Da Cooperação Empática

June 12, 2017 | Autor: Teotonio Barroqueiro | Categoria: International Relations, Political Philosophy, International Relations Theory, Feminist Theory
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Da Cooperação Empática Teotónio J. P. Barroqueiro 27 de janeiro de 2016

“Empathy is not sharing others’ experience, nor is it pitying others’ plights. Instead, it is, in some non-trivial way, feeling their pain.” 1

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Laura Sjoberg, 2006.

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A ideia da predominância do interesse global comum, em detrimento do interesse particular individual, a par da reciprocidade forte não egoísta, antes empática, propele a cooperação fundada num igualitarismo estrito e universal. A cooperação internacional é condição suficiente para a paz mundial. O desenvolvimento de uma capacidade para a identificação com os outros, e a propensão para a autolimitação no uso da força, duas tendências empíricas globais, são a manifestação da paz pela integração da sociedade humana (a paz positiva), em contraponto à paz pela ausência da guerra e da violência física (a paz negativa) (Galtung, 1964, p.1-3). De facto, como mostra Dougherty (2003, p.641-43), os Estados têm interesse nas relações cooperativas que garantem soluções mutuamente aceitáveis para os problemas comuns, relações essas baseadas não na coacção ou no constrangimento, mas sim no consentimento mútuo legítimo, como sucede nas Nações Unidas e na NATO, fruto de ajustamentos sucessivos do comportamento dos intervenientes, ou da antecipação recíproca das suas preferências. Note-se que a cooperação não garante a inexistência do conflito, antes, se constitui como resposta a um conflito existente, ou parte da vontade de o evitar no futuro. Naturalmente, a cooperação é política, na medida em que exige um ajustamento dos participantes às necessidades e interesses de cada um (Dougherty, 2003, p.673). Um ajustamento que, como se verá adiante, se pretende axiologicamente empático. A integração da sociedade humana, ou, como se viu, a paz positiva, prevalece numa comunidade organizada e estável onde, partilhados de modo 2

equilibrado, imperam os valores da ética, da justiça e do bem comum. Este pacifismo idealista consubstancia o conceito de comunidade internacional conferindo-lhe uma organicidade funcional de estabilidade, paz, cooperação e constante entendimento (Castro, 2012, p.90). Uma comunidade organizada, garante de tal integração, carece, necessariamente, de uma identidade coletiva. A formação desta identidade resulta do comportamento cooperativo, uma vez que ao escolher a cooperação, os Estados , e os demais atores internacionais, escolhem, simultaneamente, refletir uma identidade social que considera, mais do que simpática, empaticamente, o outro. Por sua vez, se o outro tem um comportamento recíproco, a identidade dos primeiros é reforçada, o que trará mais cooperação e, com o tempo, asseverará a internalização da identidade coletiva de ambos (Wendt, 1999, p.346). No entanto, os Estados cooperam somente se conseguem superar o temor da exploração. Uma inquietação genuína na anarquia, fruto da interdependência dos atores: aumentando a interdependência, os Estados tornam-se mais vulneráveis face aos outros e, assim, têm motivos para se sentirem inseguros. Esta preocupação faz com que a interdependência não seja uma condição suficiente para a formação de identidade coletiva (Wendt, 1999, p.348). Somente a par da auto-restrição este processo se conclui, mostrando que a identidade coletiva transcende a simples interdependência dos atores para vencer um grau de identificação com o outro (Wendt, 1996, p.51). Logo que os Estados desenvolvam uma identidade coletiva, adquirem uma base para interesses comuns, o que implica uma lógica particular de anarquia (Wendt, 1996, p.52). 3

Ora, segundo Wendt, os atores do sistema internacional podem representar três papéis distintos, na relação eu-outro, a saber: amigo, rival e inimigo. Com este considerando, Wendt apresenta três lógicas de anarquia, respetivamente, a kantiana, a lockeana e a hobbesiana, caracterizando a primeira – a única que se descreverá por se considerar ser a vigente entre os Estados do Atlântico Norte, logo ter especial interesse para esta investigação –, caracterizando-a como regida por normas de não violência e trabalho de grupo, onde a possibilidade de recurso à força entre os atores foi eliminada (Wendt, 1999, pp.249, 297), confirmando a obsolescência da guerra (Mueller, 1989). Sem forte objeção, pode afirmar-se que se vive, desde a queda do muro de Berlim, um período pacífico a que os teóricos da Relações Internacionais apelidaram de paz liberal. A coerção paradigmática do imperialismo tradicional deixou de ser o instrumento privilegiado para a paz. O seu instrumento é, agora, a insinuação de um corpo normativo consensual que anima «uma biopolítica cujas tecnologias delimitam e ordenam os sujeitos dominados por práticas discursivas e por redes de conhecimento e significado». «A paz liberal é, pois, uma paz construída por formas várias de intervenção internacional condicionadora» (Pureza, 2011, pp.15, 16). Importa agora recuperar o conceito de violência estrutural que Galtung sintetizou como limitação das potencialidades de realização humana provocada por relações de poder, de desigualdade ou de opressão (1969, p. 171), pois se pretende aprofundar como a cooperação empática é um processo útil para a pacificação de um sistema, por definição, estruturalmente violento. Importa, ainda, atender à ruptura do pensamento dicotómico, em favor 4

do pensamento diunital. A realidade mostra que há guerra nas situações de paz formal. Há zonas de indefinição, casos fronteira, que, insusceptíveis de categorização dicotómica rígida, se deixaram em categorias vagas, tais como «guerras de baixa intensidade» (Pureza, 2011, p.19). O mesmo sucede com a relação social, nomeadamente na América pós-racial. Do pensamento «either-or» passou-se para o pensamento «both-and», da oposição para a complementaridade, de africano para preto e americano (Wright, 1997, p.74). O pensamento diunital, a par da limitação das potencialidades de realização humana pela relação de poder desigual, que por sua vez pressupõe um valor desigual entre seres humanos, bem como a par do conceito de podercom não coercivo, encorajou as abordagens feministas na emancipação da cooperação pela empatia, numa ordem social competitiva, assente em postulados autoritários, que institucionaliza a dominação masculina em estruturas verticais e legitimada pela cultura (Pureza, 2011, p. 19). O poder-com surge da visão holística do sistema, da não-dualidade, do igualitarismo estrito. O poder-com é relacional, não reativo. É cooperativo, não competitivo. A cooperação é um ato político essencialmente criativo que emerge do espaço gerado pela distância existente entre o poder e a dominação (Sjoberg, 2006, p.69). A cooperação empática preserva, assim, a individualidade, mas percebe a interdependência e a igualdade. Encorajando a empatia, com o propósito de gerar respeito e compreensão entre os discordantes, é, então, possível exercer o poder-com, encontrando-se soluções mútuas satisfatórias para a disputa política. A política torna-se, deste modo, solidariedade em vez de contenda (Sjober, 2006, p.234). A cooperação pacifica pela empatia. 5

Referências Castro, T., 2012. Teoria das Relações Internacionais. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão.

Dougherty, J.E. e Pfaltzgraff, Jr., R.L., 2003. Relações Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa: Gradiva.

Galtung, J., 1964. An editorial. Journal of Peace Research, 1(1), pp.1-4.

Mueller, J.E., 1989. Retreat from doomsday. 2001: Basic Books.

Pureza, J.M., 2011. O desafio crítico dos estudos para a paz. Relações Internacionais, 32, pp.5-22.

Sjoberg, L., 2006. Gender, Justice, and the Wars in Iraq: A Feminist Reformulation of Just War Theory. Oxford: Lexington Books.

Wendt, A., 1996. Identity and Structural Change in International Relations Politics. In Lapid, Y. e Kratochwil, F., The Return of Culture and Indentity in IR Theory. London: Lynne Rienner Publishers.

Wendt, A., 1999. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press.

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Wright, W.D., 1997.

Black Intellectuals, Black Cognition, and a Black

Aesthetic. Westport, Connecticut: Praeger.

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