Curso de Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

June 13, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: direito Internacional público, Organizações Internacionais
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JOÃO PEDRO SIMÕES DIAS LICENCIADO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE DE COIMBRA MESTRE EM ESTUDOS EUROPEUS PELA UNIVERSIDADE DO MINHO DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

UNIVERSIDADE INTERNACIONAL FIGUEIRA DA FOZ 2007/2008

João Pedro Simões Dias

ÍNDICE Introdução Livro I Do Direito Internacional Público Parte I. Sociedade Internacional e Direito Internacional Capítulo I. A Sociedade Internacional 001.O ambiente internacional 002. Sociedade internacional ou Comunidade internacional? 003. O normativismo internacional Capítulo II. O Direito Internacional 004. Aproximação à noção de Direito Internacional Parte II. Os sujeitos do Direito Internacional Parte III. As fontes do Direito Internacional Parte IV. A aplicação do Direito Internacional Livro II Das Organizações Internacionais

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Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

INTRODUÇÃO O texto que agora se publica foi elaborado com uma finalidade essencialmente didáctica - servir de texto de apoio e de suporte

à

matéria

preleccionada

na

disciplina

de

Direito

Internacional Público integrante do plano curricular da licenciatura em Direito ministrada na Universidade Internacional da Figueira da Foz. Fruto de vários anos de leccionação da referida disciplina, e da atenção que a mesma nos vem merecendo de há muito a esta parte, não nos limitámos ou circunscrevemos, porém, na altura da elaboração

deste

texto,

à

matéria

exposta

verbalmente

no

exercício da função docente. Deliberadamente, fomos muito para além do que, em cada ano lectivo, constitui o programa da disciplina em causa. Duas razões aconselharam a que assim tivéssemos procedido. Por

um

lado

o

facto

de,

infelizmente,

o

Direito

Internacional ter vindo, nos últimos anos, progressivamente, a perder importância relativa nos planos curriculares das diferentes licenciaturas em Direito - estando, hoje, praticamente, reduzido a uma simples disciplina «semestral» na generalidade dos cursos de Direito. Disciplina semestral que por regra nunca ultrapassa, em tempo útil, os quinze tempos lectivos de não mais de duas horas cada. Muito pouco, pois, para o estudo aprofundado de uma disciplina jurídica com o alcance e o objecto que possui a disciplina de Direito Internacional. Por

outro

lado,

porque

entendemos

que

um

texto

académico de apoio à leccionação de uma disciplina universitária não se deve reduzir ou limitar a verter em letra de forma aquilo que é objecto da exposição oral efectuada na sala de aula. Tem obrigação de ser mais do que isso e de ir muito para além disso, nomeadamente: (a) permitindo desenvolver temas ou aspectos 3

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impossíveis de serem detalhados naquela exposição oral; (b) abrindo novos horizontes para o aluno que pretenda aprofundar a investigação e o conhecimento sobre uma temática específica constante do programa da disciplina; (c) possibilitando ao docente, a cada ano que passa, adaptar o programa da disciplina quando a realidade a isso aconselhe, sem que, imediatamente, o texto escrito

se

encontre

desactualizado

ou

desconforme

com

a

prelecção oral. Só assim se percebe, aliás, que, compulsando o índice deste texto com o programa que da disciplina de Direito Internacional temos tempo útil e efectivo para leccionar em cada ano lectivo (rectius: num «semestre» de um ano lectivo), as discrepâncias sejam bem evidentes e aquele - que corresponde ao texto ora publicado - seja incomparavelmente mais extenso e detalhado do que este - que corresponde ao efectivo programa da disciplina. Não cremos, porém, que daí venha algum mal ao mundo… Bem pelo contrário! Cada vez mais há matérias que, pela sua

inquestionável

actualidade,

não

podem

deixar

de

ser

abordadas num Curso de Direito Internacional, pese embora seja cada vez mais difícil encontrar tempo útil lectivo que permita enquadrá-las na sequência ordenada das exposições orais lectivas - é o caso, por exemplo, do papel crescentemente importante e relevante desempenhado pelas Organizações Internacionais e pela sociedade civil internacional emergente no quadro da sociedade internacional; de toda a problemática relacionada com a protecção e tutela dos direitos humanos, com a emergência dum novo direito de ingerência fundado na tutela e na efectiva protecção desses mesmos direitos humanos; ou a necessária e imprescindível reflexão sobre os novos caminhos e os novos rumos que se abrem ao Direito Internacional num mundo cada vez mais global, dominado pelos critérios económicos e economicistas, onde não falta quem divise o fim da própria História. Todo este vasto leque de matérias é dificilmente arrumado num planeamento lectivo que 4

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

conta com escasso tempo de leccionação efectiva. Mas, pela sua importância, constituem temas que não podem deixar ser referidos e abordados no âmbito de um Curso de Direito Internacional.

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João Pedro Simões Dias

PARTE I SOCIEDADE INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL CAPÍTULO I A SOCIEDADE INTERNACIONAL 1. O ambiente internacional ― O Direito Internacional, como qualquer outro ramo do saber jurídico, é fortemente influenciado pelo ambiente em que opera, pela sociedade em que vigora. 2. Sociedade internacional ou comunidade internacional? ― O ambiente internacional em que o Direito Internacional opera ou

vigora

costuma

ser,

indistintamente,

qualificado

como

«sociedade» ou «comunidade» internacional. Em rigor, estamos ante conceitos diferentes que importa precisar e delimitar. Mas a respectiva distinção não é do domínio do jurídico; releva dos ensinamentos da sociologia - e é, portanto, a ela que teremos de recorrer para qualificarmos correctamente esse mesmo ambiente internacional. A sociologia ensina-nos que todos os grupos sociais se reconduzem a duas grandes categorias: (I) comunidades e (II) sociedades. E em ambas as categorias existem interesses comuns entre os seus membros e interesses divergentes ou contraditórios entre eles. Porém, nas comunidades os interesses convergentes ou comuns tendem a ganhar preponderância sobre os interesses divergentes (é mais o que une do que o que separa). Pelo contrário, nas sociedades a prevalência vai para os elementos ou interesses contraditórios (é mais aquilo que separa do que aquilo que une). A luz deste critério distintivo, impõe-se averiguar o que se

passa

com

a

frequentemente

chamada

«comunidade 6

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

internacional». É uma comunidade em sentido verdadeiro ou aproxima-se mais do conceito e da noção de sociedade? O Direito Internacional não é indiferente à consideração da chamada «comunidade internacional» como uma verdadeira comunidade ou como uma sociedade. A concepção societária da «comunidade internacional» vê o Direito Internacional como uma ordem

jurídica de mera

coordenação de soberanias que assenta em relações horizontais e de cooperação entre os Estados. Por seu lado, a concepção comunitária da vulgarmente designada «comunidade internacional» vê o Direito Internacional como uma ordem jurídica que reflecte relações de supremacia de uns Estados sobre outros, relações verticais de subordinação em que os Estados e os sujeitos de direito interno se encontrariam subordinados a um poder político agrupador e integrador, que lhes fosse superior. Face a este entendimento poderemos dar por adquirido que a chamada «comunidade internacional», em sentido rigoroso, terá começado por ser uma verdadeira sociedade, uma sociedade internacional, que sobretudo após a segunda guerra mundial está a evoluir para um verdadeiro conceito de comunidade. Como consequência deste entendimento, com A. Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros [2001 : 35], poderemos aceitar que a um direito internacional clássico que repousa na soberania indivisível dos Estados, tem vindo a suceder-se um direito internacional novo ou moderno, que vai conhecendo um crescente número de áreas onde a solidariedade entre os Estados tem vindo a predominar sobre o seu individualismo, e onde, por conseguinte, a soberania dos

Estados

aparece

limitada

pelo

conjunto

de

regras

internacionais que dão corpo àquela ideia de solidariedade. Nesta

sociedade

internacional

em

marcha

para

uma

verdadeira comunidade internacional as relações jurídicas que se 7

João Pedro Simões Dias

estabelecem entre os Estados podem ser de três tipos diferentes: (I) relações de coordenação ou cooperação, que corresponde ao tipo de relações jurídicas ainda hoje dominantes, que resultam do relacionamento entre os Estados e da necessidade que eles sentem de, em conjunto, satisfazerem interesses comuns em vários domínios. Tratando-se de relações horizontais, não supõem qualquer

limite

à

soberania

dos

Estados.

(II)

Relações

de

subordinação que, desconhecidas para o Direito Internacional clássico, caracterizam uma parte importante e significativa do Direito

Internacional

moderno.

Entre

os

diferentes

Estados

estabelecem-se relações em tudo idênticas às que, no interior dos Estados,

se

estabelecem

entre

estes

e

os

cidadãos.

Logo,

caracterizam-se por suporem importantes limitações à soberania dos Estados. (III) Relações de reciprocidade, que constituem o mais antigo tipo de relações jurídicas que se estabelecem no quadro da comunidade internacional. As relações de reciproci-dade tendem a generalizar-se, predominantemente, através do recurso a tratados multilaterais. 3. O normativismo internacional ― CAPÍTULO II O DIREITO INTERNACIONAL 4. Aproximação à noção de Direito Internacional ― É comum iniciar-se o estudo de uma disciplina jurídica apresentando uma primeira noção do seu objecto de estudo, propondo uma primeira definição que, de certa forma, apresente a disciplina em causa e desbrave caminhos futuros para o seu estudo mais aprofundado.

Seguindo

essa

prática,

podemos

começar

por

assumir que existem três critérios a que, usual e historicamente, se recorreu para encontrar uma definição do Direito Internacional: 8

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

(I) o critério dos sujeitos, (II) o critério do objecto da norma e (III) o critério da forma de produção da norma jurídica. 5. O critério dos sujeitos. Em primeiro lugar o critério dos sujeitos ― Foi o critério dominante até à década de 1930 que via o Direito

Internacional

como

o

conjunto

de

normas

jurídicas

reguladoras das relações entre os Estados soberanos. Este critério, todavia, não conseguiu superar três críticas fundamentais que lhe foram apontadas: (a) já na década de 1930 existiam outros sujeitos que actuavam na cena internacional - nomeadamente a Santa Sé e algumas organizações internacionais - que, não sendo Estados soberanos, não deveriam, porém, subtrair-se ao próprio Direito Internacional; (b) por outro lado, mesmo circunscrevendonos ao universo restrito dos Estados soberanos, nem todas as relações estabelecidas entre Estados soberanos são ou devem ser disciplinadas pelo Direito Internacional; nada obsta a que existam relações entre Estados soberanos submetidas a regras de direito interno; (c) finalmente, este critério dos sujeitos leva subjacente uma concepção dualista (ordem jurídica interna vs ordem jurídica internacional) que está longe de poder ser considerada como uma evidência ou um dado adquirido. 6. O critério do objecto da norma ― Em segundo lugar o critério do objecto da norma. Segundo este critério, as questões internas questões

seriam

reguladas

internacionais

pelo seriam

direito

interno

reguladas

enquanto pelo

as

Direito

Internacional. Também a este critério foram apontadas três objecções que muito contribuíram para o diminuir: (a) por um lado o mesmo nunca foi adoptado ou aplicado por qualquer instância jurisdicional internacional; (b) por outro lado, também a doutrina lhe dedicou uma reduzida importância; (c) por fim, este critério do objecto da norma leva subjacente a premissa de que é possível 9

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estabelecer uma distinção clara e inequívoca entre assuntos de natureza interna - que seriam regulados pelo direito interno - e assuntos ou questões de âmbito internacional - que seriam submetidas ao Direito Internacional –, o que está longe de poder ser considerado como um dado adquirido. 7. O critério da forma de produção da norma jurídica ― Em terceiro lugar o critério da forma de produção da norma jurídica. Trata-se, na prática, de um critério oposto ao critério do objecto da norma - segundo o qual não existem questões que, pela sua própria natureza, sejam internas ou internacionais. Os assuntos e as questões são qualificados de internos quando objecto de normas de direito interno; e são considerados internacionais quando objecto de normas de Direito Internacional. Nessa medida, é a forma de produção das normas jurídicas aplicadas a cada situação concreta que irá qualificar as diferentes situações de facto como situações internas ou internacionais. E as normas jurídicas podem ser produzidas dentro do âmbito estadual - normas de direito interno - ou formadas no quadro da cena internacional, em processo que transcenda esse mesmo âmbito estadual - normas de Direito Internacional. Assim, segundo este critério, o Direito Internacional é composto pelo conjunto de normas jurídicas criadas

pelos

processos

de

produção

jurídica

próprios

da

comunidade internacional e que transcendem o âmbito estadual. 8. Noção adoptada ― Expostos os mais relevantes critérios que

costumam

contribuir

para

uma

definição

do

Direito

Internacional, e tendo por base o critério da forma de produção da norma jurídica que é aquele que concita mais simpatia da mais importante doutrina, numa primeira aproximação ao estudo do Direito Internacional, podemos começar por o definir como (I) o conjunto de normas jurídicas, (II) criadas pelos processos de 10

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

produção

jurídica

próprios

da

sociedade

internacional

que

transcendem o âmbito estadual, (III) que regulam e disciplinam as relações estabelecidas entre os sujeitos que actuam nessa mesma sociedade internacional. Trata-se, naturalmente, de uma primeira aproximação à noção do Direito Internacional a qual, com o decorrer do nosso Curso, irá ser objecto das pertinentes precisões e dos necessários desenvolvimentos. Nesta fase introdutória do Curso, porém, a definição sugerida basta-nos como ponto de partida para o estudo subsequente. Esta definição proposta, todavia, apesar de nos bastar como ponto de partida para o nosso estudo, não responde a muitas questões que se levantam em torno da nossa disciplina e desde logo a uma questão de natureza ontológica, que tem a ver com a sua própria existência. 9. Existirá mesmo um verdadeiro Direito Internacional? ― O Direito Internacional deve ser das poucas disciplinas jurídicas – se

mais

alguma

existir,

mesmo



que

nos

aparece

permanentemente condenada a ter de fazer a sua prova de vida, a ter de justificar, uma e outra vez, a sua fundamentação, a sua juridicidade. Uma parte significativa dos Manuais de Direito Internacional, Universidades,

dos das

Cursos principais

professados obras

de

em

referência

diferentes da

nossa

disciplina, consagram e dedicam, por regra, largas páginas à justificação da sua razão de ser, da sua natureza jurídica, e à reafirmação das características que fazem dele uma verdadeira disciplina jurídica. É, nessa medida, um caso raro ou mesmo único no panorama e no universo dos estudos jurídicos - nenhuma outra disciplina jurídica consagra tanto de si própria a explicar-se e a fundamentar a sua própria existência como ramo autónomo do saber jurídico. Tal necessidade que o Direito Internacional sente, ainda hoje, de se justificar enquanto disciplina jurídica autónoma é, ainda, em grande parte, resultado da divulgação e acolhimento 11

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de teses que se caracterizaram por negar a sua existência ou, talvez com mais propriedade, negar o carácter jurídico das normas que presidem ao relacionamento entre os sujeitos que actuam na sociedade internacional. 10. As correntes negadoras do Direito Internacional ― Como recorda A. Remiro Brotóns [2007:45], a razão de Estado como único princípio da acção política (Maquiavel), o estado de natureza selvagem em que se movem as nações (Hobbes), a adoração do poder (Spinoza) ou a exaltação da majestade do Estado (Hegel), alimentaram a saga dos que negaram que as relações entre os sujeitos que actuam na cena internacional fossem submetidas a quaisquer classe de regras ou, sobretudo, que se subordinassem a regras jurídicas. Silva Cunha [2004: 19] agrupa as doutrinas que alinham nesta orientação negadora do Direito Internacional em quatro grandes grupos: (I) as doutrinas do jusnaturalismo radical; (II) as doutrinas que consideram o Direito Internacional como uma expressão de uma política de força; (III) as doutrinas que equiparam o Direito Internacional à moral

internacional;

e,

finalmente,

(IV)

as

doutrinas

que

consideram o Direito Internacional como um direito imperfeito ou em gestação. Antes de nos determos mais detalhadamente sobre cada uma destas doutrinas, realce-se que o traço essencial desta visão negadora da existência do Direito Internacional assenta numa concepção uniforme ou unitária que erige o Direito interno, característico

das

sociedades

características

próprias,

estaduais,

nomeadamente

a

com

as

coercibilidade

suas -

a

possibilidade de imposição coactiva da norma jurídica - e a sanção - a pena imposta a quem incumprir a norma jurídica -, em paradigma do próprio Direito, de todo o Direito. 11. As doutrinas do jusnaturalismo radical ― 12

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

12. As doutrinas que consideram o Direito Internacional como uma expressão de uma política de força ― 13. As doutrinas que equiparam o Direito Internacional à moral internacional ― 14. As doutrinas que consideram o Direito Internacional como um direito imperfeito ou em gestação ―

13

João Pedro Simões Dias

PARTE II SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL CAPÍTULO III OS ESTADOS 15. Qual a origem do Estado? ― Por uma questão metodoló-gica, ao efectuarmos uma primeira aproximação ao que, genericamente, designámos como o sujeito por excelência do Direito Internacional, o Estado, uma dúvida desde logo nos poderá assaltar: qual a origem do Estado? A resposta a esta e a outras questões que se prendem com a realidade estadual é-nos dada por diferentes ciências ou ramos autónomos do saber. A História Geral, a História das Instituições, a História do Direito, o Direito Constitucional, a Ciência Política constituem alguns exemplos de ramos autónomos do saber que se têm debruçado sobre a problemática do Estado. Uma primeira nota se poderá, pois, e desde já, reter:

como explica Jorge Miranda

[1982: 44], reveste carácter interdisciplinar a pesquisa respeitante ás origens do Estado, isto é, o Estado aparece-nos como objecto de estudo de uma pluralidade de disciplinas científicas ou de áreas autónomas do saber. De toda essa investigação elaborada, e em que o ponto de partida

é

mencionada,

constituído, têm

invariavelmente,

ressaltado

duas

pela

posições

questão

atrás

extremas

e

logicamente possíveis: (I) para uns o Estado não corresponde a qualquer necessidade humana fundamental, sendo portanto algo de perfeitamente dispensável. É uma posição extremista adoptada sobretudo pelas correntes anarquistas para quem o Estado não é mais do que um opressor e castrador das características naturais do indivíduo. (II) Para outros, pelo contrário, o Estado é algo de insubstituível, produto natural do instinto humano. Filosoficamente 14

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

representada por Hegel, para quem o Estado era a ideia divina tal como existe na Terra, esta posição, igualmente radical, foi adoptada

sobretudo

pelas

correntes

totalitárias

(desde

o

sovietismo aos populismos africanos dos nossos dias, passando pelo fascismo e pelo nazismo). Estas duas visões extremas não esgotam, contudo, as respostas à questão da ontologia do Estado. Efectivamente, de acordo com a tradição ocidental, como ensina Adriano Moreira [1979: 19] o Estado pode ser entendido como fazendo parte da circunstância do Homem, como um instrumento ao dispor do Homem e feito para o servir

é a visão personalista que, tendo

perfeita consciência da separação entre o Estado e a sociedade civil, vê naquele uma forma de organização da sociedade política e um instrumento para a prossecução do bem-comum. A questão da origem do Estado, por fim, não pode ainda ser dissociada de uma outra, mais ampla e de natureza diversa, que tem a ver com a origem do próprio Homem, as interrogações com que neste domínio e desde tempos imemoriais o Homem se tem auto-confrontado e o próprio reconhecimento explícito das limitações inerentes à condição humana. Desde sempre constou da lista da preocupações do Homem a inquirição sobre a sua própria condição humana e a sua ontologia. E a resposta a esta questão não tem necessariamente de conhecer um cariz religioso. Há mesmo quem, reconhecendo embora a limitação do Homem, lhe veja como superior algo que não Deus. É, porém, seguro que sempre que se admite que existe alguma coisa superior ao Homem, a alternativa comum é entre Deus e o Estado Em termos clássicos as respostas que surgem à questão da origem do Estado podem ser agrupadas em dois grandes núcleos, originando assim outras tantas teorias perfeitamente distintas e possuidoras de traços individualizadores nítidos - são elas (I) as teorias da origem natural do Estado e (II) as teorias da origem 15

João Pedro Simões Dias

voluntária

do

Estado,

também

designadas

como

teorias

contratualistas. 16. Teorias da origem natural do Estado ― São principais representantes desta corrente de pensamento autores clássicos gregos como Aristóteles ou Cícero e clássicos medievais como S. Tomás de Aquino. Como grande afirmação de princípio ressalta a constatação de que o Homem é um ser social e que apenas se consegue realizar vivendo em sociedade o que leva Aristóteles a afirmar expressivamente que quem não faz parte da Cidade (entendida como a sociedade) não pode deixar de ser um bruto ou um deus. S. Tomás de Aquino veio retomar em certa medida o pensamento clássico de Aristóteles, introduzindo-lhe, todavia, uma forte componente cristã visível, por exemplo, na questão da origem do poder. A velha fórmula latina clássica de que não há poder que não velha de Deus (S. Paulo), será substituída por S.Tomás de Aquino por outra segundo a qual todo o poder vem de Deus através do Povo. O Estado, tal como S.Tomás o via, não era uma simples multidão ou agregado de indivíduos humanos, como um monte de pedras; constitui um autêntico ser distinto dos seus componentes, embora um ser não substancial (ser substancial é só o indivíduo) mas, em todo o caso, específico e sui generis: uma unidade de ordem. Nem é tão-pouco um organismo biológico, posto mantenha com os organismos biológicos certas analogias, muito utilizáveis como esquema representativo para a nossa inteligência destas coisas. É antes, como todos os seres, o resultado da aplicação de uma forma a uma matéria (hilemorfismo aristotélico), em que esta última, a matéria, está representada pelos indivíduos e a primeira, a forma, por uma certa ordem que os unifica dentro dum todo com uma relativa autonomia e uma relativa e misteriosa dignidade ontológica. E o mesmo se diga do fim para que o Estado existe, o 16

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

fim do Estado, uno com a sua própria essência. Esse fim é o bemcomum. Este é também uma categoria distinta da do bem particular ou da soma dos bens particulares de todos os indivíduos. Para os autores que sufragam esta teoria o Estado é, portanto, produto de uma necessidade humana fundamental justamente a necessidade de organizar do ponto de vista político a sociedade na qual o Homem tem de viver, na qual está «condenado» a viver. 17. Teorias da origem voluntária do Estado ― Ao lado das teorias da origem natural do Estado aparecem–nos as teorias da origem voluntária do Estado. São as também designadas teorias voluntaristas ou contratualistas. Girando em torno de nomes como Hobbes, Locke ou Rousseau, as teorias voluntaristas questionam a clássica teoria da origem natural do Estado a partir do momento em que entendem que o Estado se forma, não de uma maneira natural, mas porque os indivíduos voluntariamente o desejam. Isto é, o Estado é um produto de um acordo de vontades entre os indivíduos. Como ser racional que é, apercebendo-se dos seus próprios defeitos e do que sucederia caso não fosse enquadrado numa sociedade minimamente organizada do ponto de vista político, o Homem criou o Estado para ultrapassar o estado de natureza

caracterizado

pela

desordem

e

pela

injustiça

permanentes (Hobbes), ou pela completa liberdade e igualdade geradora de diferentes interpretações da lei (Locke). Para Hobbes o estado da natureza caracterizava-se pela desordem e pela injustiça permanentes. Esta situação conflituosa só

poderia

ser

ultrapassada

quando

a

sociedade

humana

conhecesse um mínimo de organização do ponto de vista político. Caberia ao Estado traduzir essa organização e, assim, garantir a estabilidade e a segurança na vida individual. Para isso, todavia, o poder do Estado tinha de ser ilimitado. Não poderia conhecer 17

João Pedro Simões Dias

quaisquer limites

nem do ponto de vista quantitativo nem do

ponto de vista qualitativo. E isso só se conseguiria caso os indivíduos ali-e-nassem definitivamente em fa-vor do Estado o poder que origina-riamente detinham enquanto mem-bros da sociedade natural. Fá-lo-iam em seu próprio benefício. Num Estado forte residiria a chave e o se-gredo da segurança individual. E temos

assim

que

por

via

dum

contrato

hipotetica-mente

esta-belecido, que permitiria a transi-ção do estado de natureza para o estado de socie-dade, se lançam as bases teóricas que sus-tentarão os Estados Absolutistas dos séculos XVII e XVIII precursores dos regimes totalitá-rios moder-nos. Já Locke, por seu lado, justifica a existência do Estado como resultado também de um contrato que permitiria superar o estado de natureza. O qual tinha de ser su-perado por co-nhe-cer graves inconvenientes. Caracterizando-se o estado de natureza por uma completa liber-dade e igualdade entre todos os homens gerar-se-iam inevitavelmente conflitos quando hou-vesse que cumprir a lei natural. Todos os homens eram iguais e to-dos tende-riam para inter-pretar e aplicar a lei natural segundo as suas con-veniências e vantagens pessoais. O que pro-duziria conflitos e ge-raria in-certezas. Através do contrato cada indivíduo outorgava ao Estado o poder de aplicar a lei e o di-reito natural, punindo as res-pectivas infracções, no mais escru-puloso respeito pela liberdade indivi-dual. É neste contexto que Locke nos aparecerá como precursor do liberalismo e da dou-trina da limi-tação do poder para salvaguar-dar os direitos individuais do Homem. Trata-se, pois, de uma

visão

contratualista

mas

eminentemente

jurídica,

por

oposição à visão contratua-lista mas emi-nente-mente política de Hobbes e que conduziria a resultados comple-tamente dife-rentes apesar de o res-pectivo ponto de partida ser comum a ambos. Como salienta Cabral Moncada [1955: 214], também em Locke o 18

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

estado natural termina com o pacto ou contrato social. É por meio dele que os homens mutua-mente concordam em se unir numa comunidade e formar um corpo político. E assim nasce o Estado. Simplesmente, e aqui está o mais importante: enquanto que, em Hobbes, os homens, ao fundarem a sociedade política, transferiam para o soberano todos os seus direitos, o seu ius in omnia, despojando-se deles e dando origem à monarquia absoluta, em Locke

não

acontece

isto

Os

homens

têm

certos

direitos

inalienáveis, e é só para melhor garantia de tais direitos, como fim, que eles consen-tem em transferir para a comunidade ou para o Estado, como meio, certos outros. Se, pois, as duas ideias de estado de natureza e contrato social tinham servido para Hobbes para fundar um Estado Absoluto e totalitário, conforme vimos, estas mesmas ideias serviam agora a Locke para ele fundar um Estado liberal e eminen-temente limitado Outro expoente das teorias contratualistas sobre a origem do Estado foi Jean-Jac-ques Rousseau. O fundamental da sua dou-trina aparece-nos vertido na céle-bre obra Do contrato social. Sintetizando o seu pensamento, dir-se-á que para Rous-seau o Ho-mem era natural-mente bom. A teoria do bom selvagem, que representava a situação do Ho-mem no estado da na-tureza ilus-trava o pensamento do autor sobre a con-dição humana primi-tiva. A responsabilidade pelo que de mau existisse no Homem deve-ria, pois, ser assacada à própria sociedade. E é precisa-mente para fazer face à conflitua-lidade social que nasce o Es-tado. Através de um contrato social os indivíduos alienavam os seus direitos e liber-dades em favor do Estado

concebido como

uma en-tidade a se, um corpo político possuidor de uma identidade, de uma personali-dade e de uma von-tade própria, diferente

da

do

indivíduo.

O

con-trato

social,

conceito

profundamente adoptado na se-quência da Revolução Francesa, irá, pois, originar uma nova entidade, corpo moral e colectivo 19

João Pedro Simões Dias

chamado Estado quando passivo, Sobe-rano quando activo e Poder quando re-lacio-nado com as ou-tras entida-des equivalentes [Moreira, 1979: 16]. Nesta linha de raciocínio, como o contrato era livremente estabelecido, a vontade do Es-tado equi-valeria sempre à vontade dos

indivíduos.

Quem

desobedecesse

ao

Estado

esta-ria

a

de-sobe-decer à generalidade da sociedade, estaria a agir contra a (presu-mível) von-tade do todo colec-tivo (pre-sumivelmente) simbolizada e representada pelo Estado. Cada indivíduo estava obrigado a ser li-vre. Tal posição serviu de fundamento e principal inspiração, em termos de filosofia do Di-reito e do Estado, às chamadas demo-cracias populares nascidas após a II Guerra Mundial. Apesar

destas

diferentes

posições

e

em

ambas

podere-mos encontrar sempre ele-mentos positivos e em ambas podere-mos

sempre

encontrar

aspectos

negativos

re-sulta,

to-davia, claro que a generalidade da doutrina tem associado sempre (ou quase) o nascimento do Estado à ne-cessidade sentida pelo Homem de organizar politicamente a sociedade em que vive. Como vimos, as diferenças de vulto residem na ultima ratio de tal necessidade. En-quanto para uns tal se deve a um instinto natural (dir-se-á mesmo que de sobrevivência) do Homem, para outros fica a dever-se a uma acção positiva e delibe-rada dos indivíduos, volun-taristica-mente assumida. Aceita-se, todavia, como pacífico, que toda a sociedade humana necessita de um mí-nimo de or-ganização política. Sendo o Homem um ser por natureza social, torna-se neces-sário um con-junto de regras que disciplinem a vida em sociedade e que regu-lem, da forma mais eficaz possível, o conjunto de teias e relações que se estabelecem no seio dessa socie-dade. Diga-se no entanto, com o Adriano Moreira [1979: 16], que o facto de o Ho-mem só viver em so-ciedade não im-plica reconhecer que tem 20

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

de existir uma sociedade política ou, mais ainda, que o Estado é a socie-dade polí-tica necessária. O Estado aparece, portanto, como uma das possíveis res-postas à questão da or-ganiza-ção política da sociedade. Dirse-á que o Estado é uma das possíveis formas que pode revestir a sociedade política. E a partir desta afirmação de princípio poderse-á chegar a outra impor-tante conclusão: é necessário situar espacio-temporalmente o Estado entre as diferentes for-mas de orga-nização da sociedade política que a História nos tem mos-trado. Só tendo pre-sente a evolução que tem co-nhecido a socie-dade política poderemos com-preender a evolução por que também tem pas-sado o próprio Estado. A afirmação destas duas conclusões

far-nos-á

chegar

a

uma

outra

de

não

menos

importância: o Estado, en-quanto forma de organização da sociedade política pode emergir de uma qualquer socie-dade humana. Necessário é que se ve-rifiquem e estejam reunidos aquele nú-mero indis-pensável de elementos caracterizadores e identificadores de cuja existência dependerá a existência do próprio Estado (elementos que, como a seu tempo veremos, poderemos re-conduzir a uma tríplice natu-reza: geográficos, cul-tu-rais e económico-sociais). Finalmente, como quarta grande conclusão aceite de uma forma geral pelos autores que se têm dedi-cado à investigação sobre a on-tologia do Estado, dir-se-á que é necessário que o pro-cesso de criação de cada Es-tado seja acom-panhado de uma deter-minada ideia de Direito que permita, por um lado, traduzir em normas jurídi-cas a organi-zação escolhida para a sociedade política e, por outro lado, garantir a eficácia dos co-mandos saídos das institui-ções estaduais. 18. Elementos constitutivos do Estado ― Sendo o Estado uma das possíveis formas de organização política que pode re-ves-tir a socie-dade, necessário é fazer uma referência, ainda 21

João Pedro Simões Dias

que

naturalmente

breve

e

sucinta,

aos

seus

ele-mentos

constitutivos. A

generalidade

dos

autores

costuma

enunciar

três

ele-mentos como sendo aqueles que cons-tituem o Estado: o povo, o território e o poder político. Estes concatena-dos.

elementos, Povos

e

clássicos, territórios

terão são

de

aparecer

an-te-rio-res

ao

aparecimento do Estado. Assim sendo, cabe justamente à síntese jurí-dico-polí-tica exer-cida pelo poder e realizada mediante o Direito, dar a forma ao Estado. Ao lado destes elementos, autores há (vg Kelsen) que enunciam também o tempo como ele-mento do Estado. Este existe num espaço e num tempo determinados. 19. Os elementos do Estado: o povo. Distinção de concei-tos afins ― A existência de um Estado supõe, naturalmente, o exercício de um determinado poder político que é exercido sobre um grupo de pessoas chamado povo. Compreende–se, as-sim, que o povo seja o elemento em regra primeiramente enunciado quando se analisam os elementos do Es-tado. Trata-se essencialmente de um conceito político que abrange o con-junto de pes-soas que estão sujeitas ao poder do Estado. Se quisermos ter uma noção precisa do conceito de Povo, poderemos, seguindo a lição de Freitas do Amaral, dizer tra-tar-se do con-junto de indivíduos que, a fim de realizar em comum um ideal específico de se-gu-rança, jus-tiça e bem-estar, decide asse-nhorear-se de um determinado território e insti-tuir, por au-to-ridade própria, um poder político capaz de reger a vida colectiva do País. Esta noção de povo apresenta-nos duas grandes vantagens se compa-rada com outras de outros autores. (I) Em primeiro lugar faz apelo à tríplice finalidade do Estado, como adiante ve-remos, com referência expressa aos conceitos de 22

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

segurança, justiça e bem-estar. (II) Em segundo lugar faz ressaltar a im-portância da vontade própria desse mesmo povo no sentido de se assenhorear do território e de nele, por sua própria vontade, instituir um dado poder político. A partir da enunciação desta definição poderemos proceder com rigor à dis-tinção do con-ceito de povo de outras figuras afins mas que possuem significados precisos e pró-prios, que por isso mesmo não se confundem com o conceito de povo. Convirá proce-der

a

essa

distin-ção,

so-bretudo,

relativamente

aos

conceitos de Nação e cidadão. 20. O conceito de Nação ― O povo começa por distinguir– se do conceito de Nação. São duas realida-des di-fe-rentes mas que

por

vezes

associadas.

O

eminentemente

nos

aparecem,

conceito

de

socioló-gica

e

Nação

com

alguma

traduz

simboli-zando

um

uma

frequência, realidade

con-junto

de

pessoas ligadas entre si por laços de pertinência comum e por uma co-mu-nhão de natu-reza cultural. É na sequência da Revolução Francesa que o conceito de Nação e o próprio prin-cípio das na-cio-nalidades adquirem parte sig-nificativa da importância que actualmente desfrutam no quadro da Ciência Política. Então o conceito começou por significar o conjunto de povos submetidos a um mesmo governo

era neste

sentido que os enciclopedistas se lhe refe-riam. Apesar de o conceito ter evoluído, não deixa de ser verdade que o princípio das na-cio-nali-dades se tornou num verda-deiro princípio guia do legado político ocidental, que ou-tras áreas culturais procuram adoptar e que, no Ocidente, ganhou um particular e defini-tivo re-levo quando, durante a I Guerra Mundial, o Presi-dente WILSON se lhe referiu

nos 14 pon-tos de WILSON

de-fendendo, entre

outros princí-pios, a necessidade da coincidência entre a Nação e o Estado. 23

João Pedro Simões Dias

De acordo com uma visão histórico-cultural do conceito de Nação, poder-se-á afir-mar que esta traduz uma visão sociológica do conceito de povo, representando o con-junto de pes-soas que se encontram ligadas por um sentimento nacional de pertinência co-mum

(comunhão

de

des-tino

político),

formando

uma

comunidade de base cultural que pode ser analisada em três vertentes: comu-nidade de cultura, destino político co-mum e sen-timento de perti-nência a um mesmo povo. A definição de Nação enquanto corpo histórico ficou no Ocidente tributária do conceito ex-presso por Renan em Qu'est-ce qu'une Nation? (1882), pondo o acento tónico não na língua ou na et-nia, mas sim no passado comum e na vontade de realizar tarefas colec-ti-vas comuns agora e no futuro, numa espécie de plebiscito contínuo. É este o conceito tra-dici-onal de Nação. A este conceito tradicional de Nação, histórico-cultural de feição acentuadamente soci-o-lógica, contrapõe-se um conceito jurídico que emanou directamente da Revolução Fran-cesa, tendo sido

adoptado

posteriormente

por

outros

movimentos

revolucioná-rios - nomeadamente as revoluções comunistas e os movimentos de descolonização que surgiram na segunda metade do sé-culo XX - que o fize-ram seu. Se-gundo este conceito jurídico existe uma coincidência entre os conceitos de Es-tado e de Nação

esta é entendida como uma entidade colectiva titular da

sobera-nia e com-posta por todos os nacio-nais de um Estado não intercedendo entre eles qual-quer tipo de dis-tinção. Neste sentido se fala em Es-tado-Nação pretendendo-se afirmar a identificação entre estas duas realidades. Não que se trate de termos sinónimos ou que retratem uma mesma rea-lidade. Apenas signifi-cando que cada Es-tado assenta numa Nação e que a cada Nação deve corresponder um Estado - na esteira do princípio do Estado nacional elaborado por Bluntschli.

24

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

É justamente do facto de o conceito político (conjunto de pessoas submetidas ao poder do Es-tado) diferir do conceito socio-lógico (conjunto de pessoas ligadas por laços cultu-rais e por um sentimento de pertinência comum) que nascerão importantes pro-blemas que têm ocupado a aten-ção dos politólogos. De facto o conjunto de pessoas sobre que versa o poder do Estado (o Povo) não tem ne-ces-saria-mente de se encontrar todo numa mesma comunidade sociológica, partilhando sentimen-tos de pertinência comum, comungando de uma mesma cultura ou de um mesmo destino po-lítico. De-baixo do poder de um Estado pode existir mais de uma Nação. De igual modo uma mesma Nação, um conjunto de pessoas que partilham da mesma cultura, que co-mun-gam de um mesmo le-que de valores pode estar sujeita ao poder de mais de um Estado. Veja-se, a este respeito, o que aconteceu entre o fim da II Guerra Mundial e 1990: durante todo este período o caso ale-mão constituiu um exemplo flagrante e típico de uma Nação sujeita a dois Estados diferentes. Um mesmo povo, uma mesma cultura, uma mesma história, um único Estado até à II Guerra Mundial

que originou após o conflito mundial e

durante 45 longos anos dois poderes políticos distintos, dois povos em sentido político. Actualmente pode apontar-se como exemplo de Nação repartidas por mais de um Estado o que acontece com a Nação coreana, pese embora o processo mais ou menos lento ten-dente a pôr fim à divisão política. A situação inversa, mais de uma Nação estar englo-bada num único Estado, deparou-se-nos, por exemplo com o caso soviético, em que várias Repúblicas e Nações nos apareceram federadas no âmbito da URSS, ou o caso jugos-lavo

(em

que

várias

Nações

integraram

a

República

Federativa). Não coincidindo o Povo sujeito ao poder do Estado com a comunidade formada pela Nação, sur-gem não raro dificuldades e conflitos. É o que acontece sobretudo quando man-chas de po-vos 25

João Pedro Simões Dias

di-ferentes estão submetidas a um mesmo poder, a um mesmo Estado. Des-ponta então a questão das minorias questão difícil e complexa

que

muito

se

prende

com

a

consideração

deste

pro-blema. De uma forma geral pretende-se chamar a atenção para os di-reitos que as minorias têm e que devem ser respeitados pelas maiorias. Reside na questão das minorias mi-no-rias étnicas e religiosas

sobretudo das

uma causa substancialmente

impor-tante de muitos problemas e con-flitos que perturbam alguns Esta-dos. Podemos apontar como exemplos de problemas surgidos com minorias os casos basco, relativamente aos Estados fran-cês e espanhol, o caso da minoria do Tibete em relação à China, da minoria húngara em relação ao Estado romeno, ou das minorias arménias na Turquia

tudo casos em que fe-nómenos

ligados aos direitos de Nações divididas originam situações de conflito, alguns efectivos, outros latentes ou potenciais. 21. O conceito de cidadão ― Mas o conceito de povo, tal como o temos vindo a abordar (conceito de cariz mar-cada-mente político), bem assim como o con-ceito de Nação (que faz ressaltar o

ele-mento

cultu-ral,

tra-tando–se

de

um

conceito

fundamentalmente sociológico), diferem de uma ou-tra realidade o conceito de cida-dão. O conceito de cidadania é eminentemente jurídico e uti-liza-se por referência à co-muni-dade de in-divíduos que pertencem a um dado Estado. Quer isto dizer que subjacente ao conceito de cidada-nia nos aparece a questão da nacionalidade. E a resposta a esta questão (quem é na-cional de um Estado?) é de natureza jurí-dica. É o direito, a legislação interna de cada Estado, que fixa quem é e quem não é cidadão de um Estado. A naciona-lidade ad-quire-se ou perde-se por força da lei. Em Portugal

consideram-se

cidadãos

do

Estado

português,

com

nacionalidade portuguesa, todos os que: 1) são fi-lhos de pai 26

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

português ou mãe portuguesa nascidos em território português; 2) são filhos de pai português ou de mãe portuguesa nascidos no estrangeiro se o progenitor aí se encontrar ao serviço do Estado português; 3) os filhos de mãe portuguesa ou pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo

civil

português

ou

se

declararem

que

querem

ser

portugueses; 4) nascerem em território portu-guês, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independente-mente de título, ao tempo do nascimento; 5) nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há, pelo menos, cinco anos; 6) nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade (Lei Orgânica 2/2006 de 17 de Abril). Resulta daqui que, do ponto de vista conceptual, podemos definir

a

cidadania

como

o

vín-culo

ju-rídico-político

que,

traduzindo a pertinência de um indivíduo a um Estado, o cons-titui pe-rante este num particular conjunto de direitos e obrigações. Vê-se, portanto, que o conceito de cidadania não coincide com o de Povo

à au-tori-dade de um determinado Estado

sub-metem-se não só os respectivos nacionais residentes no territó-rio do Estado, como se submetem igualmente todos os estrangeiros e apátridas que vivam dentro das fronteiras do Estado (e que não são seus nacionais). Da mesma forma o conceito de Nação não coincide com o de cidadania. Quando um único Estado envolve ou engloba mais de uma Nação, temos que nos aparecem com a mesma nacionalidade pes-soas com origens e referências cultu-rais diferentes, com o sentido de pertinência a dife-rentes desti-nos polí-ticos, com a noção de per-tencerem a comunidades distintas em síntese, de diferentes Nações. 27

João Pedro Simões Dias

De todos estes conceitos, cuja explanação se efectuou de forma abreviada, para o estudo do Estado é inegavelmente o con-ceito de povo aquele que mais relevo adquire. Traduzindo o Estado um determinado poder político que é exercido sobre pessoas, com-pre-ender-se-á que ao estu-darmos o Estado nos devamos

deter

em

primeiro

lugar

justa-mente

na-quela

comuni-dade de pes-soas que estão sujeitas à autoridade do Estado, sobre que versa o poder político do Estado

daí que

sejamos logo reconduzidos precisa-mente para o conceito de povo. 22.

Os

elementos

do

Estado:

o

território



Ao

empreender-mos um estudo sobre os diferentes elementos do Es-tado, e uma vez analisado o primeiro destes elementos, depara-mos de seguida com o territó-rio. O território é um elemento imprescindível para a existência de qualquer Estado. A importância do elemento territorial é tanto maior quanto, à medida que as-sisti-mos à cons-trução dos Estados modernos, fomos assistindo igualmente ao declínio da im-portân-cia das rela-ções pessoais na estruturação do poder político na socie-dade. Na Idade Média o poder do monarca era um poder sobre pessoas (não no sentido de um po-der exercido sobre uma comuni-dade, mas no sentido de um poder estruturado a par-tir de la-ços de de-pendência pessoal) completado por um grande sentido de domi-nialidade fun-diária. O ter-ritório aparecia como o complemento das relações e dos vínculos pessoais esta-belecidos, e segundo um ponto de vista dominial. A extensão do poder do suserano era afe-rida pelo nú-mero de vassalos e pela grandeza do território que possuísse. Nessa medida po-der-se-á afirmar, ainda hoje, com Reuter [1995: 106] que a noção de território nos apa-rece ligada a cer-tas arru-mações do poder. E esse fenó-meno de interligação entre o território e o poder foi particular-mente 28

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

visível no período feudal: neste regime as relações entre o homem e a terra enfor-ma-ram toda a distribuição do poder. O princípio da territorialidade que preside ao Estado moderno assenta em bases e pres-su-postos completamente dife-rentes e vai, progressivamente, substituindo o princípio da perso-nali-dade,

à

medida

que

os

estrangeiros

vão

sendo

gradualmente equiparados aos cida-dãos do Estado na submissão ao poder deste apesar de, actualmente, ainda se concederem, ainda

que

em

escasso

número,

alguns

privilégios

de

extraterritorialidade: a cer-tos cidadãos, Chefes de Estado em visitas oficiais a Estados estrangeiros por exemplo, aplica-se-lhes não a lei do Estado em que se encontram, mas o seu direito nacional. Por outro lado, e como nota Lucas Verdú [1997: 102], não podemos ignorar o cha-mado território flutuante, composto por aviões e navios comerciais que, caso estejam em portos, águas ou aeroportos estrangeiros, consideram-se como sendo território do Estado do pavilhão que ostentam, aplicando-se a bordo a lei desse Estado. Finalmente também deveremos ter presente o caso das Embaixadas que gozam de imunidade territorial, quer dizer, dentro delas rege o ordenamento jurídico do Estado respectivo, apesar de se encon-trarem encravadas dentro de território estrangeiro. Se buscarmos uma definição conceptual para o território do Estado, podere-mos di-zer que ele é a esfera espacial (englo-bando, para além da superfície terrestre o sub-solo e o es-paço aé-reo) onde vigora a ordem jurídica de um Estado e onde os órgãos detentores do poder polí-tico do Estado podem impor a sua autori-dade. Importa ainda referir que a importância do território para a existência efectiva de um Estado revela-se no facto de não ser possível existir um Estado sem que exista o respectivo ter-ritó-rio. Sendo este inalienável (o Estado não pode alienar o seu terri-tório, 29

João Pedro Simões Dias

pese

embora

alienação

de

cer-tas

Constituições

algumas

parcelas

admitirem

de

a

territó-rio),

cessão

ou

indivisí-vel

(apre-sen-tando-se juridicamente como uma unidade) e exclusivo (no sen-tido do já referido ius ex-cludendi alios), não podemos esquecer que há mesmo exemplos actuais de socieda-des que, ape-sar de constituí-rem um povo, no sentido que a expressão deve ter e que lhe foi dado supra, e apesar de existir um poder político insti-tuído, não constituem Esta-dos justa-mente por lhes faltar o elemento ter-rito-rial, imprescin-dível nas sociedades sedentárias

dos

nossos

dias.

Aliás,

e

neste

as-pecto,

a

con-sideração do território enquanto ele-mento geofí-sico do Estado supõe um avanço ex-traordinário da civi-lização, posto que implica a sedentari-edade ou a vinculação per-manente de um povo a um es-paço geofísico. Elemento territorial, finalmente, que não deve ser pensado apenas no seu aspecto nor-mativo, mas também num aspecto sociológico, em que se revela um importante momento para a completa in-tegração da própria comunidade. Resulta da definição apresentada que no território do Estado

nos

aparecem

incorporados

cinco

do-mí-nios

completamente distintos e perfeitamente autonomizáveis a que, por uma questão meto-doló-gica, iremos fazer uma análise individual,

ainda

que

necessaria-mente

breve.

São

eles

os

domí-nios (I) ter-restre, (II) fluvial, (III) lacustre, (IV) marítimo e (V) aéreo. 23. O domínio terrestre do território do Estado ― O domí-nio terrestre do Estado corresponde em exclusivo à noção empí-rica que em regra surge associada à ideia do território do Estado. Nessa medida poderemos ser colocados perante domínios terres-tres contínuos ou descontínuos. Estaremos em face de domínios ter-restres des-contínuos quando o núcleo central do 30

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

domínio ter-restre nos apa-rece isolado de ou-tras parcelas do domínio terrestre do mesmo Estado. É o que acontece entre nós com as re-giões autónomas dos Açores e da Madeira que fazem parte inte-grante do território nacio-nal, pese embora o facto de aparecerem desliga-das do núcleo central do território do Estado português. 24.

O

domínio

fluvial

do

território

do

Estado



Relativa-mente ao domínio fluvial, da mesma maneira, podemos afirmar que tam-bém os rios compreendidos no espaço delimitado pela fronteira dos Estados fazem parte dos res-pectivos territórios. A afirmação é completamente verdadeira para os rios nacio-nais aqueles que, da nascente à foz abrangem o território de um único Estado. Há, to-davia, rios que são conside-rados rios internacionais ou porque atravessam mais de um Estado (rios sucessi-vos) ou porque

deli-mitam

ou

dividem

dois

ou

mais

Estados

(rios

con-tí-guos). Relativa-mente a estes últimos, rios con-tíguos, cada Estado tem poder ou jurisdi-ção sobre eles até à li-nha mé-dia das respecti-vas águas. Já relativamente aos rios suces-sivos, cada Estado, em prin-cípio, desfruta de competência ou juris-di-ção sobre o curso das águas compreendido dentro dos li-mites das respectivas fronteiras. Neste caso, porém, e porque estamos em face de rios que atra-vessam mais de um Estado, devemos considerar a hipótese de acordos ou tratados inter-nacionais limitarem ou reduzirem o poder dos Es-tados sobre os cursos de águas que atraves-sam as suas fronteiras. 25.

O

domínio

lacustre

do

território

do

Estado



Relativa-mente aos rios, ao domínio fluvial do território estadual, procede-mos à dis-tinção en-tre os rios nacionais e os rios internacionais. O mesmo deve ser feito no domí-nio la-custre — por-que, da mesma forma, também existem lagos nacionais, que 31

João Pedro Simões Dias

se

restrin-gem

ao

internacionais

domínio

de

que margi-nam

um

único

Estado,

e

lagos

do-mínios de dois ou mais

Esta-dos. Relati-vamente aos lagos nacionais, é pacífico que de-vem ser ou estar subor-dinados à ju-ris-dição do Es-tado cujo domínio

terrestre

marginam.

Relativamente

aos

lagos

internacionais, e se os mesmos não têm comunicação com o mar, consi-deram-se sob jurisdição dos Estados marginais, dividindo-se normalmente, para esse efeito, as águas do lago em tantas zonas de igual área quantos os Estados ri-beiri-nhos. No caso dos lagos internacionais comunicarem com o mar, aplica–se–lhes, em re-gra, o re-gime previsto para os rios interna-cionais. 26. O

domínio marítimo do território do Estado ―

Deve-mos ainda considerar o domínio marítimo. Todos os Estados ribeiri-nhos pos-suem ju-risdição sobre uma determinada área ou extensão do mar com que confluem. Este domí-nio marí-timo abrange o mar litoral, numa determinada extensão, os portos maríti-mos, os estuá-rios, os ma-res interiores, os estreitos e canais marítimos, o solo co-berto pelas águas do mar territorial, o sub-solo correspondente e a plataforma continental. Se estas áreas fazem parte do domínio marítimo de um Estado, outras áreas há, para além destas, nas quais os Estados, em certas circunstâncias e dentro de certos limites, podem exercer a sua jurisdi-ção. É o caso tí-pico da zona económica exclu-siva. Criada pela Convenção do Direito do Mar de 1982, que fixou o seu regime, a zona económica exclusiva é uma zona situada para além do mar territo-rial e a este adjacente, com uma extensão de 200 milhas, na qual o Estado costeiro pode exercer certos direitos enuncia-dos na Convenção e em vista da protecção e ex-ploração dos recursos económicos aí existentes, mas em que todos os outros

Estados,

com

ou

sem

litoral,

beneficiam

de

certas 32

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

liberdades. Se o Estado costeiro pode exercer di-reitos de so-berania

numa

tal

zona,

com

a

finalidade

de

explorar,

aprovei-tar, conservar e gerir os re-cursos naturais, vivos ou não vi-vos das águas superjacentes ao leito do mar, seu solo e subsolo,

e

demais

ac-tividades

que

tenham

sempre

como

finalidade a exploração e aproveitamento da zona para fins económicos os demais Estados, mesmo que não possuam litoral, têm possibi-li-dade de, nessa zona económica exclusiva fruírem da liberdade de navegação e sobrevoo, de colo-ca-ção de cabos submarinos e oleo-dutos, assim como do uso lícito do mar re-lacionado com estes direitos. De referir que a fruição por terceiros Estados destas zonas econó-mi-cas ex-clusivas não poderá prejudicar os di-reitos dos Esta-dos costeiros. De certa forma poderemos considerar a zona eco-nómica exclusiva como uma zona in-ter-média entre o mar territorial e o mar alto. O mar territorial ou mar litoral é o mar adjacente aos Estados, numa dada ex-tensão. Remontando a Grocio o princípio segundo o qual os Estados tinham o di-reito de exer-cer uma efec-tiva jurisdição sobre uma extensão do seu mar adjacente, durante muitos anos con-side-rou-se que essa extensão não deveria ser superior a 3 milhas: o equivalente aproximado ao alcance máximo de um tiro de canhão numa embarcação da altura num tal limite não poderia um Estado ser atacado. Actualmente tal extensão considera-se ultrapassada. E o certo é que, embora ne-nhuma regra de direito internacional fixe qualquer extensão para o mar territorial, a Conven-ção do Direito do Mar de 1982 aprovou um artigo segundo o qual todo o Estado tem o di-reito de fixar a lar-gura do seu mar territorial até um limite que não ultrapasse 12 mi-lhas marítimas. Inci-dindo os pode-res

do

Estado

sobre

o

mar

litoral,

eles

estendem-se

tam-bém, natural-mente, ao solo por ele co-berto e ao subsolo respectivo. O Estado ribeirinho, em princípio, tem o direito de 33

João Pedro Simões Dias

exercer a sua ju-risdição civil e penal sobre o mar territorial já que sobre o mesmo se estende a sua soberania [Diez de Velasco, 1983: 299]. Para além dos limites do seu mar litoral ou mar territorial, e numa deter-minada exten-são, podem os Estados exercer uma certa jurisdição e competências rigorosa-mente delimita-das na chamada

zona

contígua.

A

zona

contígua,

imediatamente

adja-cente ao mar litoral, faz parte do alto mar. Todavia, depois da Convenção do Direito do Mar, ficou es-tipulado que, numa extensão de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial, e numa zona denominada zona contígua, po-dem os Estados costeiros exercer di-reitos de fiscalização para evitar infrac-ções às leis e regu-lamentos adua-neiros, fiscais, de imigra-ção ou sanitá-rios no seu territó-rio ou no seu mar terri-torial, bem como para reprimir as infracções às leis e regu-lamentos no seu território ou no seu mar territorial. Independentemente dos poderes de que desfrutam sobre o mar litoral, e o res-pectivo solo e subsolo, os Estados ribeirinhos desfrutam igualmente de um determinado conjunto de poderes sobre a sua plataforma continental (e o subsolo respectivo). Im-porta, em primeiro lugar, desde logo, definir o que se entende por plataforma continental. Defini-la obriga a deixar o domínio jurí-dico concentrando-nos no domínio geográfico. A expressão plataforma conti-nental serve para de-signar a zona do fundo do mar adja-cente às terras emersas e que se considera, do ponto de vista geológico, como seu prolongamento. A linha de profundidade desta plata-forma oscila entre os cento e oitenta e os du-zentos metros. A pla-taforma continental pode ser reservada pelo Estado ribeirinho para seu uso exclu-sivo

uso que pode revestir capital

importância em matéria militar de defesa nacional, sem esque-cer, igual-mente, os aspectos económicos subjacentes. 34

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

O

domínio

dos

Estados

estende-se

também

aos

denomi-nados mares inte-riores. Sendo constituído por extensões mais ou menos amplas de água salgada cercada de terra por todos os lados e desprovidas de qualquer comunicação ou ligação com o mar li-vre

compreendendo-se que o respectivo regime seja

semelhante ao regime referido para o domí-nio lacustre. Faz-se, pois, neste ponto concreto, remissão para o que se es-creveu a propósito do domínio lacustre. Dentro do território do Estado podem existir estreitos e canais maríti-mos

são bra-ços de mar que estabelecem ligação

entre mares interiores ou entre mares interi-ores e mar li-vre. Ape-sar de os estreitos serem naturais e os canais marítimos serem produto da arte e do enge-nho hu-mano, o respectivo regime jurí-dico é idêntico e, em regra, é regulado de forma convencional entre os Estados interessados. 27. O domínio aéreo do território do Estado ― Finalmente falta–nos analisar o quinto domínio abrangido pelo território do Es-tado

o do-mínio aéreo. Sinteticamente poder-se-á dizer que

todo o espaço aéreo superior ao domí-nio ter-restre e ao mar litoral e plataforma continental está sujeito à jurisdição do Es-tado res-pectivo, o que adquire especial relevo e particular importância com o desenvol-vi-mento da na-vega-ção aérea. 28. Limites e fronteiras do território do Estado ― O territó-rio de um qualquer Estado deve surgir perfeitamente deli-mitado por limi-tes e fronteiras que definam, espacialmente, o âmbito de competência dos ór-gãos do Es-tado. Por uma questão terminológica, convirá precisar que limite e fronteira do Estado são realida-des diferentes, ainda que, fre-quentemente, se utilize indistintamente qualquer dos termos. O limite do Estado, que pode ser natural ou artificial, é a linha 35

João Pedro Simões Dias

ideal que separa ou di-vide o territó-rio de um Estado do território de outro ou outros Estados. A fronteira é a zona contígua a essa linha, ao li-mite do Estado, onde se encontram localizados os servi-ços encarre-gados de con-trolarem o acesso ao território do Estado de pessoas e mercado-rias. É justamente porque o território se afirma como definidor do âmbito espacial de com-pe-tência dos órgãos do Estado que o poder destes fica limitado ou circunscrito ao âmbito territorial defi-nido pe-los limites do Estado. Quer isto dizer que dentro dos limites que fixam e delimitam o domínio ter-restre do território do Estado, não se exerce qualquer outro po-der que seja exterior ao poder exer-cido pelos órgãos do Estado. O que traduz uma ideia de invul-nerabilidade do ter-ritório ao poder de órgãos de outros Estados. Residirá aqui, em última análise, parte substancial da essência do conceito de so-berania dos Estados. 29. O território como condição da soberania dos Estados ― Afirmada pela primeira vez em termos coerentes por Bodin (1576) a ideia de so-be-rania como atributo ou característica dos Estados modernos quis significar primeira-mente duas coi-sas. Por um lado, no capítulo interno, a ideia de soberania pretendia tradu-zir a eficá-cia

da

or-dem

jurí-dica

interna,

mesmo

sem

o

consenti-mento ou a vontade dos gover-nados, que se lhe deviam sub-meter, que lhe deviam respeito e obediência. A soberania aparecia-nos como si-nónimo de inde-pen-dência interna dos Estados. Mas em segundo lu-gar, e simultanea-mente, o conceito de sobe-rania co-nhe-cia outra faceta, outra vertente

significava

ou traduzia uma ideia de inde-pendência externa, segundo a qual no âmbito do ter-ritório esta-dual não se exer-cia qualquer outro poder polí-tico para além do que era exer-cido pelos órgãos respectivos, cujo limite -nomeadamente do poder do prín-cipe era 36

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

constituído apenas pelos mandamentos divinos e pelo direito natural. Só estes dois ele-mentos podiam constituir limite à faculdade dos Estados legis-larem. Esta faculdade nega-tiva traduz um verdadeiro ius exclu-dendi alios: os Estados estão obrigados a abster-se de qual-quer acção so-bre o território de um qualquer Es-tado estrangeiro. Esta dupla vertente em que se desdobrava o conceito de soberania, tal como foi teori-zado por Bodin, acabou por lançar as bases

que

suportariam

doutrinariamente

as

mo-narquias

ab-solu-tistas que a Europa conheceu a partir do século XVI. 30. Alterações ao território do Estado ― O território de um Estado não é imutável. Não tem de permanecer sem-pre igual — isto é, o território dos Estados pode sofrer modificações. E as modificações re-con-du-zem–se sempre, invariavelmente, a uma de

duas

situações:

(I)

ou

à

integração

do

territó-rio

anterior-mente pertença de um Estado num Estado dife-rente, (II) ou à desintegra-ção de parte de um ter-ritório de um Estado para dar origem à for-mação de um novo Estado. A consta-tação desta realidade leva-nos a poder afir-mar que qualquer modificação operada no território de um Es-tado conduz sempre a uma forma de aquisição desse terri-tório. E essa aquisição pode ser (I) ori-ginária ou (II) derivada. 31. Aquisição originária do território do Estado ― A aquisi-ção do território é originária quando o Estado que passa a exercer o seu poder so-bre um determinado território fun-damenta esse poder ou essa autoridade num di-reito pró-prio e ori-ginário. Como exemplo de aquisição originária do território pode apon-tarse a ocupa-ção que se traduz na aquisição de um terri-tório sem Estado por um de-termi-nado Estado. Mas, como todas as regiões habitáveis da terra estão actualmente sob a sobera-nia de algum 37

João Pedro Simões Dias

Estado, este título poucas probabilidades terá de vir a fun-cionar para o futuro. A regulamenta-ção jurídica da ocupa-ção conti-nua ainda assim a ter interesse porque as ocupa-ções do pas-sado estão muitas vezes na origem das questões sobre fronteiras do presente. 32. Aquisição derivada do território do Estado ― A aquisi-ção do território é derivada quando o território do Estado é reti-rado di-recta-mente da autoridade desse Estado pas-sando para a esfera de autoridade de outro Es-tado. É o que se passa no caso da anexação: que se caracteriza pela inclusão uni-lateral de um terri-tó-rio no ter-ritó-rio do Estado actuante; da ces-são: em que se veri-fica uma transmissão conven-cional do territó-rio de um Estado para um outro Estado; e no caso da adjudicação: em que, por efeito de uma deci-são arbi-tral que pretende pôr fim a disputas territoriais, o território de um Estado é transferido e in-corporado no território de um outro Estado. 33. Os elementos do Estado: o poder político ― Se o povo e o território são elementos naturais imprescin-díveis como condi-ções fácticas do Es-tado, o poder enquanto factor jurídico– político

não

é

menos

indispensável

para

a

composi-ção

e

concepção do Estado. Sendo o Estado uma das possíveis respostas à questão da organização política da socie-dade, um dos seus elementos deve naturalmente relacionar-se com o necessário poder que lhe sub-jaz e que, como já vimos, para além de ser um poder que se exerce sobre um grupo de in-divíduos, so-bre uma comunidade, é um poder político. Entendido assim o poder estadual, devemos reconhecer que este entendimento se afasta da-que-loutro que prevaleceu durante largos séculos, e do qual ainda poderíamos encon-trar 38

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

al-guns res-quícios no século passado, segundo o qual o poder signifi-cava

essencial-mente

patri-monialidade,

dominialidade,

assentando por conseguinte numa prerrogativa que advinha do direito de pro-prie-dade. De uma forma geral e genérica, podemos dizer que o poder é a capacidade de uma pessoa ou um conjunto de pes-soas impor a sua vontade e as suas decisões a uma comuni-dade, de-terminando a sua obediência e garantindo-a, se necessário, atra-vés da coac-ção. Desta ideia geral resulta logo que o poder, e con-cretamente o poder do Es-tado

que é um especial tipo de

poder engloba já uma componente jurídica. Com Lucas Verdu se poderá afirmar que subjaz à noção de poder do Estado um determi-nado conceito de ordem ju-rídica. Sendo um poder que se exerce sobre pessoas, ele não é ilimitado. Conhece deter-mina-dos li-mites. Sem curarmos aqui e agora de averiguar quais os limites materiais do poder do Estado ou qual a fundamentação jurídica desse mesmo poder, questões que

deverão

ser

postas

e

analisadas

em

sede

própria,

designada-mente na Ciência Política, no Direito Constitu-cional ou na Teoria Geral do Estado, interessa-nos por agora reter apenas que o poder esta-dual co-nhece um limite físico ou geográfico: justamente aquele que é definido pelos limites do territó-rio do Estado. Daqui

resulta

naturalmente

que

dentro

dos

limites

territo-riais de um Estado não se exerce qual-quer outro poder de natu-reza semelhante ou análoga àquele que é exercido pelos ór-gãos esta-duais. Por isso se afirma que o poder do Estado é um poder unitário. Dentro do respectivo ter-ritó-rio o poder soberano é do Estado e não existem quaisquer outras com-petên-cias autoritá-rias que não provenham dos órgãos do Estado que detém o poder polí-tico, ou que não deri-vem desse po-der estadual. De contrário,

como

facilmente

se

com-preende,

criar-se-iam 39

João Pedro Simões Dias

situa-ções de conflito e/ou de sobreposição de poderes idênticos que naturalmente tenderiam a, re-ciprocamente, se ex-cluírem. São várias as definições que os diferentes autores nos pro-põem sobre o poder po-lítico esta-dual. À semelhança do que fize-mos para o conceito de Povo, cremos também neste domínio exis-tirem vantagens numa definição que associe neste caso o poder político do Es-tado às fi-nalidades desse mesmo Estado. Assim sendo, poderemos dizer que o poder esta-dual é o poder exercido em nome próprio por um povo num certo território com o fim de ga-rantir a sua segurança, a justiça e o bem-estar dos seus mem-bros, e de modo a re-gular a vida colectiva, nomeadamente através da apro-vação de leis e da imposição do seu cumprimento.

OS FINS DO ESTADO Vistos, com a brevidade que se impunha, os elementos constitutivos do Estado, cumpre tecer al-gumas considerações, naturalmente também breves, sobre a finalidade do Es-tado. Para que existe o Estado?

é a questão a que se tentará responder.

Note-se que já não estamos no do-mínio ontológico em que se pretendia saber que realidade era essa a que se dava o nome de Es-tado. Neste momento cumpre apenas averiguar da razão-deser do próprio Estado. Já se viu que o Estado é uma das possíveis formas de organização política que pode re-vestir a sociedade. Da mesma forma

se

sabe

que

nem

todas

as

sociedades

têm

obriga-to-riamente de estar organizadas do ponto de vista político a generalidade está-o. Não o tem de estar necessari-a-mente. Isto é, a organização política não é conditio sine qua non para que uma so-ciedade exista como tal. A generalidade das sociedades, porém, está or-ganizada do ponto de vista político. Mas mesmo essa organização política não quer ne-cessariamente dizer que deva 40

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

revestir

a existir

a forma de Estado. Também já se referiram

outras formas políti-cas de organização da sociedade que a História nos foi mos-trando. Sabe-se, contudo, que, so-bre-tudo nos tempos modernos, o Es-tado constitui a forma por excelência de

organização

po-lítica

da

socie-dade.

Há,

portanto,

que

questionar a sua razão-de-ser. Na sequência do ensinamento dos autores clássicos, na tradição da própria civiliza-ção oci-dental de cariz profundamente cristão

e

acentuado

espírito

humanista

e

perso-na-lista,

pode-remos afirmar, como já o fazia por exemplo S.TOMÁS (e vieram a fazer os neo-tomistas como JAC-QUES MARITAIN ou EMANUEL MOU-NIER) que a finalidade do Estado é prover à realização do bem-comum. O Estado existe fundamentalmente para

reali-zar

o

bem-co-mum,

. A este propósito, conjugado com este entendimento sobre a finalidade última do Estado, não podemos deixar de relem-brar o que foi dito supra sobre a questão da origem do Estado: este deve ser considerado como fazendo parte da circunstância do Homem, como um instrumento ao dispor do Homem e feito para o servir. Eis, pois, como esta visão sobre a origem do Estado acaba por ser complementar e estar em estreita conexão com a questão tratada no texto acerca da finalidade do próprio Estado. Como instrumento ao dispor do Homem e feito para o servir deve o mesmo, em primeira linha, prover à realização do bem-comum. A finalidade do Estado, a prossecução do bemcomum, deve ser ditada pela consideração dos valores imanentes à

per-sonalidade

humana.

Não

apenas

dos

indivíduos

que

compõem as gerações actuais. Mas, como salienta CABRAL MONCADA, FILOSOFIA DO DIREITO cit., dos indivíduos que compõem as gerações futuras e cuja personalidade igualmente 41

João Pedro Simões Dias

deve ser levada em conta na determinação dos fins do Estado. Este, em síntese, existe para servir o Ho-mem e possibilitar, dentro dos limites do possível, que este alcance a perfeição que permanentemente busca. Sobre a visão da doutrina social da Igreja quanto à consideração do bem-comum como finalidade do Estado, JOÃO PEDRO DIAS, A DEMOCRACIA-CRISTÃ. DAS SUAS ORIGENS. Aveiro 1991, pag 30ss. Todavia, se esta é a vocação inata do Estado, temos de concluir também tratar-se de algo de muito genérico e vago que necessita de uma concretização. A doutrina costuma analisar esta grande finalidade do Estado desdobrando-a em três vertentes. O bem-co-mum

sintetizará

e

en-globará

três

finalidades

mais

específi-cas atribuídas ao Estado, apa-recendo como a síntese de to-das elas. Em primeiro lugar aparece-nos o bem-estar. O Estado tem por missão promo-ver o bem-estar dos seus cidadãos. Por bem-estar não se entende apenas, como o fa-zem os de-fen-sores de concepções puramente materialistas, a melhoria das condições de

vida

materiais

da

popula-ção.

Seria

um

entendimento

reducio-nista que, por isso mesmo, é de excluir e de re-jeitar. Sem dú-vida que o Estado se deve preocupar com o nível de vida material da po-pulação. O bem-estar deve, contudo, ter um entendimento e um alcance diferente. Sobretudo mais amplo. Além de proporcio-nar a melhoria do nível de vida mate-rial da população, o Es-tado deve igualmente prover ao desen-volvimento espiritual e cultu-ral dos cidadãos. Quando se fala em bem-estar deve ter-se presente, portanto, esta di-mensão abrangente e não reducio-nista da expres-são e do conceito. O bem-estar é, por-tanto, a primeira finalidade do Estado, a que este deve prover. Tão importante quanto o bem-estar é a segurança. Uma das razões que levou à organização política das sociedades prendeu-se com a ne-cessi-dade de garantir para esta 42

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

um

mínimo

de

segurança

e

de

estabilidade

nas

relações

intersub-jecti-vas que têm por palco e por cenário a sociedade humana.

Compreende-se,

assim,

que,

enquanto

forma

de

organização polí-tica da sociedade, ao Estado esteja atri-buída a mis-são de garantir e man-ter a ordem e a estabilidade da sociedade. A segurança é, portanto, a se-gunda grande finalidade que qualquer Estado deve pretender alcançar para salvaguarda e de-fesa da sua população. Não, po-rém, uma segurança a qualquer preço, a qualquer custo. Não uma se-gurança em nome da qual poderes erráticos dêem li-vre curso ao seu arbítrio e aos seus des-mandos. Mas uma segurança que seja pau-tada por regras objectivadas e pré-estabelecidas, conhecidas dos seus potenciais destinatá-rios. Uma segurança que se caracterize pela certeza em face do ordenamento instituído. E com isto estamos já caídos na terceira grande vertente em que se analisa o bem-co-mum enquanto finalidade do Estado a justiça. A justiça é, de facto, uma das prin-ci-pais fina-lidades ou atribuições do Estado. Incumbe ao Estado promover a justiça como forma de alcan-çar o bem-co-mum. A ideia de justiça é tão antiga quanto a formação orga-ni-zada dos povos. Sinó-nimo de equi-dade, poder-se-á tentar definir a justiça como o es-forço no sentido de atribuir a cada um o que é seu, o que lhe per-tence. Do ponto de vista histórico, pode afirmar-se que foi ARIS-TÓTELES o filósofo que mais longe le-vou, até hoje, a análise do conceito de justiça. Para ARISTOTELES a jus-tiça não é mais do que igualdade: todavia o clássico grego distingue diversos modos pelos quais esta [a jus-tiça] pode ser aplicada, o que o levou a subdividi-la em várias espécies, se-gundo um critério formal que ficou clás-sico. Em harmonia com esse critério, a justiça pode ser distributiva ou sinalag-mática. A pri-meira, que é a do Estado nas suas relações com os súb-ditos, exprime-se na fór-mula: a cada 43

João Pedro Simões Dias

um segundo o seu mérito; é com base nela que se repar-tem os bens e as hon-ras públicas. A se-gunda, que se aplica nas relações dos ci-dadãos entre si, exprime-se na fórmula: que cada um, naquilo

que



ou

que

recebe,



ou

receba

um

valor

objectivamente igual ao da presta-ção da outra parte. Esta segunda espécie de justiça, porém, pode ainda re-vestir duas modalidades. Se se trata de relações de pura troca livre entre indiví-duos, segundo um critério de valor exacto objecti-vamente determinável, chama-se comutativa. Se se trata de delitos que geram obrigações já não voluntárias, como a da re-paração de um dano injusto, com intervenção do juiz, chama-se judiciá-ria. Mas em todo o caso

e isto é o importante

é sempre um critério de

igual-dade que consti-tui o princípio da justiça. L.CABRAL DE MONCADA, FILOSOFIA DO DIREITO E DO ESTADO, Vol I, 2ª Edição revista e acrescentada, Coim-bra 1955, pag. 29. Como salienta a melhor doutrina, não é concebível que os três fins do Estado se nos de-parem isolados. A interdependência dos fins do Estado assume particular importância em relação à grande e úl-tima finalidade do Estado: a promoção do bem-comum. Professor MARCELLO CAETANO, MANUAL cit., pag. 146: o poder político do Estado tem de ter por fim assegurar a jus-tiça compatível com a segurança e que seja útil ao bem-estar social:

os

três

fins

do

Estado

são

interdependentes

e

complementares. Efectivamente

a

promoção

do

bem-comum

ficará

seria-mente comprometida sem-pre que não seja possível realizar qual-quer uma das vertentes em que se analisa e desdobra. Se existir segurança mas não existir justiça, campeará certamente o totalitarismo. Em nome da segurança permitir-se-ão e abrir-se-ão as portas para todos os tipos de injusti-ças. Em 44

Direito Internacional Público e Organizações Internacionais

nome de uma certeza falível e questionável, alimentar-se-ão formas despóticas ou totalitá-rias de poder do Estado. A justiça é um ele-mento fundamental na prossecução da finalidade do Estado, na assun-ção deste como um Estado de Direito. Mas não deve ser con-siderada isola-damente ou como o fim último a atingir pelo Estado. Desde logo por-que é impossível ha-ver justiça sem a correspon-dente segurança que lhe subjaz. A justiça pressupõe a segurança. Justiça sem segurança é a negação da própria ideia de justiça. Da mesma forma não basta existir justiça e segurança para assim se con-seguir alcançar o bem-comum. Ignorar o bem-estar das populações, não curar do seu nível não só eco-nómico ou material mas também cul-tural ou espiritual, conduz necessariamente a si-tua-ções la-tentes de revolta ou contestação, de agitação social, de conflitualidade sendo certo que tudo isto acabará por questionar a pró-pria segurança. A interdependência é, portanto, a característica última que relaciona todos os fins do Es-tado.

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