 17 ago 2014 RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. 3ªed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013 ____________. O espectador emancipado. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. RIVOLTELLA, P. C. Mídia-educação e pesquisa educativa. Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 27, n. 1, 119-140, jan./jun. 2009. Disponível em Acesso em: 23 set. 2013

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