Da fronteira aos potenciais: revelando possíveis trajetórias para os espaços públicos da cidade de Marabá

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Da fronteira aos potenciais: revelando possíveis trajetórias para os espaços públicos da cidade de Marabá Luna Bibas (1) Ana Cláudia Cardoso (2) Lucas Cândido (3) (1) Laboratório Cidades na Amazônia, UFPA, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Laboratório Cidades na Amazônia, UFPA, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Laboratório Cidades na Amazônia, UFPA, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Localizada no sudeste do Estado do Pará, Marabá é uma cidade que expressa as contradições das cidades amazônicas inseridas no contexto dos grandes projetos de desenvolvimento econômico e de colonização da Amazônia. A cidade tornou-se espaço de fronteira econômica, marcada pelo processo de integração nacional. A pesquisa adota a literatura clássica sobre desenho urbano para definir variáveis de análise, seleciona espaços públicos para observação em diferentes núcleos da cidade e revela que se por um lado há desarticulação entre espaços públicos, espaços livres e necessidades da população, com precarização dos mesmos na medida que se afastam do Núcleo Pioneiro, por outro existe potencial de aproximação das dimensões natural e urbana a partir do tratamento dos espaços público segundo uma abordagem que valorize atributos do sítio e o soluções socioespaciais há séculos bem sucedidas na região. Palavras-chave: espaços públicos; cidades amazônicas; desenho urbano. Abstract: Located in the southeast of Pará estate, Marabá is a city that expresses the contradictions of the inserted Amazonian cities in the context of major economic development projects and Amazonian colonization. The city turned into a space of economic frontier, marked by the process of national integration. This research adopts the classic literature on urban design to set analysis variables, select public spaces for observation in different parts of the city and reveals that on one hand there is disconnection between public spaces, open spaces and people's needs, with precarious infrastructure as we move away from the Pioneer Center, on the other hand there is potential approximation of the natural and urban dimensions from the treatment of public spaces, seeking an approach that values the site attributes and socio-spatial solutions successful for centuries in the region. Key-words: public spaces; Amazonian cities; urban design. 1. INTRODUÇÃO A partir da década de 50 ocorreu a difusão do desenvolvimentismo no Brasil, comprometido com a meta de crescimento da produção industrial e da provisão de infraestrutura com participação ativa do Estado. Este paradigma priorizou o crescimento econômico e colocou a questão social e ambiental em segundo plano, assim como promoveu a urbanização “incompleta” do país, dadas as diferenças entre centro e periferia observada nas cidades brasileiras (MARICATO, 2000). Nos anos 1970 diversos planos seguiram essa diretriz, dentre os quais o Plano de Integração Nacional, que conectou a região amazônica ao resto do país. Tal integração logística e econômica intensificou a propriedade privada, a migração e a informalidade na região em nome do progresso. A cidade de Marabá foi considerada um pólo estratégico nesse processo de integração da Amazônia ao Brasil; desde então coexistem diversos atores em seu espaço, dentre os quais a população nativa, que 1 | 10

vivenciou a consolidação histórica da cidade, imigrantes, proprietários fundiários e o Estado. Estes últimos enalteceram práticas exógenas (moderno-industriais) distanciando a cidade do rio e gerando espaços de matriz modernista, que homogeneizaram modos de vida, na medida em que desqualificaram o saber local (tradicional) e banalizaram as transformações subsequentes. Um resultado desse conflito de racionalidades tem sido a sujeição do espaço natural à racionalidade exógena, e o progressivo desaparecimento da vegetação e das características originais do sítio físico, em que pesem os impactos sócio-ambientais gerados (ver figura 1).

FIGURA 1 – Involução do verde no perímetro urbano do município de Marabá e localização dos núcleos principais. Fonte: Landsat (1990-2014); Google Earth (2014). Elaboração: Luna Bibas.

Até a integração, a cidade foi sustentada por ciclos de produto (ex.: o caucho, castanha), porém a partir dos anos 1960, a implantação de grandes projetos federais e a difusão do consumo de produtos industriais gerou um processo de urbanização extensiva (MONTE-MÓR, 1994), que redefiniu o papel das cidades eleitas como difusoras das novas dinâmicas de consumo e produção capitalista, e reorganizou a rede urbana paraense (CORRÊA, 2006). A partir de então a indústria de mineração, primeiramente ligada à antiga corrida do ouro e mais recentemente à exploração e exportação de minérios, introduziu na área um conjunto de atividades, combinação de forças produtivas e relações de produção que contribuíram para sua inserção definitiva no sistema de produção global, e na sua caracterização como área de fronteira. Mas a superposição de racionalidades gerou conflitos. Se por um lado o espaço tradicional tem papel instrumental à vida das pessoas, as distâncias menores e a quadrícula deformada facilitam seu deslocamento e suas atividades, por outro o espaço da cidade planejada desencontra e aumenta as distâncias demostrando ser um espaço estruturado para carros e para viabilizar a produção industrial. Houve afastamento entre o homem e a natureza e difusão de uma crença de que a natureza deveria ser domesticada. Tal determinismo favoreceu a destruição da floresta, poluição dos rios e alterou a experiência/apropriação nos espaços públicos da cidade, observou-se uma simplificação das funções no espaço público. Se anteriormente a orla compreendia atividades diversas, hoje tornou-se o espaço da contemplação, enquanto a rua passou de espaço de vivência a espaço do fluxo, da passagem; deixou de abrigar outros modais (pedestre, bibicleta) ao assumir o carro como elemento principal. Marabá foi assumida como objeto de estudo por sua capacidade de expressar transformações ocorridas desde a década 1970 (TOURINHO, 1991). A análise utiliza ferramenta do desenho urbano para oferecer uma caracterização espacial e avaliar formas de apropriação, que reflitam qualidades urbanas capazes de influenciar o comportamento da população (GEHL, 2009; JACOBS, 2011), a partir da perspectiva do pedestre, do ciclista e do usuário do transporte público e da ênfase na diversidade urbana. Partiu-se da revisão de autores ligados ao campo do desenho urbano, que defendem que as escalas de projetos devem estar conectadas e discutem as normas dogmáticas e “universais” dos ideais modernos, e explicitam atributos da forma que fazem da cidade uma boa cidade para se viver. 2 | 10

Destacam-se dimensões como vitalidade, senso, congruência, acesso, justiça, controle e eficiência, defendidas por Lynch (1999) e permeabilidade, variedade, legibilidade, versatilidade, imagem apropriada, riqueza perceptiva e personalização por Bentley (1999), esses atributos transformam espaços públicos em espaços de encontros, identificáveis e atrativos, em menor escala, com ênfase no pedestre e no usuário do transporte públicos, favorecendo a vigilância coletiva, e gerando espaços mais seguros (ALEXANDER et al., 2013; CULLEN, 1978; GHEL, 2009; JACOBS, 2011). Neste trabalho, foram delineados perfis espaciais a partir do mapeamento e análise dos espaços públicos observados em Marabá. Amostras espaciais associadas a contextos diversos (tradicional e moderno industrial) tiveram parâmetros e atributos espaciais comparados, para avaliar sua qualidade e investigar relações entre modo de vida e construção de identidade. Espera-se iluminar a discussão sobre espaços públicos em cidades de fronteira, e acrescentar esse tema à agenda de políticas urbanas brasileiras, normalmente focadas em políticas setoriais e nos estudos metropolitanos. 2. MARABÁ: DA FRONTEIRA AOS POTENCIAIS. 2.1. Contextualização Marabá nasceu como entreposto comercial, localizada na confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, ponto em que o núcleo Marabá Pioneira está localizado e a partir de onde a cidade se expandiu. A cidade se divide em cinco núcleos, cada um com características específicas. Este trabalho focou nos três principais núcleos da cidade, que contam com espaços públicos mais consolidados: Marabá Pioneira, Cidade Nova e Nova Marabá (ver figura 1). O núcleo pioneiro é o núcleo histórico, possui ocupação vernacular, fortemente ligada à dinâmica ribeirinha e aos processos naturais, seu espaço possuia uma multifuncionalidade devivo à simplicidade com que a população vivia, o espaço público era o espaço de encontro, interação da vizinhança, extensão das residências, lazer e instrumental para o acesso às atividades da pesca, lavagem de roupas, costura, comércio e serviços. O pontal, neste núcleo, sofre cheias periódicas e era ocupado por palafitas, que elevavam os assoalhos conforme o nível das águas. Após décadas de mudanças, moradores do núcleo constroem lajes (solução permanente) em pavimento mais alto que o nível regular das cheias, para permanecerem naquela localização, tanto pela vizinhança quanto pelas atividades que executam naquele espaço. Destaca-se aqui a capacidade dos moradores tradicionais de conviver com as cheias e de buscar a proximidade da beira do rio. A partir dos anos 1960, transformações dos padrões espaciais e tecnológicos, assumiram as cheias como justificativa para a construção do núcleo Nova Marabá, implantado em 1973, a partir de uma adaptação do projeto do arquiteto Joaquim Guedes, que alterou local de implantação e soluções de desenho originais, e recebeu um desenho modular de superquadras, com ruas sem saída e em forma de folhas de castanheira. À época houve uma tentativa frustrada de mudar os ribeirinhos para o novo núcleo, com seu retorno para o núcleo Pioneiro. A Nova Marabá foi habitada por funcionários públicos e migrantes em geral, suas características são de uma cidade planejada, moderno-industrial, que não levou em consideração as particularidades locais: priorizou a técnica em detrimento das experiências das pessoas e das características do bioma local, distanciou a moradia do rio e também dos espaços populares de lazer. O potencial de exploração de recursos naturais da região, os incentivos fiscais e a política de reforma agrária “colonizadora”, resultaram na implantação de diversos projetos públicos e privados e na migração de milhares de trabalhadores para o sudeste paraense, que desencadearam a rápida expansão da cidade de Marabá, a maior daquela microrregião. O terceiro núcleo, chamado Cidade Nova, foi formado a partir da base de apoio para a implantação do núcleo Nova Marabá (CARDOSO, LIMA, 2006; TOURINHO, 1991) e resultou na aglutinação de diversos loteamentos.

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Paralelamente à implantação dos projetos no Brasil e mais especificamente Nova Marabá, surgiam nos países de centro críticas diversas ao espaço urbano de matriz moderna. Nesta época cidades do mundo todo passaram a investigar a qualidade do espaço urbano e o campo disciplinar do desenho urbano foi estruturado. Esse fato revela um descompasso entre os discursos e atividades dos profissionais urbanistas dos países de centro e dos países de periferia como o Brasil, que ainda implantava planos prontos, alheios à realidade local, modelando o espaço de maneira inadequada. Nesse movimento buscou outras disciplinas, como a psicologia, a semiótica e o comportamentalismo, para entender de forma mais ampla como se dá a vida na cidade; algumas abordagens que se destacaram a partir deste ponto foram os campos da morfologia urbana, análise visual, percepção do meio ambiente e do comportamento ambiental (DEL RIO, 1990). Na dimensão ambiental houve um hiato de 20 anos entre o estabeleciomento da discussão e sua incorporação nas agendas políticas governamentais, e recente transposição para o debate urbano. Porém no início do século XX, Geddes (1915) já propunha a ordenação do território através da investigação de dimensões biológicas, físicas e socioeconomicas. Suas ideias são um legado para o planejamento da paisagem urbana, reveladas eficazes em diversas experiências ao redor do globo, comprometidas com a dissolução do binômio homem-natureza, possibilitando novas possibilidades de ocupação do território e viabilizando a criação de ambientes urbanos integrados à natureza em contextos socioeconomicamente estáveis. A sistematização dessas experiencias em cidades ao longo da história revela o quanto a desconsideração de ciclos naturais podem manifestar consequências como poluição do ar, do solo e das águas, aceleração de processos geológicos, doenças, surgimento de praças urbanas e altos custos de manutenção e reparos à eventos naturais, prejudicando tanto o funcionamento global da cidade, como aumentando os custos da gestão urbanística a longo prazo, e os custos socioambientais, com a perda de espaços públicos valiosos e determinantes para a vitalidade urbana (McHARG, 1971; SPIRN, 1995). 2.2. Os espaços públicos observados Os espaços públicos dos três núcleos citados foram observados durante pesquisa de campo realizada em maio de 2014, de cada núcleo foram observados orla (Pioneira), praças e trechos de ruas, em diferentes turnos, em dias de semana e final de semana. Complementarmente, foram levantados usos e padrões espaciais e realizadas entrevistas. Seguem os resultados obtidos pra cada núcleo: 2.2.1. Marabá Pioneira Neste núcleo prevalece a escala humana, sua morfologia conta com ruas estreitas, casas pequenas em madeira ou alvenaria que são relacionadas com atividades ribeirinhas na área popular, e ao comércio diversificado na área elitizada. Em seus espaços públicos há convívio social e vitalidade (figura 2). A orla é um dos espaços mais importantes, seus equipamentos não funcionam muito bem; o calor é intenso, a arborização escassa e há intensa atividade informal ao cair da noite. A rua divide atividades informais na calçada da orla e formais do outro lado da rua. Os pedestres ficam bem separados do fluxo de carro, pois a sua calçada é larga, porém os engarrafamentos são frequentes nesta área por conta da atratividade paisagística e das diferentes atividades que ocorrem ao longo da orla. Ainda que não realize todo o seu potencial, a orla é muito procurada pela população e por turistas. A Praça Duque de Caxias tem um espaço mais vivo durante o dia do que durante a noite, em função do movimento gerado pelo uso comercial. Sua localização estratégica contribui para redução da velocidade dos veículos e favorece a apropriação do espaço criado (oposto à rua principal) como continuação da praça, até mesmo pequenos bancos e barracas de comida foram posicionados contando com o o movimento lento de carros. A praça também gera mais segurança para os transeuntes e distribui os veículos que passam por ela.

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FIGURA 2 – Ilustração do núcleo pioneiro, ruas, outros tipos de espaços públicos observados e resumo das contagens de cada espaço. Fonte: IBGE, 2010; Google Earth, 2014. Elaboração: Luna Bibas.

Este núcleo é o que apresenta os menores números na contagem de carros, onde as pessoas deslocamse mais a pé ou de bicicleta (nas contagens) possivelmente devido ao relevo e escala humana, que favorece o movimento de pedestres e ciclistas quando comparado aos outros núcleos. 2.2.2. Cidade Nova Esta área atraiu grandes contingentes de imigrantes pobres que não podiam pagar pela terra no núcleo Pioneiro, ou de renta média que não aceitavam conviver com os alagamentos daquele núcleo (TOURINHO, 1991). Seu desenho possui um traçado regular curioso (figura 3). Seus espaços públicos são muito diversos, provavelmente por conta dos usos existentes em seus entornos e de sua inserção espacial diferenciada. A Praça da Bíblia possui maior movimentação durante o dia ligada às atividades existentes no seu entorno, este espaço engana em um primeiro momento, pois segundo as contagens de fluxo de pessoas e veículos esta praça atrai poucas pessoas. É um espaço confortável no entanto está posicionado ao longo da rodovia Transamazônica, desempenha um papel importante de proteger o outro lado da via contra o ruído, a poluição do ar e o fluxo intenso e rápido dos carros nesta rodovia, ele também promove a redução da velocidade dos carros que a partir dela entram em outra escala da cidade, em ritmo mais lento, menos frenético. Já a Praça São Francisco é espaço público que atrai o maior número de pessoas em Marabá. Seu entorno é repleto de atividades comerciais (restaurantes, lanchonetes e supermercados), funciona como redutor de fluxos, e como atrai um número de pessoas muito grande e para diferentes atividades são frequentes os engarrafamentos formados em suas laterais, permitindo que as pessoas possam chegar a seu destino em segurança.

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FIGURA 3 – Ilustração do núcleo Cidade Nova, ruas, praças observadas e resumo das contagens de cada espaço. Fonte: IBGE, 2010; Google Earth, 2014. Elaboração: Luna Bibas.

A rua oposta à rua de maior fluxo de veículos (Rua Nagib Mutran) tornou-se um espaço prioritário para os pedestres, nessa rua circulam apenas os automóveis dos moradores deste quarteirão. A Cidade Nova registra os maiores números nas contagens por ser também o núcleo mais populoso da cidade. 2.2.3. Nova Marabá O caráter colonizador soma-se às características de cidade nova moderna, justificada pela necessidade de criação de uma base urbana de apoio à produção industrial (TOURINHO, 1991); pensada para o uso do automóvel, sua escala desvaloriza o pedestre e atividades que estimulem encontros (figura 4). Seus espaços públicos são ruins, a Praça da Prefeitura não atrai tantos transeuntes quando comparada com as outras praças já vistas anteriormente, apesar de oferecer algum conforto (mobiliário e sombra), salvo por um supermercado não há usos comerciais no entorno. A inserção desse espaço na malha favorece o fluxo dos carros, tornando-o espaço de curta permanência. Há diminuição do fluxo tanto de carros quanto de pessoas no extremo oposto à rua mais movimentada, desse modo, tais espaços com menor fluxo tornam-se espaços sem vida, sem movimento, e perigosos pois não há vigilância coletiva. A Praça da Criança resultou de uma adaptação de uma das rotatórias do projeto urbano de Nova Marabá, originalmente concebida como área de drenagem; o local é inapropriado para implantação de um praça, pela intensidade do tráfego que a contorna. Esta praça só atrai pessoas à noite, devido à carência de coberturas, árvores ou proteção do sol, que a tornam extremamente desconfortável durante o dia. Apesar da disponibilidade de bons espaços para implantação de espaços públicos neste núcleo, outros espaços inadequados e canteiros foram reaproveitados como praças, quadras esportivas e até mesmo estacionamentos. Percebe-se que há uma clara divisão entre o espaço do carro e o espaço do

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pedestre. A área quase não é utilizada durante o dia, mas no período da noite transforma-se em local de intenso fluxo de pessoas. Seu entorno limita-se à largas vias (lógica automobilística).

FIGURA 4 – Ilustração do núcleo Nova Marabá, ruas, praças observadas e resumo das contagens de cada espaço. Fonte: IBGE, 2010; Google Earth, 2014. Elaboração: Luna Bibas. 2.3. Construção de perfis espaciais A sobreposição das contagens, às observações de campo e às entrevistas coletadas permitiram a associação dos espaços públicos a graus de urbanidade compostos a partir das categorias: diversidade, atratividade, acesso, segurança, identidade e conforto. A comparação entre espaços públicos dos núcleos e análise da ocorrência das categorias citadas revelou o melhor dempenho do Núcleo Pioneiro, seguido da Cidade Nova e Nova Marabá. O Núcleo Pioneiro carrega características que lhe conferem diversidade, atratividade, acesso igualitário, identidade e conforto (exceto pelo atributo conforto no espaço da orla), indicando melhor qualidade urbana de acordo com a literatura pesquisada ligada às categorias selecionadas, revelando a adequação do espaço tradicional ao bioma e ao grau de sociabilidade de seus habitantes (que se apropriam, utilizam e modificam o espaço), na medida que instrumentaliza a convivência entre diferentes grupos, dentro da comunidade e facilita o modo de vida dos habitantes que dependem de atividades de produção, domésticas ou de lazer ligadas ao rio, e que por séculos foram articuladas à floresta e à sua preservação. Os núcleos Cidade Nova e Nova Marabá possuem tais características em níveis médios ou baixos de acordo com o cruzamento das contagens com a morfologia e as categorias investigadas, estes núcleos estão relacionados com a aspiração do fortalecimento econômico, controle da natureza e homogenização de modos de vida. A nova lógica promove a substituição do modo de vida tradicional por fórmulas e estratégias (condomínios, shopping center, aeroporto, rodoviária) que transformam a cidade em ponto de apoio das atividades de grande porte ligadas à acumulação de capital, e a proposta 7 | 10

de desenvolvimento econômico que valoriza o uso da terra pelo seu valor de troca, e não mais pelo valor de uso como a anterior, e alimentam os processos de valorização imobiliária.

FIGURA 5 – Mapa com espaços propostos para a cidade de Marabá e legenda elaborada com os perfis espaciais propostos para os espaços identificados. Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: Luna Bibas.

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Os acúmulos e combinações da literatura internacional sobre espaços públicos e sobre a questão ambiental, quando aplicados ao caso de Marabá sugerem o potencial para criação de um sistema de espaços públicos de diferentes escalas dentro do perímetro urbano, graças às imposições do sítio físico (várzeas, rios, igarapés). Nesta perspectiva a pesquisa gerou um mapa que destaca os potenciais de diferentes tipos de espaços livres em Marabá: a) espaços pontuais, já utilizadas na cidade, mas que são insuficientes para a demanda; b) os espaços que são potenciais, marcados em vermelho, que podem ser trabalhados para criação de praças, espaços de descanso, amortecedores de trânsito ou simplesmente em barreiras de tráfego, esses espaços podem contribuir para a criação de novas centralidades, desejáveis para o fortalecimento de qualidades urbanísticas, tais como vitalidade, segurança, identidade e etc, tornando o espaço da cidade mais seguro e diverso; c) os seguimentos em linha cheia representam a possibilidade de espaços lineares em sua maioria relacionados à espaços naturais contínuos, ou matas ciliares de córregos, braços de rios e canais, com potencial para criação de parques lineares, vias ecológicas que podem contribuir para o microclima local e gerar espaços de múltiplo uso, na medida em que cruzam territórios ocupados informalmente com carência de espaços públicos; a combinação entre espaços públicos e a natureza própria do bioma amazônico conferiria identidade para a cidade de Marabá, característica importante segundo Alexander (2013) para a formação de vínculos da população com o território e construção da responsabilidade pelo cuidado com o lugar em que vive. Outro tipo de espaço detectado com grande potencial são d) os espaços verdes contínuos, evitados pela mancha urbana, mas sob risco iminente de ocupação, que correspondem aos varjões entre os núcleos e as beiras de rio, são de extrema importância para o meio ambiente e devem ser preservados, apesar de serem reconhecidos como áreas de preservação no plano diretor, estão sendo ocupados por omissão, falta de fiscalização quanto pela falta de destinação pública dessas áreas, permitindo que empresas privadas e ocupações informais se apropriarem deles, e os explorem/utilizem de forma indevida. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O espaço de Marabá é muito diverso, apresenta duas situações muito diversas. O Núcleo Pioneiro é o exemplo de cidade para pessoas, onde as pessoas andam para os lugares, ciclistas e pedestres são respeitados e vistos com mais frequência, além de conter características de identificação do município como um todo, os moradores de outros núcleos visitam o núcleo pioneiro com frequência. Já a Cidade Nova e a Nova Marabá são exemplos de cidades comprometidas com a circulação do capital e com o progresso econômico, seus espaços são estruturados pelas grandes rodovias que os cortam, e principalmente a cidade planejada (Nova Marabá) conta com escala grandiosa, para carros, e que não possuem vias de transição: ruas principais e locais conflitam e disputam essas características. As grandes barreiras fisicas (rios e varjão) viabilizam a criação de identidade dos núcleos, possibilitando a conexão de moradores tradicionais com o sítio físico, é essa ligação que faz com que tal população mantenha vínculos, e mantenha hábitos e saberes diferenciados quanto ao uso de espaços verdes/públicos. A característica do espaço humanizado, de escala menor, favorece o pedestre, a interação de vizinhança, e a transição direta entre o espaço privado e público; ocorrem gradações interessantes (público-intermediário-privado/escalas global-média-local) constituídas antes das transformações e do formação dos novos núcleos, e que são apresentadas como características desejáveis para os espaços públicos, desde a crítica de Jane Jacobs (2011) e mais recentemente por Jan Ghel (2009). A cidade de Marabá se constitui em rico laboratório, uma cidade da fronteira: entre biomas, entre estados e de exploração de recursos, com uma enorme diversidade de atores, situações e formas de apropriação. Contudo todo o seu potencial está desarticulado com prevalência da visão das áreas apontadas na figura 5 como barreiras, que segregam grupos sociais e modos de vida. Diferenças de renda favorecem a hegemonia do código espacial externo, e a desagregação socioespacial. A fronteira tem portanto o potencial de agregar: desenho urbano, elementos naturais e população. 9 | 10

Constata-se portanto, que a detecção de perfis socioespaciais, favorece a definição de diretrizes de desenho e análise da cidade. Contudo análises espaciais em diversas escalas são fundamentais para revelar interrelações sistêmicas entre partes, e potencializar qualidades urbanas que incorporem o bioma amazônico e possibilitem a produção de um espaço-sistema que (re)conecte a população com a dimensão pública da cidade, e com o sítio natural (e o bioma) em que esta se insere. A construção da aliança entre população-cidade e urbano-natureza pode ser uma estratégia importante para a construção da identidade da cidade de fronteira amazônica e para reposicionar a natureza como algo que pode ser mantido vivo, sustentando práticas e saberes, que poderão incluir pessoas (que a incorporação econômica transformou em excluídos sociais), e sustentar a inovação tecnológica e social a partir do que sempre foi bem sucedido na região. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDER, C., ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. Uma Linguagem de Padrões. Porto Alegre: Bookman, 2013. BENTLEY, I., ALCOCK, A., MURRAIN, P., MCGLYNN, S., SMITH, G. Entornos Vitales. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. CARDOSO, A. C. D. ; LIMA, J. J. F. Tipologias e Padrões de Ocupação na Amazônia Oriental. In: Ana Cláudia Duarte Cardoso. (Org.). O Urbano e Rural na Amazônia. 1ed. Belém: Editora da UFPA, 2006, v. 1, p. 55-93. CORRÊA, Roberto Lobato. A periodização da rede urbana da Amazônia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 4, n.3, p. 39-68, jul./set. 1987. CULLEN, G. El Paisaje Urbano: tratado de estética urbanística. Barcelona: Blume, 1978. DEL RIO, V. Introdução ao desenho Urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini, 1990. GEDDES, Patrick. Cities in evolution. Londres: Williams & Worgate, 1915. GHEL, Jan. La Humanización del Espacio Urbano. La Vida Social Entre los Edificios. Barcelona. Reverte. 2009. JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. 3ª Edição. São Paulo. Martins Fontes, 2011. LYNCH, K. A Boa Forma da Cidade. Lisboa: Edições 70, 1999. MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES, O. et al. A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 121-192. McHARG, Ian L. Design with nature. New York: American Museum of Natural History, 1971. MONTE-MÓR, R. Urbanização Extensiva e Lógicas de Povoamento: Um Olhar Ambiental. In: SANTOS, M.; SOUZA, M.; SILVEIRA, M. (org.). Território, Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1994. p.169-181. SPIRN, Anne Whiston. O jardim de granito. São Paulo: EDUSP, 1995. TOURINHO, Helena Lúcia Zaguri. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. Belém, 1991. 270 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991.

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