Da cartografia do chão à cartografia da ação: subsídios de técnica cartográfica para o desenho de estratégias de ação territorial em Campinas

June 19, 2017 | Autor: D. Mangaba de Cam... | Categoria: Geography, Urban Planning, Geographic Information Systems (GIS)
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Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015

DA CARTOGRAFIA DO CHÃO À CARTOGRAFIA DA AÇÃO: SUBSÍDIOS DE TÉCNICA CARTOGRÁFICA PARA O DESENHO DE ESTRATÉGIAS DE AÇÃO TERRITORIAL EM CAMPINAS Danilo Mangaba de Camargo

Manoel Lemes da Silva Neto

Faculdade de Geografia CEATEC [email protected]

Requalificação Urbana CEATEC [email protected]

Resumo: O texto apresenta duas possibilidades teórico-metodológicas para subsidiar as ações de planejamento e desenvolvimento territorial. Tais possibilidades são dadas pelo uso das tecnologias da geoinformação e pela aplicação da metodologia da cartografia da ação social. Como resultados são apresentados o estudo urbanístico-ambiental e o banco de notícias do loteamento Village Campinas, ambos, produtos do desenvolvimento de um banco de dados georreferenciado engendrado por informações de fontes oficiais e extraoficiais. O banco de dados e seus produtos demonstram a utilidade dessa metodologia como aporte para a formulação de projetos e políticas de caráter territorial. Palavras-chave: Geoinformação, Cartografia da ação social, Planejamento Territorial. Área do Conhecimento: Ciências sociais aplicadas – Planejamento Urbano-Regional – CNPq. 1. INTRODUÇÃO A ideia de que o “problema do Brasil” é a fal-ta de planejamento parece persistir no pensamento coletivo, no entanto, o problema não se trata da falta de planejamento, mas sim de seus propósitos e objetivos. Mesmo na aparente desordem de nossas cidades é possível constatar a concreta atuação de uma racionalidade. Contudo, o atual período da história tem evidenciado a importância do papel das contrarracionalidades [1] na produção do espaço brasileiro, sobretudo, em sua dimensão intra-urbana. O desafio está posto: como podem os plane-jadores compreenderem a riqueza das relações do tecido social urbano e devolver à sociedade projetos que venham atender seus anseios? Este trabalho busca apresentar alternativas para o enfrentamento desse desafio, compreendendo que ele deva ser visto em sua dimensão teóricometodológica. Parte-se aqui do pressuposto de que o conceito fundamental para o planejamento seja o de território usado [2]. Em outra via, apresentamos a

aplicação e construção de um banco de dados georreferenciado para a representação digital do território [3], produto direto da aplicação das novas tecnologias da geoinformação. Todavia o banco implementado lança mão também, do arcabouço metodológico da cartografia da ação social, metodologia essa cunhada por Ana Clara de Torres Ribeiro [4, 5]. A aplicação desses aportes teórico-metodológicos é dada no caso concreto do loteamento Village Campinas que, embora possua diversas características singulares desse lugar, permite perceber aspectos importantes da urbanização brasileira, sobretudo pós 1970. O olhar aqui demonstrado, aponta para a cartografia como instrumento privilegiado da planificação, ferramenta de leitura e interpretação do território, sem, contudo, desvinculá-la de sua essência, ou seja, entendendo-a como um produto social. Vendo-a desse modo é possível inferir a respeito dos agentes e intencionalidades preponderantes no processo de ordenamento territorial. Em outra via, é possível vislumbrar o alcance de outras cartografias possíveis e com elas subsidiar o desenho de novas estratégias urbano-regionais. Para lograr tal objetivo, o artigo é seccionado em um primeiro momento que discute o contexto histórico das transformações da cartografia e das representações do espaço geográfico, com enfoque em sua relação com as ações de planejamento. Adiante é apresentado o loteamento Village Campinas, recorte territorial adotado na presente pesquisa. Segue-se com a metodologia para construção do banco de dados georreferenciados do loteamento e entorno, demonstrando as potencialidades da utilização de fontes oficiais e extraoficiais para à análise territorial. Por fim são delineadas as conclusões alcançadas na pesquisa.

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2. A CARTOGRAFIA E AS REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: NOVOS PARADIGMAS POSSÍVEIS Menezes e Fernandes [6] apontam que a história da cartografia é tão extensa quanto à história da humanidade, para esses autores as impressões rupestres deixadas sobre as paredes de cavernas seriam os primórdios das representações cartográficas do espaço vivido por nossos ancestrais. Contudo tal perspectiva seria gradativamente substituída por uma visão geométrica e abstrata dos símbolos e significados, objetos e suas relações espaciais. Bauman [7] considera essa transição como uma verdadeira guerra espacial. Segundo esse autor a reorganização espacial promovida pela implantação do Estado moderno passou pelo rearranjo do paradigma cartográfico estabelecido desde então por medidas antropomórficas, para a abstração do espaço em sua dimensão cartográfica que seria a partir daí produzida, lida e interpretada, por um seleto grupo de pessoas. A cartografia transmutada pelo advento da era moderna passa a ser um instrumento eficaz para essa necessidade de reordenamento do território, bem como sua utilização, ainda que velada, serve como instrumento de controle social. Contudo, o que não pode ser ignorado é o fato de que de modo incruento nossas cidades são palcos de inúmeras batalhas travadas dia-a-dia, batalhas pela sobrevivência, por um emprego, por condições dignas de habitação, saneamento e, outras mais. Desse modo, conhecer o território é necessidade preeminente para os governantes, mas não só a eles. Tal conhecimento compartilhado entre os cidadãos pode ser fonte de resistência frente a tantos projetos de características exógenas que são postos a suas realidades locais [5]. Vista por essa ótica a cartografia pode servir como base para um desenvolvimento “de baixo para cima”, isto é, um desenvolvimento levado a cabo a partir da base local frente ao querer de agentes tantas vezes hegemônicos [7]. Todavia o momento atual apresenta novas possibilidades para a utilização dos produtos cartográficos. Tais possibilidades tem encontrado força nos promissores avanços no campo da geoinformação, de modo que se pode verificar que com a ampliação do uso desse tipo de informação uma nova base empírica de conhecimento do mundo é alcançada [8]. Vejase, por exemplo, a disponibilidade de dados como imagens de satélites que permitem a elaboração de

mapeamentos diversos em escala mundial em curto espaço de tempo. Potencialidades, portanto, são reveladas na utilização combinada entre os recursos da ciência da geoinformação e da cartografia da ação social, para uma interpretação mais integrada e totalizante do território, ampliando as possibilidades de desenhos de novas estratégias para o desenvolvimento urbano-regional e como subsídio à formulação de políticas públicas de caráter territorial. No âmbito do presente trabalho, cabe a elucidação de uma diferenciação entre as categorias das informações territoriais utilizadas. Tais categorias dizem respeito à fonte primária da informação e consequentemente, da metodologia aplicada na coleta de dados. Desse modo, entende-se que existem duas categorias, isto é, a geoinformação de fontes frias e a geoinformação de fontes quentes. Por fontes frias de geoinformação entende-se aquelas advindas de órgãos oficiais do Estado, tais como institutos de pesquisa e comissões de planejamento que, embora mapeiem fenômenos que possuem expressão territorial, muitas vezes a partir de sua dimensão cartesiana, tantas vezes velando sua complexidade, trazem informações importantíssimas para a leitura da realidade espacial em questão. Por sua vez, as fontes quentes de geoinformação são oriundas de instituições não oficiais. Não possui tantas vezes a precisão e acurácia da anterior, mas sua utilização visa a compreensão das ações sociais, que desembocam na maneira como o território é usado. Tal fonte de informação pauta-se, portanto, na representação do espaço relativo em oposição ao espaço cartesiano [9].

3. ÁREA DE ESTUDO: O LOTEAMENTO VILLAGE CAMPINAS Para efeito analítico essas reflexões foram experimentadas em um caso concreto. Trata-se do loteamento Village na cidade de Campinas-SP. O loteamento tem origem na década de 1970, época marcante no processo de urbanização brasileira evidenciada por aspectos como a modernização agrícola e a consolidação da industrialização do país. A Figura 1 apresenta a localização da área de estudo.

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Tabela 2. Banco de dados georreferenciado do loteamento Village Campinas

Geoinformação de fontes frias Dados físicos

Figura 1. Localização do loteamento Village Campinas

Diante desse contexto o loteamento Village e seu entorno foram engendrados de maneira bastante heterogênea em suas características sóciodemográficas, de modo que nesse recorte espacial, podem ser verificadas habitações mais abastadas, caracterizadas por população que busca o afastamento do centro urbano da metrópole. No entanto, na mesma área é possível verificar habitações com características de população de baixa renda, que em muitos casos estão envolvidos com trabalhos em atividades de características rurais nos arredores do loteamento. 4. CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DIGITAL DE REPRESENTAÇÃO TERRITORIAL E OS RESULTADOS OBTIDOS Bancos de dados georreferenciados que buscam subsidiar a análise territorial, usualmente só comportam dados oriundos de fontes quentes de geoinformação, no entanto vê-se a possibilidade de ampliar sua capacidade analítica com o incremento de informações de fontes frias. Essa experimentação foi realizada na pesquisa e o banco dela decorrente pode ser visto na Tabela 1.

Fontes

Imagem satélite Cbers 2

INPE

Uso do solo

Derivado da Imagem Cbers

Hidrografia

Base do Lab. de geoprocessamento da PUC-Campinas

Curvas de nível

Cartas topográficas IGC

Declividade

Derivada das cartas topográficas do IGC

Dados Cadastrais

-

Eixo viário

Base do Lab. de geoprocessamento da PUC-Campinas

Setores censitários

IBGE

Áreas de ponderação

IBGE

Delimitação do loteamento

Derivado das cartas topográficas do IGC

Dados socioeconomicos

-

Varíaveis censitárias

IBGE - Censo 2010

Geoinformação de fontes quentes BAPS

Fontes

Notícias referentes às manifestações e ações dos moradores do Village e entorno

Mídias sociais diversas

Vale salientar que com exceção dos dados oriundos da base de dados do laboratório de geoprocessamento da PUC-Campinas, todas as bases de dados apresentadas na Figura 3 são de acesso livre. A partir do banco de dados digital do Village Campinas dois produtos foram gerados: um estudo urbanístico-ambiental da área e entorno e um banco georreferenciado de notícias sobre manifestações da ação social de seus habitantes. O estudo urbanístico-ambiental do loteamento Village Campinas é produto direto dos componentes de geoinformação de “fontes frias”. A Figura 2 apresenta a título de exemplo, uma das pranchas síntese desse estudo.

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ternet, de notícias que revelassem as manifestações espontâneas da ação dos sujeitos sociais do Village e entorno, valorizando, sobretudo suas reinvindicações quanto às melhorias das características urbanísticas e de uso do território. Após a leitura da notícia, o local do evento foi georreferenciado considerando sua posição relativa, dada por um ponto de referência, por exemplo, a ponte sobre o rio Anhumas. Os links com as matérias também foram armazenados no banco de modo a permitir a construção de hiperlinks dentro de um sistema de informação geográfica – SIG, ou seja, com um clique no mapa o usuário é direcionado para a página na internet onde a matéria poderia ser lida na integra. A Figura 3 apresenta um exemplo dessa aplicação. Figura 2. Exemplo de prancha constituínte do estudo urbanístico-ambiental do loteamento Village Campinas.

O estudo apresenta característica de extrema importância para o entendimento da dinâmica dos habitantes da área. O primeiro ponto trata-se de sua proximidade com importantes rodovias, como a Dom Pedro I, que faz ligação de Campinas com cidades mais interioranas e também com a capital estadual. Características físicas e ambientais apresentadas revelam os fragmentos florestais no entorno do loteamento, bem como também, a divisão das Ottobacias de nível 6 e a hidrografia da região. Foram obtidas também características urbanísticas derivadas dos dados do Censo demográfico de 2010. As taxas foram calculadas a partir de indicadores especialmente formulados para a leitura territorial [10] A primeira taxa diz respeito à existência de calçadas. Nessa taxa o Village possui percentual que varia entre 0 e 31% de calçamentos em suas vias, essa taxa é representativa das características do loteamento que se situa na fronteira entre o urbano e o rural de Campinas. No que tange à taxa de densidade populacional urbana evidencia-se que o Loteamento Village possui densidade maior que seu entorno imediato, com valores alcançando a classe de 14, 98 – 35,11 (hab/ha). A terceira taxa concerne à existência de arborização no entorno domiciliar. Podem ser observados valores altos em partes do loteamento alcançando o intervalo de 87,36 – 98,18% em alguns pontos. Em outra mão, produto oriundo das fontes quentes de geoinformação, trata-se do banco de notícias Village. O banco foi formado a partir de buscas na in-

Figura 3. Exemplo de notícia georreferenciada no banco de notícias Village.

O exemplo denota uma reportagem do portal Barão em Foco, neste caso a reivindicação dos mo-radores versava sobre melhorias no atendimento do transporte público que teve seu itinerário alterado . De fato, esse tipo de informação não é encontrado em bancos de dados oficiais, no entanto, no mo-mento atual não parece mais cabível o ato de negli-genciar as aspirações territoriais dos sujeitos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A problemática urbano-regional brasileira impõe desafios para formulação de políticas e estratégias territoriais que visem um espaço mais igualitário, no sentido de fornecer condições para a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. O atual desenvolvimento das técnicas associado ao avanço metodológico no tratamento desse tipo de

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questão permite-nos vislumbrar novas possibilidades, para as ações de planejamento e ordenamento territorial. Nesse bojo estão inseridas as tecnologias da geoinformação e a cartografia da ação social. No caso do loteamento Village Campinas a construção de um território digital, formulado tanto com geoinformação de fontes oficiais como também daquelas extraoficiais, possibilitou um melhor entendimento desse território, materializado sobre um estudo urbanístico-ambiental e sobre o Banco de notícias Village. Em suma, a aplicação teórico-metodológica aqui proposta, torna-se instrumento eficaz, subsidiário em um processo contínuo de formulação de novas estratégias para o desenvolvimento urbano-regional brasileiro. AGRADECIMENTOS A FAPIC/Reitoria pela concessão de bolsa de estudo durante o período de desenvolvimento da pesquisa. REFERÊNCIAS [1] HARVEY, D. et. al. (2013) Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Editora Boitempo, [2] SANTOS, M; SILVEIRA, M.L. (2011) O Brasil: Território e sociedade no inicio do século XXI. Livro vira-vira 1- Rio de Janeiro: BestBolso, 480p. [3] RAMOS, R. R. et. al. (2007) Territórios Digitais Urbanos. In: ALMEIDA et. al. Geoinformação em urbanismo: cidade real x cidade virtual. São Paulo: Oficina de Textos. 2007 Cap I, p 34-53. [4] RIBEIRO, Ana Clara Torres et al. (2002) Por uma cartografia da ação: pequeno ensaio de método.

Cadernos IPPUR, Ano XV, N.2 e Ano XVI, N.1, 2002. [5] RIBEIRO, A. C. T. Territórios da sociedade, impulsos globais e pensamento analítico: Por uma Cartografia da Ação. Tamoios, Rio de Janeiro, ano 08, n. 01, p. 03-12, jan./jun. 2012. [6] MENEZES, P. M. L.; FERNANDES, M. C. (2013) Roteiro de Cartografia. São Paulo, SP: Oficina de Textos. 288p. [7] STHÖR, W. B. Desarrollo desde abajo: El paradigma de desarrollo de abajo hacia arriba, y de La periferia hacia adentro. Santiago de Chile: IIpes, 1981. (Documento CPRD-D/80). [8] BUZAI, G; RUIZ, E. (2012) Geotecnósfera. Tecnologías de la información geográfica en el contexto global del sistema mundo. Anekumene. n. 4, p. 88-106. Disponível em: Acesso em 16 de janeiro de 2015. [9] FERREIRA, M. C. Iniciação à análise geoespacial: Teoria, técnicas e exemplos para geoprocessamento. Rio Claro – SP: Editora UNESP, 2012. 343p. [10] SILVA NETO, Manoel Lemes da. Configurações espaciais da urbanização contemporânea: adensamento urbano, sistemas de espaços livres e constituição da esfera pública no Brasil. Campinas: PUC-Campinas, fev. 2014. Mimeo. (Relatório de pesquisa).

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