CYBERBULLYING ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES UMA ANÁLISE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

September 6, 2017 | Autor: H. Rabelo Pacheco | Categoria: Bullying, Cyberbullying, Cyber Bullying, School Bullying and Cyberbullying Among Adolescents
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FACULDADE ESTÁCIO DO AMAPÁ COLEGIADO DO CURSO DE DIREITO

CYBERBULLYING ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA ANÁLISE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Macapá-AP 2014

HELAINE WANESSA RABELO PACHECO

CYBERBULLYING ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA ANÁLISE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Artigo científico apresentado ao Colegiado de Direito, da Faculdade Estácio do Amapá, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Drª Rosimary Araújo de Oliveira.

Macapá/AP 2014.2

CYBERBULLYING ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA ANÁLISE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Helaine Wanessa Rabelo Pacheco 1 Prof(a). Orientador(a) de Conteúdo: Rosimary Araújo de Oliveira 2 RESUMO O presente artigo tem como tema o cyberbullying, cujo objetivo principal é verificar quais os critérios utilizados pela jurisprudência em relação a esse fenômeno envolvendo crianças e adolescentes. O trabalho levanta como problemática o seguinte aspecto: Até que ponto o ordenamentos jurídico brasileiro vem atuando no combate ao cyberbullying envolvendo crianças e adolescentes? Para tanto, partiu-se da hipótese de que o ordenamento jurídico pátrio não vem apresentando eficácia em suas decisões no que concerne a pacificação do tema. Para que tal objetivo fosse alcançado, fora utilizada uma metodologia exploratória, com procedimento técnico bibliográfico e jurisprudencial. A razão da escolha do tema se prende ao fato da autora ter afinidade com a área virtual, tendo em vista sua formação acadêmica na área da tecnologia, razão pela qual teve curiosidade em descobrir como tal problema é juridicamente solucionado. O trabalho pretende contribuir, não só com a comunidade acadêmica, como também com a sociedade em geral afim de que fiquem mais inteirados sobre as consequências dessa prática. A pesquisa permitiu concluir que as esferas do direito pátrio têm utilizado critérios específicos, tais como violação aos direitos fundamentais da constituição; indenização pecuniária por danos morais e materiais; enquadramento nos crimes de calúnia e difamação; reconhecimento do ato infracional cometido por crianças e adolescentes; e direitos assegurados pelas leis 12.737/12 e 12.965/14. Nesse sentido, é necessária a criação de lei específica para que pacifique as decisões e haja razoável julgamento de tal fenômeno. Palavras-chave:

Bullying.

Cyberbullying.

Internet.

Dano

Moral.

Direito

Constitucional. Direito Penal. Direito Civil. Direito do Consumidor. ECA. Marco Civil. Lei Carolina Dieckmann. 1 INTRODUÇÃO

Ofender, humilhar, assediar, discriminar, isolar, perseguir, agredir, castigar. Esses são alguns dos termos utilizados para definir bullying, expressão inglesa comumente aplicada ao comportamento agressivo e repetitivo presente entre crianças ou adolescentes no âmbito escolar.

1

Tecnóloga em Sistemas para Internet pela Faculdade META e acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade Estácio do Amapá. 2 Professora Universitária, advogada, Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá.

Atualmente, com os avanços da tecnologia e o acesso generalizado a computadores e celulares, essa prática ultrapassou o muro das escolas, dando origem ao chamado cyberbullying. Comportamento esse que pode começar com uma simples publicação difamatória, em um primeiro momento vista como “uma mera brincadeira” ou uma demonstração exagerada de piada, longe de ser algo destrutivo, e enveredar para uma situação extremamente agressiva e perigosa. O fato é que no são raros os casos que acabam por provocar grave abalo psicológico e até morte. E, em que pese esse contexto preocupante, tal ato ainda não é criminalizado no Brasil, diferentemente de outras nações, que possuem leis, inclusive, severas para o fenômeno. O presente trabalho tem como escopo principal verificar de que modo a legislação brasileira vem atuando para combater o cyberbullying envolvendo crianças e adolescentes, destacando os critérios utilizados para a identificação do ilícito. O estudo do tema é importante, pois trata de uma adaptação do bullying na comunidade cibernética, prática comum entre adolescentes, que em questão de segundos, expõe a pessoa para o mundo inteiro, situação em que a defesa da vítima se torna mais difícil que as agressões pessoais. Para a efetiva compreensão do estudo, obriga-se a sintetizar os principais institutos das esferas do direito, trazendo uma ampliação das possibilidades de julgamento do ilícito. Dentre tais situações está o direcionamento da obrigação de reparação por danos morais e materiais; o enquadramento penal; a identificação do ato infracional cometido por crianças e adolescentes; e os direitos assegurados pelas leis 12.737/12 e 12.965/14. Contudo, conforme dito alhures, não há uma pacificação do tema, uma lei que assegure um instituto específico. E esse fato vem a refletir nas decisões da jurisprudência, haja vista a dificuldade existente para a classificação desta espécie. Considerando esse contexto, o presente artigo visa responder ao seguinte questionamento: Quais os critérios utilizados pelo ordenamento jurídico brasileiro no combate ao cyberbullying envolvendo crianças e adolescentes? Dentre eles, os mais utilizados pela jurisprudência, no que concerne à esfera cível, estão relacionados à fixação do quantum indenizatório, em que o dano deve ser reparado pelos pais do réu ou por uma dada instituição de ensino, desde que praticado o cyberbullying no próprio estabelecimento.

Outros institutos, tais como a esfera penal, possuem requisitos específicos, como aplicação de pena ou sanção, enquadrando o cyberbullying nos crimes de difamação e calúnia, ou o considerado ato infracional, qual seja, o realizado por crianças e adolescentes, para os quais são aplicados medidas socioeducativas. Mas há que se ressaltar que existem, ainda, leis específicas para tipificar crimes cibernéticos (Lei 12.737/12 ou Lei Carolina Dieckmann) e regular o uso da internet no país (Lei 12.965/14 ou Marco Civil da Internet). Dentre os objetivos específicos, o presente estudo pretende conceituar o cyberbullying, bem como realizar levantamento documental nas leis e na jurisprudência dos tribunais brasileiros sobre os critérios utilizados para sua análise, verificando seus efeitos. E, por conseguinte, analisar as leis específicas sobre crimes virtuais, tais como a Lei Carolina Dieckmann e o Marco Civil, dando destaque, ainda, à recente proposta que inclui no Código Penal o crime de intimidação vexatória (bullying). Por se tratar de um tema relativamente atual no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário expor diversos posicionamentos jurídicos para que seja melhor compreendido e ao mesmo tempo contribuir tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a sociedade em geral, proporcionando assim um maior entendimento sobre como o judiciário está se adequando diante da evolução das relações sociais no meio virtual. Ressalte-se que para o desenvolvimento da pesquisa sobre o tema, foi utilizado o tipo exploratório, onde foram aplicados métodos como pesquisa bibliográfica, através de coleta de dados em livros, artigos jurídicos, jurisprudências, além de documentos e textos em meio virtual. 2 BULLYING E CYBERBULLYING

2.1 BULLYING

A expressão inglesa bullying é derivada do adjetivo bully, que significa brigão, amedrontar, intimidar (MICHAELIS, 2001, p. 40). O vocábulo foi incorporado à língua portuguesa na edição do dicionário Aurélio de dezembro de 2010, diante da inexistência de tradução que contemple a abrangência do termo (MELO, 2011, p. 22).

Foi cunhado pela primeira vez em 1993 por Dan Olweus, pesquisador da Universidade de Bergan, na Noruega. O autor apresentou em seu livro Bullying at school três critérios para detectar o problema: as ações são repetitivas; o agressor tem o desejo consciente de causar dor física ou emocional à vítima; e o agressor tem mais poder ou força que a vítima (MEIER e ROLIM, 2013, p. 22; ROCHA, 2012, p. 64). Considerando estas três características, Meier e Rolim (2013, p. 22) definem bullying “como um conjunto de agressões intencionais e repetidas provocadas por um agressor de maior poder ou força, que causa na vítima dor física ou emocional.” Do mesmo modo, Rolim (2008, p. 18 apud ROCHA, 2012, p. 66) explica: (...) que as práticas de bullying constituem forma particular de manifestação da violência, marcada pela intencionalidade do autor em produzir o sofrimento, pela repetição das agressões (sejam elas físicas, verbais ou de conduta excludente) e, em regra, pelo desequilíbrio do poder entre agressor e vítima.

Em relação aos danos dessa prática, Beane (2010, p. 21 apud SELETI e VIEIRA, 2013, p. 20), entende que o bullying constitui “uma ampla variedade de comportamentos que podem ter impacto sobre a propriedade, o corpo, os sentimentos, os relacionamentos, a reputação e o status social de uma pessoa.” No que trata sobre o agressor possuir mais poder ou força que a vítima, Rocha (2012, p. 62) explica que as vítimas não dispõem de “recursos, status e habilidade para reagir porque encontram-se numa relação de poder desigual com os agressores, por razões psicológicas, econômicas ou sociais”. Para Calhau (2010, p. 6 apud SELETI e VIEIRA, 2013, p. 20), juridicamente o termo bullying pode ser traduzido como assédio moral, posto que constitui atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida. Segundo o autor, o bullying é um “cerco”, tal qual o realizado em uma guerra, onde o inimigo é atacado continuamente até se render ou morrer.

2.2 CYBERBULLYING Atitudes de reiteradas agressões pessoais podem ocorrer tanto em instância real quanto virtual. O termo cyber, popularmente, é referido ao uso da internet ou qualquer tipo de meio digital. Neste sentido, cyberbullying é um tipo de bullying que se concretiza pela utilização de tecnologias de comunicação, tais como

computadores, celulares, smartphones ou tablets. Da mesma forma, Bath (2008, p. 2 apud ROCHA, 2012, p. 80) explica que no cyberbullying há “o uso de tecnologias de comunicação e informação como forma de levar a cabo comportamentos deliberados, repetidos e hostis contra um indivíduo ou grupo, com a intenção de causar dano”. O termo foi criado pelo pesquisador Bill Belsey, para identificar o bullying virtual, que usa a tecnologia digital de modo insistente e repetitivo para hostilizar, ofender ou ameaçar alguém (MALDONADO, 2009 apud MELO, 2011, p. 41). Assim como acontece no bullying tradicional, no cyberbullying há a intencionalidade do agressor, o desequilíbrio de poder, a promoção de dor psicológica e a repetição das agressões (MEIER e ROLIM, 2013, p. 35). Tais recursos digitais facilitam ainda mais a vitimização, pois o anonimato que a internet possibilita pode encorajar os agressores a ameaçar, intimidar e humilhar os outros. Meier e Rolim (2013, p. 35 a 36) explicam que com o anonimato, o agressor ofende a vítima sob uma identidade falsa, por meio de envio de emails, mensagens SMS ou postagens em páginas da internet, sejam escritas ou com imagens depreciativas que muitas vezes sofrem alterações, com inserção de elementos que tem como objetivo ridicularizar a vítima. Mason (2008, p. 323 apud ROCHA, 2012, p. 81 a 82) afirma que o cyberbullying pode ser realizado por um indivíduo ou um grupo, utilizando meios de informação e comunicação tecnológicos para facilitar a perseguição repetida e ofender outro indivíduo ou grupo através do envio ou postagem de imagens e/ou textos ofensivos. Cumpre esclarecer que a multiplicação das mensagens transmitidas por meio das tecnologias revela o caráter repetitivo desta prática. No momento em que cai na rede, a ofensa é compartilhada a todos com rapidez através de diferentes interfaces, podendo tornar o conteúdo perpétuo. Nesse diapasão, ressalta Lima (2011, p. 77 a 78): Por ser um termo muito técnico e de literatura especializada, isso faz com que, muitas vezes, os participantes do estudo possam confundir uma situação de agressão pontual na Internet com uma forma de bullying virtual. É importante ressaltar também que o acosso cibernético está mais relacionado a um padrão de comportamento violento que ocorre ao longo de um determinado tempo, podendo durar meses ou até anos se não for coibido pelas autoridades da escola ou pelos pais (LIMA, 2011, p. 77 a 78).

Segundo Melo (2011, p. 42), a diferença entre o bullying tradicional e o cyberbullying está na forma e variedade de recursos pelas quais são executados, adaptando as tipificações do bullying convencional aos meios tecnológicos.

[...] A internet possibilita colocar online as agressões “verbais” sem que seja necessário estar diante da vítima. Essas agressões “verbais” podem ter várias conotações: [...] revidar ofensas não respondidas em tempo real; expressar opiniões constrangedoras e aviltantes sobre outra pessoa; difamar oponentes mais fortes; caluniar, fazer intrigas, fofocas [...]; colocar apelidos depreciativos, fazer gozações, xingar, insultar, aterrorizar, irritar, humilhar ou quaisquer outras formas de agressão psicológica ou moral (MELO, 2011, p. 42).

Já consoante Olweus (2013 apud MEIER e ROLIM, 2013, p. 36 a 37), o cyberbullying apresenta algumas características peculiares, todas associadas ao mau uso dos avanços tecnológicos. A primeira é a alta carga de estresse gerada na vítima, devido à procura pela identificação do agressor, tornando-a obcecada por essa descoberta, fazendo-a se isolar por desconfiar de todos à sua volta. A segunda característica do cyberbullying é a acessibilidade, uma vez que não há limites de convivência temporais ou espaciais, ao contrário do bullying tradicional, em que as crianças ou adolescentes convivem por um período de tempo. Outra característica é o medo da vítima em receber punição dos pais ou responsáveis que, a fim de protegerem os filhos, impedem o acesso às tecnologias, proibindo o uso da internet e recolhendo seus equipamentos eletrônicos. Por fim, o autor (1993 apud MEIER e ROLIM, 2013, p. 37) apresenta a desinibição como outra característica do cyberbullying, dando coragem para os agressores cibernéticos demonstrarem determinados comportamentos que não fariam se estivessem face a face com a vítima. As consequências do fenômeno do cyberbullying variam de uma vítima para a outra, ocasionando danos de ordem moral e emocional. As sequelas dependerão da frequência, dimensão de propagação virtual, condições psicológicas da vítima, gravidade da ofensa, compartilhamento da ofensa e ajuda recebida. Ofensas de menor potencial são resolvidas em curto prazo, ao contrário das ofensas graves que podem não ter um apoio psicológico adequado (MELO, 2011, p. 95). Compreende-se, então, que o cyberbullying tem como principal problema o fato de a rede mundial de computadores ter dimensões incomensuráveis, possibilitando o alcance de um número muito maior de espectadores, diferente do bullying tradicional (MEIER e ROLIM, 2013, p. 36 a 37). A mobilidade das tecnologias digitais tira o sossego das vítimas, o que faz do cyberbullying uma forma de violência invasiva que ameaça os indivíduos em diferentes locais. (ROCHA, 2012, p. 82)

3 CYBERBULLYING NO BRASIL E NO MUNDO

A literatura mais recente e a mídia, como reportagens de televisão e websites, relatam inúmeros casos de cyberbullying, alguns deles fatais que resultaram em suicídio. No Canadá, considerando um dos primeiros casos de cyberbullying, o canadense Ghyslain Raza, de 14 anos, gravou no ano de 2002 um vídeo de si mesmo imitando o vilão Darth Maul de Star Wars, empunhando um taco de golfe como sabre de luz. O jovem fez a filmagem porque ia participar de uma apresentação no colégio e queria conferir como estava o seu desempenho. No entanto, os colegas do garoto roubaram o material e o postaram na internet. O vídeo se transformou em um viral e o jovem recebeu mensagens de internautas sugerindo que ele cometesse suicídio. Ghyslain mudou de colégio, aguentou os insultos dos colegas da instituição e acabou em um hospital psiquiátrico. Em 2012, a canadense Amanda Todd, de 15 anos, cometeu suicídio um mês depois de postar um vídeo no Youtube em que descrevia anos de bullying, onde declarou ter sido convencida por um estranho a se mostrar seminua em um batepapo online no Facebook. A foto foi enviada a seus colegas de classe e então ela passou a ser perseguida tanto em sala de aula quanto na internet. Em 2013, outra canadense, de 17 anos, Rehtaeh Parsons, enforcou-se após meses de assédio e ofensas pela internet. Dois anos antes de tirar a própria vida, Rehtaeh havia sido abusada sexualmente por quatro jovens que fotografaram o episódio e postaram imagens nas redes socais. O assunto rapidamente ganhou os corredores da escola da jovem, que começou a ser xingada e a receber ameaças por meio de torpedos e de seus perfis nas redes sociais. Nos Estados Unidos, em 2003, Ryan Patrick Halligan cometeu suicídio aos 13 anos após sofrer bullying e cyberbullying de seus colegas da escola. Boatos de que ele era homossexual foram espalhados e quando Ryan começou a usar o serviço de mensagens instantâneas AIM, os colegas começaram a atacar e perguntar de sua sexualidade. Seu pai também encontrou conversas com uma garota que Ryan admirava. Essa garota fingia estar interessada nele ao mesmo tempo em que dizia que ele era um "perdedor" e divulgava na escola o conteúdo das conversas, incluindo as declarações pessoais de Ryan, de forma a envergonhá-lo e humilhá-lo. Ryan se enforcou no banheiro enquanto sua família dormia.

Em 2006, a estadunidense Megan Méier, 13 anos, manteve um "namoro virtual" com um jovem de 16 anos que havia conhecido através do MySpace. O rapaz subitamente passou a lhe ofender e mandar uma mensagem dizendo que "o mundo seria melhor se você não existisse". Outros jovens aderiram à briga e passaram a insultar Megan. Sua mãe a encontrou enforcada em seu quarto. Algumas semanas depois, descobriram que Josh Evans era, na verdade, uma vizinha que morava a quatro casas de distância da família, e que havia inventado o perfil junto com sua filha "apenas para zoar". O caso chocou a população e os vereadores locais aprovaram uma lei para punir os casos de assédio e perseguição na internet. Em 2013, no mesmo país, Rebecca Ann Sedwick, de 12 anos, se atirou de cima de uma fábrica abandonada depois de ser torturada durante um ano por 15 colegas da escola. Segundo a mãe da adolescente, a filha recebia mensagens de texto como "Você é feia", "Por que você ainda está viva?" e "Se mate". No Brasil, Julia Gabriele, de Pernambuco, de 11 anos de idade, teve sua foto compartilhada no Facebook por uma página de humor. O autor fazia uma piada com as sobrancelhas grossas de Julia e rapidamente o retrato conseguiu mais de 5 mil compartilhamentos, fazendo com que o perfil da jovem fosse invadido por pessoas que postavam fotos de pinças e tesouras. O Facebook, que permite que o bullying seja denunciado, já retirou do ar uma das páginas humorísticas, mas outras continuam. Em 2013, a piauiense Júlia Rebeca, de 17 anos, cometeu suicídio após ter imagens íntimas compartilhadas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Através das redes sociais Instagram e Twitter, a jovem deixou mensagens que antecipavam sua morte. Em uma delas declarou: “Eu te amo, desculpa eu n ser a filha perfeita mas eu tentei… desculpa eu te amo muito mãezinha (…) Guarda esse dia 10.11.13 [sic]”. Júlia foi encontrada morta dentro do quarto, enrolada no fio da própria chapinha. Outro caso semelhante ocorrido no mesmo ano é o de Giana Laura, de 16 anos, do Rio Grande do Sul. A jovem foi encontrada morta em casa, enforcada com um cordão de seda. Giana cometeu suicídio depois de descobrir que uma foto dela seminua foi publicada na Internet. Um rapaz de 17 anos, apontado como quem postou as fotos, confirmou que a captação da imagem ocorreu durante uma conversa dele com Giana pelo software de comunicação Skype.

Os casos contínuos de cyberbullying no Canadá e nos Estados Unidos motivaram a criação de leis para punirem o crime. No Brasil, não existem leis específicas destinadas a punir os autores dessa prática. 4 O CYBERBULLYING NO ÂMBITO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O cyberbullying não está previsto de forma expressa na legislação brasileira. Todavia, sua prática infringe vários direitos. Dentre eles estão os direitos fundamentais da Constituição Federal Brasileira de 1988, como a dignidade da pessoa humana, inserida no art. 1º, e também os elencados no art. 5º da mesma Carta, como o inciso IV que proíbe o anonimato ou o inciso X que garante o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação à intimidade, à vida privada, à honra e/ou à imagem das pessoas. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

Logo, os autores de práticas como o cyberbullying não estão agindo de acordo com os princípios da Carta Magna, estando, portanto, sujeitos a ressarcirem os danos que causarem a terceiros decorrentes de suas práticas. Surgem ainda efeitos civis no ordenamento jurídico, no que tange à responsabilidade civil, atribuindo ao agressor civilmente incapaz, aos seus pais ou às instituições de ensino, no caso de dano à vítima, a obrigação de repará-lo. Conforme estabelece o art. 186 do Código Civil, a prática do cyberbullying configura ilícito, segundo o qual a pessoa que, por ação ou omissão, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente de ordem moral, comete ato ilícito. Segundo o art. 927 do Código Civil, haverá obrigação de reparar o dano causado decorrente de ato ilícito. Posto isso, o art. 928 do Código Civil estabelece que a obrigação dos menores é subsidiária ou mitigada, isto é, eles só respondem

caso seus responsáveis não possuam obrigação ou condição financeira (SELETI e VIEIRA, 2013, p. 23). Do mesmo modo, Gonçalves (2009, p. 18) explica que a obrigação de indenizar cabe às pessoas responsáveis pelo incapaz, mas este será responsável se caso aqueles não tenham meios suficientes para o pagamento, não o privando do necessário ou as pessoas que dele dependam, conforme expressa o artigo 928 do Código Civil. A reparação do dano ficará sob a responsabilidade dos pais dos agressores quando esses forem menores, configurando-se objetiva, subsidiaria e solidária, conforme dispõe o art. 932, inciso I, c/c art. 933 do Código Civil. A única hipótese de responsabilidade solidária se configura quando há emancipação voluntária do menor, excluindo a emancipação decorrente de casamento (SELETI e VIEIRA, 2013, p. 23). A jurisprudência vem trazendo a possibilidade de indenização por prejuízos causados a outrem na prática do cyberbullying. Assim entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão proferida em 2010: Reparação por danos morais - Campanha difamatória pela Internet - Blog criado pela colega de escola para prática de bullying - Responsabilidade do genitor em razão da falta de fiscalização e orientação - Sentença reformada apenas para reduzir o valor da indenização, considerando a extensão do dano, a época dos fatos e a realidade das partes (TJSP - Apelação nº 9136878-66.2006.8.26.0000, 22/12/2010, Sétima Câmara de Direito Privado – Rel. Miguel Brandi). (SÃO PAULO, 2010).

Na ação de reparação por danos morais, a apelante pediu a redução do valor fixado em sentença. De acordo com o relatado nos autos, a agressora, para difamar uma colega, criou um blog intitulado "Bode” em alusão ao seu sobrenome, além de ter sido taxada por adjetivos pejorativos que ficaram expostos por vários meses. A responsabilidade recaiu sobre os pais da ré sob o entendimento de que houve descuido na fiscalização no uso da internet pela filha. O caso do estudante Felipe, embasado no art. 932 do Código Civil, é outro exemplo de reconhecimento do cyberbullying como ilícito e a responsabilidade civil dos pais: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. USO DE IMAGEM PARA FIM DEPRECIATIVO. CRIAÇÃO DE FLOG – PÁGINA PESSOAL PARA FOTOS NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. RESPONSABILIDADE DOS GENITORES. PÁTRIO PODER. BULLYING. ATO ILÍCITO. DANO MORAL IN RE IPSA. OFENSAS AOS CHAMADOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. MANUTENÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PROVEDOR DE INTERNET. SERVIÇO DISPONIBILIZADO. COMPROVAÇÃO DE ZELO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELO

CONTEÚDO. AÇÃO. RETIRADA DA PÁGINA EM TEMPO HÁBIL. PRELIMINAR AFASTADA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. AUSENCIA DE ELEMENTOS. TJRGS - Apelação Cível nº70031750094, 18/08/2008, Sexta Câmara Cível – Rel. Liége Puricelli Pires. (RIO GRANDE DO SUL, 2008).

Com base no entendimento de que a prática de bullying é ato ilícito, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão no sentido de condenar a mãe do réu incapaz ao pagamento de R$ 5.000,00 como forma de indenização por danos morais pela criação de página na internet com a finalidade de ofender colega de classe com mensagens levianas e montagens fotográficas difamatórias. O voto afastou a responsabilidade do provedor de acesso e ressaltou o dever de guarda, orientação e zelo dos pais pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados. A doutrina e jurisprudência entendem que, consoante o exposto acima, o menor deve estar sob o poder dos pais, vivendo em sua companhia e sob a vigilância

deles

para

que

possam

ser

responsabilizados

objetivamente

(GUILHERME, 2001, p. 97). Dias (2010, p. 68) destaca que: A responsabilidade parental não decorre da guarda, mas do poder familiar, que é exercido por ambos os genitores. Dentre os seus deveres encontra-se o de ter o filho em sua companhia e guarda [...]. Mesmo que não esteja em sua companhia, está sob sua autoridade.

Todavia, se o menor estiver sob a autoridade ou companhia de outra pessoa, os pais não respondem por responsabilidade objetiva, incumbindo àquele que estava na vigilância do menor. Pouco importará que os pais negligentes na vigilância, isto é, incorram em culpa in vigilando, que outrora se presumia havendo a inversão do onus probandi (RT, 490:89), incumbindo aos pais provar que cumpriam o dever de vigilância para se livrarem da responsabilidade (DINIZ, 2006, p. 540).

Isto é, ao levar os filhos para a escola, os pais transferem o dever da guarda à instituição de ensino, que tem responsabilidade objetiva e solidária sob seus alunos, conforme estipulam os artigos 932, inciso IV e 933, ambos do Código Civil e 14 do Código de Defesa do Consumidor (SELETI e VIEIRA, 2013, p. 24). Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; […]

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos (LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002). Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990).

O recente julgado na Décima Quinta Câmara Cível da comarca de Belo Horizonte deu provimento ao recurso para condenar a escola no pagamento de R$10.000,00 a título de indenização por danos morais à família da vítima, em razão de haver, além do citado na ementa, veiculação de informações desabonadoras pela internet, tratando-se de imperícia e negligência por parte da escola. APELAÇÃO CÍVEL - ABALOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR - BULLYING - ESTABELECIMENTO DE ENSINO RESPONSABILIDADE OBJETIVA - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA - DANO MORAL CONFIGURADO - REFORMA DA SENTENÇA. Na espécie, restou demonstrado que o autor sofreu agressões verbais e física de um colega de sala, que foram muito além de atritos entre adolescentes, no interior da Escola no ano de 2009. Trata-se de relação de consumo e a responsabilidade da ré, como prestadora de serviços educacionais é objetiva, bastando a simples comprovação do nexo causal e do dano. Além disso, as agressões noticiadas na inicial e comprovadas, por si, só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização é da Instituição de Ensino, em razão de sua responsabilidade objetiva. Muito embora o Colégio tenha tomado algumas medidas na tentativa de contornar a situação, tais providências não foram suficientes para solucionar o problema, uma vez que as agressões continuaram até a ocorrência da agressão física. O Requerido não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. Sobre os danos morais incidirão juros de mora desde o evento danoso (Súmula nº 54 do STJ). A fixação dos honorários advocatícios nas decisões de natureza condenatória é arbitrada com base no valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º, do CPC. Voto vencido parcialmente. TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.10.142345-7/002, 25/04/2013, Quinquagésima Câmara Cível – Rel. Tibúrcio Marques. (BELO HORIZONTE, 2013).

Cabe ainda mencionar que alguns doutrinadores admitem o direito da instituição de ensino acionar regressivamente os pais dos alunos que causarem o ilícito, conforme prevê o já mencionado art. 933 do Código Civil. Observa-se que em alguns tribunais do país a jurisprudência faz menção expressa ao cyberbullying, não restando dúvida quanto a sua existência. Têm-se aplicado como punição indenizações que, em sua grande maioria, são concedidas com base em outros institutos, devido à inexistência de parâmetros específicos. Em

resumo, como não há no ordenamento jurídico norma específica, o fato vem sendo julgado por analogia na jurisprudência. Vale ressaltar que grande parte das demandas tem como objeto a reparação pelo dano psicológico causado, bem como a discussão quanto à obrigação de indenizar. Estas seriam as situações de maior incidência sobre o cyberbullying nos tribunais brasileiros. No âmbito penal, a prática de cyberbullying pode resultar em ofensa à honra, intimidade, imagem ou privacidade do indivíduo. As condutas tipificadas no Capítulo V do Código Penal, dos crimes contra a honra, artigos 138 a 145, alcançam os crimes cometidos com o uso de tecnologias eletrônicas e todos os artifícios possíveis de hostilizar um indivíduo com o maior número de receptores da mensagem, portanto passíveis de adequação típica em qualquer dos crimes contra a honra. Calúnia Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.[...] Difamação Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.[...] Injúria Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3° Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. (DECRETO-LEI 2.848, DE 07 DE DEZEMBRO DE 1940).

A previsão do artigo 138, parágrafo primeiro do Código Penal menciona que pessoas que compartilham conteúdo do referido crime também serão enquadradas na mesma pena. E ainda, o art. 122 do mesmo código preceitua que aquele que induz ou instiga a vítima ao suicídio terá pena de reclusão que varia de dois a seis anos, podendo ser duplicada se a vítima for menor de idade. Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. (DECRETO-LEI 2.848, DE 07 DE DEZEMBRO DE 1940).

Entretanto, as condutas descritas no Código Penal são somente aplicáveis ao agressor que possua maior idade, do contrário, nos termos da inimputabilidade expressa no art. 27 da mesma lei, cometerá ato infracional, devendo ser aplicadas as medidas socioeducativas no lugar da denominada “pena”, as quais são previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). O artigo 2º do ECA considera criança, aquele com até 12 anos incompletos, e adolescente, aquele que tem entre 12 e 18. No caso de ato infracional cometido por crianças ou adolescentes, estes responderão com alguma medida socioeducativa. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (LEI 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990).

Maiores de idade que repassam conteúdo proveniente de cyberbullying podem responder pelo crime previsto no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - divulgar cenas impróprias envolvendo menores de idade. A pena varia de três a seis anos de prisão. Destaque-se que o artigo 116 do ECA dispõe que em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, praticado por adolescente, a autoridade poderá determinar que esse restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou compense o prejuízo da vítima de outra forma. Insta nesse contexto destacar a Lei 12.737/12, popularmente conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que criminaliza a invasão de dispositivo informático alheio para obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular. A prática da conduta poderá resultar na condenação ao pagamento de multa e pena de prisão que varia de três meses a um ano. Invasão de dispositivo informático

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa (LEI Nº 12.737, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2012).

Da mesma forma, imprescindível informar cerca da aprovação do Marco Civil da Internet, Lei 12.965 de 23 de abril de 2014, que estabeleceu princípios, garantias, deveres e direitos para o uso da internet no Brasil, promete ajudar a consolidar o sistema legal no País no que tange o mundo digital. Entre tais pontos, destacam-se as regras que estabelecem a necessidade de ordem judicial para que um conteúdo seja retirado do ar e a guarda das informações de conexão, fundamentais para as investigações na questão do cyberbullying. Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento. [...] Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda: I - dos registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente, respeitado o disposto no art. 7o; ou II - de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular. [...] Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade: I - fundados indícios da ocorrência do ilícito; II - justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e III - período ao qual se referem os registros. Art. 23. Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro (LEI 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014).

Recentes casos trouxeram à tona propostas para uma legislação mais específica e penas mais rígidas. Após um caso ocorrido com um estudante na Paraíba, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou projeto de lei, dando origem à Lei Municipal 11.381/08, que dispõe sobre o combate ao bullying. O governador do

Estado de Santa Catarina sancionou a Lei Estadual 14.651/09 para instituição do programa de combate ao bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do estado. Convém ressaltar que está em tramitação no Congresso Nacional uma proposta que visa incluir no Código Penal o crime de intimidação vexatória (ou bullying). O texto, aprovado em 2013, é substitutivo ao Projeto de Lei nº 1011/11 que discorria sobre “intimidação escolar”, porém, o relator, deputado Assis do Couto, considera o termo “intimidação vexatória” mais abrangente, visto que essas agressões não se dão exclusivamente no interior de estabelecimentos escolares. O texto apresenta definições e penalização de bullying e de cyberbullying. Se o crime for praticado por meio de comunicação, a pena será aumentada em dois terços. O cyberbullying não estava previsto na proposta original e foi incluído pelo relator. Se a vítima for deficiente físico ou mental, menor de 12 anos, ou se o crime ocorrer explicitando preconceito de raça, etnia, cor, religião, procedência, gênero, idade, orientação sexual ou aparência física, a pena será aplicada em dobro. Intimidação vexatória Art. 136-A. Intimidar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar ou expor alguém, dentre pares, a sofrimento físico ou moral, de forma reiterada, se a conduta não constituir crime mais grave. Pena – detenção, de um a três anos e multa. § 1º Se o crime ocorre em ambiente escolar, a pena é aumentada da metade. § 2º Se há concurso de pessoas, a pena é aumentada de um terço. § 3º Se o crime é praticado por meio de comunicação de massa, a pena é aumentada de dois terços. § 4º Se a vítima é deficiente físico ou mental, menor de doze anos ou o crime ocorre explicitando preconceito de raça, etnia, cor, religião, procedência, gênero, idade, orientação sexual ou aparência física, a pena se aplica em dobro. § 5º O juiz pode deixar de aplicar a pena se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a intimidação (PROJETO DE LEI Nº 1.011/11 QUE PRETENDE ALTERAR O DECRETO-LEI N. 2.848/40 – CÓDIGO PENAL).

Pelo exposto, percebe-se que o Poder Judiciário não tem se mostrado inerte ou ausente frente às demandas que têm tratado a conduta do cyberbullying. Porém, a fata de pacificação do tema mostra que nossa legislação ainda está longe de ser perfeita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvidas de que práticas de cyberbullying são reflexos de todas as formas de intolerância transferida do mundo real para o mundo virtual. As pessoas são agredidas e sofrem com discriminações ou difamações. A gravidade desta violência preocupa ainda mais quando tem como agressores e vítimas, crianças e adolescentes, que ficam abaladas psicologicamente, podendo sofrer transtornos que os marcarão pelo resto da vida ou que resultarão em suicídio. A partir desse estudo, confirma-se a hipótese levantada para a confecção desta pesquisa no sentido que o ordenamento jurídico pátrio não vem apresentando eficácia em suas decisões no que concerne a pacificação do tema cyberbullying, pois no Brasil não há uma lei específica tratando desse fenômeno e, por isso, se tem aplicado as regras já previstas no Código Civil, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na esfera cível, por exemplo, muitas condenações tiveram por base os atos de cyberbullying praticados por menores, legitimando o direito a indenização pelos danos morais e materiais causados à vítima. Os responsáveis pela indenização serão os pais, caso o cyberbullying seja praticado no computador residencial ou em lan houses, pois, neste período cabe aos genitores o dever de vigiar e guardar seus filhos. Verifica-se que serão responsáveis as instituições de ensino caso o cyberbullying parta de dentro de suas instalações, pois é responsável pela integridade física e moral do aluno enquanto ele esteja dentro de seu estabelecimento. Já na esfera penal, o cyberbullying pode configurar crimes contra a honra, como injúria ou calúnia. No entanto, caso o praticante seja menor de idade, responderá pela infração, de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente, podendo ser apenado com advertência, multa, ou internação em centros de recuperação. Não se pode olvidar que a evolução digital tem criado muitas novas situações jurídicas que gradativamente vêm sendo interpretadas e assimiladas pelo poder judiciário. A lei Carolina Dickeman, a exemplo, pune a invasão de dispositivos eletrônicos para obtenção de dados particulares. O Marco Civil, por sua vez, se apresenta como uma garantia de combate e repressão a esse tipo de delito ao estabelecer direitos, deveres e garantias para provedores, usuários e empresas

atuantes no segmento da internet, assegurando, assim, meios para investigação dos crimes praticados na internet. E, mais recente, a aprovação da criminalização do bullying no Código Penal, que é consequência dos diversos casos envolvendo crianças e adolescentes que impulsionaram o Congresso Nacional a tomar alguma medida. Observou-se que tais casos levados ao Judiciário, diferente de antigamente, não são mais entendidos pelos magistrados como “brincadeiras de crianças”, ou lesões de “pequeno grau de ofensividade”. Após uma análise das decisões acerca do tema nos tribunais pátrios, constata-se que o cyberbullying vem sendo destacado pela jurisprudência brasileira, contudo, de forma tímida, haja vista a ausência de lei específica. Todavia, constatouse que há uma preocupação, diante da recente aprovação da inclusão do crime bullying no Código Penal, além da lei do Marco Civil que oferece meios para investigação. Nos casos em que houve cyberbullying, em sua grande parte, este foi objeto da concessão das indenizações, principalmente pelo resultado gerado. Nota-se que há a ausência de uma base sólida para conceituar cyberbullying, muitas vezes classificado apenas como bullying ou, dependendo do caso, invasão de privacidade ou simplesmente como uma ofensa. O dano moral é inconteste e não são insignificantes as indenizações que se aplicam aos agressores, mas ressarcir pecuniariamente as vítimas também não trará paz espiritual, vez que sempre ficarão sequelas desta violência psicológica. Embora a prática de cyberbullying possa ser alcançada pela legislação penal atual, punir criminalmente é a última ratio. Resta então buscar alternativas mais eficazes. O fato é que o problema se prolonga. Logo todo cuidado é pouco. A legislação pátria ainda pouco faz para refrear esse tipo de conduta. Assim sendo, a informação ainda é a melhor forma de prevenção dessa prática. É preciso dar mais atenção ao assunto. Atitudes como zombar, apelidar, chantagear, difamar ou denegrir a imagem de alguém diante de centenas de milhares na internet não podem ser consideradas condutas normais. Portanto, levando em conta os tópicos trabalhados, entende-se que o ordenamento jurídico brasileiro vem atuando de forma ineficaz no combate ao cyberbullying, diante da ausência de norma específica que pacifique os critérios

específicos e adequados para a sua avaliação, possibilitando com base nestes aspectos um razoável julgamento para tal problema. Ademais, a presença do Poder Judiciário deve ser eficiente e assegurar os direitos fundamentais instituídos pela Constituição Federal, garantindo a todos os indivíduos, principalmente crianças e adolescentes, principais vítimas do bullying e do cyberbullying. O ideal, mais do que punir rigorosamente essas condutas, é primeiramente evitá-las, pois a dor da vítima não se cura com a punição do agressor. Esse é um trabalho a ser feito pelo governo, escola, meios de comunicação de massa, pela comunidade e pela família.

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BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, 1940. Código Penal.

BRASIL. Lei nº 8.069, 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

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