CURRICULUM E GÉNERO NA PÓS-MODERNIDADE: O CASO DE MOÇAMBIQUE

June 24, 2017 | Autor: Geraldo Lucas | Categoria: Educational Research, The Relation Between Gender, Education and Culture
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CURRICULUM E GÉNERO NA PÓS-MODERNIDADE: O CASO DE MOÇAMBIQUE

Geraldo Cebola João Lucas (Universidade Pedagógica - Moçambique)[1]


RESUMO

É objecto de estudo neste artigo "a categoria género no curriculum
educacional básico na pós-modernidade em Moçambique". Constitui objectivo
do estudo trazer à luz a interpretação de género patente no currículo do
ensino em básico em Moçambique. A importância do tema reside no facto de se
poder demonstrar a interpretação do género que se adeqúe à sua reconstrução
pós-moderna, abarcante e inclusiva. O impacto dos movimentos feministas,
que germinaram no solo da exclusão e injustiça que incidia sobre a mulher
desde a Antiguidade, não se restringiu à Europa e `as Américas mas evadiu
as fronteiras africanas. As discussões em trono da homossexualidade que tem
alimentando o mundo das revelações sociais no ocidente transitam para
África ainda de forma hesitante. A evasão das novas tecnologias e a
compactação do mundo à uma janela global contribui deveras para intromissão
e alicerçamento das inovações teóricas do que Santos chama de paradigma
emergente ou pós-moderno. Mas ainda não se regista mudança significativa no
tratamento da categoria género em Moçambique. O estudo é exploratório e de
revisão. Os estudos preliminares permitem aproximar fenómenos
desconhecidos, de modo a aumentar o grau de ideias de familiaridade e
contribuem sobre a maneira correcta de lidar com uma pesquisa particular.
Com ele de modo que estes estudos não constituem desperdício de tempo e de
recursos, é essencial para aproximá-los, com uma avaliação correcta da
literatura. Raramente um fim em si, definir o tom para mais investigação e
são caracterizados por serem mais flexíveis na sua metodologia, são maiores
e disperso, Eles carregam um risco mais elevado e exigem paciência,
serenidade e receptividade pelo pesquisador (GRAJALES, s.d, p.2). É de
revisão porque não contemplou um trabalho de campo, apesar de conjugar as
experiências do dia-a-dia. O método eleito para a presente pesquisa é o
método histórico dado que, apesar da pesquisa se circunscrever num tema da
actualidade, houve necessidade de se mostrar a esteira evolutiva da
interpretação do conceito género por fases históricas diversificadas. A
abordagem é qualitativa dado que a base das interpretações e conclusões foi
a análise qualitativa. A técnica fundamental para a produção presente texto
foi a documentação indirecta, isto explica-se pelo facto da colecta de
informação ter-se baseado na pesquisa bibliográfica e documental. A
pesquisa aportou à conclusão de que o currículo do ensino básico
moçambicano ainda não desconstruiu a cosmovisão dualista sexual do conceito
género. Ele traduz "reduzidamente" pessoas de tendência sexual e do sexo
feminino em mulheres (em termos de papeis) e as do sexo masculino e de
tendência sexual masculina em homens. Se regista permanência ou resistência
de posições tradicionais que teimem em considerar género como mulher. Os
manuais de ensino representam a mesma visão tradicionalista, esta visão não
é inclusiva, é exclusivista porque deixa de fora pessoas do sexo masculino
(as masculinas) com tendência sexual feminina e as do sexo feminino (os
femininos) com tendência sexual masculina. A enfatização das percentagens
de mulheres nos parlamentos (nacional, provincial e autárquico) tem sido
confundida com a promoção de género.
Palavras-chave: Género; Pós-modernidade; Feminismo; Curriculum





ABSTRACT

In this article the gender category in the basic educational curriculum in
postmodernity in Mozambique, is the subject of study. The objective of the
study is to bring to light the interpretation of patent gender in teaching
the basic curriculum in Mozambique. The importance of the issue is that of
being able to demonstrate the interpretation of gender that is suitable for
your postmodern reconstruction, embracing and inclusive. The impact of
feminist movements, which germinated in the exclusion and injustice soil
which focused on women since antiquity, was not restricted to Europe and
the Americas' but escaped African borders. The discussions of homosexuality
throne that has fed the world of social revelations in the West carried
over into Africa still hesitantly. The avoidance of new technologies and
the compression of the world into a global window indeed contributes to
intrusion and empowerment of theoretical innovations of what Santos calls
the emerging paradigm or postmodern. But still does not record significant
change in the treatment of gender category in Mozambique. The study is
exploratory and review. Preliminary studies allow closer unknown phenomena,
in order to increase the degree of familiarity and contribute ideas about
the correct way of dealing with a particular search. With it so that these
studies are not wasting time and resources, it is essential to approach
them with a proper literature review. Rarely an end in itself, set the tone
for further research and are characterized by being more flexible in their
methodology, are larger and dispersed, they carry a higher risk and require
patience, serenity and receptivity by the researcher (GRAJALES, nd, p. 2).
It is because the review did not include fieldwork, although combining the
experiences of day-to-day. The method chosen for this study is the
historical method since, despite the research be limited in the present
topic, it was necessary to show the evolutionary wake of the concept of
gender interpretation by diverse historical phases. The approach is
qualitative as the basis of the interpretations and conclusions of a
qualitative analysis. The fundamental technique to present text production
was indirect documentation; this is explained by the fact that the
collections of information have been based on bibliographic and documentary
research. The research contributed to the conclusion that the curriculum of
Mozambique's basic education has not deconstructed sexual dualistic
worldview concept of gender. It translates "decreasingly" people of sexual
orientation and female in women (in terms of roles) and male and male
sexual orientation in men. Registers stay or resistance of traditional
positions insists to consider gender as a woman. The textbooks represent
the same traditionalist view, this view is not all inclusive, is exclusive
because it leaves out males (male) with female sexual orientation and
female (female) with male sexual orientation. The emphasizing the
percentage of women in parliaments (national, provincial and municipal)
have been mistaken for the promotion of gender.
Keywords: Gender; Postmodernity; feminism; Curriculum






INTRODUÇÃO

Género é uma temática deveras discutida em Moçambique, sobretudo em
teses de estudantes universitários. É uma temática também propagandeada
pelas ONGs e organizações feministas que estão implantadas em Moçambique. A
categoria género é amiudadas vezes evocada, também pelos governos,
particularmente o de Moçambique. Mas a categoria carrega consigo mitologias
e preconceitos que dificilmente nos desmamamos deles.
O debate de eleição neste artigo está ligado à interpretação que se
faz da categoria género e do seu enquadramento no curriculum (educacional)
básico moçambicano. E, para facilitar a pesquisa se escolheu o curriculum
do ensino básico moçambicano. Durante muito tempo se considerou género como
sinónimo de mulher. Mas na saída do século XX começou a ficar claro que
género não significa mulher, mas sim uma categoria relacional. Tanto que
hoje se fala de equilíbrio de género nos emancipadores do feminismo e não
mais da igualdade entre homens e mulheres. Na actualidade há papeis outrora
tidos como femininos que, dependendo de sociedade, transitaram e passaram a
ser unisexos (como o trabalho das tranças nos salões); há tarefas que eram
tidas como especificamente femininas, como cuidar de crianças e fazer
tranças, hoje os homens já trançam e põem brincos sem constituir algo
estranho. As mulheres já são incorporadas no exército, jogos de boxe e
futebol.
Apesar de o género ser uma temática bastante discutida nos meandros
académicos moçambicanos e a literatura universal concernente à categoria
género já ser de acesso fácil para a sociedade africana e moçambicana em
particular, em África e Moçambique, em particular, a categoria género ainda
tem sido interpretada como sinónimo de mulher. E esta visão se encontra
patente no curriculum moçambicano do ensino básico. Por outro lado, esta
visão é apoiada pela ideologia política vigente e pelos preceitos
culturais. Em 2010, o presidente de Moçambique foi laureado como patrono do
país-exemplo na promoção do género em África. Assim, se apregoa que elevar
a mulher, por a considerar capaz de ocupar cargos de direcção, é sinónimo
de promover o género.
No curriculum moçambicano, depois da independência, o governo tratou
do género como a recuperação e valorização da mulher moçambicana. Assim
foram mediatizadas figuras femininas como Josina e Graça Machel; Laurinda
Pachinuapa e mais que se destacaram aquando do decurso da Luta de
Libertação Nacional contra o colonialismo português. Apesar de hoje, na pós-
modernidade, se aceitar as novas tendências sexuais e a homossexualidade
como normalidade e não anomalia, o debate sobre o género em África e
Moçambique ainda está amarrado à sinonímia de género como sinónimo de
mulher. Assim, como consequência no currículo moçambicano, a categoria
género ainda é colocada como mulher ou carregada do dualismo sexual – homem
e mulher, masculino feminino.
Constitui objectivo do trabalho trazer à luz a interpretação de género
patente no currículo do ensino em básico em Moçambique. A importância do
tema reside no facto de se poder demonstrar a interpretação do género que
se adeqúe à sua reconstrução pós-moderna, abarcante e inclusiva.
O impacto dos movimentos feministas, que germinaram no solo da
exclusão e injustiça que incidia sobre a mulher desde a Antiguidade, não se
restringiu à Europa e `as Américas mas evadiu as fronteiras africanas. As
discussões em trono da homossexualidade que tem alimentando o mundo das
revelações sociais no ocidente transitam para África ainda de forma
hesitante. A evasão das novas tecnologias e a compactação do mundo à uma
janela global contribui deveras para intromissão e alicerçamento das
inovações teóricas do que Santos chama de paradigma emergente ou pós-
moderno. Mas ainda não se regista mudança significativa no tratamento da
categoria género em Moçambique.
O estudo é exploratório e de revisão. Os estudos preliminares permitem
aproximar fenómenos desconhecidos, de modo a aumentar o grau de ideias de
familiaridade e contribuem sobre a maneira correcta de lidar com uma
pesquisa particular. Com ele de modo que estes estudos não constituem
desperdício de tempo e de recursos, é essencial para aproximá-los, com uma
avaliação correcta da literatura. Raramente um fim em si, definir o tom
para mais investigação e são caracterizados por serem mais flexíveis na sua
metodologia, são maiores e disperso, Eles carregam um risco mais elevado e
exigem paciência, serenidade e receptividade pelo pesquisador (GRAJALES,
s.d, p.2). É de revisão porque não contemplou um trabalho de campo, apesar
de conjugar as experiências do dia-a-dia.

O método eleito para a presente pesquisa é o método histórico dado
que, apesar da pesquisa se circunscrever num tema da actualidade, houve
necessidade de se mostrar a esteira evolutiva da interpretação do conceito
género por fases históricas diversificadas. A abordagem é qualitativa dado
que a base das interpretações e conclusões foi a análise qualitativa. A
técnica fundamental para a produção presente texto foi a documentação
indirecta, isto explica-se pelo facto da colecta de informação ter-se
baseado na pesquisa bibliográfica e documental.


GÉNERO OU FEMINISMO, QUE APROXIMAÇÃO?

A categoria género foi, desde a Antiguidade, aproximada ao conceito
mulher e da modernidade à actualidade a categoria género foi sendo colada à
dois conceitos: mulher e feminismo. O feminismo como corrente e ideologia
emergiu em defesa e emancipação da mulher e dos direitos a esta
atribuíveis. Hoje em África são diversas as organizações cujo vértice de
acção é a mulher. No entanto, actualmente diversas organizações têm evocado
o género supondo que estão a emancipar e defender os direitos e
empoderamento da mulher. Assim, para o caso de Moçambique, os medias, e
diversos manuais produzidos com o apoio ou sob orientação das ONG tem
acompanha os títulos evocadores de género com figuras ou retratos de
mulher. Seus discursos têm atrelado a categoria género ao conceito de
mulher. Se tornando, elas e seus discursos, limitadoras, exclusórias e
divisionistas.
RIBEIRO aponta que GRAHAM, (1995), defende que o conceito de género
tem sido discutido desde a Antiguidade grega, onde Platão e Aristóteles
entendem-no como conceito de classificação biológica em que, num primeiro
momento, classifica seres animais usando como critério a racionalidade,
critério que origina um género para referir os animais, ditos, racionais
(os reses humanos) e outro género para referir os seres, ditos, não
racionais (animais propriamente ditos). Num segundo momento o conceito
género, restringe-se aos seres humanos usando critérios biológicos
originando o género masculino e o género feminino, em referência aos
indivíduos do sexo feminino. Tanto no primeiro como no segundo momentos,
encontramos uma relação clara e distinta entre o conceito género e a
realidade empírica que este se refere (RIBEIRO, 2003:1).
RIBEIRO refere que num terceiro momento os papéis sociais servem como
critério de diferenciação de género masculino para indivíduos que possuem
sexo biologicamente masculino e que exercem papéis sociais masculinos e o
género feminino para indivíduos que exercem papéis saciais femininos para
os do sexo biologicamente feminino (RIBEIRO, 2003:2).
A categoria género como conceito tem sido interpretada como sinónimo
de mulher. Nos estudos mais recentes tratar de género tem sido sinónimo de
feminismo. Realçar aspectos de índole feminino, segundo estes estudiosos
valorizar e elevar a mulher significa vincar o valor de género se baseando
no dualismo sexual (homem/ mulher). Mas género é uma categoria relacional
abrangente que não pretere outras tendências sexuais conhecidas como
homosexuais, não significando mulher ou redundância feminista.
A aproximação existente entre o conceito mulher e a categoria género
não é imediata e muito menos de fácil apego. É neste sentido que a
desconstrução do elo aproximador bem como da redefinição da categoria
constituem, ainda, caminho tortuoso. Tendo em conta que papéis sociais
masculinos podem ser desempenhados por mulheres e papeis sociais femininos
por homens, surge espaço para quatro tipos de realidades possíveis, sendo o
primeiro de homens que desempenham papéis sociais masculinos, de homens que
desempenham papéis sociais femininos, de mulheres que desempenham papéis
sociais femininos e de mulheres que desempenham papéis sociais masculinos.
Neste contexto, falar da relação de género pode estar a referir-se a
realidade que este categoriza perdendo sua delimitação clássica, uma vez
que género pode estar a referir-se a qualquer das situações, o que levanta
algumas questões, tais como o que é género, que realidade designa o género
feminino e a que realidade designa género masculino? Onde se enquadram as
novas tendências sexuais?



CURRICULUM E GÉNERO NA PÓS-MODERNIDADE: O CASO DE MOÇAMBIQUE

O curriculum reflecte o conflito entre interesses dentro de uma
sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos. E a
escola em geral adopta uma posição e uma orientação selectiva frente à
cultura, que se concretiza no curriculum que transmite. O sistema educativo
serve a certos interesses concretos e eles se reflectem no curriculum.
(SACRISTÁN, 2000:17). Os nossos curricula do sistema de educação em África
tiveram fases históricas antagónicas e de difícil reconstrução. Em muitos
países africanos, com excepção de casos raros como Alexandria no Egipto,
não registou uma escola no conceito de hoje que levasse as pessoas a saírem
de casa com o objectivo de frequentarem em classes com professores
indicados. Mas, entenda-se bem, não significa que as sociedades não
tivessem aprendizagem ou educação. A escola para os africanos era a própria
sociedade, a própria comunidade. Anciãos, famílias, pessoas indicadas para
dirigirem ritos diversificados eram e sempre foram os verdadeiros
professores das escolas africanas. Esses professores sempre obedeceram um
dado curriculum, conjunto de valores aprovados como magnos para serem
transmitidos. A diferença com os curricula trazidos pelos europeus incidia
sobremaneira na tradução do curriculum para sua forma escrita e no facto de
se indicar um espaço específico para a transmissão dos valores culturais
coligidos - a escola.
Mas, frise-se, os curricula europeus eram, como muitos autores já
documentaram, eurocentristas e imperialistas no sentido de fazer entender
ao africano que a sua europeização significava sua civilização. Os manuais
de ensino representavam apenas exemplos europeus. Para o caso de Moçambique
se fez crer que o moçambicano era português. Depois da independência a
educação em África e particularmente foi marcada pela negação dos curricula
idos do tempo colonial, desconstruindo-os, como forma de trazer à luz os
valores culturais reais, sobretudo nos campos da história e geografia.
Assim se lutou por um curriculum representativo em Moçambique, fase
acompanhada pela campanha ideológica da construção do homem novo de
influência socialista
Segundo Loforte & Artur, (1998:11), durante muito tempo na tradição
académica (moçambicana), se tratou a categoria género como uma categoria
homogénea quer na sua composição assim como nos seus comportamentos e
práticas. De outra forma, se privilegiaram as opiniões, as ideias e
concepções masculinas na análise social ignorando o carácter relacional do
conceito de género. A autora documenta que estudos mais recentes têm
elevado a heterogeneidade desta categoria, e que as relações de género são
socialmente construídas. Assim, no entender das autoras, homens e mulheres
ocupam lugares diferenciados na sociedade, sendo as relações de género
configuradas de acordo com factores de natureza ideológica, histórica,
étnica, religiosa e cultural.
RIBEIRO, (2003), conjectura que em Moçambique o conceito género,
continua a ser um conceito para representar realidades sociais, no entanto
a sinonímia género e indivíduos do sexo feminino é resultante da
possibilidade de não incluir indivíduos de sexo masculino não pela sua
inexistência, mas condicionada por um lado por interesses e afinidades dos
pesquisadores, em relação as abordagens teóricas em torno da questão de
género, influenciados pelo multiculturalismo e por outro por
condicionalismos de financiamentos, que favorecem a avaliação e legitimação
da sinonímia em análise. LOFORTE documenta que no concernente à docência os
conteúdos programáticos das diferentes disciplinas dos cursos de geografia,
história ou linguística congregam diferentes áreas de conhecimento, mas não
têm fornecido instrumentos metodológicos e conceptuais que possibilitem aos
estudantes uma análise das sociedades moçambicanos numa perspectiva de
género (LOFORTE, 1998:11).
RIBEIRO refere que o espaço para o debate em torno das relações homem-
mulher em Moçambique é aberto com o início da luta pela independência de
Moçambique, uma vez que o movimento de libertação nacional FRELIMO,
consciente não só desse destacamento, mas também da exploração do povo pelo
colonialismo, assume que só através da eliminação de todas as formas de
discriminação existentes contra a mulher é que se pode emancipa-la e leva-
la a participar da luta armada. (RIBEIRO, 2003:26). RIBEIRO cita HIRVONEN &
BRAGA (1999), referindo que com a independência nacional, a nova
constituição nacional não só reconhece a igualdade de direitos e deveres
entre homens e mulheres, como também proclama a emancipação da mulher como
uma das tarefas primordiais do Estado e a coloca no exercício do poder
popular. O factor decisor para a emancipação da mulher era o engajamento na
tarefa principal que era a transformação da sociedade: na edificação de uma
base material ideológica para a construção da sociedade socialista. Mas na
prática as mulheres continuaram subalternas, uma vez que a nível da OMM
continuaram a ser instrumentalizadas, já não para o combate, mas a
realização de actividades não remuneradas, de benefício comum, embora o
acesso a saúde e educação fossem gratuitos (RIBEIRO, 2003:28). Mas a mulher
cai no conformismo. No pós independência, a mulher era levada para grupos
de canto no partido por vezes sem consentimento dos maridos e temendo o
divórcio muitas deixavam a emancipação de lado.
Na verdade a mudança que se verificou na interpretação de género no
período pós-independência incidiu, apenas, sobre a negação da exclusão da
mulher africana e moçambicana em particular. Justifica-se assim a elevação
da mulher no processo da luta de libertação de Moçambique como forma de
reverter o quadro feminino da ideologia anterior. Desta forma a imagem de
Josina Machel é deveras evocada nos manuais de ensino, cânticos e coros
culturais. Mas, frise-se, o currículo moçambicano não foge da simples
distinção dos homens na base do dualismo sexual, fotografando, documentando
e retratando a mulher como o lado fraco do ser: mulher mãe, mulher
protectora dos filhos, mulher cozinheira. Ou de forma emancipada: operária,
militar/combatente, professora, por vezes maquinista chefe. Nesta matriz, a
mulher moçambicana, é restaurada para a história.

Mas, concordando COM LOFORTE & ARTUR (1998:11-12), ao trabalhar com género
como categoria exclusiva (mulher), esvazia-se e simplifica-se o conteúdo
das outras identidades dos sujeitos – classe, a idade, a etnia. Essa
realidade inibe que se reconheça que múltiplas identidades significam
também múltiplas posições e estratégias. Como se pode depreender, ainda que
as autoras revistam com nova roupagem a interpretação de género e seu
encaixe no currículo, a sua tese não se distancia tanto dos que olham para
o género como versão sinonímica de mulher.
A concepção de género que é trazida da Antiguidade é consolidada na
modernidade por causa do dualismo cultural ou da visão dualista. A
inspiração bíblica que conduz a humanidade a considerar a mulher como o
oposto do homem e parte complementar do mesmo eleva a masculinização da
cultura e civilização humanas e, isto pode se provar olhando para as
gramáticas nascidas da modernidade como viários exemplos de dualidade
cultural: masculino feminino, forte e fraco; alto e baixinho; bonito e
feio; ordem e desordem; etc. E como, de acordo com SANTOS (1996:16), o
conhecimento nascido da modernidade é um conhecimento causal que aspira à
formulação de leis, à luz de regularidade observadas, com vista a prever o
futuro, as teses da modernidade e suas consequências são evidentes. Isto
porque alterar a visão dualista da cultura que ainda comanda nossas vidas
ainda está aquém de ser significativa e, a interpretação da categoria
género com base no dualismo sexual continua deveras forte, não só a nível
de África e Moçambique e sim mesmo no ocidente. Por outro lado, um
conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico
a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se
repete no futuro (IDEM:17). Assim, o facto de o futuro ser um continuum
devir e indeterminado torna ainda difícil a imediaticidade da alternância
da ordem moderna e com ela o dualismo cultural.

A época em que vivemos tem sido apelidada de pós moderna ou do
paradigma emergente por autores como Santos Serra67 e por parte de
estudiosos de currículos como MCLAREN querendo traduzir a transição ou a
desconstrução do projecto da modernidade. MACLAREN documenta que vivemos
uma época de cepticismo, em momentos históricos gerados em um clima de
desconfiança, de desilusão e de desespero. Relações sociais de desconforto
e de desconfiança sempre existiram, mas o nosso tempo é particularmente
ofensivo neste aspecto, marcado pelo fascínio com a ganância, pelo desejo
de consumo hipererotizado e descontrolado, por correntezas de narcisismo,
por severas injustiças sociais e económicas e por uma paranóia social
intensificada (MACLAREN, 1997: 54). Mas no âmago dessa conjuntura
contextual se regista levantes contra a submissão e exclusão de grupos
sociais e culturais que lutam pela expressão e reconhecimento. É no âmbito
da desconstrução da lógica epistemológica modernista marcada pelo
positivismo, pelo dualismo cultural – masculino feminino, que se relevam
grupos homossexuais contra o dualismo sexual e que apesar de muitas
sociedades já serem permeáveis à sua expressão, em África continua a
constituir um mito e de difícil acepção.

A interpretação de género volta a registar um segundo momento de
crise, se considerarmos que o primeiro se verifica com a negação da tamanha
subordinação da mulher em relação ao homem e das desigualdades de
oportunidades na educação, porque as outras tendências sexuais são agora
propagadas e comprovadas pela biologia moderna. Assim biologia moderna
sustenta a tese homosexualista: a pessoa pode ser do sexo masculino e sua
tendência sexual ser direccionada também ao homem e o mesmo acontecendo com
pessoas do sexo feminino. E sendo o curriculum uma representação cultural
da sociedade ou a Expressão de valores que a sociedade deseja que sejam
perpetuados/transmitidos se espera ou deve ser, também, representada a nova
negação do dualismo sexual na interpretação da categoria género.

Em África, oficialmente, quer a evocação para se olhar o género como
categoria relacional que eleve a complementaridade, quer a evocação para
que se sepulte no cemitério da modernidade o dualismo sexual por causa das
revelações das novas tendências sexuais continuam deveras aquém da sua
efectivação. Um exemplo mais recente que sustente a tese apresentada é o
facto do laureamento de Armando Guebuza (presidente da República de
Moçambique) pela abertura de oportunidades para a mulher (ocupando cargos
de direcção no Governo) no dia 3 de Abril de 2010 pela "Femmes Africa
Solidarité", este acontecimento reside na visão do género condensada no
dualismo sexual. Por outro lado, em Moçambique o novo livro escolar ainda
não é inclusivo em termos de tendências sexuais e vinca apenas a
heterosexualidade. Continuando a atribuir os papeis do homem a quem seja,
biologicamente, do sexo masculino e; os papeis sociais da mulher a quem
seja, biologicamente do sexo feminino. Na educação a expectativa em torno
dos rapazes e raparigas é dissemelhante desde o afecto, as sanções ou
premiação de condutas.

Parafraseando OSÓRIO (1998:72), na história ensinada no currículo
moçambicanas as crianças são levadas a identificar-se com os heróis
(marcadamente masculinos) que pela sua força física e coragem enfrentam
inimigos perigosos e vencem batalhas – Tcaka; Ngungunhane; Maguiguane;
Nyantsimba Mutota. E um ou dois nomes apenas de heroínas- Josina Machel;
Ndzinga Mbade (que presume-se ser apenas lendária). Isto influi também no
comportamento dos professores e das professoras no tratamento dos alunos e
das alunas.

Nos pós independência, o currículo moçambicano se ocupou da
restauração ou até introdução da mulher na sociedade e na história da
sociedade moçambicana apenas como sustentáculo da negação à sua exclusão
pelo jugo colonial. Mas para além de exemplos soltos como os de Josina
Machel não houve mais exemplos. Embora tenham surgido contribuições
inovadoras em torno da desconstrução e reconstrução da categoria género
como as de LOFORTE & ARTUR (1998), OSÓRIO (1998), CASIMIRO (1998), RIBEIRO
(1998), TEREZA (1998), para o caso de Moçambique, estas não se distanciaram
tanto das anteriores interpretações. O prémio atribuído ao presidente da
República de Moçambique pela promoção do género em Moçambique revela que os
políticos, assim como outros segmentos da sociedade continuam a confundir
género com mulher. Por outro lado, demonstra de forma evidente que ainda
não são aceites outras tendências sexuais (homosexuais). Neste contexto, se
nega género como uma categoria relacional que a pós-modernidade (pelo
paradigma de rotura, emergente ou multicultural) propõe, preferindo-se o
dualismo sexual. No concernente ao currículo moçambicano, pode se afirmar
que não é representativo quando se toca na categoria género.



CONCLUSÃO

O currículo do ensino básico moçambicano ainda não desconstruiu a
cosmovisão dualista sexual do conceito género. Ele traduz "reduzidamente:"
pessoas de tendência sexual e do sexo feminino em mulheres (em termos de
papeis) e as do sexo masculino e de tendência sexual masculina em homens.
Se regista permanência ou resistência de posições tradicionais que teimem
em considerar género como mulher. Os manuais de ensino representam a mesma
visão tradicionalista, esta visão não é inclusiva, é exclusivista porque
deixa de fora pessoas do sexo masculino (as masculinas) com tendência
sexual feminina e as do sexo feminino (os femininos) com tendência sexual
masculina.
A enfatização das percentagens de mulheres nos parlamentos (nacional,
provincial e autárquico) tem sido confundida com a promoção de género.
Portanto, entende-se que a visão e representação do género no currículo no
modelo que se propõe neste trabalho requerem uma viragem, rotura com a
mulherinização ou do conceito e aceitabilidade social que depende da
ideologia norteadora do currículo. Esta rotura e regerminação do género não
estão perto de acontecer, mas já é gritantemente necessária em África e
Moçambique em particular. A categoria género ao ser interpretada como
sinónimo de mulher, não é totalizante e logo é exclusória e separatista.
Ao ser interpretada como uma categoria relacional mas, ainda, privilegiando
a oposição sexual- marido/mulher, mãe/pai; é outrossim separatista. A
categoria género, para que possa ser de facto inclusiva, deve tomar em
consideração, também as tendências homosexuais e não considerá-las uma
aversão `a normalidade.


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SOUSA SANTOS, Boaventura de. 5ª ed. Pela Mão de Alice, Porto, Afrontamento,
1994.

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[1] Licenciado em História pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM,
Moçambique) e, mestrando em Educação/Ensino de História Pela Universidade
Pedagógica (UP, Moçambique). Docente de História Medieval e de Ciência
Política no departamento de Ciências Sociais e Filosóficas da Universidade
Pedagógica – Delegação do Niassa (Moçambique). cell: 258 844971565; email:
[email protected].
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