DA BOMBA AO BOP - O JAZZ COMO INSTRUMENTO DIPLOMÁTICO NA GUERRA FRIA

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FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO

DA BOMBA AO BOP O JAZZ COMO INSTRUMENTO DIPLOMÁTICO NA GUERRA FRIA

Larissa Borges Vital

São Paulo 2015

FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO

DA BOMBA AO BOP O JAZZ COMO INSTRUMENTO DIPLOMÁTICO NA GUERRA FRIA

Larissa Borges Vital

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, orientado pelo Prof. Msc. Iberê Moreno Rosário Barros

São Paulo 2015

Presidente da Fundação de Rotarianos de São Paulo Dr. Nahid Chicani Chanceler das Faculdades Integradas Rio Branco Dr. Eduardo de Barros Pimentel Direção Geral das Faculdades Integradas Rio Branco Prof. Dr. Edman Altheman Diretor Acadêmico Prof. Dr. Alexandre Ratsuo Uehara Coordenação do Curso de Relações Internacionais Prof. Dr. Gunther Rudzit Orientação Prof. Msc. Iberê Moreno Rosário Barros

V82

Vital, Larissa Borges Da Bomba ao Bop: o Jazz Como Instrumento Diplomático na Guerra Fria. / Larissa Borges Vital. – 2015 88 f. ; 30 cm. Monografia (Conclusão de Curso)-Curso de Graduação em Relações Internacionais, Faculdades Integradas Rio Branco, São Paulo, 2015. Bibliografia: f. 82 1. Jazz. 2. Diplomacia do Jazz. 3. Guerra Fria. 4. Diplomacia Cultural. I.Título.

CDD- 327.1

Diplomacy is like jazz, improvisation on a theme. - Ambassador Richard C. Holbrooke

RESUMO O presente trabalho se propõe a analisar as razões, condições e desdobramentos dos concertos de jazz nos tours de Dizzy Gillespie ao Oriente Médio em 1956 e de Benny Goodman à União Soviética em 1962, como parte da Diplomacia Cultural americana no período da Guerra Fria. Para alcançar este objetivo, a presente monografia inicia-se com a definição de cultura e apresenta ao leitor uma breve história do jazz, seguindo-se de uma análise histórica da Guerra Fria e das políticas das administrações de Harry S. Truman e Dwight D. Eisenhower, que culminariam no surgimento da Diplomacia do Jazz. Ao final, o texto descreve os concertos com o intuito de entender o jazz não apenas como estilo musical original americano, mas também como instrumento político que reforçou o alinhamento de diversos países para com os Estados Unidos, além de possibilitar a abertura parcial, principalmente no âmbito cultural, da União Soviética em relação ao Ocidente. Palavras-Chave: Jazz; Diplomacia do Jazz; Guerra Fria; Diplomacia Cultural; Cultura.

ABSTRACT This paper proposes to analyze the reasons, conditions and outcomes of Dizzy Gillespie’s tour of the Middle East in 1956 and Benny Goodman’s tour of the Soviet Union in 1962, as part of United States cultural diplomacy during the Cold War period. With this in mind, this paper begins by defining culture and giving a brief introduction to jazz, followed by a historical analysis of the Cold War and the policies of the Harry S. Truman and Dwight D. Eisenhower administrations which culminated with the emergence of jazz diplomacy. Finally, the paper describes the concerts in order to understand jazz not only as an original American musical style, but also as a political instrument that reinforced the alignment of several countries with the United States and enabled the partial opening of the Soviet Union to the west, especially on the cultural front. Keywords: Jazz; Jazz Diplomacy; Cold War; Cultural Diplomacy; Culture.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 CAPÍTULO I - DISCUSSÃO TEÓRICA E POSICIONAMENTO HISTÓRICO .......... 10 1.1. HISTÓRIA DO JAZZ ....................................................................................................... 15 1.2. GUERRA FRIA ................................................................................................................. 20 CAPÍTULO II - O SURGIMENTO DA DIPLOMACIA DO JAZZ ................................. 29 CAPÍTULO III - OS CONCERTOS DE DIZZY GILLESPIE (1956) E BENNY GOODMAN (1962) ................................................................................................................. 46 3.1. BENNY GOODMAN E O JAZZ NA UNIÃO SOVIÉTICA ........................................... 60 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 82

INTRODUÇÃO Este trabalho versará sobre a Diplomacia do Jazz1 dentro da lógica da Diplomacia Cultural americana da Guerra Fria, tendo como objeto de pesquisa os concertos das big bands de Dizzy Gillespie no Oriente Médio em 1956 e de Benny Goodman na União Soviética em 1962. A presente análise tem como intenção responder a seguinte pergunta: Como o jazz foi usado como instrumento diplomático na política externa americana da Guerra Fria? O projeto tem como objetivo geral ampliar as discussões sobre o tema na área de Relações Internacionais e, para tanto, apresenta a importância do uso da cultura como meio pelo qual pode-se exercer a diplomacia, a política e a hegemonia. Como objetivo específico, a pesquisa visa demonstrar que o jazz e suas mais variáveis manifestações fizeram ponte entre os valores americanos e as demais culturas mundiais na Guerra Fria, acrescendo os ganhos da realpolitik2 americana do período. Este trabalho parte da hipótese que os embaixadores do jazz, Dizzy Gillespie e Benny Goodman, levaram com êxito o american way of life aos diversos países que visitaram e, assim, conseguiram mostrar que os Estados Unidos eram uma nação democrática, livre, igualitária e que sabiam produzir e exportar arte. Ao expor os valores americanos no Oriente Médio e na União Soviética por meio do jazz, os Estados Unidos conseguiram amenizar sua imagem de país racista e colonizador, além de exercer a détente mesmo que de forma restrita. O tema fora escolhido, pois envolve um debate pouco estudado no campo das Relações Internacionais, que trata a cultura e, mais especificamente, a música como instrumento político-diplomático. Além disso, utilizar a cultura como lente de observação amplia os horizontes e possibilidades de análise de eventos como a Guerra Fria, se distanciando das discussões acadêmicas balizadas em teorias como o realismo e o liberalismo. Toma-se como elemento metodológico, para comprovar a hipótese formulada, a análise comparativa histórica de fontes documentais, dentre elas relatórios, discursos políticos e depoimentos, como fonte primária. Foram usados também relatos históricos do período 1

Termo que dá caráter individual ao uso do jazz como instrumento diplomático dentro da Diplomacia Cultural americana. A expressão Diplomacia do Jazz está presente em diversos trabalhos, como as das autoras Penny M. Von Eschen e Lisa E. Davenport que utilizaremos como bibliografia nesta monografia. 2 Aqui entendido como as políticas que visam conquistar poder de forma realista e pragmática. 8

como fonte secundária, apontadas neste trabalho por meio de notícias, artigos em revistas e jornais. Assim, esta monografia encontra-se dividida em três capítulos. O primeiro capítulo sobrevoa os debates em torno da cultura e suas definições, que apresentará ao leitor os conceitos necessários para a compreensão de todo o trabalho. De igual relevância, o capítulo ainda aponta os principais marcos históricos e políticos que viriam a culminar na gênese da Diplomacia Cultural americana. O segundo capítulo inicia-se com a percepção de Eisenhower sobre a relevância do uso da cultura como instrumento político, que será traduzido nos esforços do Congresso e do Departamento de Estado americano em realizar programas culturais mundialmente. Após este relato e concluindo o capítulo, debruça-se sobre a análise do caminho pelo qual o jazz seria escolhido como item cultural a ser exportado e a logística financeira e política envolvidas. O terceiro capítulo descreverá os concertos de Dizzy Gillespie no Oriente Médio em 1956 e de Benny Goodman na União Soviética em 1962, por meio de relatos e documentos oficiais, assim como da análise geopolítica, econômica e social que determinariam os locais e desdobramentos de cada show. Conclui-se este trabalho com a revisão dos principais eventos e fatos expostos nesta pesquisa, que comprovam a hipótese formulada aplicando-a ao período da Guerra Fria e aos dias de hoje.

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CAPÍTULO I - DISCUSSÃO TEÓRICA E POSICIONAMENTO HISTÓRICO Para entendermos a Diplomacia do Jazz é preciso, antes, introduzirmos o contexto histórico em que ela foi criada e seus antecedentes para, então, podermos perceber de forma abrangente sua importância nas Relações Interacionais. Ao trabalharmos com a dimensão cultural e darmos ênfase na cultura como instrumento da política externa dos Estados Unidos da América (EUA), necessitamos também compreender a construção social e cultural deste país. Como eixo fundamental na compreensão do presente trabalho, utilizaremos o conceito cunhado por Raymond Williams para definir a cultura como sendo o resultado das mais variadas atividades e relações sociais. Williams expandiu o horizonte das análises e definições em torno da cultura em seu texto “Culture is Ordinary” (1958) se tornando um dos mais notórios percursores dos Estudos Culturais junto a Edward Thompson, historiador inglês. Para Williams, a palavra cultura deve ser vista tanto de forma antropológica, mais especificamente como “todo um modo de vida”, como também nas formas de significação em que ela se apresenta na sociedade, ou seja, por meio de novelas, filmes, propagandas televisivas e a música. Williams apresenta ainda outros dois tipos de cultura, a idealizada e a documental, mas que não receberão maiores aprofundamentos na presente análise, pois não se aplicam ao estilo cultural americano, do qual iremos discutir mais à frente. Assim, nas palavras de Williams, a cultura pode ser entendida por três abordagens: (1) Idealizado, em que a cultura é compreendida como um estado ou processo da perfeição humana, com base em valores absolutos e universais; (2) documental, relacionado à produção de obras que envolvem a imaginação e o intelecto, e que são produzidos para a posteridade, da mesma forma que o pensamento e a experiência humana – são os “tesouros” da cultura e (3) social (antropológico e sociológico), que relaciona a cultura a um modo de vida global dentro do qual percebe-se um “sistema de significações” essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social. (WILLIAMS, 1961, p. 41-43)

Williams e Thompson fariam parte da Escola de Birmingham e da Nova Esquerda britânica3, e seriam inspirados pelos trabalhos de Antonio Gramsci, comunista italiano que traduziu as teorias econômicas de Karl Marx em termos culturais em meados da década de 20. Gramsci viria a ser amplamente conhecido por seus estudos sobre hegemonia cultural, onde 3

Geração de intelectuais, entre 1950 e 1960, que tomaram como objeto de suas pesquisas temas como a cultura e a arte. Influenciados pelos estudos marxistas, a nova esquerda britânica faria uma reflexão crítica sobre estes conceitos que influenciariam não apenas a vida intelectual anglo-saxã, como também outras partes do mundo. 10

criticara o determinismo econômico, o materialismo filosófico e o americanismo, e influenciaria os estudos culturais de outros autores, que posteriormente citaremos no presente trabalho. Como podemos perceber, o cotidiano, as relações sociais ordinárias e a negação de qualquer pré-determinismo são os pilares pelos quais Williams constrói o conceito de cultura e dos quais vamos compreender mais à frente a lógica cultural americana, sintetizada pelo historiador Peter Bruke em seu livro “O que é História Cultural?” (2008). Adotamos a Nova Histórica Cultural (NHC), sintetizada nos trabalhos do historiador Peter Bruke, como suporte teórico e metodológico para o entendimento das manifestações artístico-culturais americanas, que representam as crenças e práticas desta nação. Burke utiliza-se da epigrama de Jean-Paul Sartre, onde compara a história cultural e o existencialismo humano para expor que, apesar da história cultural não ter essência, ela possui uma história própria (BURKE, 2008, p. 8). A História Cultural, para Burke (1998; 2008), é tão interdisciplinar quanto internacional e deve ser tratada como uma tradição em perpétua transformação. Como é difícil delimitar o que faz parte ou não da cultura e o método de estudo que se deve utilizar para analisa-la, Burke aponta que a única semelhança entre todos os historiadores culturais é que estes estão constantemente preocupados em analisar os símbolos e suas interpretações, além das conexões entre as diferentes artes. A Nova História Cultural possui mais de uma fonte de inspiração, sendo considerada um movimento internacional, apesar de sua expressão ter tido um reconhecimento muito maior nos Estados Unidos, por causa da publicação do livro “The New Cultural History” em 1989 da historiadora americana Lynn Hunt. A NHC busca, por tanto, evitar o estruturalismo e a teoria geral da cultura de LéviStrauss que analisa a cultura por meio de oposições binárias como, por exemplo, pobre e rico, branco e negro. Assim como também se distancia do estudo do Estado, das cidades e da sociedade como “obras de arte”, como fazia Jacob Burckhardt de forma iconográfica e morfológica. Clifford Geertz, antropólogo que inspirou a maior parte dos historiadores culturais da NHC com a “teoria interpretativa da cultura”, determina a cultura como

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[...] um padrão historicamente transmitido, de significados incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atitudes acerca da vida (GEERTZ, 1973, p. 89)

Burke (1998) divide a história cultural em cinco períodos históricos que paralelamente tiveram sua construção e desenvolvimento em cinco regiões: Alemanha; Hungria-Inglaterra; França; Estados Unidos da América; e América Latina. Aqui discorreremos apenas sobre o desenvolvimento da cultura nas esferas Húngaro-Britânica e Francesa que possuem envolvimento direto para a análise do estilo cultural americano, da qual receberá igualmente seu destaque dentre as fases da NHC (p. 7-24). Georg Lukács, filósofo húngaro, é o principal representante da fase Húngaro-Britânica e também foi o fundador da Institute of Social Research em 1923, que mais tarde viria a ser conhecida como a Frankfurt School (Escola de Frankfurt). Com o objetivo de traduzir o Marxismo econômico em termos culturais, ideia que surgiu em 1920 pelo comunista italiano Antonio Gramsci, a Escola de Frankfurt ganhou notoriedade em diversas universidades americanas, principalmente quando seus pesquisadores fugiram para os Estados Unidos na década de 30 para escapar do nazismo na Alemanha. A Escola de Frankfurt, buscando encontrar novos embasamentos e debates teóricos, fundiu as teorias de Karl Marx e Sigmund Freud e, posteriormente, outros pensadores para criar a “Teoria Crítica” e o “Construtivismo”, que influenciariam diversas áreas educacionais. Dentre elas, as universidades criaram o que hoje chamamos de “Political Correctness”, ou “Cultural Marxism” (LIND, 2004), que analisam a ideologia como o meio pelo qual os Estados Unidos, Rússia, China, Alemanha e Itália exerceriam sua hegemonia cultural. Essa ideologia que viria a ser chamada de “Political Correctness”, tem por objetivo alterar as regras que regem as relações governamentais com a sociedade e instituições, sejam elas formais ou informais, além de alterar o comportamento, pensamento e até mesmo a linguagem que falamos. Como aponta Lind (2004) “Here, as elsewhere, ideology has inflicted enormous damage on the traditional culture it came to dominate, fracturing it everywhere and sweeping much of it away.” (p. 5) O Marxismo Cultural traça diversos paralelos com o Marxismo Econômico, se não for ele mesmo considerado uma extensão dos trabalhos de Karl Marx por outros autores. Em primeiro lugar, como mostra Lind (2004), o Marxismo Cultural mostra que as relações culturais entre classes são forçadas e que a história é totalmente explicada pelos grupos que 12

possuem poder sobre outros. Além disso, ambas as correntes seguem uma metodologia de análise designada a mostrar a “justeza de sua ideologia em todas as situações”, que no marxismo cultural é feito por meio da desconstrução linguística para “provar” que todos os “textos”, recentes ou antigos, ilustram a opressão da minoria. Por último, os negros, hispânicos, feministas, homossexuais e os grupos minoritários são considerados como virtuosos tanto pela visão marxista cultural quanto na visão clássica (p. 4-8). Lukács viria a influenciar outros pesquisadores como Arnold Hauser, Karl Mannheim e Frederick Antal, que migrariam à Inglaterra na década de 30 e completariam a segunda fase da NHC. Na Inglaterra, Antal orientou as pesquisas de dois de seus discípulos, Francis Klingender e Anthony Blunt, principalmente na metodologia que viriam a usar. Antal percebia a cultura como uma “expressão ou até mesmo um reflexo da sociedade” (ANTAL apud. BURKE, 1998, p. 10) e é este entendimento que balizou os trabalhos de Blunt e Klingender. Apesar de evitarem fazer citações diretas a Karl Marx, como seu professor, eles observavam também a cultura como sendo um reflexo da classe social em que o artista ou o movimento artístico estavam imersos. Muitos dos principais historiadores culturais do fim do século XX [...] originalmente se definiam como historiadores sociais e admiradores de Marx, quando não marxistas propriamente. Do final da década de 1960 em diante, eles voltaram-se para a antropologia em busca de uma maneira alternativa de vincular cultura e sociedade, uma forma que não reduzisse a primeira a um reflexo da segunda ou a uma superestrutura (BURKE, 2008, p. 43)

Do ponto de vista histórico, dois foram os historiadores ingleses mais influenciados pelos pesquisadores húngaros: Edward Thompson e Eric Hobsbawm, que também analisavam a relação entre cultura e sociedade, principalmente pela observação da cultura popular baseados nas teorias de Marx e Gramsci. Burke (2008) explica a relação entre a cultura popular e a antropologia dos historiadores sociais O aumento do interesse pela cultura popular tornou a antropologia ainda mais relevante para os historiadores [...] O conceito amplo de cultura dos antropólogos era, e continua sendo, um outro atrativo, vinculando o estudo dos símbolos [...] à vida cotidiana explorada pelos historiadores sociais (BURKE, 2008, p. 43-44)

Eric Hobsbawm escreveu a História Social4 do Jazz, ao fim do século XIX, quando o jazz emergia como forma de arte, emancipação e urbanização. Mais à frente utilizaremos o livro de Hobsbawm para descrevermos o surgimento do jazz em Nova Orleans em meados de 1910.

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Publicado sob o pseudônimo Francis Newton em 1961. 13

A terceira fase, a Francesa, viria a acontecer entre as décadas de 60 e 70 e traria consigo grandes nomes na análise da cultura como caráter individual das ações humanas e não mais como instituição social. Nas palavras de Burke To define the French moment by contrast to the Anglo-Hungarian one, we may describe it as a time in which cultural categories such as nature and culture, madness and sanity rather than social institutions were regarded as the forces determining human action. Culture was no longer mere superstructure: it had become the real base of human behavior. (BURKE, 1998, p. 7-24)

Seus maiores percursores seriam François Guizot, Marc Bloch e Fernand Braudel que influenciaram nomes como Roger Chatier, Claude Lévi-Strauss e Michel Foucault. Chatier seria peça fundamental no desenvolvimento da História Cultural nos Estados Unidos por discordar do estruturalismo intelectual de Lévi-Strauss e Foucault e do estruturalismo material de Braudel. Erradicado nos Estados Unidos, Chatier serviria de ponte na imersão da escola francesa nos Estados Unidos e, consequentemente, traria notoriedade aos pesquisadores americanos na França. Apesar dos franceses utilizarem a civilização como objeto de suas análises e resistirem ao uso do termo cultura, que veio a ser visto com mais frequência nos séculos XIX e XX após a divulgação do livro de Chatier “Les origines culturelles er la Révolution Française” (1990), os historiadores americanos, assim como os ingleses, já se considerariam historiadores culturais. Isso aconteceria principalmente por causa da diáspora dos alemães, como Erwin Panofsky aos Estados Unidos, que já faziam uso do nome Geistesgeschichte, traduzido por história da cultura ou do espírito, em seus estudos. Assim, na década de 70 e 80, a grande contribuição da fase Americana surgiria: a história cultural e o relativismo cultural se convergiam em um amontoado de interpositividades. Diferentemente da escola britânica, focada nas estruturas e instituições sociais, a antropologia americana focou-se nas “culturas”, no plural, de Franz Boas5. O estilo cultural ou a antropologia “simbólica” americana dá grande ênfase na liberdade, inventividade e subjetividade humana, e fazia clara oposição aos deterministas marxistas e estruturalistas. Desde o princípio foi possível notar principalmente os estudos feitos por feministas e negros, chamados de “multiculturalismo”, em ataque aos diversos livros publicados por homens brancos nos Estados Unidos (LIND, 2004, p. 4-8). É neste momento que podemos perceber o Marxismo Cultural e a hegemonia cultural nas relações culturais dos Estados Unidos. A presença de estudos feitos por minorias em 5

Antropólogo teuto-americano. 14

contraposição ao que fora produzido pela elite intelectual que representava a classe opressora, significaria o levante dos oprimidos frente à ideologia forçada. O americanismo, o modo pelo qual os EUA divulgariam sua ideologia ao mundo, ressalta a percepção desta como transformadora de culturas e sua importância, até mesmo linguística, na dominação de uma classe ou grupo, como haviam observado Gramsci e Lukács. 1.1. História do Jazz Utilizando Burke como arcabouço teórico e historiográfico, passamos a entender mais claramente a vida cultural americana, a importância e influência da produção cultural e do contexto histórico no período e na sociedade em que estão imersos. Iremos analisar, por tanto, o jazz como produção e manifestação cultural nos Estados Unidos tendo como base os estudos de Eric Hobsbawm, Joachim Berendt e Mervyn Cooke e posteriormente, sua influência na sociedade, no contexto da Guerra Fria, como instrumento da Diplomacia Cultural. Para Paul Whiteman o “jazz veio para a América há trezentos anos acorrentado” (WHITEMAN, 1926 apud. COOKE, 2003, p. 17). Mais especificamente no século XVI até o século XIX, com a vinda dos escravos trazidos da África Ocidental, pelo intermédio de negociadores europeus, para trabalharem principalmente nas plantações de algodão e arroz ao sul dos Estados Unidos. Desde os primeiros anos, os escravos eram privados de suas tradições, fossem elas musicais ou religiosas. A exceção viria a acontecer em regiões como o Haiti e Louisiana que, por serem de colonização majoritariamente católica não estavam muito preocupados com a “salvação” dos escravos. Assim, toleravam um certo paganismo em relação ao vodu e outros cultos, onde os escravos conseguiam exercer e manter, mesmo que de forma humilde e controlada, sua cultura hereditária, como observou Hobsbawm (1961, p. 59). Desta forma, os escravos das plantações do extremo sul dos Estados Unidos foram proibidos de tocar qualquer tipo de instrumento musical que poderiam vir a serem usados como meio de comunicação entre eles. Para enfraquecer a disposição dos escravos em se rebelar e até mesmo o bem-estar entre eles, os escravos de mesmas tribos eram vendidos separadamente. Isso não impediu que os trabalhadores africanos de diferentes origens criassem uma linguagem musical comum através das work songs e field hollers6, tendo o 6

Field Hollers e Work Songs são tradições orais da música africana. Essas músicas eram cantadas pelos escravos enquanto trabalhavam nas plantações para o próprio entretenimento. Essa linguagem musical hibrida utilizava-se 15

padrão mais característico de “canto e resposta” visto até hoje nas congregações de gospel americanas e no blues. Em 1808, quando a importação de escravos foi legalmente proibida, existia-se ainda a escravidão doméstica nos estados do sul dos Estados Unidos. Foi apenas em 1861 que a administração de Abraham Lincoln forçou a definitiva abolição da escravidão nos Estados Unidos, sendo um dos principais motivos para o estopim da Guerra Civil americana entre os estados industrializados do norte e a confederação dos estados do sul, no mesmo ano. Em 1865, a escravidão foi finalmente abolida com a trigésima emenda à constituição americana. Entretanto, o ato não acabou com o racismo, cada vez mais violento, e intensificou a segregação racial que apequenou os direitos dos negros americanos por mais de um século. Um exemplo de tais manifestações segregacionistas foi a criação do Minstrel Show7 que, apesar de ter surgido antes da abolição da escravatura, continuou sendo representado, até mesmo por negros que viriam a se tornar jazzistas, após 1861. Como fase precedente ao jazz, o Ragtime, que é uma música “predominantemente escrita e pianística” (BERENDT, 1997, p. 32), foi o reflexo da aspiração da nova geração de músicos negros nos Estados Unidos em criar um novo estilo musical clássico negro na América. O nascimento do ragtime teve como berço Sedalia, no estado de Missouri e seu fundador, o compositor Scott Joplin. Berendt ressalta a diferença fundamental entre o ragtime e o jazz “Por ser escrita, falta-lhe um componente que é decisivo no jazz: a improvisação” (ibid.). Com a popularidade do sincopado8 em 1980, os negros americanos puderem ampliar seus horizontes sociais e musicais, após a emancipação. O ragtime apareceu acompanhado do banjo, mas só se tornou famoso com as adaptações para os solos de piano, que tiveram inspiração nas músicas de salão do século XIX e também no que havia de mais importante na música europeia, como Chopin e Liszt. A essência do ragtime, como mostra Berendt (1997) já está em seu nome, uma vez que ragged

do terceiro e sétimo nível na escala, conhecida como “blue notes”. Como o uso de instrumentos foi banido para uso dos escravos, o Field Hollers e Work Songs continuou sendo uma tradição musical usando o corpo e a voz em diferentes formas (PALMER, 1982). 7 O Minstrel Show teve como fundador Thomas Dartmouth “Daddy” Rice (1808-60), e seu legado perdurou durante anos na agenda cultural dos americanos após a abolição da escravatura. Este show ficou conhecido por estereotipar os negros americanos, representados por brancos com os rostos pintados de preto em peças de dança, comédia e musicais. Uma trupe chamada “The Ethiopian Serenaders” tocou na Casa Branca em uma apresentação especial para o Presidente dos Estados Unidos, sua família e amigos (TOLL, 1974). 8 Syncopation é um termo generalizado para uma interrupção do fluxo regular do ritmo. Pode ser feito por meio da colocação de tensões rítmicas ou acentos a onde eles normalmente não ocorrem. 16

significa “tempo quebrado” (p. 32). “É no ragtime que a música africana e a europeia se encontraram pela primeira vez em pé de igualdade” (ibid). Para satisfazer seus senhores, muitos escravos aprenderam os estilos musicais europeus, assim como os instrumentos para tanto, como o violino e piano, e se tornaram proficientes na música e dança popular branca europeia. Isso, porém, não fez com que a música africana perdesse seu espaço nas manifestações artístico-culturais na Congo Square, Nova Orleans, por exemplo. Com a fusão da música negra com os componentes da música branca europeia, não demorou para que a estrutura melódica do ragtime, que antes era puramente interpretada, se tornasse base para as improvisações jazzísticas. Um dos primeiros músicos que teve a audácia de desobedecer tais estruturas físicas das composições para “lidar com o material melódico das obras de forma livre e jazzística” foi Jelly Roll Morton (BERENDT, 1997, p. 33). Ele é um dos músicos mais importantes dos primórdios da tradição jazzística de Nova Orleans. Jelly Roll Morton entrou para história como o primeiro pianista de jazz famoso a improvisar de verdade – na maioria das vezes em cima de temas próprios, construídos com base na herança dos ragtimes (ibid.).

Para Hobsbawm (1961), o jazz surge na mistura de três tradições culturais europeias: a anglo-saxã, a espanhola e a francesa. Já para Berendt (1997), o jazz tem grande influência no ragtime e no que havia de ‘melhor’ na música europeia da época, boa parte direcionada ao estilo clássico de Bach e outros compositores, principalmente alemães, já citados. Considerando a proposição de entendimento da Nova História Cultural, podemos perceber, por tanto, como a cultura e mais especificamente o jazz não possuem uma essência exata e são o resultado das mais variáveis interações culturais e sociais que tiveram e ainda tem suas práticas constantemente transformadas e adaptadas a novas circunstâncias. O jazz nunca esteve preso a tradições. Os artistas sempre se libertaram dessas amarras. Nos anos 1920 e 1930, artistas monumentais como Duke Ellington e Louis Armstrong revolucionaram a música. Nos anos 1940, tivemos Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Nos anos 1960, Miles Davis e John Coltrane. Esses artistas usaram a história do jazz para revolucionar o jazz. Mas todos inovaram e foram além do sentido tradicional. (HANCOCK, 2013)

A influência germânica, como dito anteriormente, vem majoritariamente por meio das composições para pianos na era do ragtime. Já a anglo-saxã pode ser percebida, principalmente, por meio da utilização da língua inglesa nas canções, sejam elas gospel, work

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songs ou o blues. Os espanhóis, como pontuou Jelly-Roll Morton, se introduziram na música afro-americana com os ritmos tagana ou a habanera. Vale a pena ressaltar, da maneira mais clara possível, que nenhum desses elementos musicais precisa necessariamente estar ligado à raça, no sentido biológico do termo. Não existe prova de que o senso rítmico do negro seja “inato”: é adquirido, como tudo o mais... Isso não faz do jazz uma “música africana”. Basta ouvir qualquer tipo de música africana ocidental para notar a diferença. (HOBSBAWM, 1989, p. 60).

Aqui devemos destacar a influência francesa na música africana nos Estados Unidos que surge, na verdade, antes de 1900 com os cultos religiosos africanos permitidos em locais sob domínio de colonizadores franceses e cristãos. Nas áreas onde a religião predominante era o protestantismo, os cultos tiveram de permanecer underground ou receberam influências europeias muito maiores. A tradição musical francesa foi completamente absorvida pela nova classe de escravos libertos que crescia em New Orleans, antes da abolição da escravatura, que eram normalmente ex-amantes de colonizadores franceses e seus descendentes, chamados de gens de couleur ou créoles. Em 1880 com o aumento da segregação, os créoles levaram o estilo musical francês para os negros de classes inferiores, já que perderam sua posição privilegiada na sociedade. A diferença entre um créole e um escravo africano norte-americano vai além de um status, pois os créoles possuíam um elo social muito maior com os senhores de escravos francohispânicos do que os escravos africanos americanos com os colonizadores anglo-saxões. Berendt (1997) explica a diferença entre os créoles e os escravos afro-americanos Os negros norte-americanos constituíam o proletariado sem poses e desvalido de Nova Orleans. E os negros crioulos, conscientes de si como classe, casta e grupo social, olhavam naquela época para os negros norte-americanos de forma mais preconceituosa do que os brancos (Berendt, 1997, p. 35).

Aqui vale-se fazer um recorte político e histórico, mais especificamente no período de 1890 na região de Nova Orleans. Na virada do século, como Berendt (1997) observa, Nova Orleans era o local de intersecção entre diversos povos e culturas. Antes de ser vendida para os Estados Unidos da América como parte do território de Louisiana, a cidade de Nova Orleans viveu sob domínio francês e espanhol, além de abrigarem também ingleses, italianos, alemães, eslavos e inúmeros negros da África para a mão-de-obra escrava. Já não bastasse a diferença entre as cultuas europeias, como espanhóis e ingleses, os escravos também chegavam em Nova Orleans de diversos pontos da África, majoritariamente 18

da parte ocidental e, para gosto particular dos franceses, da região do Daomé. Berendt (1997) explica a dinâmica sócio-cultural de Nova Orleans Em Nova Orleans, ouvia-se, pois, canções inglesas e danças espanholas, música popular e de balé francês, marchas de bandas militares tipicamente prussianas, hinos e corais de puritanos, católicos, batistas e metodistas, e, misturado a tudo isso os shouts – o canto lamentoso dos negros, com suas danças e ritmos (BERENDT, 1997, p. 34)

A influência francesa não fica apenas na esfera de sua tradição musical, mas também social e religiosa, como observa Hobsbawm (1989). As técnicas instrumentais e a própria utilização dos instrumentos de sopro no jazz, especialidade das bandas militares influenciados pelo militarismo francês, assim como seu repertório, as valsas e as quadrilhas, são indiscutivelmente de gênero francês. “Como também são o dialeto e os nomes de muitos dos primeiros músicos (créoles) de New Orleans, Bechtet, Dominique, St. Cyr, Bigard, Picou, Piron e tantos outros” (p. 62). A profusão do mardi gras, desfiles, festas públicas e funerais9 foi onde o jazz de Nova Orleans cresceu e que só foi possível pela influência da tradição religiosa francesa, mais especificamente, católico-mediterrânea. Apesar das notórias contribuições dos franceses para o nascimento do jazz, outros componentes fundamentais para a criação e crescimento do estilo musical de Nova Orleans eram de origem anglo-saxã, como a língua inglesa, a religião e a música dos colonizadores, como mostra Hobsbawm (1989) A língua inglesa forneceu as palavras para o discurso negro e para as canções, e dentro dela os negros norte-americanos criaram, com a linguagem jazzística, o mais apurado ramo de poesia popular inglesa desde as baladas escocesas: as canções de trabalho, a música gospel e o blues secular. A música secular dos colonizadores... contribuiu com uma grande quantidade de canções, muitas das quais foram assimiladas e modificadas pelos menestréis itinerantes negros, para o repertório do jazz [...].Depois de 1800, a religião – e especialmente o “grande despertar”10, que ganhou a adesão de todos os pobres do Sul e das regiões mais extremas, brancos e negros, para um sectarismo protestante democrático, frenético e igualitário – forneceu a estrutura (HOBSBAWM, 1989, p. 62)

Para Hobsbawm, é neste momento que a música negra ganhou o direito a um desenvolvimento independente. Como este fenômeno não aconteceu por imposição de nenhuma “organização ou ortodoxia vindas de cima” (ibid.), mas sim de uma expressão

“Os funerais, aqui, se referem ao translado fúnebre em que os músicos de jazz acompanhavam o enterro do falecido com uma música triste, mas faziam o caminho de volta em ritmo de festa” (Berendt, 1997, p. 35) 10 Culturalmente, o “grande despertar” fazia oposição ao Minstrel Show e a luta pela independência da região sul dos Estados Unidos como aspiração dos brancos pró-escravidão. 19 9

espontânea vinda de baixo, a influência africana não ficou submissa ou opaca frente o componente europeu e vice-versa. Depois da mistura inicial dos componentes, a música folclórica negra passou a evoluir com bastante rapidez. Não só depois desta mistura, mas também da emancipação negra, após a Guerra Civil, a evolução da música folclórica negra (o blues de antes de 1890) teve um desenvolvimento muito acelerado (HOBSBAWM, 1989, p. 66).

1.2. Guerra Fria O jazz surge então como um movimento de liberdade e espontaneidade, características fundamentais do estilo cultural americano observado por Burke, citado anteriormente. Porém, até mesmo depois do tour de jazz de Dizzy Gillespie ao Oriente Médio em 1956, subsidiado pelo Departamento de Estado e iniciando a Diplomacia do Jazz, o estilo musical ainda seria visto como uma música decadente e normalmente ligada ao uso de drogas e aos negros em uma época em que o racismo ainda era muito forte nos Estados Unidos. Para darmos continuidade ao desenvolvimento do presente trabalho, devemos analisar igualmente o contexto histórico no qual a Diplomacia do Jazz foi criada, utilizando-nos das bibliografias de George Orwell e suas obras “You and the Atomic Bomb” e “1984”, e os estudos de John Lewis Gaddis e Eric Hobsbawm. Em Outubro de 1945, George Orwell utilizou o termo Cold War em seu ensaio “You and the Atom Bomb” para exemplificar as implicações políticas e sociais de um Estado que, invencível, estaria em uma “guerra fria” constante com seus vizinhos. Neste ensaio, Orwell especula o impacto geopolítico de uma arma poderosa e cara, da qual apenas os países desenvolvidos conseguiriam produzir e subsidiar. Para ele, essa situação anteciparia o projeto, de dois ou três super-Estados dotados da arma, pela divisão do mundo por suas vontades e que colocaria fim nas guerras de grande escala prolongando uma paz que não é paz. Orwell também foi autor do célebre livro “1984”, que descrevia já em 1948, quando o livro foi finalizado, o que viria a se concretizar parcialmente nas próximas décadas: um mundo onde o totalitarismo triunfaria e a divisão do mundo pelos desejos de três superEstados. Como sabemos, o ano de 1984 chegou e, apesar do mundo não estar tomado por Estados totalitários, os ditadores dominavam boa parte dele. Igualmente, ao invés de três

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super-Estados, o mundo estava dividido e sob constante ameaça de guerra entre os dois superEstados, Estados Unidos da América e União Soviética. O termo Guerra Fria foi popularizado pelo jornalista americano, Waller Lippman em seus vários ensaios publicados em 1947, em resposta ao Longo Telegrama do diplomata americano George F. Kennan, do qual trataremos mais à frente. Por tanto, através das análises de Orwell podemos entender que a lógica da Guerra Fria girava em torno da eminente ameaça do uso da bomba atômica por uma das duas superpotências da qual desencadearia uma guerra nuclear. Igualmente, a divisão do mundo seria feita a partir das ideologias - capitalismo e comunismo - que determinariam as relações entre os Estados na esfera internacional e ditaria parte das políticas em nível nacional. Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atómicas até o fim da União Soviética não formam um período homogéneo único na história do mundo [...] Apesar disso, a história desse período foi reunida sob um padrão único pela situação internacional peculiar que o dominou até a queda da URSS: o constante confronto das duas superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial na chamada "Guerra Fria". (HOBSBAWM, 1995, p. 222)

Para sairmos da esfera estritamente geopolítica e militar e levarmos em consideração a análise comportamental e ideológica que precederam e estiveram presentes no período da Guerra Fria, do qual durou desde o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 até a implosão da União Soviética em 1991, utilizaremos o livro “The New History of Cold War” (2005) de Gaddis e o livro “A Era dos Extremos” (1995) de Hobsbawm como bibliografia na presente análise. Os autores analisam as ideias e ideologias que moldaram o conflito para conseguir entende-lo de forma mais abrangente, além de pertencerem a escolas diferentes, uma vez que Gaddis é liberal e Hobsbawm, marxista. Por tanto, veremos a seguir um amplo debate sobre os mais variáveis aspectos da Guerra Fria e como ele determinou as políticas americanas e soviéticas neste período. Em primeiro lugar, Gaddis observa que, ao contrário do que se esperavam os historiadores e teóricos de relações internacionais quando a Guerra Fria começou, os governos democráticos agiriam de forma mais realista que os governos autoritários11. Para Gaddis, a forma como a Guerra Fria acabou mostra claramente que a União Soviética deu importância muito maior a ilusões do que a políticas efetivamente. 11

Por realismo estamos considerando a habilidade de alinhar a ação de um com os interesses de outro. 21

We now know what some of these illusions were. Stalin, for example, believed to his dying day that the capitalist states would never join together to contain Soviet expansionism. Why? Because Lenin had taught that capitalists were too greedy ever to cooperate with one another: this idea left the Soviet leader ill-equipped to deal such initiatives as the Marshall Plan, NATO, and the reintegration of Germany and Japan into an American run system of alliances (GADDIS, 1998, p. 1)

Para Gaddis, essa é claramente uma visão ‘romântica’ do mundo, onde o líder de um sistema autoritário não poderia contar com opiniões opositoras às suas ilusões. O autor ainda ressalta que os líderes democráticos não são mais inteligentes, mas possuem mais meios pelos quais conseguem reaver as ilusões criadas ou depor presidentes que persistissem nelas. Hobsbawm, apesar de perceber que a retórica apocalíptica da época era mais forte do lado americano e, consequentemente, sua lógica realista parecesse mais presente, ele coloca, em contraponto às ilusões soviéticas apresentadas por Gaddis, que a União Soviética tinha, dentro das limitações do período, uma clara compreensão econômica e política da época. Em primeiro lugar, a Guerra Fria baseava-se numa crença ocidental, retrospectivamente absurda, mas bastante natural após a Segunda Guerra Mundial, de que a Era da Catástrofe não chegara de modo algum ao fim; de que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava de modo algum assegurado (HOBSBAWM, 1995, p. 227)

Hobsbawm mostra que a guerra proporcionava abrigos, principalmente econômicos, para dezenas de milhares de pessoas, tanto na União Soviética como nos Estados Unidos. Ainda mais, mostrara que já em 1953, a União Soviética não se iludira tampouco deixou de exercer suas políticas. A URSS sabia (ou melhor, percebera), já em 1953, quando não houve reação aos tanques soviéticos que restabeleceram o controle diante de uma séria revolta operária na Alemanha Oriental, que os apelos americanos para "fazer retroceder" o comunismo não passavam de histrionismo radiofónico. Daí em diante, como confirmou a revolução húngara de 1956, o Ocidente se manteria fora da região de domínio soviético. (HOBSBAWM, 1995, p. 224)

Tradicionalmente, a Guerra Fria era vista como uma disputa entre duas grandes potências, calculando seu poder em termos materiais, principalmente na esfera militar. Gaddis tem a percepção de que a União Soviética entrou em colapso, mas sua capacidade militar, por outro lado, se mantivera praticamente intacta, o que retira a assertividade da análise estritamente material e realista da época. Despite the fact that both the United States and the Soviet Union were strongly ideological states, neither historians nor theorists of international relations tended to give sufficient attention to the comparative content of these ideologies, or to the extent to which they elicited support from the people who had to live with them (GADDIS, 1998, p. 2) 22

Para Gaddis, o fim da Segunda Guerra Mundial foi conquistado pela coalização de países - dentre eles Estados Unidos e União Soviética - que, apesar de lutarem lado a lado contra um inimigo comum, também estavam em guerra entre si, ideologicamente e geopoliticamente, se não no âmbito militar. “Whatever the Grand Alliance’s triumphs depended upon the pursuit of compatible objectives by incompatible systems” (GADDIS, 2005, p. 12). Em 25 de Abril de 1945 em Torgau, Alemanha, as forças armadas dos Aliados se encontravam pela primeira vez, vindas de lados opostos do globo terrestre, cortando a Alemanha nazista em duas. Cinco dias depois, Adolf Hitler se suicidou em Berlin (ou o que sobrou dela). Uma semana depois, os alemães se renderam incondicionalmente. Os líderes vitoriosos, Franklin D. Roosvelt, Wiston Churchill e Josef Stalin apertaram as mãos e desejavam um futuro mais pacífico, em uma época que outras duas guerras aconteciam, em Teerã e em Yalta. Gaddis questiona-se, então, por que os comandantes insistiram em realizar duas cerimônias, após a redenção alemã, separadas, uma para o front ocidental que viria a acontecer em Reims, na França no dia 7 de maio e outra, do front oriental, em Berlin no dia 08 de maio? Por que as autoridades soviéticas tentavam reprimir qualquer demonstração próAmérica que acontecera em Moscou após a notícia da redenção alemã? Por que as autoridades norte-americanas, por outro lado, suspenderam as embarcações de ajuda à URSS e depois voltaram atrás? A resposta está na análise das semelhanças históricas e nas diferenças ideológicas de cada país. Para o autor, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética nasceram de revoluções e ambos carregavam ideologias de aspirações globais, ou seja, seguiam a lógica de que o que funcionava em território nacional, deveria funcionar para o resto do mundo também. Gaddis mostra que a Revolução Americana, diferentemente da Revolução Bolchevique na Rússia, foi um reflexo da desconfiança nacional em relação as autoridades com poderes concentrados. Constrangendo estes poderes, como insistia o “Founding Fathers”12, por meio da liberdade e justiça, junto a criação de uma Constituição simples e a disposição de uma grande fonte de recursos naturais em um território geopoliticamente

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Sendo eles a Declaração da Independência, a Constituição, os Papéis Federalistas e a Declaração dos Direitos. 23

isolado, os Estados Unidos se tornaria uma potência global, como ficou claro na Segunda Guerra Mundial. Em contrapartida, a Revolução Bolchevique, no entendimento de Gaddis, tinha como objetivo a formação de um poder concentrado, que constrangeria a dominação pelas classes opressoras e consolidaria uma base para que a revolução proletária pudesse emergir. Com a subida de Stalin ao poder na Rússia em 1917 e junto a ele o marxismo-stalinismo, ficou claro na Segunda Guerra Mundial, que a União Soviética se tornara a sociedade mais autoritária do mundo. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os objetivos de Stalin e Roosvelt se cruzariam em pontos comuns, apesar de suas diferenças. Para Stalin, os objetivos girariam em tono de sua segurança, da segurança de seu regime, seu território e sua ideologia, precisamente nesta ordem. Para Roosvelt, a sua segurança e a influência global eram os pontos principais a serem defendidos pelos Estados Unidos (GADDIS, p. 15-18). Assim, conquistar esferas de influência pelo mundo pareceu, aos dois países, o meio pelo qual conquistariam suas aspirações globais e nacionais. Hobsbawm, por outro lado, mostra que apesar da Rússia soviética querer espalhar sua influência de todas as formas possíveis, a revolução mundial não faria mais parte de suas ambições na época da Guerra Fria e tão menos possuiria condições internas para que pudesse encorajar um retorno de suas tradições revolucionárias. Pois hoje é evidente, e era razoavelmente provável mesmo em 1945-7, que a URSS não era expansionista — e menos ainda agressiva nem contava com qualquer extensão maior do avanço comunista além do que se supõe houvesse sido combinado nas conferências de cúpula de 1943-5 (HOBSBAWM, 1995, p. 228)

Por fim, Hobsbawm não afirma como Gaddis que o conflito entre Estados Unidos e União Soviética já estivesse ocorrendo antes mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial, porém percebe que mesmo sem a questão ideológica o confronto teria muito provavelmente acontecido. A URSS, consciente da precariedade e insegurança de sua posição, via-se diante do poder mundial dos EUA, conscientes da precariedade e insegurança da Europa Central e Ocidental e do futuro incerto de grande parte da Ásia. O confronto provavelmente teria surgido mesmo sem ideologia (HOBSBAWM, 1995, p. 228)

Com esta percepção, a agenda política das administrações de Harry S. Truman (19451953), Dwight D. Eisenhower (1953-1961) e John F. Kennedy (1961-1963) giraria em torno da ameaça comunista e das políticas da União Soviética. Os meios pelos quais os Estados 24

Unidos pretendiam conter o comunismo em 1947 foram delineados pelo “Longo Telegrama” de George F. Kennan para George Marshall, Secretário de Estado americano da administração Truman. Foi a partir das impressões de Kennan que Truman determinou as principais diretrizes de sua política externa. Como resultado, Washington adotou a “política de contenção”, formulada por Kennan, com entusiasmo, pois acreditavam que a Rússia não estivesse “em cruzada pelo comunismo” (HOBSBAWM, 1995, p. 228) “The main element of any United States policy toward the Soviet Union,” Kennan wrote, “must be that of a long-term, patient but firm and vigilant containment of Russian expansive tendencies.” To that end, he called for countering “Soviet pressure against the free institutions of the Western world” through the “adroit and vigilant application of counter-force at a series of constantly shifting geographical and political points, corresponding to the shifts and maneuvers of Soviet policy.” Such a policy, Kennan predicted, would “promote tendencies which must eventually find their outlet in either the break-up or the gradual mellowing of Soviet power.” (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 1947)

Junto à política de contenção, o presidente instaurou a Doutrina Truman, após o governo britânico declarar o fim a assistência militar e econômica na luta contra a ascensão do partido comunista na Grécia, em março do mesmo ano. O Departamento de Estado americano descreve a Doutrina With the Truman Doctrine, President Harry S. Truman established that the United States would provide political, military and economic assistance to all democratic nations under threat from external or internal authoritarian forces. The Truman Doctrine effectively reoriented U.S. foreign policy, away from its usual stance of withdrawal from regional conflicts not directly involving the United States, to one of possible intervention in far away conflicts (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 1947)

Os principais palcos de atuação política foram também delimitados pela lógica bipolar da Guerra Fria, ressaltando o surgimento dos movimentos de independência dos países da América Latina, Oriente Médio e Ásia neste período, que contribuíram para que os Estados Unidos percebessem a necessidade de implementação do “american way of life” nestes países que, em muitos casos, aderiram ao Movimento dos Não-Alinhados. Von Eschen (2004) explica a percepção americana sobre os países não-alinhados na época “American policymakers repeatedly confused nationalism and communism. Rather, U.S. policymakers tended to see leaders in those regions as pawns or potential pawns of the Soviet” (p. 29). 25

Assim, os Estados Unidos pretendiam liderar o mundo “livre” e democrático através de uma integração econômica global por meio do Plano Marhsall, que levaria a modernização e o desenvolvimento aos países aliados. O Plano Marshall, por outro lado, não excluiria a possibilidade de intervenções militares ou culturais, principalmente nos países que até pouco tempo eram colônias. Von Eschen resume as intenções do Plano Marshall As European colonial regimes collapsed in the aftermath of World War II, U.S. policymakers did not seek to take over European forms of colonialism. Rather, asserting the legitimate right of the U.S. to lead the “free world”, they pursued a project of global economic integration through modernization and development. But in the face of persistent attempts on the part of formerly colonized peoples to regain control of their resources, U.S. policymakers made repeated use of military force. (VON ESCHEN, 2004, p. 27)

Lisa Davenport em seu livro Jazz Diplomacy (2009) ressalta a importância do SmithMundt Act, de 1948, em estabelecer os objetivos das missões diplomáticas públicas norteamericana, formuladas e supervisionadas pelo Gabinete de Relações Públicas do Departamento de Estado, que pretendiam combater propagandas falsas sobre os Estados Unidos, além de informar às populações destes países os reais objetivos e valores norteamericanos. In 1947, when the American containment policy began to typify American political thought, the “distinction between politics and ideas” disappeared in American cultural policy. Congress also passed the Smith-Mundt Act of 1948, calling for cultural exchange to oppose the Soviet’s Cold War activities (DAVENPORT, 2009, p. 14)

Em julho de 1947, diversos membros do Congresso entenderam que os novos desafios e responsabilidades que a Guerra Fria impunha deveriam ser acompanhados também por uma nova política externa. Para tanto, o Congresso passou o National Security Act (NSA), que viria a estabelecer o National Security Council (NSC). Em seu texto constituinte (1947), o NSC seria chefiado pelo atual presidente dos Estados Unidos em 1947, o presidente Truman, e composto por seis membros permanentes para coordenar a política de defesa nacional norteamericana. O mais influente papel do NSC na política de segurança nacional dos Estados Unidos foi o NSC-68, escrito em 7 de abril de 1950 pelo State’s Policy Planning Staff, que descreveu o design hostil do Kremlin e apontou este como a principal ameaça aos Estados Unidos. O NSC-68 também recomendou quatro cursos de ação ao então presidente Truman para conter a ameaça comunista em nível nacional e internacional. Truman decidiu por fortalecer o mundo “livre” através da consolidação política, econômica e militar norte-americana no mundo. 26

Kennan foi um dos críticos às recomendações do NSC-68 e argumentou que os Estados Unidos já haviam ultrapassado as forças armadas soviéticas e que poderiam combater o comunismo com meios alternativos aos militares. Conforme publicado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos “the Soviet Union was bent on achieving domination through force of arms, and argued that the United States could contain the Soviet Union through political and economic measures, rather than purely military ones.” (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 1950). Borstelmann (2003) propunha que a estratégia stalinista, em contrapartida, era de espalhar o que os formuladores das políticas culturais norte-americanas chamavam de “mitos” e “estereótipos” sobre os Estados Unidos, ressaltando seus dilemas raciais e do direito civil. Davenport (2009) retrata que a estratégia soviética surtiu efeito até meados de 1950-1960, quando os produtos culturais de origem negra, como o jazz e o rock’n roll, começaram a permear as culturas mundiais. Antes disso, porém, o mundo percebia os Estados Unidos como racista e símbolo do colonialismo e do materialismo, como pontuam Heald e Kaplan (1977) “through its excessive wealth, superior technology, and racial arrogance” (p. 16), além de carente culturalmente e moralmente. By the end of this historic year, numerous Soviet artists toured worldwide in the name of propagating Communist values and ideas. These activities intensified the American desire to rebut ideas of American materialism and cultural backwardness that lingered in the international arena. (DAVENPORT, 2009, p. 30)

Muito antes dos jazzistas americanos se tornarem embaixadores culturais, os Estados Unidos já haviam levado diversos tipos de artes, como cinema, balé e outros estilos musicais para os países do bloco soviético para combater a expansão política e cultural de Stalin após a II Guerra Mundial. Em 1947, por outro lado, já era possível notar a presença da radiocomunicação e do jazz na União Soviética (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 1947). É importante ressaltar que a transição entre o governo Truman para a administração Eisenhower teve uma extensa articulação com o objetivo de manter o alinhamento político entre as duas presidências. Como exemplo, em 18 de novembro de 1952 o então Presidente Truman, acompanhado por seus secretários, se encontrou com o General Eisenhower para lhe informar sobre os problemas e propostas que ainda estavam pendentes em sua administração. Para Truman era fundamental manter poucas diferenças entre a sua administração e a que estava por vir, principalmente por achar que isso ajudaria a manter o respeito e a 27

confiança dos países livres em relação aos Estados Unidos. Além do mais, ajudaria a evitar que o Kremlin utilizasse a percepção de um Estados Unidos dividido e pouco articulado para conseguir com que estes países se alinhassem à União Soviética, conforme aponta o Departamento de Estado dos Estados Unidos (1952-54) The President opened the meeting with the following statement: “1. I have invited you gentlemen to meet with me here to establish the framework for full understanding of our problems and our purposes in the interim until January 20th. “2. So far as our relations with other countries are concerned, I think it is important during this period to avoid needless differences between this Administration and its successor for several reasons. “a) It will show the world national unity in foreign policy as far as politically possible. “b) It will help to maintain respect abroad for the power and influence of the United States, and to sustain the confidence of our allies and friends in our foreign policy. “c) It will help to check the Kremlin’s efforts to divide the United States from its allies and friends, and it may help to keep the Kremlin from creating a crisis in the mistaken notion that we are divided or wavering in our purpose to preserve the unity of the free world. (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 1952-54)

Eisenhower dedicou-se a dar continuação às políticas de Truman e, como exemplo maior, coordenou um armistício com a Coréia para dar fim à guerra que havia sido uma das pendências políticas indicadas pela administração anterior. O que haveria de ser rompido em relação ao governo Truman, entretanto, era a política externa econômica fundamentada praticamente no NSC-68, além das políticas nacionais que viriam a alterar as relações raciais domésticas dos Estados Unidos.

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CAPÍTULO II - O SURGIMENTO DA DIPLOMACIA DO JAZZ Percebendo a necessidade de manter e conquistar o escopo político americano por outros meios que não apenas o militar e econômico, Eisenhower tornar-se ia o primeiro presidente dos Estados Unidos a se comprometer pessoalmente à Diplomacia Cultural. Chave da Diplomacia Pública, a Diplomacia Cultural será aqui entendida como “atividades culturais que melhor representam as ideias de uma nação” (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 3), e que conseguem elevar a segurança nacional de maneira sutil, abrangente e de forma sustentável. Para o Departamento de Estado americano, a Diplomacia Cultural é o meio pelo qual uma nação revela sua alma. Esta asserção pode servir como explicação ao modus operandi politico-cultural descontínuo dos Estados Unidos: “when our nation is at war, every tool in the diplomatic kit bag is employed, including the promotion of cultural activities. But when peace returns, culture gets shrift, because of our traditional lack of public support for the arts” (ibid.). Mas por que a Diplomacia Cultural se tornou tão relevante para a política externa americana na Guerra Fria? Edgard Telles Ribeiro, escritor e diplomata brasileiro, expõe a relevância de se estudar as relações culturais entre os Estados, que não só são responsáveis por exportar a cultura, como também por conquistar ganhos políticos e econômicos com essas transações. Pode-nos parecer óbvia a conexão entre o exercício da diplomacia e a cultura, uma vez que uma representa a outra. Porém, como analisa Hoiass, é estranho perceber a pobreza bibliográfica que trata a diplomacia como relações culturais, ou as relações culturais como objeto da diplomacia (TELLES, 2011 p. 18). Com a multiplicação de Estados soberanos nas últimas décadas, principalmente entre 1945 e 1964, período que o presente trabalho visa analisar, somado a explosão demográfica e o desenvolvimento de tecnologias, podemos perceber e concluir que as relações internacionais também se ampliaram em escalas antes inimagináveis. As relações entre os Estados viriam a se tornar cada vez mais interdependentes, conforme mostra Telles (2011) “A crescente capacidade de organização das sociedades modernas cria e alimenta uma demanda constante do intercâmbio econômico e cultural” (p. 22).

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Telles ressalta que a vida cultural internacional não se deve exclusivamente a era eletrônica, mas sim pelo “empréstimo de outras culturas, ou por troca” (ibid.) de gerações passadas. Mais uma vez evocamos Burke pelas observações de Telles, que ressalta que a influência de grandes artistas, estadistas e filósofos transcendeu as fronteiras e assim construiu a história da cultura. Como observa Jacques Rigaud, ex-chefe de gabinete do Ministério de Assuntos Culturais francês, a cultura já não é mais um privilégio das elites sociais, e atualmente representa “uma aspiração universal das massas” (RIGAUD, 1980, p. 11). Na visão de Telles, uma vez saciada esta aspiração, os costumes e hábitos de uma população são ameaçados drasticamente e podem vir a se alterar. Como citado anteriormente, os Estados se apropriaram do papel de facilitar e assegurar as trocas culturais entre países e povos, que anteriormente os homens as faziam de forma natural entre si. Ao proporcionarem este intercâmbio, os Estados tentam conferir ganhos a si mesmos ao darem uma dimensão cultural às relações diplomáticas. Telles explica Assim, quase todos os países desenvolvidos (ainda que seus objetivos declarados sejam outros) tiram enorme partido da emergência do fator cultural, que procuram entrosar às diversas vertentes de suas atuações diplomáticas, sejam elas políticas, econômicas, comerciais ou de assistência técnica. Valendo-se dessas avenidas espontaneamente abertas pelos homens, multiplicam suas interligações culturais e por meio delas, circulam ideias, impõem produtos e negociam alianças (TELLES, 2011, p. 24)

É pela percepção americana da cultura como instrumento político internacional, que transcende barreiras, projeta valores e estimula a compreensão mútua e reduz desconfianças, que os Estados Unidos desde 1960 canalizam recursos e esforços para o desenvolvimento da Diplomacia Pública. The origins of contemporary public diplomacy, and the current debate on the need for more public diplomacy, are dominated by the US experience. In the mid-1960s the term public diplomacy was allegedly coined by a former American diplomat and Dean of the Fletcher School of Law and Diplomacy, Edmund Gullion, and in the following decades its practice became most closely associated with the United States (MELISSEN, 2007 p. 6)

Como o Departamento de Estado havia apontado, estes recursos e esforços apresentam-se com mais intensidade em épocas de guerra e, antes mesmo do termo Diplomacia Pública ser cunhada por Gullion, os Estados Unidos já vinham exercendo sua Diplomacia Cultural desde a Segunda Guerra Mundial. 30

Por tanto, podemos destacar quatro mudanças na política externa cultural americana, que viriam a construir o sopé sob o qual cresceria a Diplomacia do Jazz. A primeira mudança político-cultural americana veio durante a Segunda Guerra Mundial com a criação da Divisão das Relações Culturais em 1938, que pretendia avivar os contatos culturais com a América Latina afim de evitar qualquer influência fascista na região. “The Division of Cultural Relations had been created in 1938 specifically to increase cultural contacts with Latin America and to insulate the region culturally from the rising specter of fascism—Hitler, Mussolini, and Japan” (DAVENPORT, 2009, p. 14). Duas décadas depois, as missões culturais ficariam em segundo plano para abrir espaço a propaganda explícita do “american way of life” com a criação da United States Information Agency (USIA) em 1953. A USIA foi uma agência independente, dentro da instância do governo dos Estados Unidos, que tinha como principal objetivo promover os interesses americanos através de relações públicas, conforme aponta o Departamento de Estado americano The United States Information Agency has functioned since 1953 as an independent foreign affairs agency within the executive branch of the U.S. government charged with the conduct of public diplomacy in support of U.S. foreign policy… The mission of USIA is to understand, inform, and influence foreign publics in promotion of the U.S. national interest, and to broaden the dialogue between Americans and U.S. institutions, and their counterparts abroad. (UNITED STATES INFORMATION AGENCY, 1998, p. 7)

A terceira mudança veio junto à decisão do presidente Eisenhower em realizar o “intercâmbio de pessoas” em programas cultuais, junto a livros, literatura e mídia em geral, fundamentado pelo People-to-People Program em 1956. Este programa foi inicialmente coordenado pela USIA para a realização de trocas de ideias, por meio de atividades culturais, entre a população americana e as de diversos países participantes do programa. A Biblioteca Presidencial de Eisenhower resume a natureza do programa The People-to-People Program was established by President Dwight D. Eisenhower on September 11, 1956 to enhance international understanding and friendship through educational, cultural and humanitarian activities involving the exchange of ideas and experiences directly among peoples of different countries and diverse cultures. President Eisenhower felt that creating understanding between people was essential to building the road to enduring peace and envisioned programs such as city affiliations, pen-pals, stamp exchanges, international sporting events, musical concerts, hospitality programs, theatrical tours and book drives as the means to 31

achieving that goal - a critical goal in the existing Cold War climate. (EISENHOWER PRESIDENTIAL LIBRARY)

A quarta e última mudança foi de fundamental importância para a criação da Diplomacia do Jazz, pois os shows que antes eram financiados majoritariamente pelo setor privado começaram a ser fortemente subsidiados pelo governo americano. Esta transação buscou alterar a imagem de país materialista e culturalmente carente que os Estados Unidos tinham internacionalmente em comparação aos países da Europa, que possuíam forte presença na música, principalmente clássica, e na dança, especialmente com o balé (DAVENPORT, 2009, p. 11). Davenport em seu livro Jazz Diplomacy: Promoting America In The Cold War Era (2009), ressalta ainda que outros fatores políticos da década de 50 apontaram aos Estados Unidos o uso da cultura no fortalecimento dos ganhos da realpolitik americana e no combate ao comunismo. Dentre eles destacamos as atividades culturais soviéticas; as exigências econômicas e militares da Grécia e Turquia; o Longo Telegrama e seu respectivo artigo X “Sources of Soviet Conduct” e a Conferência de Genebra. A escolha do jazz como estilo musical a ser exportado não foi aleatória. Penny Von Eschen em seu livro Satchmo Blows Up The World: Jazz Ambassadors Play the Cold War (2004) nota que a política americana da Guerra Fria, o movimento de libertação dos negros americanos e as lutas contra a segregação racial, e as mudanças na vida cultural dos Estados Unidos convergiram para produzir a dinâmica nas quais os programas de exportação cultural da administração Eisenhower iriam se basear. A Diplomacia do Jazz surge, então, de um paradoxo: os Estados Unidos promoveriam artistas negros como embaixadores e símbolos da democracia americana, enquanto em 1953 o país era ainda uma nação governada pelos ideais segregacionistas de Jim Crow. O termo Jim Crow originou-se do Minstrel Show de Thomas “Daddy” Rice, que reforçava os estereótipos racistas no sul dos Estados Unidos e, futuramente, se tornaria referência às leis e atos de discriminação, como explica Davis (2006) The term Jim Crow is believed to have originated around 1830 when a white, minstrel show performer, Thomas "Daddy" Rice, blackened his face with charcoal paste or burnt cork and danced a ridiculous jig while singing the lyrics to the song, "Jump Jim Crow." Rice created this character after seeing (while traveling in the South) a crippled, elderly black man (or some say a young black boy) dancing and singing a song ending with these chorus words: I jump Jim Crow… The word Jim Crow became a racial slur synonymous with black, colored, or Negro in the vocabulary of many whites; and by the end of the century acts of racial 32

discrimination toward blacks were often referred to as Jim Crow laws and practices. (DAVIS, 2006, p. 1)

Mesmo após a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1954, que considerava como crime a segregação racial em escolas públicas, o governo ainda teria pouca atuação na luta contra as relações domésticas racistas. A Biblioteca Presidencial do Presidente Eisenhower explicaria a decisão: “Segregation in public schools was a violation of the 14th amendment”. Nessa lógica, a administração Eisenhower seria profundamente afetada pela percepção internacional de que os problemas raciais eram o “calcanhar de Aquiles” dos Estados Unidos. Antes de ser considerado o melhor símbolo da representação americana ao mundo, como coloca Davenport (2009), o jazz era associado à raça negra e sua inferioridade, além de ser comumente associado à ideia de músicos viciados em drogas. Na União Soviética, o gênero musical seria visto como “a barulheira do Ocidente decadente” (p.16). Em 1950, por outro lado, o jazz tornou-se símbolo do dinamismo cultural e artístico da democracia americana em uma cultura que supervalorizava os brancos (HEALD; KAPLAN, 1977, p. 16). O Departamento de Estado Americano demorou a perceber que o jazz, como descreve Von Eschen (2004), era uma forma singularmente americana de arte, diferentemente da música clássica, teatro e balé que nasceram e cresceram em diversos países europeus. Essa percepção só foi possível após a convergência de fatores internos e, em maior grau, externos que influenciaram a percepção dos formadores de opinião americanos. Um dos acontecimentos mais importantes para a ascensão do jazz como elemento da política pública americana foi a Conferência de Bandung, organizada pela Índia, Paquistão, Sri Lanka, Burma e Indonésia, que contou com a participação de 29 nações, dentre elas asiáticas, latino-americanas e africanas. A Conferência de Bandung mostrava a resistência dos países emergentes em se alinhar a uma das duas superpotências da época, Estados Unidos e União Soviética, além de ressaltarem a discussão racial dos Estados Unidos. John Foster Dulles, Secretário de Estado na administração Eisenhower, assim como outros tantos oficiais americanos, banalizou o evento, presumindo que as nações participantes cairiam sob influência comunista. Assim, a África e seu possível alinhamento aos Estados Unidos ganharam importância na agenda da política externa americana, não deixando em segundo plano temas como a busca dos direitos civis dos negros, que ganhavam cada vez mais atenção domesticamente e internacionalmente. 33

Por outro lado, os Estados Unidos confundiriam os movimentos de independência da África com movimentos comunistas, conforme analisou Borstelmann (2003, p. 5), e o uso da força na contenção do suposto levante comunista no continente viria a reforçar o racismo que os EUA, na verdade, desejavam ensombrar. Como Davenport (2009) expõe “this policy undermined American attempts at political and cultural cooperation, and, not surprisingly, American cultural relations with Africa remained steeped in a political and racial condrum” (p. 35). É com esta percepção que Eisenhower e John Foster Dulles determinaram que a Guerra Fria seria vencida no nível das ideias. Tais batalhas culturais aconteceriam em nações emergentes do Oriente Médio, África e Ásia, que vinham conquistando sua independência e desprezavam qualquer tipo de colonialismo e “supremacia branca”13, como aponta Von Eschen (2004) “The new battles focused on the loyalties of those in the nations currently emerging from decades of colonialism” (p. 8). A Europa, por tanto, receberia cada vez menos importância como região-chave das disputas culturais na visão dos Estados Unidos, pois o jazz, desde a Segunda Guerra Mundial, já havia se consolidado no continente europeu. Essa aproximação ocorreu após soldados afroamericanos realizarem suas primeiras apresentações na Europa, seguidos pelos tours de Louis Armstrong, Duke Ellington e Dizzy Gillespie para a região em busca de maiores lucros e audiências do que as que encontravam nos Estados Unidos. Von Eschen (2004), destaca esta relação do jazz com o continente europeu e ressalta ainda o objetivo dos Estados Unidos em conquistarem o coração e a mente das pessoas, aqui por meio da exportação dos valores americanos. “To U.S. officials in the late 1950s, that battle for hearts and minds in Western Europe had already been won” (ibid.). Em 1955, após vinte e três anos de sua primeira viagem à Europa, Louis Armstrong estava novamente tocando seu trompete pela região. Em novembro do mesmo ano, três semanas antes da aprovação do primeiro tour de jazz subsidiado pelo governo americano, o correspondente do New York Times em Estocolmo, Felix Blair, percebeu que a arma secreta americana se chamava Louis “Satchmo” Armstrong, e intitulou seu artigo na capa da revista como “United States Has Secret Sonic Weapon, Jazz”.

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Termos regularmente vinculados aos Estados Unidos. 34

No artigo, Belair questionava o motivo pelo qual o governo americano despendia tanto dinheiro com propagandas, ao invés de promover shows de jazz mundo afora. Why the United States Government, with all the money it spends for so-called propaganda to promote democracy, does not use more of it to subsidize the continental travels of jazz bands […] American jazz has now become a universal language (BELAIR, 1995)

Outro fator que colaborou com a promoção do estilo musical americano no mundo foi a apresentação de jazz da Czech Karel Vlach Dance Band em 1955 em Budapeste, Hungria, vista por doze mil pessoas e pelo vice-cônsul Ernest A. Nagy. Nagy percebeu a influência americana no repertório e até mesmo nas vestimentas da orquestra, e caracterizou a reação dos tchecos como memorável. Foi com esta percepção que o vice-cônsul pediu ao Departamento de Estado americano que usasse o jazz para promover as iniciativas culturais americanas, de acordo com Davenport this American product, one of America’s outstanding contributions to the art forms of the world and perhaps our most popular export, remains singularly unexploited […] I am sure that a performance in Budapest by Norman Granz’s Jazz at the Philharmonic troupe or by either Les Brown, Woody Herman, or especially the Stan Kenton orchestra would be worth more from a propaganda and public relations standpoint than six weeks of VOA [Voice of America] broadcasting or high level conferences (DAVENPORT, 2009, p. 45)

Apesar de Nagy subestima-lo, o Voice of America (VOA), programa de radiofusão feita por Leonard Feather e Willis Conover, teve grande influência no combate ao comunismo, assim como na exportação do jazz. O VOA nasceu no período da Segunda Guerra Mundial com o intuito de transmitir notícias, músicas e propaganda política aos países da Europa e norte da África, que estavam sob domínio nazista. Apenas em 1947, iniciaram-se as transmissões para a União Soviética. A transmissão do Music USA, show de jazz orquestrado por Conover, começou em 1955 e é considerado um dos veículos de fundamental importância na divulgação do jazz para o mundo e, consequentemente, tornou-se parte do aparato político americano na Guerra Fria. Em 1966, quando Conover morreu, o obituário do New York Times o descreveu como o americano mais amado e conhecido no mundo e que Conover teve um grande papel no colapso do comunismo (VON ESCHEN, 2004, p. 13). Em 1955 o programa alcançou 30 milhões de ouvintes em oito países e esse número triplicaria em uma década. Praticamente uma década depois do VOA ser transmitido na União Sovíetica, o programa Music USA tocaria nas radios do bloco comunista, como Davenport (2009) aponta 35

“Willis Conover launched his jazz and popular music show, Music USA, for the Voice of America in the Soviet Union in 1955, while Radio Moscow began to play jazz tunes and rhythm and blues in its broadcasts.” (p. 33) Em 1962, fitas das transmissões de jazz do VOA custavam até US$44 no mercado negro de Moscou. O jornal egípcio Al Zaa declarou que “Conover’s daily program has won the United States more friends than any other daily activity.” (AL ZAA apud. Von Eschen, 2004, p. 14). A transmissão do VOA durante uma hora em sete dias da semana fez com que os Estados Unidos exportassem sua commodity mais valiosa: o jazz, segundo a revista Time (TIME apud. VON ESCHEN, 2004, p. 14). Burt Korall, escritor especialista em bateristas do jazz, escreveu na Billboard “the Voice of America, Radio Free Europe, and the Armed Forces Radio Network have exposed much of Europe, Asia, and Africa to the Sounds of Jazz. . . Jazz has succeeded where American diplomats have floundered” (KORALL, 1957). Em 1954, o presidente Eisenhower solicitou ao representante dos Estados Unidos na ONU, Henry Cabot Lodge, sugestões para exibições da cultura americana ao mundo. A resposta, apesar de generalizada, indicou no campo das artes e científicos os bens que deveriam ser exportados, como pinturas, pianistas e tecnologia. Lodge não deixou de citar o jazz como um dos elementos culturais que poderiam ser internacionalizados e ressaltou que realizar este tipo de ação era vital e deveria ser feito com pressa “I would even avoid jazz music, acrobats, and the Fred Waring type of thing...” (LODGE, 1954) Em 1955, o ex-diretor da USIA, Nicholas Cull, expressou de maneira concisa o que os Estados Unidos estavam almejando alcançar the basic objectives [. . .] are to improve the understanding in foreign countries of United States cultural achievements, thereby to refute Communist propaganda, and to demonstrate to the people of the world that the United States is genuinely interested in the cultural achievement of its own and of other peoples [. . .] [We must] strengthen the climate of world opinion, and [the] understanding and appreciation of art and culture in the United States. (CULL, 2009, p. 1-21)

Assim, no mesmo ano, o presidente Eisenhower solicitou ao Senado US$5.000.000,00 para mostrar ao mundo que os Estados Unidos também eram capazes de exportar artistas de diversas modalidades. O programa pelo qual os EUA exportariam a arte, o cinema, o esporte, a ciência e a música se chamaria Cultural Presentantions Program (CPP) ou President’s Special International Program for Cultural Presentations, futuramente conhecidos como os 36

tours do Departamento de Estado. O CPP respondia diretamente às ordens do Bureau of International Educational and Cultural Affairs of The Department of State (CU). Apesar dos Estados Unidos serem considerados pioneiros da Diplomacia Pública, foi a União Soviética que expandiu os intercâmbios culturais pelo mundo durante o início da Guerra Fria, como aponta Monson (2010) “The department had been following the success of touring Soviet cultural groups at festivals and fairs in various regions of the world, especially in generating support among the young” (p. 111). Em 1956, após o PL-80614, o President’s Emergency Fund for Participation in International Affairs receberia sanção legal para tornar-se fundo permanente no financiamento de programas culturais. Em agosto de 1954, como retrata Monson “Eisenhower asked Congress to approve a President’s Emergency Fund for the prupose of establishing a cultural Exchange program capable of demonstrating the superiority of the cultural values of free enterprise” (2010, p. 112). O PL-806 ainda criaria o Advisory Committee on the Arts, que seria responsável por escolher a programação e os artistas a serem exportados, além de treinálos para cada tour. Inicialmente, com a aprovação orçamentária, Eisenhower destacou o financiamento de quarto anos do tour de Porgy and Bees à União Soviética e outros países da Europa, estrelando William Warfield como Porgy e a cantora de ópera, Leontyne Price como Bess. Conforme documento do Departamento de Estado americano In the cultural and artistic fields as well we need greater resources to assist and encourage private musical, dramatic and other cultural groups to go forth and demonstrate that America too can lay claim to high cultural and artistic accomplishments. The enthusiasm with which this type of cultural offering is received abroad is demonstrated by the fabulous success of Porgy and Bess, playing to capacity houses in an extended tour of the free countries of Europe. The contribution which such presentations make toward a better understanding of America can scarcely be exaggerated. I consider it essential that we take immediate and vigorous action to demonstrate the superiority of the products and cultural values of our system of free enterprise. (DEPARTMENT OF STATE, 1954).

A USIA teve fundamental importância neste processo, pois fazia ponte entre os programas culturais e os mais diversos meios de comunicação como a imprensa, cartazes, panfletos, fotos, filmes e cinejornais. Além da participação da USIA, outro ator relevante na estrutura dos programas culturais americanos foi o American National Theater Academy

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International Cultural Exchange and Trade Fair Participation Act. 37

(ANTA) que recomendava artistas qualificados ao Departamento de Estado e foi posteriormente designada pelo CU para administrar o CPP The Bureau of Educational and Cultural Affairs (CU) designated the American National Theatre and Academy (ANTA) as its professional agent for administering the program. A privately supported membership organization chartered by Congress in 1935, ANTA had already been assisting the State Department in international exchange, most recently for the Berlim festivals held in 1951, 1952 and 1953. The International Exchange Service (IES) of ANTA, headed Robert Dowling, set up advisory panels in music, dance, and drama and charged them with evaluating and selecting performing groups for the International Exchange Program (IEP), also known as the Cultural Presentations Program. (MONSON, 2010, p. 111-112)

Em 1954 e 1955 o CPP autorizou outros tours à União Soviética, dentre eles o Jubilee Singers, a Philadelphia Orchestra, o The American Ballet Theater, o organista E.Power Biggs, The New York Philarmonic, o grupo de dança Jose Limón, o barítono William Warfield e a já citada produção de Porgy and Bees. Porém, com a invasão soviética na Hungria em 1956, a suposta paz alcançada entre as duas superpotências na Conferência de Genebra alterou-se para uma relação tensa. Khrushchov explicitava que a invasão era necessária para manter a União Soviética unida (KHRUSCHEV; TALBOTT, 1970) e, por outro lado, Eisenhower declarou que a invasão teve um impacto “chocante” e solicitou, em nome da humanidade, que a União Soviética se retirasse da Hungria (MAYER, 2009, p. 862). Apesar das tensões entre as duas superpotências, Robert Dowling, presidente da ANTA viajou à Checoslováquia e à União Soviética para negociar um tour de comédia musical americana, que resultou na aprovação dos intercâmbios culturais por parte de Khrushchov declarando que “the Soviet and American people got on well together” (THOMPSON apud. DAVENPORT, 2009, p. 32). Apesar de muitos oficiais soviéticos considerarem o jazz como “the bedlam from the decadent West” (DAVENPORT, 2009, p.16), o jazz começou a ganhar ainda mais notoriedade na metade da década de 50. Maxim Gorky, um renomado escritor soviético, descreveu o jazz como a música do proletário e oprimido que não se silenciou frente ao capitalista opressor. Sities (1992) observa que a aspiração da população pelo jazz na União Soviética pressionou Khurshchov a cooperar com a propagação do estilo “Jazz’s appeal in the Soviet Union became so undeniable that Khrushchev attempted to co-opt the music from 1956 to 1962” (SITIES, 1992, 118-119).

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Como a exportação de cultura e ideologia não eram apenas uma preocupação americana, e com a ascensão do jazz na União Soviética, Stalin fez uma ofensiva cultural na Ásia, que ocasionou na própria República Popular da China a dar ênfase em suas relações culturais no fim da década de 50. Os Estados Unidos determinariam, por tanto, que a Ásia deveria ser também prioridade em sua agenda cultural, assim como perceberiam uma expansão da cultura chinesa no Ocidente, mais especificamente na América Latina, como mostra Davenport Consequently, the United States sought to prevent the Peking Opera from performing in Santiago, Chile, and in other parts of South America […] In this way, the United States “successfully frustrated Chinese Communist efforts” to expand culturally (DAVENPORT, 2009, p. 34)

Enquanto as disputas e os intercâmbios culturais na Ásia e no mundo se intensificavam, a situação doméstica nos Estados Unidos se complicava cada vez mais em relação às suas questões raciais e, consequentemente, seu debate no cenário internacional. Von Eschen (2004, p. 3) destaca o movimento Montgomery Bus Boycott, que aconteceu após a prisão de Rosa Parks que havia se negado a mudar de lugar no ônibus para que os brancos sentassem separados dos negros. O movimento começou em dezembro de 1955 liderado pelo jovem Martin Luther King. Davenport (2009, p. 34) relata também que no mesmo ano um garoto negro de 14 anos foi assassinado sob acusação de flertar com uma mulher branca. A indignação atingiu jazzistas famosos, como Miles Davis. “Musicians like trumpeter Miles Davis recalled the horror of the incident when he remarked that it “shocked everyone in New York” (DAVIS; TROUPE, 1989, p. 194) Ao mesmo tempo em que ativistas negros lutavam pela igualdade de direitos e o fim da segregação racial nas ruas, uma figura de fundamental importância fazia o mesmo papel no Congresso dos Estados Unidos. Adam Clayton Powell Jr. foi membro da House of Representatives e co-fundador do National Negro Congress, além de ocupar outros cargos políticos e da imprensa15. Powell era também um amante da música e mais especificamente do jazz, sendo uma de suas três esposas, Hazel Scott, uma das mais notórias pianistas de jazz dos Estados Unidos.

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Para ler mais sobre a carreira acadêmica e profissional de Powell ler HAMILTON, Charles V. Adam Clayton Powell, Jr.: The Political Biography of An American Dilemma. Nova Iorque: Antheneum, 1991. 39

Quando sua esposa Hazel Scott foi proibida de tocar no Constitution Hall pela organização Daughters of the American Revolution (DAR), Powell buscou a primeira dama Bess Truman para intervir no caso em favor de Hazel, como havia feito a primeira dama Roosvelt com a cantora americana negra Marian Anderson16. Bess Truman, entretanto, se recusou a interceder e Powell a chamou de “last lady of the land” que culminou no exílio de Powell do Congresso durante o mandato Truman. Powell sempre chamou a atenção para a emergência dos países africanos e asiáticos e, apesar dos oficiais americanos tentarem dissuadi-lo, ele participou da Conferência de Bandung como representante dos Estados Unidos. Após seu retornou, Powell solicitou ao presidente Eisenhower que se mantivesse firme contra o colonialismo e desse mais atenção ao Terceiro Mundo, uma vez que entre o fim da II Guerra Mundial e 1960, quarenta países se revoltaram contra o colonialismo e conseguiram sua independência. Ainda mais, Powell fez diversos discursos no Congresso para celebrar o aniversário de independência de países como Gana, Indonésia e Serra Leoa. Para Von Eschen, Powell foi o mediador entre o mundo do jazz e o governo americano. Foi ele quem entrou em contato com seu amigo e amigo de sua esposa: Dizzy Gillespie, em 1956. Solicitando que após seu show em Washington D.C. o jazzista viesse ao Congresso vê-lo. Gillespie se encontrou com Powell que lhe disse que faria uma proposta ao presidente Eisenhower para leva-lo à um tour internacional subsidiado pelo Estado americano. “I’m going to propose to President Eisenhower that He send this man, who’s a great contributor to our music, on a State Department sponsored cultural mission to Africa, the Near East, Middle East, and Asia” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 436). Na conjuntura histórica e cultural do período, Powell percebeu que seria inútil competir com Bolshoi, e que a União Soviética não poderia competir com algo que ele entendia ser a “real Americana”: o jazz. Além disso, Powell ainda percebeu que a maior parte das big bands de jazz tinham componentes brancos e negros, o que amenizaria a imagem de segregação racial dos Estados Unidos (VON ESCHEN, 2004, p. 6). Após apresentar sua ideia de levar Dizzy Gillespie em um tour internacional, o Music Advisory Panel chamou Marshall Stearns, presidente do Instituto de Estudos de Jazz na Hunter College, para ser um membro do Painel e solicitou que ele começasse as negociações com os jazzistas. Em Dezembro de 1955, Stearns oficialmente integrou o painel como 16

Que futuramente faria um tour pela Ásia bancado pelos Estados Unidos em 1957. 40

consultor especial de projetos de jazz e nomeou as bandas de Louis Armstrong, Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Count Basie e Stan Kenton como os cinco melhores grupos de jazz para serem exportados. (MONSON, 2010, p. 113) Monson apresenta dois aspectos cruciais que balizaria o tour de Dizzy Gillespie um ano depois de Stearns integrar o Music Advisory Panel. Em primeiro lugar, antes de escolherem um músico para o tour, o Painel delimitou que a banda deveria ser formada por músicos negros e brancos, como havia percebido Powell anteriormente. Em segundo lugar, apesar de terem cogitado Louis Armstrong e Duke Ellington como primeiros embaixadores do jazz, Dizzy Gillespie ganhou sua vez pelo seu estilo cômico e sua música interessante, conforme relata Monson After one panel member inquired whether “these Negro bands have white players too” (they did), the panel decided that the jazz projects ideally should be “mixed color groups”. The panel’s first choice for the inaugural State Department jazz tour was Louis Armstrong, but panel members felt that he was too expensive, and, besides, he was busy with a movie project (Murrow’s Saga of Satchmo). Duke Ellington was the second choice, but “unfortunately he refuses to fly” (as did Count Basie). Dizzy Gillespie was next in line, earning double-edged praise from the panel that ultimately reveals the vortex of contradiction and ambivalence into which the International Exchange Program pulled jazz: “Gillespie is an intelligent comedian, cultivated, with noveltry acts, and his musical material is interesting…” (MONSON, 2010, p. 13)

Quando o State Department’s Bureau of Educational and Cultural Affairs (CU) aceitou a orquestra de Dizzy Gillespie como a primeira banda americana de jazz a representar os Estados Unidos em um tour ao Oriente Médio, evocaram-se manifestações ardentes da população e no Congresso americano. O CU reportou que o governo havia aprovado US$92.000,00 para o tour de dez semanas e as críticas foram diversas, apesar de convergirem muitas vezes em termos racistas, como prova Davenport One individual implored the State Department to “justify . . . wasting” money on Dizzy Gillespie, whom he called a “colored ‘hoat’ trumpeter.” Another observer disliked the fact that Gillespie’s band received $2,150 per week for his tour—more than the president’s salary. Still, another citizen adamantly demanded “to know the name of the weakminded individual or individuals responsible for this criminal waste of the taxpayer money…” (DAVENPORT, 2009, p. 46)

Salvo à insatisfação de alguns americanos, o tour de Gillespie foi aprovado após passar pelo International Cultural Exchange Service e pelo Intern-Agency Committee em 15 de dezembro de 1955. O tour seria supervisionado pela American National Theatre and Academy (ANTA) e os meios pelos quais Gillespie fora escolhido, como primeiro embaixador cultural de jazz, ainda são obscuros (VON ESCHEN, 2004, p. 7). 41

Além dos critérios de seleção, os objetivos e ações que envolviam os tours também haveriam de ser desconhecidos por décadas, uma vez que apenas após o fim da Guerra Fria alguns documentos oficiais foram divulgados, apesar de poucos deles exporem as ações da CIA Neither musicians nor the State Department personnel directly involved in the tours were aware of the broader objectives or actions surrounding the tours…The romance of Cold War adventurism depended on the illusion that the “war” was “cold,” with just enough spy intrigue for excitement, but ultimately effective at containing hostilities that would claim a great many human lives (VON ESCHEN, 2004, p. 30).

Assim, após receber a proposta de Powell e ser nomeado o primeiro embaixador do jazz, Gillespie em seu livro Be or not to Bop (2009) escreveu I was schoked. This was the first time I’d ever heard of it. He made the recommendation, they hired me, and I was the first one. After that, a lot of the bands went. Benny Goodman… Duke Ellingyon…Earl Hines went to Russia. Several bands went to Africa. It was all “mixed” to show the “democratic” spirit. (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 436)

O tour de Gillespie seria delimitado por duas concepções-chave da administração Eisenhower. Em primeiro lugar, os locais desses shows deveriam seguir a lógica do “perímetro de defesa”, que percebia os países do norte do Oriente Médio como atores fundamentais na defesa contra a União Soviética. Com esta lógica, os Estados Unidos conquistaram aliados, uma vez que em 1955 o Pacto de Bagdá17 foi assinado pela Turquia, Iraque e Reino Unido e mais tardiamente Paquistão e Irã (LITTLE, 2002, p. 128-129). Em segundo lugar, os shows só poderiam acontecer em países dos quais os Estados Unidos mantinham algum tratado ou base militar, como retratou Gillepie Our tour was limited to countries which had treaties with the United States or where you had U.S. military bases: Persia, Lebanon, Syria, Pakistan, Turkey and Greece. We didn’t go to any of the countries the U.S. didn’t have some sort of “security” agreement with (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 441)

O Oriente Médio tornara-se uma preocupação cada vez maior para o presidente Eisenhower e o Secretário de Estado Dulles antes mesmo da Crise de Suez estourar em 1956. Isso porque as políticas de não-alinhamento do presidente Nasser e Nehru causavam a suspeita de que o Egito e a Índia, respectivamente, estavam caindo sob a influência socialista (IMMERMAN, 1990, p. 134-135) 17

Conhecido também como Central Treaty Organization (CENTO), o Pacto de Bagdá foi inspirado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e tinha como objetivo formar uma aliança de defesa dos aliados, fortalecendo a cooperação e proteção mútua, bem como a não intervenção em assuntos de cunho nacional. 42

Assim, tanto Eisenhower quanto Dulles presenciavam um dilema em sua diplomacia: Ao mesmo tempo em que consideravam a neutralidade nos países emergentes como imoral (BORSTELMANN, 2003, p. 113) e, consequentemente, uma ameaça aos objetivos americanos, por outro lado buscavam distanciar a imagem dos Estados Unidos do colonialismo britânico ou francês, como coloca Immerman But if Eisenhower and Dulles could wield their diplomatic muscle to attack neutralist positions in the more vulnerable emerging states, such sentiments were held in check by they did not want to be associated with British or French colonialism in the region (IMMERMAN, 1990, p. 113)

Para tanto, era necessário evitar o uso de quaisquer instrumentos coercitivos com o objetivo de tornar as ex-colônias aliadas americanas.

Assim, tanto a administração

Eisenhower quanto a de John F. Kennedy buscavam continuamente meios para que os países muçulmanos do Oriente Médio cooperassem e participassem, pelas mais variáveis formas, da campanha de Washington no combate ao comunismo e influência soviética. O ano de 1958 foi um divisor de águas em relação a abordagem americana frente aos países do Oriente Médio. As relações entre os Estados Unidos e os países que compõe o Oriente Médio, que antes se baseavam em “promessas” de recompensas econômicas e de assistência para o desenvolvimento, viriam a converter-se em ajudas militares e de segurança, visto a mudança no discurso americano devido aos acontecimentos decorrentes da Crise de Suez em 1956 e a Guerra Civil do Líbano em 1958. Mesmo tentando rebater as acusações do presidente Nasser, do Egito, e do presidente Nehru, da Índia, de que o racismo e a lógica imperialista americana não condiziam com seu objetivo de liderar o “mundo livre” (DUDZIAK, 2000, p. 33-34), o primeiro show de Gillespie que aconteceria no Oriente Médio, na Índia, acabou sendo cancelado. Nehru declarou-se não-alinhado às duas superpotências da época mais a China, explicitados no Panchsheel (2004) e também recusou-se cooperar com os Estados Unidos enquanto este fornecesse armamento ao Paquistão, que mantinha relações de inimizade com a Índia e vice-versa. O imprevisto mostraria a Gillespie que mais do que um jazzista, ele se tornara um embaixador The tour became highly political. We were supposed to have opened in Bombay, India. Three or four weeks before the band left, Nehru made a statement, a nonalignment speech, in wich he stated that India wasn’t going to side with the U.S., nor the Soviet Union, nor anybody. India had a non-alignment policy, so where did we 43

go first? Persia [Iran]. Persia was getting arms from the United States, so instead of opening in Bonbay, they canceled (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 440).

Obviamente, a escolha do Irã como destino substituto para a abertura do tour não foi apenas decidida pela relação comercial que os Estados Unidos mantinham com este país. Além de ser destino de parte do armamento americano, o Irã também era o coração do império britânico, rico na commodity que tinha fundamental importância para as duas potências da Guerra Fria: o petróleo. Em 1953, a CIA realizou uma operação no Irã para depor o primeiro ministro Muhammad Musaddiq, por entenderem que o seu posicionamento político anti-imperialista poderia resultar em uma aproximação com a União Soviética. Como resultado, as empresas americanas entraram na indústria iraniana de petróleo e adquiriram uma “participação dos lucros com a venda de petróleo iraniano e produtos refinados no mercado mundial” (VON ESCHEN, 2004, p. 31) Alto saxophonist Phil Woods remembered that the band arrived in Abadan, Iran, to “the smell of crude oil and the sound of gunfire from nearby Iraq”. While giving three performances in the Taj Theatre beginning on March 27, 1956, the musicians, Woods explained, lived in the oil workers barracks “as the upper-echelon workers did” (WOODS apud. VON ESCHEN, 2004)

Durante a próxima década, músicos como Duke Ellington e sua orquestra e o quarteto de Dave Bruebeck, que estiveram nos conflitos no Iraque em 1958 e 1963, assim como os jazzistas Barry Goodman e Louis Armstrong, visitariam o Irã e seus vizinhos também ricos em petróleo inúmeras vezes. É importante notar que Eisenhower seguiu a Doutrina Truman de 1947, onde os Estados Unidos assumiram a responsabilidade, que antes era do Império Britânico, de dar acesso ao petróleo do Oriente Médio para os países ocidentais, além de fornecer auxílio econômico e militar para a Grécia e Turquia. Por tanto, os locais por onde o tour de Gillespie passaria fora determinado pela lógica econômica, política, militar e ideológica americana da época. Uma delas, como destaca Von Eschen, giraria em torno da responsabilidade americana cada vez mais maior em fornecer e assegurar petróleo ao Ocidente, como retrata Von Eschen Looking at the itinerary of Gillespie’s tour, one can trace America’s increasing assumption of the former role of the British in assuring Western access to the region’s oil… Beginning in Iran, the tour culminated in Syria and U.S. military allies, such as Pakistan and Lebanon (VON ESCHEN, 2004, p. 31-32) 44

Os Estados Unidos não pretendiam tão somente se diferenciar da lógica colonial europeia, mas também da lógica de organização cultural soviética. Os Estados Unidos tinham como objetivo criar novas amizades e, para tanto, exportavam todos os tipos de artes que estavam ao seu alcance, deixando os artistas razoavelmente livres para montar suas agendas, sempre com o apoio de patrocinadores privados dos países receptores que garantiam a entrada gratuita da população às atrações, como descreve Stearns The idea was simply to make new friends for the United States, especially those in critical nations wich Rússia, at enourmous expense, is flooding with free but strictly supervised talent… A sort of do-it yourself plan with emphasis upon free enterprise… The band did its own booking, with the help of American embassies and the United States Information Service, and the government more or less guaranteed it against loss. The band was paid a reasonable minimum, no matter how financially successful the concerts might be (STEARNS, 1956, p. 28-30)

Esse sistema se alteraria mais tarde quando os oficiais americanos perceberam que o público não compreendia que os shows estavam sendo patrocinados por empresas e não pelo governo. Outro fator que rompeu com a lógica dos patrocínios privados é a de que quase sempre as empresas estavam focadas no lucro, ao invés de seguirem os objetivos políticos e econômicos que os Estados Unidos pretendiam alcançar com os shows, como descreve Von Eschen The emphasizes on free enterprise was later modified when officials determined that audiences often failed to understand the connection between the U.S. State Department and Pepsi-Cola or between the USIA and the Iranian Oil Refinary Company [...] Moreover, with impresarios doing the booking the emphasis was too often on getting the most revenue, instead of booking “areas wich were the most desirable from strategic view point” (VON ESCHEN, 2004, p. 39)

Por tanto, foi por meio da convergência de fatores políticos, econômicos e geopolíticos que o governo americano moldou a dinâmica dos concertos de Dizzy Gillespie ao Oriente Médio e, posteriormente, os de Benny Goodman à União Soviética, dos quais analisaremos detalhadamente no próximo capítulo.

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CAPÍTULO III - OS CONCERTOS DE DIZZY GILLESPIE (1956) E BENNY GOODMAN (1962) John Bricks Gillespie, mais conhecido como Dizzy Gillespie, nasceu na Carolina do Sul em 1917. Seu pai era músico amador e influenciou a formação musical de Gillespie em diversos instrumentos. Com 15 anos, Gillespie tinha como instrumento favorito o trompete e estudou harmonia e teoria musical, além de assumir o lugar de Roy Eldrige na banda de Teddy Hill. Gillespie era fortemente influenciado pela tradição do jazz de Nova Orleans e, mais especificamente do estilo dixieland. No verão de 1937, Gillespie foi à Europa e, apesar de outros componentes da banda o acharem maluco, ele já era um músico muito promissor, como escreveu um baterista francês Existe na orquestra de Teddy Hill um jovem trompetista muito promissor. É uma pena que não haja nenhuma oportunidade para fazer uma gravação com ele. Ele é talvez – junto com o trombonista Dickie Wells – de longe o músico mais talentoso da banda. Seu nome é Dizzy Gillespie (BERENDT; HUESMANN, 1997, p. 117)

Após seu retorno da Europa aos Estados Unidos, Gillespie seguiu sua carreira como solista e já era um músico de grande sucesso. A partir de 1939 ele se voltou às big bands e criou o que na época ficou conhecido como bebop mood. Em 1945 ele fundou sua primeira big band e ficou à frente de grandes orquestras até 1950. Em 1948 Dizzy foi à Europa tocar em Paris e isso “teve um grande significado para o encontro dos jovens músicos europeus com o novo jazz” (ibid.). Apesar de ser um adepto de Baha’i18 e, assim, tornar-se um humanista espiritual, buscando compartilhar sua visão de paz mundial, Gillespie foi também ativista e lutava contra a comercialização e industrialização do swing e do jazz pelos americanos brancos (VON ESCHEN, 2004, p. 1; BERENDT; HUESMANN, 1997, p. 4). Assim, começa a surgir o estilo bebop na cidade de Kansas no clube de Minton’s no Harlem, mesma província em que Powell nasceu e cresceu. Entre os músicos mais notórios que frequentavam o Minton’s estavam Dizzy Gillespie e o sax-altista Charlie Parker. Berendt (1997) descreve que o bebop é reconhecido por suas “frases velozes, “nervosas”, que às vezes soavam como retalhos de uma melodia, por utilizarem intervalos menores entre as notas. Toda nota “desnecessária era deixada de fora” (p. 41). Gillespie tomou como inspiração a criatividade de Charlie Parker e o ritmo afro-cubano e com isso

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Fé fundada por Bahá'u'lláh que, resumidamente, prega a igualdade entre todos os membros da família humana. 46

levou o estilo bebop mundo afora. O improviso, como característica fundamental do jazz, está presente neste estilo também. A execução de Dizzy Gillespie lembra “um pintor que pega uma bacia de tinta e joga na tela e, depois, tenta fazer alguma coisa com isso, configurando ousadamente o espeço entre o tempo e o som”, disse Lonni Hillyer. E Barry Harris diz: “Dizzy consegue inserir suas frases em espaços inusitados, enfiando-se neles e produzindo um som maravilhoso” (BERENDT; HUESMANN, 1997, p. 118)

Gillespie enfrentou diversos problemas políticos em seu tour, dos quais ele chamava de “questões políticas” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 417). O primeiro deles viria a ser a própria formação da banda que deveria transpassar uma imagem positiva dos Estados Unidos a pedido do Departamento de Estado, como descreve Shipton While there is scant evidence, there is little doubt that the State Department greatly influenced the band’s new look. The addition of whit musicians altoist Phil Woods and trombonist Rod Levitt and also women, singer Dotty Saulter and trombonist Melba Liston, were most noticeable (SHIPTON, 2001, p. 281)

Em 1956, Gillespie apontou Quincy Jones, compositor, músico e famoso produtor musical de artistas como Michael Jackson, como diretor musical, trompetista na linha de frente e organizador da banda oficial que, junto à Gillespie, fariam o tour para o Oriente Médio, Sul da Ásia e Europa Oriental em abril do mesmo ano. O tour se provou tão positivo aos objetivos dos Estados Unidos, que o Departamento de Estado pediu à Gillespie realizar o mesmo feito na América Latina em agosto do mesmo ano. Jones escalou Melba Liston e Ernie Wilkins para compor novas músicas para o tour, assim como para criar novos arranjos em cima dos hinos nacionais de cada país que seria visitado. Outras composições deveriam ser misturadas às raízes culturais e musicais afroamericanas, dentre elas “Annie’s Dance” de Grieg, “My Reverie” de Larry Clinton e “Q’s Tune” do próprio Quincy Jones. A maior parte das performances podem ser ouvidas nos diversos álbuns19 gravados durante o tour. O intuito, como ressalta Monson, era mostrar de forma concisa a história musical do jazz. “To illustrate how bebop musicians wrote new compositions over the chord changes of existing standards, Gillespie simultaneously played “Groovin High” and “Whispering” (MONSON, 2010, p. 116)

“Dizzy Gillespie World Statesman (1956); Dizzy in Greece (1956) e Dizzy in South America Official U.S. State Department Tour, Vols. 1 & 2 (1956) e Dizzy in South America: Tangos, sambas, interviews, and More Big Band Bepop, Vol. 3 (1956)”. 47 19

A segunda questão política veio logo depois, quando o Departamento de Estado quis realizar um briefing com Gillespie e sua banda para que eles soubessem o que falar no tour ao Oriente Médio. Gillespie, em seu livro, disse que jamais iria se desculpar por qualquer política racista que os Estados Unidos tenham cometido durante todos estes anos. Em uma conversa com sua esposa, Lorrraine, que havia lhe informado sobre o pedido do Departamento de Estado, Gillespie respondeu ““Brief?” I said. “I’ve got three hundred years of briefing. I know what they’ve done to us, and I’m not gonna make any excuses. If they ask me any questions, I’m gonna answer them as honestly as I can”” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 437). Por fim, Gillespie solicitou a ela que falasse ao Departamento de Estado que não o achara e avisasse à sua banda que ele os encontraria em Roma para depois partirem à Índia. Como citado anteriormente, o concerto de estreia na Índia seria cancelado a pedido do Presidente Nehru. Por tanto, o Departamento de Estado escolheria o Irã como local substituto para receber o primeiro embaixador do jazz. O tour de Gillespie, por tanto, seguiu o seguinte itinerário

“Dizzy Gillespie Itinerary, Near and Middle East, “CU subseries 1, box 9, folder 11, “Performance Records G-P,” 1956, apud. MONSON, Ingrid. Freedom Sounds: civil Rights Call out Jazz and Africa. O primeiro show aconteceu em Abadan, localizada a cinco mil quilômetros de distância da capital do Irã, Teerã, no dia 27 de março e contou com a presença do próprio Shah e sua irmã, que foram assistir ao primeiro concerto de Gillespie, intitulado de “In The Gracious Presence of Her Imperial Highness Princess Shams Pahlove” pelo próprio músico. 48

O concerto foi divido em duas partes que viria a servir de base para os demais shows: a primeira parte inicia-se com Gillespie tocando bongôs e Charlie Persip na bateria tocando, em conjunto, ritmos africanos. Depois, Herb Lance entra alterando o clima cantado alguns spirituals como “Sometimes I Feel Like a Motherless Child”. Acrescidos por um grupo tocando “When the Saints Go Marching In”, a banda agora submete o público ao blues antigo ao estilo de Nova Orleans. Junto a esta performance Dizzy faz um tributo à grandes nomes do jazz como Louis Armstrong tocando “I’m Confessin”, Duke Ellington “Mood Indigo”, Benny Goodman “King Porter Stomp”, Jimmie Lunceford “For Dancers Only”, Roy Eldridge’s “Rockin’ Chair” e Count Basie “One O’Clock Jump”, que foram tocadas conforme as músicas originais de seus compositores. A segunda parte inclui arranjos mais recentes como “Stella by Starlight” com participação de Melba Liston, “Cool Breeze” e “A Night In Tunisia”, além de Herb Lance cantando “Lucky Old Sun” e “Seems Like She Just Don’t Care”. Seguido do repertório de Dottie Salters com as composições “Birth of the Blues”, “Make Love to Me”, “Gabriel”, “All God’s Children” e “Born to Be Blue”. Gillespie finaliza o show com composições de bebop como “Shoo Be Doo Be”, “Sunny Side of the Street” e “Begin the Beguine”. Assim, o show em Abadan começou com o hino nacional iraniano e o público, de maioria muçulmana, que nunca havia tido contato com o jazz, ficou mais desconcertado com a composição formada por homens e mulheres e suas vestimentas que iam contra os padrões mulçumanos, do que a mistura racial presente no palco. Melba Liston foi quem ouviu mais perguntas sobre os padrões femininos americanos They wondered about the male-female relationship in the U.S. I had lots of women came to me in the Middle East tours to find out how life was over here for women and how in the world I could be running around there traveling and single when they were subjected over there (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 449)

Com o choque inicial, a audiência se manteve em silêncio enquanto a big band de Gillespie tocava os primeiros arranjos. Mas então um “milagre” aconteceu, conforme retrata um repórter do Pittsburgh Courier, o público pareceu entender e a sentir o ritmo do jazz, batendo palmas conforme o tempo das músicas e depois, de forma mais impressionante ainda, gritos e assobios tomaram conta do teatro, conforme relata Shipton These Arabs, who were completely ignorant of what jazz was and how to act at a jazz concert, started to catch the beat, awkwardly clapping in time with the music. Soon whistles’ and screams reached the stage […] The theater was as hot as any 49

American spot where Dizzy performed for long-standing fans (SHIPTON, 2001, p. 282)

A banda de Gillespie esteve no Irã durante uma semana e lá realizaram três concertos formais no teatro Taj e shows “beneficentes” adicionais. Marshall Stearns, que acompanhava a banda, lecionava a história do jazz em universidades locais. Um repórter americano percebeu a efetividade dos shows ao observar as relações amistosas do povo e das autoridades iranianas para com os Estados Unidos após a passagem de Gillespie no Irã, como mostra Shipton He did much more than just introducing American style music over there. He accomplished, perhaps better than all the ambassadors and envoys and ministers combined the almost impossible freat of making genuine friends on an intimate personal basis (SHIPTON, 2001, p. 281)

O próximo destino foi em Daca, atual capital de Bangladesh que antes pertencia ao Paquistão. Assim como no Irã, os Estados Unidos pagavam as despesas e salários da banda e dos oficiais que a acompanhavam em cada concerto, porém, ficava a cargo do país receptor a venda de ingressos para os shows. Consequentemente, a busca pelo lucro ultrapassava a ideia de conquistar a amizade e influência da população local pela cultura americana. Em razão disto, tanto em Daca e posteriormente em Karachi, os primeiros shows não teriam lotação máxima, o que se mostrou um verdadeiro fiasco comparado às apresentações anteriores em Abadan. Em Daca, o pequeno público que participou do primeiro show não sabia quem era Louis Armstrong e possuíam um número ínfimo de rádios ou jukeboxes em toda cidade. Pela primeira vez Gillespie, que era conhecido pelo seu jeito bem humorado e despojado, ficou sem reação “When you call Louis’s name and nobody answers, you know you’re in trouble” (SHIPTON, 2001, p. 281). Com a ajuda da USIA, divulgando localmente o concerto e disponibilizando ingressos com custos menores, o terceiro e o quarto show tiveram lotação máxima. O problema veio a se repetir no primeiro concerto em Karachi, porém desta vez Gillespie não deixou a cargo da USIA resolver o problema. Notando que a audiência estava baixa, Gillespie chamou um empresário e perguntou o que estava acontecendo e a reposta foi que a população nesta região é tão pobre que não tinham condições de pagar US$5,00 pelo ingresso. Gillespie, então, pegou os 150 tickets que ainda sobravam do empresário e distribuiu para as pessoas que estavam no parque onde o show seria feito, como ele mesmo retratou

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“After that I’d see people standing around outside trying to listen, trying to find out what’s happening, so I gave away a lot of tickets in Karachi” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 441) Em Karachi, Gillespie passou por diversas experiências inusitadas, além de precisar substituir uma das peças chaves da sua big band, Charlie Persip, por um músico local para realizar os shows. Gillespie também tocou junto a um “encantador de cobras” e, encostando seu trompete muito perto de uma delas, quase foi atacado. Gillespie também se encontrou com o comediante americano, Danny Kae, que estava fazendo um tour subsidiado pelo governo no Paquistão. Aqui devemos fazer uma ressalva, pois a substituição de Persip por um músico local que nunca havia tocado jazz antes, mostra como este estilo pode ser percebido como um dos mais diplomáticos dentre os gêneros musicais. A capacidade do jazz em se fundir com diversas culturas distintas e mesclar estilos e instrumentos musicais antes desconhecidos em suas composições, mostra notoriamente a improvisação não só musical como diplomática do jazz. Como exemplo, Gillespie encontrou em Karachi um músico que tocava um instrumento parecido com um violino que ao invés de se tocar com os dedos sob as cordas, na verdade o músico posicionava os dedos abaixo delas, o som, reporta Gillespie, parecia de um violoncelo. Outro músico, que Gillespie bem-humorado caracterizou seu cabelo como “hair bad enough to carry a nuclear weapon” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 419), tocava um instrumento similar a um piano feito por ele mesmo, mais conhecido como sarangi. Gillespie conheceu novas escalas musicais e gravou algumas faixas com o que aprendeu no Paquistão, uma delas foi intitulada “Rio Pakistan” Como havia observado o Music Advisory Panel, Gillespie além de ser um dos melhores jazzistas da década de 50, era ainda bem-humorado e inteligente. Somado a isso, por ser adepto do Bahai’r, Gillespie era também um humanitário. Por estas características, o músico destacou dois acontecimentos em Daca que reafirmariam seu estilo imprevisível e acolhedor, como o bebop. Em Daca, foi Gillespie quem conduziu o motorista do riquexó que lhe levaria ao hotel depois de uma festa do USIS, o que foi uma surpresa para o paquistanês. Chegando próximo ao local, de madrugada, Gillespie começou a tocar seu trompete e ouviu sob algum telhado das casas um flautista lhe acompanhando, como ele mesmo reporta 51

A very beautiful incident occurred in Daca, Pakistan. They gave a party for us on top of the USIS building, and they had some Pakistani dancers and players and singers to perform to us. Well the party was going on when I left the hotel and I was supposed to go over there in the rickshaw by myself. I went outside and looked at the sky, and it was dark, man. Lorraine was sorta scared for me to go […] I took one look at the guy, and he looked just like Jesus. I said, “If he looks that much like Jesus I’ve got to go with him” […] It was a bicycle rickshaw, so I decided I wanted to ride the bicycle. I told him, “You sit here in the back and lemme…”. Nobody’d ever asked him that before […] He said, “O.K…” He sat back and crossed his legs, and I wailed awhile, man (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 442-443)

Outro acontecimento que tocou Gillespie foi seu encontro com um garoto paquistanês sem sapatos e dormindo no meio de ratos próximo ao local onde ele tocaria. Gillespie, no dia seguinte, pediu que trouxessem o garoto para o hotel para lhe dar um banho e comprar roupas novas, mesmo os oficiais americanos e os próprios seguranças paquistaneses do hotel terem ido contra essa ideia. No Paquistão, Gillespie ouviu muitas perguntas sobre o racismo nos Estados Unidos, pois apesar dos rumores, a população encontrou Gillespie liderando uma banda com dois integrantes brancos nela. O músico, como já havia premeditado, não se desculparia ou inventaria nada sobre a questão racial nos Estados Unidos, respondendo “Yeah, there it is. We have our problems, but we’re still working on it” (GILLESPIE; FRASER, 2009, p. 444) Devemos perceber, entretanto, que isto só foi possível pela quebra de algumas recomendações do Departamento de Estado por Gillespie. Apesar dos concertos serem submetidos a dinâmica proposta pelo Departamento de Estado americano, a improvisação e o contato pessoal com a população estavam, por sorte, sendo determinados pelo carisma do músico. Aqui devemos ressaltar a percepção da Diplomacia do Jazz como um instrumento diplomático único e acessível às pessoas, das quais o corpo diplomático convencional americano não havia tocado com tamanha sensibilidade. Assim, com o fim dos concertos, um jornal paquistanês percebeu o jazz como instrumento diplomático. “The language of diplomacy, ought to be translated into a score for a bop trumpet.” (Anônimo apud. VON ESCHEN, 2004, p. 33). Mais do que conquistar objetivos essencialmente políticos e econômicos aos Estados Unidos, o jazz de Dizzy Gillespie conquistava o corações e mentes por onde ele passava. A Diplomacia do Jazz se mostrava eficaz. 52

O próximo local a ser visitado foi Beirute no Líbano, onde Gillespie tocou para o presidente Camille Chamoun. Chamoun que, apesar de ter se recusado a se aliar a Israel, GrãBretanha e França no ataque ao Egito na Crise de Suez em dezembro de 1956, também não rompeu as relações com o Ocidente, tendo até mesmo uma inclinação a assinar o Pacto de Bagdá, causando uma relação de inimizade com os países árabes e a própria população mulçumana libanesa. A posição política de Chamoun, focada principalmente nas relações com o Ocidente, culminou na guerra civil libanesa de 1958, que contou com a intervenção americana para defender a soberania do Líbano contra qualquer intervenção comunista ou da República Árabe Unida, conforme relata Nalty Lebanon survived in the post-war era because of a tacit political bargain between Christians and Moslems whereby the former gave up the protection of France and the latter rejected merger with Syria. Key to this understanding was the distribution of major political offices according to religion […] During the presidency of Camille Chamoun, the quarrel intensified until fighting erupted. Mr. Chamoun’s refusal in 1956 to server diplomatic ties with France and Britain after those countries joined Israel in attacking Egypt angered the moslem population. Despite the uproar, he persisted in edging closer to the West farther from the Arab nationalism […] In 1957, he pledged adherence to the so-called Eisenhower Doctrine […] The Soviet Union ascribed the Lebanese crisis to Western imperialism. The United States, which saw the rebellion as a Communist attempt to undermine the nation’s sovereignty, as early as 14 May began to prepare for a possible emergency in the Middle East (NALTY,1968, p. 7).

Com a atmosfera tensa por causa dos movimentos nacionalistas e pan-arabistas na região, quando a banda de Gillespie pousou no aeroporto em Beirute para serem acolhidos pelos 3.000 fãs a sua espera, um avião americano da Air Force One em rota para Israel acabou caindo na cidade. Para Quincy Jones, foi nesse momento que eles perceberam não serem diplomatas tão bem treinados e que a situação foi um choque comparado aos shows anteriores (VON ESCHEN, 2004, p. 36-37) Mesmo assim, Gillespie se recusou a cancelar os concertos e sua big band realizou dois shows superlotados no Dunia Theater totalizando um público de 15.000 pessoas. Por causa da audácia característica do músico, a banda de Gillespie realizou ainda mais um show que também teve lotação máxima. What was clear to them was that the atmosphere was “hot, funky and tense”, and “when it came time to play the concert there was no one who could say outright that we’d be safe onstage, but Dizzy wouldn’t hear of cancelling it (ibid.).

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O New York Times reportou que a recepção da banda havia sido acima das expectativas e que os diplomatas americanos “esperavam que o barulho ecoasse pelas paredes por um longo tempo” (NEW YORK TIMES, 1956). O barulho, para a felicidade dos diplomatas, de fato ecoo por pelo menos mais dois anos no Líbano, que solicitou ajuda aos Estados Unidos para conter a guerra civil interna. No dia 18 de abril, a banda de Gillespie aterrissava em Damasco na Síria onde fizeram uma sessão de jam a tarde no hotel Semiranis e depois um concerto a noite. Foi apenas no dia seguinte que a banda faria seu primeiro concerto em Aleppo. Como em todos os shows de abertura, a big band de Gillespie tocou o hino nacional mesclado ao estilo jazz clássico, dessa vez composto unicamente por Melba Liston que aprendeu o hino com crianças sírias. O que haveria de ser diferente neste concerto, por outro lado, foi um enorme banquete preparado para depois do show, já que Gillespie havia lembrado que o Ramadan20 acabaria quando o sol se posse. “As the sun went down behind the wall in which they were playin, he stopped the band and shouted “Food!”. Band and audience alike made for the buffet that had been set out to take place after the show” (GILLESPI; FRASER, 2009, p. 444) O próximo show aconteceria em Belgrado, capital da Iugoslávia. Talvez mais importante do que os shows no Irã por causa do petróleo, no Paquistão pelos acordos bélicos com os Estados Unidos, no Líbano por seu alinhamento com o Ocidente e dos próximos shows que aconteceriam na Turquia e Grécia, a Iugoslávia de Josip Broz Tito havia declarado o seu não alinhamento à União Soviética de Stalin em 1948. Foi neste cenário que o presidente Truman percebeu a oportunidade de aproximação com um dos países satélites da União Soviética, por meios econômicos e militares, estrategicamente chamado de “Keep Tito afloat”. Truman esperava que o envolvimento americano encorajasse outros países satélites a se desvencilhar da União Soviética. Porém, Lees (1997) demonstra que Eisenhower e Dulles foram os que mais ativamente tentaram usar Tito como exemplo para libertar os países da Europa Oriental. Em 1952, a Iugoslávia determinou as diretrizes de sua política externa, baseadas na observação do contexto político e econômico em que estava imersa. Em primeiro lugar, com o ressurgimento do conflito territorial entre Iugoslávia e Itália pela região de Trieste e a ameaça 20

Nono mês do calendário islâmico, onde os muçulmanos praticam o jejum (saum), obedecendo o quarto dos cinco pilares fundamentais do Islã. 54

de uma invasão soviética, a Iugoslávia decidiu criar uma aliança militar com a Grécia e Turquia, mas recusando os convites de tornar-se membro da OTAN. Em segundo lugar, o coletivismo forçado como modo econômico somado ao surgimento de duas secas consecutivas e o déficit de pagamentos que impossibilitava a aquisição de recursos básicos para a indústria em 1952, tornou a situação econômica iugoslava alarmante. Por tanto, a Iugoslávia dependeria da ajuda econômica ocidental e decidira manter relações estratégicas com o Ocidente, principalmente com os Estados Unidos, conforme relata Svetozar Belgrade's strategic alignment with the West, prior to Stalin's death, was in response to a very real Soviet threat and was equally responsible for Yugoslavia reluctance to accept Soviet initiatives towards the normalization of their relations prior to autumn 1954. (SVETOZAR, 2011, p. 16)

Após o falecimento de Stalin em 1953, Belgrado impôs uma estratégia dual para suas relações exteriores. Continuaria a receber e dar apoio ao Ocidente, de forma pragmática, como mostrou Svetozar, mas também adotaria uma posição de “wait-and-see” sobre o novo líder soviético. Assim, a Iugoslávia não eliminando a possibilidade, mesmo que dificultosa, de normalizar suas relações com a União Soviética. Following Stalin’s death, Yugoslavia pursued a dual foreign policy strategy that would remain in place until November 1953. On the one hand, Belgrade continued to pursue military integration with the West with undiminished determination. With equal resolution however, it kept fending off requests to join NATO. On the other hand, Tito and his associates adopted a cautious wait-and-see attitude towards the new post-Stalin leadership (SVETOZAR, 2011, p. 39)

Tito, por tanto, encontrava-se em um paradoxo: Ao mesmo tempo em que a assistência ocidental mantinha a economia iugoslava funcionando e a ameaça militar soviética distante, ela também representava o “pecado” de aceitar ajuda do “inimigo das classes”, mais especificamente dos Estados Unidos, pela lógica socialista. Precisando urgentemente reestabilizar sua legitimidade ideológica perante sua população, para defender-se de ameaças tanto externas quanto internas, Tito embarcou em uma reforma política, socioeconômica e cultural logo após o colapso das relações com a União Soviética em 1948 que resultou na criação de um modelo socialista iugoslavo, que se distanciava do modelo stalinista, como mostra Shipton The revolution of the Yugoslav domestic political system in the early 1950s was unprecedented within the existing communist paradigm and established the 55

Yugoslav concept of socialism as an alternative to Stalin’s model (SVETOZAR, 2011, p. 18)

Enviar Dizzy Gillespie a Belgrado em 1956, como parte da diplomacia cultural americana, reforçava a visão de Eisenhower sobre a Iugoslávia como um possível aliado e membro da OTAN e que poderia incentivar outros países da Europa Oriental a se voltarem contra o alinhamento à União Soviética. Por parte de Tito, tais relações reafirmavam que Eisenhower não ignoraria a Iugoslávia socialista, um medo presente logo após a eleição de Eisenhower em 1953, como observou Svetozar (2011) “Tito feared that the new Republican President would be indifferent to Yugoslavia’s fate, regarding the country as a Communist state indistinguishable from the Soviet Union or its satellites” (p. 33) Como membro fundador da ONU, a Iugoslávia também era membro da UNESCO, apesar de nunca ter tido relações mais próximas com a organização. Uma vez rompida as relações com a União Soviética em 1948 e ter se aproximado do Ocidente, a Iugoslávia também reformulou sua participação na organização e os efeitos foram imediatos a partir de 1950. De forma geral, a Iugoslávia recebeu assistência financeira para pesquisa e publicação de livros e materiais de teor científico. Houveram também aproximações com os programas e currículos acadêmicos americanos e germânicos. O Cônsul Cientifico e Cultural Iugoslavo criou um extenso programa de tradução para periódicos e publicações científicos e artísticos. Em 1953, aproximadamente 300 universidades iugoslavas estavam colaborando com 650 universidades ocidentais. O resultado, logo em 1950, como mostra Svetozar, veio com a formação de uma Comissão, que tinha como objetivo desenvolver as relações culturais e científicas iugoslavas com o exterior, criada pelo Cônsul Executivo Federal das relações culturais com países estrangeiros. Very soon and for the first time since 1945, public reading rooms with foreign periodicals, newspapers and journals were opened in major Yugoslav cities. Between 1950 and 1952, more than 50,000 books, periodicals, journals and other publications were imported from the West, including the US. In the decade between 1953 and 1963, around 17,000 Yugoslav experts and scientists spent time abroad, as part of various research and study programs. In 1957 alone, 951 Yugoslav University professors and lecturers, or 27% of the total number of 3,456, spent time abroad, as part of one of the above programs (SVETOZAR, 2011, p. 30) 56

O novo líder soviético, Nikita Khrushchov, percebendo a aproximação promissora da Iugoslávia com o Ocidente, esteve disposto a normalizar as relações com o país que, por sua vez, percebia a oportunidade de ganhos com a normalização. A retomada das relações Iugoslava-Soviética começou na metade do ano de 1953 quando Djurić, embaixador iugoslavo em Moscou, sugeriu ao Secretário de Estado das Relações Exteriores iugoslavas, que esta talvez fosse uma boa oportunidade para ele se encontrar com o novo ministro das Relações Exteriores soviético (SVETOZAR, 2011, 44-50). Em 6 de junho de 1953, após extensos encontros entre os dois oficiais, o Ministério das Relações Exteriores soviético pediu que Djurić se encontrasse novamente com Viatcheslav Molotov, diplomata soviético, que após perguntar sobre o time de basquete iugoslavo, relatou à Djurić que já era tempo dos dois países enviarem trocarem embaixadores, para oficializar a normalização das relações diplomáticas. Passou-se um ano após a proposta de Molotov para Djurić para que houvesse de fato uma aproximação entre o líder iugoslavo e soviético. O envio de uma carta secreta de Khrushchov à Tito em 22 de junho de 1954, marcou não apenas o primeiro contato direto entre os dois chefes de Estado desde 1948, como também o primeiro pedido vindo do líder soviético para a normalização total das relações iugoslava-soviética. Após um longo período de trocas de correspondências entre os dois líderes, Khrushchov começou a questionar a hegemonia ideológica de Moscou sobre os demais partidos comunistas. Passou assim a reconhecer outros tipos de comunismo, como o iugoslavo e chinês, oficializado em uma resolução promulgada em julho de 1955 do Plenário do CPSU21. No mesmo ano, dois líderes assinaram documentos que regularizavam a retomada das relações entre Iugoslávia e União Soviética. Eles sendo a Declaração de Belgrado assinado ao fim da visita de Khrushchov à Iugoslávia em 2 de Junho de 1955 e a Declaração de Moscou, assinado após a visita de Tito à União Soviética um ano depois. Svetozar (2011) mostra que a onda liberal, que afogou a União Soviética em 1991, começara a se formar na época em que Khurshchov reatou as relações com a Iugoslávia “Of particular importance for the liberalization wave that shook the Soviet Bloc [...] were the two documents produced by Yugoslav-Soviet normalization, named the Belgrade Declaration [...] and the Moscow Declaration”. (p. 5)

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Central Committee of the Communist Party of the Soviet Union. 57

O sucesso de Gillespie na Iugoslávia foi tão grande quanto os concertos realizados anteriormente. Um embaixador americano reportou à Washington que Gillespie havia facilitado o trabalho deles na Iugoslávia. “Gillespie’s band has made our job much easier” (VON ESCHEN, 2004, p. 33) Assim, o comprometimento de Eisenhower em relação a estratégia de Truman em manter Tito por perto, seria traduzido, principalmente, pelas trocas culturais entre os dois países. O inttercâmbio cultural, aqui, se mostrava efetivo na internacionalização dos valores americanos e ocidentais na Iugoslávia, vistos a partir da aproximação estratégica entre Tito e o Ocidente. Em Ankara, Turquia, Gillespie realizou sua diplomacia com maestria. Assim como em Karachi, Gillespie abriu os portões do Turkish-American Club, pois “ele estava lá para tocar para toda a população” (VON ESCHEN, 2004, p. 35). O saxofonista tenor Billy Mitchell e o trompetista Road Levitt tocaram com o trompetista turco Muffavack Falay em um point turco chamado Intimate Casino. No dia seguinte, Gillespie o presenteou com um case para cigarros em nome da irmandade do jazz. Quincy Jones também se encontrou com Arif Mardin que concedeu a Jones uma composição tão boa que ao voltar para os Estados Unidos, além de Jones usar seus arranjos no Voice of America, ele também conseguiu colocar Mardin na Berklee College of Music. Mais tarde, Mardin se tornaria o vice-presidente da Atlantic Records, tendo coproduzido com diversos artistas, destacando Aretha Franklin e a banda Bee Gees. Os shows em Ankara mostraram que Gillespie havia entendido, talvez mais do que os oficiais americanos, que o tour tinha como objetivo conquistar nações inteiras e mostrar a elas os valores americanos. O show que mostrou a maior desenvoltura de Gillespie como embaixador cultural, porém, foi na Grécia, como colocou Stearns “the acid test of jazz as an ambassador of goodwill came in Athens” (STEARNS apud. VON ESCHEN, 2004, p. 34). A banda de Gillespie iria tocar para um grupo de estudantes que, na visão do músico, estavam mais para um grupo de antiamericanos. “Gillespie’s band flew in to play a matinee for students following the stoning of the U.S. support Greece’s right-wing dictatorship” (ibid.). No fim do show surgiu o inesperado, os estudantes carregaram Gillespie nos ombros pelas ruas da cidade com exaltações positivas de todos os tipos. O jornal local destacou na 58

manchete no dia seguinte o show de Gillespie e a reação dos estudantes “Students Drop Rocks and Roll with Dizzy” (VON ESCHEN, 2004, p. 34). Neste evento, podemos observar claramente o jazz como meio diplomático que não só transpassaria os valores americanos, como conquistaria aliados aos Estados Unidos. Dentre duas horas, o bebop de Gillespie transformou o sentimento antiamericano em uma exaltação pró-América, o que dificilmente seria feito por meio do corpo diplomático americano na Grécia em tão pouco tempo e influenciado tantos jovens Ao fim do tour, Gillespie não perdeu a chance de mostrar a importância do jazz à Eisenhower, escrevendo-lhe: “Our trip through the Middle East proved conclusively that our interracial group was powerfully effective against Red propaganda. Jazz is our own American folk music that communicates with all peoples regardless of language or social barriers” (ibid.). Gillespie também escreveu um artigo na Esquire intitulado de “Jazz Is Too Good for Americans” em 1957. No artigo, o músico lamentava que nacionalmente o jazz não era aceito como arte e ainda citou a ótima receptividade que teve no exterior, além de chamar atenção ao êxodo de jazzistas dos Estados Unidos para a Europa, principalmente. O Departamento de Estado também se pronunciou reconhecendo que a banda de Gillespie fez muito mais do que sua obrigação em conquistar aliados e promover o american way of life, o músico teria se conduzido com dignidade entre os presidentes e diplomatas que estiveram ao seu lado “It is felt that the Gillespie orchestra is more than serving its purpose to promote goodwill in [this] tense area” (SHIPTON, 2001, p. 283) Assim, podemos inferir que os concertos de Dizzy Gillespie ao Oriente Médio em 1956 fizeram da Diplomacia do Jazz um instrumento político-diplomático efetivo na exportação dos valores americanos. Paralelamente, é possível concebermos a ideia de que o bebop de Gillespie conteve a expansão ou o surgimento do comunismo nos países visitados, por tocar notas de igualdade, liberdade, inventividade e humanidade para toda população. Por meio dos relatos do corpo diplomático americano, dos artigos de jornais e revistas locais e dos Estados Unidos e do detalhamento da reação dos públicos que estiveram próximo a Gillespie, podemos constatar que acima de um jazzista conceituado nos anos 50, o músico também havia exercido o papel de embaixador com maestria. O jazz, assim, alcançava as

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esferas das quais a diplomacia convencional, as transmissões de rádio e a propaganda política americana não conseguiam atingir de maneira tão abrangente em tão pouco tempo. Gillespie e sua banda fariam posteriormente um tour pela América Latina no fim de 1956. O músico só voltaria a receber um novo convite do Departamento de Estado em 1973, para celebrar o aniversário de independência do Quênia. Neste meio tempo, Gillespie continuaria a defender os direitos civis e a justiça social e, mais ainda, defenderia o jazz como arte nos Estados Unidos. Gillespie também faria uma campanha para a paz mundial, para o desarmamento e para a igualdade racial dos negros americanos entre 1963 e 1964, intitulada de “Dizzy for President”. 3.1. Benny Goodman e o jazz na União Soviética Por causa das críticas conservadoras no Congresso americano em torno do jazz de Dizzy Gillespie e a crescente atuação política do músico como militante, o Departamento de Estado decidiu virar-se para o lado oposto do mundo do jazz, em busca de um novo estilo, em essência, para o próximo tour que aconteceria na Ásia. Foi assim que Benny Goodman surgiu como o segundo embaixador do jazz americano. Em dezembro de 1956, Goodman realizou um tour de uma semana pelo continente asiático, que passaria pela Tailândia, Cingapura, Malaia, Camboja, Burma, Hong Kong, Coréia do Sul e Japão (VON ESCHEN, 2004, p. 44). Após seu retorno aos Estados Unidos, Goodman determinou um novo objetivo: conseguir um convite oficial para um tour na União Soviética. Para tanto, Goodman chamou para o seu concerto no Basin Street East, em Nova Iorque, o compositor soviético Dimitry Shostakovich e o oficial Tikhon Kherennikov que foram acompanhados também pelo notório defensor do jazz na União Soviética e regente de orquestra, Leonid Osipovich Utyosov. Porém, o sonho de Goodman em realizar concertos pela União Soviética demoraria aproximadamente uma década para se concretizar. Com as rápidas mudanças políticas, sociais e econômicas na África, o continente se tornou o palco decisivo para as disputas culturais entre as duas superpotências. Assim, em 1957, o De Paris’s New Orleans Jazz Band, realizaria um tour pelo continente africano subsidiado pelo Departamento de Estado para assegurar a aliança americana com Gana e outras nações africanas. Este foco da agenda política externa cultural

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americana constrangeu as chances de Goodman em convencer o Departamento de Estado em ir à União Soviética. Benny Goodman nasceu em Chicago, Illinois, no dia 30 de maio de 1909. Filho de russos judeus, Goodman teve sua formação musical influenciada pela música erudita, tornando-se clarinetista e sendo considerado o primeiro jazzista que também pertencia ao gênero clássico. Goodman foi o primeiro líder branco de uma banda de jazz que contratou músicos negros para sua composição, além de levar o jazz pela primeira vez ao Carnegie Hall em 1938. O músico é famoso por tocar o estilo swing, que possui uma característica menos rítmica e improvisada do que o bebop e se diferencia dos demais estilos dentro do jazz. O swing nasceu no Texas em meados da década de 30 e se tornou um estilo musical distinto uma década depois. Como pondera Boyd (1998) em seu livro The Jazz of the Southwest, enquanto o jazz é geralmente entendido como uma manifestação urbana, o swing, por outro lado, possui raízes rurais. A dinâmica social e econômica do Texas, famosa por seus salões de dança que serviam como point de fazendeiros e rancheiros, estabeleceu o pilar por onde o swing se desenvolveria. O estilo original do Texas serviria à própria população nos salões de dança, utilizandose as técnicas clássicas do jazz, porém tocado por instrumentos típicos rurais para formar um ritmo dançante sob um pulso rítmico forte. Como coloca Boyd (1998) Western swing was down-home, earthy dance music that translated the sounds and techniques of jazz on typically country instruments in a rural, working-class setting […] Texas certainly possessed the venues – the honky-tonks and dance halls – that promoted dancing and dance music, and, as already notes, western swing was jazz designated to accompany dancing (BOYD, 1998, p. 2)

É importante ressaltarmos, dentre tantos salões de dança, o salão Farmers Verein, que realizava uma versão local das festas típicas alemãs Mayfest e o Oktoberfest, que contava em média com um público de 2.000 pessoas dançando ao som das bandas texanas que tocavam a música típica da dança alemã. Esta inferência deve ser observada pela óptica de Hobsbawm (1997) que caracterizava o surgimento do jazz e, consequentemente do swing, como a convergência de fatores sociais europeus, africanos e americanos. Esta posição coincide com o fato de Goodman, filho de russos nascido no Texas, tocar tanto jazz, como música clássica, fatores que seriam determinantes em seu próximo tour. 61

Assim, Goodman viria a se tornar o primeiro embaixador do jazz a fazer um tour pela União Soviética subsidiado pelo Departamento de Estado americano. Goodman e sua big band realizariam trinta concertos distribuídos por seis cidades soviéticas, entre os dias 28 de maio e 8 de julho de 1962. Em 1961, Leonid Utyosov, um dos mais populares regentes de orquestra soviético, teve grande papel na entrada de Goodman na União Soviética, quando declarou que a mesma precisava do jazz. Após meses defendendo o estilo musical originalmente americano dentro do território comunista, Utyosov teve apoio até mesmo da Sovietskaya Kultura, órgão oficial do Ministério da Cultura Soviético, que antes censurava a disseminação de qualquer tipo de arte americana, em suas palavras “I must say that jazz is not a synonym for imperialism and that the saxophone was not born of colonialism.” Invoking official Marxist-Leninist sympathies with the poor to defend a broader modernism, Utyosov defended jazz as having roots “not in the bankers’ safes but in the poor Negro quarters. (UTYOSOV apud. VON ESCHEN, 2004, p. 99)

Dois meses depois das declarações de Utyosov, o próprio jornal soviético, Kosmolskaya, que antes condenava o jazz sob acusações de ser o mal capitalista, propôs a criação de uma rede nacional de casas noturnas de jazz em território soviético. John Tynan escreveu para o jornal Down Beat “American jazz, long condemned by URSS cultural commissars as a manifestation of decadent bourgeois culture, is fast attaining official toleration” (TYNAN apud. VON ESCHEN, 2004, p. 100) As pressões de Goodman frente ao Departamento de Estado e a insistência de Utyosov pela internacionalização do jazz perante os meios de comunicação e os órgãos oficiais soviéticos, resultariam no intercâmbio cultural entre as duas superpotências na década de 60. Porém, antes de analisarmos os desdobramentos deste marco na diplomacia cultural durante a Guerra Fria, precisamos sobrevoar a relação histórica do jazz com a Rússia. Mais do que resultado de pressões internas, o tour de Benny Goodman à União Soviética também só fora possível pela intermediação entre o mundo do jazz e o polo comunista, feito por George Wein, produtor de jazz da Festival Productions, desde 1958. Por tanto, a relação do jazz com a Rússia tem seu início nos últimos anos do Império Russo, governados pelo Czar Nicolau II. O Czar que já havia demonstrado interesse em ritmos antecessores ao jazz clássico, como o two-steps e cakewalks, ambos ritmos voltados para a dança, teria sua própria orquestra, a Volhynia Guards Regiment. Até mesmo o príncipe 62

Felix Yusupov, popularmente conhecido por sua intensa busca pela moral e boa educação na sociedade por meio dos valores russos, manteve a maior orquestra da Europa em meados de 1916, que possuía, apenas na seção de saxofonistas, seis músicos. (VAN KAN, 2012, p. 24). Em 1910, entretanto, apenas uma pequena porcentagem da população tinha acesso a esse tipo de música que viria a ascender com o surgimento da classe média industrial russa e o ragtime. Durante a Revolução Russa que começou em 1917 e durou até 1922, os padrões musicais russos já estavam cobertos por aqueles tocados nos estabelecimentos ciganos e nos “drinking gardens”. Neste sentido, devemos relacionar o swing aos estilos two-steps e cakewalks que desde meados de 1910 compunham parte das manifestações culturais russas. A Rússia também seria tomada pela música clássica, neste período valorizada nas composições de Serguei Prokofiev. Assim, Goodman representava na década de 30 não apenas uma parcela da vida histórica cultural russa, mas sua quase totalidade, alternando-se entre o clássico e o dançante. Percebendo a internalização de músicas, danças e exposições “lascivas” na União Soviética na década de 10, os bolcheviques decidiram restringir tais manifestações, regulando principalmente as performances de Cabaré em 1919 por meio da exigência de licenciamento. Em 1920, criou-se a Comissão de Controle Artístico, que faria o controle de tais exposições, concedendo raramente permissões para as suas realizações. Van Kan traduz tais repressões como uma ameaça a vida cultural russa. Para ela “These early forms of control were easier to implement than to enforce, but were still symbolic of an important trait of Russian cultural life – in democracies, the controversy over jazz could be vicious but it did not became law” (VAN KAN, 2012, p. 24). Porém, no início da década de 20, o impulso para conter o jazz na Rússia ainda se mostraria fraco, mesmo com o surgimento de dois grupos que tentavam moldar a opinião musical pública por meio de críticas ao jazz. A Russian Association of Proletarian Musicians (RAPM) e a Association of Contemporary Music (ASM) não conseguiram controlar a vida cultural russa e levaram seus esforços ao extremo, indo até mesmo contra o Partido Comunista que considerava as “danças de jazz” um meio eficaz de controlar o tempo livre dos trabalhadores. Por outro lado, a liberdade cultural e o jazz no cotidiano russo iriam desaparecer com a entrada de Stalin no comando da União Soviética em 1928. Stalin exerceu uma ofensiva real 63

contra o jazz e as principais políticas de contenção ao estilo musical viriam a acontecer por meios coercitivos, como prisões, censuras, confiscações e até mesmo o fechamento de estabelecimentos, como detalha Van Kan Artists, musicians, included, were forced to join professional organizations that monitored access to public circulation and performance and determined appropriate style and content for their work. The RAPM experienced its peak as the dominant censorship body and determiner of public taste… The Leningrad Music Hall, which had previously supported jazz performances was closed in 1928. A student could be expelled from school for admitting he or she liked jazz. One could be sent to jail for six months for playing, or merely listening to jazz (VAN KAN, 2012, p. 25)

Van Kan (2012) descreve a década de 30 como a mais significativa na volta do jazz dentro da União Soviética. Depois de cinco anos, a política de Stalin sofreu certo afrouxamento, apesar dos esforços do RAPM em criar uma cultura popular russa. Assim, durante o ano de 1936 os jornais Izvestiia e Pravda, do governo e do partido comunista respectivamente, não mediram esforços em debater o jazz como estilo musical na União Soviética. O Pravda que defendeu o jazz, ganhou a “disputa”. Este seria, aparentemente, o momento vital para a volta e expansão do estilo musical na União Soviética. Entretanto, o regresso do jazz não aconteceria sem as restrições governamentais de Stalin. Criou-se então o State Jazz Orchestra que, apesar de ser composta por músicos habilidosos, tocava músicas “frias e rígidas”, como descreve Van Kan (2012, p. 26). A aceitação do jazz pelo governo, além de restrita, teve curta duração. Com o começo da política de Grande Terror de Stalin em 1937, o jazz voltou a ser visto como ameaça e, apesar das bandas continuarem a ensaiar, o medo de um dos membros sumirem ou serem presos era constante. Many musicians were arrested, including the leader of the Moscow Radio Jazz Ensemble, Georgi Landsberg, pianist David Gegner, singer Vera Dneprova, and the USSR’s introduction to jazz, Valentin Parnakh. Officials who were fans or collectors of jazz were arrested as well, including Ivan Medved, Leningrad’s chief of secret police… Starr claims the latter, arguing that the official reasons for musicians’ arrests were often ties to foreigners rather than anything music-specific. (VAN KAN, 2012, p. 27)

Pelas próximas duas décadas o jazz na União Soviética seria visto como um estilo musical muito ocidental para ser aceito pelos oficiais soviéticos e por Stalin, ou muito “manso” para ser apreciado pelos fãs de jazz. Algumas poucas conquistas podem ser

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observadas neste meio tempo no campo soviético em relação ao jazz, como observa Van Kan (2012). Para a autora, um dos mais notáveis ganhos foi a presença de orquestras de jazz dentro do âmbito militar para combater o fascismo, e que utilizavam nomes heroicos como “Red Flag Baltic Fleet Jazz Orchestra” para tanto. Por outro lado, dentro do espaço civil soviético, o jazz ainda era ofuscado, com exceção a áreas mais remotas do território soviético onde a presença de oficiais era menos significativa. Em 1946, com a ascensão da xenofobia na União Soviética, o jazz sofreu sua maior censura desde então. Com o começo da Guerra Fria e o surgimento da percepção bipolar do mundo, Stalin planejava a criação da Communist Information Bureau para promulgar os ideais comunistas pelo mundo. Neste mesmo período, com o surgimento de clubes de jazz pela Europa, o jazz, para Stalin, pareceu o mecanismo pelo qual os Estados Unidos promoveriam o capitalismo, como diagnostica Van Kan The Voice of America was viewed as a mouthpiece from abroad with the Moscow office of the United States Informational Services as its agent. 37 Jazz was clearly a direct assault on the Soviet Union and the Communist Party. So, the Party “retaliated”, backed by a new legion of staunchly conservative citizens (VAN KAN, 2012, p. 28)

Os jazzistas tiveram de fazer um juramento de fidelidade ao Partido Comunista, assim como haviam feito escritores e arquitetos alguns anos antes. O jornal Pravda e o Soviet Art surgiram como novos críticos e censuradores do jazz. As prisões começaram em toda Moscou e outras cidades e os presos eram enviados para campos de trabalhos forçados ou, na melhor das hipóteses, banidos e enviados para províncias distantes das grandes cidades, pela acusação clara de ouvir, tocar ou ter envolvimento com o jazz. Assim, Stalin já havia percebido, bem antes do Departamento de Estado americano, a influência que o jazz poderia exercer sobre uma população. Um estilo musical que representa principalmente a liberdade de expressão, por meio de improvisações, a democracia, por misturar diversos componentes em seus arranjos e a justiça pelos direitos dos negros americanos, se mostrava uma ameaça à ideologia soviética. Stalin defenderia seus ideais por meio do nacionalismo e da repressão de qualquer manifestação cultural americana dentro do território soviético.

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Músicos judeus, como Eddie Rosner, foram os que mais sofreram neste período com a escalada do antissemitismo e do nacionalismo. Já músicos famosos como Alexander Tsfasman foram “depostos” de sua fama e forçados a abandonar a atividade musical. A State Jazz Orchestra foi banida de tocar jazz e teve seu nome trocado para “State Variety Orchestra”. Por fim, o uso da palavra “dzhaz” foi banida em 1948 e, um ano depois, todo saxofonista deveria entregar o instrumento musical para a Varity Music Agency. Qualquer ritmo tocado que parecesse com notas de blues, como o dedilhado, tons mais baixos ou “tocar bateria com muito ritmo” também foram banidos (VAN KAN, 2012, p. 25-31). O surgimento de jovens unidos em defesa, principalmente, do jazz e da cultura ocidental na União Soviética, mais conhecidos como stiliagi, merece destaque no trabalho de Van Kan. A autora que expõe a importância deste grupo como o catalisador e determinante na permanente aceitação do jazz e no debate do significado deste estilo musical dentro da União Soviética. Os stiliagi usavam roupas, dançavam e falavam como os ocidentais e, obviamente, eram reprimidos pelo governo e até mesmo pelos oficiais da Komsomol, organização dos jovens da União Soviética. A repressão ao jazz foi mais forte em Moscou e era proporcionalmente mais fraca quanto maior a distância da cidade em relação a capital. Bandas exiladas tocavam para outros prisioneiros e, músicos como Oleg Lundstrem, tiveram até mesmo o privilégio de tocar em público e para os oficiais, durante seu exílio. Enquanto o VOA e as transmissões da BBC eram tocadas pelo mundo todo, os fãs de jazz no Cáucaso e na Ásia Central ouviam a Radio Iran, enquanto fãs dos Bálticos podiam ouvir o jazz por meio de estações de rádio escandinavas, como a Radio Luxemburgo ou até mesmo por meio de serviços holandeses e indonésios. Para Van Kan (2012), a disponibilização de tais materiais e a luta em defesa do jazz por músicos como Lundstrem, facilitaram a retorno da difusão do jazz no coração da União Soviética no fim dos anos 50. A morte de Stalin em 1953 trouxe consigo a volta de diversos músicos e principalmente do debate sobre a condenação do jazz em território soviético. Entretanto, como alguns dos principais oficiais ligados diretamente a Stalin ainda estavam no governo, tais debates foram em vão. Porém, a premonição de Stalin viria a se confirmar: os Estados Unidos começaram a utilizar o jazz como uma arma política. O jazz deveria ser visto, por tanto, como parte da vida cultural russa que estava adormecida perante o campo de visão de Stalin. O fato de Oleg Lundstrem tocar para os 66

oficiais e civis enquanto estava exilado, mostra a aspiração de certas castas da população soviética pelo jazz. Utysiov daria voz a essa necessidade e não atoa recebeu apoio de diversas camadas da sociedade, principalmente dos stiliagi. Apesar de tardiamente, diplomatas americanos presenciaram o fenômeno dos sitliagi e reconheceriam, dentro desta esfera, a potencial influencia que as transmissões de rádio como o “Jazz Club USA” de Leonard Feather, tinham sob os jovens soviéticos e do mundo. A morte de Stalin e a incerteza política gerada por este evento promoveram a oportunidade perfeita para os Estados Unidos “entrarem” na União Soviética. Em 1955 a criação do “Music USA”, sugerido pelo embaixador Charles E. Bohlen, e conduzido por Willis Conover, foi um programa de rádio direcionado para o público jovem da União Soviética que contava até mesmo com uma linguagem mais simples e lenta para aqueles que ainda estavam aprendendo inglês pudessem acompanhar o programa. O Music USA foi tão popular somado a perda da força do regime stalinista, que grupos de jazz começaram a surgir por toda a União Soviética, principalmente nas universidades. O Kremlin não poderia mais conter a infiltração do jazz em suas fronteiras e em 1955 encerrou oficialmente o banimento do jazz no território comunista. A real dimensão deste ato foi sentida emtoda União Soviética quando Moscou foi anfitrião do sexto International Youth Festival em 1957. O festival foi criado pelo grupo World Federation of Democratic Youth em 1945 para combater o fascismo e era realizado a cada dois anos para promover a paz e a amizade entre as nações. O festival foi a oportunidade que a União Soviética viu de mostrar aos 131 países e aos 34.000 participantes que o seu modelo de sociedade era o melhor. Os melhores músicos, incluindo jazzistas, foram recrutados para competir de igual para igual com os músicos vindos do exterior. O festival foi um sucesso, não para o objetivo soviético em promover o comunismo, mas sim na promoção da cultura ocidental dentro da União Soviética. Os siliargi enfrentaram a polícia para participarem da competição de jazz, e os visitantes trouxeram consigo produtos ocidentais que seriam vendidos no mercado negro de Moscou. O festival foi um marco vital para a trajetória em ascensão do jazz na União Soviética, como reporta Van Kan (2012) “when the festival and its guests departed, they left behind an increased passion for Western culture, and a national, even global, jazz network” (p. 34) 67

Neste momento podemos inferir que, ao contrário da União Soviética de Stalin, Khurshchov começava a ser tomado pela onda liberalizante que afogaria a União Soviética de Mikhail Gorbachev em 1991. Ao retomar as relações com a Iugoslávia em 1955 e sediar o International Youth Festival em 1957, Khurshchov estaria retificando algumas das proibições, políticas e ideias que Stalin arquitetou durante o período que esteve à frente da União Soviética. Assim, Khrushchov tornou legal a criação de jazz-cafés para jovens e, até o momento, nunca mais criaram-se políticas restritivas específicas sobre jazz desde 1960, apesar de Van Kan ressaltar que ainda houveram algumas prisões por causa da música ocidental na União Soviética. Em 1962, a única gravadora soviética, Melodiya, gravou suas primeiras faixas de jazz e, consequentemente, já se podia ouvir o estilo pelas rádios locais. Uma década depois, o jazz já estava na terceira edição da Great Soviet Encyclopedia. Em 1983, o filme Jazzman foi lançado, relembrando com humor as restrições ao estilo musical dos anos 30. O final da década de 50 seria marcado, por tanto, pelo despertar do jazz na União Soviética. A fresta pela qual a big band de Goodman entraria no território comunista, acompanhada por oficiais do Departamento de Estado americano, estava aberta. É neste cenário que George Wein começa sua relação com o bloco comunista. Fundador do Newport Jazz Festival, Wein viajou para Hungria, Polônia, Iugoslávia, Romênia e Tchecoslováquia a procura de jazzistas talentosos para formar uma banda internacional para o Festival em Newport, sem qualquer subsidio do governo americano. Tendo encontrado seus músicos na Europa Oriental, Wein entrou em contato com o Departamento de Estado para conseguir vistos para os músicos viajarem aos Estados Unidos e participarem do festival, com todos os custos pagos pela sua produtora (VON ESCHEN, 2004). Wein deu o nome de Newport International Youth Band a sua nova banda que com tamanho sucesso despertou o interesse do Departamento de Estado, que veio a subsidiar o concerto da banda em 1958 no Brussels World’s Fair. É neste mesmo ano que se inicia um marco na relação cultural entre os Estados Unidos e a União Soviética que, após três anos de negociações, realizaram um acordo de intercâmbio cultural, técnico e educacional, mais conhecido como Acordo Lacy-Zaroubin. O Acordo leva o nome dos seus dois principais negociadores: William S. B. Lacy, Assistente Especial do Presidente Eisenhower em assuntos de intercâmbio entre Ocidente68

Oriente, e Georgi Z. Zarubin, embaixador soviético nos Estados Unidos, descrito pelo New York Times the “Agreement Between the United States of America and the Union of Soviet Socialist Republics on Exchanges in the Cultural, Technical, and Educational Fields” encompassed a wide variety of exchanges in agriculture, science, technology, medicine, radio, television, film, exhibitions, publications, government, youth athletics, scholarly research, and tourism. (NEW YORK TIMES, 1958)

Tanto a União Soviética quanto os Estados Unidos esperavam que o acordo promovesse um maior entendimento entre os dois países e suas populações e, por outro lado, planejavam também a infiltração de agentes da KGB ou da CIA dentro dos programas culturais para espionagem (CIA, 1995; 1996). Enquanto os Estados Unidos buscavam compreender melhor a dinâmica e objetivos da União Soviética e obter ganhos com a cooperação científica e cultural, a União Soviética, por outro lado, pretendia mostrar sua igualdade econômica, científica e cultural perante as demais nações capitalistas, além de divulgar sua imagem para os cidadãos americanos de que a União Soviética buscava uma cooperação pacífica com o Ocidente (ibid.). Três anos depois, em 1961, o primeiro intercâmbio cultural entre as duas superpotências começou, com a ida da Michigan University Symphonic Band ao território comunista. Davenport (2009) ressalta que tal evento só aconteceu após exaustivas negociações que convergiram no entendimento de que tanto a União Soviética quanto os Estados Unidos buscavam “destruir mitos entre si” (p. 117). Apesar de compartilharem um interesse em comum, os dois países viriam a divergir em outras questões. Inicialmente, os soviéticos não queriam que a banda passasse pelas cidades do Báltico, por causa da independência cultural que eles estavam vivendo em relação a Moscou. Os Estados Unidos, por outro lado, insistiram na inclusão das cidades do Báltico no repertório da banda, que evitava se identificar como um conjunto de jazz, por causa da ambivalência soviética em relação ao estilo musical. Essa ambivalência seria percebida, um ano depois, nas negociações que sucederam a escolha de Goodman como primeiro embaixador do jazz na União Soviética. Tal aspecto será tratado mais à frente como parte da análise das condições e desdobramentos dos concertos de Goodman no território comunista. Observando a fresta cultural que se abria entre as duas superpotências, Goodman se utilizou da diplomacia, como observou Arthur Gelb, jornalista do New York Times, e não 69

perdeu tempo em chamar dois musicólogos, Konstantin K. Sakva, editor chefe do State Music Publishing House e o biógrafo e vice editor chefe da revista Soviet-skaya Muzyka, para tentar conseguir um convite para tocar na União Soviética. Goodman utilizou a sua popularidade e a venda de suas faixas musicais no mercado negro soviético como argumento para questionar o motivo pelo qual ele não poderia tocar no bloco comunista. “If I’m so popular, why can’t I get in to play there?” (GOODMAN apud. VON ESCHEN, 2004, p. 100-101). Foi depois de um ano que o tour de Goodman pela União Soviética seria anunciado e, como observa Von Eschen (2004), só pôde acontecer pela expansão do acordo cultural entre as duas potências e pelo lobby agressivo de Goodman para realizar um tour no bloco soviético. O acontecimento foi manchete na New York Times “U.S. and Soviet to Expand Their Cultural Exchange: Benny Goodman to Tour” que também descrevia os detalhes dessa troca cultural. Enquanto os Estados Unidos enviaram ao território soviético a big band de Goodman, o New York City Ballet e o Robert Shaw Chorale, a União Soviética, por outro lado, enviaria aos Estados Unidos o Bolshoi Theatre Ballet, a Leningard Philharmonia Symphony Orchestra e o Ukrainian Dance Ensemble aos Estados Unidos (VON ESCHEN, 2004, p. 101-102) Uma vez observada a relação histórica, política e social do jazz na União Soviética, devemos prosseguir com a presente análise para compreendermos os desdobramentos desta relação. Tal compreensão tomará como ponto de partida a dinâmica que serviu de sustentáculo para os concertos de Goodman na União Soviética em 1962. Assim, a escolha de Goodman como embaixador cultural para ir a União Soviética em 62 não haveria de ser aleatória. Sol Hurok e George Avakian, ambos empresários americanos, negociaram com oficiais soviéticos a escolha de um jazzista para o tour que aconteceria na União Soviética. Os oficiais, que recusaram a ida de Louis Armstrong e Duke Ellington à União Soviética, aceitaram Goodman após Avakian sugerir seu nome, como relata Davenport (2009) Avakian recalled that Soviet officials refused Louis Armstrong because they feared that his exuberant style of jazz might “cause riots.” When Avakian suggested Ellington, Soviet officials exclaimed, “No, no, no. He would be . . . too far out.” It was only when Avakian suggested Goodman that the Soviets agreed to jazz. They declared, he “would be best. . . After all, our orchestras play his music, and the 70

public will understand his music, they’ve heard . . . that kind of swing.” (DAVENPORT, 2009, p. 118)

A escolha de Goodman retrata bem a ambivalência dos soviéticos em relação ao jazz. Enquanto os soviéticos aceitavam o jazz “sinfônico”, eles continuavam rejeitando o jazz moderno ou popularmente conhecido como “decadente”. As formas clássicas de arte, seguindo a hierarquia cultural soviética construída desde o fim do Império Russo, faziam das artes modernas algo inferior. O preconceito em relação ao estilo musical ainda apontaria para contradições raciais. Para Von Eschen, a União Soviética poderia ser comparada ao Congresso americano quando a questão se trata do jazz. Entre simpatizantes e conversadores, alguns oficiais soviéticos entendiam que os negros americanos representavam outro tipo de classe oprimida, enquanto outros não toleravam a cultura negra, apesar de criticarem o racismo dentro da democracia americana. Assim, no dia 27 de maio, a big band de Benny Goodman embarcava em direção à União Soviética. Aterrissando em Moscou, a banda foi recebida pelo físico e dono do maior clube de jazz do local, Aleksei Batashev. O concerto de estreia aconteceria no dia 30 de maio e teve lotação máxima, conforme retrata Von Eschen (2004), dos 4.600 lugares do Central Army Sports Club, todos os dias em que a banda de Goodman tocou por lá (p. 106) A orquestra abriu com “Let’s Dance” e “Greetings Moscow” baseadas em músicas folks russas. Com a presença de Khrushchov, a audiência não se exaltou e foi cautelosa ao receber a banda de Goodman. Durante o começo do show, alguns jovens que sentaram perto do crítico Leonard Feather diziam os nomes dos músicos que eles identificavam. O solo de Joe Newman’s tocando “Moscow” conseguiu retirar aplausos dos diplomatas europeus e africanos que sentavam nas primeiras cadeiras. A reviravolta aconteceria com a apresentação do sexteto com Toddy Wilson no piano, como reportou o The Times “The group shook the hall” (THE TIMES apud. VON ESCHEN, 2004, p. 107-108). O público, ainda que contido, se entusiasmaria um pouco mais com as músicas “Avalon”, “Body and Soul”, “Rose Room”, “Stompin at the Savoy” e “China Boy”. Porém, foi com a interpretação da música “The Thrill is Gone” pela vocalista Joya Sherril, que a plateia e até mesmo Khrushchov ficaram impressionados, arrancando diversos aplausos. Ao fim do concerto Sherril foi chamada para o bis e cantou “I’m Beginning to See the Light”.

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No dia seguinte, a capa do New Tork Times tinha na sua manchete a presença de Khrushchov no primeiro show de Goodman na União Soviética “Benny Goodman’s Moscow Concert Pleases but Puzzles Khrushchev” (ibid.). Na matéria, Khrushchov aparentemente estava sorrindo e aplaudindo e, conforme relatos do embaixador Llewellyn E. Thompson Jr. e sua esposa, Khrushchov havia dito “I enjoyed it. I don’t dance, myself, so I don’t understand these things too well” (THOMPSON apud. VON ESCHEN, 2004, p. 108). Apesar de ter abandonado o concerto antes de seu término, Khrushchov enviou uma nota à Goodman dizendo que havia partido por causa de outros compromissos estatais e que estava "muito satisfeito e feliz por estar no show", conforme descrito por Von Eschen (2004, p. 108). Uma vez que a Guerra Fria girava em torno do conflito entre duas ideologias, a abertura cultural para reduzir as desconfianças entre as duas superpotências se mostraria um marco vital nas relações internacionais neste período. A partir da presença de Khurshchov e, consequentemente, a sua satisfação em estar em um concerto de jazz americano, é que podemos inferir que não apenas a détente, mas também as relações diplomáticas entre as duas superpotências estavam emergindo, principalmente, no nível das ideias. O segundo show, que contava com um público mais jovem, recebeu a banda de Goodman de forma bem mais calorosa. O jornal soviético, Tass, descreveu o concerto como “um grande hit” (TASS apud. VON ESCHEN, 2004, p. 109). Por outro lado, o Departamento de Estado começava a perceber a propensão de Goodman a ter comportamentos pouco diplomáticos. Diferentemente de Gillespie, no dia seguinte, Goodman cancelaria sua agenda de concertos clássicos porque, para ele, as orquestras russas não eram boas o suficiente, além de ter ignorado também um convite do Moscow Conservatory para visitar a instituição e tocar para os estudantes. Apesar disso, Goodman iria impressionar os russos com uma performance surpresa no Red Square. Quando Goodman avistou a troca de soldados para a guarda do Mausoléu de Lenin, Goodman não se conteve e tocou sua versão de “Pop Goes the Weasel”. Depois, o rei do swing, tocou no ritmo da marcha do exército vermelho. Apesar de divergir dos planos do Departamento de Estado e a continuar ignorando os protocolos firmados entre os oficiais soviéticos e americanos, Goodman ganhava o coração dos russos do seu jeito. Enquanto isso, a banda se mantinha ocupada conhecendo fãs de jazz em Moscou, visitando clubes e realizando sessões de jam “razoavelmente de sucesso” no clube de jazz local.

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Apesar de fugir dos planos, o Departamento de Estado via como positivo esse contato informal e individual, que continuaria após a banda viajar para Sochi no dia 2 de junho. Os primeiros dois dias em Sochi foram de descanso para a banda, que passou a maior parte do tempo na praia. O dia contou com a visita de um grupo de fãs de jazz que impressionou a banda com seus conhecimentos sobre jazz, como descreveu Von Eschen (2004) “One musician remarked: “These cats know more about us than we do!” Trombonist Willy Dennis sat “openmouthed” as a Soviet fan questioned him about his Down Beat “new jazz artist” rating” (p. 111). Em Sochi a banda de Goodman tocou no Summer Theater, para uma audiência vazia, onde quase não se ouviram assovios nem multidões fora do teatro, como reportou o Departamento de Estado. Terrence F. Catherman, cultural attaché na embaixada americana em Moscou, especulou que a falta de entusiasmo do público em relação a Goodman foi por causa do seu estilo mais clássico que ia contra a expectativa de um show moderno de jazz pelos fãs soviéticos. The band members were bombarded by the local modern jazz musicians with criticism of the Goodman style, as being too old-fashioned, so that most of them blamed Goodman’s ‘intransigence’ in not allowing more modern music on his Getting the Soviets to Swing program as reason number one. (VON ESCHEN, 2004, p. 111)

O excesso de zelo por causa da milícia uniformizada em Sochi foi, para Goodman, o motivo pelo qual as audiências foram intimidadas. Em primeiro lugar, Goodman foi proibido pelos oficiais soviéticos de usar Catherman como interprete e depois, quando Joe Newman junto a Catherman estavam conversando com o dono do clube de jazz local, três motocicletas policiais prenderam o dono do estabelecimento, confiscaram os registros fonográficos e os livros de Benny Goodman. Aqui podemos perceber que, apesar das liberalizações frente ao jazz na União Soviética, a repressão e o receio de uma aproximação mais intensa entre soviéticos e os valores americanos ainda eram fortemente presentes em boa parte das regiões que compunham o território comunista. A partir de Sochi a banda de Goodman sofreria diversas tensões internas motivadas tanto pelo fracasso das audiências como pelo temperamento forte de Goodman. O primeiro desses desencontros foi entre Goodman e Jimmy Knepper, trombonista, que tocou um solo muito moderno para o gosto de Goodman em Moscou e que, desde então, vinha recebendo 73

críticas e ofensas do líder da banda. Depois, Phil Woods viria a sofrer piadas pela parte de Goodman pelo seu jeito de tocar. Assim, até o fim do tour a banda de Goodman, na verdade, estava “contra ele”. Para Catherman, o bom humor e o profissionalismo dos músicos são os motivos pelos quais a banda deu continuidade aos concertos rumo a Tibilisi, na Georgia. Lá, os músicos acharam a recepção e as atitudes dos oficiais muito mais calorosas do que as em Sochi. Quando pousaram em Tibilisi os músicos foram recebidos por Appollon Kipiano, apresentador de um programa de televisão local e amigo de longa data de Catherman. À tarde Goodman participou do programa de Kipiani que, depois de ouvir relatórios de Moscou e Sochi, pressionou Goodman a fazer um concerto mais moderno misturando o twist e rock’n roll. Novamente, os shows não tiveram um público expressivo e a recepção da audiência fora muito “comportada”. Não bastando os conflitos internos da banda e a ambivalência soviética em relação ao jazz, a cantora Joya Sherrill sentiria as tensões regionais quando cantou a música russa “Katyusha” em Tibilisi. Sem saber russo e cantando foneticamente, Sherrill havia tirado aplausos em Sochi e Moscou, mas haveria de deixar o público em Tibilisi desgostoso. Von Eschen (2004) descreveu o evento But in Georgia the hooting and clamor of the audience led Goodman to cut the song off after one chorus. Soviet officials tried to explain that the “acoustics were bad,” but audiences made it clear that they were “very nationalistic and do not speak Russian willingly.”88 The Georgian audience resented the Russian language, not Sherrill—they “cheered heartily” after her next number, “Riding High.” (VON ESCHEN, 2004, p. 114)

O ponto mais inexpressivo do tour, se ainda poderia ser pior, foi na cidade de Tashkent, também na Geórgia. Lá a banda de Goodman encontrou a audiência mais apática de toda a viagem, somado à censura e perseguição policial para com os fãs de jazz soviéticos. Por outro lado, o ponto mais alto do tour viria ser na próxima parada em Leningrado. Logo quando chegou, Phil Woods se juntou com um saxofonista e um pianista soviético e fizeram uma jam session “internacional”. No dia seguinte, junto a mais artistas soviéticos, realizaram outra jam em uma universidade que durou até três da manhã. Apesar de Marshall Setarns não fazer parte do corpo oficial que acompanha a big band de Goodman e, assim, não conduzir aulas sobre a história do jazz, o foco nos jovens soviéticos se manteria por outros meios. Uma vez que o Departamento de Estado americano 74

havia percebido o movimento dos stiliagi como uma aproximação destes jovens para com os valores ocidentais, o jazz deveria se mostrar sedutor. Além do mais, assim como Gillespie, os contatos entre os músicos americanos e os locais abririam conexões que a diplomacia convencional não conseguiria fazer por si só. Como exemplo maior, Phil Woods conseguia encontrar, com a ajuda dos próprios oficiais soviéticos, músicos soviéticos. Para Von Eschen, (2004) “A greater atmosphere of freedom seemed to prevail” (p. 115) Em Leningrado, a atmosfera se mostrava completamente diferente de qualquer outro ponto soviético visitado. Tendo os ingressos se esgotado para todos os concertos na cidade. Apesar da péssima acústica do Winter Stadium e muitos dos 6.000 assentos serem improvisados no gramado, a resposta da audiência era o que a banda estava esperando ouvir durante todo o tour. Na noite de abertura, reportou o New York Times, a banda precisou realizar quarenta e dois minutos de encores (NEW YORK TIMES apud. VON ESCHEN, 2004, p. 115) Joya Sherrill foi a grande estrela da noite, realizou três encores depois da primeira performance e ganhou o carinho da audiência com as músicas “The Thrill Is Gone”, “Summertime” e “Fascinatin’ Rhythm”. Diferentemente de Tibilisi, como reporta Von Eschen (2004), a audiência “aprovou muito” sua versão de Katyusha e “quase trouxe a casa abaixo” quando agradeceu o público com “Spasibo bolshoye!”22 (p. 115). Em seu último concerto em Leningrado, parecendo bem tranquilo e feliz, Goodman entrou no palco com um suéter e chinelos e realizou um solo especialmente para o público, que ao fim do concerto, permaneceu nas arquibancadas e na pista aplaudindo e assoviando. Infelizmente o que o Departamento de Estado temia em relação a “típica atmosfera soviética” viria a tornar-se realidade. Catherman reportou que os fãs soviéticos pararam de ir ao hotel dos músicos e preferiam encontros rápidos nos parques. Os músicos soviéticos também foram avisados para não manterem muito contato com Phil Woods. Em Kiev, a banda realizou quatro performances no Palace of Sports com capacidade para 10.000 pessoas e que receberam a banda com entusiasmo. Mas outro problema começava a somar-se com as brigas entre os membros da banda: as recepções de cada show, a ação

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“Muito obrigada!” em russo. 75

policial cada vez mais notável, a comida servida no Moskva Hotel “ruim e muitas vezes estragadas” acompanhada de um serviço “decadente”, pareciam ser o estopim para a banda. Retornando a Moscou para os últimos seis concertos, a banda realizou os shows com certo sucesso apesar de se sentirem “geralmente cansados, desanimados, perseguidos pelos cinegrafistas, e com fome” (ibid.). As recepções das audiências foram tão entusiasmadas quanto as de Kiev, apesar de não poderem se comparar as de Leningrado. Com a chegada do fim do tour e os ânimos se esgotando, nove membros da banda de Goodman se recusaram a tocar o penúltimo concerto enquanto não recebessem seus pagamentos e, quando Goodman exigiu também o pagamento antecipado, o concerto aconteceu. Enquanto muitos membros não participaram de uma jam session no clube Molodyezhnoe, porque se viam esgotados emocionalmente e fisicamente, Goodman parecia estar melhor do que nunca ao ver o fim do tour se aproximando. Goodman se encontrou com membros da Moscow State Symphony, onde tocou solos clássicos, e depois foi ao encontro de vinte compositores, músicos e líderes de orquestras de jazz. No dia 4 de julho, Khrushchov foi a Embaixada dos Estados Unidos e recebeu Goodman de forma politizada e contida, para manter sua posição frente aos jovens soviéticos. “Ah, um novo fã de jazz”, disse Goodman. “Não”, respondeu Khrushchov, “Eu não gosto da música de Goodman. Eu gosto de boa música” (VON ESCHEN, 2004, p. 117-118). Depois de continuarem a conversa, tanto Goodman quanto Khrushchov descobriram uma afinidade musical em comum: Mozart. Khrushchov balançou seu dedo em sinal de reprovação a Goodman e falou “E você tocando essa música ruim” (ibid.). Com o fim do tour a banda retornou aos Estados Unidos tendo realizado 30 concertos para um público total de 176.800 pessoas. Para Catherman, Goodman “foi a melhor opção para levar o jazz americano para a União Soviética pela primeira vez” (VON ESCHEN, 2004, p. 118) e o Departamento de Estado, por sua vez, reportou que o show teve grande êxito em impulsionar a respeitabilidade do jazz na União Soviética, apesar de todos os desentendimentos envolvidos For Catherman, the fact that Goodman played a style of jazz acceptable to Soviet officialdom (even if they didn’t admire it as music) and was a competent classical musician—along with his “impeccable” personal habits, which put him above reproach—was decisive. Perhaps Goodman’s personal style was a fair match for that of cantankerous Soviet officials. (ibid.).

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Goodman disse que o sucesso do tour poderia ser medido por meio dos lucros, contabilizados em US$500.000, para a própria União Soviética. Em conversa com o Presidente Kennedy, Goodman leu a mensagem do presidente para Khrushchov agradecendo a recepção dos concertos e que ele “estava ansioso em ver o Bolshoi Ballet quando eles viessem para Washington no outono” (VON ESCHEN, 2004, p. 118-119). Porém, a relação triangular entre os Estados Unidos, União Soviética e o jazz não se manteriam tão amistosas quanto nas cartas de Kennedy para Khrushchov. Três meses depois da passagem de Goodman pela União Soviética e com o começo da crise dos mísseis de Cuba, o jazz e as relações entre as duas superpotências sofreriam uma reviravolta. No inverno de 1963, o partido comunista escreveu um novo édito contra o jazz dentro da União Soviética, que viria a sucumbir com as pressões populares por livre expressão na primavera seguinte, resultando no recuo de Khrushchov em relação à decisão. Neste cenário, devemos ressaltar a imersão do jazz e de certos valores americanos, como a liberdade, na União Soviética. Mesmo no período de maior tensão dentro da Guerra Fria, o nacionalismo soviético não oprimiu a sede pelo jazz, se não pela liberdade de expressão, que vinha sendo construída e reforçada na União Soviética a cada dia. Enquanto a população soviética estava altamente exposta à cultura ocidental, os oficiais proibiram a transmissão do Voice of America no verão de 1963 que, como reportou o jornalista Max Frankel ao New York Times, não impediu que o “jazz – bom, ruim e abominável – está agora em todo lugar na capital soviética” (NEW YORK TIMES apud. VON ESCHEN, 2004, p. 120) O fim da crise dos mísseis, depois de uma série de negociações que resultaram na persuasão de Kennedy para com Khrushchov em retirar os mísseis da ilha cubana, não resultou no fim das tensões no campo cultural. Os políticos americanos cancelaram diversos tours soviéticos, incluindo a vinda do time de basquete soviético aos Estados Unidos. A razão para tais adiamentos, para os americanos, era de que os tours talvez incitassem protestos ou violência em uma época de tensões políticas. Para os oficais era necessário analisar “the point at which the continuance of the Exchange program would worsen rather than ease tensions” (DAVENPORT, 2009, p. 121).

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No dia 24 de outubro de 1962, durante um encontro entre as agências soviéticas e da Europa oriental, Georgi Zhukov, presidente da Comissão de Estado do Conselho de Ministros de Relações Culturais com o Exterior, encorajou a continuação dos contatos culturais, apesar das disputas da Guerra Fria. Assim, as duas superpotências marcaram um encontro em Moscou, em dezembro, para rever os pontos do Acordo Lacy-Zaroubin. Apesar do despertar da crise dos mísseis, as negociações continuaram, muito pelo fato da percepção de Kennedy, Dean Rusk 23 e Khrushchov de que a cultura servia de ponte para a conciliação mesmo nos momentos mais turbulentos da Guerra Fria. Mais uma vez, contamos com a percepção dos chefes de Estado de que a cultura é capaz de alterar as relações sociais entre povos, e políticas entre duas ou mais nações, para podermos inferir, por tanto, que o jazz como instrumento diplomático foi essencial na construção e manutenção dos valores americanos em diversas nações. No caso específico da crise dos mísseis, as relações culturais serviriam de porto seguro às duas superpotências. Kennedy chamava a cultura e as artes de “grande democracia” entre os homens e nações, enquanto Rusk, como relatou Davenport, declarava que “mesmo quando duas superpotências estão “olho-a-olho” e presos em crises, normalmente há contatos sólidos em níveis mais baixos” (2009, p. 122). Khrushchov, tentando esfriar as tensões, falou para seus “companheiros”: “Vamos ao Teatro Bolshoi. Eles [os ocidentais] vão dizer para si mesmos, ‘Se Khrushchov e os outros liderem são capazes de ir a opera em um tempo desses, então pelo menos esta noite nós podemos dormir em paz” (ibid.). Quando a crise parecia estar controlada, o Presidente Kennedy debateu como a cultura poderia atingir ganhos políticos com os jovens de todos os países. Kennedy acreditava que em uma época onde “mudanças rápidas e muitas vezes violentas”, no meio de uma competição “impiedosa” com os soviéticos e quando “novos líderes surgiram e estão subindo ao poder, mudanças políticas estão ocorrendo, e os eventos com os quais as artes tradicionais de diplomacia devem lidar estão se movendo com velocidade de tirar o fôlego”, a cultura poderia “abrir horizontes” entre os jovens (ibid.). Em uma carta para Rusk, Kennedy indicou que a cultura poderia ser utilizada em uma tentativa de influenciar as ações e atitudes principalmente de países que se tornaram

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Secretário de Estado da administração Kennedy. 78

recentemente independentes. Os jovens, para Kennedy, são os novos líderes da próxima geração. O presidente americano parecia estar certo na visão dos russos. Os soviéticos percebiam que a fome pelo jazz entre a juventude russa havia se intensificado e com isso, desejavam intensificar também as relações com o ocidente. Para o jornal Variety, “The Reds [Were] Using Jazz to Strengthen Free World Ties” (VARIETY apud. DAVENPORT, 2009, p. 122) Assim, pareceu que a União Soviética se preparava para a détente com os Estados Unidos. Com o crescente interesse dos soviéticos pelas artes e músicas americanas, principalmente as de raízes africana, os jovens soviéticos começaram a tocar jazz como os americanos. Até mesmo Khrushchov afirmou “I also like some contemporary music” (DAVENPORT, 2009, p. 122). Surgiram também discussões, em publicações russas como a Smena, sobre o jazz russo e americano. Os soviéticos classificavam o jazz, agora, como um estilo musical sério. Por tanto, os desdobramentos da Diplomacia do Jazz, dentro do território soviético, devem ser observados por três lentes conexas. Em primeiro lugar, devemos ter a percepção de que a passagem de Goodman pelo território soviético reforçou a busca por maiores liberdades de expressão por parte da população. Com isto, a Diplomacia do Jazz se mostraria eficaz na exportação e internalização dos valores americanos para com outras nações. Por fim, devemos observar que o intercâmbio cultural abriu maiores diálogos e possibilidades para a resolução de conflitos entre as duas superpotências na Guerra Fria.

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CONCLUSÃO O presente trabalho analisou o jazz como instrumento diplomático americano na Guerra Fria, por meio da observação dos concertos de Dizzy Gillespie (1956) e de Benny Goodman (1962). Partiu-se da hipótese de que os embaixadores do jazz, Gillespie e Goodman, conseguiram levar o american way of life aos países do Oriente Médio e à União Soviética e, por conseguinte, amenizaram a imagem racista e imperialista que os Estados Unidos tinham internacionalmente. Mais do que isso, a hipótese ressaltava a eficácia do jazz na détente entre as duas superpotências da época. Restou comprovado que a Diplomacia do Jazz de fato reforçou e conquistou o alinhamento de países para com os Estados Unidos e, principalmente, abriu um caminho de comunicação entre as duas superpotências durante o ano de 1962, principalmente por meio do acordo Lacy-Zaroubin. Contudo, é importante rememorar alguns eventos apresentados neste trabalho que reforçam a hipótese formulado. Em primeiro lugar, os shows de Gillespie, principalmente na Grécia e na Iugoslávia, mostraram como o jazz conquistou e reforçou alinhamentos com os Estados Unidos. Os estudantes gregos, que antes alimentavam o antiamericanismo, carregaram Gillespie nos ombros e, com ele, um dos símbolos mais americanos: o jazz. No caso da Iugoslávia, a troca cultural e científica com o Ocidente, e o sucesso de Gillespie no país, demonstram o alinhamento pragmático da Iugoslávia para com os Estados Unidos, que proporciou à Tito as bases pelas quais ele pressionaria Khurschov em reconhecer outros tipos de comunismo além do marxista-leninista. Em segundo lugar, apesar dos concertos de Benny Goodman não terem tido tamanho sucesso na União Soviética quanto os de Gillespie no Oriente Médio, levar o jazz americano nas fronteiras que, antes, reprimiam qualquer atividade ocidental, foi um grande marco. Ao reconhecer outros tipos de comunismo e gradualmente aceitar trocas culturais com o Ocidente, a União Soviética de Khurschov se mostrava cada vez mais disposta a uma relação pacífica com os Estados Unidos.

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Por fim, o jazz como estilo musical representante da liberdade, proporcionou uma troca cultural e de pessoas, como foi o caso de Arif Mardin, que se perpetuou para além do período da Guerra Fria. Como exemplo, o jazzista Herbie Hancock, que em 2011 foi nomeado embaixador da boa vontade da Unesco, reconhece que atualmente o jazz mais inovador, na verdade, vem de fora dos Estados Unidos. O jazz é o verdadeiro diplomata musical, porque une gente de todas as nacionalidades. Danilo Perez, que toca com Wayne Shorter, é do Panamá. A música dele tem profundas raízes nas tradições latino-americanas, não apenas na tradição panamenha. Ele leva isso para a música de Wayne Shorter. Há dois anos, fui nomeado embaixador da boa vontade da Unesco para a promoção do diálogo intercultural. Visitei países como Camboja e Indonésia e organizei o Dia Internacional do Jazz. A segunda edição foi neste ano, em 13 de abril. Vi ótimos jazzistas na Coreia do Norte, na Síria e no Iraque. Há dezenas de outros artistas fazendo isso hoje. Tenho ouvido músicos da Armênia, músicos que fazem jazz com toques da música armênia. Há muita inovação vinda do jazz da China, músicos que fazem jazz com influência da música tradicional chinesa. Então, o jazz continua muito inovador. (HANCOCK, 2013)

Assim, o jazz se mostrou muito mais do que um movimento artístico, político e social negro americano; ele viria a ser a manifestação das mais diversas interposições de raças, nações e estilos. A improvisação e o sentimento de liberdade são as características fundamentais que fizeram do jazz um instrumento diplomático americano sem fronteiras.

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