DA FRANÇA AO BRASIL: ORIGENS E INFLUÊNCIAS POSITIVISTAS NAS CIÊNCIAS HUMANAS (1824-1930)

June 15, 2017 | Autor: F. Barcellos Teix... | Categoria: History, Education, France, História do Brasil, Positivism
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DA FRANÇA AO BRASIL: ORIGENS E INFLUÊNCIAS POSITIVISTAS NAS CIÊNCIAS
HUMANAS (1824-1930)


Fabiano Barcellos Teixeira
Doutorando em História – UPF-RS
bolsista Capes
[email protected]


Fundada na primeira metade do século XIX pelo francês Augusto Comte
(1798-1857), o positivismo, apesar das suas limitações, representou um
avanço às ciências sociais. Na Europa, as origens, o desenvolvimento e a
consolidação da referida corrente de pensamento ocorreu em um contexto de
estruturação de uma sociedade industrial e burguesa perante a ordem
aristocrática, feudal e absolutista. Entre as premissas do positivismo
comtiano prima-se por uma análise metodológica, objetiva e neutra, dos
grandes fatos e personagens, baseada em documentação oficial escrita, em
busca de estabelecer leis gerais naturais necessárias ao progresso da
sociedade. A ideologia positivista teve forte repercussão na nascente
república brasileira, sobretudo quanto ao desenvolvimento da produção
historiográfica no país.
Palavras-chave: Brasil; França; História; Positivismo;


Otimismo industrial nos oitocentos
Desde 1889, com a proclamação da república no Brasil, o lema
positivista "Ordem e Progresso" está grafado na bandeira nacional. O
símbolo pátrio elucida a relevância que a ideologia positivista teve no
contexto da escolha da forma de governo do Estado brasileiro, em
substituição à monarquia. O positivismo teve igualmente significativa
influência na produção historiográfica brasileira. Para melhor compreensão
sobre tal processo analisaremos a origem europeia da doutrina positivista e
suas primeiras repercussões no Brasil.
O progresso científico europeu do início do século XIX, decorrente da
segunda revolução industrial, fez com que se disseminasse a ideia de que o
homem pudesse obter franco domínio sobre a natureza. As ideias positivistas
se consolidaram nesse otimista contexto como uma corrente de pensamento
representante típica dos setores burgueses. Assim, o positivismo evolui
durante o período de transição de fins do século XVIII a princípios do XIX
como uma utopia crítico e revolucionária da burguesia antiabsolutista e
antifeudalista, para tornar-se no decorrer dos oitocentos aos nossos dias
uma ideologia conservadora identificada com a ordem industrial burguesa
estabelecida.
São premissas básicas da doutrina positivista o cientificismo, o
naturalismo e a rigidez social; procura-se definir um objetivo e claro
método-modelo de estudo sobre uma sociedade ideal, para obter uma harmonia
social. A sociedade é regida por leis naturais, invariáveis e independentes
da vontade e da ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural. A
sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza
(naturalismo positivista) e ser estudada pelos mesmos métodos, evolução,
trajetória (démarches) e processos empregados pelas ciências da natureza.
(LÖWY, 1994, p. 20 CONFERIR)
As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à
observação e a explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra,
livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas
as prenoções e preconceitos. O positivismo procura ser uma ciência neutra
como as ciências exatas da física e da matemática, procura ser imune aos
interesses e paixões, sobretudo das classes dominantes – nesse momento
torna-se revolucionária, para logo a seguir se transformar em uma tese
fortemente conservadora. Inicialmente o positivismo era contra o
tradicionalismo, principalmente clerical do Antigo Regime. (XXXX outro
autor)


O pai do positivismo e a sua criação
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou Auguste Comte (1798-
1857), é considerado o criador do positivismo. A teoria estruturada por
Comte defendia que todo saber do mundo físico advinha de fenômenos
"positivos" (reais) da experiência e eles seriam os únicos objetivos da
epistemologia. Ele sustentava também a existência de um campo de ação, no
qual as ideias se relacionavam de forma exata, lógica e matemática e que
toda investigação transcendental ou metafísica que não pudesse ser
comprovada na experiência deveria ser desconsiderada. As ciências empíricas
passaram a prevalecer perante às especulações filosóficas idealistas.
(ARTIGO, 2004, p. XX) Comte buscou a síntese do conhecimento positivo da
primeira metade do século XIX, especialmente da física, da química e da
biologia. Seu objetivo era a formulação de uma "física" social (a
"sociologia") que reformulasse o quadro social instável decorrente das
novas relações de trabalho do capitalismo industrial e do sindicalismo
organizado e combativo que germinava na Europa oitocentista.
Podemos dividir a produção de Auguste Comte em duas etapas. Na
primeira, a obra Curso de filosofia positiva (1830-1842) expõe a base da
doutrina comteana cujos alicerces teóricos estão assentados na norma de
três estados do desenvolvimento humano e do conhecimento, o teológico, o
metafísico e o positivo. Na fase teológica o ser humano compreende o mundo
a partir dos fenômenos da natureza conferindo a eles caráter divino,
encerrando-se essa fase no monoteísmo. Na fase metafísica, a interpretação
do mundo é alicerçada em conceitos abstratos, ideias e princípios. E na
fase positiva o ser humano limita-se a expor os fenômenos e a fixar as
relações constantes de semelhança e sucessão entre eles. Nessa fase, as
causas e as essências dos fenômenos são deixadas de lado para se
evidenciarem as leis imutáveis que nos regem, pois o conhecimento destina-
se a organizar e não a descobrir. (ARTIGO, 2004, p. XX)
Para Comte, o objetivo da filosofia seria a organização das ciências em
seis fases. Na base da pirâmide estaria a matemática, seguida da
astronomia, da física, da química, da biologia e, por fim, da sociologia.
(outro AUTOR) Em Discurso sobre o conjunto do Positivismo (1848), Comte
parte das feições reais do termo "positivo" para atingir uma significação
moral e social maior, a fim de reorganizar a sociedade, com a supremacia do
amor e da sensibilidade sobre o racionalismo. O ápice dessa tese é a
religião da humanidade. (ARTIGO, 2004, p xx)
A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da
fraternidade universal e da convivência em comum. A união entre teoria e
experiência seria baseada no conhecimento das ações repetitivas dos
fenômenos e sua previsibilidade científica. Assim, seria possível o
aprimoramento tecnológico. O estágio positivo corresponderia à atividade
fabril e à transformação da natureza em mercadorias, explicando o domínio
da natureza pelo homem. Se entendermos a ciência como a investigação da
realidade física, o positivo é o objeto e o resultado dessa investigação.
Dessa forma, a sociedade também é passível dessa análise e a fase positiva
será caracterizada pela passagem do poder político para os sábios. (AUTOR)
A segunda etapa dos trabalhos de Comte é representada em sua obra
Sistema de política positiva (1851-1854), que preconiza a "religião da
humanidade", cuja liturgia é baseada no catolicismo romano, estabelecida em
O catecismo positivista (1852). A essa altura, a doutrina positivista
adquire feição religiosa com credo na ciência. Essa divisão do pensamento
comteano também separou seus seguidores em duas correntes: os ortodoxos,
que seguiram Comte em seu período religioso; e os heterodoxos, que se
conservaram perseverantes ao período científico e filosófico do
positivismo.
O líder dos heterodoxos, Émile Littré, autor de Fragmentos de filosofia
positiva e sociologia contemporânea (1876), concebeu o período religioso de
Comte como um retrocesso. Já o ortodoxo Pierre Laffitte chegou a sacerdote
máximo da "religião da humanidade". As teorias científicas de Comte
sofreram severas críticas de ordem metodológica, principalmente por
desconsiderarem os procedimentos hipotéticos e dedutivos. Entretanto, o
positivismo influenciou diversos pensadores no mundo ocidental, com
destaque a vertente americana e sobretudo a brasileira.


Influências de Auguste Comte
Condorcet e Saint-Simon foram as mais significativas influências de
Augusto Comte. Movimento intelectual bastante ativo na França setecentista,
a Ilustração, ou Iluminismo, assinalava a razão como base do progresso da
história humana. Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de
Condorcet (1743-1794), definia que o objetivo do positivismo seria
emancipar o conhecimento social dos "interesses e paixões" das classes
dominantes. Condorcet formulou a ideia de "matemática social", era contra o
controle do conhecimento social pelas classes dominantes (Igreja e Estado).
Ele lutava contra o obscurantismo clerical da Igreja e os dogmas imutáveis
da era feudal, contra o tradicionalismo, por isso se afiliam aos anseios
dos iluministas e se aproximam de pensadores como Bacon e Descartes. (LÖWY,
1994, p. 20)
Discípulo de Condorcet, Claude-Henri De Rouvroy, o Conde de Saint Simon
(1760-1825) foi o primeiro a usar o termo "ciência Positiva". Ele era de
uma linha de pensamento denominada "socialismo utópico", considerava a
aristocracia e o clero como parasitas da sociedade. Saint Simon acreditava
que a ciência do homem deveria se tornar positiva utilizando os métodos das
ciências naturais, "pois não existe fenômeno que não possa ser observado do
ponto de vista da física dos corpos brutos ou do ponto de vista da física
dos corpos organizados que é a fisiologia." (SIMON, 1876, p. 29-30) O mesmo
autor concebia que a ciência política positiva poderia ser neutra e
objetiva contornando os pontos de vistas contraditórios, pois até então a
ciência social era imatura e vivia sua fase de infância. Saint Simon era
identificado com as classes trabalhadoras, pois reivindicava a luta dos
produtores contra os parasitas clericais-feudais, daí ser considerado um
dos precursores do denominado socialismo utópico, como referido. (LÖWY,
1994, p. 20 conferir)
Apesar das nítidas influências de Saint Simon, Augusto Comte era contra
as ideias críticas, dissolventes, negativas, revolucionárias e subversivas
que germinavam do iluminismo e do socialismo utópico, assim pretendia
estabelecer um princípio metodológico de uma ciência natural da sociedade.
Comte definia que seu método positivo deveria consagrar à defesa da ordem
social. Ele adotou o positivismo para designar toda uma diretriz filosófica
marcada pelo culto da ciência e pela sacralização do método científico.
No século XIX, o positivismo expressava um tom geral de confiança nos
benefícios da industrialização, otimismo em relação ao progresso do
capitalismo, guiado pela técnica e pela ciência experimental. A doutrina
comteana seria uma espécie de "Física social", pois a sociedade seria
submetida a leis invariáveis, considerava-se indispensável a concentração
de riqueza e a resignação do proletariado frente a ela. Em 1825, em
Considerações filosóficas a respeito das ciências e dos sábios, Comte
assinalava "entendo por física social a ciência que tem por objeto o estudo
dos fenômenos sociais considerados dentro do mesmo espírito que os
fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, quer dizer, como
sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo
específico de suas pesquisas."[1] (COMTE, 18XX, p. 71) Desse modo, o autor
procurava estabelecer parâmetros fixos às ciências das humanidades, típicos
das ciências exatas, buscava-se uma homogeneidade epistemológica, neutra e
livre de julgamentos. A ciência da sociedade (física social, mais tarde
definida como sociologia) pertenceria ao sistema das ciências naturais,
A busca pela manutenção do status quo burguês fica evidente quando
entende-se que a concentração de capital pelos chefes industriais era um
fenômeno pertinente "há de preparar os proletários para respeitarem, e
mesmo reforçarem, as leis naturais da concentração do poder e da
riqueza".[2] 25 Seguindo na mesma linha de pensamento "Ele (o positivismo)
tende poderosamente, por sua natureza, a consolidar a ordem pública,
através de uma sábia resignação... Evidentemente só é possível haver uma
verdadeira resignação, isto é, uma permanente disposição para suportar com
constância e sem nenhuma esperança de compensação, qualquer que seja, os
males inevitáveis que regem os diversos gêneros de fenômenos naturais, a
partir de uma profunda convicção de invariabilidade das leis. E, pois,
exclusivamente com a filosofia positiva que se relaciona tal disposição, em
qualquer tema que ela se aplique, e, por conseguinte, e, relação também aos
males políticos."[3]
26 Se Comte foi "o pai do positivismo", Durkheim pode considerado "o
pai da sociologia". Durkheim reconheceu a influência e a importância de
Comte e até mesmo ajudou a propagar alguns ideias da teoria comtinana. A
ciência social não poderia realmente progredir mais senão se houvesse
estabelecido que as leis das sociedades não são diferentes das leis que
regem o resto da natureza e que o método que serve para descobri-las não é
outro senão o método das outras ciências. Esta seria a contribuição de
Augusto Comte à ciência social.
Em As regras do método sociológico Durkheim descreve "A primeira regra
e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais coisas...Comte, de
fato, proclamou que os fenômenos sociais são fatos naturais submetidos a
leis naturais. Com isso, ele implicitamente reconheceu o seu caráter de
coisas; pois não senão coisas na natureza".[4] 27 A economia política foi
precursora da démarche positivista nas ciências sociais. "Os economistas
foram os primeiros a proclamar que as leis sociais são tão necessárias como
as leis físicas. Segundo eles, é tão impossível a concorrência não nivelar
pouco a pouco os preços...como os corpos não caírem de forma
vertical...Estenda esse princípio a todos os fatos sociais e a sociologia
estará fundada."[5] A partir dessas colocações são criadas as condições
para a criação da lei social natural aos fenômenos humanos. "É ainda ao
professor de filosofia que cabe despertar nos espíritos que lhe são
confiados a ideia de que é uma lei; de lhes fazer compreender que os
fenômenos físicos e sociais são fatos como os outros, submetidos a leis que
a vontade humana não pode interromper a sua vontade, e que, por
consequência, as revoluções no sentido próprio do termo são coisas tão
impossíveis como os milagres."[6]

Até mesmo a desigualdade social Durkheim classifica como algo
pertinente as leis naturais da sociologia humana. A sociedade é como "um
sistema de órgãos diferentes no qual cada um tem um papel particular"
determinados órgãos têm "uma situação especial e, se quer, privilegiada",
por exemplo, 28 "nos animais, a predominância do sistema nervoso sobre os
outros sistemas se reduz ao direito (…) de receber um alimento mais seleto
mais seleto e de receber sua parte antes dos outros." Segundo Löwy tais
formulações tem embasamento na teoria funcionalista das classes sociais
(Davis e Moore) e até mesmo se confundem com o darwinismo social "pois, se
nada entrava ou favorece injustamente os concorrentes que disputam entre si
as tarefas, é inevitável que apenas os mais aptos a cada gênero de
atividade a alcancem...

Poder-se-ia dizer que isto não é sempre o bastante para satisfazer os
homens; que existem aqueles cujos desejos desejos ultrapassam sempre as
suas faculdades. É verdade, mas estes são casos excepcionais e, pode-se
dizer, mórbidos. Normalmente, o homem encontra a felicidade ao realizar a
sua natureza; suas necessidades são relacionadas com seus meios. Assim, no
organismo cada órgão não reclama senão uma quantidade de alimentos
proporcional a sua dignidade."[7] Destaque-se que o contexto francês da
época da produção durkheimiana era de ascensão de um sindicalismo
revolucionário, possivelmente por isso o pensador reitere uma necessidade
de solidariedade orgânica entre os diversos grupos sociais e apresente os
conflitos de classe como algo patológico, prejudicial ao corpo social.

Durkheim era contra o internacionalismo operário. Em 1906, em um debate
com o sindicalista revolucionário Lagardelle, Durkheim assinala que "nos
meios operários, pretende-se substituir a pátria atual por uma pátria
superior que seria formada pela ampliação de uma só classe social, pelo
advento do proletariado internacional. É fácil demonstrar que esta
concepção se apoia numa confusão: uma classe mesmo ampliada não é, não pode
ser, uma pátria: não é senão um fragmento de uma pátria, como um órgão não
é senão um fragmento de um organismo. É porque desconhece esta verdade
elementar que o internacionalismo é muito frequentemente a negação pura e
simples de toda sociedade organizada.[8]

Assim como Augusto Comte, Émile Durkheim estava ciente do caráter
conservador e do antirrevolucionário do seu método positivista, conforme
expôs no prefácio de Regras do método. "Nosso método não tem nada de
revolucionário. Ele é até, em um sentido, essencialmente conservador, já
que considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, por mais flexível
e mais maleável que seja, não é, porém, modificável pela vontade."[9] 30 O
método positivista de Durkheim procura legitimar a ordem burguesa
estabelecida através de argumentos científico-naturais. Pretende-se
comprovar uma homogeneidade epistemológica nas ciências naturais e do
homem, conforme sua explanação que vai da seleção natural e das leis
naturais da sociedade e dos organismos vivos aos organismos sociais.

30-31 "A sociologia assim entendida não será, nem individualista, nem
comunista, nem socialista... Por princípio, ela ignorará estas teorias, às
quais ela não poderia reconhecer valor científico, já que elas tendem
diretamente não a expressar os fatos, mas a reformá-los."[10] O sociólogo
deveria ignorar as paixões despertadas pelas teorias revolucionárias e
buscar a imparcialidade e a serenidade científica. "As preocupações
práticas do período turvavam bastante os espíritos para lhes deixar o
sangue-frio e a serenidade, sem os quais não há sábios. O que é certo é que
no dia em que a tempestade revolucionária passou, a noção de ciência social
se constituiu por encantamento."[11]

Assim como Augusto Comte, Émile Durkheim acreditava que as diferentes
ideologias, pontos de vista, atrasavam o objetivo, neutro e imparcial
progresso científico. Os preconceitos, as prenoções e as paixões, vistos em
outras correntes de pensamento pelos autores não seriam problemas às suas
conservadoras e contrarrevolucionárias teses, percebidas como verdade
elementar da vida social. O positivismo do século XIX continua influente.
Um típico exemplo, de meados do século XX, é do estadunidense Geoge
Lundberg (1895-1966), presidente da American Society of Sociology e editor
da revista Sociometry. Segudno Lundberg "ao considerar a sociologia como
uma ciência natural, vamos estudar o comportamento social humano com o
mesmo espírito objetivo que o biólogo estuda uma colmeia, uma colônia de
térmites ou a organização e o funcionamento de um organismo." Para obter
esta objetividade é necessário livra-nos de sentimentos e eliminar, na
análise das evidências empíricas, a influência das crenças e dos desejos
pessoais. Seria um problemas técnico.[12]

Para os positivistas, o conhecimento histórico é reflexo fiel livre de
todo fator subjetivo (emoções, paixões, sentimentos e condicionamentos
sociais), ele é factual e os fatos são isolados. A sociedade não pode mais
ser transformada, pode ser melhorada, com progresso social, através da
ciência e da industrialização comandada pela burguesia.O papel do
historiador seria contemplativo, passivo e não como intérprete do
conhecimento, pois esse papel caberia a sociologia. O objeto se sobrepõe ao
sujeito, como se ocorresse uma relação mecânica, determinista, de causas e
consequências. Os fatos devem ser verificáveis e experimentáveis. O
historiador ou o analista social deve ser imparcial, neutro, sem
ideologias, juízos de valores, deve ter neutralidade científica.

Aos positivistas, as fontes mais fidedignas são os documentos escritos,
preferencialmente os oficiais, ligados a política institucional de Estado
ou da descrição dos "grandes" vultos históricos. Eles "falam por si só".
Somente o que foi documentado seria relevante historicamente.

Positivismo no Brasil
Embora, hoje o positivismo seja por muitos estudiosos considerado
metodologicamente ultrapassado por transformar a ciência em objeto de
reflexão da filosofia, a epistemologia comteana é possuidora de
consideráveis princípios filosóficos que tentam determinar o homem em
relação a sua atividade e espaço histórico. Atualmente, traços positivistas
são identificados em diferentes atividades no mundo ocidental, e
especialmente no Brasil. Na verdade, o Brasil se transformou em uma segunda
pátria do positivismo. O pensamento positivista chegou ao Brasil em torno
de 1850, e foi trazido por brasileiros que estudaram na França; alguns
tinham até mesmo sido alunos de Comte.
No Rio de Janeiro, Instituições como a Escola Militar, o Colégio Pedro
II, a Escola da Marinha, a Escola de Medicina e a Escola Politécnica,
tiveram diversos trabalhos e teses defendidas tendo como base teórico as
reflexões oriundas do positivismo, [CITAR EXEMPLOS]. Já o positivismo de
vertente religiosa pôde ser atestado no Apostolado Positivista, a partir de
1881, fruto da iniciativa de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira.
A atuação do positivismo no Brasil pode ter sido uma reação filosófica
contra a doutrina confessional católica, até então soberana reflexão
intelectual no país, daí sua relevância às inovações do conhecimento em
terras brasileiras. No Brasil, uma das marcas iniciais do positivismo mais
aceitas é a publicação do livro de Luís Pereira Barreto As três filosofias,
em 1874, e também, dois anos mais tarde, a fundação da Sociedade
Positivista Brasileira (origem da Igreja da Humanidade) no Rio de Janeiro.
Contudo, o núcleo irradiador do positivismo seria transferido para Recife,
por iniciativa de Tobias Barreto e, depois, Sílvio Romero e Clóvis
Bevilácqua.
O positivismo que se consolidava no Brasil configurava-se a partir de
um grupo de algumas dezenas de estudiosos composto por duas facções: os
ortodoxos e os dissidentes. Miguel Lemos e Teixeira Mendes lideravam o
primeiro, e um número de políticos com visão monárquica positivista, junto
com Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto e Sílvio Romero lideravam o
último, e buscavam em Comte a fundamentação teórica para a República.
O republicanismo brasileiro, nascido da Convenção de Itu, de 1870,
gerou duas alas: a liberal-democrática, de inspiração americana, e a
autoritária, de inspiração positivista. Todavia, em um primeiro momento, o
programa do Partido Republicano estava muito mais preocupado com o combate
objetivo ao Império do que com querelas doutrinárias. Nessa fase destacam-
se os nomes dos chamados republicanos históricos, como Silva Jardim, Aníbal
Falcão e Demétrio Ribeiro.
A atuação doutrinária levada a cabo por Benjamin Constant Botelho de
Magalhães (1833-1891), professor da Escola Militar e defensor do princípio
positivista da valorização do ensino para alcançar o estado sociocrático,
ganha destaque nesse contexto. Contudo, se para Comte o ensino, no
continente europeu, deveria ser destinado às camadas pobres, no Brasil essa
meta foi impossível, devido ao baixíssimo nível de instrução do
proletariado nacional. Assim, a transmissão dos ensinamentos positivistas
acabou se restringindo aos poucos que estudavam nas escolas militares. 
A atividade doutrinária bem no interior da massa pensante das forças
armadas brasileiras foi fundamental para criar um espírito de corpo na
caserna, pois boa parte da oficialidade se achou imbuída do destino
histórico de implantar um regime republicano que fosse fundamentado na
razão e na ciência positivista. Os republicanos jacobinos, radicais,
combatiam os monarquistas e os republicanos liberais, e apregoavam a
implantação de uma república temporária e ditatorial, com o fim de se
alcançar a sociocracia preconizada por Comte. Ocorreu, assim, uma cisão no
movimento republicano, e até mesmo entre os positivistas, pois no episódio
de 15 de novembro de 1889 sentimos a presença dos positivistas dissidentes
(militares seguidores de Benjamin Constant), em detrimento dos ortodoxos
(civis seguidores da Igreja Positivista).
O positivismo tornou-se uma filosofia fundamental no debate político no
Brasil do século XIX, uma vez que o regime republicano foi instalado sob
sua égide teórica. O 15 de novembro pode ser considerado o ápice do
positivismo no Brasil, em razão da grande quantidade de adeptos de Auguste
Comte que assumiram cargos de relevo no novo regime (Benjamin Constant
chegou a ministro da Guerra).
Foram numerosas as influências do positivismo na organização formal da
República brasileira, entre elas o dístico Ordem e Progresso da bandeira; a
separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento
do casamento civil e o exercício da liberdades religiosa e profissional; o
fim do anonimato na imprensa; a revogação das medidas anticlericais e a
reforma educacional proposta por Benjamin Constant.
O farol do positivismo no Brasil seria transferido para o Rio Grande do
Sul, onde a instalação do regime republicano foi sui generis, pois desde o
início o novo governo foi dominado pelos positivistas, liderados por Júlio
Prates de Castilhos (1860-1903). Quando da Proclamação da República, em
1889, Castilhos recusou o cargo de presidente do Estado, e preferiu assumir
como secretário do governo estadual. Ele estava convicto no intento de
inaugurar uma nova fase positiva na política gaúcha, transformando as
velhas práticas político-administrativas clientelistas do período
imperial. 
Em 1890, Júlio de Castilhos elegeu-se deputado no Congresso que iria
elaborar a primeira Constituição da República, e logo identificou-se com a
ala ultrafederalista, passando a defender o projeto político de inspiração
positivista. Em 1891, eleito presidente do Estado pela Assembléia
Legislativa, Júlio de Castilhos redigiu - e fez aprovar quase que
integralmente - a nova Constituição estadual. Era uma Carta extremamente
autoritária, atribuindo ao presidente do Estado poderes extraordinários,
tais como: nomear o vice-presidente, reeleger-se, atribuir papel meramente
deliberativo ao Legislativo estadual e o voto descoberto. Castilhos
pretendia criar no Rio Grande do Sul uma ditadura republicana comteana, e
seus adeptos foram chamados de republicanos. 
Do ponto de vista doutrinário, o positivismo não compartilha os
princípios da representação eleitoral preconizados pela democracia liberal
burguesa, e seu princípio de delegação política por meio da eleição à
representação de cargos. Para os positivistas, o direito ao voto é um dogma
metafísico e, dessa forma, Júlio de Castilhos acreditava na legitimidade do
regime republicano em razão de razões históricas e científicas, e não por
motivos metafísicos ou populares.
Com base nesse princípio, os castilhistas ficaram no poder no Rio
Grande do Sul por quase 40 anos, primeiro com Castilhos, depois com Antônio
Borges de Medeiros (1863-1961), que se elegeu sucessivamente quatro vezes
para a presidência daquele Estado, e, finalmente, em 1928, com Getúlio
Vargas (1883-1954). 
No plano nacional, Vargas procurou implantar o positivismo castilhista.
Em seus mandatos, notadamente no Estado Novo (1937-1945), procurou
substituir a noção da representação eleitoral pela da hegemonia científica,
na qual a ordem e o fortalecimento de um dirigente moralmente responsável
concebe um regime promotor do bem-estar social rumo ao progresso.
Tendo influenciado poderosamente o movimento que levou à Proclamação da
República, o positivismo foi a principal corrente de pensamento na formação
intelectual dos militares que cursaram as escolas militares, influência que
se estendeu às rebeliões tenentistas da década de 20. Em sua vertente
gaúcha, o positivismo esteve presente na organização estatal formulada por
Vargas e em seu projeto de desenvolvimento nacionalista burguês. 




Referências


"Ordem e Progresso". 2004. ARTIGO

COMTE, Auguste.

DÜRKHEIM, Émile.

LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx e o barão de Münnchausen.
Positivismo, historicismo e martxismo. 5 ed. 1964.

MAESTRI, Mário. "Os positivistas ortodoxos e a guerra do Paraguai".

MAESTRI, Mário

PEZAT, Paulo Ricardo. Auguste Comte e os fetichistas: estudos sobre as
relações entre a Igreja Positivista do Brasil, o Partido Republicano Rio-
Grandense e a política indigenista da República Velha. Dissertação de
Mestrado em História – UFRGS, 1997.

SIMON, Saint. Mémoire sur la Science de l'Homme, 1813, Oeuvres (inst. Par
Enfantin). Paris: Dentu Éditeur, 1876.

-----------------------
[1] Politique d'Auguste Comte. p. 71
[2] COMTE, Auguste. Cours de phiilosophie positive, VI, p. 357.
[3] COMTE, Auguste. Cours de phiilosophie positive, IV, p. 100-101.
[4] DURKHEIM, Emile. Les règles de la méthode sociologique.PUF, Paris,
1956, p. 15-19.
[5] DURKHEIM, Emile. La science et l'action, PUF, Paris, 1970. p. 80-81

[6] DURKHEIM, Emile. La philosophie dans les Universités Allemandes.
1866-67, em textes 3, Fonctions sociales et institutions, Ed. de Minuit,
Paris, 1975. p. 485.
[7] DURKHEIM, Emile. La division du travail social. PUF, Paris, 1960. p.
157-158 e 369-370.
[8] DURKHEIM, Emile. La science et l'action, PUF, Paris, 1970. p. 299
[9] DURKHEIM, Emile. Les règles de la méthode sociologique. Prefácio.
[10] DURKHEIM, Emile. Les règles de la méthode sociologique. p.140
[11] DURKHEIM, Emile. La science et l'action. PUF, Paris, 1970. p. 115
[12] Cf. LUNDBERG, George. A; SCHRAG, Clarence C.; LARSEN, Otto N.
Sociology. Nova York: Herper and Brothers, 1958. p. 6, 16, 736, 744.
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