Curso de Doutoramento em Belas-Artes Seminários de Belas-Artes I [Relatório

May 25, 2017 | Autor: Pedro Felício | Categoria: Cinema and Education
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Curso de Doutoramento em Belas-Artes

Seminários de Belas-Artes I [Relatório]

Pedro Miguel Rebelo Felício n.º 6843

Especialidade: Educação Artística

[2011]

Ano Letivo 2011’12

Índice Introdução ....................................................................................................................................3 Desenvolvimento .........................................................................................................................4 A Narrativa na Arte – Paradigmas Fundamentais .....................................................................4 Pintoras e Ilustradoras Portuguesas, que universo? ................................................................10 Discurso Científico e Educação Artística em Portugal ...........................................................16 Pintor, Homo Novus – O Futuro – Invisibilidade e desmaterialização dos dispositivos tecnológicos ...........................................................................................................................21 Conclusão ...................................................................................................................................24 Bibliografia ................................................................................................................................25 Sítios consultados na Internet .................................................................................................26 Índice de figuras .....................................................................................................................27

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Introdução O presente relatório é elaborado no âmbito do Seminário de Belas-Artes I do curso de Doutoramento em Belas Artes promovido pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Tem como principal objetivo o de descrever, analisar e, em alguns casos, aprofundar, quatro das conferências assistidas pelo doutorando no decorrer do primeiro semestre do referido curso. Durante o seu desenvolvimento pretendeu-se elencar os conceitos específicos inerentes a cada uma das comunicações em análise, por meio de uma exposição detalhada do relatado pelo comunicante, procurando enquadrar o observado com bibliografia própria da área e, mais especificamente, do tema exposto. Encontra-se organizado pela sequência cronológica de participação do doutorando nas conferências analisadas, comportando, cada uma dessas análises, a descrição e aprofundamento das ideias fundamentais de cada comunicação. No final deste relatório é apresentada uma observação crítica sobre a globalidade das comunicações presenciadas e a sua relação com a área em que o doutorando propõe desenvolver a sua tese de doutoramento. Na escolha das áreas de especialidade a conter no presente relatório, foram tidos em conta os principais interesses do doutorando face à área de investigação proposta para a realização da sua tese de doutoramento, nomeadamente na sua relação científica com as áreas e temas abordados nas quatro conferências aqui expostas. À luz dessa premissa, sendo a área de investigação da proposta de tese do doutorando a Educação Artística, optou-se pelas seguintes conferências, enquadradas no âmbito da especialidade Ciências da Arte: “Narrativa na Arte – Paradigmas Fundamentais”, pelo Professor Doutor Francisco Batista Pereira; “Pintoras e Ilustradoras Portuguesas, que Universo?‖, pela Professora Doutora Cristina Azevedo Tavares e “Investigação em Educação Artística”, pelo Professor Doutor João Pedro Fróis. Está ainda relatada neste documento a conferência da área de especialidade Pintura, “Pintor, Homo Novus – O Futuro – Invisibilidade e Desmaterialização dos Dispositivos Tecnológicos”, pelo Professor Doutor Hugo Ferrão, escolhida não pela sua área de especialidade, mas sim pela particular afinidade do seu tema com o que é proposto desenvolver pelo doutorando na sua tese cujo título, neste momento, é ―A desmaterialização do objeto artístico: ambientes virtuais em educação artística”. Foram ainda observadas as seguintes comunicações: “Os 175 anos da Academia de Belas Artes”, área de Ciências da Arte, pela Professora Doutora Margarida Calado, “A Imagem nas publicações sob os regimes totalitários”, área de Design de Comunicação, pela Professora Doutora Cândida Ruivo e “Design Protético”, área de Design de Equipamento, pelo Professor Doutor Paulo Parra. Estas, embora não sejam alvo de análise no presente documento, revelaram-se de extrema importância no aprofundamento dos conhecimentos inerentes a cada um dos temas apresentados e serão relevantes no desenvolvimento de tese de doutoramento proposta pelo doutorando. Pela análise dos resumos disponibilizados no inicio do semestre, outras conferências teriam sido de grande interesse no presente percurso, nomeadamente as pertencentes à área de Arte e Multimédia, “Como se estrutura uma Tese? Caminhos de concretização”, “Espaço Digital Contemporâneo” e “O Rapto do observador: emoção, empatia, transfiguração e o estatuto da imagem na cultura visual”. Infelizmente por motivos relacionados com a tardia formalização da aceitação da candidatura do doutorando, não houve oportunidade de participação nestes momentos. 3

Desenvolvimento A Narrativa na Arte – Paradigmas Fundamentais Conferencista: Professor Doutor Fernando António Batista Pereira Especialidade: Ciências da Arte Data: 13 de outubro de 2011

O Professor Doutor Fernando António Batista Pereira, após a sua apresentação aos presentes, iniciou a conferência, com recurso a uma apresentação eletrónica, sobre o tema ―A Narrativa na Arte – Paradigmas Fundamentais‖, fazendo uma retrospetiva sobre a relação entre a narrativa e a sua presença, ou inexistência, no objeto artístico produzido pelo Homem ao longo da história. Segundo este, na chamada Arte Rupestre1, forma de expressão artística baseada na pintura ou gravura inscrita sobre uma superfície rochosa normalmente em conexão direta com o período pré-histórico, não se considera a existência do conceito de narrativa, pois as obras deste período apresentam uma multidirecionalidade nas suas representações. Ao considerar multidirecionais as pinturas e gravuras inscritas neste período, explicou que estas não representam ou pretendem narrar um acontecimento, mas apenas retratar um momento da vida humana e figuras de animais sem relação entre elas, embora muitas vezes se encontrem várias destas obras no mesmo local - gruta ou parede. É também frequente encontrar a presença de figuras fantásticas, objetos e cenas domésticas ou de trabalho, como se, através da arte, o artista pretendesse afirmar uma presença, dizendo "estive aqui", muitas vezes utilizando como meio dessa afirmação a representação de mãos, pés e figuras (fig.1). Segundo o orador, no chamado período Mesolítico, já é possível compreender algumas destas manifestações artísticas como tendo o sentido de testemunho de uma ação ou história, na medida em que as pinturas e gravuras representam visualmente narrativas, eventos, cenas e mitos, em que a figura humana ganha importância e sua representação vem acompanhada de grande movimento, em cenas de dança, luta e caça. Mais tarde, na civilização egípcia, é possível encontrar, com muita clareza, figuras narrativas, neste caso associadas ao símbolo - escrita. Foi apresentado como exemplo de narrativa visual na arte egípcia, uma imagem da Paleta de Narmer (fig.2), datada de 1

Datam do Paleolítico médio (c. 100 000 a 35 000 a. C.) as manifestações de arte rupestre mais antigas conhecidas em território europeu. As zonas e centros mais representativos são a França (Dordonha, Vézère, Pirenéus), Espanha (Montes Cantábricos) e Portugal (Vale do Coa). Os espaços escolhidos são sobretudo as grutas, com exemplares soberbos em Altamira (Espanha) e Lascaux (França), embora surjam áreas mais amplas e complexas no exterior, como no complexo de arte do Vale do Coa. O "mundo" artístico do Paleolítico é representado sob a forma de pintura no interior das grutas e de gravura nas zonas rochosas ao ar livre. A temática é sobretudo animalista, frequentemente em associação com outros elementos gráficos. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: .

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Fig.1 Pintura Rupestre. Grutas de Altamira Espanha

3000 a.C., sendo esta descrita como a primeira obra de que há registo na arte egípcia em que é apresentada uma sequência de acontecimentos históricos de relevo na sociedade egípcia. Segundo Johnson (2002), ― (…) a Paleta de Narmer narra a história da unificação do Baixo Egipto com o Alto Egipto pela mão do Rei Narmer2 que viria a ser o primeiro faraó do Egipto unificado‖. Apresenta numa das faces, na parte superior, o nome do rei Narmer, ao centro, ladeado por duas imagens bovinas que tanto podem fazer alusão à deusa Hathor3 ou mesmo ao boi, simbolizando a força do rei. Logo abaixo surge o monarca usando a coroa vermelha do Baixo Egipto. A sua importância é demonstrada ao ser representado em tamanho maior Fig.2 Paleta de Narmer que as demais figuras que compõem Egípto a cena. Ao lado direito da procissão 3000 a.C. em que o rei se encontra foram representados dez cadáveres decapitados, os inimigos subjugados. Abaixo desta imagem aparecem dois animais fantásticos com os pescoços entrelaçados, o que para alguns estudiosos representa a união entre as províncias do Alto e do Baixo Egipto e, portanto a unificação. Finalizando a narrativa visual, na parte inferior encontramos a imagem de um touro, novamente atributo da força do rei, derrotando um inimigo e destruindo a muralha de uma cidade. No verso a parte superior da paleta é idêntica à face anteriormente descrita e, abaixo desta, o rei é novamente representado em tamanho maior demonstrando a sua importância como figura central da ação. Nesta face o monarca usa agora a coroa branca do Alto Egipto e, segurando um inimigo pelos cabelos, parece prestes a matá-lo utilizando um bastão. Ao seu lado direito está o deus Hórus 4, associado à figura dos faraós que seriam seus herdeiros, representado na forma de falcão. O orador salienta que na Arte Grega do período da antiguidade, embora com grande expressividade simbólica e um grande volume de objetos relevantes que chegam até ao presente, não se lhes confere grande carga de narratividade. É pouco expressivo o número de obras produzidas na Grécia antiga que contenham carga narrativa evidente.

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Pensa-se que o rei Narmer terá sido o primeiro rei da I Dinastia ou o último da chamada Dinastia 0. Governou por volta de 3150 a. C. sobre um Egipto já unificado e encontraram-se designações que podem ter sido dadas a este rei, como a de rei Escorpião (lendário) e rei Aha. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: . 3

Hathor, the feminine goddess par excellence in ancient Egypt was a pre-Dynastic goddess who gained enormous popularity early on. Her name is translated as "the House of Horus", which may be a reference to her as the embodiment of the sky in her role of the Celestial Cow, being that which surrounds the decidedly sky-oriented hawkdeity, Horus, when he takes wing. If Horus was the god associated with the living king, Hathor was the god associated with the living queen. In Encyclopedia Mythica [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://www.pantheon.org/articles/h/hathor.html >. 4

Hórus era um deus egípcio retratado com uma cabeça de falcão num corpo de homem, representando a união de vários outros deuses associados ao céu, ao sol e ao poder régio. Tal sucedia porque existia no Egito pré-clássico uma grande quantidade de santuários e em cada um deles eram atribuídas características diferentes ao deus, que se convertia por vezes em crocodilo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: .

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Diz também que, no sentido contrário, se encontra a Arte Romana, que embora tenha forte inspiração nas produções egípcias e helénicas que lhe antecedem, apresenta-se com grande expressão narrativa. Exemplo maior dessa condição é a Coluna de Trajano5 (fig.3), com a narrativa a apresentar-se em forma espiralante. É decorada com um relevo historiado que se desenrola à volta da coluna e que conta os inúmeros acontecimentos das duas campanhas de Dácia6, encobrindo ainda as 43 janelas que iluminam a escadaria interior. No topo da coluna existe um capitel dórico monumental, que era encimado por uma águia de bronze, símbolo do Império Romano. Mais tarde foi substituída por uma estátua em bronze de Trajano e atualmente possui uma estátua de S. Pedro, colocada em 1588. A narrativa da coluna é apresentada através de diversas cenas que descrevem aspetos geográficos, sociais e políticos da campanha. Em toda a sua leitura o imperador é mostrado como o grande protagonista que dirige e orienta os trabalhos e intervém nas batalhas.

Fig.3 Coluna de Trajano Apolodoro de Damasco 112-114

Mais tarde, num período histórico pré-renascentista, a Arte Medieval encontra-se no espaço europeu ocidental com uma enorme produção de objetos artísticos, nomeadamente no campo da pintura, com grande expressão narrativa essencialmente com temáticas de natureza religiosa. A Igreja Católica assume neste período um papel de extrema importância inspirando todas as produções científicas e culturais, fazendo com que muitas obras artísticas tenham temática religiosa e levando muitos dos artistas a preocuparem-se com o contar, ou recontar, eventos históricos, de cariz religioso. Foram vários os exemplos apresentados, dando-se especial destaque à obra “A Anunciação” (fig.4), de Frà Angelico, um retábulo do século XV, que apresenta uma dupla narrativa no seu plano de maior relevo e pequenas outras histórias em planos de menor destaque, levando-nos a equacionar se na sua composição Angelico terá sido sensível às propostas de Fig.4 Alberti (Da Pintura, 1435) que indicava “o Anunciação quadro como uma espécie de teatro, Frà Angelico colocando entre a cena pintada e o Séc. XV espectador uma figura de ligação que, voltada para o público e designando o interior da pintura, convida o espectador a observá-la”. Nesta peça encontramos, por um lado, no grande plano de relevo, a representação da história bíblica que narra o encontro do anjo Gabriel com a Virgem Maria, para lhe dizer que ela fora escolhida como a mãe do Salvador. Esse retábulo ilustra o começo do estilo renascentista, iniciado no século XV. Na pintura já se 5

Coluna de Trajano (112-114) Construída em Roma, no Fórum de Trajano, sobre o túmulo do imperador, É uma coluna comemorativa composta por grandes tambores de pedra, ocos e sobrepostos; a sua importância artística reside nos relevos históricos que cobrem toda a coluna. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: . 6

The province of Dacia existed from 106-771 AD. It didn't include all the territories inhabited by the Dacians. Crisana, Maramures, Northern and Central Moldova are still inhabited by the free Dacians. Trajan stayed in Dacia until 107, to orgaanize the new territory. In 108 is founded the capital of the provvince, Ulpia Traiana Augusta Dacica Sarmizegetusa. In The Dacians - People of Ancient Times [Em linha]. [Consult. 2012-0113]. Disponível na www: < http://www.geocities.com/cogaionon/article5.htm >.

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encontram inseridas ideias que vigorariam no Renascimento, como a perspetiva científica; num plano superior, à esquerda, encontramos Adão e Eva, envergonhados, que são expulsos por um anjo do Jardim do Éden. Na predela, assim denominada a base do retábulo com componente artística, é-nos apresentado um conjunto de cinco imagens que representam os vários momentos marcantes da vida da Virgem, desde a já descrita anunciação até ao momento da sua assunção aos céus. Esta obra retabular apresenta, de forma perfeitamente integrada, uma multiplicidade de diferentes histórias que, embora ligadas entre si, relatam acontecimentos e ações em diferentes espaços e tempos. Esta tripla relação, aqui tão facilmente perceptivel, remete-nos para a regra das três unidades que compôem a condição narrativa, enunciadas por Aristóteles e, mais tarde, em Roma, reforçadas por Horácio7, a ação, o espaço e o tempo. O orador referiu, também, que no período do Renascimento, em que a utilização da perspetiva na pintura toma contornos nunca vistos, existe uma verdadeira explosão nas obras de arte com características narrativas. Apresentou como exemplo a pintura de Rafaello Sanzio de Urbino, “A Escola de Atenas”8(fig.5). Na obra, que representa a verdade adquirida através da racionalidade, ciência e razão são múltiplas as referências a grandes figuras nas diversas áreas artísticas e científicas. Ao centro duas figuras, Platão 9 e Aristóteles, retratam a imagem dos pensadores Fig.5 da Antiguidade Clássica. O primeiro aponta A Escola de Atenas para o céu enquanto segura um livro, ladeado Rafaello Urbino por Aristóteles que parece dialogar com o 1509-1510 primeiro; Pitágoras, outra das personagens representadas, surge em posição lateral face ao espectador, aparentemente de modo a permitir que este observe com clareza a sua explicação; Sobre os degraus da escada, Diógenes10 parece dedicar-se à leitura; À direita da pintura, Euclides11 parece ensinar 7

Quinto Horácio Flaco, em latim Quintus Horatius Flaccus, (Venúsia, 8 de dezembro de 65 a.C. — Roma, 27 de novembro de 8 a.C.) foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores poetas da Roma Antiga. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: . 8

A Escola de Atenas ―Scuola di Atenas" no original) é uma das mais famosas pinturas do renascentista italiano Raffaello e representa a Academia de Platão. Foi pintada entre 1509 e 1510 na "Stanza della Segnatura" sob encomenda do Vaticano. A obra é um afresco em que aparecem ao centro Platão e Aristóteles. Platão segura o Timeu e aponta para o alto, sendo assim identificado com o ideal, o mundo inteligível. Aristóteles segura a Ética e tem a mão na horizontal, representando o terreste, o mundo sensível. A imagem tem sido muitas vezes vista como uma perfeita encarnação do espírito da Alta Renascença. Em "A Escola de Atenas", Raffaello pintou os maiores estudiosos antigos como se fossem amigos que discutiam e desenvolviam as formas de pensar e de refletir a filosofia em si. Segundo o estudioso Fowler, o título do afresco era "Causarum Cognitio" e que somente após o século XVII passou a ser conhecido como "A Escola de Atenas". In Saber Cultural [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://www.sabercultural.com/template/obrasCelebres/A-Escola-de-Atenas.html>. 9

Platão foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: . 10

Diógenes, o cínico (404-323a.C.) é assinalado, em muitas histórias da filosofia, como o filósofo que desprezou ostensivamente os poderosos e as convenções sociais. Nasceu em Sínope. Foi discípulo de Antístenes (c.444-365 a.C.), fundador da filosofia cínica. In Portal da Filosofia [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://afilosofia.no.sapo.pt/10diogenes.htm>.

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geometria a um curioso grupo de alunos, entre outras figuras que foram sendo identificadas nesta pintura mural pelos estudiosos ao longo dos tempos é ainda de assinalar a presença de Zaratustra12 que segura o Globo Celestial e Ptolomeu13 o Globo Terrestre. As figuras desta composição não se atropelam nem são sufocadas pelo aglomerado, sugerem movimento. Esta obra apresenta uma grande diferença face ao que na época se praticava, pois o autor, Rafaello, recorreu a figuras e individualidades concretas e facilmente identificáveis para representar a sua ilustração narrativa, ao contrário do que habitualmente se fazia nos séculos XIV e XV, assim como ao recorrer no espaço pictórico às leis do plano e perspetiva para conduzir o espectador pelos diferentes espaços representados na pintura. As figuras de pensadores representam um verdadeiro debate filosófico: astronomia, geometria e aritmética são descritas de forma concreta através dos seus mais ilustres representantes, num imponente plano convergente para o eixo central do espaço abobadado. Também aqui se encontra a explicação de Alberti (Da Pintura, 1435) face à pintura e ao seu significado e objetivo, pois segundo este toda a pintura tem uma história a contar, um conteúdo temático na composição que não é inocente nem ocasional. Dando aqui um salto para a narrativa representada na pintura do século XIX na Europa ocidental, o orador apresentou um exemplo de obra que, segundo este, veio romper uma mentalidade clássica e conservadora nos temas abordados e representados. Trata-se da “Olympia”14(fig.6) de Manet, apresentada em 1865, numa exposição realizada em Paris, que representa uma jovem prostituta nua, deitada numa cama. Este quadro foi considerado, à época, como uma afronta à moral e bons Fig.6 Olympia costumes da sociedade francesa. Embora a Edouard Manet inspiração de Manet na composição visual da 1863 11

Euclides (c. 330 a. C. - 260 a. C.) nasceu na Síria e estudou em Atenas. Foi um dos primeiros geómetras e é reconhecido como um dos matemáticos mais importantes da Grécia Clássica e de todos os tempos. In Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/euclides/euclides.htm >. 12

Zaratustra ou Zoroastro (660 - 583 a. C.), profeta e filósofo árabe nascido na região de Ragha, também dita Ragae ou Rai, peto de Teerão, na Pérsia, hoje no Irão, fundador do zoroastrismo, antigo sistema religioso-filosófico monoteísta que parte do postulado básico de uma contradição entre o bem e o mal, inerente a todos os elementos do universo, praticamente substituído pelo islamismo, e que deixou influência em religiões como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, como a fé em uma divindade suprema criadora e guia absoluta do universo e sua permanente luta contra o reino do mal e suas entidades demoníacas. In Unidade Académica de Engenharia Civil [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: . 13

Cláudio Ptolomeu (Claudius Ptolemaeus) nasceu provavelmente no ano 90 d.C., em Tolemaida, Hérmia ( Egipto). Foi Astrónomo, matemático e geógrafo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-0113]. Disponível na www: . 14

With Olympia, Manet reworked the traditional theme of the female nude, using a strong, uncompromising technique. Both the subject matter and its depiction explain the scandal caused by this painting at the 1865 Salon. Even though Manet quoted numerous formal and iconographic references, such as Titian's Venus of Urbino, Goya's Maja desnuda, and the theme of the odalisque with her black slave, already handled by Ingres among others, the picture portrays the cold and prosaic reality of a truly contemporary subject. Venus has become a prostitute, challenging the viewer with her calculating look. This profanation of the idealized nude, the very foundation of academic tradition, provoked a violent reaction. Critics attacked the "yellow-bellied odalisque" whose modernity was nevertheless defended by a small group of Manet's contemporaries with Zola at their head. In Musee D’Orsay [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: .

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pintura nos remeta para obras de reconhecido valor como a Venus of Urbino (1538) de Ticiano, a nudez nesta representada, associada à personagem retratada, uma prostituta, causaram grande incómodo nos habituais frequentadores dos espaços de exposição e críticos de arte. O orador salientou, ainda, que o estudo da narrativa visual, tema cental desta comunicação, tem origem em “The Image Making”, e está muito centrado na teoria perceptualista de Hernst Gombrich15 e também na Semiologia de Norman Bryson 16 que defende a existência de imagens discursivas, que contam uma história e de imagens figurativas que fogem à determinação pela linguagem. Já o primeiro, Gombrich, em ―Art and Ilusion” afirma ―(…) quando um pintor pretende pintar um quadro que se pareça com a realidade, não pode simplesmente copiar aquilo que vê, pois o mundo que temos diante de nós seria demasiado rico e complexo para ser reproduzido imediatamente. Assim, a reprodução de um quadro precisa ser mediada por um código – ou uma fórmula – que possa ser recordado muito mais facilmente e com maior precisão do que o complexo conjunto de dados visuais que nos oferece o chamado “mundo real”. Quando um esquema convencional, por algum motivo, passa a não mais servir ao artista para seus propósitos, ou seja, quando já não puder codificar a informação visual que um pintor deseja codificar esse artista pode “corrigi-lo”, até que o esquema, transformado, passe a corresponder às suas necessidades. Com o passar do tempo, esse esquema alterado poderá se converter num novo “esquema convencional”.Através dessas transformações, o estilo de representação pictórica baseado nesses códigos esquemáticos teria se “desenvolvido” e, desse modo, sempre de acordo com Gombrich, até mesmo as mudanças mais radicais de estilos poderiam ser explicadas por meio do acúmulo de pequenas e discretas alterações dos esquemas convencionais.‖ (in Fernandez & Makowiecky, 2011). Esta posição defendida por Gombrich, embora amplamente aceite no que respeita ao desenvolvimento artístico até ao início do século XX, em que a mimesis era a vertente mais utilizada nas pinturas europeias, tem vindo a ser posto em causa na sua relação e abordagem com a arte desde o chamado modernismo – princípios do século XX. A partir deste período a relação da pintura com uma representação do real, embora continue a existir, é cada vez mais ténue, pondo, por isso, em causa o sentido de grande parte do defendido por Gombrich. Presume-se que este afastamento, por parte dos pintores, da mimesis, tenha sido consequência direta do surgimento, evolução e massificação da fotografia enquanto elemento que veio permitir o rápido registo do visível, com uma relação de aproximação ao real muito acima de qualquer produção plástica até então elaborada. Deixou, portanto, de ser uma necessidade a pintura de paisagens ou retratos per si. A partir deste período dá-se uma mudança paradigmática nas representações plásticas, agora muito mais ―livres‖ a nível expressivo e criativo, mas também muito mais latas nas suas possibilidades de compreensão por parte do fruidor. 15

Ernst H. Gombrich (1909–2001), University of London professor of art history, champion of psychologicalapproach to art. Gombrich grew up within the elite cultural circle of Vienna. His father Karl Gombrich (1874-1950), was the vice-president of the Disciplinary Council of the Austrian Bar, and his mother, Leonie Hock (Gombrich) (1873-1968), was a pianist who had studied under Anton Bruckner and taught Mahler's sister The Story of Art (A História da Arte). In Dictionary of Art Historians [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://www.dictionaryofarthistorians.org/gombriche.htm>. 16

Norman Bryson (1949), Glasgow, Scotland. Art historian of French eighteenth-century painting and Harvard University professor. In Dictionary of Art Historians [Em linha]. [Consult. 2012-01-13]. Disponível na www: < http://www.dictionaryofarthistorians.org/brysonn.htm>.

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Pintoras e Ilustradoras Portuguesas, que universo? Conferencista: Professora Doutora Cristina Azevedo Tavares Especialidade: Ciências da Arte Data: 17 de outubro de 2011

A Professora Doutora Cristina Azevedo Tavares, após a sua apresentação aos presentes, iniciou a conferência com recurso a uma apresentação eletrónica sobre o tema ―Pintoras e Ilustradoras Portuguesas, que universo‖, fazendo uma explicação mais detalhada sobre a forma como iria abordar o tema exposto. Explicou que a sua apresentação, se iria desenvolver na relação arte – pessoa – (a mulher na) sociedade – difusão das obras/artistas, tendo para isso analisado os trabalhos de pintura e/ou ilustração de algumas pintoras de relevo na sociedade portuguesa no século XX. Referiu também que esta relação arte – pessoa – (a mulher na) sociedade - difusão das obras/artistas foi, em meados do século XX em Portugal, indissociável pois, segundo a oradora, o papel da mulher neste período era socialmente aceite em algumas áreas e em determinadas ações ou profissões, como por exemplo a lide doméstica, o ensino ou os bordados, enquanto em áreas como a pintura, escultura ou a literatura, a sua participação, já não era objeto de fácil aceitação. “A arte é, também, uma das áreas em que as mulheres pretendiam afirmar-se. A maior parte das mulheres que decidiu empreender numa carreira artística, apesar de serem de origem burguesa, não lhes era fácil aceder a uma carreira, fosse ela qual fosse, pois desafiava o papel tradicional de mãe, esposa e fada do lar.” (Mendes, 2010:27). Nesse sentido a oradora apresentará na sua comunicação algumas referências de artistas portuguesas do século XX, que tiveram papel de destaque nos campos da pintura e/ou da ilustração, enquadrando os temas e formas representados nas suas obras com os diferentes momentos significativos das suas vidas privadas e familiares em que, muitas vezes, o seu papel enquanto artista era relegado para um segundo plano em confronto com as suas, socialmente aceites e esperadas, obrigações enquanto mulher, de forma a dar-nos uma melhor perceção dos tempos históricos, ideológicos e culturais, em que determinada obra se produziu para que possamos compreendê-la na sua globalidade. A primeira pintora de que nos falou foi Émilie (Mily) Possoz (1888-1967). Esta, cuja obra foi de grande contribuição para a modernidade na pintura portuguesa, nasceu em Lisboa, em 4 de dezembro de 1888, filha de pais belgas. O facto de ser oriunda de uma família com posses económicas facilita o inicio dos seus estudos de pintura que veio a realizar, durante a sua adolescência, com Emília Santos Braga 17 e com o aguarelista Enrique Casanova18. Em 1905, aos 16 anos, parte para Paris para estudar na Academie 17

Emília dos Santos Braga (n. Lisboa, 1867 - m. 1950). Pintora, discípula do pintor José Malhoa, dedicou-se ao ensino de pintura a partir de 1904, nomeadamente a grupos de meninas que frequentavam o seu atelier. Participou com regularidade nas exposições do Grémio Artístico e da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1ª medalha, 1901). Foi premiada em todas as exposições a que concorreu em Paris, Madrid, Rio de Janeiro e São Francisco (Califórnia). In Museu José Malhoa [Em linha]. [Consult. 2012-01-14]. Disponível na www: . 18

Enrique Casanova (Saragoça, 1850 – Madrid, 1913). Oriundo de meio humilde, cedo pôs à prova seus dotes artísticos – expressão de um autodidactismo virtuoso – com a execução de tarefas na oficina litográfica de que seu pai era proprietário. In Palácio Nacional da Ajuda [Em linha]. [Consult. 2012-01-14]. Disponível na www: .

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de La Grand Chaumiére onde realiza os seus estudos de pintura até 1908, data em que regressa a Portugal para, pouco depois, iniciar a participação em exposições coletivas, sendo a primeira em 1909 na SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes), em Lisboa. É considerada como sendo uma ilustradora e gravadora com grande sentido lírico/decorativo, pelo que os seus trabalhos lhe vão conferindo alguma notabilidade junto da crítica e também dos seus pares artistas, que são, à época, na sua esmagadora maioria, homens. Essa qualidade demonstrada nas suas obras, aliada aos temas – de grande aceitação social – que nelas continha, leva a que seja abordada pela imprensa e pelas editoras e comece com estas a colaborar em diversas ilustrações de revistas, jornais e livros, tendo em 1913 realizado a sua primeira ilustração para o jornal “O Século‖ e, em 1914 ilustrado, com um conjunto de gravuras, o livro de Manuel de Sousa Pinto ―O jardim das mestras‖, editado pela Aillaud e Bertrand. Na sua vida pessoal é de destacar a sua relação com o pintor Eduardo Viana nos anos 20, década que “(…) foi a afirmação da sua individualidade de artista inovadora. Mily Possoz foi uma das personalidades distinguidas em várias exposições coletivas, as quais acentuaram o prenúncio de um novo modernismo na década de vinte. Muitos destes certames foram realizados conjuntamente com Eduardo Viana, seu companheiro perto de uma década. Como muitas artistas ao longo da história das artes plásticas, é uma mulher artista que na sua vida se relaciona artística e afetivamente com outro artista.” (Mendes, 2010:77). Foi, depois, visualizada a pintura ―Menina de Boina Verde‖ (fig.7), de 1930, onde se podem encontrar as marcas características da pintura de Possoz, nomeadamente o traço preciso e solto, correspondente ao estilo modernista que esta promovia, e também a própria temática apresentada na pintura onde, como era habitual na artista, apresentava temas aceites, suaves, sem provocar choques sociais, com uma Fig.7 carga lírica visível e de grande harmonia de formas e A Menina da Boina inserções cromáticas, como tão bem é descrito pelo jornalista Verde Mily Possoz Artur Maciel (1900-1977) numa das suas críticas publicadas 1930 no Diário de Notícias em fevereiro de 1062 “(…) Todo o traço e toda a cor da arte de Mily Possoz servem uma fantasia subtil e uma emotividade poética, onde o drama nunca surge e o lirismo é sempre suave e delicado. (…) atravessando, independente e incólume, uma época de intensas insatisfações e de incessantes procuras. (…) aos símbolos e alegorias, assim como as paisagens e figuras que a atraem, imprime (…) um pronunciado sentido decorativo, mais de ilustração que de pintura.” (in Mendes, 2010:170) Preocupada em trilhar um caminho individual em direção ao reconhecimento nacional e internacional, participando em inúmeras exposições coletivas e em algumas daquelas que marcaram as primeiras vanguardas nacionais, Possoz partirá uma segunda vez para Paris, em 1927 para, em 1929, integrar a recém criada sociedade Jeune Gravure Contemporaine, ao abrigo da qual realizará inúmeros trabalhos de gravura, técnica que veio recuperar de um passado quase esquecido na produção artística portuguesa e cuja qualidade confirma a sua grande capacidade artística enquanto ilustradora de nível internacional. Tendo participado e diversas exposições coletivas em França, no Brasil e

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em Portugal. Em muitas destas exposições foram referenciados ou até premiados os seus trabalhos. Em 1940 é convidada pelo SPN/SNI19 a participar na Exposição do Mundo Português e, com a criação por este organismo (SPN/SNI), dos Bailados Verde-Gaio, Bailados Portugueses, Possoz integrará o leque de artistas que trabalham como cenógrafos e figurinistas. Viria desde essa data a realizar inúmeros trabalhos para o SPN/SNI de António Ferro e, ainda para o governo que regia o país no chamado Estado Novo, viria a ilustrar em 1958, a pedido do Ministério da Educação Nacional, "O Livro da Segunda Classe" (fig.8), impresso pela Livraria Bertrand.

Fig.8 O Livro da Segunda Classe Capa e Ilustrações de Mily Possoz 1958

Mily Possoz representou entre a década de 20 e finais da década de 50, uma das grandes figuras de vanguarda no modernismo português, revelando um enorme conhecimento do que de mais atual se produzia internacionalmente, em especial em Paris, e demonstrando grande mestria no seu traço ao nível do desenho, da pintura e da gravura. Em seguida a oradora falou sobre outra das grandes pintoras de referência nacional no século XX, Sarah Afonso (1899-1983). Sarah, nascida em Lisboa no seio de uma família burguesa, filha de um oficial do Exército e de Alexandrina Gomes Afonso, passou a infância no norte de Portugal, no Minho, o que a viria a inspirar em temas populares que mais tarde representou com grande beleza nas suas pinturas, como é disso exemplo a obra “Casamento” (fig.9). Nesta é retratada a celebração de um casamento ―típico‖ numa aldeia Minhota, com os noivos ao centro, devidamente vestidos e ornamentados de acordo com a tradição popular da região, rodeados por seus familiares e surgindo, em segundo plano, a imagem da aldeia e dos animais, Fig.9 representados por uma junta de bois, estando ainda num Casamento Sarah Afonso outro plano representada uma banda que acompanha as 1945 celebrações. O estilo de Sarah Afonso, considerada por muitos como uma ―folclorista", de linguagem quase naif, com base nas tradições populares portuguesas das festas e procissões, está bem patente nesta obra. O tema, o desenho, os elementos decorativos e a composição cromática associam a modernidade do traço e da cor com os valores familiares e do património cultural. Optando pela ingenuidade da representação, associa elementos da cultura cristã com o imaginário. Em 1924, ainda solteira, partiu sozinha para Paris, depois de ter tido lições com o pintor Columbano Bordalo Pinheiro. Ali expôs com sucesso no Salon d'Automne. Regressou a Portugal onde frequentou a Escola Superior de Belas Artes onde foi aluna do Mestre 19

Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, criada em 1933, era o organismo público responsável pela propaganda política, informação pública, comunicação social, turismo e ação cultural, durante o regime do Estado Novo em Portugal. Até 1951 a SPN/SNI realizou quatorze exposições anuais de "Arte Moderna " ( Escultura e Pintura) e outros concursos menos numerosos e menos regulares de desenho e gravura. ... Cultura, arte e ensino no Estado Novo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-19]. Disponível na www: .

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Columbano. Mais tarde, voltou para Paris entre 1928 e 1929. Sarah Afonso de regresso a Lisboa seria a primeira mulher a frequentar o café “A Brasileira” do Chiado, então exclusiva do sexo masculino e participou no primeiro Salão de Artistas Independentes em 1930. Um dos grandes momentos que viriam a marcar a sua vida pessoal e profissional, enquanto artista, foi o casamento, aos 35 anos, com José de Almada Negreiros, artista já de renome no panorama nacional. Sara Afonso teve então grandes dificuldades em conciliar a sua vida de mãe de família e de pintora., pois fruto do seu casamento surgiria o seu filho José e novas responsabilidades inerentes à figura da mulher aos olhos da sociedade neste período da história. Foi sem dúvida este casamento e as suas consequentes mudanças na vida de Sarah, agora também preocupada com as responsabilidades de mão e mulher de família, que marcariam de forma bem visível as suas – agora em menor quantidade – produções artísticas. Em 1937 os temas que representa são muito vincados pela temática família. Embora muito ocupada e até um pouco ―ofuscada‖ pela sua posição de mulher de um artista de grande relevo, condição que terá tido o seu papel no desenvolvimento da Sarah enquanto artista. Existem diversos testemunhos que indicam que Sarah terá relegado o seu trabalho enquanto artista para segundo plano, como é exemplo o seguinte excerto recolhido de uma entrevista à própria: “Um dia eu tinha começado uma maternidade e o José olhou e disse: «Boa ideia, também vou fazer uma.» E começou, e eu nem continuei mais com a minha [...] A dele havia de ser tão melhor que a minha que eu desisti [...] Os desenhos da Maternidade (de Almada) foram feitos em Bicesse, num dia entre as 10 da manhã e as 8 da noite. Para mim foi uma coisa maravilhosa! Desceu a rir a escada do quarto que vem dar à sala. Vinha muito bem-disposto, com uma resma de papel debaixo do braço: «Olha, diz para me trazerem o pequeno-almoço e que o ponham na mesa de pedra.» Era ali, naquela mesa de mó de moinho que ele gostava de tomar o pequeno-almoço no verão. Tomou o pequeno-almoço, pôs de lado o tabuleiro e começou a desenhar. Era maravilhoso! Depois veio o almoço. Voltou a atirar-se aos papéis, comemos, acabámos e voltou ao desenho. Depois veio o lanche e voltou a desenhar até à noite. Não assinou, pôs só 48, foi em agosto. Aqueles desenhos são uma magistral lição de desenho. É preciso um grande talento para desenhar assim!” (in Conde, 1995:21). Claramente assumindo a sua nova posição face à realidade familiar e às necessidades inerentes à larga atividade e ao ensombrante estatuto de Almada, Sarah continua a realizar trabalhos, agora mais ligados à ilustração de livros infantis ou, mais esporadicamente, em revistas. No entanto fez uma exposição individual, em 1939 e participa na Exposição do Mundo Português, em 1940, a convite do SPN/SNI, sendo ainda de referenciar o reconhecimento que teve em 1944 ao recebeu o Prémio Sousa Cardoso, e tendo em 1953 integrado a delegação portuguesa à Bienal de São Paulo. Em seguida a oradora referenciou a artista Maria Helena Vieira da Silva, nascida em Lisboa em 13 de junho de 1908 e falecida em Paris no dia 6 de março de 1992, como outra das grandes pintoras de origem portuguesa (viria a ser naturalizada francesa em 1956), que marcaram a evolução na pintura e ilustração no século XX. Filha do embaixador Marcos Vieira da Silva, e neta de José Joaquim da Silva Graça, fundador do jornal O Século, viveu grande parte da sua infância na casa do avô, em Lisboa. Vieira da Silva cedo despertou cedo para a pintura, aos onze anos ingressa na então denominada Academia de Belas-Artes, em Lisboa, onde estudou desenho e pintura. Mais tarde,

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interessada também pela escultura, estudaria Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa. Em 1928 foi residir para Paris, onde estudou na Academie La Grand Chaumiére, com Fernand Léger20. Também aí veio a conhecer seu futuro marido, o também pintor Árpád Szenes21, com quem se casou em 1930. Devido ao facto de seu marido ser judeu e de ela ter perdido a nacionalidade portuguesa, eram oficialmente apátridas. Por altura da 2ª Grande Guerra Mundial o casal decidiu, pela condição de Árpád, residir por um longo tempo no Brasil, onde veio a realizar inúmeras exposições, durante a Segunda Guerra Mundial e no período pós-guerra. Um pouco à semelhança de Sarah Afonso, também Vieira da Silva poderá ter sido influenciada pelo estatuto do marido, já então um artista consagrado, e, numa primeira fase da sua vida em comum, relegado para segundo plano a sua condição de artista e pintora. No entanto, talvez pelo facto de estes nunca terem tido filhos, e Vieira da Silva não assumir, portanto, a condição de mãe e mulher de família – no sentido do descrito anteriormente em Sarah Afonso – esta rapidamente se assumiu e revelou como uma capaz - e até superior ao marido - pintora e ilustradora. A sua vasta obra de pintura é hoje uma referência no capítulo do modernismo português, tendo sido ainda autora de uma série de ilustrações para crianças que constituem uma surpresa no conjunto da sua obra. ―Kô et Kô, les deux esquimaux”(fig.10), é o título da história para crianças idealizada, e ilustrada por meio de guaches, por ela em 1933 tendo sido escrita pelo seu amigo, o poeta Pierre Guéguen, Fig.10 Capa de Kô e Kô em que relata a história da viagem de dois esquimós pelo Vieira da Silva mundo, à descoberta do sol. O livro foi editado pela galerista 1933 Jeanne Bucher, com uma tiragem de apenas 300 exemplares, com o texto de Pierre Guéguen e 14 páginas com as ilustrações de Vieira da Silva realizadas pela casa Beaufumé, contendo no final dois cartões com as figuras e objetos que surgem na história para serem recortados e utilizados pelos leitores A propósito do lançamento do livro, Jeanne Bucher organizou na sua galeria parisiense a primeira exposição individual de Vieira da Silva onde foram expostos os guaches originais de Kô et Kô e uma série de estudos preparatórios realizados pela pintora. Mais tarde, em 1931, Vieira da Silva retomou este tipo de criação artística num exemplar de “Os desastres de Sofia” da Condessa de Ségur22, onde substituiu as ilustrações originais por outras por si criadas.

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Fernand Léger nasceu em Argenta, Normandia, a 4 de fevereiro de 1881 e morreu em Gif-sur-Yvette, Seine-etOise, a 17 de agosto de 1955. Em 1903 entrou para a Escola de Artes Decorativas, passando a freqüentar academias livres e a dedicar-se à pintura. In UOL Educação [Em linha]. [Consult. 2012-01-14]. Disponível na www: < http://educacao.uol.com.br/biografias/fernand-leger.jhtm>. 21

Árpád Szenes (Budapeste, 6 de maio de 1897 — Paris, 16 de janeiro de 1985) foi um pintor, gravador, ilustrador, desenhista e professor húngaro, naturalizado francês em 1956. O seu percurso artístico ficou profundamente ligado ao mundo latino, devido — em grande parte — ao seu casamento com a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-14]. Disponível na www: . 1.

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Condessa de Ségur. Escritora francesa, de nome verdadeiro Sophie Rostopchine, nascida a 19 de julho de 1799, em São Petersburgo, na Rússia, e falecida a 9 de fevereiro de 1974 em França, foi uma escritora largamente conhecida no século XIX, como autora de obras-primas de literatura infantil. Condessa de Ségur. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-19]. Disponível na www: .

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A partir de 1948 o Estado Francês começa a adquirir as suas pinturas e em 1956 tanto ela como o marido obtêm a nacionalidade francesa. Em 1960 o Governo Francês atribui-lhe uma primeira condecoração, em 1966 é a primeira mulher a receber o Grand Prix National des Arts e, em 1979, torna-se cavaleira da Legião de Honra francesa. A sua última atividade enquanto artista foi a participação na Europália, em 1992, pois veio a falecer nesse mesmo ano. Ao finalizar a conferência a Professora Doutora Cristina de Azevedo Tavares referiu ainda alguns outros nomes que inclui na categorização das grandes Pintoras e Ilustradoras Portuguesas de destaque e cuja obra marcou o século passado. Nesse grupo fez questão de Fig.11 incluir a pintora Estrela de Faria (1910sem título Estrela de Faria 1976), também esta, à semelhança das 1953 anteriormente referidas artistas, aluna da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Deu destaque à participação de Estrela de Faria na Exposição do Mundo Português em 1940 e também ao seu trabalho enquanto membro integrante da equipa de decoração do SPN/SNI, tal como Mily Possoz e Sarah Afonso. Apresentou, embora de forma fugaz, a obra que considera de referência no percurso desta artista, uma “(…) pintura mural (fig.11) representando uma alegoria ao cinema, com sete metros de comprimento e cinco de altura, datada de 1953, originalmente realizada no antigo Cinema Alvalade, depois ocultado durante a ocupação desse espaço como igreja e agora restaurado e visível num espaço comercial da Av. de Roma.”23 Referiu ainda uma outra pintora e ilustradora à qual reconhece lugar de destaque dentro do contexto suprareferido, Paula Rego. Esta, ainda em atividade, talvez seja a mais conhecida de todas as mencionadas, tanto pela sua vasta e importante obra de pintura e ilustração como pela sua própria personalidade e muito polémica escolha dos temas representados nos seus quadros, como disso é exemplo a pintura ―DogWoman” (fig.12), em que nos apresenta uma figura de mulher em pose e expressão que remete para uma aparência canina. É de destacar o seu fantástico trabalho ilustrativo, na obra de Agustina de Bessa-Luís “As Meninas” de 2001, em que, também Fig.12 representando as ações das figuras de forma que Dogwoman provoca alguma polémica social, a sua pintura é Paula Rego apresentada em todo o seu potencial figurativo e 1994 expressivo. Nas palavras de Arlindo Correia “A pintura de Paula Rego não pode ser classificada como conservadora ou académica, mesmo se ela vem sendo (em especial desde o seu trabalho na National Gallery onde foi a primeira artista portuguesa a ser convidada a expor) um exercício de reaprendizagem dos meios de expressão pictural, reapropriando-se da possibilidade da representação humana e aprofundando os recursos da volumetria ilusionística do quadro.”24 23

In Alexandre Pomar [Em linha]. Lisboa. [Consult. 2012-01-14]. Disponível http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2008/05/estrela-faria-n.html>.

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