Da Educação Estética em Schiller à Ferida da Cultura Moderna From Aesthetic Education in Schiller to the Wound of Modern Culture

June 6, 2017 | Autor: Patrick Carvalho | Categoria: Aesthetics, Friedrich Schiller, Culture and Modernity
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade de Brasília

Da Educação Estética em Schiller à Ferida da Cultura Moderna From Aesthetic Education in Schiller to the Wound of Modern Culture

Patrick Martins de Carvalho

Brasília - DF, 2015

Resumo O presente artigo consiste na análise do que é a ferida da cultura moderna indicada por Friedrich Schiller no seu livro Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano e, através da discussão proposta pelo autor, analisar qual a proposta de tratamento dessa ferida provocada pela racionalidade. Schiller dirá que as belas artes é a única capaz de cicatrizar essa ferida e salvar a humanidade moderna, por ser essa dimensão imaginativa a condição necessária para a liberdade. Palavras chave: Schiller; Estética; Cultura; Arte; Liberdade;

Abstract The article is an analysis of what is the wound of modern culture indicated by Friedrich Schiller in his book Letters upon the Aesthetic Education of Man, and through discussion proposed by the author, analyze what is the proposed treatment of this wound caused by rationality. Schiller will say that the fine arts is the only one able to heal the wound and save the modern mankind, because this imaginative dimension it’s an necessary condition for freedom. Keywords: Schiller; Aesthetics; Culture; Art; Freedom;

Nesse trabalho busco me basear nas teorias propostas por Friedrich Schiller no seu livro as Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano, que determinam como a estética tem em si o poder transformador de salvar a humanidade através da experiência estética. O objetivo, portanto, é investigar o que é essa ferida na cultura moderna e conhecer o tratamento prescrito pelo autor através da estética. Para Schiller, o instrumento de salvação da humanidade são as belas-artes, pois elas nascem em seus modelos imortais (SCHILLER, 2002, p. 49), pois são elas que permitem que o homem se coloque fora de si, de tal forma que a personalidade se desloca para fora do homem. Com isso Schiller está enfatizando que a estética ajuda o homem a estar em harmonia com o sentimento universal de humanidade e, por outro lado, é importante ressaltar que ele também não está propondo uma estética de fundo moral. Assim, Schiller encontra na estética uma força harmônica que proporciona uma forma à humanidade. Para Schiller, foi a própria cultura que abriu uma ferida na modernidade, pois, segundo o autor, “[...] tão logo a experiência ampliada e o pensamento mais preciso tornaram necessária uma separação mais nítida das ciências” (SCHILLER, 2002, p. 3637). O estético, nesse sentido, nos tira do estado originário de animalidade. E, por nutrir-se de uma capacidade de nos colocar contra uma racionalidade fundada pela cultura moderna, a estética é a única capaz de tornar possível um melhoramento da humanidade. Schiller, então, determina que a arte seja filha da liberdade, pois acredita que só através dela podemos nos elevar acima da realidade. E, assim, devemos ser legislados pela necessidade do espírito por não estarmos sob o jugo tirânico do mundo da matéria, esse mundo profundamente utilitarista e mecânico que age contra o mundo lúdico, inimigo de qualquer liberdade de imaginação (SCHILLER, 2002, p. 21-22). Com isso, Schiller está retratando a postura do nosso tempo: A utilidade é o grande ídolo do tempo; quer ser servida por todas as forças e cultuada por todos os talentos. Nesta balança grosseira, o mérito espiritual da arte nada pesa, e ela, roubada de todo estímulo, desaparece do ruidoso mercado do século. Até o espírito de investigação filosófica arranca, uma a uma, as províncias da imaginação, e as fronteiras da arte vão-se estreitando à medida que a ciência amplia as suas (SCHILLER, 2002, p. 21- 22).

Portanto, essa divisão entre uma espécie de ciência analítica do campo do estético é radical porque Schiller está querendo mostrar que para resolver o caos político

instaurado nos alicerces do nosso tempo só há uma saída estrutural possível – que o homem reencontre o caminho estético, uma vez que é somente através da beleza que se alcança a liberdade (SCHILLER, 2002, p. 22) A respeito disso Welsch dirá: Se nós percebemos o objeto como seguindo uma regra imposta por si só, então nós experimentamos o objeto como belo. Portanto a experiência da beleza registra a liberdade. A beleza é um criptograma da liberdade. A fórmula de Schiller para isso diz que, “A beleza é liberdade na aparência”. Essa fórmula não tem um significado restritivo. Schiller não quer dizer que, no caso da beleza, a liberdade ocorre somente na forma indevida de um fenômeno (que, em sua essência, liberdade é algo inteligível), mas que, em um sentido absolutamente positivo, a liberdade está aparecendo, está se expondo, manifestando-se e se tornando evidente. A beleza é a experiência real da liberdade através da percepção (WELSCH, 2014).

O que Welsch reafirma sobre a tese de Schiller é que a beleza é condição sine qua non para a liberdade, já que é somente através da experiência do belo que podemos sentir a verdadeira liberdade. Para Schiller, não se pode encontrar na natureza um efeito estético puro porque a beleza, em si mesma, é um ideal superior. No entanto, se podem encontrar objetos artísticos em que essa beleza ideal se reflete e tem uma vida exterior (SCHILLER, 1993, p. 65). Porém, para entender esse movimento é preciso compreender que Schiller reflete primeiro sobre as condições originárias de cada homem. Para Schiller, o homem selvagem despreza a arte e reconhece a natureza como sua soberana máxima. E, por outro lado, o bárbaro é aquele que desonra e trata com descaso a natureza. Logo, só haverá verdadeira salvação através da estética se a humanidade alcançar um terceiro grau de humanidade, isto é, nas palavras de Schiller o homem que faz da natureza uma amiga e honra sua liberdade, na medida em que apenas põe rédeas a seu arbítrio (SCHILLER, 2002, p. 29). E essa distinção é importante em Schiller para discutir a noção de que tanto a razão máxima quanto a multiplicidade da natureza devem reinar em igual harmonia nas bases da sociedade. Isto porque, segundo Schiller, se a razão transporta sua unidade moral para a sociedade física não é preciso ferir a multiplicidade da natureza (SCHILLER, 2002, p. 29-30). Nesse momento, o projeto estético de Schiller parece claro – em uma sociedade que deixa lacunas onde o conhecimento imaginativo possa se instaurar, somente aí haverá verdadeira liberdade no seio do Estado. Isto é, com a ciência o homem desenvolve certas potencialidades e, no exercício delas e na elevação

do olhar para o absoluto, isso nos permite atingir coisas grandiosas. No entanto, Schiller aponta que se dissolvemos nosso espírito e renegamos a intuição humana, nesse momento, colocamos algemas lógicas que impede a liberdade poética (SCHILLER, 2002, p. 40). Verástegui afirma em seu artigo intitulado A Educação Estética do Ser Humano de Friedrich Schiller que a experiência estética em Schiller é uma experiência mista, como consolidado nessa passagem: Observamos que para Schiller a experiência estética faz confluir emoção e razão, reações culturalmente ricas, que agrupam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia. Os dois princípios opostos que se equilibram na experiência estética são de um lado, a forma que expressa o sentimento, o subjetivo, e se manifesta de maneira espontânea e, de outro, a matéria que representa o racional, o objetivo, as regras, a técnica (VERÁSTEGUI, 2007, p. 2).

Para comprovar contextualmente essa confluência entre ambos os conceitos, a autora citará Schiller quando este diz que, “No caso do homem espiritual, a beleza da experiência estética o afasta da forma e o aproxima da matéria para equilibrá-lo” (SCHILLER, 1993, p. 69) e o cita para comprovar sua afirmação anterior de que a obra de arte real busca encontrar um equilíbrio a partir de um movimento. Isto é, por um lado o esforço do artista para comunicar (a forma) e, por outro, a partir dos meios técnicos próprios do artífice (VERÁSTEGUI, 2007, p. 2). Segundo Schiller, a razão pede unidade, mas a natureza quer multiplicidade, e o homem é solicitado por ambas as legislações (SCHILLER, 2002, p. 28). Schiller, então, aponta para os perigos que uma sociedade fundada na cultura da razão pode nos proporcionar e, que isso, na verdade, é uma ausência de liberdade: A cultura, longe de nos pôr em liberdade, apenas desenvolve uma nova carência a cada força que forma em nós; os laços físicos estreitam-se mais e mais ameaçadores, até que o temor da perda sufoque mesmo impulso ardente do aperfeiçoamento, e a máxima da obediência passiva valha como a suprema sabedoria humana (SCHILLER, 2002, p. 33).

Schiller está consciente da necessidade da ciência e reconhece que todos os povos, em determinado momento, tiveram que abandonar a natureza em prol da razão. Isto é, em todos os povos há um movimento onde a multiplicidade da natureza e a contemplação do belo é deixada por um refinamento e divinização do pensamento

formal e analítico. Por esse motivo, Schiller louva a forma como a sociedade grega era constituída. Schiller dirá que: “[...] a cultura grega desposou todos os encantos da arte e toda a dignidade da sabedoria sem tornar-se, como a nossa, vítima dos mesmos” (SCHILLER, 2002, p. 35). Ora, Schiller busca mostrar a superioridade da natureza dos gregos e como seus modelos de vida tinham a beleza em alta estima. A respeito disso, Süssekind afirma: Em outras palavras, os gregos são vistos como a realização máxima da cultura, oposta nas Cartas ao domínio da natureza segundo a reflexão sobre o homem como “cidadão de dois mundos”. Identifica-se, então, uma decadência da modernidade no que diz respeito à relação entre natureza e cultura, decadência exposta pela comparação com a civilização grega. Enquanto o indivíduo moderno se afasta da natureza e se torna fragmentário, governado pela arbitrariedade do Estado, exacerbadamente cultural, frio, mecânico, destituído de uma noção de totalidade, o grego aparece como estágio máximo da realização humana, no qual a natureza e a cultura se encontravam em harmonia. A crítica de Schiller não se baseia numa visão nostálgica da Antigüidade, mas visa justamente a uma reflexão sobre o ideal de harmonia entre o mundo da natureza e o da cultura, a ser buscado na modernidade. Nesse caso, a “educação estética” teria a possibilidade de orientar o homem moderno na direção desse ideal de algo que, na Grécia, existia como uma perfeição (SÜSSEKIND, 2005, p. 247).

Nesse momento é importante refletir como a própria forma do discurso mítico tinha posição central na cultura grega. As narrativas homéricas, por exemplo, até mesmo eram utilizadas na vida prática das pólis gregas para negociar politicamente certos territórios. Portanto, nesse cenário, a dimensão mítica não destruía aquilo que era próprio da ciência porque os gregos também reconheciam o poder transformador da beleza e a sabedoria da arte. Schiller ainda dirá sobre o assunto: “vemo-los ricos, a um só tempo, de forma e de plenitude, filosofando e formando, delicados e enérgicos, unindo a juventude da fantasia à virilidade da razão em magnífica humanidade” (SCHILLER,

2002,

p.35-36).

Portanto,

essas

barreiras

entre

conhecimento

verdadeiro/científico e conhecimento mítico eram equivalentes, na medida em que ambos falavam da verdade em dimensões discursivas diferentes. Platão, quando acrescenta na República o mito das almas de ouro, prata e bronze está com isso criando um mito que busca, em certo sentido, determinar a natureza da alma de cada homem e que ajuda a criar uma hierarquia pelo qual cada homem seria

importante na cidade (PLATÃO, A República, 414d-415c). O discurso mítico aqui, então, não é verdadeiro, mas é verossimilhante. Quanto a essa divisão radical na modernidade entre o conhecimento científico e aqueles conhecimentos referentes ao belo mesmo da arte, Schiller afirmará a necessidade que ambos fossem conhecimentos mistos na alma do homem e que essas demarcações pouco acrescentam a humanidade: Naqueles dias do belo despertar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham ainda domínios rigorosamente separados; a discórdia não havia incitado ainda a divisão belicosa e a demarcação das fronteiras. A poesia não cortejara a espirituosidade, nem a especulação se rebaixara pelo sofisma. Podiam, se necessário, trocar os seus misteres, pois as duas, cada qual a seu modo, honravam a verdade. Por mais alto que a razão se elevasse, trazia sempre consigo, amorosa, a matéria, e por fina e rente que a cortasse, nunca a mutilava. Embora decompusesse a natureza humana e a projetasse, ampliada em suas partes, em seu magnífico círculo divino, não a dilacerava, mas a mesclava de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão diferente é a situação entre nós outros modernos! Também entre nós se projetou a imagem da espécie, ampliada em suas partes, nos indivíduos – mas por fragmentos, não em combinações diferentes, de modo que, para reconstituir a totalidade da espécie, é preciso indagar, um a um, todos os indivíduos (SCHILLER, 2002, p.36).

Schiller, portanto, está prescrevendo uma receita para essa ferida que é própria da cultura moderna. E esta receita é o belo, pois através deste o homem pode, mesmo com a resistência própria do século, conseguir satisfazer seu lado imaginativo e seus impulsos estéticos. O que Schiller observa é que no mundo grego, os homens recebiam suas forças da natureza, a que tudo une, enquanto o homem moderno se alimenta do entendimento, ao que tudo separa. (SCHILLER, 2002, p.36). E o que isso significa? Que para Schiller a faculdade analítica diminui a riqueza da fantasia e da consciência mítica, por enclausurar o homem em um círculo formal. E a salvação da humanidade só pode ser encontrada através de uma via única: a da beleza estética.

Bibliografia PLATÃO. A República. 11.a edição. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, Editora Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 2008. SCHILLER, Friedrich, A Educação Estética do Homem numa série de cartas. Tradução Roberto Schwarz e Márcio Suzuki, Iluminuras, 2002. SCHILLER, Friedrich, Sobre a Educação Estética do ser Humano numa serie de cartas e outros textos. Lisboa: Imprensa Nacional casa da Moeda, 1993. SÜSSEKIND, Pedro, Schiller e os Gregos. Revista Kriterion, Belo Horizonte, 2005. VERASTEGUI, R. L. A; A educação estética do ser humano de Friedrich Schiller. 2007. WELSCH, Wolfgang, Schiller Revisited: “Beauty is Freedom in Appearance” – Aesthetics as a Challenge to the Modern Way of Thinking. 2014. Artigo acessado em 15/11/2015 no site: http://www.contempaesthetics.org/newvolume/pages/article.php?articleID=701

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.