Da consciência catastrófica à integração literária: o argumento latino-americanista de Angel Rama e Antonio Candido

Share Embed


Descrição do Produto

23







NASCIMENTO, Milton. Cancion Por La Unidade Latino Americana. 1973.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
ARENDT, Hannah. O que é política?. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
Sociólogo de formação, Antonio Candido de Mello e Souza (1918 - ) é um dos maiores críticos literários brasileiros. Foi professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É professor-emérito da mesma USP e da UNESP e doutor honoris causa da UNICAMP. Em 1996, foi agraciado com o Prêmio Anísio Teixeira dado às personalidades brasileiras que tenham contribuído de modo relevante para o desenvolvimento de pesquisas e formação de recursos humanos no país, sendo considerado uma das mais importantes condecorações na área da educação no Brasil.
Ángel Antonio Rama Facal (1926 - 1983) foi um escritor uruguaio considerado um dos principais ensaístas e críticos latino-americanos do século XX. Foi professor do Departamento de Literatura Americana na Faculdade de Letras e Ciências da Universidade do Uruguai, onde ensinou cursos sobre a nova narrativa latino-americana. No exílio, nos anos 1970, na cidade de Caracas, Venezuela, foi idealizador e diretor da Biblioteca Ayacucho. Além disso, chegou a lecionar em universidades dos Estados Unidos, como Maryland e Princeton.
CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento (Rio de Janeiro: Paz e Terra), n. 1, p. 6-24, 1973 e RAMA, Ángel. Um processo autonômico: das literaturas nacionais a literatura latino-americana. Argumento, (Rio de Janeiro: Paz e Terra), n. 3, p. 36-49, 1974.
Revista Argumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973-1974.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.
BOSSUET, Jacob-Bénigne. Discursos sobre a História Universal ao Monsenhor o Delphim para explicar a serie da Religião e transformação dos Impérios. Rio de Janeiro: H. Garnier, s.d.
KOSELLECK, Reinhart. op. cit.
Ibidem, p. 313.
Ibidem, p. 55.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é Aufklärung? In: Textos seletos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, 53-61.
Aqui cabe uma nota explicativa acerca da não utilização da ideia de 'totalitarismo', termo corrente para dar sentido à experiência da época. A escolha por outros conceitos está condicionada por uma crítica à leitura corrente do pensamento liberal, que encontra guarida forte nas percepções de Hannah Arendt acerca desse conceito. Esse debate é bem sedimentado por LOSURDO, Domenico. Para uma crítica da categoria de totalitarismo. Crítica Marxista, n 17, p. 51-79. Cabe ressaltar, por fim, que este trabalho, mais à frente, vai abordar essa discussão em outra chave, a do Estado de Exceção agambeniano.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
DUARTE, Rodrigo Antonio. Adorno/Horkheimer: Dialética do Esclarecimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 27.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 37.
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e o testemunho (Homo Sacer III). São Paulo: Boitempo Editorial, 2008, 175 p
HARTOG, François. 2007, p. 11
DONGHI, Tulio Halperin. Historia contemporânea de América latina. Madrid: Alianza Editorial, 2008.
Idem.
BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 88
A questão da ontologia do ser latino-americano é discutida, à luz da ideia de construção identitária, no debate que Leopold Zea institui acerca da dialética do pensamento latino-americano. Cf. ZEA, Leopoldo. El pensamento latino-americano. Barcelona: Ariel, 1976.O entendimento que tenho da ideia de ontologia se relaciona mais à noção de uma identidade sócio-histórica, construída no devir do tempo, no cruzamento entre as influências do que é local/nacional e do universal (Europa Ocidental colonizadora).
BORGES, Jorge Luis. Op. cit, p. 89.
Esse termo aqui foi pego emprestado da obra de Jung, segundo o qual os arquétipos são conjuntos de "imagens primordiais", armazenadas no inconsciente coletivo, originadas de uma repetição progressiva de uma mesma experiência durante muitas gerações. As ideias de liberdade e autonomia, no Terceiro Mundo, funcionam como imagens que se repetem, de geração à geração, seja no campo da luta política, seja no campo das formulações intelectuais mais amplas. Cf. JUNG, C. G. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Florianópolis: Insular, 2012. p. 539
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, 687 p.
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p.323.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. op. cit.
Cabe dizer que, como aponta Wallerstein, essa expressão, cunhada pelo demógrafo Alfred Sauvay nos anos 1950, tinha o mérito de lembrar da "existência de uma imensa zona do planeta para a qual a questão primordial não era a do alinhamento em um ou outro campo, mas qual seria a atitude dos Estados Unidos e da União Soviética em relação a ela. Em 1945, a metade da Ásia, a quase totalidade da África, bem como o Caribe e a Oceania permaneciam colônias. Sem falar dos países 'semi-colonizados'. Para esse vasto mundo tutelado, onde a pobreza ultrapassava — e muito — a dos países "industrializados", a prioridade era dirigida à "libertação nacional". WALLERSTEIN, Immanuel. O que era mesmo o Terceiro Mundo? Le Monde Diplomatique, ago/2000. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=50. Acesso em: 15/08/2015.
CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento (Rio de Janeiro: Paz e Terra), n. 1, p. 6-24, 1973
Editorial. Revista Argumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, n. 1, out. 1973.
GIANNOTTI, José Arthur. O contexto e os intelectuais. Revista Argumento, n. 4, fev. 1974, p. 58
Editorial. Revista Argumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, n. 1, out. 1973.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
ARANTES, Paulo. O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo, 2014
ARANTES, Paulo. op. cit., p. 284.
AGAMBEN, Giorgio. op. cit., p. 12
Ibidem, p. 63.
MENDES, Ricardo Souza. Ditaduras civil-militares no Cone Sul e a Doutrina de Segurança Nacional - algumas considerações sobre a Historiografia. Tempo e Argumento, v. 5, p. 06-38, 2013.
Não cabe alongar muito essa discussão, mas a noção de política enquanto mediação e garantia da possibilidade de liberdade aqui utilizada é retirada do pensamento de Hannah Arendt, segundo o qual a história do século vinte é a história senão da sua supressão ou, pelo menos, de sua obstrução. Cf. ARENDT, Hannah. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
COGGIOLA, Osvaldo. Governos militares na América Latina. São Paulo: Contexto, 2001
Mario de Mello (1912-2006) foi um intelectual e diplomata anglo-brasileiro. Disponível em: http://www.cdpb.org.br/dic_bio_bibliografico_mellomariovieira.html. Acesso em: 22/07/2016
CANDIDO, Antonio. Op. cit, p. 01
Segundo comentários de Celia Pedrosa, essa expressão é utilizada para definir as diversas formas de pensamento utópico, isto é, de crença na possibilidade de realização futura de uma situação humana e social idealmente perfeita. PEDROSA, Célia. Introdução crítica à Literatura e Subdesenvolvimento, de Antonio Candido. In: BERND, Zilá. (Org.). Antologia de textos fundadores do comparatismo literário interamericano. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 02
CANDIDO, Antonio. op. cit, p. 02.
Basta notar, por exemplo, as diversas línguas e dialetos locais e nacionais de cada país da América Latina. Apesar do destaque dado ao português e ao castelhano, é importante ressaltar as inúmeros línguas indígenas como constituidores do que seja a cultura latino-americana.
Idem.
CANDIDO, Antonio. A perversão da Aufklärung. In: Textos de intervenção. 34.ª ed., São Paulo: Duas Cidades, 2002, p. 322.
CANDIDO, Antonio. Literatura e..Op. cit, p. 09.
Cabe ressaltar que este é um ponto polêmico no debate aberto sobre a obra de Candido. Há uma crítica que fundamenta seu argumento na ideia de que galhos são
Anos antes, mais especificamente em 1968, Darcy Ribeiro publicava "O processo civilizatório – etapas da evolução sociocultural", onde discutia abertamente a noção de "modernização reflexa" como uma inserção subordinada de povos "atrasados" em formações socioculturais estruturadas a partir de sistemas tecnologicamente superiores, implicando a perda da autonomia, pelo processo adaptativo, ou a destruição, quando se opta pela resistência, de entidades étnicas mais frágeis. Cf. RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório. Etapas da evolução sociocultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
GOMES, Renato Cordeiro. Para além das fronteiras: 'Literatura e subdesenvolvimento", de Antonio Candido. Ensaios de Semiótica: Cadernos de Linguística e Teoria da Literatura. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG, nº 9-10, 1987-1988, pp. 117-127.
CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 10
Ibidem, p. 11.
Aqui encontra-se um grande debate acerca do processo de modernização, industrialização e urbanização da sociedade brasileira. Chico de Oliveira entende que a entrada do Brasil na "modernidade capitalista" atendeu a um caminho calcado, basicamente, num processo dialético interno, no qual o setor "moderno" do país se retroalimentava do setor "atrasado", evidenciando a existência de dois polos que coexistem e são interdependentes entre si. Ou seja, "a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, configurando uma relação não apenas desigual, mas combinada". OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis, Vozes/Cebrap, 1988, p. 36. Para tal debate, cf. também LÖWY, Michael. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. Outubro, n. 1, 1998, p. 73-80.
Essa noção fulcral é amplamente discutida por Célia Pedrosa, que ressalta a ideia de que a própria obra de Candido indica uma forma de luta contra a imobilidade da crítica, encarando a contradição e o pensamento dialético como motores essenciais da conformação de pensamentos capazes de dar conta da realidade complexa. Por isso, a palavra empenhada é o desejo pela liberdade de ação e o vigor da vontade de transformação, conformações possíveis graças à compreensão clara do processo de formação da nacionalidade brasileira e, nesse caso em especifico, da própria identidade latino-americana. Cf. PEDROSA, Célia. Antonio Candido: A Palavra Empenhada. São Paulo: Edusp; Niterói: Eduff, 1994.
CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 13.
RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da Historiografia, n. 2, mar., 2009, p. 164.
CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 17.
RAMA, Ángel. Um processo autonômico: das literaturas nacionais a literatura latino-americana. Revista Argumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, n. 3, p. 36-49, 1974.
Torcuato Salvador Francisco Nicolás Di Tella (1929 -), nascido em Buenos Aires, Argentina, é engenheiro e sociólogo, filho do também engenheiro italiano Torcuato Di Tella; Octavio Paz Lozano (1914-1998) foi poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna e de vanguarda; e Aníbal Pinto (1919-1996) foi economista, professor e escritor chileno, vencedor do Prêmio Nacional de Humanidades e Ciências Sociais em 1995.
COTA, Debora. "Argumento": literatura, crítica e cultura de resistência. Boletim de Pesquisa NELIC, Florianópolis - SC, v. 5, 2001, p. 79.
Argumento, ano 1, n.1, outubro 1973. Editorial
GRANADOS, Aimer. Las revistas en la história intelectual de América Latina: redes, intelectuales, política, sociedade. México: UAM-Cuajimalpa, 2012, p. 23.
Cabe uma definição segundo a qual redes significam "el conjunto de personas ocupadas en los quehaceres del intelecto que se contactan, que se conocen, intercambian trabajos, se escriben, elaboran proyectos comunes, mejoran los canales de comunicación y, sobre todo, establecen lazos de confianza recíproca". In: VALDÉS, Eduardo Devés. Redes Intelectuales en América Latina, hacia la constitución de una comunidad intelectual. Santiago/Chile: Instituto de Estudios Avanzados: Universidad de Santiago de Chile, 2007, pp. 21-22. (Colección Idea).
PADRÓS, Enrique Serra. Como el Uruguay no hay: terror de Estado e segurança nacional Uruguai (1968-1985): do pachecato à ditadura civil-militar. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2005, 434 pp.
PADRÓS, Enrique Serra. O Uruguai como alvo da ditadura brasileira de segurança nacional. Revista Maracanan. Edição: n.11, Dezembro 2014, p. 91-110
PADRÓS, Enrique Serra. Como el Uruguay... Op. cit., p. 114.
BRUIT, Héctor. A invenção da América Latina. In: Encontro da ANPHLAC, 5, 2000, Belo Horizonte. Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC, Belo Horizonte, 2000.
BRAUDEL, Fernand apud DINIZ, Dilma Castelo Branco. O conceito de América Latina: uma visão francesa. Caligrama (UFMG), v. 12, p. 129-147, 2007
Idem.
BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de "América Latina" em perspectiva histórica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, nº 44, jul/dez, 2009, p. 312.
Essa discussão ganha forma também, ainda que por caminhos diferentes porém complementares, em um artigo que brevemente será publicado, cuja referência é VIEIRA, Beatriz de Moraes. Sem Argumento: um projeto intelectual quase esquecido (Revista Argumento, Brasil, 1973). História (São Paulo. Online), 2016.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora UNB, 2010.
PRADO Jr., Caio. O Sentido da Colonização. In: Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
ZEA, Leopoldo, Dialéctica del pensamiento latinoamericano. In: El Pensamiento Latinoamericano. Barcelona: Ariel, 1976, p. 05. Cabe ressaltar que essa obra é uma edição aumentada e reelaborada da obra "Dos etapas del pensamiento en Hispanoamérica", publicada em 1949.

CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
MIGNOLO, Walter. La idea de América Latina: la herida colonial y la opción decolonial. Barcelona: Gedisa Editorial, 2007.
ZEA, Leopoldo, Op. cit., p. 11
Ibidem, p. 12
RAMA, Ángel. Op. cit., p. 37.
O conceito de sistema literário é elaborado primeiramente nos estudos de Antonio Candido sobre a formação da literatura brasileira: "`Para compreender em que sentido é tomada a palavra formação, e porque se qualificam de decisivos os momentos estudados, convém principiar distinguindo manifestações literárias, de literatura, propriamente dita, considerada aqui um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns a outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contato entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade. Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em tal sistema, ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária, – espécie de transmissão da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um todo. É uma tradição, no sentido completo do termo, isto é, transmissão de algo entre os homens, é o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento, e aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição não há Literatura, como fenômeno de tradição." Cf. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 5.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1975.
RAMA, Ángel. Op. cit., p. 38.
Idem.
Para um debate mais aprofundado sobre as transformações ocorridas na América Latina nesse período, cf. DONGHI, Tulio Halperin. "El orden neocolonial" e "Agotamiento del orden neocolonial". In: Historia contemporânea de América latina. Madrid: Alianza Editorial, 2008. A discussão do anti-imperialismo, à época, talvez tenha sua melhor sistematização em HAYA DE LA TORRE, Víctor Raúl. El antiimperialismo y el APRA. Santiago: Ercilla, 1936.
RAMA, Ángel. Op. cit., p. 40.
Nascido na República Dominicana no ano de 1884, foi escritor, filólogo, poeta e um dos mais importantes críticos literários latino-americanos do século XX.
RAMA, Ángel. Op. cit., p. 43.
Ibidem, p. 47.
Cf. CANDIDO, Antônio. Literatura de dois gumes. In: A Educação pela noite e outros ensaios. Ed. Ática, São Paulo: 1989
Ibidem, p. 47.
Há, historicamente, um debate próprio em torno do conceito utilizado para nomear a região subcontinental, cujos frutos são uma diversidade infindável de termos, tais quais Afro-América, Indo-América, América Ibérica, América Hispânica e até Afro-Indo-América, dentre outros. Para um pequeno resumo de tal debate, cf. BRUIT, Hector. Op. cit.
RAMA, Ángel. Op. cit., p. 48.
Ibidem, p. 49.
BENJAMIM, Walter. As Teses sobre o Conceito de História. In: Magia e técnica, arte e cultura: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sergio Rouanet. 3.ed., São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232.
Ibidem, p. 223.
LOWY, Michel. Aviso de incêndio: uma leitura das teses "Sobre o conceito de história". São Paulo: Boitempo, 2005, p. 51.
BENJAMIN, Walter. Op. cit., p. 223.
LOWY, Michel. Op. cit., p. 55.
BENJAMIN, Walter. Op. cit., 224.
GAGNEBIN apud LOWY, Michel. Op. cit., p. 63.
MORENO, Fernández César. América Latina en su literatura. México: Siglo XXI editores, 1972.
Ibidem, p. 5.
"Quem vai impedir que a chama/Saia iluminando o cenário/Saia incendiando o plenário/Saia inventando outra trama…"
Por estrutura de sentimentos entendemos aquilo que Williams considera um sentido coletivo da vida, uma comunhão de experiência histórica, uma "estrutura" de sentimentos e pertencimentos além das individualidades, algo que marca, de forma bem especifica, certas épocas. Cf. WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
De certa forma, aqui faço uma referência rápida às proposições de um numero amplo de pesquisadores brasileiros que têm se dedicado ao estudo da teoria da história e da história da historiografia, entendendo certa virada ético-política na possibilidade de escrita da história a partir da centralidade do presente na tematização e na reflexão acerca do passado. Cf. RANGEL, M. M.; SANTOS, F. M. Algumas palavras sobre giro ético-político e história intelectual. Revista Ágora (Vitória), v. 21, p. 7-14, 2015.

ARENDT, Hannah. O Que é Política? Trad. Reinaldo Guarany. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006
Esse impasse parece se desenhar através de um amplo movimento de estruturação das demandas democráticas e populares no pós 1930, o que leva à gradual ampliação de direitos sociais e políticos, culminando inclusive em um aumento significativo da organização de trabalhadores e movimentos civis. No Brasil, por exemplo, o momento de maior tensão é quando esse processo de sedimentação democrático-liberal encontra no Governo João Goulart (1961-1964) certa radicalização, no sentido de propor modificações estruturantes, indo à raiz da formação histórica brasileira através do debate de um projeto político-econômico bastante progressista. A movimentação das elites, portanto, foi no sentido de impedir a desagregação do projeto capitalista brasileiro que estava em pleno vigor. Para o caso brasileiro, esse debate está sedimentado em uma série de obras. Cf. OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis, Vozes/Cebrap, 1988; DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1981; e GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 5ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1999
Cf. MARTÍ, José. Nossa América. Tradução de Maria Angélica de Almeida Triber. São Paulo: HUCITEC, 1983

SCHWARZ, Roberto. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 32.
Ibidem, 31.
CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
NASCIMENTO, Milton. Cancion por la Unidade Latinoamericana.
CAIRO DE SOUZA BARBOSA
















DA CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA À INTEGRAÇÃO LITERÁRIA:
O ARGUMENTO LATINO-AMERICANISTA DE ANTONIO CANDIDO E ANGEL RAMA




















Rio de Janeiro
2016






CAIRO DE SOUZA BARBOSA














DA CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA À INTEGRAÇÃO LITERÁRIA:
O ARGUMENTO LATINO-AMERICANISTA DE ANTONIO CANDIDO E ANGEL RAMA





Monografia apresentada como exigência para obtenção do título de graduação em Licenciatura e Bacharelado em História, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.





Orientadora: Profª Beatriz de Moraes Vieira
Coorientador: Prof. Eduardo Ferraz Felipe







Rio de Janeiro
2016




SUMÁRIO


INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 01

CAPÍTULO I: GUERRA, TEMPO E RAZÃO NO SÉCULO XX: A AMÉRICA LATINA EM QUESTÃO ............................................................................................ 05

1.1 - A RAZÃO ENCASTELADA ............................................................................... 06
1.2 - IMPASSES DO ESCLARECIMENTO ................................................................ 08
1.3 - UM OCIDENTE SEM FUTURO? ....................................................................... 10
1.4 - "JARDINS DE VEREDAS QUE SE BIFURCAM" E O PARADIGMA DA REVOLUÇÃO CUBANA DE 1959 ............................................................................. 12

CAPÍTULO II: CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA E SUBDESENVOL-VIMENTO: UM IMPASSE; UMA SAÍDA .............................................................. 17

2.1 - UM (ENTRE)TEMPO LATINO-AMERICANO ................................................ 18
2.2 - A REVISTA ARGUMENTO COMO APORTE À CRÍTICA INTELECTUAL.. 19
2.3 - A CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA DO ATRASO COMO IMPASSE? ........ 23
2.4 - ASSIMILAÇÃO E INTEGRAÇÃO TRANSNACIONAL ................................. 25

CAPÍTULO III: ANGEL RAMA E AS SAÍDAS POSSÍVEIS: DA TRADIÇÃO À INTEGRAÇÃO LITERÁRIA ................................................................................... 31

3.1 - AMÉRICA LATINA COMO PROJETO ............................................................. 32
3.2 - EXPERIÊNCIA VIOLENTA, VIDA COMUM E REDES INTELECTUAIS .... 33
3.3 - AMÉRICA LATINA COMO CONCEITO: QUESTÕES E PROBLEMAS ....... 35
3.4 - INTEGRAÇÃO, TRADIÇÃO E SELEÇÃO DO PASSADO: A DIALÉTICA COMO SAÍDA .............................................................................................................. 37

(IN)CONCLUSÃO OU PERTINÊNCIA DA IMPERTINÊNCIA: APONTAMENTOS PARA UMA CRÍTICA DA HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA LATINO-AMERICANA ....................................................... 44

I - SOBRE ALGUMAS TESES BENJAMINIANAS À LUZ DA CONDIÇÃO LATINO-AMERICANA................................................................................................................ 45
II – O PASSADO COMO REDENÇÃO?..................................................................... 47

FONTES ........................................................................................................................52

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 52




INTRODUÇÃO




Dicen que hemos faltado a nuestra cita con la Historia, y hay que reconocer que nosotros llegamos tarde a todas las citas. Tampoco hemos podido tomar el poder, y la verdad es que a veces nos perdemos por el camino o nos equivocamos de dirección, y después nos echamos un largo discurso sobre el tema. Los latinoamericanos tenemos una jodida fama de charlatanes, vagamundos, buscabroncas, calentones y fiesteros, y por algo será. Nos han enseñado que, por ley de mercado, lo que no tiene precio no tiene valor, y sabemos que nuestra cotización no es muy alta. Sin embargo, nuestro fino olfato para los negocios nos hace pagar por todo lo que vendemos y nos permite comprar todos los espejos que nos traicionan la cara. Llevamos quinientos años aprendiendo a odiarnos entre nosotros y a trabajar con alma y vida por nuestra perdición, y en eso estamos; pero todavía no hemos podido corregir nuestra manía de andar soñando despiertos y chocándonos con todo, y cierta tendencia a la resurrección inexplicable.

Latinoamericanos, Eduardo Galeano



Para além de qualquer questão metafísica, há encontros no mundo material que certamente são inexplicáveis. A partir de uma pesquisa de iniciação científica, que carrega consigo medos, receios e dúvidas, me foi dada a possibilidade de manter certo contato com áreas de estudos que há muito me estimulavam, mas sobre as quais não podia me debruçar "profissionalmente" por falta de tempo, incentivo, condições financeiras, suporte... Isso tudo se desenhou para gerar um encontro fantástico - para não fugir à designação literária da "geração" latino-americana pela qual me apaixonei – com o tema da literatura, mais precisamente da crítica ou dos estudos literários, e especialmente com o espaço latino-americano, suas nuances e todo o potencial criativo e autônomo que aqui floresce há muitos séculos.
Nos idos dos anos de 1970, mais especificamente em 1978, o cantor compositor Milton Nascimento regravou a versão em castelhano de uma música de Pablo Milanês, músico cubano, que em 1973 havia gravado um disco chamado "Versos Sencillos" onde declamava, em forma de canto, poesias de José Martí. Especificamente nesse caso de 1978, tratava-se da música Canción por la Unidad Latino-Americana, cujos versos decantavam, em referência à América Latina, a possibilidade da virada histórica: "e quem garante que a história/É carroça abandonada/Numa beira de estrada/Ou numa estação inglória. A história é um carro alegre/Cheio de um povo contente/Que atropela indiferente/Todo aquele que a negue".
A música, ao expor a alternativa de que a história não seja um simples depositário de injustiças, procura um sentido comum à unidade latino-americana que seja capaz de reinventar a realidade de subdesenvolvimento e usurpação vivida pelos países que a compõem. Esse tipo de manifestação mais aberta à unificação de uma "cultura do comum" do "continente" foi apenas uma das ressonâncias de um momento fulcral da segunda metade do século XX no chamado "Terceiro Mundo, especialmente quando da experiência dos chamados estados de exceção, ou seja, ditaduras civil-militares que assolavam os países latino-americanos através da negação da política como espaço de dissenso e de mediação das diferenças individuais e coletivas
Neste trabalho, especificamente, procuraremos entender como dois intelectuais, a saber, Antonio Candido e Ángel Rama, ao publicarem dois de seus textos mais importantes em uma revista de cultura que circulou no Brasil nos anos 1970 – a revista Argumento -, deram sentido à experiência de produção intelectual Os textos são "Literatura e subdesenvolvimento", Candido, e "Um processo autonômico: das literaturas nacionais à literatura latino-americana", de Rama. O primeiro discute, através do estudo da literatura, as condições sócio-históricas postas à totalidade da América Latina no século XX; no segundo, a temática central é a possibilidade de se levar à frente uma análise, pautada na ideia de unidade, em torno do que seja a literatura do subcontinente. Ambos versam sobre problemas específicos postos na chamada periferia do capitalismo na segunda metade do século XX, sendo atravessados por um problema comum: somos locais ou universais? Somos cópia dos modelos europeus ou uma criação totalmente original, fruto de esforços nacionais?
Assim, a ideia é realizar alguns movimentos analíticos: um primeiro tenta entender como se dá a conformação de uma "consciência catastrófica do atraso", segundo expressão de Candido, que tenta mostrar aspectos fundamentais da criação literária na América Latina a partir da distinção de duas formas de pensar a situação de atraso e da dependência cultural, econômica e política do conjunto de países que sofreram o processo de colonização ibérica. A primeira forma, forte nos anos 1930, estaria associada à noção de país novo, correspondendo à consciência amena do atraso. A segunda, construída no pós anos 1950, diz respeito à ideia de país subdesenvolvido, cuja consciência se delineia como uma visão catastrófica do atraso. Candido pensa o entrosamento das duas consciências influenciando imbricadamente a atuação do intelectual latino-americano, seja no campo epistemológico, seja enquanto ser político-social.
Um segundo movimento pretende discutir, a partir de Rama, as múltiplas temporalidades superpostas em que se entrelaçam passado, presente e futuro na tentativa de construção de uma "integração literária" da América Latina. O ponto nodal aqui é a noção de interdependência cultural, que parece orientar um sentimento de unidade na diversidade, encaminhando as reflexões no campo da intelectualidade, seja epistemologicamente, seja na literatura e nas artes, à ideia de uma integração transnacional dos países latino-americanos. Mais do que isso, parece haver incutida neste texto certa percepção sobre o tempo histórico específico da América Latina, demonstrando cruzamentos e sobreposições de referências externas e internas e o entrelaçamento sutil entre passado, presente e futuro.
Essa discussão se desenha a partir do contato com uma fonte bem interessante, sobre a qual, inclusive, há poucos trabalhos: a Revista Argumento. Periódico publicado em apenas quatro números, entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974, que continha, dentre outras coisas, ensaios, resenhas, informes, entrevistas, poemas e depoimentos. Sob a Direção geral de Barbosa Lima Sobrinho (jurista, jornalista e político brasileiro), e vendidos a Cr$ 10,00 (dez cruzeiros, moeda da época), circulou por bancas de jornal nas principais cidades do país, com uma tiragem inicial de cinco mil exemplares. O Conselho Consultivo era composto por nomes como Erico Veríssimo, Florestan Fernandes, Paulo Duarte, Sérgio Buarque de Holanda, Simão Mathias (Brasil); Aníbal Pinto, Octávio Paz, Torcuato Di Tella (América Latina); Alberto Hirschman, Brian Von Arkadie, Dudley Sears (Europa e EUA). Na Comissão de Redação, atuavam Anatol Rosenfeld, Antônio Cândido de Mello e Souza, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Correa Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Luciano Martins, Paulo Emílio Salles Gomes.
A revista foi palco da exposição de textos clássicos do pensamento brasileiro e latino-americano. Podemos subdividi-la internamente em quatro grandes blocos, a saber: política, economia internacional (mundo), economia nacional e cultura. Seus artigos falavam não só do cenário político e econômico da época, mas também buscavam analisar a conjuntura internacional, o estado do cinema, o subdesenvolvimento da América Latina e as representações construídas pela literatura, por exemplo. A organização se dava em torno dos conselhos consultivo e comissão de redação, sendo também amparada por responsáveis pela iconografia, publicidade e estruturação física da revista, demonstrando certa complexidade organizacional. Seu último número não chegou a circular por conta da censura da ditadura civil-militar brasileira, em um momento em que a América Latina passava por importantes mudanças nas relações entre liberdades individuais, direitos políticos e civis
Assim, neste trabalho pretendemos discutir como os dois autores, cujas discussões são devotas diretas dos impasses da "crise da civilização ocidental" após a barbárie da Segunda Guerra Mundial, compreenderam a experiência histórica latino-americana a partir dos estudos literários. Em uma vivência atravessada pelos grandes eventos do pós-1945, dos quais destacamos a Revolução Cubana, em 1959, e as ditaduras civil-militares, que emergem especificamente nos anos 1970, salientamos alguns movimentos: a constatação da crise da consciência histórica do subcontinente diante dos dilemas do subdesenvolvimento e da violência política do Estado, conformando um impasse; depois, a busca por uma saída que passe pela análise autonômica e integrada da literatura, denotando parâmetros para a equiparação das nações do subcontinente; por fim, em diálogo com o debate sobre o tempo histórico, o próprio princípio intelectual que vai conformar a visão comum dos dois intelectuais: o resgate da ideia de tradição, fazendo do passado força motriz para a elaboração de projetos de futuro. A ideia, portanto, é pensar a América Latina a partir da América Latina.

























CAPÍTULO I



GUERRA, TEMPO E RAZÃO NO SÉCULO XX:
A AMÉRICA LATINA EM QUESTÃO

























1.1 - A RAZÃO ENCASTELADA

A pretensão incial deste estudo não é de construir uma grande discussão sobre o que seja a modernidade. Pela extensão temporal, pela densidade dos acontecimentos e pela quantidade de narrativas já construídas, essa seria uma tarefa inglória, para dizer o mínimo. O objetivo, antes, é construir uma rápida passagem sobre questões de temporalidade no período conhecido como modernidade, apontando como se construiu o castelo racional em torno do qual passa a girar o mundo capitalista. O passo seguinte, de maior dificuldade talvez, é o de mostrar como esse "castelo da razão" é frágil, posto que foi facil e sistematicamente destruído ao longo dos séculos, até culminar em eventos-chave, sobretudo no século XX, que o fazem ser um passaporte para a tragédia do não-esclarecimento. Isso reverbera diretamente na construção de algumas narrativas sobre a impossibilidade do futuro, ou ao menos da incapacidade de projetá-lo no pós Segunda Guerra, tema que será também examinado de forma rápida nesse capítulo. A culminância, aqui, é na percepção de que todo esse grande movimento da sociedade capitalista europeia, do progresso ao declínio, das luzes ao holocausto, encontra ecos importantes no chamado "Terceiro Mundo", mas sobretudo na América Latina do pós anos 1950, nosso objeto de estudos geral. De forma específica, as respostas dadas por Angel Rama e Antonio Candido aos impasses latino-americanos, nesse sentido, são chaves valiosas para desanuviar questões postas à propria existência após o rasgo da grande guerra, mas também demonstram uma tentativa de criar um caminho relativamente autônomo no que tange aos desníveis e impasses do Ocidente, inserindo-se na dificultosa tarefa de definir limites e possibilidades para a América Latina.
A fragilidade da montagem do castelo racional da modernidade capitalista europeia é um tema corrente na filosofia e nos estudos históricos em geral. O ponto limítrofe é a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, que puseram em contradição absoluta os valores do Esclarecimento, forjados especialmente na passagem do século XVII para o XVIII junto com a ideia moderna de história, tendo em Jacques Bossuet uma inflexão. Tomemo-lo aletaroriamente como ponto inicial, pois é dele que emerge uma espécie de consciência "ativa da história" em defesa do absolutismo, ainda que pautado no direito divino a partir de uma concepção providencialista da humanidade, baseando-se no pressuposto de que Deus pode intervir a qualquer momento e modificar o curso dos acontecimentos. Contudo, sua leitura parece fixar uma visão da e sobre a História extremamente utilitária: ela serve para ensinar aos príncipes e súditos qual é o plano divino para a humanidade, isto é, a história é regida pela necessidade de realização do plano divino – não por causas naturais e, menos ainda, sociais. No entanto, este providencialismo dá pleno destaque à história, pois é no desenrolar dos acontecimentos, na duração do tempo que se apresentam os argumentos e provas da intervenção ou da ação divina no mundo. Os fatos ganham sentido e inteligibilidade, tornando a desordem algo aparente. A história não é apenas uma sucessão de milagres, por isso as causas secundárias merecem e devem ser investigadas. Em suma, se ainda há uma ideia de providencia, há também um novo componente: a interferência humana no curso da história, pintando o futuro com alguns tons de incerteza.
O século XVIII parece marcar a mudança dessa forma temporal. Na linguagem koselleckiana, tempo histórico é a maneira de relacionamento entre o passado, as experiências concretas dos homens, o já vivido; o presente, com as experiências em andamento, e o futuro, as expectativas, esperanças, o horizonte.A modernidade fez surgir um novo conceito de tempo avesso à cronologia natural. No que tange à experiência, a passagem à modernidade modifica a forma de articulação entre o passado e o futuro, afastando cada vez mais as instâncias da experiência e da expectativa.
minha tese afirma que na era moderna a diferença entre experiência e expectativa aumenta progressivamente, ou melhor, só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então.
Koseleck procura pontuar como essa modernidade, ao produzir processos bruscos de mudança, fez com que a experiência passada fosse cada vez menos pertinente para dar conta das novas vivências, tornando o futuro imprevisível, algo aberto e indeterminado, diferente do "futuro passado". Isto é, a radicalidade do futuro, vivido no presente como aceleração, separou as dimensões do tempo, abalando a ideia de uma utilidade da experiência passada. A primeira categoria com que se compreendeu esta nova experiência temporal foi o conceito de "progresso", no qual "se deixa manifestar uma certa determinação do tempo, transcendente à natureza e imanente à história". Abria-se um futuro permanentemente surpreendente, acelerando a percepção temporal, ainda que as experiências particulares apontassem diferentes orientações quanto às expectativas. Coexistiam, então, vários tempos distintos, vários fenômenos históricos. A forma encontrada pela consciência filosófica europeia para lidar com essa experiência, no final século XVIII, foi a ordenação diacrônica e hierarquizada dos vários tempos em torno de um movimento único, linear e universal denominado progresso. Essa era a orientação básica da modernidade capitalista, que vai levar a humanidade aos impasses do mundo contemporâneo. Koselleck, porém, não parece anular a ideia de tradição, isto é, uma forma de "acúmulo" do passado sócio-histórico que é capaz de "orientar", em certa medida, as projeções do futuro em um determinado presente. A ideia básica é que essa estrutura temporal, antes mais solidamente construída, tal qual mostra o próprio conceito de história como Magistra Vitae fortemente desagregado no pré-Revolução Francesa, encontrou no pós Segunda Guerra outra forma de redimensionamento importante, afastando mais ainda (mas não inviabilizando totalmente aproximações) experiência e expectativa.

1.2 - IMPASSES DO ESCLARECIMENTO

No século XX, na chamada Era dos Extremos, as marcas comuns são guerras, catástrofes, impasses, conflitos, revoluções, desmoronamentos, ascensões, quedas, emergências... Certamente, um dos eventos mais importantes dos anos 1900 foi a Segunda Guerra Mundial e tudo o que dela decorre. Se quisermos ir mais longe, podemos, nos ancorando em Eric Hobsbawm, entender a Primeira e a Segunda Guerras como eventos que, juntos, geram uma percepção coletiva de catástrofe culminando com abarbárie do holocausto e das bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki, em 1945. Sendo direto: mais umabalo na história da civilização ocidental que reverberou na forma como o homem passou a lidar com o mundo e com o tempo.
Esse ponto foi amplamente discutido em Dialética do Esclarecimento, obra seminal de Theodor Adorno e Max Horkheimer publicada em 1947, fundamental no que tange à crítica ao Iluminismo e seu culto à tecnica e à racionalidade. Ao invés de redenção pelo conhecimento, única forma de retirar o homem de sua menoridade intelectual, como pensava Kant, a sociabilidade criada ao longo dos séculos, especialmente na Europa Ocidental, construiu, em certa medida, as condições necessárias para o extermínio nazista e uma sociedade repressora e autoritária, além de conivente. Isto é, ao invés de libertação, a chamada razão instrumental, sustentáculo do conhecimento filosófico e científico, através do cálculo, engendrou formas de dominação não somente da natureza, mas também dos próprios seres humanos entre si. Desenhava-se, nas palavras dos autores, um paradoxo: o culto à razão levou o mundo à barbárie. Em outros termos, o fascismo e o nazismo eram um produto forjado na forma de racionalização do modo de produção capitalista, mas que radicalizou o programa iluminista de um saber neutro e objetivo que se pretendia emancipador.
Também por isso, o controle da natureza é levado à frente como forma de garantir ao homem o poder de ordenar o mundo, dando sentido à existência humana. As sociedades deveriam ser conduzidas de maneira objetiva, ordenada, tornando o mundo um lugar previsível. A fórmula iluminista para salvar o homem da barbárie pelo esclarecimento, assim, objetivava controlar o mundo exterior pela técnica, entrelaçando poder e conhecimento. A modernidade capitalista, um projeto forjado na longa-duração, se funda nesse axioma: o conhecimento técnico, que não tem como objetivo necessariamente o que se convencionou chamar de "felicidade" do gênero humano, cria ferramentas metodológicas capazes de potencializar o domínio humano sobre o mundo exterior.
O aspecto repressivo do esclarecimento se dá na medida em que a tentativa de ruptura com a forma de dominação mítica, na busca pela consolidação do controle da natureza, se faz mediante uma violência contra a própria construção da consciência histórica, ou seja, o mundo acaba se tornando "um campo de exploração sistemática a partir de um entendimento que se restringe cada vez mais, buscando sempre a redução da multiplicidade das coisas à unidade do pensamento". É esse processo que ativa uma percepção de Adorno e Horkheimer acerca da profundidade da alienação fruto do Esclarecimento, que atinge não apenas a relação do homem com o mundo natural, mas também, e sobretudo, a relação com outro, o também humano. Prejudica-se, em suma, a relação do indivíduo consigo mesmo, com as formas sociais de existência, sejam individuais ou coletivas.
A constatação evidente é de que a violência da Segunda Guerra Mundial evidenciou os limites e impasses da racionalidade iluminista. Ao elevar a ciência à instância de saber absoluto da civilização, a modernidade capitalista terminou por subsidiar a ideia de soberania da raça ariana, além de ser força motriz da corrida armamentista que gerou as bombas atômicas. Mas não somente isso: a violência sistemática da Guerra alterou as formas de consciência histórica com relação às próprias perspectivas de futuro ou, seguindo a linguagem hartogiana, houve uma modificação importante do "regime de historicidade" contemporâneo, uma forma de articulação temporal entre passado, presente e futuro que é fortemente alterada em períodos de crise.


1.3 - UM OCIDENTE SEM FUTURO?


A mudança no eixo da composição temporal do mundo pós Segunda Guerra é tema corrente nos debates contemporâneos nos mais diversos campos do conhecimento. Uns procuram discutir a inviabilidade de construção de metanarrativas sobre a civilização ocidental no pós-1945; outros procuram entender as afetações, no campo da subjetividade, da violência do conflito mundial; há também aqueles que, no campo das artes e da epistemologia, tentam perceber os limites da representação do que se vive. O fato central, talvez, é que diante do caos absoluto, da devastação sem precedentes, da magnitude das bombas atômicas etc, a noção de futuro ganhou ainda mais força no centro do debate. Era possível pensar uma pespectiva para a existência humana? A grande objeção feita aqui é a seguinte: a perpsectiva que aponta certa falência da ideia de futuro na Europa, muito fortemente discutido nos mais diversos campos do conhecimento histórico, encontra um funcionamento diferente na América Latina no período posterior aos anos 1950.
Duas leituras mais atuais - que talvez trilhem caminhos opostos, mas que no fundo tenham como ponto de chegada a mesma conclusão - nos auxiliam na montagem de um mosaico mais amplo da vida no pós Segunda Guerra na Europa. Fiquemos com François Hartog e Giorgio Agamben, que debateram, nas últimas décadas, as formas de percepção coletiva do tempo histórico na sociedade contemporânea, sobretudo após o marco do Holocausto e da violência absoluta dos fascismos e nazismos. Coincidem, nessas obras, visões acerca de uma dificuldade de lidar com a experiência (o passado), o que anuvia, também, as projeções para o futuro com relação às construções utópicas de superação da ordem. Tem-se, com isso, uma reconfiguração da forma como o Ocidente passou a enxergar o próprio processo histórico e suas reverberações mais amplas, alargando a idéia de presente a um eterno porvir irrealizável.
Giorgio Agamben argumenta que o espaço político contemporâneo, especialmente no século XX, passou a não ser mais a cidade idealizada, a pólis antiga, construída pela racionalidade, pela ciência, pela técnica, mas sim o campo de concentração, lugar da ausência de lei, da anomia, isto é, o espaço da vida nua. Os sobreviventes ao extermínio sistemático implementado pelos nazistas são filhos do acaso, pois o campo de concentração, enquanto situação plena da violência, acaba com toda possibilidade de uma temporalidade originária, progressiva. Mais cruel talvez seja a destruição da experiência (passado) e das expectativas (futuro). Tem-se um hiato, um agora interminável.
Em Hartog essa ideia de um presente amplo é entendida a partir do conceito de "regime de historicidade". No mundo contemporâneo, especialmente na primeira metade do século XX, a catástrofe da Segunda Guerra marca uma cisão ainda mais forte com o regime moderno de historicidade, posto que a dimensão do presente passou a desajustar a relação entre o passado e o futuro, o que caracteriza o chamado "regime presentista".
Posteriormente, apesar da catástrofe da Segunda Guerra Mundial, a impossibilidade, sem dúvida, de enfrentar aquilo que havia aconteci- do, as estratégias de esquecimento, a utopia revolucionária, as esperanças de transfomar a sociedade, a reconstrução, a modernização, a planificação, a competição, o confronto leste-oeste, os progressos econôrnicos, técnicos, as rápidas transformações, em resumo, a aceleração da história e do tempo, são fatores que concorrem para manter operacional ou mesmo para relançar o regime moderno de historicidade e os hinos ao progresso: "o futuro radiante", socialista, o "milagre alemão", capitalista, les Trentes Glorieuses francesas. Pouco a pouco, todavia, o futuro iria ceder terreno ao presente, que ia adquirindo cada vez mais espaço, até parecer ocupá-lo inteiramente. Entra-se, então, no tempo do presentismo.
Pode-se dizer que se inaugura uma era em que o presente é o próprio horizonte, tornando-se uma temporalidade quase "eterna", insuperável, imutável, isto é, desloca-se o futuro para um eterno vir-a-ser que não se realiza na prática, tampouco no campo das utopias, das projeções, dos desejos. Digamos, com isso, que se fortalece uma dificuldade, no plano das narrativas, de projeção de projetos emancipatórios da humanidade. Em suma, a narrativa historiográfica que mais circula hoje, aqui apresentada à luz do trabalho de alguns importantes intelectuais, parecia sentenciar o futuro como o lugar do incalculável. Entretanto, na América Latina, nosso objeto geral de estudos, as coisas decorreram de forma complexa o bastante para problematizarmos: quais respostas políticas e intelectuais foram encontradas aqui no que tange à resolução dos impasses da civilização?


1.4 - "JARDINS DE VEREDAS QUE SE BIFURCAM" E O PARADIGMA DA REVOLUÇÃO CUBANA DE 1959

Ainda retomando a dificuldade de ver, pensar e agir a partir do que seria o futuro, a América Latina, ao entrar no momento de reelaboração de seu horizonte de expectativas, foi palco de dissensos político-econômicos e intelectuais importantes. No imediato pós-guerra, apesar de no âmbito intelectual o impacto "universal" da crise da civilização ocidental ter afetado a percepção de mundo, no âmbito da economia e da gestão política do Estado, por exemplo, havia certo otimismo com relação à mudança do eixo de circulação mundial de mercadorias, ou seja, percebia-se como o impacto da guerra havia modificado, em partes, a lógica da produção e, consequentemente, da venda de produtos no mercado internacional. Essa espécie de "otimismo", entretanto, gerou algumas disputas em torno das ideias que fossem capazes de operacionalizar essa virada. Desdenhavam-se, portanto, algumas alternativas, sobretudo duas: de um lado, a continuidade de um processo de industrialização, extremamente favorecido pela crise do centro do capitalismo no período entre guerras; de outro lado, a retomada de um modelo agroexportador, cujo objetivo era restaurar a forma do sistema mercantil e financeiro mundial do período anterior à guerra. Uma posição, portanto, visando a consolidação de setores da burguesia e trabalhadores urbanos, enquanto de outro lado encontravam-se as oligarquias rurais e os trabalhadores do campo. Em suma,
De este modo, el sorprendente consenso que durante 1930-45 había existido encuanto al avance del Estado en la economía y a la industrialización por sustitución de importaciones (ISI), ahora ES reemplazadopor un disenso profundo. No sólo se discute uma distribución de recursos dentro de las economias latinoamericanas; también está em juego el perfil futuro de las sociedades latinoamericanas y la distribución dentro de ellas del poder político.

A violência do holocausto e a percepção latino-americana dos eventos em escala mundial recolocam a questão do futuro à prova, no que abre, ao mesmo tempo, veredas, caminhos, horizontes de expectativas da humanidade. Em 1944, Jorge Luis Borges, um dos maiores escritores latino-americanos do século XX, em um texto magistral, tratava assim o tema do labirinto a partir do personagem principal do conto: "Li com incompreensão e fervor estas palavras que com minucioso pincel um homem de meu sangue redigiu: 'Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de veredas que se bifurcam". Não cabe narrar a história presente no texto de Borges, mas a ideia do conto nos serve para sedimentar a proposição desse trabalho.
A percepção do labirinto, muito presente em todos os contos do livro Ficções, indica que Borges queria lidar com a possibilidade de múltiplas dimensões, caminhos, brechas, direções. À luz das bifurcações possíveis nos percursos da vida humana, deve-se optar por eleger e excluir caminhos que, ao longo do trajeto, se sucedem na construção do que serão os passos em direção ao futuro. O labirinto, nesse conto, é uma metáfora dos impasses daquele momento: perda, desorientação, confusão e dúvida, supondo que há sempre duas coordenadas em um percurso: a saída e o centro; em outros termos, é a representação do impacto da crise da civilização ocidental nos âmbitos político e intelectual, especialmente na América Latina, ainda que Borges esteja tratando de uma universalidade. Seu locus de enunciação, entretanto, é o terceiro mundo, e a representação da ambivalência do percurso labiríntico nos serve para entendermos os caminhos possíveis aos estudos literários no que tange à construção da identidade latino-americana.
Literariamente,
compreendi quase imediatamente; o 'jardim de veredas que se bifurcam' era o romance caótico; a frase 'vários futuros' (não a todos)' me sugeriu a imagem da bifurcação no tempo, não no espaço. A releitura geral da obra confirmou essa teoria. Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as demais.

A metáfora da conexão, da perpendicularidade, de um corpo que se atravessa por outros corpos constantemente, serve à ilustração do emaranhado temporal da vida latino-americana pós anos 1950. Isso nos faz ressaltar um aspecto interessante: aqui, no chamado Terceiro Mundo, a orientação para o futuro ainda permanecia no horizonte social e intelectual. O paradigma da emancipação continuava a dar a linha nas ações e pensamentos nos campos político e até partidário. Tanto é assim que o processo da Revolução Cubana, um movimento que se inicia eivado por um nacionalismo anti-imperialista, funcionando como um arquétipo do desejo de libertação latino-americano, tem como substância essencial as ideias de utopia e futuro. Ainda que se dê dentro do processo revolucionário uma mudança dos propósitos político-ideológicos, isto é, a passagem de uma forma de luta popular pela autonomia nacional para uma busca pelo caminho do Socialismo, a grande questão, demonstrando não haver inicialmente uma percepção clara dos dilemas mais amplos do modo de produção capitalista, é que o marco revolucionário cubano alargou o paradigma da forma de luta política – por conta da atuação da guerrilha, da organização popular armada, do foquismo e das formulações intelectuais no mundo todo – com base, sobretudo, na força da ideia de libertação (material e intelectual) das ex-colônias frente aos ditames do capitalismo central.
Não cabe aqui discutir amplamente a história de Cuba. Em linhas gerais, interessa-nos um aspecto importante. Como mostra Jorge Abelardo Ramos, em 1989, mesmo um século depois das guerras de emancipação dos países latino-americanos, a ilha ainda era uma colônia do império espanhol, que ja estava em decadência. O primeiro movimento de libertação nacional, que culminou na chamada Guerra dos Dez Anos (1868-1878), não gerou vitórias significativas, mas deixou sequelas: mortes, destruição e, posteriormente, uma entrada maciça de capitais norte-americanos na indústria açucareira cubana como forma de "reerguer" a economica nacional. O segundo movimento, datado de 1898, é bastante estimulado pela imprensa norte-americana, que leva à frente uma franca campanha antiespanhola. A luta por emancipação contou com a participação fundamental dos EUA, que pretendiam enfraquecer o colonialismo europeu em nome da nova forma de intervenção do capitalismo: o imperialismo. Isto significa dizer, em outros termos, que o domínio europeu foi substiuído por um "protetorado" estadunidense. Com a Emenda Platt incluída na Constituição de Cuba em 1901, a ilha ficava submetida a um virtual protetorado norte-americano. A própria Constituição cubana admitia o direito dos Estados Unidos da América de intervir em seu território e de ocupá-lo para 'defender sua independência'.
Constituiu-se então a Revolução Cubana, um movimento armado e guerrilheiro que derrubou o ditador Fulgêncio Batista em janeiro de 1959. Esse período abrigava o que se convenciou chamar de Guerra Fria, entendinda como um período de disputas político-ideológicas que dividiram o mundo entre o "Primeiro Mundo", compreendido como o bloco dos países desenvolvidos capitalistas, e o "Segundo Mundo", que reunia os países socialistas. Cuba, como não poderia deixar de ser, interagiu diretamente com o chamado "socialismo real" soviético. Contudo, é necessário ressaltar que o processo revolucionário cubano não se deu como reflexo direto da condição da URSS na Guerra Fria. Antes, foi um movimento que guardou certa "autonomia" com relação à Europeu. Ou seja, a Revolução Cubana parece indicar muito do sentimento latino-americano com relação ao centro do capitalismo, sobretudo a Europa e os EUA, mas não parece segui-los rigidamente como horizonte ou paradigma político-ideológico. Essa ideia, questão central na obra de diversos intelectuais que estudam a Revolução Cubana, serve pra desanuviar o debate engessado de que Cuba é um espelho do movimento europeu de tentativa de superação do modo de produção capitalista.
Florestan Fernandes se indaga: qual o significado da Revolução Cubana?
A América Latina tem uma alternativa histórica, [e] essa alternativa não está no capitalismo, ela não é aberta pela democracia burguesa, não é aberta pelo imperialismo, não é aberta pela internacionalização da economia capitalista, ela é aberta exatamente pelo socialismo. A via pela qual Cuba chegou ao socialismo é muito peculiar. Eu não diria, como Che, que nesse sentido a experiência de Cuba vai ser paradigmática, vai se repetir. Agora, essa revolução sim, porque esses povos não têm alternativa […]."

Todo esse longuíssimo prólogo serve para sedimentar o caminho até a hipótese deste trabalho. Em suma, o marco do poder de destruição social e intelectual presente na 2ª Guerra Mundial coloca em discussão diversas questões ético-políticas e até civilizacionais no seio da sociedade europeia. Anuviam-as as possibilidades de projeção do futuro, posto que o peso do presente estava, ainda, atrelado a um passado recente que não passava, com toda sua violência e irracionalidade. Entretanto, os ecos dessa problemática da consciência histórica chegam à América Latina com roupagens diversas, e são recebidos de formas mais complexas. A Revolução Cubana, nesse sentido, serve como uma imagem de inflexão no percurso de desorientação, esvaziamento das utopias e destruição das expectativas que o Ocidente fez emergir. A mudança de paradigma levada à frente pelo processo sócio-político dos "homens" de Che e Fidel acende no chamado Terceiro Mundo um debate acerca das formas consciência histórica na América Latina e também dos projetos de integração.
E é aqui que entram Antonio Candido e Angel Rama, muito devotos do impacto da Revolução Cubana. O brasileiro, primeiramente, concebe uma crítica fundamental à condição de subdesenvolvimento dos países latino-americanos tendo como referência chave um fenômeno civilizatório base, a saber, a literatura, pensando a partir de uma ideia de crise da consciência ou emergência de uma consciência catastrófica do atraso; o crítico uruguaio, indo além, não somente segue a linha da constatação da nossa posição periférica frente à lógica mundial, mas também pensa a possibilidade de uma autonomia na confecção de uma tradição literária da América Latina que envolva especialmente o que nos é peculiar, ou seja, o que nos é particular mas que não nos exclui da universalidade, tendo com o horizonte a projeção de futuros outros. Seguindo inclusive o que propõem Adorno e Horkheimer, isto é, a ideia de que é possível "refundar" formas de racionalidade na busca por dirmir alguns impasses da modernidade, procuram resgatar dos conteúdos da realidade material a forma da dialética que os permita construir um antídoto à ideologia (ou filosofia) dominante europeia, que nos legou a barbárie e a violência sistêmica das guerras, mas também que sirva como ferramenta de projeção de um futuro libertador para a América Latina.









































CAPÍTULO II



CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA E SUBDESENVOLVIMENTO: UM IMPASSE; UMA SAÍDA


































2.1 - UM (ENTRE)TEMPO LATINO-AMERICANO

A constatação evidente que decorre do primeiro capítulo deste trabalho é que as formas de apreensão e compreensão do tempo histórico no espaço latino-americano, ao menos por parte de alguns intelectuais, encontraram uma dinâmica diferente daquela que emerge na Europa do pós-Guerra. Aqui, ao invés de um horizonte de expectativas cada vez mais reduzido e afastado do espaço de experiência, apresentava-se uma dinâmica em que passado e futuro, isto é, experiência e expectativa se embaralham, configurando uma percepção fortemente marcada pelo debate da tradição, operando "seleções" de nosso passado, ao passo que se reconfiguravam projetos emancipatórios, com vistas ao futuro, ao vir-a-ser. Em outras palavras, se na Europa, para alguns autores, parece se desenhar paulatinamente um "futuro sem passado", se há um problema de lidar com a experiência, com o já acontecido, na América Latina, ao menos para parte da intelectualidade da segunda metade do século XX, a questão se delineia de forma diferente: o futuro ainda é capaz de se entrelaçar com a experiência do passado.
Esse capítulo especificamente pretende realizar alguns movimentos analíticos importantes. Em primeiro lugar, o objetivo é mostrar como a consolidação da crítica candidiana sobre a questão da consciência histórica da vida na América Latina se materializou, de fato, nas páginas da Argumento, um aporte fundamental à construção de narrativas possíveis acerca da realidade do Terceiro Mundo. Depois, o movimento seguinte pretende entender a construção de uma ideia de "catástrofe do atraso", que, segundo Candido, configura uma segunda forma de apreensão da complexidade social latino-americana na segunda metade do século XX. Aqui, o entrecruzamento é com o impacto das ditaduras civil-militares e da restrição de liberdades individuais e direitos políticos, que servem como vetor fundamental para a noção de atraso que delineia a crítica vigente em "Literatura e Subdesenvolvimento", texto que é aqui analisado. Ao mesmo tempo, é necessário traçar, concomitantemente, um debate acerca das noções de consciência histórica e catástrofe. Por fim, a intenção é entender como a construção intelectual de Candido, ao mesmo tempo em que configura uma espécie de impasse à experiência da vida coletiva na América Latina, representa também uma abertura possível às saídas posteriormente propostas por Angel Rama no que tange à interdependência cultural do subcontinente, ou, em outros termos, na busca pela constituição de um processo autonômico que comportasse a formação e a integração da literatura latino-americana.


2.2 - A REVISTA ARGUMENTO COMO APORTE À CRÍTICA INTELECTUAL

"Literatura e Subdesenvolvimento", texto de Antonio Candido publicado na 1ª edição da Revista Argumento, tenta mostrar aspectos fundamentais da criação literária na América Latina a partir da distinção de duas formas de pensar a situação de atraso e da dependência cultural, econômica e política do conjunto de países que sofreram o processo de colonização ibérica. A primeira estaria associada à noção de país novo, correspondendo à consciência amena do atraso. A segunda, por sua vez, diz respeito à ideia de país subdesenvolvido, cuja consciência se delineia como uma visão catastrófica do atraso. De modo geral, Candido pensa o entrosamento das duas consciências influenciando fortemente a atuação do intelectual latino-americano, seja na atuação no campo epistemológico, seja na atuação enquanto ser político-social., embora não se trate de atuações propriamente separáveis no que se refere ao papel público do intelectual.
O periódico foi publicado em apenas quatro números, entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974, contendo, dentre outras coisas, ensaios, resenhas, informes, entrevistas, poemas e depoimentos, e teve como diretor Barbosa Lima Sobrinho (jurista, jornalista e político brasileiro). Circulou por bancas de jornal nas principais cidades do país, com uma tiragem inicial de cinco mil exemplares. O Conselho Consultivo era composto por nomes como Erico Veríssimo, Florestan Fernandes, Paulo Duarte, Sérgio Buarque de Holanda, Simão Mathias (Brasil); Aníbal Pinto, Octávio Paz, Torcuato Di Tella (América Latina); Alberto Hirschman, Brian Von Arkadie, Dudley Sears (Europa e EUA). Na Comissão de Redação, atuavam Anatol Rosenfeld, Antônio Cândido de Mello e Souza, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Correa Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Luciano Martins, Paulo Emílio Salles Gomes.
A publicação abordava diversos assuntos relacionados às temáticas mais manifestas no debate público. Palco da exposição de textos clássicos do pensamento brasileiro e latino-americano, é possível subdividi-la internamente em quatro grandes blocos: política, economia internacional (mundo), economia nacional e cultura. Seus artigos falavam não só do cenário político e econômico da época, mas também buscavam analisar a conjuntura internacional, o estado do cinema, o subdesenvolvimento da América Latina e as representações construídas pela literatura, por exemplo. A organização se dava em torno dos conselhos consultivo e comissão de redação, sendo também amparada por responsáveis pela iconografia, publicidade e estruturação física da revista, demonstrando certa complexidade organizacional.
Seu nome, Argumento, e seu slogan central, "Contra fatos há argumento", representam sua opção por se lançar ao público como um instrumento de (contra)argumentação com relação aos "fatos" apresentados pelas ditaduras civil-militares que assolavam os países da América Latina, servindo como aporte para que o intelectual pudesse se (re)enraizar para construir pensamentos, debates, cruzamentos de referências e análises. No editorial de abertura da Revista:
A natureza social tem horror ao vácuo cultural e tende a preenchê-lo de uma forma ou de outra. Uma das formas de fazê-lo é utilizando a dependência, a acomodação, o arrivismo.
A nossa pretende ser a outra forma, a que se definirá no percurso de nosso grupo. Este é vário na idade e na posição, mas que unifica no entendimento em um veículo novo para o que há de vivo, independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras notadamente as do continente.
Neste trecho, a discussão é claramente em torno da situação das culturas brasileira e latino-americana, que para os intelectuais da Revista deveriam ser analisadas em uma perspectiva independente, de confrontação indireta, por palavras, letras e versos. Por isso, conclamam a todos a definirem o caminho a ser seguido nas páginas da Argumento: em uma visão latino-americana, a missão era debater as mazelas da vida social sem perder de vista as circunstâncias nas quais cada texto estava sendo escrito. Colocava-se, paralelamente, uma discussão sobre a própria posição do intelectual cujo papel de crítica era fundamental para um posicionamento contra certa realidade social dada ou imposta. A ideia de uma tomada de consciência serviria para evitar um simples contraponto moral entre bem e mal, além de fortalecer uma posição importante frente à atuação do Estado ditatorial. A "escolha" pela crítica à margem das instituições formais (partidos, sindicatos, coletivos e movimentos sociais, de forma geral) de organização coletiva para a luta política representava, assim, uma forma de aprofundamento da atividade intelectual na busca pela compreensão da dimensão social da crítica.
É por isso que
os obstáculos que eventualmente encontraremos e os estímulos que recebemos serão igualmente indicativos da utilidade de nossa função. Muito intelectual brasileiro foi arrancado de seu mundo e é preciso que encontre um terreno onde possa novamente se enraizar. A limitação de nosso campo poderá ainda ser restringida, mas sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recusar a cair no desespero.
Nascemos sem ilusões e não está em nosso programa nutri-las. A independência custa caro e não encoraja as subvenções. Não temos propriamente o que vender, mas nos achamos em condições de propor um espaço de lucidez. Esta não é artigo de luxo ou de consumo mas em qualquer tempo é alimento indispensável pelo menos para alguns. Sua raridade é, aliás, sempre provisória; tudo o que a lucidez revela tende a se transformar em óbvio.
Contra fato há argumento.

O último número da Revista não chegou a circular por conta da censura da ditadura civil-militar brasileira inaugurada com o golpe de 1964, em um momento em que a América Latina passava por importantes mudanças nas relações entre liberdades individuais, direitos políticos e civis: a vigência dos regimes ditatoriais. O chamado "estado de exceção" indica um momento histórico em que uma comunidade política, utilizando-se do discurso do medo à desordem pública, é temporariamente submetida à existência de um regime jurídico excepcional. Isto significa dizer que são conferidos poderes extraordinários às autoridades governamentais, ao mesmo tempo em que se restringem ou suspendem as liberdades públicas e certas garantias constitucionais em nome de uma ordem ideal. Instaura-se, também, um "estado de sítio" capaz de legalizar a suspensão da legalidade, isto é, outorga-se uma medida "ilegal" – posto que, em alguns casos, não é um dispositivo prévio - em nome da "ordem" ou da situação de emergência. Essa "lei" torna-se perfeitamente "jurídica e constitucional" ao se calcar na criação de novas normas ou em uma nova ordem jurídica baseada na noção de restrição de direitos legais, ou seja, há um deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo, que indetermina uma diferenciação clara entre democracia e soberania absoluta, entre legal e ilegal, entre jurídico e extrajurídico.
A ditadura por assim dizer localizou o topos indecidível da exceção, a um tempo dentro e fora do ordenamento jurídico, tanto na sala de tortura quanto no desaparecimento forçado, marcado também, este último, por uma espécie de não lugar absoluto. Esses os dois pilares de uma sociedade do desaparecimento. A Era da Impunidade que irrompeu desde então pode ser uma evidência de que essa tecnologia de poder e governo não pode mais ser desinventada. Seja como for, algo se rompeu para sempre quando a brutalidade rotineira da dominação, pontuada pela compulsão da caserna, foi repentinamente substituída pelo Terror de Estado delinquente de proporções inauditas
Esse "corte" de 1964 representa, assim, uma ruptura de certo modo irreversível. O "método da exceção", com o tempo e o uso reiterado por parte dos Estados modernos e contemporâneos, espalhou mundo a fora, sobretudo na América Latina, a possibilidade de intervenção em nome de uma liberdade que, no fundo, era falsa. Isto significa dizer que as medidas excepcionais tomadas para garantir essa "ordem" se situam na situação paradoxal: de um lado, têm uma natureza jurídica; de outro, sua compreensão não se esgota apenas no plano do direito. Em suma, ao se apresentar como forma legal daquilo que não pode ser legal, o estado de exceção é um momento de configuração de uma indistinção que denota o paradoxo da soberania: a exceção como regra.
o estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e consequente constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real.
Esse expediente foi utilizado quando da implementação, a partir de 1964, de diversos regimes ditatoriais baseados em Doutrinas de Segurança Nacional (DSN) por todo o Cone Sul. O Brasil, nesse caso, foi pioneiro, iniciando um processo de destruição dos ideais democráticos liberais, afastando qualquer possibilidade de participação política naquele momento. De fato, ressaltadas as diferenças entre as diversas ditaduras e as formas de gestão do Estado, importa pensar que a falência de um modelo anterior se deu, dentre outras coisas, pela violência como forma de dissolução da política enquanto mediação, além de levar a cabo uma série de ações: "alguns pontos em comum a todos os regimes militares são evidentes: dissolução das instituições representativas, falência ou crise aguda dos regimes e partidos políticos tradicionais, militarização da vida política e social em geral". Esse era o cenário político e social no período em que se fortalece a crítica de Antonio Candido à situação da literatura latino-americana.

2.3 A CONSCIÊNCIA CATASTRÓFICA DO ATRASO COMO IMPASSE?

Além deste cenário, a própria configuração sócio-histórica do tempo latino-americano, na segunda metade do século XX, se chocou com uma gama de outros "eventos" também importantes. Tal como foi exposto no primeiro capítulo deste trabalho, o impacto da Revolução Cubana foi importante no que tange às perspectivas de futuro e na construção do imaginário e da identidade da América Latina, ao mesmo tempo que deu vigor a uma série de estudos e discussões que não abandonavam uma ideia de tradição, além de auxiliar na construção de projetos autonômicos e emancipatórios, seja no âmbito político, seja no âmbito intelectual. Entretanto, isso só foi possível em alguns casos graças à constatação dos impasses presentes, especialmente nos anos 1970, quando da emergência das ditaduras e, de forma geral, de regimes autoritários na maioria dos países latino-americanos. Por isso a importância de Candido: a construção intelectual, em meio à existência de um regime "político" de violência e violação de liberdades, de uma crítica que constatasse a consciência catastrófica do atraso do mundo subdesenvolvido a partir de traços importantes da criação literária do "subcontinente", no fundo, é uma operação cognitiva importante de ser analisada.
Candido retira da obra de Mário Vieira de Mello a noção de que há uma mudança de perspectiva após o decênio de 1930. Até esse momento predominava uma noção de "país novo", que ainda não pudera realizar-se na prática, mas que atribuía a si mesmo grandes possibilidades de progresso futuro. Nos pós 1950, sobretudo, o que passou a predominar era uma noção de "país subdesenvolvido". No primeiro caso, a importância estava na grandeza ainda não realizada; no segundo, destacava-se a pobreza, a atrofia, isto é, o que falta, não o que sobra. Em outros termos, na América Latina se deu uma mudança de características da produção literária continental na passagem da fase da consciência amena do atraso, isto é, os anos de 1930 com a ideologia de "país novo", para a fase da consciência catastrófica do atraso, correspondente ao período posterior à Segunda Guerra Mundial. A primeira fase corresponde ao período de falência do modelo oligárquico e do alvorecer da industrialização nacional. Mas a fase que realmente nos interessa aqui é a de maior consciência do atraso, época correspondente à da decadência da civilização europeia no pós-guerra.
A ideia de que a América constituía um lugar privilegiado e fantástico se desenhou em projeções utópicas que sedimentaram visões tanto no momento da conquista quanto no da colonização. A ideia de "país novo" produz na literatura algumas atitudes fundamentais relacionadas à surpresa, ao interesse pelo exótico, e um certo respeito pelo grandioso, além de uma esperança quanto às possibilidades de futuro. Esse "estado de euforia" foi herdado pelos intelectuais latino-americanos, que o transformaram em instrumentos de afirmação nacional, ao mesmo tempo que o utilizaram como justificativa ideológica.
O nosso céu era mais azul, as nossas flores mais viçosas, a nossa paisagem mais inspiradora que a de outros lugares, como se lê num poema que sob este aspecto vale como paradigma, a "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, que poderia ter sido assinado por qualquer um dos seus contemporâneos latino-americanos entre o México e a Terra do Fogo

Assim, as ideias de pátria e natureza passam a ter um vínculo fundamental. Ambas conduziam a uma literatura que compensava o atraso material e a debilidade das instituições por meio da supervalorização dos aspectos regionais, fazendo do exotismo razão de otimismo social. Com isso, um dos pressupostos importantes da literatura latino-americana foi esta contaminação, geralmente eufórica, entre a terra e pátria, considerando-se que a grandeza da segunda seria quase um "desdobramento natural" da importância dada à primeira. Tendo em vista essa ligação causal "terra bela - pátria grande", a consciência do subdesenvolvimento enquanto mudança de perspectiva apresenta mais claramente a realidade da miséria, da pobreza e da incultura. Assim, a operação ideológica por trás dessa narrativa do "gigantismo" se mostra, no fundo, uma operação que visava construir uma ilusão compensadora do atraso. Resulta daí uma visão que Candido define como "pessimista quanto ao presente e problemática quanto ao futuro, e o único resto de milenarismo da fase anterior talvez seja a confiança com que se admite que a remoção do imperialismo traria, por si só, a explosão do progresso".
A percepção decorrente desta análise parece indicar que a consciência catastrófica do atraso, na América Latina, alterou fortemente a própria percepção do tempo histórico por parte, especialmente, dos intelectuais. Em outras palavras, o problema da experiência histórica brasileira e latino-americana que conjuga um passado violento e ilusório, que nos legou a ilusão da terra-pátria grande, que se soma a uma constatação das anomalias na nossa formação sociocultural, fazem a ideia emergir, ao menos na crítica candidiana, uma percepção do quanto o atraso é um problema a ser considerado e discutido amplamente, ou seja, algo que deva ser encarado como um problema real, posto que, ainda que sua expressão seja literária, trata-se de uma condição coletiva comum.
Entretanto, é possível perceber que, diante deste impasse de constatar na produção literária latino-americana uma modificação da forma da consciência histórica, Candido, seguindo o mote da Revista, que conclamava à não resignação, abriu ele próprio caminhos importantes para a superação desse dilema. Em outros termos, a consciência do subdesenvolvimento, ao invés de desajustar, deslocava a ideia corrente de que havia certa inércia política razoavelmente construída na América Latina diante da violência sistêmica. Ao destruir as visões eufóricas, a opção era a luta, posto que o dilema causado na consciência pela verificação de quanto o atraso é catastrófico suscita reformulações políticas. Com isso, se alastra pelo continente uma forte disposição ao combate, tornando esse cenário dos regimes de exceção uma força propulsora que dá novo cunho ao tradicional empenho dos nossos intelectuais.


2.4 ASSIMILAÇÃO E INTEGRAÇÃO TRANSNACIONAL

O percurso argumentativo de Candido se inicia sobretudo com a análise das condições materiais de existência da literatura, que no caso latino-americano tem como mote fundamental a questão do analfabetismo, algo que se agravava pela pluralidade linguística ainda vigente. Isso se liga às manifestações de debilidade cultural, tais como falta de meios de comunicação e difusão, inexistência de públicos disponíveis para a literatura, impossibilidade de especialização dos escritores em suas tarefas literárias. Deste modo, entende-se que, apesar de o analfabetismo não ser sempre razão suficiente para explicar a fraqueza de outros setores da sociedade, ele é traço básico da condição de subdesenvolvimento no terreno cultural. Assim, na América Latina há uma condição negativa prévia para a existência de literaturas, a saber, o número de alfabetizados.
O problema se agrava porque
Na maioria dos nossos países há grandes massas ainda fora do alcance da literatura erudita, mergulhando numa etapa folclórica de comunicação oral. Quando alfabetizadas e absorvidas pelo processo de urbanização, passam para o domínio do rádio, da televisão, da história em quadrinhos, constituindo a base de uma cultura de massa. Daí a alfabetização não aumentar proporcionalmente o número de leitores da literatura, como a concebemos aqui; mas atirar os alfabetizados, junto com os analfabetos, diretamente da fase folclórica para essa espécie de folclore urbano que é a cultura massificada.

O analfabetismo e a debilidade cultural não influem apenas nos aspectos exteriores que acabam de ser mencionados. Para o crítico é também importante a sua atuação na consciência do escritor e na própria natureza da sua produção. No tempo intitulado da "consciência amena de atraso", o escritor partilhava da ideologia ilustrada, segundo a qual a instrução traz automaticamente todos os benefícios que permitem a humanização do homem e o progresso da sociedade. Contudo,
A ilustração latino-americana foi uma tendência dilacerada, cuja dimensão utópica pressupunha a felicidade geral por meio do saber redentor, e cuja dimensão prática redundou na sua restrição aos grupos e classes dominantes, que o utilizaram como instrumentos de poder.
É interessante notar que o sentimento, ainda que ameno, do atraso latino-americano, fez com que alguns intelectuais e escritores, especialmente no século XIX, construíssem uma ideia igualmente deformada da sua posição diante da "incultura" dominante. Perante o analfabetismo e a ignorância, desejosos de que suas pátrias saíssem desta "miséria" intelectual, eles optavam por se excluírem do contexto e se consideravam grupo à parte, acima da incultura e do atraso, certos de que estes não os poderiam contaminar, nem afetar a qualidade do que faziam. Cientes da impossibilidade de o ambiente os acolher no quesito intelectual e do debate público de ideias, radicavam-se na Europa, construindo lá valores e sentenças literárias e epistemológicas que seriam, invariavelmente, seus pontos de referência valorativa, tendo como centro da preocupação a questão da qualidade estética. Mas, quanto a isso, Candido é certeiro:
Sabemos, pois, que somos parte de uma cultura mais ampla, da qual participamos como variedade cultural. E que, ao contrário do que supunham por vezes ingenuamente os nossos avós, é uma ilusão falar em supressão de contatos e influências. Mesmo porque, num momento em que a lei do mundo é a inter-relação e a interação, as utopias da originalidade isolacionista não subsistem mais no sentido de atitude patriótica, compreensível numa fase de formação nacional recente, que condicionava uma posição provinciana e umbilical.

De outro modo, a hipótese que ele levanta de que nossas literaturas latino-americanas são basicamente "galhos das metropolitanas" faz com que, mesmo com a relativa autonomia adquirida ao longo dos séculos, elas sejam fruto ainda de uma relação tida como reflexas. Tomando a literatura como fenômeno civilizatório e de criação autoral, tal qual pensa Candido, a ideia de influência, portanto, é inevitável. A vinculação direta da formulação de um campo literário nacional e latino-americano, especialmente nas ideias de cânone e tradição, tem por referência inextricável os processos de dependência da colonização e transplante da cultura europeia. O vínculo com as literaturas "ocidentais" torna-se "placentário", não uma opção. O reconhecimento da dependência, portanto, é entender-se enquanto participante de uma ordem "universal", isto é, o ocidental europeu, a forma mais restritiva de definição conceitual da ideia de civilização.
Disso se sucede um ponto importante na construção de nosso argumento a partir da proposição candidiana: na fase da consciência do subdesenvolvimento, demarcada no pós anos 1950, quanto mais o "homem livre e pensante" se imbui da realidade catastrófica do atraso, mais ele entra em contato com a aspiração revolucionária - isto é, o desejo de rejeitar o jugo econômico e político do imperialismo (e da dependência econômica externa, de modo geral) e de promover em cada país a modificação das estruturas internas, que alimentam a situação de subdesenvolvimento. O contrabalanceio, defende Candido, é não cair em um sentimento estritamente panfletário e nacionalista. O objetivo é passar a encarar com maior objetividade e serenidade o problema das influências externas, vendo-as como vinculação normal no plano da cultura e construções históricas de média duração, ao menos. Para ele, portanto, esse seria um sinal claro da maturidade intelectual antes impossível no mundo fechado e oligárquico dos "nacionalismos patrioteiros", ou dos excessos de uma leitura anti-imperialista, correspondente a um período em que o futuro é o mote da percepção temporal, mas em uma toada fortemente deslocada do passado e da percepção comum e coletiva das nossas mazelas sociais, estruturais e cognitivas.
A discussão ganha substância quando Candido debate a questão da dependência cultural, que corriqueiramente é entendida como uma derivação do atraso e da falta de desenvolvimento econômico.
Atraso que estimula a cópia servil de tudo quanto a moda dos países adiantados oferece, além de seduzir os escritores com a migração, por vezes migração interior, que encurrala o indivíduo no silêncio e no isolamento. Atraso que, entretanto, no outro lado da medalha, propõe o que há de mais peculiar na realidade local, insinuando um regionalismo que, ao parecer afirmação da identidade nacional, pode ser na verdade um modo insuspeitado de oferecer à sensibilidade europeia o exotismo que ela desejava, como desfastio; e que se torna desta maneira forma aguda de dependência na independência. Com a perspectiva atual, parece que as duas tendências são solidárias e nascem da mesma situação de retardo ou subdesenvolvimento.

Muito fortemente, os problemas candentes do subdesenvolvimento (ou atraso), para Candido, invadem o campo da consciência e da sensibilidade do escritor latino-americano, propondo, sugerindo, orientando, estimulando, positiva ou negativamente, o processo de criação artístico-literário. Com relação ao campo (área rural), por exemplo, Candido ressalta o papel preponderante que teve na chamada ficção regionalista, que acabou sendo uma fase literária necessária, que fez a produção, sobretudo o romance e o conto, focalizar a realidade local, os problemas candentes da estrutura agrária brasileira. A realidade econômica do subdesenvolvimento mantém a dimensão regional como objeto vivo, a despeito da dimensão urbana ser cada vez mais atuante. A modificação na forma de representar o campo, na fase de consciência do subdesenvolvimento, indica a "presciência e depois consciência da crise, motivando o documentário e, com o sentimento de urgência, o empenho político".
Enquanto precursora da consciência de subdesenvolvimento, essa literatura se caracteriza, assim, pela
superação do otimismo patriótico e a adoção de um tipo de pessimismo diferente do que ocorria na ficção naturalista. Enquanto este focalizava o homem pobre como elemento refratário ao progresso, eles desvendam a situação na sua complexidade, voltando-se contra as classes dominantes e vendo na degradação do homem uma consequência da espoliação econômica, não do seu destino individual. Apesar de muitos desses escritores se caracterizarem pela linguagem espontânea e irregular, o peso da consciência social atua por vezes no estilo como fator positivo, dando lugar à procura de interessantes soluções adaptadas à representação da desigualdade e da injustiça.
O argumento de Candido, assim, acaba evidenciando o peso do atraso e do subdesenvolvimento enquanto realidade da qual o escritor latino-americano não consegue (e talvez nem pretenda) fugir. É uma máquina motriz, capaz de evidenciar a catástrofe da vida na América Latina. É possível que se constitua, com isso, um "fardo [que] empurra o processo de construção de identidade para o confronto e produz um abismo entre um passado horripilante e um futuro que pretende ser o contrário desse passado". Porém, não há resignação. A passagem a um estágio fundamental na superação da dependência requer, para Candido, uma capacidade de produzir obras de primeira ordem, influenciadas antes por exemplos nacionais anteriores, o que representa, em outros termos, a ideia de tradição literária. Consonante a isso se dá, com a realidade trágica do subdesenvolvimento, um desejo do homem de ser livre e rejeitar o jugo econômico e político do imperialismo e prover mudanças na estrutura interna. Se antes essa percepção se restringia ao âmbito nacional, nosso ponto chave é pensar que, nos anos 1970, sobretudo, essa consciência se alarga intelectualmente à América Latina. Vejamos Candido:
A partir (...) da crise de desenvolvimento econômico e do experimentalismo técnico dos anos mais recentes, - começamos a sentir que a dependência caminha para uma interdependência cultural (se for possível usar sem equívocos esse termo, que adquiriu recentemente acepções tão desagradáveis no vocabulário político e diplomático). Isto não apenas dará aos escritores da América Latina a consciência da sua unidade na diversidade, mas favorecerá obras de teor maduro e original, que serão lentamente assimiladas pelos outros povos, inclusive dos países metropolitanos e imperialistas. O caminho da reflexão sobre o desenvolvimento conduz, no terreno da cultura, ao da integração transnacional, pois o que era imitação vai cada vez mais virando assimilação reciproca

À luz da interpretação da consciência catastrófica do atraso, Candido não apenas verifica a condição de dependente dos países latino-americanos; antes, por similaridade dos traços colonizadores, de construção cultural e de âmbito econômico, imputa à América Latina uma condição comum, ao mesmo tempo que constata que há uma espécie de impasse ou um entrave ao avanço dos processos sociais de emancipação e construção de sociedades menos desiguais. A grande questão, porém, é que não há resignação: é a partir da percepção de que há uma interdependência cultural comum à América Latina que é possível atuar enquanto unidade, respeitando as diversidades internas, ou seja, os "localismos", mas tendo por horizonte a integração transnacional.
É nesse ponto que entra Angel Rama: é possível um processo de integração literária latino-americano pautado em uma ideia de autonomia?























































CAPÍTULO III



ANGEL RAMA E AS SAÍDAS POSSÍVEIS: DA TRADIÇÃO À INTEGRAÇÃO LITERÁRIA

















3.1 - AMÉRICA LATINA COMO PROJETO

É possível pensar um projeto (político, econômico, cultural, literário..) de integração da América Latina? Em outros termos, é factível imaginar que um subcontinente tão grande e diverso, que comporta diversas camadas de tempo sobrepostas, seja capaz de unir-se em um processo que gere autonomia, ainda que relativa, com relação ao resto do mundo? Viver uma experiência histórica quase comum, de certa forma, imputa às diferenças nacionais um sentimento razoável de uniformidade, de pertencimento comum, ainda que respeitadas as particularidades locais de cada país. Se desde o século XVIII é possível esboçar intelectualmente leituras capazes de apontar certo horizonte de unidade em torno da ideia de América Latina, nos anos 1970, em especial, a existência de uma gama de fatores complexos reconfigura a noção historicamente orientada segundo a qual é possível unir os países latino-americanos em torno de um projeto emancipacionista.
A constatação decorrente da discussão anterior indica um caminho para a construção deste capítulo: a interdependência cultural orienta um sentimento de unidade na diversidade, encaminhando as reflexões no campo da intelectualidade, seja epistemologicamente, seja na literatura e nas artes, à ideia de uma integração transnacional dos países latino-americanos. Isso é possível por conta da interpretação de que a consciência catastrófica do atraso imputa à América Latina a visão de uma condição comum. Encaminha-se, com isso, um possível impasse decorrente da constatação de que o atraso devasta as projeções de um futuro emancipador. Entretanto, como vimos, o próprio Antonio Candido parece indicar que não se trata de um problema irresoluto, isto é, uma condição histórica impossível de ser superada. A própria experiência comum de construção intelectual em meio às ditaduras que assolavam os países latino-americanos parece prenunciar a necessidade de uma saída coletiva, conjunta, integrada. Figura-se, com isso, o pensamento de Angel Rama segundo o qual é possível a construção de um processo de autonomia da América Latina.
Esse capítulo, assim, pretende encaminhar esse argumento realizando o seguinte percurso: primeiro, a ideia é discutir brevemente a noção de redes culturais, que serviu à Revista Argumento como forma de colaboração intelectual na construção de críticas importantes em um período de experimentação comum da violência ditatorial; depois a ideia é esboçar brevemente um debate em torno do conceito de América Latina, especialmente no-pós anos 1950; com isso, a intenção é mostrar que nos anos 1970 era forte e complexa a noção de uma integração, ou seja, da projeção de caracteres básicos capazes de orientar uma construção coletiva, especialmente no campo da cultura, de uma ideia de América Latina unida; à luz das proposições de Angel Rama, vamos debater o projeto "autonômico de integração" como saída possível para a crise constatada por Candido nos anos 1970, evidenciando uma alternativa à visão comum nos estudos históricos de que a segunda metade do século XX foi o lugar do distanciamento das noções de experiência e futuro em consonância a um alargamento do tempo presente, tema central do primeiro capitulo deste trabalho.


3.2 - EXPERIÊNCIA VIOLENTA, VIDA COMUM E REDES INTELECTUAIS
A Revista Argumento comportou a presença de diversos críticos de relevo, especialmente aqueles que eram capazes de contribuírem para as discussões acerca das realidades nacional e continental. No Conselho Consultivo da revista encontravam-se, além de uma série de brasileiros, nomes como Octávio Paz, Anibal Pinto e Torcuato Di Tella, por exemplo, todos intelectuais latino-americanos, reforçando a visão de que, à época, um projeto de integração no campo da cultura se desenhava especialmente como resistência, em contraposição à "situação de subdesenvolvimento e à falta de consciência, à cultura alienada e massificada e à irracionalidade de algumas formas de poder". Por isso, o editorial ressaltava que
Este (grupo de editores) é vário na idade e na posição, mas que unifica no entendimento em um veículo novo para o que há de vivo, independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras, notadamente as do continente.

A composição de parte desse conselho da revista, e também o grande número de textos de autores internacionais, aponta a intenção de se elaborarem redes de intelectuais de teor "latino-americanista". De certa forma, significa pensar que a Argumento, como aponta o editorial, funcionou como um "veículo novo" para propagação das ideias brasileiras em consonância com a circulação intelectual do subcontinente, funcionando como uma espécie de caleidoscópio, isto é, um aparelho capaz de "obter imagens inclinadas [da realidade] apresentando diversas combinações internas". A revista exerceu a função de suporte material para ideias em circulação, além de servir à aproximação e formação de laços e redes intelectuais multinacionais e abrangentes, auxiliando na construção de sentidos comuns às experiências latino-americanas.
Mas esse sintoma coletivo não se dava apenas no campo intelectual. Havia, nesse período, uma experiência histórica comum aos países da região, e o alastramento das ditaduras buscava justamente uma "uniformização dos diferentes". A partir das chamadas ditaduras de Segurança Nacional, havia uma série de "leituras comuns" para a implementação do chamado Terror de Estado no Cone Sul, ou seja, uma operacionalidade estatal que imputava, ao mesmo tempo, modalidades repressivas legais e ilegais, dentre as quais se destacavam o uso de tortura e desaparecimentos forçados. Nesse momento, inclusive, o Brasil chegou a atuar nas outras ditaduras do Cone Sul, seja indiretamente, servindo de exemplo, seja mais diretamente, através de intervenção diplomática ou espionagem. No caso da América do Sul, foi criada uma complexa rede de transmissão de novas técnicas e formação de novos especialistas - a chamada Operação Condor - capaz de realizar as tarefas repressivas em "comum acordo" em cada país do continente, ainda que se "respeitasse", de algum modo, as especificidades locais, tendo por ponto central a eliminação do "político onde o contraditório, no interior da democracia burguesa, poderia aflorar.
Diante deste cenário, a preocupação com a situação latino-americana representa não apenas uma releitura no âmbito intelectual, mas também a tentativa de reforçar uma posição antiautoritária e contrária à leitura de que os fatos não podem ser contra-argumentados. A "ancoragem" internacional da Revista, com isso, servia como uma forma de fortalecimento de uma ação coletiva frente à realidade individual de cada país do Cone Sul, mas também servia como chamado à coletividade. Esse é um componente novo na história da intelectualidade latino-americana: se antes a ideia de integração era majoritariamente posta em voga contra as forças internacionais, imperialistas e usurpadoras, a existência de regimes ditatoriais com forte apelo nacional em boa parte da América Latina acrescentava uma camada a mais na leitura da "necessidade de integração". Pode-se dizer, assim, que é mais um dos momentos de virada do pensamento social latino-americano.


3.3 - AMÉRICA LATINA COMO CONCEITO: QUESTÕES E PROBLEMAS

É necessário ter em vista que a segunda metade do século XX impõe ao conceito de América Latina uma reconfiguração importante, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Certa reconfiguração do termo se deu por volta de 1948, quando se funda a CEPAL (Comissão Econômica Para América Latina) como organismo das Nações Unidas (ONU), período no qual sua utilização indicava, quase sempre, um sentido atrelado à ideia de subdesenvolvimento. A questão não é meramente semântica, portanto, mas corresponde às transformações históricas específicas e concretas da época, bastante fortes ao longo do século XX.
América Latina passa a ser sinônimo de instabilidade política crônica, estrutura produtiva atrasada e em certos casos arcaica; dependência total ao capital norte-americano; estrutura fundiária reorganizada pelo capital monopólico; acentuado crescimento demográfico.

Entretanto, ao longo do século XIX e em boa parte do século XX o conceito de América Latina foi utilizado como alternativa à noção de América Hispânica. De origem francesa, esse termo era utilizado por intelectuais para justificar o domínio imperialista no México sob domínio de Napoleão III, no século XIX. O argumento de que havia uma afinidade cultural e linguística, uma unidade em torno da ideia de "latinidade", servia à percepção de que a França seria uma espécie de liderança natural e defensora contra a influência anglo-saxã do Norte, especialmente dos EUA. Data deste século, assim, a emergência da leitura de que apesar da fragmentação da América Espanhola quando da independência e subdivisão em dez republicas, havia um sentimento e uma consciência de unidade e identidade comum capaz de complementar as noções de Nação, localismo e regionalismo.
A ideia de América Latina ganha pujança nos primeiros anos pós Segunda Guerra e, mais especialmente, com o advento da Guerra Fria. Nessa época houve um aumento considerável do intercâmbio entre intelectuais, escritores, artistas, críticos e acadêmicos do subcontinente. Contudo, novamente veio dos franceses a reutilização do conceito de América Latina, mas agora se valendo, em alguns casos, do termo no plural, isto é, Américas Latinas. Fernand Braudel foi um dos primeiros a colocar esta questão, a partir de 1948, em um artigo interessante intitulado "Existe uma América Latina?". Esse artigo retomava uma discussão proveniente de obra homônima do historiador peruano Luis Alberto Sanchez. A conclusão a que chega o intelectual francês é de que não existe apenas uma América Latina, mas várias. Essa visão unitária seria uma leitura "de fora", externa, ou seja, "ela é uma por contraste, por oposição, tomada em sua massa continental, mas com a condição de se opor a ela os outros continentes, sem que isso não a impeça de ser profundamente dividida".
Nos anos de 1960 e 1970, especialmente, uma mudança importante na discussão em torno do conceito de América Latina vai emergir no seio de boa parte da intelectualidade do subcontinente. O afastamento brasileiro das problemáticas mais amplas, mais continentais, vai se dissolvendo e tornando a relação e as trocas de conhecimento algo cada vez mais comum, mais sólido. O grande ponto, sem dúvidas, é a vivência coletiva em meio às ditaduras, aos regimes de exceção, à impossibilidade de se discutir abertamente questões sociais, econômicas, culturais, políticas. O que pode ser aqui entendido como um momento de reconfiguração de um segmento do pensamento latino-americano, assim, é ressonância das situações políticas vivenciadas, ainda que de formas diferentes, em cada país assolado por uma impossibilidade de se pensar o novo, o diferente, o devir.
No Brasil também havia intelectuais, artistas, escritores e críticos que davam muito mais atenção à cultura hispano-americana do que anteriormente. [...] Alguns, a maioria de esquerda, até começaram a se identificar com a 'América Latina'. Não era só uma questão de afinidade ideológica e solidariedade com seus colegas hispano-americanos durante a Guerra Fria. Era na maior parte das vezes consequências de anos de exílio.

O que aqui acaba se configurando como hipótese é que, obviamente, a ideia de uma integração latino-americana não é originalmente um produto do pensamento dos anos 1960 e 1970. Decerto, a união da América Latina em torno de um projeto comum, seja nos âmbitos da política, da cultura ou simplesmente uma chave intelectual, data do século XIX. O ponto central, que se vê especialmente na constatação candidiana da catástrofe do subdesenvolvimento, e que é complementar à leitura de um processo autonômico presente no texto de Rama, é a possibilidade de se pensar uma saída integracionista para a vida latino-americana destroçada pelas ditaduras, pela violência política, pela impossibilidade do dizer e do falar diante do que se vivia à época.
De certo modo, falamos aqui da possibilidade de uma crise na consciência histórica, ou seja, da desagregação de uma "suma das operações mentais com as quais os homens interpretam a sua experiência de evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo". A questão é complexa, mas parece indicar que na América Latina, ao invés de se desenvolver e se impor uma ampliação do tempo do presente, afastando o futuro de toda elaboração a partir da experiência, a percepção dessa consciência temporal encontrou outro caminho. Entram em voga, mais ainda no período em que são publicados os textos de Angel Rama e Antonio Candido, um debate acerca da possibilidade de se pensar a emancipação latino-americana a partir de uma tradição determinada.


3.4 - INTEGRAÇÃO, TRADIÇÃO E SELEÇÃO DO PASSADO: A DIALÉTICA COMO SAÍDA

A questão da formação histórica latino-americana é, nos diversos debates ao longo do século, ponto nevrálgico: de um lado, uma leitura clara de que a América como um todo era a projeção unicamente do futuro de seus "descobridores", isto é, um prolongamento da Europa, sem vida própria, uma espécie de cópia; de outro, um contraponto importante segundo o qual a América, ainda que sob domínio europeu, já nasce com uma funcionalidade própria, com um lugar na lógica do capitalismo monopolista que emergia com as Grandes Navegações e o advento da modernidade, como afirma Caio Prado com relação ao Brasil, por exemplo. A pergunta central em vários momentos de nossa história, portanto, se desenvolvia em torno do lugar do latino-americano no mundo. Ou melhor: "onde fica o latino-americano na tripla dimensão (passado, presente e futuro) que forma a história?".
Ainda que frutos diretos de um processo mundializado de expansão econômica, política e cultural da Europa ocidental, é possível entender a existência de duas "Américas" a partir de uma bifurcação clara que define uma herdeira da tradição saxã e outra mais latina, ligada à experiência Ibérica. Interessa-nos pensar o segundo caso, ou seja, a formação daquilo que hoje é denominado América Latina, na qual o passado parece ter-se feito quase sempre como um fardo. Mas, nos anos 1970, em específico, ganha novo verniz: passa-se a discutir mais fortemente a necessidade de que nossa herança colonial e tudo o que ela engendra seja inscrito como substancia fundamental das construções intelectuais sobre nosso futuro.
Aqui cabe uma nuance fundamental. De certo modo, parte do ensaísmo crítico brasileiro dos anos 1930 pensou algo parecido. O sentido, entretanto, aponta certa diferença, tal como diz o próprio Antonio Candido em famoso prefácio ao livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda:
Sérgio Buarque puxou sua análise para o lado da psicologia e da história social, como um senso agudo das estruturas. Num tempo ainda banhado de indisfarçável saudosismo patriarcalista, sugeria que, do ponto de vista metodológico, o conhecimento do passado deve estar vinculado aos problemas do presente. E, do ponto de vista político, que, sendo o nosso passado um obstáculo, a liquidação das "raízes" era um imperativo do desenvolvimento histórico.

Ou seja, o passado colonial brasileiro e latino-americano funcionava como uma "trava" que precisava impreterivelmente ser dissolvida, desagregada, abrindo novos horizontes de futuro. Talvez a grande questão aqui levantada seja a seguinte: Antonio Candido e Angel Rama, diferente desta tradição ensaística que foi fortemente construída em boa parte do continente quando do declínio do modelo oligárquico-feudal da colonização, marcando a ascensão de um novo modelo de desenvolvimento, pensam o passado tanto como uma ferida quanto como uma sedimentação para a projeção de um horizonte de expectativas. E, indo além: as obras aqui discutidas denotam uma percepção de que o futuro latino-americano, as utopias e os projetos (políticos, econômicos, culturais), de modo geral, devem estar orientandos por um passado escolhido, selecionado, uma tradição específica de luta contra a dependência e a subordinação histórica ao centro do capitalismo. Isto é, a orientação para o futuro não poderia partir do passado que foi recebido pronto, imposto pela "civilização ocidental europeia"; antes, deveria partir da própria autoimagem ou da consciência que o latino-americano tem de si próprio.
Ni renuncia radical del passado, ni aceptación plena del futuro. El dilema no era tan radical, aunque tomaba caracteres radicales: la América Latina, al igual que todos los pueblos, ligaba su passado, um determinado passado, renunciando a outro, para hacer su futuro; pero no um futuro cualquiere, sino el futuro por el cual habian soñado em el passado otros hombres como ellos

O projeto de Rama se enquadra nessa leitura. A possibilidade de garantir certa autonomia para a América Latina passava, invariavelmente, pela construção de uma história literária legítima, que valorizasse tanto uma tradição, ou seja, a permanência de um determinado passado, quanto a ruptura com vistas ao futuro, à mudança. Para tanto, devia se pautar, sobretudo, em uma identidade comum enformada pela herança românica, pelo modo de apropriação das culturas estrangeiras, românicas ou não, e pela estratificação cultural decorrente do mestiçamento. Esses, segundo ele, são os pontos chaves para a compreensão do processo histórico do subcontinente. Por isso, em primeiro lugar, ele ressalta que
a dependência de modelos críticos europeus em que viveu a historiografia literária latino-americana, se por um lado favoreceu uma organicidade rápida e mecânica de seus produtos, por outro entravou o progresso de uma interpretação própria e original, ao enfraquecer a adequação da crítica às peculiaridades literárias de um vastíssimo continente, que hoje conta com cerca de trezentos milhões de habitantes, e onde convivem uma multiplicidade de países, diversas línguas românicas, indígenas, áreas linguísticas e literárias suficientemente diferenciadas, fortes tendências regionalistas e múltiplas influencias estrangeiras, que carreiam as culturas mais díspares, submetidas a uma elaboração sincrética.
O esboço da estrutura de um sistema literário latino-americano não deve partir de temas, ambientes "telúricos" ou tipos humanos ideias, a partir dos quais se busca uma originalidade ou uma essência do subcontinente. Antes, o ponto inicial deve ser as peculiaridades contraditórias do funcionamento cultural latino-americano, manifestas concretamente através da literatura. No caso do campo mais circunscrito às letras hispano-americanas, que dá conta das obras escritas em língua espanhola, por exemplo, Rama mostra que no início da segunda metade do século XX havido um movimento tímido direcionado a uma leitura integradora, que visava substancialmente a substituir o método próprio do século XIX, que postulou a mera adição de literaturas nacionais, ainda fracionadas, dentro de um vasto volume único.
Essa percepção do século XIX parecia indicar certa assimilação da fragmentação política concebida desde a Independência, o que acaba por gerar, no campo da cultura, certa desconfiguração e desconexão entre as realidades literárias dos países de fala espanhola da América. Em outras palavras, a historiografia literária hispano-americana não era capaz de superar o problema dos limites das literaturas nacionais. E, ressalta Rama, o modelo de cópia mecânica dos paradigmas europeus, efetuada primeiro pelos historiadores das letras nacionais na América, alcançava um resultado exatamente contrário ao desejado, evidenciando os perigos da imitação acrítica.
As últimas décadas do século XIX e o início do século XX foram tempos de mudanças na estrutura econômico-social e, por consequência, cultural da América Espanhola, contra as quais se desenhavam novos inimigos "imperiais", contribuindo para o reforço de concepções de unidade. Tais mudanças, para Rama, são devotas de uma situação paradoxal: o persistente esforço de nacionalização, que marca o século XIX independente, apresentou na crítica literária seus melhores frutos quando já se havia produzido no continente uma transformação que reclamaria novas visões abrangentes. O atraso da crítica hispano-americana em elaborar um discurso que abrangesse as obras literárias de todos os países de língua espanhola da América era reconhecido e começava, aos poucos, a ser enfrentado criticamente. Daí decorre um processo que vai iniciar uma série de rompimentos das barreiras nacionais instituídas utilizando-se de dois recursos: por um lado, uma caracterização dos períodos histórico-políticos capazes de dar conta da "evolução" da América espanhola desde a data do descobrimento até o século XX; e, por outro lado, a análise e uma sucessão de escolas literárias, movimentos ou estéticas, transposta dos modelos europeus correntes.
Iniciava-se, com isso, um movimento mais amplo de conhecimento e adequação à especificidade da cultura do subcontinente, posto que encampava uma expressão em torno de um projeto unificador que já existia ao menos desde o processo de Independência da América Hispânica. A operação básica era, assim, a reinterpretação dos modelos europeus de histórias literárias nacionais, que partiam de duas concepções tidas por Rama como românticas: a unidade linguística e a unidade do povo criador em torno da nação. Por isso, mostra que foi Pedro Henríquez Ureña quem primeiro discordou da centralidade da crítica nas questões meramente linguísticas, operação que terminava por afastar o Brasil do resto da América Hispânica. A solução proposta por ele era buscar, através de pesquisas, as equivalências estéticas ou de correntes literárias que deslocam o acento posto na articulação artística de uma língua comum para as articulações correspondentes a uma cultura comum. Nas palavras de Rama,
Como é notório que o intercâmbio entre as letras brasileiras e hispano-americanas sempre foi muito limitado, e que, por conseguinte, o desenvolvimento de ambas, a partir do século XVIII e mais intensamente a partir da Independência, seguiu trilhas diversas, a correlação entre as duas literaturas não podia ser estabelecida invocando o mesmo tipo de laços que unem os países hispano-americanos. [...] Só seria possível reintegrar num mesmo discurso duas línguas em função literária, na medida em que se pudesse estabelecer uma correlação cultural, que abre de imediato a porta para correlações infraestruturais, onde se nutrem, como linhas culturais paralelas, a literatura, as artes plásticas, a arquitetura, a música, etc.

Ou seja, o projeto de um discurso único abrangendo toda a literatura latino-americana não se apoiaria jamais em um comparatismo unicamente literário, mas sim em uma correlação cultural mais ampla. A ideia que Rama levanta é do ajuste do foco na discussão da função simbólica significante da criação literária a partir de traços definidores do comportamento cultural americano, que servem de base para a integração projetada. Assim, ressaltam-se três questões importantes: em primeiro lugar, a ampliação lógica do princípio da correlação cultural, já manipulado por Urenã para estabelecer seu esquema integrador hispânico. Depois, a influência da ideia de "romanidade" enquanto definidora da cultura ibérica, ou seja, o motor da colonização; por fim, a influência do Renascimento e da Revolução Francesa: o primeiro como formador da cultura transplantada quando dos "descobrimentos"; o segundo como antecedente das guerras de Independência na América Hispânica.
Isto indica que,
ao longo de quatrocentos anos, a cultura desta região esteve dominada pela convicção íntima de sua dependência em relação aos centros civilizadores externos, movendo-se em torno de uma dialética de atração e repulsa que, antes de se expandir na fase contemporânea, percorreu os mais diferentes níveis literários, especialmente a partir dos anos que precederam a irrupção revolucionaria

No campo da literatura, esse seria um processo de "dois gumes", como aponta Antonio Candido. Por isso que o ponto central de Rama diz respeito à estrutura cultural da América Latina, tanto no que se refere ao seu mestiçamento, processo delineado sob domínio da cultura dominante, quanto à peculiar estratificação social do continente ao longo dos séculos, que conformou também uma estratificação equivalente das manifestações culturais, entre elas as especificamente literárias. Essa é uma das chaves que estabelecem a base cultural comum das diferentes áreas, línguas, regiões, permitindo a correlação entre suas literaturas, ainda que diferentes entre si nos âmbitos nacionais.
Soma-se à assertiva anterior a seguinte objeção: no projeto de América Latina construído até então, as literaturas da Indo-américa e da Afro-américa não têm um lugar central, ou seja, não entram como parte constituinte de uma estrutura mais ampla, mas sim como apêndices. Trata-se, com isso, de "identificar uma linha criativa constante (por mais presa que nos pareça estar ao conservadorismo folclórico) que mostre o funcionamento de línguas não-latinas em operações literárias de níveis muito variados". Com isso, objetiva-se reintegrar, no âmbito da história literária, materiais legítimos, tais como os que ele considera derivados de percepções folclóricas, isto é, os cantos, contos, mitos, textos filosóficos e religiosos "locais". O intuito é situá-los igualmente dentro das coordenadas de uma valoração estética que permita abranger o conjunto, o impulso que, a partir do romantismo, levou à recuperação da tradição oral da literatura, por exemplo.
Do mesmo modo por que somos capazes de detectar a presença da estrutura literária ocidental no funcionamento da estrutura literária latino-americana, em suas múltiplas relações de submissão e insubordinação, devemos também ser capazes de reconhecer que esta implica a ação constante de uma linha folclórica, com a qual dialoga diariamente ou através de uma sucessão de mediações que produzem a espessura das estratificações literárias do sistema na América Latina

Em suma, delineia-se o projeto de integração autonômica da literatura latino-americana, com a ressalva de que esse conceito, para Rama, deve vir acompanhado de uma problematização acerca do lugar necessário às literaturas que não pertencem ao tronco da romanidade no interior de uma tradição mais ampla, representando não resíduos de período pré-coloniais ou até coloniais, mas sim potencialidades em ação. De certa forma, trata-se de recuperar uma tradição outra que não a ocidental-europeia, dando a ela uma valoração substancial, ainda que não represente um sistema, conforme a leitura de Candido. A questão central, portanto, é: Ángel Rama acredita na possibilidade de, a partir de um processo calcado na necessidade de autonomia (sem a ingenuidade de uma emancipação total), garantir a passagem das fragmentadas literaturas nacionais, estanques entre si, à percepção de uma literatura latino-americana, que comporte, a partir dos traços culturais comuns, as diversas tradições que conformam o subcontinente, ou seja, desde o tronco ocidental até as manifestações locais.






























(IN)CONCLUSÃO
PERTINÊNCIA DA IMPERTINÊNCIA:


APONTAMENTOS PARA UMA CRÍTICA DA HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA LATINO-AMERICANA












I - SOBRE ALGUMAS TESES BENJAMINIANAS À LUZ DA CONDIÇÃO LATINO-AMERICANA

No ano de 1940, em meio à Segunda Guerra Mundial, Walter Benjamin escreveu um texto intitulado "Teses sobre o conceito de história". Residindo na França vichysta, que à época abrigava refugiados, judeus ou não, de diversas nacionalidades, todos tentando fugir da violência perpetrada pelo nazi-fascismo, o alemão tentou elaborar teoricamente um texto que, em certa medida, reuniria, de forma mais densa, suas concepções sobre a natureza filosófica da história humana. De fato, suas discussões aforísticas apontam para questões teológicas, epistemológicas, políticas, cujo pano de fundo inescapável era de fato a encruzilhada na qual se encontrava a civilização ocidental capitalista, que prometia o progresso mas fabricava a barbárie. A sensibilidade benjaminiana diante do impasse se desenha ao longo de dezoito teses, às quais foram dedicados diversos estudos nos mais variados campos de conhecimento. Não pretendo abordá-las integralmente. Interessa-me mais fortemente sua concepção de tempo, em especial sua ideia de passado na articulação ampla com o tempo presente.
Vejamos a tese de número dois:
O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente.
Benjamin procura mostrar como se dá a noção de redenção individual e coletiva. Há dois caminhos complementares: um diz respeito à possibilidade de realização do passado que poderia ter sido, mas não foi, ao mesmo tempo em que se desenha a ideia de redenção a partir da rememoração histórica das vítimas do próprio passado. Mas não basta lembrar das injustiças históricas. É preciso que aconteça, também, certa "reparação do sofrimento, da desolação das gerações vencidas, e a realização dos objetivos pelos quais lutaram e não conseguiram alcançar". Diante da ambiguidade benjaminiana entre o profano e o teológico, fiquemos aqui com a dimensão material da questão, algo que vai servir de base à nossa conclusão: a ideia de redenção é um jogo entre o passado – a história, a lembrança – e o presente – a ação redentora no momento em que se rememora.
Sigamos para a tese número três.
O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation à l'ordre du jour — e esse dia é justamente o do juízo final.

Parece-nos que essa tese é absolutamente complementar à anterior. Aqui delineia-se a ideia de que a redenção exige necessariamente uma rememoração integral do passado, sem distinguir quais acontecimentos tiveram mais ou menos peso na história. Isso indica que só é possível redimi-la quando se pensa na salvação de "todas as almas do passado". Ou seja, "a redenção, o Juízo Final da tese III, é então uma apocatástase no sentido de que cada vítima do passado, cada tentativa de emancipação, por mais humilde e 'pequena' que seja, será salva do esquecimento e 'citada na ordem do dia', ou seja, reconhecida, honrada, rememorada". Fiquemos, assim, com a noção de que certa rememoração do passado não passa necessariamente pelo apagamento de algumas experiências, mas sim pela lembrança do todo social complexo que formou e sedimentou as sociedades em níveis locais, nacionais ou mundiais, ressaltando a necessidade de falar daqueles que mais sofreram com e na história.
Por fim, analisemos a tese de número cinco,
A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. "A verdade nunca nos escapará" — essa frase de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do passado que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela.

Talvez a mais intrigante das teses aqui citadas, nesse fragmento Benjamin parece querer indicar a relação entre o passado e o presente, num encontro que tem na dimensão política, especialmente na atuação intelectual, certo ponto de concretude da dialética entre rememoração e redenção. Eis a ideia de uma história aberta:
Benjamin compartilhava com Proust a 'preocupação de salvar o passado no presente, graças à percepção de uma semelhança que transforma os dois. Transforma o passado porque este assume uma nova forma, que poderia ter desaparecido no esquecimento; transforma o presente porque este se revela como a realização possível da promessa anterior - uma promessa que poderia se perder para sempre, que ainda pode ser perdida se não for descoberta inscrita nas linhas atuais

Em suma, as três teses trazem à tona a força do passado na articulação temporal com o presente político no qual estão inseridos os atores sociais. Com isso, fica claro que a redenção daquilo que já passou é necessariamente um jogo, uma relação aberta entre o ato de lembrar-se e a sedimentação, no momento da lembrança, de certa atuação política redentora. No caso do objeto aqui analisado, essa percepção é central: Candido e Rama pensam a revivescência do que já passou a partir da não-exclusão de certos passados, mas pela seleção e pelo cotejo das diversas formas de existência material nos tempos anteriores ao presente prático no qual se está inserido. A possibilidade de uma história aberta, portanto, depende fortemente da transformação, tanto do passado quanto do presente, em um jogo dialético entre o que já foi – com toda sua dimensão trágica, violenta – e o que poderia ter sido, os projetos abortados.


II - O PASSADO COMO REDENÇÃO?


Em "América Latina en su Literatura", um livro de ensaios publicado em 1972, o crítico argentino César Fernandez Moreno organiza aquilo que se pretendia como obra-síntese do que havia sido realizado enquanto produção literária até o momento no subcontinente, além de buscar construir um programa para o futuro fruto direto de um otimismo intelectual do pós Revolução Cubana, aquecendo o sentimento de totalidade e unidade latino-americanos. Na introdução, Moreno se pergunta: "o que é América Latina?" E, retomando a asserção de Hegel sobre a América como o continente do futuro em contraposição ao Velho Mundo, também na chave do embate Norte e Sul, categorizava que, passados um século e meio da afirmação, o que para Hegel era futuro tornou-se presente. Essa oposição feita pelo pensamento do filósofo alemão ganha uma nova relevância, dado que o Norte se transformou na maior potência mundial, e o Sul, ou seja, a América Latina, representa "una de las ideas más dinámicas del mundo del presente", uma região intelectualmente vital em termos de expressões culturais e artísticas, em ideias políticas e em questionamentos filosóficos.
Isso é interessante à medida em que voltamos a analisar a já citada música "Canción por la Unidad Latino-Americana", que se aproxima de certa crença na possibilidade de que a história do subcontinente seria construída a contrapelo de todos aqueles que a negavam, operando como uma estrutura de sentimento da época que apontava a ideia de redenção a partir de um passado apagado, ou ao menos deixado de lado. Esse parecia ser também o esforço maior de parte da intelectualidade que se arriscava no exercício historiográfico nas mais diversas dimensões da sociedade latino-americana, especialmente Antonio Candido e Angel Rama, que conjuntamente construíam, sobretudo nos anos 1970, críticas fundamentais à condição colocada pela experiência histórica de cruzamento de acontecimentos locais e universais.
Assim, o marco do poder de destruição social presente na 2ª Guerra Mundial movimenta as discussões ético-políticas em torno da questão temporal, fomentando certo debate em torno da (des)articulação entre passado, presente e futuro na experiência civilizacional ocidental. Na América Latina, entretanto, Antonio Candido e Angel Rama mostram, a partir dos textos aqui expostos, que: 1) tendo a Revolução Cubana como signo importante, era possível construir uma crítica fundamental à condição de subdesenvolvimento dos países latino-americanos à luz da noção de consciência catastrófica do atraso, tal como proposta por Candido. Esse exercício, entretanto, não apenas verificava nossa condição de dependente, mas também nos imputava certo sentimento de comunhão diante de um passado difícil; 2) talvez o mais interessante, que mostra um afastamento com relação às teses que imputam à Europa da segunda metade do século XX um tempo histórico calcado no presente amplo, é que no subcontinente latino-americano não parece haver resignação nem submissão aos "destinos" e leituras impostas à América Latina: Rama expõe que, a partir de uma interdependência cultural comum, é possível atuar enquanto unidade, respeitando as diversidades internas, ou seja, os "localismos", mas tendo por horizonte e projeto de futuro a integração transnacional.
A inserção da América Latina em uma leitura universal, por isso, era um horizonte a ser alcançado. Estava posto um problema central: ambos procuraram pensar objetos literários menos permeados pelo sistema de dominação política e cultural sem por outro lado cair na tentação de considerá-los absolutamente autônomos. Para tanto, buscaram articular temporalidades diferentes para incorporar o subalterno, o periférico, o "alijado", o não-hegemônico, ressaltando sempre sua lógica própria e particular, mas também relativa e não hierarquizada. Isso os unifica em torno de uma forma de constatação que comporta três momentos: a) a percepção da ferida do passado, isto é, dos problemas endêmicos causados pelos danos da colonização, da usurpação e da formação social absolutamente frágil da América Latina ao longo do tempo, até chegar ao século XX; b) depois, pela estrutura de sentimentos com relação ao presente, os anos 1970, com sua formatação violenta e repressiva decorrente das ditaduras em voga, algo que realiza um movimento fortemente marcado pela negação e pelo esvaziamento da política enquanto mediação da diferença, que de outro modo é também a evidência da encruzilhada na qual se encontrava o modelo popular-democrático que estruturou a vida pública latino-americana no pós anos 1930; c) e, por fim, uma forte intransigência com relação à aceitação plena da ideia de que não haveria mais futuro, de que haviam morrido os sonhos de uma geração, inclusive a própria utopia da unidade da "Nuestra América".
Isso indica, por fim, que talvez seja possível arriscar uma hipótese a mais com relação ao lugar de Angel Rama e Antonio Candido na historiografia (seja literária ou não) latino-americana da segunda metade do século XX. Obviamente não se trata de um argumento já acabado, mas sim de um desdobramento oriundo desta pesquisa. Para tanto, é fulcral retomar a discussão borgeana lançada no primeiro capítulo deste trabalho: a partir da metáfora do "jardim de veredas que se bifurcam", é possível pensar a América Latina do pós 2ª Guerra Mundial como um espaço político, intelectual, cultural, social e epistemológico encoberto por uma série de novos caminhos no âmbito do pensamento social, o que indicava novos aportes filosóficos e políticos no sentido de apropriação e recusa do que seja o cânone epistemológico ocidental europeu. Não é uma fase de simples invenção de novas teorias, é claro, mas sim de reatualização de debates fundamentais postos historicamente no subcontinente. Ou seja, não é possível tratar esses debates como simples cópias de problemas anteriores, mas também é inviável considera-los completamente originais.
Essa forma de atuação intelectual diante de um impasse historicamente posto à compreensão da América Latina – somos locais ou universais? Somos cópia dos modelos europeus ou uma criação totalmente original, fruto de esforços nacionais? –, base que sedimenta e serve como ponto de partida de uma série de estudos da época, encontra-se ainda pouco estruturado em alguns estudos literários sobre Antonio Candido, ou seja, é algo pouco discutido ao longo da fortuna crítica acerca de sua obra. A questão é que boa parte da vida intelectual brasileira parece ter optado por dois caminhos distintos: de um lado, os que pensam em "começar do zero", ou seja, buscar nas "origens" ou no "fundo nacional genuíno, isto é, não-adulterado" latino-americano – um tempo antes da colonização - a estrutura mesma da nossa constituição histórico-social; de outro, um movimento de cópia excessiva dos modelos importados, o que significa também olhar para nossa formação com lentes outras, isto é, deixando que o "influxo externo" determine a nossa própria direção histórica. O fato é que ambas deixam de lado, de certa forma, os dilemas e perspectivas postos pela nossa constituição enquanto América Latina, seja cruzada pelo vetor nativista, seja pelo colonizador. Nessas leituras, não há um "ponto do meio", ou seja, a análise daqueles que podem ser considerados nossos "predecessores", "entendido não como peso morto, mas como elemento dinâmico e irresolvido subjacente às contradições contemporâneas".
É na noção de "Literatura de dois gumes", contudo, que podemos ver essa posição de maneira mais solidificada: como uma lâmina, a literatura latino-americana, enquanto possibilidade de reflexão unificada, mostrava que nossa busca incessante por uma identidade "genuína", "original" e "autêntica" se garantiria através da nossa percepção como seres cruzados por dimensões locais, nacionais e universais, tal como uma faca que é capaz de cortar para dois lados diferentes. Eis o pensamento dialético, condição de nossa existência. Assim, Antonio Candido e Angel Rama, de certo modo, inserem-se nesse veio: a análise da relação entre literatura e subdesenvolvimento é um passo inicial para compreender como há dilemas próprios a cada país da América Latina, mas como há também uma série de impasses que a torna um objeto passível de ser analisado enquanto unidade; a proposição de uma integração "continental" a partir da tessitura de uma historiografia literária latino-americana é também indicativo de como analisar o passado não deixava de ser uma indicação de que há futuros possíveis.
É isso o que cantava Milton Nascimento: um sentimento calcado na rememoração de parte do nosso passado apontando para um horizonte de futuro a chama da tão sonhada unidade latino-americana: "Quem vai impedir que a chama/Saia iluminando o cenário/Saia incendiando o plenário/Saia inventando outra trama" . Ainda urge a necessidade de se tramarem novos futuros para a América Latina.






























FONTES:
Revista Argumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, n. 1, out. 1973.
CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento (Rio de Janeiro: Paz e Terra), n. 1, p. 6-24, 1973.
RAMA, Ángel. Um processo autonômico: das literaturas nacionais a literatura latino-americana. Argumento, (Rio de Janeiro: Paz e Terra), n. 3, p. 36-49, 1974.

BIBLIOGRAFIA:
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e o testemunho (Homo Sacer III). São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
ARANTES, Paulo. O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo, 2014.
ARENDT, Hannah. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
BENJAMIM, Walter. As Teses sobre o Conceito de História. In: Magia e técnica, arte e cultura: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sergio Rouanet. 3.ed., São Paulo: Brasiliense, 1987.
BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de "América Latina" em perspectiva histórica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, nº 44, jul/dez, 2009, p. 312.
BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BOSSUET, Jacob-Bénigne. Discursos sobre a História Universal ao Monsenhor o Delphim para explicar a serie da Religião e transformação dos Impérios. Rio de Janeiro: H. Garnier, s.d.
BRUIT, Héctor. A invenção da América Latina. In: Encontro da ANPHLAC, 5, 2000, Belo Horizonte. Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC, Belo Horizonte, 2000.
CANDIDO, Antonio. A perversão da Aufklärung. In: Textos de intervenção. 34.ª ed., São Paulo: Duas Cidades, 2002, p. 322.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 5.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1975.
CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
COGGIOLA, Osvaldo. Governos militares na América Latina. São Paulo: Contexto, 2001
COTA, Debora. "Argumento": literatura, crítica e cultura de resistência. Boletim de Pesquisa NELIC, Florianópolis - SC, v. 5, p. 31-37, 2001.
DINIZ, Dilma Castelo Branco. O conceito de América Latina: uma visão francesa. Caligrama (UFMG), v. 12, p. 129-147, 2007
DONGHI, Tulio Halperin. História contemporânea de América latina. Madrid: Alianza Editorial, 2008.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Rio de Janeiro: Petrópolis/Vozes, 1981.
DUARTE, Rodrigo Antonio. Adorno/Horkheimer: Dialética do Esclarecimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
GIANNOTTI, José Arthur. O contexto e os intelectuais. Revista Argumento, n. 4, fev. 1974.
GOMES, Renato Cordeiro. Para além das fronteiras: 'Literatura e subdesenvolvimento", de Antonio Candido. Ensaios de Semiótica: Cadernos de Linguística e Teoria da Literatura. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG, nº 9-10, 1987-1988, pp. 117-127.
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 5ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1999
GRANADOS, Aimer. Las revistas en la história intelectual de América Latina: redes, intelectuales, política, sociedade. México: UAM-Cuajimalpa, 2012.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
HAYA DE LA TORRE, Víctor Raúl. El antiimperialismo y el APRA. Santiago: Ercilla, 1936,
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
JUNG, C. G. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é Aufklärung? In: Textos seletos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, 53-61.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.
LOSURDO, Domenico. Para uma crítica da categoria de totalitarismo. Crítica Marxista, n 17, p. 51-79.
LÖWY, Michael. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. Outubro, n. 1, 1998, p. 73-80.
LOWY, Michel. Aviso de incêndio: uma leitura das teses "Sobre o conceito de história". São Paulo: Boitempo, 2005.
MARTÍ, José. Nossa América. Tradução de Maria Angélica de Almeida Triber. São Paulo: HUCITEC, 1983.
MENDES, Ricardo Souza. Ditaduras civil-militares no Cone Sul e a Doutrina de Segurança Nacional - algumas considerações sobre a Historiografia. Tempo e Argumento, v. 5, p. 06-38, 2013.
MIGNOLO, Walter. La idea de América Latina: la herida colonial y la opción decolonial. Barcelona: Gedisa Editorial, 2007.
MORENO, Fernández César. América Latina en su literatura. México: Siglo XXI, 1972.
NASCIMENTO, Milton. Cancion Por La Unidade Latino Americana, 1973.
OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis, Vozes/Cebrap, 1988.
PADRÓS, Enrique Serra. Como el Uruguay no hay: terror de Estado e segurança nacional Uruguai (1968-1985): do pachecato à ditadura civil-militar. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2005, 434 pp.
PADRÓS, Enrique Serra. O Uruguai como alvo da ditadura brasileira de segurança nacional. Revista Maracanan. Edição: n.11, Dezembro 2014, p. 91-110
PEDROSA, Célia. Antonio Candido: A Palavra Empenhada. São Paulo: Edusp; Niterói: Eduff, 1994.
PEDROSA, Célia. Introdução crítica à Literatura e Subdesenvolvimento, de Antonio Candido. In: BERND, Zilá. (Org.). Antologia de textos fundadores do comparatismo literário interamericano. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
PRADO Jr., Caio. O Sentido da Colonização. In: Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Florianópolis: Insular, 2012.
RANGEL, M. M.; SANTOS, F. M. Algumas palavras sobre giro ético-político e história intelectual. Revista Ágora (Vitória), v. 21, p. 7-14, 2015.
RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório. Etapas da evolução sociocultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da Historiografia, n. 2, mar., 2009.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora UNB, 2010.
SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso latino americano. In: Uma literatura nos trópicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SANTOS, Theotônio dos. Teoria da dependência: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
SCHWARZ, Roberto. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 32.
VALDÉS, Eduardo Devés. Redes Intelectuales en América Latina, hacia la constitución de una comunidad intelectual. Santiago/Chile: Instituto de Estudios Avanzados: Universidad de Santiago de Chile, 2007, Colección Idea.
VIEIRA, Beatriz de Moraes. Sem Argumento: um projeto intelectual quase esquecido (Revista Argumento, Brasil, 1973). História, São Paulo. Online, 2016.
WALLERSTEIN, Immanuel. O que era mesmo o Terceiro Mundo? Le Monde Diplomatique, ago/2000.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
ZEA, Leopold. El pensamento latino-americano. Barcelona: Ariel, 1976.


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.