Da concessão da prisão albergue domiciliar fora dos parâmetros legais: uma alternativa à ausência de vagas nos regimes de cumprimento de pena do rio grande do sul

June 15, 2017 | Autor: B. de Azevedo e S... | Categoria: Direito Penal, Execução Penal, Processo Penal, Prisão
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DA CONCESSÃO DA PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR FORA DOS PARÂMETROS LEGAIS: UMA ALTERNATIVA À AUSÊNCIA DE VAGAS NOS REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA DO RIO GRANDE DO SUL Bernardo de Azevedo e Souza Sumário: 1. Introdução. 2. Das modalidades de prisão domiciliar: esclarecimentos necessários. 3. A controversa interpretação do art. 117 da Lei de Execução Penal no âmbito das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas. 1. Introdução O sistema prisional dos regimes semiaberto e aberto, no âmbito das Varas de Execuções Criminais (VECs) de Porto Alegre, enfrenta uma crise sem precedentes. O tráfico de drogas, a posse de armas de fogo por condenados, a execução de presos e o uso de telefones celulares livremente são apenas uns dos diversos motivos que conduziram à interdição de estabelecimentos prisionais no Rio Grande do Sul, tais como o Instituto Penal de Charqueadas, o Instituto Penal de Viamão e a Colônia Penal Agrícola de Mariante.1 Aspectos similares, somados à corrupção endêmica2 e a falta de manutenção, ocasionaram também a interdição do Instituto Penal Padre Pio Buck. Se mesmo quando do funcionamento das referidas casas prisionais então interditadas as vagas disponíveis já eram insuficientes para atender o contingente de presos dos regimes aberto e semiaberto de Porto Alegre, aquelas que permaneceram operando (Patronato Lima Drummond, Instituto Penal de Canoas, Instituto Penal Irmão Miguel Dario3, Instituto Penal Santos e Medeiros de Gravataí) não suportam sequer 20% (vinte 

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Mestre e Especialista em Ciências Criminais (PUCRS). Professor convidado da Escola Superior da Advocacia da OAB/RS. Diretor Editorial do Canal Ciências Criminais. Advogado criminalista. “Sucateamento prisional: decretada interdição no Instituto Penal de Charqueadas”. Disponível em: . “Superlotação leva Justiça do RS a interditar Instituto Penal de Viamão”. Disponível em: . “Cemitério de presos: juiz decreta interdição total em colônia penal no RS”. Disponível em: . “Corrupção na cadeia: presos compravam saídas para o crime”. Disponível em: . Cabe assinalar que o Instituto Penal Irmão Miguel Dario foi recentemente incendiado por detentos: “Incêndio destrói alojamento de instituto penal de Porto Alegre: cerca de 80 presos atearam fogo a colchões depois de revista em celas”. Disponível em: .

por cento) da demanda necessária das VECs da capital gaúcha. A inevitável conclusão é apenas uma: não há mais espaço adequado para o cumprimento de penas nos regimes aberto e semiaberto no sistema prisional do Rio Grande do Sul. Para enfrentar a realidade apresentada, durante alguns anos os juízes das VECs determinaram que os presos em tais regimes aguardassem novas vagas recolhidos com presos do regime fechado. Por meio desta medida buscava-se resguardar os interesses da sociedade em relação ao quesito da segurança pública. A determinação não alcançou, contudo, os objetivos inicialmente pretendidos. Muito pelo contrário: pôs em xeque o próprio regime fechado, que, com poucas vagas, não mais estava recebendo presos realmente perigosos (condenados por delitos de maior gravidade), além das situações relacionadas a prisões em flagrante e prisões preventivas. A medida adotada pelos magistrados das VECs acabou ainda criando, por via de consequência, a “cultura da fuga”. A permanência de presos do regime semiaberto no fechado acabou desenvolvendo uma espécie de “fila de progressão de regime”, que se movimentava somente quando ocorriam fugas no regime semiaberto. Desse modo, para que um detento do regime fechado pudesse progredir para o semiaberto, era necessário que outro preso (do semiaberto) fugisse. Sob esse viés, somente entre os anos de 2010 e 2012 foram registradas 10.590 (dez mil, quinhentas e noventa) fugas.4 A inexistência de vagas nos regimes aberto e semiaberto, somada às constantes evasões, sobretudo no âmbito do Instituto Penal de Viamão (que inclusive foi cunhado pejorativamente de “Campeão de Fugas”5), conduziu os magistrados a adotar novas providências para enfrentar a realidade apresentada. Foi, então, determinado que os presos nos regimes mencionados aguardassem novas vagas em suas residências. A necessidade de controle, acompanhamento e vigilância acerca das condições de cumprimento destas constrições de liberdade em âmbito domiciliar levou os juízes também a decretar a utilização do sistema de monitoramento eletrônico por meio de tornozeleiras. Sem embargo da razoabilidade dos argumentos contidos nas decisões lavradas pelos magistrados, como forma de enfrentamento à caótica situação das casas prisionais do Rio Grande do Sul, a repercussão da medida adotada foi absolutamente negativa. Não apenas os meios midiáticos e a sociedade “condenaram” a nova providência, como o Ministério Público, a seu turno, passou a recorrer de todas as decisões que autorizavam a prisão albergue domiciliar com monitoramento, sob o fundamento de que, dado o caráter taxativo 4 5

Consoante noticiado pelas decisões proferidas pelos juízes das VECs. “Crise no Semiaberto: campeão de fugas no RS, Instituto Penal de Viamão é símbolo do descontrole em albergues prisionais”. Disponível em: .

do art. 117 da Lei de Execução Penal (LEP)6, não seria possível determinar a constrição fora das hipóteses contidas no dispositivo. Sob a ótica da legalidade (enfoque trazido pelo Parquet), a ausência de vagas nos regimes aberto e semiaberto de cumprimento da pena não estaria contemplada nos incisos do referido dispositivo, o que impossibilitaria a concessão da prisão albergue domiciliar, ainda que como resposta à deplorável situação carcerária gaúcha. Para além deste aspecto propriamente dito, cabe ainda referir que os juízes das VEC’S também estariam determinado a aplicação do monitoramento eletrônico fora dos parâmetros do art. 146-B, IV, da LEP7, o que fomentou ainda mais polêmica à questão. Ainda que perfeitamente possível aplicar o monitoramento no âmbito da prisão albergue domiciliar, a problemática residiria no fato de que tal modalidade de cerceamento de liberdade estaria sendo aplicada indevidamente por aqueles magistrados, ao arrepio da lei e em clara violação ao princípio da legalidade. Inexistiria, assim, a possibilidade (legal) para autorizar a monitoração eletrônica, visto que não estariam preenchidos quaisquer dos requisitos da prisão domiciliar. Logo, tanto a prisão albergue domiciliar (art. 117) quanto a medida de monitoração eletrônica (art. 146-B, IV) estariam sendo concedidas fora dos parâmetros legais, acarretando desse modo a insurgência do Ministério Público por meio de agravos em execução.8 Elucidados os contornos da polêmica instaurada, deve-se dizer que a expectativa de muitos (sobretudo os advogados criminalistas) era a de que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), ao analisar os diversos recursos ministeriais apresentados, colocasse um ponto final na questão. Contudo, ao contrário do que se esperava, a divergência imperou entre as Câmaras Criminais, sendo adotados dois posicionamentos antagônicos: de um lado, desembargadores entendendo que a inexistência de vagas nos regimes aberto e semiaberto não consistia fundamento válido para autorizar a concessão de prisão albergue 6

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Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante. Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: [...] II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto; [...] IV - determinar a prisão domiciliar. Destacamos desde já que, dentro das limitações do presente artigo, não abordaremos a polêmica em torno da aplicação do monitoramento eletrônico e a inobservância do art. 146-B, da LEP, direcionando nosso foco à análise da prisão albergue domiciliar pura e simplesmente.

domiciliar (ou mesmo inclusão no programa de monitoração); de outro, desembargadores concluindo que a situação do sistema carcerário gaúcho, somada à ausência de vagas nos regime semiaberto e aberto, configuraria causa extraordinária apta a autorizar o cumprimento da pena em âmbito residencial (com ou sem monitoramento eletrônico). Como se pode observar, portanto, a celeuma prosseguiu no TJ-RS, sendo a pretensão deste artigo analisar os argumentos apresentados pelos Desembargadores das 8 (oito) Câmaras Criminais, na tentativa de responder ao seguinte questionamento: a inexistência de vagas nos regimes (aberto e semiaberto) de cumprimento de pena no sistema prisional gaúcho constitui fundamento válido para a aplicação da prisão albergue domiciliar, ainda que fora dos parâmetros estabelecidos pela LEP? 2. Das modalidades de prisão domiciliar: esclarecimentos necessários Antes de adentrarmos no objeto de nosso estudo propriamente dito, impende situarmos o leitor às diferentes modalidades de prisão domiciliar existentes em nosso ordenamento jurídico. O alerta é absolutamente necessário, a nosso juízo, sobretudo porque não raro pode ocorrer nebulosidade em relação a questão. Atualmente existem 3 (três) espécies de prisão domiciliar: a prisão cautelar domiciliar, a medida cautelar de recolhimento domiciliar e a prisão albergue domiciliar. A prisão cautelar domiciliar foi inserida pela Lei 12.403/2011 e está atualmente regulamentada nos arts. 317 e 318, do Código de Processo Penal (CPP). Trata-se, nas palavras de Aury LOPES JR.9, de espécie de constrição por motivos pessoais do agente, de natureza humanitária. O indiciado ou acusado deverá permanecer em sua residência, somente podendo ausentar-se com autorização judicial expressa (art. 317, CPP). A prisão cautelar domiciliar, observa Eugênio PACELLI10, não se inclui como alternativa à prisão preventiva, tal como ocorre nas medidas previstas no art. 319, do CPP. Assim, será aplicada somente como substitutivo da prisão preventiva11 e desde que presentes as hipóteses elencadas no art. 318, CPP: (a) ser o agente maior de 80 (oitenta) anos; (b) estar extremamente debilitado por motivo de doença grave; (c) ser imprescindível aos cuidados

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LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. vol. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 149. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 572. Daí por que também se denomina “prisão cautelar domiciliar substitutiva da prisão preventiva”.

especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (d) ser gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.12 A seu turno, a medida cautelar de recolhimento domiciliar, também incluída pela Lei 12.403/2011, está disposta no art. 319, V, do CPP. Tal medida constitui, em verdade, severa intervenção na esfera de liberdade do investigado ou acusado, ainda que de menor gravidade se comparada à prisão preventiva. Para sua concessão, é imprescindível que o acusado ou investigado tenha residência e trabalho fixos. A medida será cumprida no período noturno ou nos dias de folga (conforme critério do juiz), mas necessariamente no domicílio do acusado ou investigado. Somente em casos excepcionais se poderá autorizar a saída durante o repouso noturno. Muito embora tanto a prisão cautelar domiciliar quanto a medida cautelar de recolhimento domiciliar tenham como propósito obviar a prisão preventiva, não se pode confundir tais espécies. Como salienta Rogerio Schietti Machado CRUZ13, a primeira se trata de uma prisão preventiva atenuada, por razões humanitárias, em que o acusado é obrigado a se manter dentro de sua residência, salvo autorização judicial expressa. Já a segunda é, efetivamente, uma modalidade menos gravosa de manter alguém em regime de liberdade parcial, lhe sendo permitido trabalhar durante o dia e se recolher à residência apenas à noite ou nos períodos de folga. De modo ainda mais simplificado, a espécie de constrição do art. 317 está mais para a prisão preventiva, ao passo que o recolhimento do art. 319, V está mais para a liberdade provisória. Paulo RANGEL14, a seu turno, também esclarece a diferença entre as mencionadas modalidades de constrição de liberdade. Como menciona o jurista, na medida cautelar de recolhimento domiciliar (art. 319, V) não há necessidade de prender o acusado ou investigado, mas somente de retirá-los das ruas durante a noite ou nos dias de folga. A liberdade do imputado é, pois, limitada a essas duas circunstâncias, sendo imprescindível que tenha residência e trabalho fixos. Já na prisão cautelar domiciliar (arts. 317-318) o sujeito deve permanecer preso em sua residência e dela não pode sair, ressalvadas autorizações do juiz. Aqui, o imputado está preso processualmente, ou seja, há um mandado de prisão em seu desfavor, mas que será cumprido em sua residência por preencher os requisitos exigidos legalmente. Logo, se naquela modalidade o indivíduo tem a liberdade de exercer suas 12

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A demonstração da existência da situação fática autorizada da prisão domiciliar poderá ser realizada pela via documental (certidão de nascimento, nos casos de alíneas “a” e “b”) ou perícia média (nas hipóteses de alíneas “b”, “c” e “d”). CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. pp. 153-154. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 895-897.

atividades lícitas durante o dia, devendo se retirar à noite ou nos dias de folga (algo como um “toque de recolher”), nesta segunda espécie de constrição inexiste tal possibilidade, pois o sujeito fica recolhido em sua casa, onde deve permanecer. A prisão, aqui, é mais grave e durante as 24 horas do dia. Finalmente, a prisão albergue domiciliar encontra-se insculpida no art. 117, da LEP. Trata-se de prisão em regime aberto, única e exclusivamente, que, no entanto, por motivos pessoais do condenado será cumprida em residência particular. Quatro são as hipóteses de ocorrência: (a) ter o condenado mais de 70 (setenta) anos; (b) estiver acometido de doença grave; (c) possuir filho menor ou deficiente físico ou mental; e (d) for gestante. Nesta modalidade já existe o trânsito julgado da sentença e o regime de cumprimento de pena é o aberto. O apenado, contudo, por fazer jus a uma das alíneas do art. 117, da LEP, cumprirá a pena em sua residência particular. Difere, portanto, da prisão cautelar domiciliar, em que não há sentença penal condenatória transitada em julgado, sendo a prisão preventiva cumprida na residência do imputado. 3. A controversa interpretação do art. 117 da Lei de Execução Penal no âmbito das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Apresentadas as espécies de prisão domiciliar existentes em nosso ordenamento jurídico, com o escopo de nortear o leitor na discussão e evitar errôneas compreensões, nos deteremos à modalidade que nos interessa para fins do presente estudo, qual seja, a prisão albergue domiciliar (art. 117, LEP). Como pudemos observar na redação do referido dispositivo, o juiz somente poderá determinar o recolhimento em residência particular, desde que preenchidas quaisquer das alíneas do art. 117, ao preso em regime aberto. Daí se infere que não há previsão de prisão albergue domiciliar para os detentos que se encontram cumprindo pena em regime semiaberto. Sem embargo da disposição normativa acima, como salientamos no início deste ensaio, os juízes das VECs têm determinado, como forma de enfrentar a problemática da ausência de vagas nos regimes de cumprimento de pena, a aplicação de tal modalidade de constrição para presos tanto do regime aberto quanto do semiaberto. O cerne da discussão reside, em verdade, no caráter do rol do art. 117. De um lado, sustenta-se que seria taxativo, não sendo possível ao juiz autorizar o benefício fora das hipóteses contidas nos incisos I a IV; de outro, se argumenta que o rol seria meramente exemplificativo, estando o

magistrado autorizado, diante de circunstâncias excepcionais (e aqui estaria abrangida a questão da ausência de vagas), a conceder a prisão albergue domiciliar. Se as decisões das VECs Porto Alegre têm sido uníssonas no sentido de autorizar a concessão excepcional da prisão albergue domiciliar como alternativa à ausência de vagas nos regimes de cumprimento de pena do Rio Grande do Sul, o mesmo não se pode dizer em relação aos acórdãos lavrados pelos desembargadores integrantes das Câmaras Criminais do TJ-RS, que apresentam claras divergências no que diz respeito à interpretação do art. 117, da LEP. Cumpre-nos agora a analisar pormenorizadamente o entendimento de cada uma das Câmaras, apresentando as linhas argumentativas que vêm sendo adotadas em relação a nosso objeto de estudo. A 1ª Câmara Criminal, composta pelos desembargadores Honório Gonçalves da SILVA NETO, Jayme WEINGARTNER NETO, Júlio Cesar FINGER e Sylvio BAPTISTA NETO, posiciona-se contrariamente ao fundamento da inexistência de vagas no sistema prisional para a concessão de prisão albergue domiciliar. O colegiado recentemente consolidou o entendimento de que, estando o preso segregado em regime semiaberto, inexiste previsão legal a autorizar sua transferência à constrição domiciliar. Sob a ótica da referida Câmara Criminal, é inaceitável que apenados cumpram a pena (até sua extinção) no âmbito residencial, circunstância que estimularia a inoperância do Poder Executivo em face da superlotação dos presídios estaduais.15 A 2ª Câmara Criminal, formada pelos desembargadores José Antônio Cidade PITREZ, Luiz Mello GUIMARÃES e José Ricardo COUTINHO SILVA e pela desembargadora Rosane Ramos de Oliveira MICHELS, vem adotando entendimento 15

Sem embargo do entendimento consolidado pelo colegiado, cabe referir que o desembargador WEINGARTNER NETO vinha sendo voto vencido nos julgamentos da referida Câmara por adotar posicionamento diverso de seus pares. Como salientou, a propósito, em recente voto: “Consigno que, em situações semelhantes, entendi que, em caso de ausência de vagas em estabelecimento compatível com o cumprimento da pena em regime semiaberto, a inclusão do preso em sistema de monitoramento eletrônico deveria ser mantida. Justifica-se o posicionamento através da necessidade de diferenciação dos estabelecimentos prisionais entre os diversos regimes de cumprimento, expressa no artigo 5º, inciso XLVIII, da Constituição Federal, e art. 33, § 1º, do Código Penal, que consagram o princípio da individualização da pena. Assim, defendia ser possível a concessão da prisão domiciliar fora das hipóteses do artigo 117 da LEP, tendo em vista a falência do sistema prisional, que não poderia prejudicar o apenado. [...] Ao meu sentir, a imposição do cumprimento de pena desconforme com o estágio da execução penal em que se encontra o reeducando fere o direito à progressão de regime e à individualização da pena, assegurados constitucionalmente. Todavia, decidi acompanhar os julgamentos dessa Câmara Criminal, no sentido de que a solução é a cassação da decisão que concedeu a prisão domiciliar a reeducando submetido ao regime semiaberto, uma vez que vencido de forma isolada, e em homenagem ao princípio do colegiado.” (Agravo nº 70060896214, 1ª Câmara Criminal, TJRS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em 17/09/2014).

também contrário à medida. Para o referido colegiado, a falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto não autorizaria, por si só, a concessão da prisão albergue domiciliar, sendo necessário o preenchimento dos pressupostos legais. De acordo com PITREZ, o legislador, ao elaborar a redação do art. 117, da LEP e nele inserir a expressão “somente se admitirá” pretendeu dizer que em nenhuma situação extravagante às quatro dispostas no artigo autorizaria a prisão albergue domiciliar.16 MICHELS, na mesma linha, refere que, não estando o apenado em regime aberto, é inviável conceber que seja beneficiado na execução da pena, passando a cumprir a mesma em sua própria residência, ainda que sob monitoramento eletrônico.17 Para COUTINHO SILVA, aquele que comete um crime deve se submeter e aceitar as condições precárias e superlotadas do sistema prisional, não sendo possível utilizar tal contexto para autorizar o cumprimento de pena em prisão albergue domiciliar quando possuir direito à progressão de regime.18 Integrada pelos desembargadores Diógenes Vicente HASSAN RIBEIRO, Fabio Vieira HEERDT, João Batista Marques TOVO e Nereu José GIACOMOLLI, a 3ª Câmara Criminal têm entendido pela possibilidade de aplicação do benefício enquanto perdurar a ausência de vagas no sistema de cumprimento de pena. Para GIACOMOLLI, diante da inobservância dos requisitos estabelecidos pela LEP no que diz respeito às condições mínimas dos estabelecimentos penais, e em não havendo estabelecimento prisional compatível com o exigido para os presos em regime aberto, se mostra plenamente possível e adequada o cumprimento da pena em prisão albergue domiciliar.19 HASSAN RIBEIRO vem atentando para o fato de que, embora a função de acomodar os condenados no sistema prisional seja atribuição da autoridade administrativa, não pode o Poder Judiciário decidir cegamente, restrito às hipóteses elencadas pelo art. 117, da LEP, sem levar em consideração a situação carcerária, bem como os resultados decorrentes de suas decisões, dentro dos limites constitucionais.20 TOVO salienta que não se está procurando legislar, mas ser criativo e proativo em relação a um estado calamitoso, sendo a prisão albergue domiciliar, desde que dada com prudência e mediante seleção dos favorecidos, a melhor opção, sob todos os aspectos.21

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Agravo nº 70059196337, 2ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 09/10/2014. Agravo nº 70060613809, 2ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 25/09/2014. Agravo nº 70060404266, 2ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 09/10/2014. Agravo nº 70060116407, 3ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 06/11/2014. Agravo nº 70060969680, 3ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 06/11/2014. Agravo nº 70061271250, 3ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 02/10/2014.

A 4ª Câmara Criminal, composta pelos desembargadores Newton Brasil de LEÃO, Gaspar Marques BATISTA, Aristides Pedroso de ALBUQUERQUE NETO e Rogério Gesta LEAL, demonstra posicionamento contrário à aplicação de prisão albergue domiciliar em face da inexistência de vagas nos regimes de cumprimento de pena. A despeito de reconhecer a situação alarmante do sistema prisional, LEÃO entende que tal contexto não autoriza, por si só, a concessão da constrição residencial, devendo ser observadas os incisos do art. 117, da LEP.22 Para ALBUQUERQUE, o cumprimento da pena privativa de liberdade em prisão albergue domiciliar está previsto, de modo taxativo, no mencionado dispositivo, não sendo a ausência de estabelecimento prisional adequado uma delas. Logo, não elencada tal hipótese no artigo, seria inviável a possibilidade de cumprimento da pena no domicílio.23 BATISTA menciona que a obrigação do Poder Executivo de aprimorar a situação das casas prisionais do Estado não pode ser compensada com a leniência do Poder Judiciário. É um contrassenso, para o desembargador, premiar a minoria criminosa com o benefício, deixando desprotegida a maioria ordeira, porque o Executivo não cumpre suas obrigações.24 Formada pelo desembargador Ivan Leomar BRUXEL e pelas desembargadoras Cristina Pereira GONZALES, Lizete Andreis SEBBEN e Genacéia da Silva ABERTON, a 5ª Câmara Criminal apresenta uma orientação predominantemente contrária à concessão da prisão albergue domiciliar fora dos parâmetros da LEP. Para BRUXEL, a ausência de estabelecimento prisional característico para o cumprimento da pena em regime semiaberto, somadas às condições precárias segurança, não autoriza o cumprimento da pena em regime aberto, tampouco em prisão albergue domiciliar.25 GONZALES segue a mesma linha de raciocínio, no sentido de que a superlotação dos estabelecimentos penais não configuraria fundamento válido para a concessão do benefício à revelia da lei. A 22 23 24

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Agravo nº 70061442414, 4ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 16/10/2014. Agravo nº 70061407045, 4ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 16/10/2014. Agravo nº 70060034675, 4ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 24/07/2014. Destaca-se que o desembargador LEAL vem adotando um posicionamento único, em contraposição àquele esposado por seus pares: “Já tive oportunidade de me manifestar favorável à prisão domiciliar em feito com situação semelhante, por entender que o valor da ressocialização do apenado com dignidade é um objetivo explícito do Sistema Jurídico Penal brasileiro, sem que isto implique – por ativismo judicial ou abolicionismo da pena fundamentalistas – deixar de considerar a função também redistributiva da sanção na espécie. [...] o apenado já está em regime aberto, todavia, somente no plano formal, inexistindo condições materiais de cumprir o novo regime! Que culpa ele tem disto, se é o Estado que não cumpre com seus deveres oficiosos impostos pela condição de executar as sentenças judiciais criminais? [...] Correto, pois, o magistrado ao criar uma condição digna e responsável à execução da pena em favor do agravado.” (Agravo nº 70061527016, 4ª Câmara Criminal, TJ-RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, julgado em 30/10/2014) Agravo nº 70061035838, 5ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 03/09/2014.

medida seria resguardada para os apenados em regime aberto e em situações especiais (ou seja, apenas nos casos elencados no art. 117), havendo o risco de ineficácia se aplicada indiscriminadamente, sempre que houver deficiência de vagas nos estabelecimentos carcerários, podendo, inclusive, estimular a prática delituosa ao provocar nos apenados uma sensação de impunidade.26 SEBBEN destaca que o art. 117 enumera hipóteses taxativas de cabimento da prisão albergue domiciliar. A precariedade, a superlotação e falta de segurança dos estabelecimentos não se estariam assim elencadas no dispositivo, sendo indevida a concessão do benefício. A situação caótica das casas prisionais, por si só, não teria o condão de servir como fundamento idôneo à autorização da constrição domiciliar. Do contrário, tais fundamentos configurariam flagrante desvio aos limites fixados na sentença penal condenatória e ao princípio de individualização da pena. 27 Já na 6ª Câmara Criminal, composta pelos desembargadores Aymoré Roque POTTES DE MELLO, Ícaro Carvalho de Bem OSÓRIO e pelas desembargadoras Vanderlei Teresinha Tremeia KUBIAK e Bernadete Coutinho FRIEDRICH, tem predominado a orientação de que as hipóteses do art. 117 não são taxativas, e seu deferimento deve ser analisado caso a caso, à luz dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualização da pena. Nesse sentido, POTTES DE MELLO assinala que se o Estado está violando o princípio da legalidade estrita ao submeter o apenado a regime mais gravoso do que aquele que a lei lhe determina para cumprir sua pena, deve ser autorizada a concessão de prisão albergue domiciliar como solução de caráter equitativo, assumindo primazia o princípio da dignidade da pessoa humana.28 OSÓRIO, muito embora se posicione pela possibilidade de concessão de prisão albergue domiciliar como alternativa à ausência de vagas nos regimes de cumprimento da pena, entende ser imprescindível a análise do caso concreto, havendo situações peculiares que podem deslegitimar a concessão do benefício.29

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Agravo nº 70061804985, 5ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 29/10/2014. Agravo nº 70061367850, 5ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 15/10/2014. Cabe salientar aqui, a título de complementação, que ALBERTON tem apresentado entendimento diverso de seus pares. De acordo com a Desembargadora, se os albergues e os estabelecimentos penitenciários da Comarca de Porto Alegre se encontram atualmente superlotados e não apresentam condições mínimas de segurança, não pode o preso responder pela inoperância estatal, sendo cabível o cumprimento da pena em prisão albergue domiciliar (Agravo nº 70059438663, 5ª Câmara Criminal, TJ-RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, julgado em 29/10/2014). Agravo nº 70062028873, 6ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 30/10/2014. Agravo nº 70061367637, 6ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 09/10/2014. A título de exemplo, em certos julgados foi verificado que o presídio a que estava vinculado o preso era utilizado como albergue, conforme especificações da LEP. Em tais casos, como o detento já

A seu turno, a 7ª Câmara Criminal, integrada pelos desembargadores José Antônio DALTOÉ CEZAR, Carlos Alberto ETCHEVERRY, José Conrado KURTZ DE SOUZA e pela desembargadora Jucelana Lurdes PEREIRA DOS SANTOS, tem se posicionado favoravelmente à concessão do benefício. A despeito de ter se manifestado anteriormente pela impossibilidade do deferimento da prisão albergue domiciliar fora das hipóteses previstas no art. 117, DALTOÉ CEZAR vem autorizando o cumprimento da pena no âmbito residencial. Para o desembargador, na atual realidade do sistema carcerário estadual, a ausência de albergues e a superlotação dos estabelecimentos existentes impede que a regra contida na legislação supracitada seja cumprida de forma a resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do sistema constitucional vigente.30 Já KURTZ DE SOUZA argumenta que a concessão da prisão albergue domiciliar é possível como alternativa à caótica situação carcerária, desde que, uma vez analisado o caso concreto, esteja claramente constatada a inexistência casa de albergado para cumprimento da pena.31 Para ETCHEVERRY, há uma omissão deliberada e desidiosa do Estado em dar cumprimento à lei, não se podendo atribuir aos apenados os ônus dessa política omissiva. Assim, inexistindo vaga em estabelecimento compatível com o regime aberto, cabível a constrição domiciliar, ainda que fora dos parâmetros legais.32 Finalmente, a 8ª Câmara Criminal, formada pelas desembargadoras Isabel de BORBA LUCAS, Fabianne Breton BAISCH, Naele Ochoa PIAZZETA e pelo desembargador Dálvio Leite Dias TEIXEIRA, segmentou o entendimento pela impossibilidade de concessão de prisão albergue domiciliar aos presos que estejam cumprindo pena no regime aberto somente pelo motivo de não existir casa prisional adequada ao regime. Nesse sentido, PIAZZETA destaca que o alcance da prisão albergue domiciliar a apenado do regime semiaberto, embasado apenas na ausência de vaga em estabelecimento adequado, amplia indevidamente o rol de possibilidades do art. 117 da LEP e desvirtua a execução penal. Ademais, estende o benefício de forma indevida a

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cumpria pena em estabelecimento compatível com o regime aberto, se entendeu pela desnecessidade da prisão domiciliar. Agravo nº 70061252284, 7ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 18/09/2014. Agravo nº 70056686959, 7ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 21/11/2013. Agravo nº 70061887063, 7ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 30/10/2014. A desembargadora Jucelana Lurdes PEREIRA DOS SANTOS vem divergindo de seus pares, adotando posicionamento contrário: “Com efeito, apesar de a jurisprudência estar relativizando o rigor do artigo 117 da Lei de Execução Penal e admitindo exceções, como nos casos em que concedida como forma de amenizar a superlotação dos presídios estaduais, a prisão domiciliar, como regra, é destinada aos presos que cumprem pena em regime aberto apenas nas hipóteses da norma citada.” (Agravo nº 70060997574, 7ª Câmara Criminal, TJ-RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, julgado em 09/10/2014)

condenado que se encontra em regime prisional diverso do originalmente previsto no mencionado dispositivo legal.33 BORBA LUCAS, na mesma linha, aduz que a constrição residencial é resguardada a casos especialíssimos, não podendo ser deferida pelo fundamento da ausência de vagas nos estabelecimentos penais, pois isso implicaria em desvirtuamento na aplicação do Direito Penal.34 4. Considerações finais Uma vez expostas as linhas argumentativas empregadas pelas 8 (oito) Câmaras Criminais do TJ-RS em relação a nosso objeto de estudo, reputamos necessário tecer algumas considerações à guisa de encerramento. Salienta-se, desde já, não se ter aqui a pretensão de exaurir a discussão ou mesmo oferecer conclusões definitivas (sobretudo diante da complexidade do debate), mas emitirmos nosso juízo acerca do ponto em análise. A despeito da orientação atualmente adotada pelos magistrados das VECs de Porto Alegre, no sentido de conceder a prisão albergue domiciliar (art. 117, da LEP) como alternativa à ausência de vagas nos regimes (aberto e semiaberto) de cumprimento da pena, as Câmaras Criminais do TJ-RS não apresentam uniformidade quanto à interpretação do referido dispositivo. Na perspectiva de alguns desembargadores, as hipóteses são taxativas, inviabilizando o benefício fora dos incisos I a IV. Para outros, a caótica situação penitenciária do Estado (notadamente tendo em conta a inexistência de Casa de Albergado em diversas localidades) possibilitaria, em caráter excepcional, a autorização de cumprimento da pena na residência. A diversidade ideológica verificada no âmbito das Câmaras Criminais é, pois, significativa. Destaca-se que o posicionamento favorável à concessão da prisão albergue domiciliar fora das hipóteses legais, à semelhança das determinações dos juízes das VECs, se revela minoritário no Tribunal, sendo adotado apenas pela 3ª e 7ª Câmaras Criminais. O entendimento que tem prevalecido é pelo caráter taxativo do rol do art. 117, da LEP, não sendo admitida interpretação extensiva, nem mesmo nos casos de inexistência de Casa de Albergado35 na localidade de cumprimento da pena. Assim entendem, por exemplo, a 1ª, 2ª, 4ª, 5ª e 8ª Câmaras Criminais. Por fim, cabe destacar o posicionamento peculiar da 6ª Câmara Criminal. Isso porque, a despeito de entender que as hipóteses de aplicação de 33 34 35

Agravo nº 70061718292, 8ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 29/10/2014. Agravo nº 70061315990, 8ª Câmara Criminal, TJ-RS, julgado em 15/10/2014. Art. 95, da LEP. Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras.

prisão albergue domiciliar não são taxativas, não têm acolhido o fundamento da ausência de vagas, por si só, como válido para a concessão do benefício. As peculiaridades, analisadas caso a caso36, podem deslegitimar a autorização do cumprimento da pena no domicílio do preso. Em outras palavras, o posicionamento oscila conforme o caso concreto. Ilustrativamente:

Posicionamento favorável à prisão

Posicionamento contrário à prisão

albergue domiciliar fora das hipóteses

albergue domiciliar fora das hipóteses

legais

legais

1ª Câmara Criminal 2ª Câmara Criminal 3ª Câmara Criminal 4ª Câmara Criminal 5ª Câmara Criminal 6ª Câmara Criminal 7ª Câmara Criminal 8ª Câmara Criminal

Sem embargo da divergência sobre o ponto em análise constatada no TJ-RS, as decisões lavradas pelos juízes das VECs de Porto Alegre, longe de corresponder a protagonismo judicial exacerbado, se trata de verdadeira atuação judicial. Nesse sentido, deve-se salientar que os magistrados da execução penal têm o dever de zelar pelo correto cumprimento da pena, inspecionar os estabelecimentos penais (inclusive interditando-os, se necessário) e tomar as devidas providências para seu adequado funcionamento.37 36

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Com isso obviamente não se quer sustentar que as demais Câmaras Criminais deixam de analisar o caso concreto, mas apenas atentar que os desembargadores da 6ª Câmara Criminal têm sublinhado tal ressalva em seus votos, demonstrando preocupação com a questão. Art. 66. Compete ao Juiz da execução: [...] VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança; VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;

Se a concessão de prisão albergue domiciliar fora das hipóteses do art. 117 pelos juízes das VECS constitui violação de lei federal, deve-se levar em conta que a forma como os apenados vêm cumprindo pena viola igualmente uma série de normas federais e constitucionais. Aliás, somente chegamos a este cenário porque o Estado vem há décadas se mostrando omisso no que diz respeito à criação de vagas (com condições físicas minimamente favoráveis) para possibilitar o cumprimento da pena nas condições previstas na LEP e na Constituição Federal. Ao perpetrar tal omissão, o Estado não apenas fere o princípio da legalidade, como viola diversos outros preceitos constitucionais e legais. E o ônus do descaso do Estado para com as instituições prisionais não pode ser suportado pelo condenado, o qual possui o direito líquido e certo de resgatar sua pena conforme o provimento jurisdicional. A gravidade do cenário chegou a tal ponto que os magistrados tiveram de agir, buscando alternativas. Não fazia sentido, afinal, que apenados com direito ao regime semiaberto tivessem de permanecer enclausurados em estabelecimentos penitenciários (regime fechado) pelo simples fato de inexistir vagas disponíveis. E, nesse ponto, deve-se reconhecer o esforço dos juízes, pois, antes mesmo da determinação de prisão albergue domiciliar, tentaram outras medidas. Contudo, a experiência de manter os presos beneficiários do regime semiaberto em regime fechado comprovou sua absoluta ineficácia. Não se pode repeti-la, mas com ela se pode aprender, até mesmo porque as medidas adotadas não são (nem poderiam ser) à prova de erros. O juízo é humano e, por óbvio, corre o risco de falhar. Em suma, na tentativa de responder ao questionamento levantado no início deste artigo38, não se almeja aqui sustentar que a aplicação de prisão–albergue domiciliar em face de ausência vagas no sistema prisional é digna de elogios. Do modo como o quadro está emoldurado, no entanto, é preferível garantir a estes presos o cumprimento de suas penas de forma menos gravosa, ainda que violando o princípio da legalidade, do que mantê-los encarcerados no regime fechado, permanecendo, desse modo, num ambiente degradante, promíscuo e abandonado por Estado omisso, que diuturnamente viola a dignidade e a integridade física e moral dos presos. Assim, entre dois males, o menor. Muito embora a dimensão da complexidade em torno de nosso objeto em análise seja clara e o TJ-RS tenha entendido pelo caráter taxativo do rol do art. 117, cabe frisar que o Supremo Tribunal Federal tem admitido a flexibilização de tal dispositivo, autorizando o 38

A inexistência de vagas nos regimes (aberto e semiaberto) de cumprimento de pena no sistema prisional gaúcho constitui fundamento válido para a aplicação da prisão albergue domiciliar, ainda que fora dos parâmetros estabelecidos pela LEP?

recolhimento do condenado ao regime de prisão albergue domiciliar quando da inexistência de estabelecimento prisional que atenda aos requisitos da LEP para o cumprimento da pena no regime fixado na sentença. Nesse sentido: PENA. CUMPRIMENTO. REGIME ABERTO. CASA DO ALBERGADO. A concretude do regime aberto pressupõe casa do albergado estrita aos que estejam submetidos a essa espécie de cumprimento da pena, havendo de dispor o local de condições a assegurarem a integridade física e moral do preso - dever do Estado, consoante disposto no inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal. PRISÃO DOMICILIAR - CASA DO ALBERGADO INEXISTENTE OU IMPRÓPRIA. O rol normativo de situações viabilizadoras da prisão domiciliar não é exaustivo, cabendo observá-la, se houver falha do aparelho estatal quanto a requisitos a revelarem a casa do albergado. (HC 95334, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 03/03/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-03 PP-00661 RTJ VOL-00212- PP-00498 RMP n. 44, 2012, p. 221-224) Habeas corpus. Preventivo. Penal. Ausência de estabelecimento prisional condizente com o regime aberto fixado na sentença (CP, art. 33, § 1º, c). Recolhimento excepcional em prisão domiciliar. Possibilidade. Artigo 117 da Lei de Execução Penal cujo rol não é taxativo. Precedente. Determinação do Tribunal de Justiça estadual condicionada à inexistência de casas prisionais que atendam aos requisitos da Lei de Execução Penal em seus arts. 93 a 95. Ausência de usurpação da competência do juízo da execução. Ordem concedida. 1. Segundo a iterativa jurisprudência da Corte, a inexistência de estabelecimento prisional que atenda aos requisitos da Lei de Execução Penal para o cumprimento da pena no regime fixado na sentença, excepcionalmente, permite o recolhimento do condenado ao regime de prisão domiciliar previsto no art. 117 daquele diploma legal, cujo rol não é taxativo (HC nº 95.334/RS, Primeira. Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 21/8/09). 2. A determinação do Tribunal de Justiça estadual para o recolhimento do paciente em prisão domiciliar foi condicionada a eventual inexistência de estabelecimento prisional (LEP, arts. 93 a 95) condizente com o regime aberto fixado na sentença (CP, art. 33, § 1º, c), não havendo que se falar na subtração da competência do juízo da execução penal, o qual deverá observar o correto cumprimento da pena (LEP, art. 66, VI) e adotar as providências necessárias para o ajustamento da sua execução ao regime determinado expressamente no édito condenatório. 3. Ordem de habes corpus concedida para assegurar ao paciente o direito de iniciar o cumprimento da sua pena em regime condizente com aquele fixando na sentença, não sendo permitido - ressalvadas as hipóteses legais de regressão -, o seu recolhimento em regime mais severo se constatada pelo juízo da execução competente a

inexistência no Estado de casa do albergado ou de estabelecimento similar. (HC 113334, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 19-03-2014 PUBLIC 20-03-2014) Para encerrar, cumpre assinalar que não se defende aqui a concessão de prisão albergue domiciliar a todo e qualquer apenado ou mesmo a escolha arbitrária de quem permanecerá cumprindo pena em estabelecimento penal e quem se beneficiará com a constrição residencial. É o juízo, a partir de sua convicção formada no caso concreto, que decidirá se a medida concedida em primeiro grau deve (ou não) ser mantida. Sem embargo dos agravos em execução interpostos pelo Ministério Público e a despeito da divergência ideológica constatada no TJ-RS, parece-nos assim de bom tom, como política de redução de danos, que a manutenção da decisão autorizadora da constrição em face de inexistência de vagas nos regimes de cumprimento de pena seja verificada caso a caso, à semelhança da orientação adotada pela 6ª Câmara Criminal. Sob essa ótica, circunstâncias como o envolvimento do preso em novos delitos, a ocorrência de falta grave na execução penal, a distância temporal da prática do delito em relação ao presente e o descumprimento das condições impostas de benefícios concedidos, todas constatadas sem maiores dificuldades por meio da análise do PEC do detento, poderiam exemplificativamente ser de grande auxílio para a tomada da decisão. Com isso, impede-se a aplicação de prisão albergue domiciliar a todo e qualquer preso que alegue, em sua defesa, o fundamento da ausência de vagas em estabelecimento compatível com o regime prisional a que faz jus, e, ao mesmo tempo, se obstaculiza uma interpretação fechada do art. 117, evitando a pura e simples aferição dos requisitos autorizadores sem que os pormenores do caso concreto sejam devidamente analisados. 5. Referências bibliográficas CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. vol. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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