Custo de demissão e proteção do emprego no Brasil

October 5, 2017 | Autor: Marcelo Manzano | Categoria: Economia do Trabalho, Relações de Trabalho
Share Embed


Descrição do Produto

CUSTO DE DEMISSÃO E PROTEÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL Marcelo Prado Ferrari Manzano INTRODUÇÃO Frente às várias transformações que a nova ordem internacional tem imposto à produção capitalista deste último quarto de século, os conceitos de flexibilização e de desregulamentação dos mercados emergem no debate econômico atual como grandes objetivos a serem perseguidos pelos formuladores de política econômica. No campo das relações entre capital e trabalho, esse debate tem se concentrado, entre outros aspectos, em uma crítica aos mecanismos de restrição à demissão dos trabalhadores assalariados - o que equivale a dizer, no contexto brasileiro, uma crítica aos custos de demissão. De fato, tanto nos meios de comunicação quanto no espaço acadêmico, pode-se verificar a difusão da idéia de que os custos de demissão são um pesado e injustificado ônus para a produção e para a economia de um modo geral. Por um lado, acredita-se que mecanismos que restrinjam a demissão, por conferirem rigidez excessiva ao mercado de trabalho, sejam incompatíveis com o novo padrão de produção globalizada. Mais ágil, abrangente e instável, esse novo padrão obrigaria as empresas a flexibilizar não somente a oferta de seus bens ou serviços produzidos (outputs), como também a demanda por bens ou serviços por ela consumidos (inputs). Assim, dada a volatilidade dos mercados contemporâneos, tornar-se-ia necessário desregulamentar e flexibilizar o mercado de trabalho nacional, sob a pena de nossos produtos perderem competitividade externa1. Por outro lado, aqueles mesmos mecanismos - enquanto encargos monetários ao empregador - são considerados um custo de produção injustificado, que além de 

Artigo publicado originalmente como capítulo do livro “Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado”. Oliveira, C.A.B; Mattoso, J. E. L. (orgs). p.p. 253-268. São Paulo, SP: Scritta, 1996.

2 encarecer o produto final, reduziria o número de postos de trabalho oferecidos pelas empresas. Argumenta-se que por ser obrigado a indenizar o trabalhador demitido, o empregador teria uma menor disponibilidade financeira para ampliar a produção, reduzindo assim a sua demanda por mão-de-obra2. Cabe aqui, talvez, situar este debate técnico no contexto do crescente fortalecimento do pensamento liberal recente, que propõe, fundamentalmente, retirar do Estado as funções de regular ou compensar os desequilíbrios sociais. Com o agravamento, nos anos 80, das condições de endividamento do setor público dos países centrais, os mecanismos de garantia de emprego, enquanto um dos pilares do "Welfare State", tornaram-se um dos principais alvos da crítica liberal. Argumenta-se que as garantias sociais concedidas ao longo das últimas décadas às classes trabalhadoras seriam focos de ineficiência, geradoras de desemprego e desestímulos marginais ao trabalho 3, impossíveis de serem sustentadas por estados nacionais financeiramente fragilizados. Contudo, no contexto atual de crucial transformação do capitalismo, quando ainda não se tem clareza dos contornos do novo paradigma produtivo, parece oportuno que se faça uma reflexão mais cuidadosa a respeito da pertinência dos instrumentos de proteção do emprego e da renda (entre os quais a restrição à demissão). Deve-se incorporar a esta reflexão não só os aspectos puramente teóricos do debate, mas principalmente

as

especificidades

do

mercado

de

trabalho

brasileiro

-

significativamente distinto dos mercados dos países centrais. No Brasil, dadas as características de um desenvolvimento tardio e apenas esporadicamente democrático, o fordismo não foi acompanhado das garantias sociais que, nos países desenvolvidos, permitiram a irradiação dos ganhos de produtividade ao conjunto da população. Em nossa versão, não houve suficientes mecanismos compensatórios, nem do ponto de vista das atribuições do Estado, nem do ponto de vista do desenvolvimento das demais instituições da sociedade civil. Com as restrições à organização sindical e à liberdade política impostas pelo regime militar, a

3 industrialização brasileira pós-64 caracterizou-se por uma perversa combinação entre excepcionais taxas de crescimento econômico e de exclusão social. Sob uma legislação autoritária e repressiva, que privilegiou os regimes de contratos individuais de trabalho (em detrimento dos contratos coletivos) e sufocou as atividades dos sindicatos, nossa industrialização foi acompanhada por uma acentuada flexibilidade do mercado de trabalho, expressa pelas altas taxas de rotatividade no emprego4. Em uma análise retrospectiva do desenvolvimento das relações de trabalho no Brasil, observa-se que a flexibilidade é crescente, principalmente a partir dos anos de regime militar. Com a criação, em 1966, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) - em substituição ao instituto da estabilidade no emprego 5 - confere-se aos empregadores uma maior possibilidade de arbitrar sobre os gastos com demissões ou com salários e, conseqüentemente, lançar mão da rotatividade como forma de manter baixo o patamar salarial de seus empregados6. Mesmo depois da constituição de 1988, quando se buscou ampliar as indenizações aos demitidos sem justa causa (principalmente através da elevação da multa sobre o FGTS de 10% para 40%), a taxa de rotatividade no emprego no Brasil continuou alta - o que pode demonstrar que os dispêndios financeiros para demissão injustificada não têm sido um instrumento eficaz de garantia de emprego para o trabalhador (embora a indenização possa representar um importante incremento à sua renda). Para que se possa melhor avaliar os reais impactos dos instrumentos de proteção ao emprego sobre o vínculo empregatício e sobre os gastos com mão-de-obra nas indústrias brasileiras, apresentaremos mais à frente os resultados de recente pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (CESIT), que confirmou a pouca significância dos custos de demissão - quando comparados ao dispêndio total com mão-de-obra - e a já elevada flexibilidade do emprego no Brasil.

4 Antes, porém, é importante que se faça alguns breves comentários sobre o que se entende por custo de demissão no Brasil e quais seus componentes.

COMPONENTES DO CUSTO DE DEMISSÃO Para se chegar ao custo de demissão efetivo é preciso antes de mais nada distinguirse quais são de fato os componentes de caráter indenizatório no dispêndio total realizado pelo empregador no ato da demissão7. Segundo estabelecido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (C.L.T.) e pela Constituição Federal de 1988, o trabalhador demitido deverá receber o montante referente a:  salário dos dias trabalhados e não pagos;  valor das férias vencidas ou férias proporcionais a vencer, mais o adicional de 1/3 de abono de férias;  décimo-terceiro salário proporcional aos meses trabalhados;  valor dos depósitos recolhidos a seu favor, pelo empregador, no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (F.G.T.S.) durante todo o período trabalhado (alíquota de 8% incidente sobre: cada salário mensal, décimo-terceiro salário proporcional e 1/3 adicional de abono de férias - quando gozadas) acrescido de juros e correção monetária;  multa de 40% sobre a importância depositada no F.G.T.S. a título de indenização compensatória pela demissão;  aviso prévio de demissão de pelo menos trinta dias, com duas horas por dia (ou sete dias corridos) livres para que o trabalhador demitido possa procurar outro

5 emprego (é comum o empregador dispensar o trabalhador por todo o período de aviso prévio, pagando a este o salário integral do período). Apesar do volume elevado de dispêndios, deve-se esclarecer que a maior parte constitui

formas

de

rendimento

relacionadas

ao

trabalho,

calculadas

proporcionalmente ao tempo de serviço e pagas ao trabalhador no momento da rescisão contratual. Não representam portanto qualquer custo extraordinário ao capitalista, mas sim salário indireto poupado compulsoriamente ao longo do período de serviço. Em realidade, o ônus de natureza indenizatória imposto legalmente ao empregador pela rescisão do contrato de trabalho refere-se somente à multa de 40% sobre o saldo na conta do F.G.T.S. e ao aviso prévio de trinta dias. Esses dois itens somados constituem, portanto, o custo efetivo da empresa para demitir um trabalhador - sem justa causa - e não devem ser confundidos com os demais gastos pagos pela mesma, de natureza distinta e devidamente incluídos no custo de produção. Feita esta ressalva, poderemos observar pelos dados do Anuário RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), apresentados mais a frente, quão pouco significativos são esses custos de demissão se comparados com o total pago pela empresa aos seus funcionários a título de remuneração mensal (total dos salários diretos mais 1/12 dos rendimentos monetários indiretos acumulados ao longo do ano).

CUSTO DE DEMISSÃO COMO PROPORÇÃO DA REMUNERAÇÃO MENSAL Para entendermos mais claramente o que determina a legislação brasileira a respeito dos encargos referentes à rescisão do contrato de trabalho e como isso onera as empresas que demitem sem justa causa, podemos calcular os custos de demissão em relação a uma remuneração mensal hipotética de 100,00 unidades monetárias.

6 Compreende-se por remuneração mensal a soma do salário, do décimo-terceiro proporcional e do adicional de férias proporcional (Tabela 1). Aplicando-se sobre a remuneração mensal a multa correspondente a 40% sobre o F.G.T.S. recolhido e considerando-se que o mês de aviso prévio é concedido integralmente ao trabalhador (como de praxe no mercado), observa-se que a empresa que demitir trabalhadores com três a seis meses de serviço pagará, a título de indenização por trabalhador, o montante de $ 102,48. Ou seja, o custo de demissão para estes casos equivale aproximadamente à remuneração total por um mês de trabalho. TABELA 1 Custo de demissão como proporção da remuneração mensal, segundo o tempo de serviço. Remuneração média mensal = 100* (em %) Tempo de Serviço (em meses) 13-24 25-36 37-60

61120

120 ou +

1-3

4-6

7-12

FGTS recolhido **

0,00

31,20

66,30 124,71 215,91 358,14 693,97

(1) multa (40% s/ FGTS)

0,00

12,48

26,52

49,88

86,36 143,26 277,49 379,92

(2) aviso prévio

0,00

90,00

90,00

90,00

90,00

Custo de Demissão (1+2)

0,00 102,48 116,52 139,88 176,36 233,26 367,59 469,92

90,00

90,00

949,8

90,00

* Composição: salário base = 90,0; décimo terceiro proporcional =7,5 e abono adicional de férias = 2,5. **FGTS recolhido sobre os meses trabalhados, sobre o décimo terceiro proporcional , sobre as férias gozadas e sobre o 1/3 de abono adicional de férias. Elaboração: CESIT - IE/UNICAMP, 1994. Dados calculados com base na legislação trabalhista vigente

Apesar deste valor poder ser considerado elevado em termos absolutos, ele é bastante pequeno quando comparado ao custo que o empregador teria caso continuasse pagando salário ao trabalhador. Se imaginarmos um empresário que prevê, por exemplo, uma redução da demanda para os próximos três meses de produção - o que portanto tornaria possível dispor de parte de sua mão-de-obra contratada - é razoável supor que ele tenderia a despedir aqueles trabalhadores com menos de seis meses de serviço. O custo de demissão por trabalhador seria mais do que compensado pela economia resultante do não pagamento dos salários referentes

7 aos três meses de retração da demanda. Ou seja, o custo de oportunidade de se manter o trabalhador contratado acabaria estimulando a demissão. Em outros termos, poderia-se dizer que o dispêndio monetário com indenizações por demissões injustificadas, na forma como está definido pela legislação brasileira atual, não confere maior rigidez ao mercado de trabalho (principalmente em virtude da pequena participação dos salários no valor da produção). Para verificar a validade dessa hipótese, buscamos aferir o peso real dos custos de demissão para as empresas - dimensionando tais custos segundo a remuneração anual total8 paga pelo empregador a título de remuneração do fator trabalho. Isto é, comparando o montante gasto com rendimentos dos trabalhadores ao montante gasto com demissões no período de um ano. CUSTOS TOTAIS DE DEMISSÃO COMO PROPORÇÃO DA REMUNERAÇÃO ANUAL TOTAL Observando-se os dados referentes aos anos de 1988, 1989 e 1990 (Tabela 2) elaborada a partir das informações coletadas através de questionários respondidos pelos próprios empregadores ao Anuário RAIS), pode-se ter uma idéia aproximada9 da relação custo total de demissão10. / remuneração anual total do trabalho.

Enquanto no ano de 1988 os custos totais de demissão foram responsáveis por apenas 1,67% da remuneração anual total, em 1989 chegaram a 2,43% e em 1990 atingiram 11

os 3,04% . Isto é, ao longo dos três anos analisados verifica-se uma tendência de crescimento da participação dos custos totais de demissão na remuneração anual total. As causas deste movimento, entretanto, distinguem-se muito provavelmente em dois fatores fundamentais: primeiramente, no biênio 1988/89, a elevação decorreu da ampliação da multa sobre o FGTS de 10% para 40%, conforme definido pela Constituição Federal de 1988. Já para o biênio 1989/90, a mudança de patamar resulta, muito provavelmente, do aumento do número de trabalhadores demitidos em decorrência do agravamento do quadro recessivo da época (ver Tabela 3).

8 Entretanto, o fato mais relevante - apontado pelos dados da Tabela 2 - refere-se aos custos de demissão para os trabalhadores com menos de um ano no emprego (com custos de demissão em torno de 5,5%). Considerando-se que a demissão destes trabalhadores implica em custos unitários menores para a empresa, o fato de aparecerem como o grupo sobre o qual incide a maior participação dos custos totais de demissão indica que estes custos são inflados substancialmente não pelo custo unitário de demissão, mas sim pela volumosa quantidade de demissões verificadas. TABELA 2 Custo total de demissão como proporção da remuneração anual total, segundo o tempo de serviço. Brasil - 1988, 1989 e 1990 (em %) Ano

1988 Total Ind. Transf. 1989 Total Ind. Transf. 1990 Total Ind. Transf.

Tempo de serviço (em meses) 13 - 24 25 - 36 37 - 60 61120

4-6

7 -12

120

Total

5,50 4,67

3,42 3,48

2,71 3,19

1,87 2,17

1,66 2,27

1,34 2,49

0,52 1,39

1,67 2,40

4,64 3,66

4,04 3,70

3,59 3,94

3,35 4,29

2,81 3,71

2,48 4,62

1,17 3,31

2,43 3,66

5,66 4,82

5,71 7,26

4,14 4,74

4,04 5,39

3,83 5,69

2,98 6,12

1,65 4,60

3,04 5,17

Obs.: para o período de 1 a 3 meses de trabalho não há qualquer obrigação legal indenizatória pela demissão. Fonte: MTb, Anuário RAIS - 1988/89/90. Elaboração: CESIT - IE/UNICAMP, 1994. Dados calculados com base na legislação trabalhista vigente.

TABELA 3 Variação do Emprego no Setor Formal Brasil - 1988, 1989 e 1990 1988

1989

1990

Emprego Total

23.661.139

24.505.383

23.199.459

Admissões

12.610.971

12.986.984

11.411.146

Desligamentos (Total)

11.399.296

11.498.151

12.195.721

7.217.332

6.942.836

7.782.666

Sem Justa Causa Fonte: MTb, Anuário RAIS - 1988/89/90.

De fato, a maior parte dos desligamentos sem justa causa ocorre entre os empregados com até dois anos de serviço na empresa (ver Tabela 4). Ou seja, não é o custo pago

9 individualmente a cada trabalhador demitido que onera o gasto total com demissões gasto este que é relativamente baixo se comparado a de outros países. A causa fundamental é o grande número de trabalhadores demitidos nos primeiros anos de trabalho. TABELA 4 Distribuição dos desligamentos sem justa causa e por iniciativa do empregador, segundo tempo de serviço, por setor de atividade econômica. Brasil, 1990. (em %) Setor de atividade econômica

Tempo de serviço (em anos) até

mais de

até

mais de

não

2 anos

2 anos

5 anos

5 anos

declar.

total

Total

76,55

22,59

92,67

6,47

0,86

100,00

Extrativa Mineral

64,83

34,78

87,22

12,39

0,39

100,00

Construção Civil

91,18

7,36

97,40

1,41

1,19

100,00

Ind. Transform.

70,61

28,86

90,75

8,71

0,54

100,00

S. Ind. Util. Públ.

77,75

21,46

89,07

10,14

0,79

100,00

Comércio

75,15

24,01

93,05

6,11

0,84

100,00

Serviços

75,44

23,53

92,06

6,91

1,03

100,00

Fonte: MTb, Anuário RAIS - 1990. Elaboração: CESIT - IE/UNICAMP, 1994.

Como apontado na Tabela 4 (1990), as demissões sem justa causa e por iniciativa do empregador distribuem-se na proporção de 76,55% para trabalhadores nos dois primeiros anos no emprego e 22,59% para o restante dos trabalhadores. Evidentemente, dada esta distribuição, o volume de demissões nos anos iniciais eleva fortemente o custo de demissão total médio. Por outro lado, verifica-se que os mecanismos de restrição à demissão baseados na indenização monetária têm afetado de modo distinto as diferentes categorias de trabalhadores de nosso país. Como demonstrado por Baltar e Proni (1995), o regime de trabalho no Brasil levou à formação de dois segmentos distintos de trabalhadores: um núcleo privilegiado com salários razoáveis e emprego mais estável (cargos

10 administrativos, de chefia e supervisão técnica) e outro com baixos salários e sujeito a uma alta rotatividade no emprego, que pouco sabe de um mercado de trabalho rígido ou por demais regulamentado - para não falar da imensa massa de trabalhadores do setor informal. O que se observa é que a fórmula empregada no Brasil para inibir a demissão acaba reforçando as desigualdades entre as categorias de trabalhadores, dado que permite ao empregador arbitrar entre seus gastos com salários e seus gastos com indenizações por dispensas de empregados. Na tentativa de ajustar sua produção à demanda, o empregador tende a manter um quadro flexível de trabalhadores (menos instruídos e com menor tempo de serviço) com o qual ele otimiza os gastos com pessoal a cada oscilação cíclica da economia.

CUSTO DE DEMISSÃO E CUSTO BRASIL De acordo com os resultados da pesquisa apresentados sucintamente na seção anterior12 e, ao contrário do que grande parte dos críticos têm defendido, o atual modelo de indenização ao trabalhador demitido sem justa causa não tem implicado em custos significativos à produção e muito menos em rigidez excessiva do mercado de trabalho (visto que a rotatividade da mão-de-obra no Brasil é hoje uma das maiores do mundo). Na realidade, o impacto dos dispêndios com rescisões de contratos de trabalho sobre o custo da produção ou sobre a flexibilidade da mão-de-obra revela-se fator secundário para a competitividade de uma economia. Questões tais como políticas industriais, políticas cambiais, capacitação de mão-de-obra, investimentos em infraestrutura e gastos em P&D são, sem dúvida, muito mais relevantes para o desenvolvimento competitivo de um país do que as implicações atribuídas ao custo de demissão13.

11 Além disso, dado o baixo custo laboral realizado no Brasil, o impacto efetivo dos custos de demissão sobre o chamado custo Brasil é substancialmente minorado. Para se ter uma idéia, o custo horário da mão-de-obra no Brasil, estimado em US$ 2,68, é significativamente menor do que os verificados em países como Alemanha (US$ 24,87), Japão (US$ 16,91), EUA (US$ 16,40) ou Coréia do Sul (US$ 4,93) que, diga-se de passagem, destacam-se pela elevada produtividade de suas empresas14. Vale frisar que, no contexto da profunda reestruturação produtiva em curso, a produtividade do trabalho passa a depender cada vez mais do estreitamento do vínculo entre capital e trabalho. Como apontado por Coutinho (1992:p.77), o que faz dos Keiretsus japoneses paradigmas da organização industrial moderna é, entre outros, “a tendência a investir mais no treinamento e na formação da força de trabalho em todos os níveis, facilitada pela relação estável de emprego, (grifo meu) pelos contratos salariais de longo prazo associados a um sistema de promoção e rotação de cargos e funções que estimula a polivalência e premia o espirit-de-corps, a competência e a produtividade.”.

UMA ALTERNATIVA AO MODELO BRASILEIRO A urgência de se equacionar o problema da falta de postos de trabalho com a necessidade de se capacitar a mão-de-obra para as novas demandas da produção exige que busquemos soluções mais criativas para as questões laborais. Nesse sentido, a defesa da manutenção de um regime de proteção ao emprego - frente à proposta de sua total eliminação em nome de um mercado auto-regulado - não implica necessariamente na aprovação plena do modelo brasileiro atual. Como vimos, tal modelo não tem evitado a precarização das condições de trabalho no país. Existem hoje no cenário internacional algumas experiências bem mais afinadas com as novas exigências colocadas pela atual revolução tecnológica e produtiva - dentre as

12 quais destacaríamos a do Fundo de Integração Salarial (FIS) italiano, que há mais de cinqüenta anos regula o mercado de trabalho daquele país. Em poucas palavras, o FIS - fundo financiado pelo estado e pelos empregadores funciona como uma câmara de compensação que garante aos trabalhadores afastados temporariamente da produção (por um período que pode variar de 3 a 12 meses, durante os quais fica mantido o vínculo empregatício) uma renda mensal equivalente a 80% de seus salários quando em atividade. Para as empresas, abre-se portanto a possibilidade de dispor de parte de seu pessoal quando o nível de produção assim o exigir, desde que se comprometam a recolocar os trabalhadores afastados assim que se verifique a necessidade de ampliar o número de empregados ou que se esgote o período de vigência do FIS. Por sua vez, os trabalhadores que estiverem sob a proteção do FIS ficam obrigados a freqüentar, neste período, cursos de reciclagem e de capacitação para eventuais novos postos de trabalho. Além disso, em caso de haver a necessidade de uma redução definitiva do número de empregados (causado por motivos de grave crise econômica, falência da empresa, reestruturação produtiva, entre outros) o trabalhador afastado fica sob proteção de uma modalidade especial do FIS que, financiada exclusivamente com recursos públicos, lhe garante uma renda mensal por até três anos sem que haja o rompimento do contrato de trabalho. O modelo italiano de proteção ao emprego parece superior aos modelos baseados simplesmente na indenização monetária do trabalhador (como é, por exemplo, o brasileiro). Pela sistemática do FIS, além da proteção individual ao trabalhador e sua família, busca-se garantir maior estabilidade tanto do nível de ocupação, quanto do patamar de remuneração dos trabalhadores daquele país - já que se elimina o recurso da rotatividade da mão-de-obra como forma de achatamento salarial. Isto é, ao mesmo tempo em que se assegura aos trabalhadores uma razoável estabilidade de

13 emprego e renda, fica aberta ao setor produtivo a possibilidade de otimizar o uso do fator trabalho. Por fim, é importante assinalar que a questão da proteção do emprego não se restringe apenas a sistemas institucionais como o são o italiano ou o brasileiro. Formas pactuadas de contratação, acordos setoriais e outras modalidades de negociação coletiva são institutos bastante efetivos para o estabelecimento de vínculos de trabalho, já que permitem às partes flexibilizar interesses sem que se reduzam garantias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do presente artigo procurou-se demonstrar fundamentalmente o significado real do custo de demissão para o mercado de trabalho do Brasil. Com base nas informações fornecidas pelo Anuário RAIS e elaboradas pelo estudo do CESIT (1994), buscou-se levantar alguns aspectos pertinentes do nosso modelo de proteção do emprego, mantendo sempre a preocupação de situar o debate no contexto da grave crise do emprego que se observa hoje no mundo. Levando-se em conta o que foi exposto até aqui, são três os pontos a serem considerados em uma reflexão final: Primeiro, acreditamos ter demonstrado (pela ponderação empírica baseada nos indicadores da RAIS) que os dispêndios com a demissão de trabalhadores no Brasil não representam ônus significativos para os empregadores, visto que as demissões continuam sendo largamente utilizadas para a otimização dos gastos com o fator trabalho. Além disso, independentemente da participação daqueles encargos no custo total com mão-de-obra, seus efeitos revelam-se ainda menos onerosos quando se compara o custo horário da mão-de-obra brasileiro com o de outros países. Dado o diferencial entre o que se paga ao trabalhador brasileiro e o que se paga ao

14 trabalhador dos países centrais, não há razão para enxergar, no custo de demissão, um fator relevante para a redução da competitividade de nossa economia. Segundo, no que tange os impactos do custo de demissão sobre a flexibilidade quantitativa do trabalho, observa-se que a obrigatoriedade de se indenizar o trabalhador demitido sem justa causa não tem inibido, de maneira efetiva, o rompimento sistemático do vínculo de trabalho de grande parte dos empregados do setor formal. Como demonstrado, mesmo depois do aumento da multa sobre o FGTS ocorrida em 1988, o número de demitidos anualmente manteve-se elevado, indicando que aquele aumento não resultou em uma redução do custo de oportunidade de se manter o empregado no quadro de funcionários da empresa. Em suma, a legislação trabalhista vigente não tem evitado que quase 3/4 dos trabalhadores brasileiros percam seus empregos nos dois primeiros anos de serviço - proporção que aponta a elevada flexibilidade de nosso mercado de trabalho. Por último, visto que pelo sistema atual a facilidade de se contratar ou demitir tem levado a uma crescente precarização do emprego - expressa principalmente pelo rápido crescimento do setor informal ou pela grande parcela de empregadores que sonegam as contribuições trabalhistas - defendemos que se estabeleça um regime de proteção do emprego que dê conta das demandas resultantes dos novos padrões de organização da produção e ainda ofereça condições para a conservação dos postos de trabalho já existentes. Para tanto, parece fundamental que se desloquem as normas que regem os contratos de trabalho para a esfera das negociações coletivas (desde que não se pretenda com isso retirar do trabalhador as garantias sociais já conquistadas). Mais importante do que impor formas de indenizações monetárias para trabalhador demitido, é tratar a proteção do emprego como uma questão a ser negociada entre trabalhadores, empresas e governos, visando sempre estabelecer metas de longo prazo que contemplem os interesses das partes.

15 Nesta perspectiva, a proposta de se extinguir pura e simplesmente qualquer regime de proteção do emprego (como pretende o receituário neoliberal) não nos parece sustentável e muito menos a mais adequada para os novos padrões de gestão de mãode-obra que se delineiam.

Se é verdade que está surgindo um novo padrão

tecnológico e que este requer mais do que nunca trabalhadores polivalentes e qualificados e, portanto, capazes de reagir de modo eficiente às imprevisíveis e freqüentes alterações nos cenários da produção globalizada, é de se supor que estes trabalhadores devam acumular experiência na empresa (portanto, que seus contratos não sejam rompidos a cada oscilação da economia) e tenham participação efetiva nos ganhos de produtividade. Enfim, dadas as profundas transformações produtivas que temos assistido, um equacionamento adequado da relação capital-trabalho parece, mais do que nunca, uma condição fundamental tanto para o desenvolvimento econômico competitivo e sustentável quanto para o enfrentamento de problemas sociais graves, como é o caso do desemprego nas grandes metrópoles brasileiras.

16 BIBLIOGRAFIA ALMONACID, R., e outros (1994). "A questão dos encargos trabalhistas". Folha de São Paulo, p. 2-2, 09/08/94. AMADEO, E. (1994). "O real peso dos encargos sobre os salários". Folha de São Paulo, p. 2-2, 04/01/94. AMADEO, E. (1995). Análise Comparativa da Competitividade da Indústria Manufatureira Brasileira (com ênfase nos determinantes do custo do trabalho). Rio de Janeiro, Textos para Discussão, n. 26, BNDES. BALTAR, P. E. & PRONI, M. (1995). Flexibilidade do Trabalho, Emprego e Estrutura Salarial no Brasil. Campinas, Cadernos do CESIT, n. 15, IE/UNICAMP. CARDOSO DE MELO, J. M. (1992). "Conseqüências do Neoliberalismo". Revista Economia e Sociedade. Campinas, IE/UNICAMP, n. 1, ago. CESIT (1994). "Emprego, salário, rotatividade e relações de trabalho em São Paulo". Relatório de Pesquisa, Campinas, IE/UNICAMP, (mimeo). CLEMENTE, D. (1993) In: CACCIAMALI, M. C. (org.). "Resumo diagnóstico do seminário encargos sociais e sua base de incidência", São Paulo, Ministério do Trabalho/PNDU, (mimeo). COUTINHO, L. (1992). "A terceira revolução industrial". Revista Economia e Sociedade. Campinas, IE/UNICAMP, n. 1, ago. MOREIRA FERREIRA, C.E. "O que esperar da revisão constitucional". Folha de São Paulo, p. 2-2, 16/03/94. MATTOSO, J. E.(1995). A Desordem do Trabalho. São Paulo, Scritta. MARSHALL, A. (1994). "Conseqüências econômicas de los regímenes de protección de los trabajadores en América Latina". Revista Internacional del Trabajo, v. 113, n.1 PASTORE, J. (1994). Flexibilização do Mercado de Trabalho e Contratação Coletiva. São Paulo, LTr.

17 POCHMANN, M. (1995). Políticas do Trabalho e de Garantia de Renda no Capitalismo em Mudança. São Paulo, LTr. SANTOS, A. (1995). Encargos Sociais e Custo do Trabalho no Brasil. Campinas, IE/UNICAMP, (mimeo). SANTOS, A. & Pochmann, M. (1995). O custo do trabalho e a competitividade internacional. Campinas, IE/ UNICAMP, (mimeo).

18 NOTAS

1

Veja Pastore (1994: cap. 5) e também Clemente (1993: p. 46-7).

2

Veja Clemente (1993) op.cit. Conforme Moreira Ferreira (1994): “O custo da mão-deobra é brutalmente encarecido pelas contribuições incidentes na folha de salários, terminando por estimular o desemprego”.

3

Cf. Amonacid, e outros (1994): “... parte do salário indireto, por exemplo o abono de férias, salário maternidade, vale-transporte, por aumentar o salário médio, mas não o marginal, não têm impacto sobre o esforço do trabalho”.

4

É importante notar que o modelo de indústria que aqui se instalou não exigiu qualificação profissional da maioria de seus trabalhadores, o que contribuiu - em parte - para o uso da rotatividade como forma de achatamento salarial.

5

Instrumento que garantia ao trabalhador demitido sem justa causa (e com menos de dez anos no emprego) uma indenização equivalente ao salário de um mês de serviço para cada ano no emprego. Além disso, para aqueles com mais de dez anos, a demissão só poderia ocorrer em caso de falta grave ou por motivo de força maior devidamente comprovado.

6

Vale frisar que o FGTS foi um importante instrumento para o financiamento do setor público (principalmente nas áreas de habitação e construção civil), que passou a contar com um volume significativo de recursos a prazos bastante largos.

7

Considerando-se exclusivamente as demissões sem justa causa e por iniciativa do empregador, de empregados do setor privados contratados por tempo indeterminado.

8

No cálculo da remuneração anual total multiplicou-se a soma de todos os rendimentos recebidos pelo trabalhador ao longo do ano (tais como: salários, prêmios, horas extras, abonos, décimo-terceiro salário proporcional, férias proporcionais, adicional de férias, vale-transporte, etc.) pelo número total de trabalhadores empregados em 31 de dezembro de cada ano - dados coletados pelo Anuário RAIS conforme declaração dos empregadores.

9

É de se supor uma superestimação destes dados em razão de que na pesquisa RAIS é provável que os empregadores descumpridores das obrigações legais não declarem corretamente seus gastos.

10

Para o cálculo do custo total de demissão foram multiplicados os valores apresentados na Tabela 1 (que expressam o custo individual de demissão conforme definido pela Legislação Trabalhista) pelo número de demissões sem justa causa e por iniciativa do empregador ocorridas ao longo do ano - conforme declarado pelos empregadores ao Anuário RAIS.

11

Nota-se, portanto, que os valores encontrados oscilam em torno da proporção de 2,5% tida como usual na industria. Veja a respeito Pastore (1994).

12

Um tratamento mais detalhado desta pesquisa pode ser encontrado em: CESIT (1994: cap. 4).

13

Tal como demonstrado por Marshall (1995), em países latino-americanos com diferentes regimes de proteção ao emprego, os custos diferenciados não implicam necessariamente em proporcional variação na produtividade industrial. Os custos

19

de demissão, assim como os demais encargos trabalhistas, têm papel coadjuvante no que se refere às determinações das principais variáveis econômicas de um país. 14

Para uma análise mais detalhada a respeito ver Santos (1995: p.15), que além de fazer um estudo comparativo do custo do trabalho de diversos países, dedica seção especial aos países do Mercosul. Ver também Amadeo (1995).

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.