Da Guerra e da Estratégia. A nova Polemologia

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Título DA GUERRA E DA ESTRATÉGIA A NOVA POLEMOLOGIA Autor Francisco Proença Garcia

Copyright © Francisco Proença Garcia, Prefácio, 2010

Direitos reservados por Prefácio-Edição de Livros e Revistas, Lda Rua Bernardo Lima, n.º 8 - A 1150-076 LISBOA Tel: 213143378 Fax: 213143380 [email protected] Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor Capa: Armanda Vilar ISBN: 978-989-652-051-9 Pré-Impressão, impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda Depósito legal n.

Introdução

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Primeira Parte

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Subsídios para o Estudo da Guerra 1. O despertar dos estudos quantitativos da Guerra

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2. O Correlates of War Project e os trabalhos posteriores

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3. Tendências de futuro Segunda Parte Tipologias de Guerra

34 37 38

1. O espectro da Guerra 2. O uso da Força

38 43

3. Outras tipologias de Guerra Terceira Parte Uma Perspectiva do Fenómeno da Guerra no Novo Século

45 60 61

1. A complexidade do Sistema Internacional no início do século XXI 2. As Guerras no Século XXI

61 64

3. As Guerras irregulares e a transformação do carácter dos conflitos armados Quarta Parte A Estratégia da Subversão

73 75 76

1. A Estratégia 2. Caracterização do fenómeno subversivo

76 79

3. O fenómeno subversivo na actualidade 4. As tipologias subversivas

85 95

5. Premissas da subversão Quinta Parte A Estratégia da Contra-Subversão 1. A Estratégia contra-subversiva e as suas integrantes 2. A Estratégia político-diplomática 3. A Estratégia socioeconómica 4. A Estratégia psicológica -5-

98 100 101 101 105 108 111

5. A Estratégia de Informações

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6. A Estratégia militar Sexta Parte O Terrorismo Transnacional – Contributos para o Seu Entendimento 1. Conceito 2. Natureza, objectivos e estrutura

117 123 124 124 126

3. Apoios financeiros e outros 4. Recrutamento

132 135

5. A análise estatística Sétima Parte As Ameaças Transnacionais e a Segurança

141 148 149

1. A Segurança dos Estados e as ameaças transnacionais 2. Uma possível análise das principais ameaças transnacionais

149 157

2.1 A proliferação de Armas de Destruição Massiva 2.2 O crime organizado transnacional

157 160

2.3 A SIDA 2.4 A degradação do ambiente 3.7 Portugal e os Estados fracos: Estratégias de resposta. Bibliografia e Fontes

166 176 201 208

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Acrónimos

Apsic — Acção Psicológica CEDEAO — Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental CIMIC/CMA — Assuntos Civis Militares COMINT — Communications Intelligence COW — Correlates of War Project C2W — Command and Control, Warfare DEA — Drug Enforcement Agency EMP — Empresas Militares Privadas ETTA — East Timor Transitorial Administration (Administração Transitória de Timor Leste) EUA — Estados Unidos da América FA — Forças Armadas FND — Forças Nacionais Destacadas FM (I) — Field Manual (Interim) HUMINT — Human Intelligence IAEM — Instituto de Altos Estudos Militares IMINT — Imagery Intelligence In — Inimigo Intell — Intelligence LRPM — Long Range Precision Guided Munitions NATO/OTAN — North Atlantic Treaty Organization/Organização do Tratado Atlântico Norte NBQ — Nuclear, Biológico e Químico OCT — Organizações Criminosas Transnacionais OI — Organizações Internacionais ONG — Organização Não-Governamental ONU — Organização das Nações Unidas OPA — Operações de Apoio à Paz UA — União Africana -7-

Acrónimos

PALOP — Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PCC — Primeiro Comando da Capital PKF — Peace Keeping Force QG — Quartel-General R2P — Responsabilidade de Proteger RISTA — Reconnaissance, Intelligence, Surveillance and Target Aquisition RMC — Revolução Militar em Curso SADC — Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral SIGINT — Signal Intelligence TO — Teatro de Operações UNTAET — United Nations Transitional Administration in East Timor (Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste) USAID — United States Agency for International Development

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Ao Soldado Português

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Agradecimentos Os meus primeiros agradecimentos são Institucionais e devo-os às Forças Armadas Portuguesas, onde me orgulho de servir, pela experiência e pelas oportunidades de vida, quer operacional quer dedicada ao ensino na Academia Militar e no Instituto de Estudos Superiores Militares, onde durante anos aprendi e ensinei matérias relacionadas com as Relações Internacionais e com a Estratégia; depois ao Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, pela oportunidade de nele poder aprender e leccionar. A nível pessoal o meu primeiro agradecimento devo-o ao Sr. Professor Adriano Moreira, meu Mestre e a quem tenho o privilégio de poder chamar Amigo, pelo exemplo de servir e por ter acreditado em mim. São inúmeros os camaradas de armas e colegas com quem debati, aprendi e reflecti sobre os Estudos da Guerra e da Estratégia, e sem os quais o presente livro não teria sido possível. Sem ser exaustivo, não posso deixar de destacar os Oficiais Generais Ramalho Eanes, Pedro Cardoso, Espírito Santo, Loureiro dos Santos, Pinto Ramalho, Abel Cabral Couto, Lopes Alves, Rodrigues Viana, Carlos Chaves, Mora de Oliveira, Pereira Agostinho, Martins Branco, Miguel Júnior e -11-

Agradecimentos

Gilberto Veríssimo; os Almirantes Ribeiro Pacheco, Ferraz Sacchetti, Reis Rodrigues e Silva Ribeiro e, nos ambientes do IESM/IDN/AM, a Gomes Bessa, Caçorino Dias, Sanches Osório, Brandão Ferreira, Martins Pereira, Vieira Borges, Xavier de Sousa, Rui Clero, Barreiro dos Santos, Rui Ferreira, Ricardo Monsanto, Valente Marques, Amaral Lopes, Dias Martins, Beja Eugénio, Sérgio Carriço, Viegas Nunes, João Leal, Pires Lousada, Octávio Avelar, Renato Pinheiro, Francisco Rodrigues, Luís Carrilho, André Elias, Cabral Gomes, António Oliveira, José Simões, António Meneses, Rui Vieira, Reis Madeira, Santos Madeira, Francisco Carapeto e Reinaldo Hermenegildo. No meio Universitário e civil gostaria de agradecer especialmente aos Professores Manuel Braga da Cruz, Carlos Espada, Silva Cunha, Amaro Monteiro, António Telo, Carlos Monjardino, Armando Marques Guedes, Carlos Gaspar, Carvalho Rodrigues, Ernâni Lopes, Miguel Monjardino, Jaime Nogueira Pinto, Manuel Almeida Ribeiro, Eduardo Costa Dias, Bacelar Gouveia, Regina Flor de Almeida, Bernardo Ivo Cruz, Ramiro Ladeiro Monteiro, Helena Carreiras, Isabel Nunes, Heitor Romana, Raquel Patrício, Paula Brandão, Francisca Saraiva, Mónica Ferro, Constança Urbano de Sousa, Sónia Neto, Pedro Rebelo de Sousa, José Fontes, Nuno Carvalho, Gabriel Bastos, Daniel Sanches, Paulo Teixeira Pinto, Miguel Viana, José Manuel Barroso, Carlos Santos Pereira, Lobo do Amaral, Suzete Abreu, Sofia Menezes e Madalena Requicha. Hoje, noutro contexto, pela visão da prática estratégica, não posso deixar de agradecer aos meus camaradas e colegas, nomeadamente aos da Delegação Portuguesa junto da NATO e da REPER: Embaixador Fernandes Pereira, aos vários Ruis, Tereno, Tendeiro, Elvas, Carmo, Pereira da Silva, Luís Cabaço, André Bandeira, Mário Fernandes, Brás de Oliveira, Machado Vieira, Almeida Pereira, Sandra Magalhães e Cristina Almeida. -12-

Agradecimentos

Aos meus alunos, nas escolas militares ou civis, pelas perguntas, pelos comentários e pela exigência constante. Aos meus Pais, por tudo; Às minhas três meninas, Beta, Catarina e Mafalda, pelo apoio constante e por darem sentido à minha existência.

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Prefácio Adriano Moreira Presidente da Academia das Ciências de Lisboa Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa

A questão da interdisciplinaridade, que repetidamente exige meditar sobre o carácter circunstancial de cada arrumo das actividades de investigação e ensino, teve um ponto crítico na guerra de 1939-1945, e uma intervenção determinante nas decisões dos Estados-Maiores que dirigiram a grande coligação democrática que finalmente a ganhou. Embora o multiculturalismo tivesse precedentes numerosos na história dos conflitos militares, a dimensão quantitativa dos exércitos, a variedade dos povos envolvidos, a pluralidade desafiante de frentes terrestres e marítimas, não tinha precedente. A necessidade de organizar uma cadeia de Comando suficientemente maleável, e ao mesmo tempo eficaz, para tropas com tal variedade de identidades nacionais, étnicas, religiosas, linguísticas, e até de alimentação, não encontrava suficiente experiência histórica disponível, nem meditação teórica e prospectiva que fornecesse uma base confiável de inspiração. -15-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

O recurso ao apoio de saberes, até então menos frequentados pela actividade bélica, foi largamente exercido, pelo que, das ciências sociais, então ainda sem o estatuto de autoridade que foram ganhando, vieram apoios valiosos, e a estratégia entrou em reformulação para racionalizar uma realidade na qual era mais frequente encontrar a surpresa do que a vida habitual recolhida nas memórias. Refizeram-se as experiências de organizar redes de cooperação entre ramos de investigação e ensino, as quais articularam os subsistemas privados com os militares, a obtenção de títulos académicos, nas Universidades civis, por militares, foi-se tornando frequente, reconhecendo-se até o erro de ter eliminado, como acontecera entre nós, a antiga prática de disciplinas propedêuticas, indispensáveis ao preenchimento dos currículos das Escolas Militares, serem cursadas nas Universidade. Em Portugal, talvez deva admitir-se que foi o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES), criado em 1998, reduzido à paralisia em 2005, e finalmente extinto com displicência em 2007, que deu expressão definitiva à articulação de todos os subsistemas de ensino superior, incluindo portanto o ensino superior militar, quer de perfil universitário, quer de perfil politécnico. Entretanto, quer, entre outras, a iniciativa tomada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Universidade Técnica), introduzindo a Estratégia nos currículos, quer a posterior iniciativa do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, na área da Segurança e Defesa, consolidou a intervenção da avaliação, sujeita a idênticas exigências de qualidade, para todos os subsistemas. Militares distintos obtiveram títulos académicos em várias Universidades, públicas e privadas, muitos foram convidados para assumir regências, como reputados especialistas, nos cursos das Uni-

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Prefácio

versidades civis, e deve ser sublinhada a participação de oficiais, que tinham atingido os mais altos postos na hierarquia, nos vários ramos das Forças Armadas. No caso presente, o Tenente-Coronel Francisco Garcia não apenas obteve o grau de Doutor em História na Universidade Portucalense Infante D. Henrique, como também exerce a docência na Academia Militar, no Instituto de Estudos Superiores Militares, e na Universidade Católica. A dissertação apresentada para a agregação, que foi altamente valorada pelo júri, ela própria demonstra a dimensão e profundidade da sua intervenção científica e profissional na área. Esta intervenção académica é feita numa data em que a Estratégia parece encaminhada para ser uma Crítica da Estratégia Pura, porque a época, em todos os domínios, das ciências da natureza à economia, da vida privada à política, da ordem interna à ordem internacional, é de incerteza: juízos de certeza, juízo de probabilidade, são afastados pela débil capacidade de formular apenas frágeis juízos de possibilidade, tão mutáveis são as circunstâncias, no sentido de Ortega, tão inseguras ou desactualizadas se encontram as clássicas referências de boa conduta. O autor pertence à nova geração de oficiais conscientemente orientados para responder à incerteza, o que mais exigente torna a preservação do eixo da roda, que são os valores, incluindo o prestígio reconhecido pelas comunidades às suas Forças Armadas. O relativismo que cresce nas sociedades ocidentais também exige atenção a esta exigência básica, uma atenção que é sobretudo dever dos poderes políticos.

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Introdução A Guerra tem expressão em todas as regiões do mundo, constituindo uma das maiores preocupações da humanidade. O tema da Guerra inspirou a literatura, a arte, a música e tem sido central para todos os estudiosos das relações internacionais, historiadores, analistas, políticos e militares. Como fenómeno global que é, a Guerra desafia todos os aspectos das sociedades onde ocorre. Nesta ordem de ideias, o seu estudo é imprescindível para dar resposta a um conjunto de perguntas complexas como: · O que é e por que razão surge a Guerra? · Quais são as tipologias da Guerra? · Como se pode caracterizar a Guerra na actualidade? · Que modalidades de Guerra tenderão a prevalecer? · Qual o posicionamento da entidade Estado como estrutura política no novo contexto internacional? · O uso da Força nas Relações Internacionais ainda é útil? · Porquê, e por quem é a Segurança dos Estados e das pessoas ameaçada? · Que estratégias adoptar para enfrentar essas ameaças?

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Estas interrogações acerca da Guerra e da Estratégia constituem o centro do livro aqui apresentado. Na verdade, estas interrogações estão connosco há cerca de 17 anos e levaram-nos a uma longa viagem de exploração intelectual e a um conjunto de experiências profissionais como Oficial do Exército, cujo início pode ser retrospectivamente atribuído aos começos da década de 1990. Foi nessa altura que comecei a redescobrir algo que tinha inicialmente absorvido nas longas conversas com o meu pai sobre a Guerra em África e que depois fui aprofundando durante a minha licenciatura em Ciências Militares na Academia Militar. Não sendo este o local para recordar em detalhe estas histórias, parece-me suficiente dizer que foi esta redescoberta que me levou a esta viagem da qual este livro acabou por emergir. Essa viagem começou com o estudo de diversas obras sobre a ora generalizadamente chamada guerra colonial, época em que tive o privilégio de conhecer o General Pedro Cardoso e o Professor Silva Cunha, que insistiram que eu devia frequentar um mestrado e aprofundar os meus conhecimentos sobre aquela temática. Aceitei o desafio e, após a conclusão do mestrado parti, também a convite do Professor Silva Cunha, para outro desafio, o doutoramento. A minha vida profissional ao serviço do Exército Português permitiu-me ainda estar em locais como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste, territórios que enfrentavam guerras civis, atravessavam processos de paz ou, no caso do último, que se encontravam sob administração das Nações Unidas. Esta experiência profissional permitiu-me consolidar os ensinamentos dos meus estudos, aplicá-los e adquirir, no terreno, uma visão diferenciada sobre a Guerra e o papel fundamental das Forças Armadas. Esta minha viagem de exploração intelectual não teria sido possível se não tivesse estudado sob a orientação do Professor Silva Cunha -20-

Introdução

e do General Pedro Cardoso e se não tivesse tido o privilégio de conversar, aprender e trabalhar com o Professor Adriano Moreira e com o General Pinto Ramalho, vivências que a meu ver constituíram uma tremenda experiência educativa. Depois do meu doutoramento, que foi reconhecido com o Prémio Defesa Nacional e que levou à sua publicação1, continuei a leccionar na Academia Militar e a convite do Professor João Carlos Espada, fui leccionar para o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, a disciplina de Polemologia no programa de Mestrado e Doutoramento em Ciência Política, Relações Internacionais – Segurança e Defesa; programa hoje solidamente estabelecido em Portugal e solidamente implantado numa rede internacional de algumas das melhores universidades, sobretudo de língua inglesa. A minha colocação no Instituto de Estudos Superiores Militares como professor de Estratégia dos diversos cursos ali ministrados veio a ocorrer só após ter concluído, como primeiro classificado, o Curso de Estado-Maior. Apesar da minha profissão, consegui manter a minha pesquisa sobre a Guerra e a Estratégia, sobretudo através do ensino e da orientação e coordenação de trabalhos académicos e de investigação. Tive ainda a felicidade de poder trabalhar e aprender com alguns dos melhores professores e profissionais, nacionais e estrangeiros, na área das Relações Internacionais. Deste longo processo, emergiu o programa da disciplina que submeti às minhas Provas de Agregação no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Este livro emerge de reais interrogações que enfrentei ao longo

Garcia, Francisco Proença (2003) – Análise Global de Uma Guerra (Moçambique 1964 - 1974). Lisboa: Prefácio Editora. (Prefácio do Professor Adriano Moreira e Posfácio do Professor Amaro Monteiro).

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

da minha actvidade profissional como militar e académico. E é um facto, de que me orgulho, que a proposta global aqui apresentada não existia quando comecei a leccionar há cerca de doze anos atrás. A visão que se segue é o produto de uma longa procura e evolução, feita de avanços e recuos, caminhos ensaiados e depois corrigidos, por vezes mesmo abandonados. Uma boa parte da evolução ficou a dever-se à interacção com os alunos, ao diálogo crítico com vários colegas docentes e militares, à reflexão sobre as suas reacções, interrogações, observações e dificuldades. A todos eles, que seria impossível aqui mencionar, bem como ao Exército e à Universidade Católica que me proporcionaram esta caminhada, a minha profunda gratidão. O livro compreende sete partes fundamentais. Na primeira abordamos o estudo científico do fenómeno da Guerra através de aproximações quantitativas, um método hoje profusamente utilizado. Depois descrevemos a base de dados do Correlates of War Project (COW), que teve como objectivo a compilação de uma significativa quantidade de informação reproduzível para permitir o apoio ao estudo científico do fenómeno. A constatação de novas tendências na Guerra exigiu a construção de novas bases de dados que incluem grupos comunais e outros actores não-territoriais, a par das listagens tradicionais de Estados. Assim, analisamos ainda trabalhos posteriores ao COW e que deram continuidade àquele projecto, findando com uma pequena análise das tendências de futuro destes estudos quantitativos. Na segunda parte, cientes de que são inúmeros os critérios de abordagem e de classificação do fenómeno da Guerra, procuramos identificar alguns conceitos para o termo “Guerra” e propomos o nosso próprio conceito; depois descrevemos os espectros da Guerra e das Operações Militares adoptados nas escolas militares portugue-22-

Introdução

sas, identificando as diferentes tipologias que aí surgem, sendo de salientar que o facto de se empregar a força, decorrerem operações militares e de existirem baixas, não significa que as Forças Armadas estejam numa situação tipificada como de guerra. Feita aquela descrição, reflectimos sobre a utilidade do uso da força, para posteriormente procurarmos identificar outros conceitos e algumas possíveis e novas tipologias de guerra não abrangidas por aqueles espectros e que, com frequência, encontramos na bibliografia de referência sobre esta temática. Na terceira parte, descrevemos em primeiro lugar o complexo Sistema Internacional, para depois nos restantes capítulos podermos efectuar uma análise da conflitualidade nesse mesmo Sistema. Procuraremos, assim, mostrar que houve uma transformação significativa dos conflitos armados. Nesta terceira parte, analisamos ainda a perda do monopólio do uso da Força pelo actor Estado, mostrando que emergiram novos actores que competem com ele, o que levou a que estas guerras fossem apelidadas de novas, e onde se assiste a uma desmilitarização do conflito. Nesta nova conflitualidade emergiu também um novo e subtil instrumento nas Relações Internacionais, as empresas militares privadas, que acabam por vir enfatizar a utilização do termo civilinização, cujo significado explicaremos. Na quarta parte iniciamos a abordagem ao estudo da Estratégia. Nesse sentido entendemos efectuar no primeiro capítulo uma breve análise da evolução do conceito de Estratégia, para depois passarmos a uma análise do fenómeno da subversão e da Estratégia a ele associada, da sua caracterização e evolução, de quais as suas principais causas e tipologias, identificando ainda as premissas que acompanham o fenómeno. A quinta parte efectua uma análise da Estratégia de resposta que o poder formal dispõe para enfrentar a subversão, ou seja, da Es-23-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

tratégia da contra-subversão. Partindo do princípio de que qualquer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no espaço e em tempo próprios, e que deve ser equacionada para fazer face à tipologia subversiva identificada, idealizámos um modelo de análise que tem por base os principais actores do fenómeno subversivo. Sobre estes mesmos actores aplicámos diversos processos e técnicas, cuja combinação, integração e coordenação formam a estratégia contra-subversiva, que é total, actua ao nível interno e externo, directa e indirectamente, anti-lassidão, carecendo de uma coordenação muito estreita de cinco estratégias gerais que constituem a base do nosso modelo de resposta: político-diplomática, socioeconómica, psicológica, informações e militar; todas visando a conquista da adesão das populações. Efectuada a identificação das integrantes da estratégia total contra-subversiva, efectuamos a análise de cada uma das estratégias gerais de per si. Na sexta parte, organizada em cinco capítulos, efectuamos uma breve análise de uma das principais ameaças transnacionais à segurança, o terrorismo transnacional. No primeiro capítulo procuramos caracterizar o fenómeno, para depois no segundo abordarmos os seus objectivos, a sua natureza e tentarmos perceber um pouco a sua estrutura. O terceiro capítulo aborda a complexa teia dos apoios, sobretudo financeiros, centrando-se o quarto no processo de recrutamento e, por último, fazemos uma breve abordagem à análise estatística do fenómeno. Na sétima e última parte do nosso livro iremos analisar as ameaças transnacionais mais significativas com que os Estados se deparam para além do terrorismo, começando pela proliferação das Armas de Destruição Massiva, passando para o crime organizado transnacional, a SIDA, a degradação do ambiente e o fracasso dos Estados. -24-

Introdução

Desta análise verificaremos que hoje as ameaças são globais e que as respostas preconizadas para as enfrentar têm também elas de ser globais. Uma vez identificado e analisado o problema, apresentaremos a nossa proposta de modalidades gerais de acção estratégica para lhe responder. Modalidades que têm de ser directas e indirectas e têm que entrar em linha de conta com as diversas estratégias gerais, sendo a eficácia das mesmas subsidiária da adequada coordenação multi-institucional e de uma arquitectura de segurança cooperativa. Esta parte não ficaria completa sem antes efectuarmos uma contextualização da problemática e uma abordagem, ainda que sintética, da evolução do conceito de Segurança. Por fim descrevemos os contributos de Portugal em resposta ao fracasso dos Estados, procurando assim o reconhecimento internacional como Estado “produtor” de Segurança Internacional. Para a concretização do objectivo proposto utilizámos essencialmente a pesquisa em monografias, em publicações em série e, privilegiámos a análise da documentação legislativa e oficial. Tivemos ainda presente que a Polemologia e a Estratégia, pela pluralidade de perspectivas que podem ser chamadas a integrar a temática que daquelas Ciências se reclame, determinam o recurso a outras áreas das Ciências Sociais como, por exemplo, o Direito, a Sociologia, a História, as Relações Internacionais e a Geopolítica. Esta confluência possibilitou, julgamos, uma maior precisão do campo de trabalho e maior nitidez quanto ao desenvolvimento do nosso estudo.

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Primeira Parte

Subsídios para o Estudo da Guerra2 Desde o início dos tempos que ocorreram guerras em todas as partes do mundo. Este tema que inspirou a literatura, a arte e a música tem sido uma preocupação de longa data também entre historiadores, analistas, políticos e militares. A instituição do sistema de congressos em Viena no ano de 1815 marca o início de um longo período de hegemonia inglesa, em que os Estados vão estar sobretudo preocupados com a revolução industrial. Na primeira metade desse século são poucos os conflitos entre os grandes poderes. Na segunda metade, a grande preocupação vai para as inúmeras intervenções inglesas e francesas num esforço de conter ambições russas e austríacas em relação ao Império Otomano, base originária da guerra da Crimeia (1853/1856) que provocou 270 mil baixas militares. Com o emergir de novos poderes (EUA, Itália, Alemanha unificada e Japão), o Sistema Internacional evolui de unipolar para multipolar. Com o novo sistema surge também um novo padrão de 2 Este tema, agora revisto e ampliado, foi inicialmente tratado para uma Conferência no Instituto da Defesa Nacional a 29 de Setembro de 2003, subordinada ao tema “Tipologias de Guerra” e posteriormente publicado na Revista Militar de Novembro de 2003, p. 1103-1136. Dediquei-me depois ao desenvolvimento deste assunto e acabei por publicar conjuntamente com Francisca Saraiva uma versão mais documentada do mesmo na Revista Estratégia, Vol. XV, (2005), p. 189-206.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

conflitos entre os grandes poderes: estes passam a ser mais frequentes, mais rápidos, mas com menos baixas. O conflito mais intenso neste período foi a guerra franco-prussiana, que provocou 180 mil baixas militares. Na segunda metade do século XIX os grandes poderes empenhamse nas guerras de império, com as campanhas de pacificação após Berlim. São guerras por norma numerosas, curtas e pouco intensas. O século precedente iniciou-se com a guerra dos Boers (18991902), depois, e no imediato, a russo-japonesa (1904-1905), seguida da guerra italo-turca (1911, ocupação da Tripolitânia, na Líbia) e, por fim, as guerras balcânicas. As rivalidades entre as grandes potências e o agudizar dessas rivalidades conduz a um novo período de guerras globais que se estende de 1914 a 1945. Neste período, que marca a transição da hegemonia inglesa para a americana, surgem duas Grandes Guerras. A 1ª com 7,7 milhões de baixas militares em quatro anos, o triplo das napoleónicas (dez vezes mais em termos de média anual) e a 2.ª com 12,9 milhões de baixas militares. No período de paz tensa entre as duas Grandes Guerras surgiram inúmeros pequenos conflitos. Em 1919, entre a Turquia e a Grécia, depois, em 1926-1937, a guerra civil chinesa, ano em que se inicia também a guerra com o Japão, em 1936 a guerra na Etiópia, em simultâneo com a eclosão da guerra civil em Espanha. O pós-Segunda Guerra Mundial é caracterizado pela rivalidade da Guerra Fria: uma rivalidade entre os grandes poderes no campo económico, ideológico e político, constituindo a força militar um dissuasor. Este período é caracterizado pelos inúmeros conflitos nas zonas de confluência dos interesses das grandes potências, que se enfrentavam por locução interposta. Era no fundo uma verdadeira Terceira Guerra Mundial, que começa na Coreia e continua com as -30-

Subsídios para o Estudo da Guerra

guerras de “libertação” na Indochina, Argélia, Angola, Guiné e Moçambique, entre muitas outras. No Médio Oriente foram as guerras entre árabes e israelitas em 1948, 1956, 1967, 1973 e 1982. Nesta região ainda hoje persiste uma complexa guerra entre palestinianos e israelitas, Hizbullah e Israel, o Exército do Líbano e facções da al-Qaeda, e também a recente guerra civil entre palestinos. Os EUA enfrentaram a guerra do Vietname, de 1964 a 1973, e em 1979 a União Soviética invade o Afeganistão, onde permanecerá 10 anos, favorecendo o emergir do movimento islamista internacional de freedom fighters e/ou de terroristas anti-ocidentais, conforme se queira considerar. Na América Latina foram sucessivos os Golpes de Estado bem como a instalação de um clima de violência quase generalizado. Nos anos de 1980 (1982) a Argentina desafiou uma potência europeia (Reino Unido) na guerra das Malvinas/Falkland. Entre 1979 e 1988 iranianos e iraquianos enfrentaram-se na 1.ª Guerra do Golfo; em 1990 é formada uma coligação internacional contra o Iraque, procurando libertar o Kuwait. Em África não se evitaram as inúmeras guerras civis (Angola, Chade, Libéria, Moçambique, Serra Leoa, Congo, Ruanda, Costa do Marfim, Guiné-Bissau); na Ásia a revolta Tamil no Sri Lanka, os sucessivos conflitos entre a Índia e o Paquistão, onde existe a ameaça nuclear; as acções de afirmação/imposição de soberania dentro da Indonésia (Timor-Leste e Acheh), para novamente nos anos de 1990 a guerra voltar à Europa, nos Balcãs. No fundo, o século XX foi um século repleto de violência, com perto de 200 milhões de baixas provocadas por uma centena de guerras, sendo a arma mais mortífera a AK 47/74 Kalashnikov (Bouvet e Denaud, 2001; p. 11). -31-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Com a implosão a Leste, o mundo deixou de ser bipolar e, em vez de uma era de Paz Kantiana, o mundo emergiu numa verdadeira epidemia de guerras. Conflitos horrendos, nos quais foram cometidas atrocidades da maior barbárie, que pareciam anunciar um regresso violento a um primitivismo desumano. Samuel Huntington (1996) chama a estes conflitos fault-line wars, confrontações esporádicas ao longo das linhas de fractura/fronteiras que separam as grandes civilizações. Para este autor o choque das civilizações substituiria a rivalidade das superpotências na ordenação das prioridades na política externa de Estados. Outros autores, reconhecendo que o conceito de Estado está em profunda revisão, e os próprios Estados em mudança acelerada, consideram que o mundo está a enfrentar uma situação de neo-medievalismo (Berzins e Cullen, 2003), ou mesmo um eventual regresso ao primitivismo (Kaldor, 2001; p. 91-96). Este terceiro milénio continua cheio de incertezas. São evidentes as mudanças profundas na conjuntura internacional. A ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a um período de instabilidade anormal, com uma ampla série de focos de convulsão regionais e múltiplos radicalismos, riscos e perigos, uns novos, outros antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações dos Estados. A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças e riscos, alguns já hoje manifestos, outros todavia larvares. Aquilo com que nos confrontamos já não é a “guerra irregular” típica do anterior sistema internacional; é a violência assimétrica permanente, sem uma origem clara, que pode surgir em qualquer lugar, típica do mundo tendencialmente unipolar do pós-Guerra Fria (Telo, 2002; p. 222). Se após Vestefália, mas sobretudo após o Congresso de Viena, o Estado passou a ser o principal actor dos palcos de Guerra, a partir da década de noventa do século XX, surgem outros e novos actores -32-

Subsídios para o Estudo da Guerra

a disputar o papel principal; actores como senhores da guerra locais, organizações criminosas ou mesmo o terrorismo transnacional. Na actualidade as guerras passaram a ser uma mistura explosiva de aleatório e de determinismo (Thual, 2001; p. 69). As novas guerras surgirão na procura de acesso a um recurso escasso, como o petróleo, a água ou mesmo a informação. Segundo Jacques Sapir (2001; p. 115-117) assistiremos a guerras que utilizarão vírus ou programas informáticos para bloquear os sistemas de comunicação e transmissão de dados; guerras provocadas pela alteração da relação de forças entre actores não-estaduais e os Estados; guerras financeiras com o objectivo de desequilibrar mercados e guerras contra ou entre grupos criminosos, deixando os Estados de possuir o monopólio do uso da violência (Weber, 1946). Nesta breve apresentação, e até ao momento, temos feito a descrição de um mundo onde parece imperar de uma forma permanente a violência armada global, ou seja, a Guerra, que é de longe a mais destrutiva de todas as actividades humanas. Mas afinal o que é a Guerra? Para compreendermos um fenómeno temos de ser capazes de descrevê-lo, e esta máxima popular é particularmente pertinente para a Guerra, uma vez que o termo surge para caracterizar um vasto conjunto de situações em determinados contextos e períodos históricos, assumindo formas diversas e que variam ao longo do tempo. Difícil de analisar, desde a antiguidade que filósofos, teólogos, biólogos, matemáticos e politólogos abordam a guerra nas suas múltiplas expressões. Nem sempre satisfatórios, os resultados confirmam que existem no presente razões sérias para continuarmos a tentar perceber os seus contornos exactos. O primeiro passo parece ser, assumirmos que não há fenómeno social cujas causas sejam simples ou lineares. Têm por isso mérito -33-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

os filósofos, historiadores e especialistas em relações internacionais que desde o século XVIII procuram, persistentemente, compreender as “causas da guerras” que opõem tantas vezes os Estados. Já a evidência de que é necessário construir metodologias sistemáticas de base quantitativa na análise da guerra é algo muito mais recente. Por razões que têm muito a ver com as duas Grandes Guerras do século XX, as ciências sociais interessaram-se, nos últimos 40 anos, por conquistar um espaço difícil: o estudo científico da guerra segundo critérios aceites pelas ciências naturais. Nesta primeira parte do nosso livro vamos abordar precisamente o estudo científico do fenómeno da Guerra, descrevendo o Correlates of War Project, que teve como objectivo a compilação de uma significativa quantidade de informação reproduzível para permitir o apoio ao estudo científico do fenómeno, analisando ainda os trabalhos posteriores e que deram continuidade àquele projecto, findando com uma pequena análise das tendências de futuro destes estudos quantitativos.

1. O despertar dos estudos quantitativos da Guerra A vontade de aprofundar de forma mais sistemática e “científica” os estudos sobre as causas da guerra e da violência, bem como as condições da paz e as possíveis relações entre eles tem-se tradicionalmente desenvolvido no seio da Peace Research. Integrando-se com naturalidade nas ciências sociais, estes estudos assumem uma abordagem claramente multidisciplinar3. No que respeita aos seus Actualmente a Peace Research adopta uma agenda muito mais alargada, interessando-se por todas as formas de violência e injustiça, a temática do desarmamento nuclear e alternativas ao modelo estratégico da dissuasão nuclear.

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primórdios, nos anos de 1960, talvez por reacção contra as correntes que entendiam as ciências sociais como estudos de pouco rigor científico, os investigadores da paz adoptaram uma metodologia marcadamente positivista, behaviorista e quantitativa (muito em voga na Teoria das Relações Internacionais da altura) no estudo do conflito e da violência. Hoje, como adiante veremos, há já sinais prenunciadores de uma mudança de atitude no sentido da assimilação de outras metodologias (Genest, 1996). Na comunidade da Peace Research a necessidade de apurar as causas das guerras teve desde sempre uma ligação estreita ao posicionamento normativo dos investigadores: o desejo de, num futuro próximo, diminuir a frequência do fenómeno é muito significativo. Assim – e este traço é complementar do primeiro – abandonase a via tradicional de especulação sobre o tema da guerra, a que se seguia normalmente um estudo detalhado de guerras particulares. De facto, no passado, as teorias sobre as causas não procuravam a validação empírica, o que não torna totalmente impossível levantar algumas interrogações quanto ao seu poder explicativo. De concreto, podemos afirmar que, diferentemente desta visão clássica, as análises quantitativas, de cariz indutivo, divergem no que respeita às assunções empíricas e epistémicas. O princípio de que o sistema global e os grupos sociais que dele fazem parte actuam segundo padrões regulares e relativamente recorrentes não sofre contestação entre os investigadores. Mas, acrescente-se, estas regularidades não têm natureza determinística, uma vez que estas leis traduzem distribuições estatísticas no domínio das probabilidades (Vasquez, 2000). É preciso acentuar que o objectivo último destas análises passa por construir uma teoria geral da guerra, generalizável através da comparação de um elevado número de guerras a fim de perceber -35-

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o que têm em comum. É de reconhecer que ainda estamos, no momento presente, muito longe de uma teoria científica geral da guerra, mas que já se coligiram dados suficientes, podendo extrair-se algumas conclusões, ainda que provisórias. Este balanço acontecerá mais à frente na nossa exposição. De momento, interessa tomar contacto com algumas dificuldades metodológicas associadas aos estudos científicos da guerra. Desde logo, os trabalhos desenvolvidos no âmbito da Peace Research não podiam ignorar dois importantes problemas teóricos que se colocavam à sua agenda de trabalho: primeiramente, antes mesmo de se operacionalizar o conceito de guerra, é necessário esclarecer o que se procura apurar com as “causas da guerra”. Em segundo lugar, quanto à tipificação da guerra a questão continua ainda hoje viva entre os estudiosos da violência, mantendo-se os seus contornos permanentemente em aberto. Relativamente à primeira questão, e acompanhando em absoluto o raciocínio de Hidemi Suganami (2001), estamos perante três questões substancialmente diferentes: 1. Por um lado, pode ser nossa intenção elencar as causas que têm que estar presentes para as guerras ocorrerem; 2. Em alternativa, pode ser útil apurar em que circunstâncias as guerras ocorrem mais frequentemente; 3. Finalmente, o nosso objectivo pode passar por compreender como surgiu uma determinada guerra em particular. O primeiro ponto remete para as condições necessárias da guerra (genericamente as “causas da guerra”). No segundo caso o estudo visa as correlações da guerra, as “causas das guerras”. Finalmente, existe a possibilidade de a análise se centrar exclusivamente numa guerra particular: neste caso o que essencialmente procuramos é, -36-

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de facto, a sequência total de eventos que levam à eclosão dessa mesma guerra. As “causas da guerra” e as “causas das guerras” são matérias distintas mas não matérias independentes. Deste modo, para se apreciarem convenientemente as causas deste fenómeno – entenda-se as “causas da guerra” – é necessário estudar o maior número possível de guerras. Eventualmente será de esperar um número relativamente reduzido de causas comuns num elevado número de ocorrências. A tradição do estudo científico da guerra conhece muito bem esta realidade. Pode dizer-se que os estudos quantitativos da guerra presumem que as causas das guerras, ou pelo menos no caso das mais importantes, têm uma associação estatística com a ocorrência da guerra. Assim, o objectivo não é outro senão a observação de um número alargado de guerras para identificar as condições associadas à guerra como fenómeno social geral, procurando definir um padrão. Outra questão, mais difícil, é estabelecer uma relação de causa e efeito: o que é certo é que uma mera correlação estatística não é suficiente para estabelecer essa relação. Muito mais importante que esta consideração convém realçar que estes estudos sobre a guerra têm uma dimensão mais profunda, na medida em que valorizam a descoberta de factores que promovam a paz. Passando para a segunda questão, a tipificação da guerra (ao qual dedicaremos a segunda parte deste livro), convirá porventura realçar as dificuldades, que não são de hoje, em torno do que se entende por guerra. Na acepção mais tradicional alguns aspectos contribuem para singularizar determinadas manifestações de violência como guerra, nomeadamente: o facto de ser um conflito travado entre grupos políticos, especialmente Estados soberanos; em segundo lugar, o recorrer a forças armadas e, como último elemento, a sua considerável -37-

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magnitude e considerável período de tempo em que se desenvolve (Wright, 1965). Tal como foi enunciada, a caracterização vestefaliana de guerra (característica concebida como tendo lugar entre Estados) tem actualmente duvidosa operacionalidade, senão em todos os lugares pelo menos em determinadas zonas do mundo e tempos históricos. Mas, muito longe da importância da sua caracterização ter decrescido, é candente compreender os problemas a resolver. Primeiro, há que realçar que a violência global extravasa em muito o fenómeno da guerra na acepção proposta, encontrando-se num processo de franca difusão no planeta. Por isso, há lugar para reequacionar o limiar da guerra – a barreira que a separa de outras manifestações políticas de violência – uma vez que parecem existir novas tipificações de guerra que importa considerar e que apontam para uma dissolução da distinção entre forças armadas/população civil, guerra/crime internacional/terrorismo e ainda a aparente desvinculação estatal e desterritorialização da luta. Não nos restam dúvidas de que nos próximos anos este será certamente um dos desafios mais interessantes para a Peace Research. Embora o estudo da guerra pelo método científico tenha quase 50 anos, temos que procurar as raízes desta tradição científica apontando os precursores: no século XIX é de realçar Jean de Bloch (1899)4 e, já na primeira metade do século XX, Pitirim Sorokim (1937)5, Lewis Richardson (1939) e Quincy Wright (1942, actualizado em 1965). De facto, deve-se a um professor de Direito Internacional, Quincy Wright, nos EUA, e a Lewis Fry Richardson, um meteorologista e

Economista polaco. Faz a história da guerra quantitativa ao longo de vários séculos em 6 volumes. Podemos consultar ainda Jean de Bloch (1903). As análises de Pitrim Sorokin, sociólogo russo, assumem um carácter muito mais sociológico e cultural. 4

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pacifista no Reino Unido, o lançamento, sem conhecimento mútuo, das bases quantitativas para o estudo da guerra. Estávamos em plena década de 1930. Wright ficou na história por ter chamado a atenção para o facto de a guerra ter causas múltiplas. Apontou quatro factores que estarão na sua origem: 1) tecnologia militar; 2)direito, especialmente em relação à guerra; 3) organização social e política e, 4) os valores culturais (Dougherty e Pfaltzgraff , 2001; p. 283). Richardson, por seu lado, preocupava-se com a ausência de rigor na delimitação e caracterização do universo de análise nos estudos de caso históricos. Nesse sentido, via toda a necessidade de operacionalizar correctamente conceitos. Em 1960, na sua obra Arms and Insecurity estudou pela primeira vez a dinâmica da corrida aos armamentos em linguagem matemática, ou seja, recorrendo a um método empírico. No Statistics of Deadly Quarrels, do mesmo ano, tentou pela primeira vez identificar as correlações estatísticas da guerra. As suas descobertas não esclarecem totalmente os padrões da guerra mas permitiram acreditar que a matemática e estatística podem ser trazidas para o estudo destes assuntos. Refira-se que quase nenhum dos seus estudos foi aceite para publicação em vida. Estes estudos ajudaram a efectuar a transição das análises descritivas (Howard, 1976) para o movimento de investigação científica da paz, marcado pela análise quantitativa da obra de David Singer (1968) Quantitative International Politics: Insights and Evidence.

2. O Correlates of War Project e os trabalhos posteriores A Peace Research viria a assumir-se como campo do saber apenas nos finais dos anos de 1940, início dos de 1950. Foi em França, no -39-

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ano de 1945, que se criou o primeiro instituto ligado a estas temáticas, o Institut Français de Polemologie. Mais tarde, em 1957, no ambiente da Universidade de Michigan foi fundado, pela mão de Anatol Rapoport e Lewis Richardson, o Journal of Conflict Resolution: A Quarterly for Research Related to War and Peace. Aqui as investigações empenhavam-se muito no objectivo de mudar o mundo. Foi igualmente na Universidade de Michigan que arrancou o Center for Research on Conflict Resolution onde se desenvolveu o incontornável Correlates of War Project (COW), liderado por J. David Singer. O projecto COW, que arrancou em 1964, tem como objectivo compilar uma grande quantidade de informação quantitativa, reproduzível e que pudesse dar apoio ao conhecimento científico da guerra. Esta linha de pesquisa não foi abandonada, continuando hoje a recolher um grande número de informações sobre o fenómeno da guerra. Um dos aspectos mais importantes do estudo tem que ver com a sua base probabilística, acreditando-se que é possível encontrar regularidades no estudo da guerra, que assim ajudam ao confronto empírico das teorizações existentes. Como ideia de partida, este grupo de especialistas começou a construir uma enorme base de dados com que pudesse identificar e depois medir as características das guerras desde o Congresso de Viena (1815), para alguns o início do moderno sistema de Estados, estendendo-se o estudo até 1965. O resultado é o livro de David Singer e Melvin Small, de 1972, The Wages of War. O método é indutivo: primeiro fazem-se observações empíricas e não assunções abstractas, com o objectivo de tentar encontrar padrões – regularidades empíricas . Nesta obra conclui-se que, nos anos considerados, 60% das guerras entre Estados envolveram pelo menos uma grande potência. Não podemos deixar de notar que esta metodologia constitui, em larga medida, uma ruptura com autores clássicos como Tucídides, -40-

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Maquiavel, Clausewitz ou, mais recentemente, Waltz e outros pensadores realistas que provam as suas teorias fazendo inferências a partir da análise de casos históricos isolados. De facto, o projecto COW partilha com os antecessores o carácter indutivo, mas simboliza um avanço em relação a Wright e Richardson quanto à operacionalização da guerra: reconhece-se que fenómenos como conflitos intergrupos, escaramuças de fronteira ou actos terroristas isolados que envolvam muito poucas mortes se situam abaixo do limiar de violência que define a guerra. Difere igualmente das análises anteriores no período de tempo que contempla (1816-1965), bem como nas variáveis que podem eventualmente correlacionar-se com o aparecimento de guerras entre Estados. Um dos aspectos mais estimulantes desta base de dados é o facto de se terem incluído na análise os factores mais valorizados por décadas de teorização realista. Ao longo do tempo, o realismo tinha lançado a ideia de que a proximidade geográfica entre Estados, o papel das alianças e o impacto das capacidades materiais no comportamento internacional dos Estados sintetizam no essencial a problemática da guerra. Como já se realçou noutro lugar, o objectivo é, pouco a pouco, proceder à identificação dos factores que co-aparecem na guerra (Vasquez e Henehan, 1999), sem procurar as causas que lhe estão na origem. A base de dados do projecto COW tem sido tão frequentemente utilizada em todo o mundo que vale a pena referir algumas das definições de que se socorre. Em primeiro lugar, importa não perder de vista o critério de classificação dos Estados adoptado neste estudo. Consideram-se Estados os países com uma população de pelo menos 500 000 pessoas e que pertençam à Sociedade das Nações Unidas ou ainda aqueles que tenham obtido o reconhecimento diplomático de pelo menos duas grandes potên-41-

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cias (antes de 1920 esses países eram a França e o Reino Unido)7. Segundo, as condições elementares para que ocorram guerras entre Estados implicam que os conflitos envolvam pelo menos uma nação membro do sistema internacional de cada lado da contenda, resultando no total de 1 000 ou mais mortos em combate. Diz-se que essas mortes têm de ser de militares (Singer e Small, 1972). Um outro elemento importante completa a visão dos tipos de guerras: o aparecimento das guerras extra-sistémicas (coloniais e imperiais)8. Em articulação com estes bancos de dados existe um outro conjunto de dados sobre as principais guerras internas, bem como sobre disputas militarizadas entre Estados soberanos (Militarized Interstate Disputes), que não são considerados guerra (incluindo aqui as ameaças explícitas de uso da força, mobilização da força e ainda uso da força em situações que não chegam a ser de guerra)9. Nos estudos associados ao COW a guerra é tratada segundo a sua magnitude, duração e severidade. Por magnitude da guerra entendese a soma de todas as nações participantes com envolvimento activo em cada guerra; a duração da guerra traduz-se no espaço temporal que decorre entre o seu início até ao seu término. Quanto à severidade, entende-se que essa dimensão se traduz no número total de militares mortos em combate em cada ano (1 000 mortes)10. A segunda obra que merece referência, War in the Great Power Depois disso são consensualmente consideradas a Áustria, a Hungria, a Rússia, a Alemanha, a URSS, a França, o Reino Unido, a Itália, o Japão, os EUA e a China. 8 Para os investigadores do projecto as guerras extra-sistémicas são guerras internacionais onde existe um membro do sistema internacional apenas num dos lados da guerra, resultando em 1 000 ou mais mortos em combate por ano e por membro participante do sistema (Singer e Small, 1972; 382). Numa guerra imperial existe um adversário que é uma entidade política independente, mas que não é membro do sistema de Estados. As guerras coloniais são guerras em que o adversário é colónia, dependência ou protectorado com povo etnicamente diferente e distante geograficamente ou, pelo menos, periférico do centro do governo do membro do sistema. 9 Pode ver-se Bremer Jones e Singer (1996). 10 Para estudos recentes a partir do projecto COW, ver David Singer e Melvin Small (1982). 7

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System, 1495-1975, foi escrita por Jack Levy em 1983. O autor efectuou vários estudos, em muitos pontos semelhantes ao projecto de Singer, tendo começado por definir grande poder (com dificuldades, dada a multiplicidade de abordagens possíveis) e enumerou as guerras em que os grandes poderes participaram. Em conformidade com os critérios definidos, obteve-se uma base minimamente sólida para reunir dados estatísticos. O estudo reúne dados que abarcam as guerras que provocam pelo menos 1 000 mortos militares em combate, sendo também só consideradas as guerras que têm implicações nas áreas metropolitanas, excluindo desta forma os conflitos coloniais. Este autor procura elaborar um padrão para um tipo particular de conflitos essenciais a fim de se compreender o sistema dos grandes poderes. Num esforço de síntese, cremos poder afirmar-se que as principais conclusões de Jack Levy relativamente ao período compreendido entre 1495 e 1974 convergem nos seguintes pontos: primeiramente identifica, para cada época histórica, pelo menos 4 e no máximo 8 grandes potências. Em segundo lugar detecta a ocorrência de 119 guerras, onde pelo menos uma das grandes potências esteve envolvida. De entre elas destacam-se a Guerra dos 30 anos, a Guerra da Sucessão de Espanha e da Áustria, a Guerra dos 7 anos, as Guerras da Revolução e do Império11 e as duas Grandes Guerras. Tendo como índices de medida a magnitude, a severidade e a intensidade desses mesmos conflitos, Jack Levy concluiu que em mais de metade dos anos registou-se, pelo menos, uma guerra que envolvia um dos grandes poderes. Durante estes 5 séculos, a média de baixas militares só neste tipo de guerras foi de 6 500 mortos por ano (Levy, 1983). 11

Na época de Napoleão Bonaparte.

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Se a análise for efectuada tendo em consideração apenas o critério da severidade das guerras há outros ensinamentos a retirar: neste caso, detecta-se um padrão muito diferente nos conflitos em cada período histórico. Entre 1700 e 1815, os períodos de paz são raros e curtos, duram no máximo 5 anos, sendo registados conflitos em três quartas partes daquele período temporal, marcado pela luta pela hegemonia global entre a França e a Inglaterra. São 4 os grandes conflitos que se destacam com baixas superiores a 100 mil (Guerra dos 7 anos – 992 mil), terminando o período com as guerras napoleónicas, as mais intensas até então, provocando 2,5 milhões de baixas militares em 23 anos. Jack Levy surge em 1985 com um outro estudo, este de análise crítica intitulado Theories of General War. Levy efectua uma longa análise sobre as teorias da guerra hegemónica ou geral de autores como Arnold Toynbee12, George Modelski e William Thompson13, Immanuel Wallerstein14, Christopher Chase-Dunn e Joan Sokolovsky15, Robert Gilpin16, Charles Doran17, K. Organski18 e Raimo Väyrynen19. 12 Teoria do equilíbrio de poder. A teoria cíclica de Toynbee baseada na estrutura de equilíbrio de poder foi a primeira grande tentativa de construção de uma teoria de guerra geral. Esta teoria defendia que o domínio mundial pela potência dominante levava à coligação de outras potências no sistema e a uma “guerra geral” para manter o equilíbrio de poder. Para Toynbee uma guerra destas acontece aproximadamente de século em século. 13 Teoria dos ciclos longos. A origem do sistema político global seria no ano de 1500. O sistema era caracterizado por ciclos regulares de liderança mundial e de gestão do sistema, emergindo a potência mundial de uma guerra global. As guerras globais são conflitos que determinam a constituição do sistema político global e são lutas de sucessão pela liderança precipitadas pelo surgimento de desafiadores que ameaçam ganhar uma posição de proeminência no continente europeu. Começam com casos localizados e não com contendas directas entre a potência mundial e o desafiador. Expandem-se em guerras globais quando a potência mundial teme que esta expansão continental desafie a ordem global. 14 A guerra mundial e a economia capitalista. A guerra mundial teria base territorial e envolveria (não continuamente) quase todas as grandes potências militares da época e seria muito destrutiva em termos de território e população. Ao mesmo tempo, seria uma luta centrada massivamente no território, altamente destrutiva, intermitente, com duração de 30 anos, e envolvendo todas as grandes potências militares da época. 15 A partir das teorias de Wallerstein, Chase-Dunn considerava que as guerras mundiais e a ascensão e queda das potências hegemónicas principais podiam ser entendidas como uma reorganização violenta das relações de produção à escala mundial. Posteriormente com Sokolovsky alargou o seu conceito e a guerra mundial passou a incluir compromissos militares que envolviam coligações rivais das forças estatais, onde pelo menos uma potência principal era membro de cada uma das alianças em oposição.

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Para Levy, as diferentes teorizações apresentadas oferecem hipóteses divergentes quanto às causas e consequências da guerra geral, dado que estas teorias, devido à falta de critérios operacionais completos que são um obstáculo aos testes empíricos, geraram hipóteses conflituosas e listas de guerra gerais diferentes. Assim, no estudo em análise, Levy (1985, p. 350-362) procura: · Resumir as várias teorias da guerra geral e demonstrar as inconsistências das listas existentes sobre as guerras gerais e respectivas definições; · Propor uma definição alternativa, baseando-se na estrutura eu-

Eram tentativas para dominar o sistema interestadual, e não determinavam necessariamente quais as potências dominantes no sistema. Estes autores afastaram-se da noção de que existe uma pequena classe de guerras que são fundamentalmente distintas das outras em termos das suas características ou das suas consequências para o sistema mundial. 16 Teoria da guerra hegemónica e de mudança. A guerra hegemónica tem um papel fundamental na evolução do sistema global e sistemas internacionais anteriores, governados por uma potência dominante em virtude da sua força militar e económica. Uma guerra hegemónica seria uma disputa directa entre a potência dominante ou potências num sistema internacional e o surgimento de um desafiador ou desafiadores, bem como a participação de todos os principais Estados e da maioria dos pequenos Estados no sistema. Estava fundamentalmente em jogo a natureza e a governança do sistema, pelo que as guerras hegemónicas seriam ilimitadas quanto aos meios, fins e consequências políticas, económicas e ideológicas e expandiam-se para abranger todo o sistema internacional. A distribuição internacional do poder muda com o declínio do poder hegemónico e o emergir de novos desafiadores. A potência dominante considera que expandiu os seus compromissos e que os custos da liderança não podem ser suportados por uma erosão da sua base de recursos. Tenta reduzir os seus compromissos ou expandir a sua base de recurso. A guerra hegemónica determina quem governará o sistema internacional e quem será detentor dos interesses. A nova ordem política e económica não é permanente. 17 Ciclo do poder relativo. Doran explica a evolução do sistema internacional e o despoletar de uma guerra extensiva, em termos de economia interna e da dinâmica política dos estados directores do sistema. 18 Teoria da transição de poder. A probabilidade de uma guerra geral é maior quando as capacidades militares de um desafiador insatisfeito começam a aproximar-se das capacidades da potência dominante. O desafiador que emerge iniciará uma guerra para ganhar uma influência comensurada com o seu novo poder adquirido. 19 Teoria dos ciclos económicos, transição de poder e guerra. O emergir de uma grande guerra pode ser explicado pela interacção entre longas “ondas” de desenvolvimento económico, transições de poder económico entre os grandes poderes, gestão da política internacional por alianças e pressões políticas internas. Considera estas variáveis como função das forças económicas e tecnológicas internas. Postula um ciclo de hegemonia que implica: ascensão, vitória, maturidade e declínio. A hegemonia definida em termos de predomínio económico (sobretudo produção) e liderança política global. Em vez de ciclos longos de liderança política global, vê ciclos mais curtos de hegemonia económica em simultâneo com a rivalidade. A crise provocada pela longa onda de desenvolvimento económico não leva inevitavelmente à rivalidade hegemónica e à guerra, porque as pressões geradas pelos ciclos económicos apenas são condições necessárias para a guerra, mas não suficientes.

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rocêntrica e nas proposições realistas tradicionais, com uma marcada primazia para as questões relacionadas com a segurança militar; · Sugerir critérios operacionais para a identificação das guerras gerais durante o período de cinco séculos do sistema e comparar resultados da sua lista com as outras estruturas; · Demonstrar que a maior parte das definições de guerra geral são, latu sensu, em termos das suas consequências sistémicas e que as hipóteses-chave das causas e consequências da guerra geral não deixam de ser meras tautologias. Na sua análise, Levy chega à conclusão que as teorias de Toynbee, Wallerstein, Modeslki e Thompson, Doran e Gilpin apresentam diversos pontos em comum e inúmeros pontos divergentes. O seu estudo mostra que as listas sobre as guerras não são consistentes com as respectivas definições, logo falíveis quando testadas empiricamente; um dos problemas comuns tem que ver com a definição do seu conceito central. Muitas das proposições apresentadas por aqueles autores têm que ser testadas para serem aceites como explicações válidas sobre o comportamento no sistema global. Dado que os testes comparativos de diferentes teorias são possíveis apenas em relação àquelas questões para as quais as diferentes teorias sugerem diferentes respostas, há que dar mais atenção à identificação de áreas específicas em que estas teorias coincidam e entrem em conflito. Embora Levy admita identificar algumas áreas, diz que serão necessários mais trabalhos teóricos para gerar proposições adicionais, verificáveis e conflituantes de cada uma destas estruturas. Nas suas conclusões realça ainda a importância da construção de uma teoria associada à teoria do equilíbrio de poder, uma vez que esta teoria não existe. Uma vez que o equilíbrio de poder e as hipóteses de Realpolitik -46-

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relacionadas têm dominado a literatura sobre o conflito internacional, poderão oferecer uma alternativa plausível às teorias existentes sobre a guerra hegemónica. Para Levy, as hipóteses sobre a guerra geral deviam ser construídas de forma a facilitar o seu teste crítico face a proposições conflituantes das outras estruturas, o que contribuiria para a resolução do debate acerca da guerra hegemónica e da estrutura e processos do sistema mundial através de análises empíricas e argumentos teóricos. No final do estudo em análise, Levy adianta uma teoria explicativa. Para ele, na era moderna, a maioria dos actores de todas as grandes potências foram Estados territoriais e devido à predominância dos interesses de segurança, ao facto de a primeira ameaça à segurança vir de outras grandes potências, e dado que antes do século XX praticamente todas as potências eram europeias, o sistema das grandes potências foi eurocêntrico e não de orientação global. A determinação dos Estados mais poderosos no sistema, segundo este autor, tem de se basear em dados relativos às capacidades militares; na ausência desses dados é necessário fazer juízos com base nos argumentos da literatura histórica e em dados credíveis sobre a dimensão dos contingentes militares. O requisito da participação activa da maior parte dos grandes poderes nas guerras levanta uma questão: qual o limite mínimo que deve ser usado? Pelo menos metade das potências sente uma ameaça significativa e luta pelo seu bloqueio. Levy adianta, assim, uma fórmula sobre o número mínimo de poderes beligerantes, devendo ser considerado um mais metade dos poderes restantes, ou seja, 1 + (n - 1) / 2 = (n + 1) / 2, representando n o número de potências consideradas no sistema. O requisito de conflito “substancial” também deve ser igualmente quantificado, sendo considerado que as mortes em batalha são a melhor medição da severidade da guerra. Uma vez -47-

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que o número e o impacto na sociedade são funções da população e do tamanho do contingente, uma medição das mortes em batalha em relação à população é usada e definida como a medida de intensidade da guerra. O limite mínimo considerado no estudo de Levy foi de 1000 mortes em batalha por cada milhão de habitantes europeus (Levy, 1985; p. 369-370). Por fim, Levy adianta uma operacionalização de guerra geral como uma guerra em que uma vitória decisiva de pelo menos um dos lados gera a possibilidade de liderança ou domínio de um único Estado sobre o sistema, ou pelo menos, a capacidade para derrubar uma hegemonia já existente. Esta definição exige que uma guerra geral inclua a potência dominante no sistema, mais a maior parte das outras potências, mais um conflito substancial. Com este critério, Levy identificou 10 guerras gerais ao longo dos últimos cinco séculos (Levy, 1985; p. 371). É preciso revisitar a década de 1990 do século passado para ressaltar os progressos dos estudos científicos da guerra. Em 1992, John Vasquez e Marie Hanehan publicam a obra The Scientific Study of Peace and War, onde sugerem metodologias para uma análise quantitativa e sistémica da guerra, a partir de exemplos históricos, utilizando uma observação controlada, a recolha de factos e sempre uma conclusão cuidadosa. A obra apresenta também um precioso anexo em que ensina a aplicação do método científico ao estudo da guerra. Mais tarde, Daniel Geller e David Singer (1998) apresentaram um detalhado estudo intitulado Nations at War: A Scientific Study of International Conflict. Neste estudo, os autores procuram uma explicação para a guerra no sistema internacional, analisando os conflitos internacionais num horizonte temporal muito alargado – partem do século XV e acabam o estudo no século XX. Em conformidade com -48-

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o plano de trabalho desenhado, foram identificados vários factores que podem eventualmente estabelecer a relação estatística com a ocorrência da guerra, de destacar: o factor geográfico, a distribuição das capacidades militares, o impacto das alianças e a associação entre o carácter ofensivo e destrutivo destes conflitos. A obra, que inclui casos de estudo, debruça-se sobre a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Irão/Iraque de 1980, procurando ilustrar como as guerras se iniciam e por vezes alastram abrangendo outros Estados. O objectivo que presidiu a esta obra foi o de gerar uma série de leis e probabilidades desenhadas a partir de regularidades empíricas consistentes, centradas em cinco níveis de análise: 1) o Estado; 2) pares de Estados3 que entram em conflito; 3) as regiões, 4) o sistema internacionalww, 5) os modelos de decisão (racional e irracional). Assim, na análise dos Estados averiguam-se eventuais ligações da guerra ao sistema político desses países, a pressão populacional, a cultura nacional ou o número de fronteiras. No estudo dos pares de Estados observam-se as continuidades geográficas, os diferenciais de capacidades, os padrões comerciais, as dinâmicas de corrida aos armamentos e os regimes políticos dos Estados. É forçoso levar em linha de conta que os conflitos envolvendo 2 países representam aproximadamente 72% de todas as disputas militarizadas entre 1816 e 1976. Este resultado impõe um tratamento muito cuidado dos países que alimentam rivalidades já muito antigas e interiorizadas nas técnicas que se vêm desenvolvendo na resolução de conflitos (Geller e Singer, 1998; p. 22). Quanto ao sistema internacional, avançou-se bastante em relação à ideia de que todos os Estados se comportam de forma similar quando confrontados com a mesma situação ex-

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A segunda imagem de Kenneth Waltz. Ver Kenneth Waltz (1954). A terceira imagem de Kenneth Waltz.

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terna. Há no presente um razoável consenso sobre a capacidade do sistema internacional socializar os Estados para a guerra, na linha do realismo, mas igualmente para a lógica das normas: deste modo, parece reconhecer-se utilidade ao estudo da polaridade, das alianças mas também das Organizações Internacionais (OI) e normas de comportamento não violentas que por vezes guiam as acções externas dos Estados. Impõe-se fazer agora uma referência a uma obra coordenada por John Vasquez, What Do We Know About War?, datada de 2000, uma vez que passa em revista as causas da guerra e as condições para a paz. A partir da análise de 35 anos de história desde que David Singer fundou o projecto COW, o livro procura mostrar que o debate nesta área do saber não é inteiramente consensual; ainda assim apresenta ideias que devem ser retidas. Aproveitando as suas conclusões, bem como outros aspectos que consideramos igualmente pertinentes, é razoável apontar algumas tendências, todas bastantes recentes, no estudo científico da guerra. Como já se fez alusão, dispomos na actualidade de investigação sistemática que cobre largos períodos da história da humanidade. Singer, por exemplo, recolheu dados a partir do Congresso de Viena de 181522. Outras análises recuam um pouco mais; há notícia de que a paz de Vestefália, ou mesmo o ano de 1495 (Levy, 1983), foram as balizas históricas escolhidas no âmbito de outras investigações. As próprias guerras na China antiga foram objecto de tratamento estatístico (Cioffi-Revilla, 1995). Por outro lado, é razoável admitir que os estudos quantitativos da guerra, que até ao presente conseguiram apresentar poucos resul-

Inicialmente o estudo terminava em 1945. Nova data foi depois estabelecida, 1965, e ainda mais tarde, optou-se por 1980. 22

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Subsídios para o Estudo da Guerra

tados conclusivos e claros, uma vez que não são totalmente consistentes uns com os outros nem apontam sempre na mesma direcção teórica, servem, sobretudo, para a criação de modelos de análise que com alguma precisão científica ajudam a compreender o fenómeno que se apresenta como a manifestação da violência em cada época histórica – que também é determinada pela organização social e respectiva base técnica. Como Jack Levy23, acreditamos que nos últimos anos os trabalhos académicos se tornaram mais sistemáticos e rigorosos na análise dos dados; uma mudança facilitada pelo acréscimo de informação que passou a contemplar outros actores além dos Estados, reconhecendo-se a necessidade de se modificar a concepção convencional de guerra. Tal como sabemos, nas actuais circunstâncias, o critério, muito utilizado neste tipo de investigações de apenas considerar guerras que envolvem pelo menos 1 000 militares mortos em combate em cada ano, é de duvidosa utilidade uma vez que muitas guerras irregulares não atingem estes valores e podem existir, inclusive, parâmetros mais interessantes para coligir os dados. Neste contexto, importa dizer que a forma de guerra mais difundida, dentro das novas tipologias que têm surgido, são provavelmente as Guerras de Terceiro Tipo que, como sustenta Kalevi Holsti, predominam no sistema internacional desde 1945, e que são guerras fundamentalmente acerca das pessoas, de cariz subversivo, em que houve uma desvinculação do estatal. Caracterizaremos estas guerras adiante neste livro. Em 2003 Singer, Wayman e Sarkees surgem com um texto intitulado Inter-State, Intra-State, and Extra-State Wars: a comprehensive look at their distribution over time, 1816-1997, onde

Este interessante estudo de Jack S. Levy entitulado Reflections on the Scientific Study of War pode ser consultado em Vasquez (2000).

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

nos apresentam novos dados que procuram actualizar o COW. Os estudos até aqui efectuados têm-se centrado sobre um tipo específico de guerra e muitas das conclusões extraídas não podem ser generalizadas, dado que é substancialmente diferente estar a estudar uma guerra que envolva as grandes potências ou estudar conflitos internos. Partindo desta noção e da necessidade de evolução do projecto COW, em 1994 reconsiderou-se a classificação do projecto original, procurando expandir a base de dados de forma a incluir novas tipologias de conflitos armados, aproveitando-se ainda para clarificar as regras de codificação que tinham criado alguma ambiguidade na classificação das tipologias (Singer, Wayman e Sarkees, 2003). Assim, a principal alteração introduzida foi a passagem da classificação de extra-sistémica para extra-Estado e, de civil para intraEstado. As primeiras são as guerras que envolvem um Estado com uma entidade não soberana e além fronteiras do Estado. As segundas são as que ocorrem entre dois ou mais grupos dentro do território de um Estado reconhecido internacionalmente, incluindo assim as guerras civis (o Estado contra outro actor) e as guerras inter-comunais, ou seja, aquelas que envolvem dois ou mais grupos, não sendo nenhum deles o Estado. Esta alteração de terminologia e critério não foi semântica, outro sim implicou a reclassificação de um número de guerras extra-sistémicas em guerras civis. A nova classificação implicou ainda uma nova subdivisão das guerra-civis em duas variantes: guerra para o controlo do governo central e guerra relativa a assuntos locais, incluindo a secessão, ganhando aqui uma autonomia regional (Singer, Wayman e Sarkees, 2003; p. 59-60). Esta significativa alteração introduzida no COW permitiu um acréscimo de novas guerras em cada categoria, sendo que no período de 1816 a 1997 passaram a haver 401 guerras, das quais 79 inter-Es-52-

Subsídios para o Estudo da Guerra

tados, 108 extra-Estados e 214 guerras civis, ou seja, uma média de 22 guerras de todos os tipos, por década. O Projecto passou também a considerar as mortes totais, tendo assim sido registadas 53 milhões de mortes em combate entre 1816 e 1997. Deste número, 32 milhões representam as mortes de militares em combate em guerras interEstados, sendo nas guerras civis registadas 18 milhões de mortes em combate e em guerras extra-Estado foram registadas 2.709.924 mortes em combate (Singer, Wayman e Sarkees, 2003; p. 64 - 67). Em 2004 Kristian Gleditsch, do Departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia, apresenta o artigo A Revised list of wars between and within Independent States, 1816-2002, onde mostra as implicações surgidas na interpretação dos dados, após ser efectuada uma revisão ao COW. A revisão incide sobre os critérios que servem para definir quem é ou não membro do sistema internacional, e na lista dos Estados independentes desde 1816. Este autor sugere ainda uma actualização do COW com novos dados compilados pelo Departamento de Peace Research da Universidade de Upsala. A base de dados de Upsala contém todos os incidentes em conflitos armados que envolvem mais de 25 mortes por ano, no período de 1946 a 2002, considerando que um conflito armado é uma guerra quando se verificarem 1000 mortes em combate por cada ano. Os conflitos que não atingirem aquele número por ano, mas que na totalidade do conflito atinjam aquele valor, são considerados conflitos armados intermédios; são considerados conflitos menores aqueles com 1000 mortes ao longo de todo conflito, mas no qual tenham ocorrido mais de 25 mortes por ano (Gleditsch, 2004; p. 238). Seja como for, e independentemente das questões associadas às novas tipologias da guerra, a Peace Research, pode dizer-se, tem conseguido identificar algumas regularidades empíricas. Assim, se -53-

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quisermos sintetizar os principais padrões empíricos já identificados e que reúnem de forma mais ou menos consensual as opiniões dos analistas, diríamos que: 1. Em conformidade com a conceptualização tradicional de guerra, que opõe Estados, podemos concluir que a sua ocorrência tem vindo a declinar acentuadamente nas últimas décadas. Holsti (1996; p. 23) apresenta-nos mesmo dados estatísticos detalhados e as suas tabelas indicam-nos que ocorreram uma média de 0,005 conflitos entre Estados de 1945 a 1995, em contraste com 0.019 guerras por Estado e anualmente nos Estados europeus durante o século XVIII. Para o século XIX Holsti indica-nos 0.014 e, 0,036 no período entre 1919 e 1939. De salientar que no seu estudo não se registou nenhuma guerra entre as grandes potências após 1945. Geller e Singer (1998, p. 1) realçaram que 150 Estados nunca se envolveram em guerras desde o período napoleónico e que apenas 49 se envolveram em 1 ou 2 guerras. Mais, das 2034 disputas militarizadas registadas desde 1815, só 102 escalaram para uma situação de guerra (Vasquez, 2000, p. 361); 2. Parece entender-se como útil estudar a hipótese de os Estados terem posturas diferenciadas em relação à luta pelo poder. Nesse sentido é necessário perceber porque é que as guerras só acontecem em determinados estádios das relações entre os Estados e em certos períodos históricos; 3. Importa também realçar que alguns tipos de alianças surgem estatisticamente associadas à guerra, embora seja provavelmente abusivo afirmar que são a sua causa. É igualmente importante realçar que as alianças difundem a guerra entre os seus membros, uma vez que envolvem na guerra Estados não directamente implicados na questão; 4. Quanto a um assunto conexo com este, a balança de poderes, -54-

Subsídios para o Estudo da Guerra

é muito mais difícil apresentar as provas empíricas. Ainda assim, parece poder dizer-se que a paridade de poder entre dois Estados se encontra geralmente associada à guerra nos séculos XVI, XVII, XVIII e XX. A excepção é sem dúvida o século XIX (Singer, Bremer e Stuckey, 1972)24. Nesse sentido, poderá sustentar-se que o mecanismo da balança de poderes não cria condições para a paz, como gostam de observar as correntes realistas, pelo menos, diríamos nós, nos tipos de guerras que ocorreram nesses séculos. 5. Acrescente-se que as alterações na distribuição de poder, a caminho de uma situação de paridade (os pontos de transição na teoria dos ciclos longos de Modelski, na situação de declínio hegemónico de Gilpin e na transição de poder de Organski) aumentam a probabilidade de guerra entre esses Estados. Ao mesmo tempo, as situações de preponderância de poder aparecem associadas a uma menor probabilidade de eclosão da guerra; 6. Um elemento importante a reter diz respeito aos estudos sobre a distribuição de capacidades no sistema internacional (unipolar, bipolar e multipolar) que, até ao momento, se encontram numa fase bastante inconclusiva, existindo várias posições sobre o assunto; 7. De acordo com os estudos disponíveis, é hoje possível dizer que a presença de armamentos pode ajudar a que uma disputa séria escale para uma situação de guerra, mas não podemos estar de acordo com a ideia de que levam necessariamente à escalada; 8. Já quanto à hipótese da proximidade territorial, parecem existir provas suficientes de que a guerra é mais provável quando existe uma contiguidade territorial entre os Estados. Para finalizar, convém realçar que tudo aponta para que as disputas territoriais (que não incluem na sua contabilidade a questão dos territórios estraté24

Este estudo pode ser complementado com outros na mesma monografia de B. Russet (1972).

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gicos) tenham maior possibilidade de resultar em guerras do que outros assuntos (Vasquez, 2000)25 que tradicionalmente dividem os Estados. Curiosamente, a problemática do território só há pouco tempo começou a receber a atenção devida nestes estudos. Em conformidade com os dados apresentados, somos forçados a concluir que os resultados são, por enquanto, bastante reduzidos. Ainda assim representam décadas de esforço que merece ser continuado.

3. Tendências de futuro A última das questões que desejamos abordar nesta pequena análise diz respeito às tendências recentes nos estudos quantitativos da guerra. Provavelmente é importante dizer, em primeiro lugar, que ocorreu um relativo abandono da preocupação com o estudo dos grandes poderes, paralelamente a um acréscimo de interesse pelas explicações ao nível da interacção entre dois Estados26, a que corresponde um menor ênfase no nível da análise sistémica, acompanhando de forma natural a crescente complexificação das teorias do conflito internacional. Inegável é, sem dúvida, o interesse que nos últimos 20 anos as variáveis societais tem suscitado. No fundo, um regresso, em John A. Vasquez editou o seu esclarecedor texto Reexaming the Steps to War: New Evidence and Theorethical Insights, na monografia de Manus I. Midlarsky (2000). 26 O interesse dos pares de Estados prende-se com as investigações relacionadas com a paridade de poder ou com a preponderância de poder, muitas vezes localizadas no nível sistémico (balança de poderes e teorias de transição de poder), quando a questão é essencialmente um fenómeno de pares de Estados. Por outro lado, existem cada vez mais mecanismos de negociação internacional, o que poderá levar a que a guerra seja apenas um assunto relevante na análise de pares de Estados. Acresce que as principais descobertas da pesquisa empírica sistémica se situam pouco no nível sistémico e mais frequentemente no nível dos pares de Estados. 25

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nosso entender, ao francês Gaston Bouthoul, que na década de 30 do século XX divulgou o termo polemologia, ou seja, o estudo sistemático da guerra como fenómeno social27. Recentemente, formou-se um razoável consenso no sentido de se acrescentar aos estudos de correlação entre variáveis modelos teóricos de explicação da guerra. Nesta fase da investigação científica sobre a guerra tem-se procurado demonstrar, através de metodologias qualitativas e quantitativas, que a guerra é um processo complexo, tendo provavelmente causas múltiplas que se relacionam e condicionam mutuamente de forma dinâmica. Neste âmbito, as discussões em torno do nível (de análise) mais adequado para proceder aos estudos deixou de fazer sentido: as teorias são interactivas e multiníveis. O resultado destas sinergias tem sido a elaboração de pesquisas sobre a guerra com recurso a multimétodos, associando, por exemplo, estudos de caso com análises estatísticas. Tem igualmente vingado a ideia de que os condicionalismos internos não devem ser excluídos das relações a estudar. É a teoria da paz democrática28 que melhor mostra a importância destes factores relacionados com os aspectos internos dos países, um exemplo claro de teoria madura, na perspectiva de Midlarsky.29 De acordo com esta teoria, a ausência de governos democráticos aumenta a possibilidade de guerra entre pares de Estados. Mais nebulosa é a questão de se sa27 O vocábulo foi pela primeira vez utilizado por Gaston Bouthoul, em França, no ano de 1936, num livro denominado 100 Milhões de Mortos. Bouthoul liga as causas da guerra essencialmente ao aumento demográfico, resultante da revolução científica e industrial. A sua obra mais conhecida é Traité de Polemologie: Sociologies des Guerres. 28 A teoria da paz democrática tem vindo a defender a existência de uma “lei” essencial na política internacional. Estudos empíricos validaram a ideia de que as democracias não fazem a guerra entre si, explicando-se assim a receptividade que esta corrente de investigação tem recebido nos meios académicos da especialidade. A este propósito ver Michael Brown et. al. (1998). 29 A teoria da transição de poder é a outra apontada por Midlarsky na sua obra Mature Theories, Second - Order Properties, and Other Matters. In Vaquez (2000).

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ber se as democracias têm a mesma propensão para entrar em guerra contra Estados não democráticos que os Estados não democráticos entre si. Com o objectivo de esclarecer este aspecto, as investigações prosseguem.

Síntese conclusiva Pode concluir-se que o estudo do fenómeno da guerra através de aproximações quantitativas continua a ser profusamente utilizado, nomeadamente para facilitar a construção de cenários. Recentemente, a constatação das tendências negativas associadas à eclosão de guerras civis, frequentemente internacionalizadas, exigiu a construção de novas bases de dados que incluem grupos comunais e outros actores não-territoriais, a par das listagens tradicionais de Estados. Pode dizer-se que nem todas as vertentes referidas nesta ref lexão se traduziram necessariamente em resultados concretos, mas o interesse é realçar como é que praticamente todos eles estiveram presentes nos debates que animaram as investigações nos últimos anos. Por tudo o que mencionámos até aqui, fica claro que o exame da guerra é um exercício fundamental para as sociedades contemporâneas. Em especial, parece-nos que as novas realidades estratégicas não devem ser nem esquecidas nem desprezadas pelos investigadores, constituindo um importante desafio intelectual para o futuro deste ramo do saber. Constatamos, com agrado que parecem existir boas condições para a adaptação progressiva da Peace Research às novas tipologias da guerra. Na mesma linha de raciocínio, pensamos que o acompanhamento deste tipo de estudos em Portugal é cada vez mais necessário, tanto no meio militar como no meio académico. -58-

Segunda Parte

Tipologias de Guerra30 Nesta parte do nosso livro identificamos alguns conceitos para o termo “Guerra” e propomos o nosso próprio conceito; depois descrevemos os espectros da Guerra e das Operações Militares adoptado nas escolas militares portuguesas, caracterizando as diferentes tipologias que aí são identificadas. Feita aquela descrição, reflectimos sobre a utilidade do uso da força, para posteriormente identificarmos outros conceitos e tipologias de guerra não abrangidas naqueles espectros e que com frequência encontramos na bibliografia de referência sobre esta temática.

1. O espectro da Guerra Carl von Clausewitz na sua obra Vom Krieg, editada por sua mulher no século XIX, esclareceu que a guerra não é apenas um camaleão, que se modifica em cada caso concreto, “ mas é também uma surpreendente trindade, em que se encontra primeiro que tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade, que é preciso conUma versão preliminar deste tema, agora revisto e ampliado, foi analisado para uma Conferência no Instituto da Defesa Nacional a 29 de Setembro de 2003, subordinada ao tema “Tipologias de Guerra”. O estudo foi posteriormente publicado na Revista Militar de Novembro de 2003, p. 1103-1136.

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siderar como um cego impulso natural, depois, o jogo das probabilidades e do acaso, que fazem dela uma livre actividade da alma, e, finalmente, a sua natureza subordinada de instrumento da política por via da qual ela pertence à razão pura. O primeiro destes aspectos interessa particularmente ao povo, o segundo, ao comandante e ao seu exército, e o terceiro releva sobretudo do governo” (Clausewitz, 1976; p. 89). Na definição mais clássica de Clausewitz, a guerra “não é somente um acto político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios”, acrescentando este autor que, “é apenas uma parte das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de independente”, e destina-se a “forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (1976; p. 73). Um dos percursores do estudo da guerra pelo método científico, Quincy Wright, no seu A Study of War, editado em 1945, entendia a guerra como “A state of Law and a form of conflict involving a high degree of legal equality, of hostility, and of violence in the relations of organized human groups, or, more simply, the legal condition which equally permits two or more hostile groups to carry on a conflict by armed force (…)”, (Wright, 1965; p. 7). No continente europeu o fundador da Polemologia, o francês Gaston Bouthol, entende a guerra como “la lutte armée et sanglante entre mouvements organisés”, (Bouthol, 1991; p. 35), e no COW original ela era-nos apresentada como “sustained combat between/ among military contingents involving substancial casualties (minimum of 1000 battle deaths) ”. Em Portugal, um dos autores que no século XX mais se notabilizou pelo estudo da Guerra e da Estratégia foi Abel Cabral Couto. Este estrategista definiu a guerra como a “ violência organizada en-62-

Tipologias de Guerra

tre grupos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares ” (Couto, 1988; p. 148). Contudo, podemos encontrar situações em que seja utilizada a violência organizada e não se considere uma guerra em si, como ainda referiremos neste livro quando analisarmos o espectro das operações militares. Quando a força é usada para infringir dor ou para persuadir um adversário a abandonar ou a abrandar um determinado comportamento, podemos então falar de operações militares de não-guerra ou, na feliz expressão de Thomas Scheling (1966) de diplomacia coerciva ou da violência. Apesar dos inúmeros critérios possíveis para tipificar, caracterizar, estudar, ou mesmo descrever o fenómeno da guerra, neste livro considerámos a necessidade de ter um conceito suficientemente abrangente mas ao mesmo tempo operacional que permita integrar a violência armada entre os diversos actores. Assim, na mesma linha de Clausewitz, atrevemo-nos a propor um conceito de guerra, mesmo que imperfeito e restrito. Assim, entendemos a guerra como a violência armada e sangrenta, entre grupos organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil, inerentemente incerto, evolutivo, tendo como finalidade mais evidente o acesso ao, ou a manutenção do, poder. São inúmeros os critérios para se atribuírem tipologias à guerra. Gaston Bouthol (1991; p. 445-461) adopta uma tipologia política e classifica as guerras como internacionais – oposição entre dois grupos soberanos, ou civis – pertença a um mesmo Estado no momento em que se inicia o conflito. Um outro critério deste autor é psicopolítico, fundamentado na -63-

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intenção psicológica atribuída aos protagonistas, em que as guerras são classificadas como ofensivas, defensivas, preventivas, de nervos e paz armada. Este autor adopta ainda um terceiro critério relacionado com o processo de desenvolvimento das mesmas e de mentalidades: primitiva, de cortesia, nacional e imperial. No tradicional espectro da guerra (Couto, 1988 e RC 130), estas podem ser classificadas entre unidades políticas ou no interior das mesmas, ou seja, internacionais ou internas, e depois com inúmeras formas de guerra31. Nas guerras internacionais, as formas de guerra variam em função do grau de intensidade de emprego da violência. Estas formas possuem características políticas, psicológicas e técnicas específicas, e o espectro subdivide-se em guerra fria e guerra quente. Devemos no entanto estar cientes que a linha de fronteira entre uma tipologia e outra é muito ténue, sendo frequente surgirem combinações entre elas. A expressão Guerra Fria foi divulgada pelo jornalista Walter Lippmann, mas terá sido utilizada pela primeira vez pelo conselheiro económico do presidente Roosevelt, Bernard Baruch. Inclui a gama de acções em que são utilizadas todas as formas de coacção (política, económica e psicológica), sendo que a coacção militar está presente apenas como potencial. Na guerra quente considera-se a guerra clássica ou convencional, e a guerra nuclear. A primeira inclui o emprego de meios militares e, por vezes, com ameaças do emprego de meios nucleares; a segunda envolve o emprego efectivo de armas nucleares de natureza táctica (limitada) ou sem restrições (ilimitada), recorrendo aqui as unidades

O principal critério para distinguir formas de guerra será, de acordo com Kalevi Holsti: 1. O propósito da guerra; 2. O papel dos civis durante a guerra; 3. As instituições da guerra (Holsti, 1998).

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políticas ao emprego da força sem limites. Assim, há também um critério que permite considerar as guerras limitadas ou não limitadas; limitadas sobretudo quanto à utilização dos meios, aos objectivos e ao espaço geográfico. Quanto às guerras internas, são consideradas: a guerra subversiva, a revolta militar, o golpe de estado e a revolução, e a guerra civil. A guerra subversiva32 surge nos manuais militares como a “ luta conduzida no interior de um território, por parte da população, ajudada e reforçada ou não do exterior, contra a autoridade de direito ou de facto, com o fim de, pelo menos, paralisar a sua acção ” (EME, 1966a)33. É prolongada, metódica e com o objectivo de conquistar o poder, sendo considerada a mais hábil e sofisticada forma de conflito (Collins, 2002). Existe uma confusão frequente entre o conceito de subversão e o de guerra subversiva. A subversão, que pode ser entendida como uma técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr em causa o poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo (Garcia, 2000 a, p. 78)34, nem sempre conduz à guerra subversiva, mas antecede-a e/ou acompanha-a, e em regra trava-se no plano militar sob a forma de guerrilhas. No fundo, e de uma forma abreviada, a guerra subversiva corresponde à subversão em armas. A revolta militar é levantamento militar, em que a totalidade ou uma fracção importante das forças militares procura derrubar pela força o poder estabelecido. O tema da guerra subversiva será abordado mais detalhadamente num capítulo específico deste livro. Abel Cabral Couto (1989) define guerra subversiva como: “a prossecução da política de um grupo político por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da população desse território”. 34 O sublinhado é nosso. Podemos consultar Monteiro (1993), Lara (1987), Aron (1988) e Muchielli (1976). 32 33

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O golpe de Estado surge como uma acção clandestina de um grupo restrito (elite) contra o poder estabelecido e em que aquele grupo, actuando com rapidez (o planeamento pode ser demorado), e aniquilando ou neutralizando determinadas personalidades “de chefia”, consegue a tomada técnica do poder. A revolução emerge de um levantamento popular súbito, breve, aparentemente sem controlo e, por norma, não planeado. As guerras civis não são um fenómeno recente, e algumas delas foram extremamente severas para as suas populações, que é quem sofre o maior número de baixas. A rebelião Tai Ping na China (18591864) provocou algo como 30 milhões de baixas. Porém, a visibilidade destas guerras é mais notória a partir de 1945. Nos anos 80 do século XX iniciaram-se 28 guerras civis, a que podemos adicionar mais 6 que transitaram da década anterior; e nos anos 90 do mesmo século, 40 unidades políticas viram-se envolvidas neste tipo de conflito. A disputa pelo acesso ou manutenção do poder esteve sempre patente (Pearson, e Rochester, 1997; p. 302). Nestas guerras, parte da população de uma determinada unidade política entra em luta contra o governo estabelecido dessa mesma unidade. Uma das partes procura o reconhecimento do estatuto de beligerante com todos os privilégios de soberania associados, como enviar uma delegação para negociações e pedir protecção ao abrigo de convenções internacionais. Apesar de internas, há no entanto uma tendência crescente para a internacionalização destas guerras: 18% entre 1919/1939, 27% entre 1946/1965, 36% entre 1966/1977 (Pearson, e Rochester, 1997; p. 303). Esta foi a norma durante o período da Guerra Fria, tendo ficado para os anais da história os killing fields do Kampuchea e Angola. Esta última guerra, que só findou com uma solução militar e já no século XXI, é um excelente exemplo da internacionalização das guerras civis. -66-

Tipologias de Guerra

As guerras civis podem assumir um cariz etnopolítico ou de secessão. As de cariz etnopolítico proliferaram na década de noventa do século passado, período em que 19 das 34 maiores guerras civis visaram a secessão. É previsível a conjugação de guerras civis e de terrorismo utilizando armas ultramodernas (inclusive NBQ), que venham a incrementar o número de baixas.

Espectro da Guerra – (Couto, 1988; p. 152)

Podemos, no entanto, considerar outra sistematização efectuada nas escolas militares nacionais e que é designado por espectro das operações militares.35 Aqui só se considera guerra quando o objecti35 A análise do espectro das operações militares encontra-se sistematizada em diversas publicações militares. Em Portugal salientamos o Regulamento de Campanha e Operações, editado pelo Exército e datado de 2005.

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vo da operação militar for o de combater e vencer um determinado adversário. Todas as outras operações militares em que pode haver combate e até baixas, mas onde o objectivo não seja o de combater e vencer, são consideradas operações de não-guerra. Nestas operações o objectivo é diverso, como o combate ao tráfico de droga, a evacuação de não-combatentes, a ajuda humanitária, a estabilização de uma situação, entre outras.

Espectro das Operações Militares (Regulamento de Campanhas e Operações)

Nesta fase do nosso livro, descritos que estão os espectros da guerra e das operações militares, pensamos que se impõe uma reflexão sobre o uso da força. A força é empregue através do instrumento militar, mas será este instrumento obsoleto ou ainda útil?

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2. O uso da Força Carl Kaysen (1998) analisa num interessante estudo a problemática da obsolescência da guerra. Este autor considera que o longo período de paz armada da Guerra Fria, onde imperava a estratégia da dissuasão nuclear e a destruição mútua assegurada, esteve sempre presente, a guerra deixara de ser um recurso útil para os políticos, questionando-se se a guerra ainda pagava os cálculos económicos e políticos. Este texto de Kaysen procurava responder a uma situação diversa da actual36, tendo desde então as estruturas de poder ao nível mundial sofrido profundas transformações; porém, o autor acrescenta no seu texto um postscript, em que confirma que as mudanças entretanto sofridas com a queda do Muro de Berlim surgiram sem guerra, pelo que a sua tese estaria correcta, esquecendo-se que logo no imediato, os Balcãs entraram em convulsão. Em contraposição a Kaysen, Edward Luttwak, no seu artigo Give War a Chance (1999)37, vem realçar a utilidade da força e argumenta mesmo que a guerra pode resolver conflitos políticos e conduzir à paz. Mas quais as condições e quais os critérios para o emprego da força? Os comandantes militares necessitam de estar cientes deles nas diversas situações com que se deparam nas operações militares que conduzem. O general francês Loup Francart (2002; p. 172) considera que as Forças Armadas só podem ser empregues num quadro triplo, sem o qual a força pode estar a exercer violência sem a legitimidade

O modelo é datado, mas mesmo assim apresenta à partida diversas fraquezas, desde logo porque na Ordem dos pactos militares, a coacção militar esteve sempre presente, sendo a confrontação entre as grandes potências por locução interposta, na luta pelas periferias de desempate geopolítico. 37 Edward Luttwak, num artigo publicado em 1999 na Foreign Affairs, considera que a guerra “ can resolve political conflicts and lead to peace. This can happen when all belligerents become exhausted or when one wins decisively. Either way the key is that the fighting must continue until a resolution is reached. War brings peace only after passing a culminating phase of violence” (Luttwak, 1999). 36

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política necessária. Esse quadro para Loup Francart é o seguinte: · Legal, atribuído pelo Direito Internacional e nacional próprio; · Institucional, que fornece a legitimidade. Se a força não estiver num contexto de defesa dos interesses vitais, deve estar dotada de regras de empenhamento (emprego da força, comportamento e uso de armas); · Ético, apoiado no respeito pelos direitos humanos fundamentais. Para Loup Francart (2002; p. 177-178), actualmente as Forças Armadas ao nível estratégico, operacional e táctico, podem ser empregues em dois grandes campos: · Físico e material; · Psicológico e imaterial. Neste emprego podemos considerar quatro formas de actuação: psicológica sobre os actores e espectadores dos conflitos, apoio, contenção e combate. Esta actuação das Forças Armadas deve procurar conter o conflito em diversas dimensões-chave: espaço, massas, armamentos, urgência, informação e forças; ao mesmo tempo que podem ser chamadas a desempenhar missões pós-conflito e participar no restabelecimento da vida pública e privada. Ruperth Smith (2006), General inglês, também nos apresenta a sua interessante visão sobre a utilidade da força, desde as guerras da Revolução e de Império à actualidade. Para ele, as Forças Armadas quando enviadas para acção numa qualquer confrontação política ou conflito são um instrumento útil e apenas podem desempenhar funções que visem melhorar uma situação, conter uma situação, coagir ou destruir. Estas funções podem ser desempenhadas também a qualquer nível da actividade militar, e as diferentes funções podem também elas ser desempenhadas nos diferentes níveis, ou seja, ao -70-

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nível táctico a força pode estar a coagir, mas estrategicamente estar a melhorar uma determinada situação. Na linha clausewitziana, consideramos que a força que se manifesta através da coacção militar, é mais um dos instrumentos ao dispor da política, para que ela utilize em proveito do interesse que definir, em princípio o interesse nacional. Assim, consideramos que a força nos aparece como um instrumento útil que pode ser empregue em diversas situações, servindo para38: · Melhorar uma situação, como ajuda humanitária, enquanto o caos continua; · Conter a situação através, por exemplo, do estabelecimento de um “cordão sanitário”, sanções, controlo de fronteiras, isolamento; · Compelir comportamentos ou deter uma ou as partes em litígio; · Desorganizar estruturas, como a neutralização de fontes de financiamento, de fluxos de material, de liberdade de circulação e a negação de santuários; · Destruir ou impor uma situação.

3. Outras tipologias de Guerra Para a análise das novas tipologias de guerra é útil reler o livro de Alvin e Heidi Toffler, Guerra e anti-guerra, de 1994. Nessa obra anunciaram a divisão tripartida do mundo e das guerras em vagas: A vaga das “guerras agrárias”, típica do período das revoluções agrárias; a vaga das “guerras industriais”, produto da revolução industrial, e por fim a vaga da “guerra da informação”, resultante da revolução da in-

38 Sobre este assunto podemos detalhar em Loup Francart (2002; p. 179-181) e Ruphert Smith (2006; p. 320-321).

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formação e do conhecimento. Esta última está reservada aos EUA e seus eventuais aliados. Mais recentemente Robert Cooper (ex-conselheiro de Tony Blair e actual Director-Geral dos Assuntos Externos e Político-Militar, do Conselho da União Europeia), no seu livro The Breaking of nations. Order and chaos in the twenty-first century (2004), descreve-nos a segurança e as guerras no mundo pré-moderno, moderno e pósmoderno, e explica-nos como a conflitualidade se processa ou dentro ou entre estas sociedades com desenvolvimentos diferenciados. Também Bill Lind e Gary Wilson (1989) tipificam as guerras em gerações, da primeira à quarta, sendo a primeira assente no poder da massa humana, a segunda no poder de fogo, a terceira na manobra e a quarta geração, a guerra do povo iniciada com Mao. Com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim, a comunidade internacional, habituada a um equilíbrio de terror, é forçada a reconhecer a importância de outros actores do sistema internacional, o que em nosso entender também leva a que actualmente os conflitos já não possam ser apenas analisados em função do papel exclusivo do Estado e da relação de forças entre as superpotências na cena internacional. Foi necessário criar uma nova leitura das situações, o que não implica que tenhamos forçosamente de substituir as tipologias; as “velhas” devem de facto servir de ponto de partida. Nos novos conflitos, o actor Estado está mais autónomo, bem como os actores infra-estatais o estão em relação ao Estado. A perda do monopólio do emprego da violência legítima por parte do Estado já não é uma novidade histórica, isto apesar de a historiografia recente nos ter habituado ao contrário. A admissão deste facto não é fácil dado que as nossas referências são colocadas em causa. Através do fundamental estudo da História Militar verificamos que por exemplo no século XIX, havia actores não-estatais -72-

Tipologias de Guerra

(partidos, combatentes irregulares, nações reivindicadoras de espaços de identidade) que utilizaram a violência na cena internacional; porém, as teorias clássicas não os consideravam como actores mas sim como elementos com práticas desviantes, perturbadores da ordem estabelecida através das suas “espécies de guerra”, na classificação de Jomini39. No pós-Segunda Guerra Mundial, essas guerras menores começaram a ser frequentes, ficando o confronto entre Estados para segundo plano. Os conceitos ressurgidos das guerras de libertação, guerras revolucionárias, guerras de pessoas, etc., tornaram muito ténue a fronteira entre o interno e internacional, havendo um amplo leque de tonalidades de transição e, em muitos casos, nem sequer é possível dizer se estamos perante uma guerra interna ou internacional. Nas sociedades da terceira vaga ou pós-modernas, podemos considerar que o espectro tradicional da guerra evoluiu, não quanto às tipologias propriamente ditas, nem quanto às formas de guerra nelas inseridas, mas sobretudo na terminologia aplicada, que por vezes apenas atribui ao mesmo objecto em análise uma “designação nova”, uma vez que também estamos intoxicados por um pensamento padronizado do agrado dos meios de comunicação social e das elites políticas. Neste livro, apesar da diversidade de tipologias possíveis de enunciar, atrevemo-nos a considerar apenas mais algumas que por vezes nos surgem referidas na diversa bibliografia especializada ou nos meios de comunicação social. De uma maneira muito genérica, é comum classificar as guerras como regulares ou convencionais e irregulares ou não convencio-

O General Jomini classificava as guerras como de conveniência, com ou sem aliados, de intervenção, de invasão, de opinião, nacionais, civis e de religião e as guerras duplas. Jomini (1830 e 1938).

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nais. Como guerras regulares consideramos os conflitos que obedecem ao modelo clausewitziano. Nesse sentido, nas guerras irregulares ou não convencionais participam outros e novos actores para além dos definidos por Clausewitz e não envolvem Forças Armadas num campo de batalha, nem recorrem a operações tradicionais no mar e no ar (Russet et. al. 2000). Guerra revolucionária – sendo certo que incorpora os conteúdos conceptuais da guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo e pretender, em última análise, a implantação do comunismo, utilizando uma amplitude de meios e processos que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou simples aspectos de Guerra Fria. Ou ainda, o mero esquema de agitação/propaganda (Pinheiro, 1963). Guerra revolucionária significa igualmente a transformação da luta em revolução, já que uma vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação revolucionária, emergirá um “Homem novo”. Guerra insurreccional – confunde-se com o conceito de guerra interna, sendo “ uma luta armada, de carácter político, levada a efeito num dado país, contra o poder político constituído ” (EME, 1966 a). De acordo com esta definição, diferencia-se da guerra subversiva por não ser conduzida obrigatoriamente pela população civil. Parece-nos oportuno esclarecer que estes conceitos se inserem num mais lato já referido, o de subversão, razão pela qual doravante neste estudo, referiremos indistintamente, guerra subversiva/guerra revolucionária/guerra insurreccional, dado que todas elas se desenvolvem em ambiente subversivo e empregam técnicas comuns para obter o controlo político do Estado ou simplesmente para desgaste do poder instituído. Neste sentido, e porque as guerras subversivas combinam as diversas formas de violência (da militar, à das vontades, passando pela pressão económica e pela diplomacia), são -74-

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uma guerra política na expressão de Paul Smith (1989), ou, na linha clausewitziana (1976), também elas continuam a política por outros meios, uma vez que através de uma estratégia total, pretendem, em última análise, a implantação de um novo sistema político ou, no mínimo, o desgaste do vigente, pela prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem constituída. Isto significa que recorrem a outros meios, para além dos políticos, para alcançarem os objectivos políticos pretendidos. Guerrilha – Guerrilha, etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que César já enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis e portugueses contra os exércitos invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do Remexido do Algarve, dos marçais de Foz Côa40, e no último quartel do século XX, durante a guerra colonial, as Forças Armadas portuguesas enfrentaram movimentos independentistas que utilizavam sobretudo a guerrilha como técnica, adaptada às possibilidades psicológicas, geográficas e políticas e a uma relação de forças (Delmas, 1975). A guerrilha na realização de operações militares emprega determinado tipo de meios e processos com um carácter restrito. As circunstâncias e os meios são determinantes para o coeficiente de agressividade destas guerras. Terrorismo – Este tema será abordado mais detalhadamente em parte específica deste livro, porém aqui ficam registadas algumas ref lexões. Entre 1936 e a actualidade encontramos mais de uma centena de definições de terrorismo. Normalmente as definições encontradas 40

Veja-se, sobre o tema Loureiro dos Santos (1985).

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remetem o terrorismo para o quadro da marginalidade violenta, em consonância com as matrizes éticas do Estado tradicional e com a legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de segurança e defesa. Esta entidade protoplásmica começou a ocupar lugar de destaque na actividade política, sensivelmente a partir do início dos anos de 1970. Foi no entanto após o 11 de Setembro, nos EUA, que a noção de terrorismo foi alterada qualitativamente e este assumiu posturas radicais, adquirindo também uma categoria transnacional. John Andrade (1999), na obra Acção Directa. Dicionário de Terrorismo e Activismo Político, apresenta uma categorização dos terrorismos como: a) Movimento sem verdadeira retaguarda de massa, casos havendo em que os actores/militantes praticamente se representam apenas a si; b) Movimentos com variável densidade política e sociológica, recebendo eventualmente apoios de Estados; c) Práticas de Estados sobre as próprias populações; d) Práticas secretas de Estados no plano internacional, com uso de meios humanos próprios sob cobertura, recurso a grupos terroristas manipulados, ou emprego de “diplomacias coercitivas”, tanto sobre outros Estados, como sobre pessoas colectivas e individuais. Guerras étnicas ou identitárias – Este conceito complexo é frequentemente apontado como estando na origem de guerras. Esgotada a noção de uma identidade colectiva, emergem alteridades entre comunidades com as sequentes afirmações identitárias, e que por vezes podem ser o detonador de guerras de secessão. Lembramos que o que por vezes parece étnico pode apenas ser o reflexo de movimentos sociais mais profundos relacionados com o -76-

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território, poder, ou controlo político ou de recursos naturais, (Zaire/ Uganda/Ruanda/Burundi). A linha de fractura pode ter sido étnica, onde as pessoas mostram o seu descontentamento por uma unidade política que não foi capaz, ou não quis satisfazer as suas expectativas, e em que confiavam para defesa dos seus interesses (Pearson, e Rochester, 1997; p. 4-12). Este tema é desenvolvido de uma forma distinta por Michael Brown (1996; p. 3 - 25). O autor apresenta quatro grandes factores que conduzem a este tipo de conflito: · Estruturais (Estado fraco, problemas de segurança, geografia étnica); · Políticos (discriminação político-institucional, política das élites, políticas inter-grupo, ideologia nacional exclusiva); · Socioeconómicos (problemas económicos, sistema discriminatório, desenvolvimento económico e modernização); · Culturais (problemas históricos, discriminação de padrões culturais). No seu estudo, Michael Brown dá grande relevo ao papel desempenhado pelas élites domésticas e pelos Estados vizinhos, considerando que o factor étnico é quase sempre instrumental. Guerras de secessão – Quando um grupo pretende deixar de estar vinculado a uma determinada unidade política e pretende criar a sua própria unidade política. Os motivos podem ser étnico-culturais, económicos, identitários, etc.. As motivações podem ser alternativas ou cumulativas. Em princípio nada têm a ver com as guerras da independência anticolonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade. São inúmeros os exemplos, Americana, Chechénia, ex-Jugoslávia, etc.. Guerra ilimitada – Esta terminologia é preconizada pelos Coro-77-

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néis chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui (2000). Os autores alertam para a alteração significativa que a função da guerra sofreu, passando a ter um papel secundário face a questões mais complexas e relevantes como a política, a economia, a cultura, que vem demonstrar as limitações dos meios militares. Para eles, as Forças Armadas já não servem para submeter o inimigo (In) à “nossa vontade”, mas sim para obrigar o inimigo a aceitar os “nossos interesses”, utilizando para isso todos os meios, letais e não letais. Estes autores chineses propõem tácticas para os países em desenvolvimento, nomeadamente a China, para num conflito de alta tecnologia compensar a sua inferioridade militar face aos Estados Unidos. Os autores advogam o uso de uma multiplicidade de meios, militares, mas sobretudo não-militares, tais como a actuação com hackers nos websites, tendo como alvos as instituições financeiras, o terrorismo, a utilização dos meios de comunicação social e guerra urbana. Para Qiao Liang e Wang Xiangsui, tudo o que pode trazer benefícios para a humanidade, também lhe pode infringir danos, afirmando que actualmente não há nada que não possa constituir-se como arma, e a primeira e única regra desta Unrestricted Warfare é que não há regras, tudo é permitido. Guerra entre civilizações – No ano de 1993, Samuel P. Huntington publicou um artigo na Foreign Affairs, “The Clash of Civilizations”, posteriormente em 1996 desenvolvido no livro “The clash of civilizations and the remaking of World order”, onde define oito tipos de civilizações: ocidental, japonesa, latino-americana, confucionista, islâmica, hindu, eslava ortodoxa e africana. Para Huntington, o pós-Guerra Fria é caracterizado pelo ressurgimento de fenómenos de identidade e religiosos, frustrados pelo quadro de pensamento herdado do período da confrontação LesteOeste. As relações internacionais e a corrosão ideológica tendem, -78-

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nessa perspectiva, a ser substituídas pelas alianças definidas pela Cultura e na Civilização e as guerras já não seriam entre Estados ou alianças, mas entre civilizações. A política global, alterada pela modernidade, reformula-se segundo eixos culturais, sendo o eixo central a oposição entre o Ocidente e o resto o mundo. A contestação a esta teoria vem sobretudo da escola francesa, que a considera demasiado determinista, de onde se destaca a posição de Pascal Boniface, para quem as guerras não são entre civilizações, mas sim dentro destas (Boniface, 2003; p. 23-27). Daí também o facto de, por um lado, os governos muçulmanos se cindirem na Guerra do Golfo, e, por outro lado, a opinião pública dos respectivos países exprimir desde o princípio a sua oposição ao Ocidente interventor. Guerra económica – Esta terminologia também não é nova; Clausewitz já considerava que a guerra constituía um conflito de grandes interesses, solucionada através do sangue e por isso seria melhor compará-la, “mais do que a qualquer arte ao comércio, que também é um conflito de interesses e de actividades humanas” (1976; p. 164). As guerras sempre tiveram uma dimensão económica, quer nas suas origens, quer nas consequências, sendo que a guerra económica é desenvolvida pelos Estados, organizações de Estados, ou empresas, para conquistar mercados, ou seja, com fins essencialmente económicos, mas pode também ser apenas um instrumento para alcançar um objectivo político e militar. Hoje já não são os blocos ideológicos e políticos que se enfrentam no mundo, mas sim os Estados ou os blocos geoeconómicos, concorrentes ou mesmo rivais (Valle, 2001); podemos até considerar esta guerra como uma das principais formas de conf litualidade moderna. Num mundo em que o combate se trava na esfera económica, os -79-

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Estados ou empresas precisam de desenvolver os seus sistemas de intelligence, já não só voltados para a segurança, mas, e sobretudo, para a economia, para os mercados e para a competitividade, falamos da Competitive e da Business Intelligence. Guerra pelos recursos – As guerras pelo acesso a recursos naturais no pós-Guerra Fria não são eventos isolados, antes pelo contrário, fazem parte de um quadro global, o sistema geopolítico. Actualmente, estamos perante o emergir de uma nova geografia dos conf litos, onde a competição pelo acesso a recursos vitais, escassos se está a transformar no princípio governativo, e onde a disposição para o emprego da força armada se resguarda (Klare, 2001), pois a desigual distribuição de alguns dos recursos naturais de que a humanidade depende conduz sempre a conf litos violentos (Westing, 1986). Guerra psicológica – Este tipo de guerra serve-se da arma psicológica, ou seja, utiliza um conjunto de processos ou meios que se destinam a influenciar as crenças, os sentimentos e as opiniões da população, das autoridades e das Forças Armadas, de forma a condicionar e manipular, dessa forma, o seu comportamento. A sua utilização será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra. Guerra de informação – Entendemos por guerra de informação as acções ofensivas que visam obter a superioridade da informação, em apoio à política nacional e à estratégia militar, que afectem a informação do adversário, nos domínios civil e militar, e as actividades relacionadas com a sua obtenção, tratamento e difusão, a par da protecção e aumento das potencialidades das nossas actividades correspondentes naquele domínio. Viegas Nunes (1999), na Academia Militar, define-a como “tudo o que se possa efectuar para preservar os nossos sistemas de informa-80-

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ção, da exploração, corrupção ou destruição enquanto simultaneamente se explora, corrompe ou destrói os sistemas de informação adversários, conseguindo obter a necessária vantagem de informação”. As guerras de informação são as guerras típicas das sociedades pós-modernas, sendo que no espaço de batalha actual o mais importante é o domínio do acesso e utilização oportuna da informação. A network centric capability/warfare – Esta é uma teoria emergente de guerra (Alberts, 1999). O termo network centric capability é redutor, devendo antes ser considerada, segundo Beja Eugénio (2002; p. 3-1), a designação de Operações Centradas em Rede. Estas operações referem-se ao conjunto das operações militares levadas a cabo por uma força armada interligada de acordo com as características da Era da Informação. Está muito ligada ao Comando e Controlo e às tecnologias de informação e comunicação e é constituída por sensores (obter a informação), network (reunir, comunicar e explorar a informação), interceptores (fazer sentir os efeitos militares da Força). A questão fulcral é a capacidade para obter, reunir e integrar, disseminar de forma precisa, informação relevante em tempo real, que permita a compreensão da realidade do TO a todos os comandantes, aos vários níveis e possibilite a opção quanto a operações decisivas. A NCW deve permitir maior precisão no controlo das operações, maior precisão na aplicação da Força (Targeting e actuação “NRT”), acelerar o Ciclo de Planeamento e Processo de Decisão; conhecer a situação operacional e aumentar a Segurança e Protecção da Força empenhada. Estas guerras implicam um domínio ou mesmo uma supremacia das comunicações e, na maior parte dos casos, do espaço exterior, como a quarta dimensão da guerra. Guerra das representações – Alexandre Del Valle, geopolítico francês, apresenta-nos este novo conceito de guerra das -81-

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representações, cujo propósito é “forjar interpretações subjectivas, por vezes falaciosas, dos acontecimentos, tem como objectivo legitimar tal ou tal campo, tal ou tal causa, produzindo nos públicos alvo, em função da sua receptividade e referências culturais, os efeitos emocionais e psicológicos previstos” (Valle, 2001; p. 219). A guerra das representações é, no fundo, uma nova tipologia para a tradicional guerra psicológica, a que acrescenta modernos meios tecnológicos de apoio. Guerra do espaço – O espaço extra-atmosférico já não é apenas a quarta dimensão do campo de batalha e hoje começa-se mesmo a falar de nova dimensão geopolítica: a do espaço. Aqui pretendemos ir mais além da utilização da mesma e considerar a possibilidade de colocação de sistemas de intervenção globais baseados em novos tipos de energia (Telo, 2002; p. 233). No presente, e cada vez mais, consideramos que se assistirá a uma corrida para a militarização (Boniface, 2003; p. 122) do espaço, visando que, pelo menos do ponto de vista de uma intervenção militar, o tempo passe a contar-se em segundos ou minutos, pois seria independente da colocação prévia de forças no terreno. Ciberguerra – Parte integrante da guerra electrónica que envolve a utilização de todas as “ferramentas” disponíveis, ao nível da electrónica e da informática, para derrubar os sistemas electrónicos e as comunicações do “inimigo/adversário” e manter os nossos próprios sistemas operacionais (Nunes, 1999; 1726). Guerra preventiva – Consiste no assumir da iniciativa e atacar primeiro que o inimigo identificado, beneficiando do factor surpresa e aproveitando uma oportunidade que lhe confira um qualquer tipo de superioridade. Um bom exemplo de uma guerra preventiva foi o desencadear da I Guerra Mundial por parte da Alemanha; o plano -82-

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Schliffen teve de ser accionado em 1914, uma vez que em 1916 seria tarde demais. Em vez de uma frente de batalha, os alemães teriam de enfrentar duas frentes, uma com a França e a outra com a Rússia. Esta terminologia está agora em voga, pois a Administração norte-americana tem-na utilizado como justificativo da sua luta contra o terrorismo transnacional. Guerra preemptiva – Guerra em que se ataca o inimigo mas apenas depois de aquele ter mostrado as suas intenções de uma forma explícita; trata-se de atacar antes de o inimigo o fazer, mas apenas após a revelação da ameaça. Guerra religiosa – Guerras desta ordem podem surgir quer entre sociedades de tendências promotoras do laicismo e outras de um confessionalismo, quer no respectivo interior das mesmas. Esta situação será exponenciada se existirem interesses concorrentes tanto internos como projectáveis no exterior. A Turquia em si, e face à Arábia Saudita e ao Irão, é um bom exemplo. Segundo Amaro Monteiro, podem também eclodir guerras “entre culturas e grupos culturais portadores de comportamentos rígidos, com características ou práticas susceptíveis de influenciar massas consideráveis, como acontece com o hinduísmo militante, o judaísmo ultra-ortodoxo, o evangelismo fundamentalista, a seita da “Verdade Suprema” e outras organizações de vocação similar (controlo da sociedade por uma elite) ”; ou ainda entre o Ocidente cristão e o Islão que, mesmo se não assumido na Sharia como expressão cultural/transcendente de Estado, transporta nos conteúdos jurídicos de moderna estruturação formal e nos sedimentos do subconsciente colectivo um apelo da Comunidade Eleita que requer aquela Referência indeclinável. Tese/antítese óptima como álibi de agressões ” (1999/2000; p. 18). Guerras de terceiro tipo – Kalevi Holsti (1996), tipifica as guerras -83-

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em institucionais, totais e, no seguimento de Edward Rice (1988), surge como defensor das guerras de terceiro tipo, que predominam no sistema internacional desde 1945, e que são guerras fundamentalmente acerca das pessoas. São guerras essencialmente dentro dos próprios Estados e não entre eles; o próprio Holsti as identifica também com as guerras de libertação nacional conduzidas pelos movimentos independentistas (1996; p. 189). Guerras novas – Mary Kaldor na sua obra New and Old Wars – Organized Violence in a Global Era, de 2001, avança com este conceito de guerras novas. A autora considera um novo tipo de violência organizada, pós-queda do Muro de Berlim e que pode ser descrita como uma mistura de guerra, crime organizado e violação massiva dos Direitos Humanos, e apresenta-nos como melhor caso de estudo a guerra na ex-Jugoslávia. As guerras novas, e num futuro não muito distante, devido a uma crescente dificuldade de recrutamento, terão uma componente de forças privadas muito significativa, e os combatentes estatais ou não-estatais, possuirão uma organização menos hierarquizada, com um comando e controlo mais descentralizado, com diversos centros de gravidade; serão os combatentes pós-modernos. Guerras Híbridas – Para Frank Hoffmam (Hoffman; 2009) as guerras híbridas são caracterizadas por uma convergência de frentes em hora e local. O seu desenvolvimento é físico e informacional, envolve actores estatais e não estatais, combatentes e não-combatentes. As forças que empregam este tipo de guerra são eminentemente adaptáveis ao adversário e são capazes de nele encontrar as brechas necessárias para poder penetrar, podendo os combatentes empregar capacidades de alta tecnologia e em simultâneo de baixa ou mesmo nula tecnologia. Nestas guerras a violência estatal pode surgir em simultâneo com a de um grupo fanático actuando irregularmente. -84-

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São diferentes das Guerras Compostas, uma vez que estas contêm em si uma significativa componente de acções regulares e irregulares, mas cuja luta tem apenas uma frente, havendo um significativo grau de coordenação estratégica entre as diferentes forças (regulares e irregulares). Segundo Hoffman, as guerras compostas possuem uma sinergia a nível estratégico, mas não a complexidade, a fusão e simultaneidade a nível operacional e táctico que caracterizam as guerras híbridas, onde uma ou ambas as partes acabam por fundir a ampla gama de tipologias do espectro da guerra. Guerra e crime organizado – Para Steven Metz, a combinação entre a guerra e o crime organizado constituem uma guerra de zona cinzenta que vê no momento a sua importância estratégica acrescida. As guerras de zona cinzenta envolvem um inimigo ou uma rede de inimigos, que possui importância política significativa (2000; p. 56-57). A guerra de zona cinzenta também pode ser considerada como uma guerra latente ou indefinida e pode ser estratégica, quando dinamizada por uma organização ou rede de organizações, tendo os seus objectivos e lucros muito bem definidos, recorrendo à violência de forma incisiva e temporizada; pode ser considerada não-estratégica (Carriço, 2002; p. 622), se concretizada entre grupos armados, bandenkriege (guerra de bandos), entre guerrilhas sem ideologia, no reino dos senhores da guerra e sobretudo num ambiente de impunidade. Guerra limpa – Face à esmagadora superioridade tecnológica tende-se para que não haja baixas, ou se houver que sejam pouco significativas. Os Centros de Gravidade não são apenas físicos e entram já no domínio cognitivo. No fundo uma actualização do preconizado por Sun Tzu, “subjugar o inimigo sem o combater” (1974; p. 165), de forma a criar um novo ambiente político com per-85-

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das controladas, mesmo para o In, evitando reacções negativas da opinião pública. Guerra assimétrica – Para Rupert Smith (2006; p. 4) classificar uma guerra como assimétrica é um eufemismo, pois a arte na prática da guerra está em conseguir uma assimetria em relação ao inimigo. Este velho conceito, a nosso ver, reaparece agora associado à superioridade tecnológica dos meios militares ocidentais. Contudo, é precipitado concluir que a relação assimétrica tem como origem unicamente a diferença tecnológica. Ela pode até ser diminuta ou nem existir. A assimetria pode também ser temporária ou estrutural. Nesse sentido, a assimetria emerge também da diferenciação na organização, na liderança mas sobretudo na conceptualização das operações. A guerra assimétrica, como ficou dito, explora sobretudo o factor surpresa, recusa as regras de combate impostas pelo adversário, utiliza meios imprevistos e actua em locais onde a confrontação não devia ser provável (Boniface, 2002; p. 137). Particularmente interessante é o conceito de guerra dissimétrica desenvolvido nos meios militares norte-americanos. Esta é entendida como a procura de uma superioridade qualitativa/quantitativa por um dos combatentes (Boniface, 2003; p. 137). A superioridade induz qualquer adversário a refugiar-se em respostas assimétricas, socorrendo-se de métodos tradicionais, por vezes rudimentares (na Somália, os tambores), à mistura com meios de alta tecnologia disponíveis no mercado civil (GPS, telefones por satélite, e-mail). É uma guerra de desgaste e que pode expressar a sua violência através de guerrilha, de terrorismo, do crime organizado – depende muito da imaginação e da força de vontade do adversário. Guerra urbana – As áreas urbanas e as populações que nelas se inserem constituem o centro de gravidade onde os militares têm que -86-

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cumprir as missões que a política externa dos seus países lhes atribui. A guerra em áreas urbanizadas será o cenário assimétrico mais provável e problemático, no presente e num futuro previsível. Estas áreas podem caracterizar-se pela existência de um número elevado de refugiados, deslocados internamente, altos índices de desemprego, de uma economia paralela, falta de apoio médico, diversidade cultural, étnica, política e religiosa, onde a proximidade em que grupos sociais distintos vivem uns dos outros promove um ambiente de elevada tensão (Diliegge, 1998). A guerra em áreas urbanizadas conduz a um empenhamento operacional de cariz subversivo, associados a uma alta, média e baixa intensidade. Nas operações nestes teatros, onde a actividade de intelligence é primordial, vamos assistir a um incremento de utilização de meios tecnológicos, de robótica, de armamento não letal e a uma diferente organização para o combate das forças militares e militarizadas. A obra de Ralph Peters (1998), Our Soldiers their cities, é esclarecedora sobre esta temática. São inúmeros os exemplos retirados da operação Restore Hope na Somália, das operações da KFOR no Kosovo e, mais recentemente, da operação Enduring Freedoom no Afeganistão, ou as actuais operações de estabilização no Iraque. O terrorismo também se pode inserir nesta tipologia. Guerra informal – Um dos actores é uma entidade não estatal como uma milícia étnica ou um exército rebelde (Metz, 2000; p. 48). Será a sucessora dos conf litos de baixa intensidade, caracterizada por um combate próximo, estando os combatentes misturados com a população. Os seus objectivos, fluidos, podem visar, entre outros, a secessão, a tomada do poder, o acesso e posterior controlo de recursos. Nestes conf litos é normal o uso da violência de forma indiscriminada. -87-

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Guerra pela água – Esta será provavelmente uma das causas da guerra deste século. Cerca de 80 países, representando cerca de 40% da população mundial, sofrem actualmente de falta de água potável (Santos, 2002; p. 63). Enquanto nos EUA cada habitante pode contar com 800 m3 de água por dia, no Bangladesh só podem contar com 6 m3, e 25% da população mundial não tem sequer acesso a água potável. A crescente escassez da água está a provocar, por exemplo, na Argélia uma pressão demográfica regular sobre a linha do litoral fértil. No Médio Oriente, no constante conflito israelo-árabe, a disputa também se faz pelo acesso e controlo da água dos Montes Goulã. Perto de 40% da população mundial vive nas bacias hidrográficas dos 214 principais rios mundiais que por seu lado são partilhados por mais de um país. A partilha de recursos hídricos representa uma situação indutora de violência relacionada com a água. Os 261 rios mais importantes cobrem cerca de 45% da superfície da terra. Cerca de 145 países têm uma parte do seu território numa bacia hidrográfica e 33 deles tem mais de 95% do seu território no interior dessa bacia. Dos principais 214 rios partilhados: 155 são entre dois países, 36 entre três países e os restantes 23 entre 12 países. Para termos uma ideia mais precisa, o Danúbio corre através de 17 entidades políticas diferentes; o Congo e o Níger são partilhados por 11 países. Daqui rapidamente se conclui o quão difícil se torna gerir um recurso tão disputado (Santos, 2002; p. 96). Guerra e fluxos migratórios – Nesta tipologia podemos incluir tudo o que implique movimentos de populações, como as migrações de trabalho, os refugiados e os deslocados. A passagem para o Ocidente próspero, tantas vezes apenas em busca de uma miséria “dourada”, tornou-se obsessiva para milhões de pessoas. Porém, nem sempre tudo corre como esperado e muitos acabam por ingressar na ou alimentar a teia das clandestinidades, -88-

Tipologias de Guerra

desde as do expediente para sobrevivência às da redenção violenta da miséria (por manipulação de uma cultura do ressentimento). Guerra entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento – Esta tipologia está em consonância com os conceitos de Alvin e Heidi Toffler e de Robert Cooper. As desigualdades de desenvolvimento não são um fenómeno novo. Apesar dos discursos sobre a Nova Ordem Económica Internacional, o fosso entre países ricos e países pobres tem-se acentuado, e a tendência é para se agravar ainda mais. Robert Cooper, num artigo publicado pelo Foreign Policy Centre em 2002, intitulado The post modern State, explica como devem as forças pós-modernas (3.º vaga ou ocidentais, como se queira ler), actuar contra forças irregulares pré-modernas ou modernas: “The challenge of the postmodern world is to get used to the idea of double standards. Among ourselves, we operate on the basis of laws and open cooperative security. But when dealing with more old-fashioned kinds of states outside the postmodern continent of Europe, we need to revert to the rougher methods of an earlier era – force, pre-emptive attack, deception, whatever is necessary to deal with those who still live in the nineteenth century world of every state for itself. Among ourselves, we keep the law, but when we are operating in the jungle, we must also use the laws of jungle” (Cooper, 2002; p. 3).

41 A adopção da expressão RMC e não de RMA deve-se ao facto de considerarmos o fenómeno como um processo dinâmico, em contínua evolução, tratando-se da revolução actual e não um processo findo e passível de confusão com outros parecidos ocorridos ao longo da História.

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As Guerras RMA/C41 – A RMA/C (Revolução nos Assuntos Militares, ou Revolução Militar em Curso) (Garcia, 2000 b; p. 419) está sobretudo ligada aos grandes poderes, nomeadamente aos EUA e seus aliados, e surgiu como uma das formas possíveis de um qualquer grande poder conseguir vergar a vontade de outro menor, tendo como instrumento principal o uso da força, sendo essencial contê-la dentro de limites políticos, éticos e estratégicos aceitáveis pela comunidade internacional (Telo, 2002; p. 221). Os Toffler estão associados aos defensores da RMA/C, e Mary Kaldor (2001), com uma visão liberal das Relações Internacionais, rompe com o modelo que considera tradicional ao relacionar as guerras actuais com a RMA, defendendo que a revolução está nas relações sociais da guerra, não na tecnologia, mesmo que aquelas sejam influenciadas por esta. As Guerras RMA/C aparecem-nos muito associadas à guerra cientificada, onde, numa perspectiva de controlo do mundo e com o objectivo de destruição, há uma mobilização dos meios científicos para a própria guerra. Mas podemos ainda considerar muitas mais terminologias para tipificar a guerra. Pascal Boniface (2002), por exemplo, na sua obra Guerras do Amanhã, equaciona uma terminologia que consideramos mais adaptada às formas de guerra do que a uma tipologia de guerra em si. Esta obra acrescenta à tipologia aqui apresentada, as guerras: de diáspora, da fome, do petróleo, do ambiente. Este autor relaciona ainda a guerra com fenómenos como o futebol e o turismo.

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Tipologias de Guerra

Síntese conclusiva Nesta parte do nosso livro, cientes que são inúmeros os critérios de abordagem e de classificação do fenómeno da guerra, procurámos, recorrendo sobretudo aos manuais militares, caracterizar os espectros da guerra e das operações militares, sendo de salientar, que o facto de se empregar a força, decorrerem operações militares e de existirem baixas, não significa que as Forças Armadas estejam numa situação tipificada como de guerra. Nesta parte procurámos ainda identificar uma nova conceptualização para o termo “Guerra” e algumas possíveis e novas tipologias. Uma vez efectuada esta análise, pensamos agora estar em condições de na próxima parte perspectivar a guerra no nosso século.

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Terceira Parte

Uma Perspectiva do Fenómeno da Guerra no Novo Século42 Nesta parte do nosso livro entendemos descrever em primeiro lugar o complexo Sistema Internacional para depois nos outros subcapítulos podermos efectuar uma análise da conflitualidade nesse mesmo Sistema. No capítulo 2. analisamos as guerras associadas às forças da transformação, de alta tecnologia, bem como o emergir de um novo e subtil instrumento das relações internacionais, as empresas militares privadas, que constituem um novo paradigma do uso da força, surgido devido à significativa transformação ocorrida na actividade militar. Por fim, no capítulo 3. faremos uma breve abordagem das guerras irregulares que caracterizam este novo século.

Este é um dos temas a que mais tenho dedicado a minha intervenção pública. A versão inicial foi apresentada no Seminário “Segurança Internacional”, realizado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em 16 de Maio de 2003, sendo o meu tema “A transformação nos assuntos de Defesa e a Civilinização das Forças Armadas”. Posteriormente apresentei-o no Instituto da Defesa Nacional, em 12 de Fevereiro e em 29 de Setembro de 2004, com o título “Guerras do Século XXI”. Este tema foi depois desenvolvido na Revista Militar de Novembro de 2005, com o título “A transformação dos conflitos armados e as Forças da Revolução nos Assuntos Militares” p. 1299-1307.

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1. A complexidade do Sistema Internacional no início do século XXI 43 O fim da II Guerra Mundial foi marcado pela rivalidade de um mundo em equilíbrio bipolar. Estas tensões entre os grandes poderes no campo económico, ideológico e político, traduziram-se na utilização preferencial da força militar como instrumento de dissuasão. O período é caracterizado pelos inúmeros conflitos nas zonas de confluência dos interesses das grandes potências, que se enfrentavam por locução interposta. A conjuntura internacional sofreu profundas alterações após a queda do Muro de Berlim, novamente após o 11 de Setembro de 2001 e, por fim, no complexo e conturbado ano de 2008 com o acumular de situações críticas na profunda crise global. No actual sistema internacional caracterizado pela sua complexidade, não linearidade, imprevisibilidade, heterogeneidade, mutabilidade e dinamismo, a ameaça, que mantinha coordenadas de espaço e de tempo bem definidas desapareceu, dando lugar a um período de anormal instabilidade, com uma ampla série de riscos e perigos, uns novos, outros antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações dos Estados. A comunidade internacional, habituada a um equilíbrio pelo terror do holocausto nuclear, foi forçada a reconhecer que para além do Estado existiam outros actores que empregavam a força como instrumento nas relações internacionais, situação que apesar de não ser nova influenciaria decisivamente a função da guerra a partir da última década do século XX. Mas as incertezas no dealbar deste terceiro milénio são inúmeras.

43 Sobre a abordagem do mundo como um sistema complexo, podemos ver o interessantíssimo estudo de Neil Harrison no seu livro Complexity in World Politics, datado de 2006.

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Num mundo hoje marcado pela volatilidade identitária (Badie, 2001; p. 71), as zonas de interesse estratégico fundamentais alteraram-se, e passaram a ser aquelas que são capazes de exportar a sua própria instabilidade (Ramonet, 2001; p. 56). As guerras já não obedecem apenas à concepção clausewitziana (Estado, Forças Armadas, População), típica do anterior sistema internacional. Na actualidade, a violência global é assimétrica e permanente, não tem uma origem clara e pode surgir em qualquer lugar. Para muitos, trata-se de uma situação típica de um mundo tendencialmente unipolar, do ponto de vista do esforço militar. A actual conjuntura internacional, onde o papel do Estado soberano está em crise, também se caracteriza pela flexibilização do conceito de fronteira e pela aceitação de situações de cidadanias múltiplas e de governança partilhada. No imaginário ocidental, quando se pensa ou fala em guerra, normalmente a imagem associada é a da confrontação entre as Forças Armadas organizadas de dois ou mais Estados. Porém, os Estados, como forma de organização política ocidental são criações artificiais recentes que surgem após Vestefalia, pelo que a guerra como instrumento da política do Estado que opunha um Estado a outro e umas Forças Armadas a outras Forças Armadas constitui um fenómeno relativamente recente e que poderá ter tendência a desaparecer (Creveld, 1991; p. 75). As guerras contemporâneas, acentuadamente depois de 1945, tornaram-se cada vez menos entre Estados e passaram a contemplar outros actores44, infra-estatais, que perseguem múltiplos e diversos objectivos, que obedecem a lógicas e racionais também diferentes,

44 Já Van der Goltz, na obra Das Wolk in Waffen, de 1883, previa que no futuro as guerras não seriam um assunto exclusivo das Forças Armadas.

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verificando-se uma extrema plasticidade dos seus actuantes, assemelhando-se muitas vezes a uma luta pela sobrevivência, sem regras, sem objectivos claramente definidos, podemos mesmo dizer, totalmente irracional, caótica, poluída, penetrada pelo crime organizado, pelo terrorismo e pelo tribalismo (Bauer e Raufer, 2003; p. 165). Igualmente relevante, o aparecimento de entidades supra-estatais institucionalizadas capazes de executar acções militares conjuntas é um fenómeno que exige acompanhamento. Neste sentido, a hipótese de se assistir ao regresso do mundo ocidental ao passado pré-Vestefaliano parece ganhar corpo. No caso dos países em desenvolvimento, onde são inúmeros os Estados que jamais foram capazes de se afirmarem face a outras entidades sociais (nomeadamente em relação à tribo e aos grupos etnolinguísticos)45, tem-se observado que no decorrer de confrontações violentas a distinção entre governo, Forças Armadas e população começou a esbater-se antes mesmo de ter sido correctamente estabelecida (Olsen, 2003). Uma das perguntas a que interessa responder tem que ver com as modalidades de guerra que tenderão a prevalecer, e qual o posicionamento da entidade Estado como estrutura política nesse contexto específico? Muitos são os modelos possíveis. Na história existiram as estruturas tribais, as estruturas feudais, as associações religiosas, os bandos de mercenários ao serviço de senhores da guerra, e mesmo organizações comerciais. A grande parte destas entidades não era sequer políticas, nem detentoras de soberania. Não possuíam governo, Trata-se aqui de distinguir a soberania externa (que decorre da igualdade jurídica entre Estados) das condições para exercício da soberania interna, dentro das fronteiras políticas. Este último requisito tem sido estudado com grande interesse pelas correntes que defendem a possibilidade da ingerência humanitária.

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Forças Armadas nem população (no sentido actual do termo), mas defrontavam-se em guerras e campanhas bem organizadas. O futuro pode revelar-se muito diferente da realidade actual. Para Holsti (1996; p. 23), a tendência aponta para que as guerras persistam mais entre Estados pequenos e fracos (em termos de legitimidade e de eficácia), ou em países menos desenvolvidos, do que envolvendo as grandes potências, eventualmente com base em considerações étnicas e de identidade, sendo considerado como difícil que Estados cujo regime político-constitucional seja a democracia entrem em conflito entre si. Embora pareça razoável defender esta interpretação, é muito claro que esta visão da guerra do futuro não colhe a aceitação generalizada dos estudiosos da estratégia. Como visão divergente, é útil realçar a posição de Colin Gray (2005). Este autor, dentro da lógica do neo-realismo clássico a que diz pertencer, defende que a trindade clausewitziana veio para ficar. Para Gray, seria errado admitir um desaparecimento, no futuro próximo, das guerras regulares centradas nos Estados e que foram típicas do período vestefaliano, embora admita que presentemente se constata uma tendência importante no sentido da utilização de forças irregulares. O normativismo internacional sobre a guerra, inspirado nos pensamentos de Santo Agostinho (século V) e de São Tomás de Aquino (século XIII), ainda existe, mas ninguém lhe confere muita relevância . Com esta alteração, os Estados, entidades, e mesmo os indivíduos, já não sentem a necessidade de assumir posições claras perante os conflitos, bem como também já não sentem a necessidade de adoptar o amplo normativismo internacional criado para conter ou limitar a guerra e os seus efeitos. Nos conflitos da última década não houve qualquer declaração formal de guerra ou de neutralidade feita por um único Estado, -99-

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assim como também não houve qualquer tratado de paz formal. A maior parte dos Estados ou entidades limitou-se a definir uma política geral perante o recurso à força militar, que variava ao longo do tempo (Telo, 2002; p. 225). No Kosovo optou-se pela legitimidade pelo exercício, bombardeou-se primeiro, só depois se alterou o Conceito Estratégico da OTAN.

2. As Guerras no Século XXI São diversas as perspectivas de guerras num futuro que já se iniciou. De uma maneira muito genérica, como vimos, é comum classificar as guerras actuais e do futuro como regulares e irregulares. Se nas primeiras o modelo clausewitziano tradicional está presente, nas últimas os Estados podem entrar em guerra contra uma rede terrorista, uma milícia étnica, um movimento independentista, um exército rebelde ou ainda contra o crime organizado. As guerras irregulares podem também ser travadas entre dois ou mais grupos organizados, não envolvendo nenhum Estado. Em ambas as tipologias a superioridade no acesso e tratamento da informação é determinante. Tudo indica que, regulares ou irregulares, há duas aproximações fundamentais para caracterizar as guerras do futuro. A primeira assenta na crença que as guerras espectáculo, possibilitadas pela RMC, que têm por base os enormes avanços das tecnologias, sobretudo tecnologias de informação, dominarão. A segunda visão, que procura o entendimento de fenómenos como as “novas guerras”, ou de “terceiro tipo”, tende a defender que a revolução está maioritariamente a ocorrer nas relações sociais da guerra. Nesse sentido, o elemento central da equação, apesar da sua influência, não é a tecnologia. Como facilmente se pode deduzir, existe consenso de que neste -100-

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século as guerras se desenvolvem num mundo assimétrico, com fortes desequilíbrios quantitativos e qualitativos. Esta tipologia de guerra neste início de século foi de algum modo antecipada no livro dos Toffler (1994), já referido, Guerra e Antiguerra. As guerras típicas das sociedades de terceira vaga têm por base a RMC e estão ligadas sobretudo aos grandes poderes, nomeadamente aos EUA e seus aliados. Porém, não é possível deixar de concluir que a RMC na sua formulação mais profunda está associada exclusivamente, pelo menos por enquanto, à evolução nos EUA e seus eventuais aliados. Há uma tendência, que erradamente se generalizou, de caracterizar as guerras RMC apenas pela alta tecnologia, nomeadamente a tecnologia ligada à informação. Na verdade, não podemos concordar com tal reducionismo. Se apenas estiverem ligadas à tecnologia podemos considerar que são guerras pós-modernas, mas não são RMC. A RMC, associada à transformação nos assuntos de defesa, caracteriza-se por ser um fenómeno em complexificação: assenta na tecnologia da sociedade da informação, caracteriza-se pela utilização do espaço extra-atmosférico, pelas novas tácticas e composição orgânica das unidades, pela necessidade essencial de conter a violência dentro de limites políticos, éticos e estratégicos aceitáveis pela comunidade internacional (Telo, 2002; p. 221), mas também pela civilinização46 (civil quanto possível, militar quanto necessário), pelo papel desempenhado pelos meios de comunicação social e opinião pública, mas sobretudo pelo modelo de organização das tecnologias existentes e já disponíveis mesmo no mercado civil, e a partir das Termo utilizado por Mira Vaz no seu livro Civilinização das Forças Armadas nas Sociedades Demoliberais (2002), e que resulta da adaptação do termo civilized soldiers de Janowitz (1974). Também Peter Singer na sua obra Corporate Warriors – The rise of the privatized military industry, p. 62-63 utiliza esta terminologia como civilianization.

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quais é possível criar novas e diferentes capacidades num sistema de sistemas. A tecnologia não modifica a natureza da guerra, mas o seu carácter; o que implica a operacionalização de um novo conceito para o termo guerra, que agora designa uma situação que não se distingue claramente dos períodos de paz. A ordem de batalha nestas guerras de alta tecnologia, centradas e em rede, desenvolve-se em volta de acções de Reconnaissance, Intelligence, Surveillance and Target Aquisition (RISTA) e dos 4S (Scan, Swarm, Strike, Scatter)47, com profusa utilização de armas inteligentes48 como as Long Range Precision Guided Munitions (LRPVM). O novo campo de batalha está dominado por um sistema de sistemas, com base no C2W (Command and Control, Warfare), constituindo uma 5.ª dimensão49 da guerra (Pereira, 2003; p. 160), onde a manobra informacional se sobrepõe e por vezes substitui a manobra do terreno. Face à esmagadora superioridade tecnológica e a operações ba-

Este conceito, que era já, em tempos idos, ventilado em especial na doutrina Air Land Battle em ambiente nuclear potencial ou activo, começa a afirmar-se num ambiente em que começa a imperar a tecnologia, em especial aquela que permite obter-se uma common picture do espaço de batalha. Hoje, com a emergência de conceitos como o NCW e as EBAO, a táctica resumida pelo acrónimo 4S é plenamente possível e encontra-se a ser desenvolvida pelos EUA e o Reino Unido nos TO do Afeganistão e Iraque. Ela permite o emprego de pequenas células, como sejam uma ou duas viaturas de reconhecimento, actuando separadamente e a largas distâncias umas das outras, varrendo através dos radares e/ou do reconhecimento (scan) um espaço de actuação, concentrando-se (swarm) num determinado ponto onde a ameaça foi identificada e se materializou, no momento certo e com rapidez, evitando os largos espectros electromagnéticos e as assinaturas térmicas. Depois de elas actuarem (strike) imediatamente se dispersam (scatter). Mas se repararmos, esta é a técnica utilizada, também pelas células terroristas. Estão dispersas, atentas ao momento certo para actuarem, fazendo o varrimento dos acontecimentos, dos locais e das oportunidades. Depois de identificado o momento e o alvo, concentram-se no local certo, atacam e imediatamente se dispersam. São interpretações de diferentes tipos de acontecimentos à luz da mesma táctica. 48 Conceitos chave: miniaturização, maior alcance, actuação inteligente, furtividade, veículos não tripulados, robotização e novas formas de energia. Estas armas permitem as intervenções cirúrgicas com zero baixas, ou quase zero. 49 As outras dimensões são a terra, o mar, o ar e o espaço extra-atmosférico. 47

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seadas nos efeitos50, as baixas tendem a ser zero, ou a aproximarse do zero, pelo menos de um dos lados. Os Centros de Gravidade passam a incluir não só os espaços físicos e as origens materiais da força, mas, e sobretudo, o domínio do cognitivo, e dentro destes em especial o da razão. O objectivo já não é aniquilar, mas imobilizar, controlar, alterar e moldar o seu comportamento de forma a criar um novo ambiente político com perdas controladas, mesmo para o inimigo, evitando reacções negativas da opinião pública. É por esta razão que Edward Luttwak definiu este fenómeno como guerra pósheróica (Luttwak, 1995): a força pode ser empregue sem o risco de perdas de vida. As novas tecnologias e a digitalização ditam novas doutrinas estratégicas, tácticas e organizacionais. A tendência é para a robotização do campo de batalha de uma forma progressiva. As guerras RMC empregam muito a guerra de informação, o vector moderno da guerra psicológica e da subversão tradicionais (Valle, 2001; p. 208). No campo de batalha (actual e do futuro), o mais importante é (e continuará previsivelmente a ser) o domínio da informação, mais precisamente, o acesso, o controlo e o respectivo processamento com o objectivo de obter a sua transformação em conhecimento51 e depois partilhá-lo. No futuro, a psicotecnologia disponibilizará novos instrumentos capazes de influenciar crenças e sentimentos, o que incrementará ainda mais o papel da guerra psicológica e dos guerreiros da

O Comité Militar da NATO definiu a aproximação às Operações Baseadas em Efeitos como a “aplicação coerente e compreensiva dos vários instrumentos da Aliança, combinadas com a cooperação prática com os actores envolvidos não-NATO, para criar os efeitos necessários para alcançar os objectivos planeados e em última análise o estado final NATO desejado” (NATO, 2006 a). 51 A NATO, no documento Comprehensive Political Guidance (2006 b), é explícita sobre a necessidade de se transformar a superioridade informacional em superioridade de conhecimento de forma a ser possível obter a superioridade na decisão. 50

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informação que aprendem a implantar falsas realidades e a induzir movimentos psicoculturais e políticos, em prol de determinados interesses nacionais, criando uma realidade virtual, quando a realidade efectiva contradiz os imperativos estratégicos de momento, no fundo uma verdadeira guerra de representações, na expressão de Alexandre del Valle (Valle, 2001; p. 219). Nesta ordem de ideias, um outro elemento a ter em consideração nas guerras da actualidade é a presença e a actuação dos meios de comunicação social. Hoje estes ajudam os guerreiros da informação a gerir as diversas percepções que as populações têm da situação. Há uma realidade percebida/ construída, diferente da realidade efectiva. A guerra de informação a um nível estratégico implica um domínio do ciberespaço, não podendo ser descurados os ciberataques, com as suas bombas lógicas, vírus e cavalos de Tróia. Esta diferente forma de guerra implica uma política de segurança e defesa para o ciberespaço, pois este impôs uma nova dimensão geopolítica, a do próprio ciberespaço (Adams, 1993). Nas guerras RMC a supremacia das comunicações é um factor imperativo. Na maior parte dos casos o espaço exterior deve ser entendido como a quarta dimensão da guerra. No futuro quem dominar o espaço domina o mundo. Não se trata apenas da sua utilização para fins militares, mas da sua militarização (Boniface, 2002; p. 122). Nestas guerras podemos assim encontrar uma nova forma de dissuasão. Com a civilinização, a distinção entre civil e militar é um domínio que será susceptível de alteração significativa, uma vez que já não são apenas as Forças Armadas que entram em combate, mas as comunidades políticas que elas servem. Este fenómeno de interpenetração é indicador de um novo tipo de Forças Armadas. Estas tendem a ser profissionais, com efectivos substancialmente mais reduzidos, -104-

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com uma maior ligação aos meios universitários e centros de investigação, a integrarem mais mulheres e minorias e, em certa medida, tende-se para uma privatização da actividade militar (Moskos, Williams e Segal, 2000). As guerras que envolvam a grande potência sozinha ou em coligação, sejam elas regulares ou irregulares, serão sempre RMC. A actual guerra no Iraque é um cenário típico de guerra formal/regular. A intervenção da coligação internacional em solo iraquiano pautouse pela superioridade tecnológica, pela supremacia aérea, com domínio do espaço, pelo uso de armas inteligentes e também por uma intensa guerra de informação. Na operação militar no Iraque, a força RMC, com combates sucessivos e assimétricos, vergou a vontade de combater iraquiana e a operação militar foi uma nova Blitzkrieg. Porém, com a ocupação militar, a tipologia de guerra alterou-se. As operações militares de estabilização, apesar de RMC, fazem-se agora num ambiente subversivo, de guerra irregular, de combate próximo, estando os combatentes misturados com a população, que utilizam como escudo e, se necessário, como moeda de troca. No Iraque devemos lembrar a velha premissa de que as guerras de cariz subversivo não se ganham com acção militar, mas perdem-se pela inacção militar. As guerras RMC são também guerras distantes. O poder que está na defensiva é castigado e muito limitado na sua resposta. Muitas vezes sente-se mesmo impotente (Telo, 2002; p. 222). Também distante no comando e controlo52, onde os meios de comunicação social e a informação sobre a guerra desempenham um papel primordial. Po52 O General Tommy Franks comandou a ofensiva ao Afeganistão a partir do Comando Central (CENTCOM), então situado em Tampa, na Florida. Actualmente a partir de bases em território norteamericano são controlados aviões não tripulados (UAV) que efectuam as suas missões no Iraque e no Afeganistão, enviando em tempo real informação sobre as operações, o que permite um melhor acompanhamento e planeamento das mesmas.

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demos dizer que é, em certo sentido, uma guerra subversiva feita pelos grandes poderes na Era da Informação53. Contudo, o factor tempo marca a grande diferença entre as guerras tecnológicas actuais e as guerras subversivas tradicionais. Estas actuam por lassidão, prolongam-se no tempo, factor essencial para obter resultados. Nas guerras RMC a duração em termos de uma acção militar intensa é muito curta – semanas – e é importante que assim seja, sobretudo por razões de opinião pública e de interesse político (Telo, 2002; p. 227). Isto não quer dizer que no período posterior à acção militar decisiva, tipicamente de estabilização, a presença militar não se arraste por vários anos, já que actua em ambiente subversivo. Parece gerar consenso a convicção de que as guerras na actualidade, apesar de manterem a mesma natureza, apresentam novos actores e já não correspondem na íntegra à classificação clássica do prussiano Clausewitz. Para ele, lembramos, a guerra era a realização das relações políticas por outros meios (Clausewitz, 1976; p. 737). Actualmente, aquela máxima parece ter tendência para se inverter, passando a política, sim, a ser a continuação/diversificação do estado de guerra. Para António Telo (2002; p. 225) a guerra é a forma “superior” da política, superior apenas porque mais exigente, pelo que obriga a cuidados especiais e uma elaboração do pensamento mais complexa. Em nosso entender, a guerra deve-se sim ao falhanço da política, mantendo-se dessa forma associada à política; no fundo a guerra é uma forma de política. Após revisitarmos Clausewitz, consideramos que a sua trindade permanece em parte válida e actualiAntónio Telo (2002; p. 222) entende que há guerra de guerrilha dos tempos modernos; também Mary Kaldor (2001; p. 7) entende que as novas guerras baseiam a sua actuação nos ensinamentos da guerrilha e da contra-insurreição. Nós optamos pela comparação com a guerra subversiva, pois esta é mais lata e na vertente armada pode sim assumir a forma de guerrilha. Pode ainda ser aplicado a outras tipologias de guerra irregular, isto apesar de a principal táctica ser a guerrilha.

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zada, no sentido em que apesar de os actores envolvidos na guerra poderem ser outros, a violência original, a lei das probabilidades e do acaso, bem como a ligação ao fenómeno político persistem. Uma das mais importantes implicações desta alteração qualitativa do conceito de guerra é a mudança dos laços funcionais entre o poder político e o aparelho militar. A envolvente política perpassa agora verticalmente todos os níveis de actuação militar: a estrutura de comando militar nos diversos patamares de responsabilidade preocupa-se principalmente com a actuação política54. Mesmo ao nível táctico, um comandante de uma pequena força desempenha esse papel no seu contacto com a população e autoridades locais. Nesta nova conflitualidade, devemos ter em consideração o novo paradigma que surge com a alteração significativa na estrutura das Forças Armadas e no emergir da civilinização, onde assumem grande relevância as modernas Empresas Militares Privadas (EMP), que prestam serviços e tarefas de natureza militar. A privatização do conflito e o uso de mercenários não são um fenómeno novo. Porém, o presente contexto é substancialmente diferente e as Corporate Warriors, na expressão de Singer (2003), têm um enquadramento jurídico distinto dos mercenários tradicionais. Podemos considerar como elementos de diferencialidade das EMP em relação aos mercenários55: a sua estrutura organizacional com directores e accionistas, serem legalmente registadas; prestarem contas ao fisco e à segurança social, visarem o lucro a longo

A este propósito devemos ver as obras dos Generais Wesley Clark (2004) e Ruperth Smith (2006). De acordo com o primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949, e segundo o seu artigo 47.º um mercenário apresenta as seguintes características: (a) é especialmente recrutado localmente ou fora do local de conflito para lutar nesse mesmo conflito; (b) toma de forma directa parte nas hostilidades; (c) é motivado pelo desejo de ganhos privados; (d) não é um nacional da parte em conflito nem um residente do território controlado por uma parte do conflito; (e) não é um membro das forças armadas de uma parte no conflito.

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prazo, operarem em vários teatros e para vários clientes ao mesmo tempo, ou seja, são organizações privadas de natureza comercial, cujo objecto é o fornecimento de um largo espectro de serviços de natureza militar e de segurança a entidades nacionais e não nacionais56, apresentando-se como alternativa aos serviços tradicionalmente consagrados às FA dos Estados. Existem várias tentativas para categorizar estas empresas, normalmente incidindo sobre o tipo de serviços prestados, que segundo o Green Paper57 britânico são os seguintes: apoio ao combate e operacional, aconselhamento e treino militar, apoio de armamento, recolha de informações, segurança e prevenção do crime e, apoio logístico. As modernas EMP emergem a partir de 1967, ano em que Sir David Stirling, um dos fundadores do Special Air Service (SAS) britânico, criou a Watch Guard International, uma companhia que empregava antigo pessoal do SAS britânico para treinar militares no exterior. Depois, a partir dos anos 70 do século XX, destaca-se em África a Executive Outcomes, com grande envolvimento nas guerras civis de Angola e da Serra Leoa. Com o esboroar do antigo império soviético, e a sequente redefinição dos dispositivos militares, ficaram disponíveis inúmeros homens e material que, com iniciativa, se organizaram e criaram diversas empresas que passaram a 56 São inúmeras as definições que encontramos. Aqui optamos pela síntese das expressas por Singer no seu livro Corporate Warriors. The rise of the privatized Military Industry (2003). 57 Documento da Câmara dos Comuns britânica que procura regular a actividade destas empresas. Singer (2003) apresenta outra tipologia: Military Provider Firms que se centram no ambiente táctico, fornecendo serviços na linha da frente do espaço de batalha, através do empenhamento quer nas linhas de unidades especiais ou especialistas; Military Consulting Firms que fornecem serviços de aconselhamento e treino. Oferecem análise estratégica, operacional e/ou organizacional e têm empenhamento com o cliente a todos os níveis, mas sem haver “contacto directo”. Não operam no espaço de batalha: embora a sua presença possa dar forma ao ambiente estratégico, operacional e táctico, é o cliente que corre o risco final no espaço de batalha; Military Support Firms que fornecem serviços militares suplementares, incluindo auxílio não letal; apoio logístico, aprovisionamento e transportes, assim como apoio técnico.

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estar activas e a desempenhar um papel diferenciador em zonas de conflito ou de transição, um pouco por todo o planeta. A partir dos anos 90 do mesmo século o termo EMP começa a ser vulgarizado no léxico militar. Com a Guerra nos Balcãs a actividade sofre um grande incremento, mas o grande boom vem com o actual conflito no Iraque. A actuação destas empresas é hoje global, estando contabilizadas mais de 150 companhias que funcionam em mais de 50 países nos diversos continentes, da Libéria a Timor, da África do Sul à Chechénia, dos Balcãs à Colômbia, sendo, no entanto, os seus principais teatros de intervenção o Afeganistão e o Iraque. Neste território onde são o segundo maior contingente da coligação, estimam-se mais de 45 mil funcionários (MilTech, 2007; p. 41). As EMP vendem os seus serviços a multinacionais, ONG’s, Organizações Internacionais como as Nações Unidas, contando como seus principais clientes os Estados. Em termos financeiros, e só para se ter uma pequena ideia dos montantes envolvidos, entre 1994 e 2002, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos negociou contratos no valor de 300 mil milhões de dólares anuais (Singer, 2003; p. 15) e estima-se que o rendimento desta indústria atinja o valor anual de 202 mil milhões de dólares no ano de 201058. Os vencimentos auferidos pelos funcionários destas empresas no Iraque, em Março de 2007, rondavam os 1500 dólares dia (MilTech, 2007; p. 43). Porém, a existência destas empresas afecta as Forças Armadas dos diversos Estados, que investem montantes elevadíssimos na formação e treino dos seus homens, para depois, muitos dos seus militares irem engrossar os quadros das EMP, não tendo estas qualquer

58 A título de curiosidade, e tendo sempre em consideração as diferentes escalas, lembramos que o PIB português ronda os 230 mil milhões de dólares.

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encargo de qualificação. Este assunto é magistralmente tratado no artigo de Christopher Spearin (2006) na revista Parameters, do US Army War College. Este autor especifica a sangria dos quadros das Forças Especiais e as suas consequências, detalhando que muitas das especialidades ficam sem peritos suficientes para o cumprimento de determinadas missões e, dado que o principal motivo para a passagem deste militares para as EMP se prende sobretudo com os salários (quatro a cinco vezes superiores), devem ser adoptadas medidas urgentes para evitar uma perda de capacidades na força. Neste sentido, as SAS britânicas já adoptaram o procedimento de, a partir de Julho de 2006, qualquer elemento que integre aquela força, só ter duas possibilidades de a abandonar, ou por morte ou por reforma. São inúmeras as justificações que levam os Estados a contratar estas empresas. Nos Estados considerados fracos, que caracterizaremos adiante neste livro, o recurso a este tipo de empresas prende-se, sobretudo, com a incapacidade de dar resposta às necessidades básicas de segurança das populações, ao passo que no mundo pós-moderno, na expressão de Robert Cooper (2004), esse recurso apresenta-se mais como uma consequência de considerandos economicistas59, sociais (Vaz, 2005; p. 821) e políticos60. No caso particular dos EUA, foi a redução de efectivos e as ambições e responsabilidades globais que conduziram a uma reflexão sobre o seu papel no mundo. Por um lado tinham o desafio da sua longa luta “contra o terrorismo” a nível global, e ao mesmo tempo a necessidade de terem que assegurar ní59 Não conhecemos nenhum estudo rigoroso que possibilite a avaliação dos custos efectivos para determinar se de facto a privatização é mais barata. 60 Kevin O´Brien (2002) da Rand Corporation esclarece-nos: “In October 1998 the US government subcontracted its involvement in the Kosovo monitoring force to DynCorp. The contracting was done because the US government did not want to send its trained military personnel into harm’s way unarmed, as the monitors are; it also ensured that the US government did not have to undergo the political risk associated with sending soldiers into situations that are little understood or supported domestically”.

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veis de prontidão operacional para fazerem face a outras ameaças e manterem uma presença militar mundial. Assim, o recurso às EMP surgiu como inevitável, cabendo a estas sobretudo a substituição das FA em missões não consideradas vitais para a segurança nacional. O crescimento destas empresas e a diversificação dos serviços por si prestados não foi, no entanto, acompanhado pela regulamentação internacional específica. Apesar de esta não existir, não podemos considerar que haja um vazio legal, havendo um conjunto de legislação nacional e internacional que directa ou indirectamente cobrem esta actividade. Normalmente as EMP devem operar de acordo com o enquadramento legal do país objecto do contrato e a nível internacional lembramos, entre outras, o Direito Internacional Humanitário e diversas legislações sobre mercenários. Porém equacionam-se vários problemas, como a aplicação directa da legislação sobre mercenários61, e muitas vezes os Estados que contratam esta prestação de serviços têm um sistema judicial debilitado para que possam efectuar o controlo destas empresas. No Iraque, por exemplo, estão protegidas contra a responsabilidade criminal, como aconteceu no caso dramático da prisão de Abu Ghraib, onde os abusos foram cometidos quer por profissionais das EMP quer por militares, mas apenas os militares foram responsabilizados pelos seus actos (MilTech, 2007; p. 44).

64 O problema com o artigo 47 do Protocolo Adicional I às convenções de Genebra, prende-se, sobretudo, com a alínea a) pois tem que ser provado que ocorreu um recrutamento especial para um determinado conflito. Como o pessoal contratado pelas PMCs é, muitas vezes, contratado a longo prazo ou até numa base permanente, não pode, desta forma, ser considerado mercenário. Com a alínea b) o problema coloca-se relativamente à exclusão de conselheiros e formadores, entre outros. E como quase todas as PMCs não entram em combate (na definição da NATO de combate), não podem ser consideradas mercenárias. A alínea c) acrescenta um elemento perigoso: a motivação. É difícil julgar alguém como mercenário argumentando que está envolvido só por desejo de lucro. Não só há mais motivações, como a ideológica ou a política, como também seria fácil mentir neste ponto. Com as alíneas e) e f) a questão seria facilmente resolvida com o Estado cliente, dando nacionalidade ou residência, ou integrando simplesmente o indivíduo nas Forças Armadas. Um exemplo deste tipo de prática é a integração dos Gurkhas nas Forças Armadas Britânicas. Outro problema com este artigo é o facto de apenas contemplar conflitos armados internacionais e não guerras civis.

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Os EUA em Março de 2007, deram um passo significativo para contrariar esta situação, tendo sido aprovada legislação que coloca as EMP sob a alçada da lei e dos Tribunais Militares. Anteriormente, esta modalidade aplicava-se apenas em situações em que o Congresso tivesse declarado formalmente guerra. Com a alteração agora introduzida, a lei passa a contemplar Operações de Contingência, onde se incluem as realizadas no Iraque e no Afeganistão (MilTech, 2007; p. 43). Estas iniciativas são o indicador de esperança na regulamentação, no entanto, ficam ainda a faltar os mecanismos de controlo e inspecção a nível internacional, pois enquanto a regulamentação e fiscalização não forem eficientes, receamos que este tipo de empresas não possam ou não queiram entender, na mira do lucro, a “natureza complexa dos interesses nacionais e aceitem participar num jogo em que a sua posição, sem ser claramente oposta aos interesses do seu país, também não possa considerar-se favorável” (Vaz, 2005; p. 827), subsistindo assim o perigo real de existir um poder militar armado não-residente na legitimidade do Estado. Esta nova realidade complexa e mal estudada carece, além de regulamentação e fiscalização, do nosso acompanhamento como académicos e cidadãos.

3. As Guerras irregulares e a transformação do carácter dos conflitos armados As guerras da actualidade são fundamentalmente acerca das pessoas (Holsti, 1996 e Smith, 2006). Apesar da trindade clausewitziana em parte se manter, as guerras de hoje envolvem outros actores para além dos Estados e das suas Forças Armadas, emergindo organizações de um novo tipo que se opõem entre si. Conforme a circuns-112-

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tância, qualificamos os seus agentes como bandidos, terroristas, senhores da guerra, guerrilheiros, mercenários ou milícias. Estes não representam um Estado, não obedecem a um governo, misturam-se e confundem-se com a população e possuem uma capacidade e um impacto desestabilizador em regiões do planeta muito específicas (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003; p. 360). Nestes conflitos é normal a generalização da violação do direito aplicável aos conflitos armados (internacionais e não internacionais), bem como do regime de protecção dos direitos humanos. O processo que está em curso, segundo Van Creveld (1991; p. 249), é progressivo, irregular e caótico, favorecendo o falhanço do Estado e o crescimento da violência internacional não-estatal, em casos extremos, privatizada (Kaldor, 2001; p. 91-96). Para Herfried Munkler (2003, p. 18) passou a haver uma desmilitarização da guerra, no sentido em que os objectivos civis não se distinguem dos militares e a violência extrema é exercida contra não combatentes e sobre todos os domínios da vida social. Nestas novas guerras usam-se profusamente crianças soldado (Singer, 2005; p. 7)62. As formas de barbárie que não aparecem desprovidas de funcionalidade, permitem assegurar a fidelidade dos participantes e criam uma cumplicidade do crime, de afirmação de uma identidade colectiva face ao In (inimigo), de exercer sobre ele um terror cruento, dificultando a sua resistência pela imprevisibilidade e arbitrariedade das represálias e da sua crueldade (Sémelin, 2000; p. 124). No fundo, a violência ascendeu aos extremos a que Clausweitz (1976; p. 75) se

62 Peter Singer no seu livro Children at War apresenta-nos dados impressionantes sobre a dimensão deste fenómeno, cujo epicentro é o Continente africano; 100.000 só no Sudão, entre 30.000 a 50.000 na RDC. Mas o problema é global; na Turquia o PKK utiliza cerca de 3.000, em Mianmar mais de 75.000, as FARC cerca de 11.000. Devemos ainda consultar a resolução 1612 do CSNU sobre as crianças e conflitos armados.

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referia, e o que separa a guerra da barbárie é a existência do conceito da honra do guerreiro (Ignatieff, 1998; p. 157). Tendo em consideração que os actores deste tipo de conflito são outros, também o seu carácter teve que evoluir: são guerras irregulares, estrutural ou temporariamente assimétricas, sem frentes, sem campanhas, sem bases, sem uniformes, sem respeito pelos limites territoriais e de objectivos fluidos. Os seus “pontos fortes” estão na inovação, na surpresa e na imprevisibilidade, em que os fins justificam os meios, empregando por vezes o terror, onde o estatuto de neutralidade e a distinção civil/militar desaparecem. Estas guerras na actualidade não são apenas mais comuns do que no passado, mas são também estrategicamente mais importantes e desenvolvem-se em ambiente operacional de cariz subversivo.

Síntese conclusiva No actual complexo sistema internacional podemos verificar que houve uma transformação significativa nos conflitos armados. As guerras podem ser efectuadas por Forças Armadas que possuem alta tecnologia, que fazem a chamada guerra do Comando e Controlo, seja o seu inimigo uma força regular ou irregular. Por outro lado, verificamos que o actor Estado perdeu o monopólio do uso legítimo da força, surgindo novos actores que competem com ele, o que levou a que alguns autores apelidassem estas guerras de novas, pois nas mesmas assiste-se a uma desmilitarização do conflito. Nesta nova conflitualidade emergiu também um novo instrumento que carece de acompanhamento dos decisores políticos, as empresas militares privadas, que acabam por vir enfatizar a utilização do termo civilinização. -114-

Tipologias de Guerra

Na próxima parte aprofundaremos a temática das novas guerras que se desenvolvem em ambiente operacional de cariz subversivo e que, como veremos, não são tão novas quanto isso.

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Quarta Parte

A Estratégia da Subversão63 Até aqui, no nosso livro, temos falado de guerra, mas como o próprio título indica abordaremos também temáticas relacionadas com a estratégia. Nesse sentido, entendemos iniciar esta parte com um capítulo onde efectuamos uma breve análise da evolução do conceito de estratégia, para depois passarmos para uma análise da subversão e da sua estratégia, caracterização e evolução, suas principais causas e tipologias e identificando ainda as premissas que acompanham o fenómeno.

1. A Estratégia São inúmeras as definições e os critérios de delimitação do conceito de Estratégia. Não é nossa intenção neste livro acompanhar a evolução do termo, da sua aplicação ao longo da história e ir ao encontro

Este tema foi inicialmente por nós tratado na Revista Militar com o título “As guerras do terceiro tipo e a estratégia militar. Uma possível análise”, Novembro de 2005, p. 1349-1371; posteriormente voltámos à sua análise, mais aprofundada e surge uma nova publicação na revista Nação e Defesa do Verão de 2006, com o título “O fenómeno subversivo na actualidade. Contributos para o seu estudo”, p. 169-191. A investigação sobre este tema continuou e parte dele foi publicado na Revista Estratégia XVI, de 2007, integrando um trabalho mais vasto intitulado “Descrição do fenómeno subversivo na actualidade. A estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais”, p. 27-98.

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das origens da estratégia na Antiguidade Clássica, onde a actividade surgia associada à arte do General. Optámos por analisar os conceitos de autores já aqui referenciados por nós, e para quem a estratégia se reduzia à actividade militar, tendo como limite cronológico as guerras da Revolução e do Império. Faremos de seguida uma breve diagonal nessa mesma história e destacaremos os conceitos de alguns autores de referência do século XX, para quem a estratégia abrange outros domínios da actividade humana, apresentando ainda alguns conceitos do termo no início deste século, propondo um conceito trabalhado pelo autor deste livro, e que apenas se pretende que seja um instrumento útil para a reflexão e aplicação. No século XIX Clausewitz e Jomini apresentam uma definição de Estratégia que reflecte as origens da palavra, relacionando o emprego da força militar aos objectivos da guerra. Para Clausewitz a Estratégia era “a utilização do recontro para atingir a finalidade da guerra” (1976; p. 199). Já Jomini, na sua obra Precis de L´Art de la Guerre (1838), considerava a Estratégia como “l´art de faire la guerre sur la carte, l´art d´embrasser tout le théàtre de la guerre” (p. 155). No século XX começamos por destacar o Capitão Liddell Hart, um atento observador do período entre a I Guerra Mundial e a Guerra Fria. É com este estrategista que se pode considerar o início da distinção entre uma Grande Estratégia e uma Estratégia pura, tradicional, a Estratégia Militar. Para ele a Grande Estratégia “serve para dar um sentido de execução de uma política, pois o seu papel é o de coordenar e dirigir todos os recursos de uma nação ou de um grupo de nações, para a consecução do objecto político, visado com a guerra, que é definido pela política” (1966; p. 406). Identificando a um nível inferior a Estratégia Militar como “a arte de distribuir e aplicar os meios militares para atingir os fins da política” (1966; p. 406). Porém, é o General André Beaufre que na sua obra Introduction a -120-

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la Stratégie, publicada pela primeira vez em 1963 (em plena Guerra Fria), desenvolve uma nova e diferente teorização em que destaca que a Estratégia já não é do domínio exclusivo dos militares, considerando relevantes as restantes formas de coacção (económica, psicológica e política) a par da Estratégia Militar. Para Beaufre a Estratégia era “l´art de la dialectique des forces ou encore plus exactement l´art de la dialectique des volantés employant la force pour résoudre leur conflit” (1985; p. 16). Com Beaufre surge-nos a sistematização da Estratégia quanto às formas de coacção subdividida em três níveis distintos, a Estratégia Total, as diversas Estratégias Gerais e num nível inferior, cada Estratégia Geral tem depois diversas Estratégias Particulares, identificando ainda uma categoria distinta, que efectua a ligação entre a concepção e a aplicação, e que ele designou por Estratégia Operacional (1985; p. 25-26). O General Beaufre desde a década de 1960 que constitui uma referência nas escolas militares, tendo a sua sistematização ainda hoje especial acuidade. Em Portugal, a sua influência fez-se sentir num conjunto dos nossos principais estrategistas contemporâneos, dos quais destacamos os Generais Câmara Pina, Loureiro dos Santos, Pedro Cardoso, os Tenentes-Generais Kaúlza de Arriaga, Lopes Alves, Abel Cabral Couto e o Vice-Almirante Ferraz Sachetti. O ensino da Estratégia nas Escolas Militares portuguesas no último quartel do século XX foi muito influenciado pelo pensamento do Tenente-General Abel Cabral Couto, para quem a Estratégia era entendida como “a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade política” (1988, p. 209). Neste início de século escolhemos apresentar quatro definições distintas, o que nos continua a mostrar a falta de consenso em torno -121-

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deste conceito. A definição de Colin Gray, permanece muito próximo de Clausewitz, referindo o autor que “following Clausewitz (who else), I must insist that Strategy is about the use made of force and the threat of force for the goals of policy” (2006; p. 14). Nos manuais do Army War College norte-americano o conceito tem duas leituras, a primeira, mais restrita, apresenta a Estratégia apenas como uma relação entre ends, ways and means, e uma segunda que entende a Estratégia num conceito mais lato como “the skillful formulation, coordination, and application of ends (objectives), ways (course of action), and means (supporting resources) to promote and defend the national interest” (Bartholomees, 2006; p. 81). Outros autores efectuam um alargamento do horizonte ôntico da Estratégia, tendo Abel Cabral Couto passado a defini-la como “a ciência e arte de, à luz dos fins de uma organização, estabelecer e hierarquizar objectivos e gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e intangíveis, a fim de se atingirem aqueles objectivos, num ambiente admitido como conflitual ou competitivo (ambiente agónico)” (Couto, 2004; p. 215). Já Lawrence Freedman, na sua obra The Transformation of Strategic Affairs, ao justificar a sua ideia de transformação aplicada aos assuntos estratégicos, apresenta-nos um conceito que consideramos demasiado abrangente e que pode levar não a uma generalização do emprego do termo Estratégia, mas a uma deriva conceptual ou até banalização na sua utilização. Para Freedman “strategy is about choice. It depends on the ability to understand situations and to appreciate the dangers and opportunities they contain. The most talented strategists are able to look forward, to imagine quite different and more benign situations from those that currently obtain and what must be done to reach them, as well as more malign situations and how they might best be prevented. In so doing they will always be -122-

thinking about the choices available to others and how their own endeavours might be thwarted, frus-trated or even reinforced. It is this interdependence of choice that provides the essence of strategy and diverts it from being mere long-term planning or the mechanical connection of available means to set ends” (2006; p. 9). Neste livro, o conceito de Estratégia já não é apenas o da Antiguidade Clássica, que a identificava com a “arte do General”, nem tão abrangente como o de Freedman. Aqui entendemos a Estratégia, que é antecipatória e pró-activa, na sua essência e em sentido lato, consistindo na escolha do melhor caminho para se atingir um determinado objectivo com os meios (de hard e soft power) disponíveis, procurando no jogo dialéctico minimizar sempre as vulnerabilidades, maximizar as potencialidades e neutralizar as ameças, tendo a sua aplicação num ambiente hostil ou competitivo, ou seja, em ambiente agónico. Aqui também se analisa a Estratégia Militar, entendida como a aplicação do instrumento militar para alcançar objectivos políticos64.

2. Caracterização do fenómeno subversivo As agora generalizadamente chamadas “subversão” e “guerra subversiva” são fenómenos cuja origem se perde na história, tendo sido teorizados e desenvolvidos desde a Antiguidade por autores que vão de Sun Tzu (1974) a Bin Laden (2003), passando por exemplo, por Nguyen Giap (1972) e Amílcar Cabral (1974), entre tantos outros. Apesar de não serem aqui analisados, consideramos importante referir que as leituras dos trabalhos de Horta Fernandes e de Francisco Abreu (dois dos bons jovens pensadores da Estratégia em Portugal) muito contribuíram para a formulação das minhas ideias e dúvidas acerca dos fenómenos da guerra e da estratégia. Não posso também deixar de referir as longas conversas com o Amaral Lopes, Sérgio Marques e com o teimoso do Beja Eugénio.

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A subversão em armas inicia-se antes de se evidenciarem as suas manifestações violentas e, subordina-se, em regra, a uma ideologia política de um grupo organizado, que actua conscientemente, com planeamento, preparação e conduta na actuação contra o poder estabelecido, não sendo uma acção espontânea e descoordenada da população. Os meios para a levarem a cabo são avaliados pela eficácia e pelo seu valor relativamente ao fim em vista, materializando a população o seu centro de gravidade (EME, 1966 a). A subversão é um fenómeno progressivo que visa um poder, político, ou no interior de uma instituição qualquer que interesse controlar ou dominar, “alargando-se para o efeito a todos ou a parte dos aderentes desse poder e exprimindo deste modo a luta entre o grupo subversivo e a autoridade a abater” (Alves, 1992; p. 151). Pode ter como objectivos políticos a criação de uma nova sociedade, a simples modificação do regime existente, a substituição das autoridades que exercem o poder ou a modificação de políticas do antecedente (Couto, 1989; 215). A escolha desses objectivos deve ter em conta as tendências psicológicas da altura, assim como as vulnerabilidades do adversário e dos parceiros a utilizar (Beaufre, 1985; 101). Empregando ou não métodos violentos, a subversão como técnica que visa não só desgastar e eventualmente conquistar o poder como também atingir subtilmente a opinião pública, utiliza os conhecimentos das leis da psicologia e da psicossociologia, no bom uso das doutrinas de Tchakotine (1992; p. 568), para quem a violação psíquica se faz sem que a isso nada se oponha. A ruína do Estado ou a destruição do inimigo é alcançada por vias distintas e radicalmente diferentes das da guerra convencional e da revolução. O exército In cessará o combate porque estará completamente desmoralizado e doente como resultado do desprezo que o rodeia. Qualquer tentativa de restabelecimento do status quo ante será uma actuação no vazio -124-

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e o poder deposto, em virtude da sua própria porosidade, partirá só, sob o olhar indiferente da população (Mucchielli, 1976; p. 6). Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza social, ideológica, política, religiosa, racial, económica, geográfica ou mesmo exógena, (Couto, 1989; p. 219 e CECA, 1990; p. 54-57), susceptíveis de conquistar a adesão de variados sectores da população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução desses problemas ou contradições (Beaufre, 1972; p. 50). O facto de existirem problemas reais e contradições em determinadas sociedades não é sinónimo da existência de subversão, embora aqueles sejam propícios a esta. É, no entanto, necessário um agente catalisador que desperte as consciências para tais problemas, ampliando-os, se preciso, vencendo a tendência das massas para o conformismo e outros factores de inércia. Porém, devemos distinguir entre condições/factores favoráveis e causas. As primeiras serão genéricas; as causas, pelo contrário, são particulares, dinâmicas e adaptáveis. Apesar de assentes em factores propícios comuns, cada situação deve ser estudada de per si. A exploração das causas que devem ser simples, inspiradoras e convincentes (Laqueur, 1984; p. 377), a persistência, a atitude humilde, a actuação psicológica e a actividade de Informações, se bem geridas, permitirão, a seu tempo, obtenção de frutos. A estratégia da subversão é total, actua ao nível interno/externo através de uma manobra indirecta e por lassidão, não necessitando de travar batalhas decisivas, materializando o cúmulo da perícia de Sun Tzu, já referida e que aqui relembramos “subjugar o inimigo sem o combater” (1974; p. 165). Na subversão não há blietzkriegs, o seu alastrar é lento e, procurando convencer da sua razão e equidade e do inverso quanto à -125-

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contra-subversão, absorve, como o fenómeno do mercúrio derramado, a população, que é o seu factor de sucesso determinante. Assim, procurando controlar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo, as populações fidelizadas, desgastando ao mesmo tempo as restantes e os meios da contra-subversão, dirige-se ao seu objectivo final: a capitulação da autoridade. Garantida a mobilidade, a segurança (na forma de negação de alvos ao inimigo), o tempo e a doutrina, a vitória ficará com a subversão (Lawrence, 1920; p. 69).

2.1. A manobra subversiva A subversão recorre a um conjunto de técnicas destrutivas e construtivas, que Cabral Couto (1989; p. 232) sistematizou em: técnicas de organização, que são a estrutura da subversão (basta uma pequena minoria para criar um clima de instabilidade)65; técnicas de acções gerais (psicológica, política externa e de informações) que se destinam a apoiar de forma permanente a globalidade da luta e, por último, as técnicas de acções especiais (agitação, flagelação e acção militar clássica) que se referem à luta em si, e têm um ritmo próprio de desenvolvimento onde estas técnicas são empregues. Esta sistematização servirá de base para a nossa análise da manobra subversiva que não se dirige apenas ao domínio restrito dos objectivos definidos, “mas, pelo contrário, têm incidência sobre todos os domínios em que possa encontrar ideia ou bem material que lhe facilite o caminho para esse objectivo” (Alves, 1992; p. 151). A manobra subversiva, tal como a guerra entendida por ClauThomas Edward Lawrence, que contribuiu em muito para o entendimento da guerra subversiva, referiu que a rebelião pode ser feita por 2% de uma força activa e por 98% de simpatizantes pacíficos (1920, p. 69).

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sewitz (1976; p. 73), destina-se a submeter o adversário à nossa vontade. Contudo, os processos da guerra serão sempre violentos, ao passo que os da subversão podem nem sempre recorrer à violência física, mas apenas à manipulação frequentíssima das vontades, ou seja, as técnicas da guerra subversiva “ne se bornent pas à faire apparaître une volonté populaire préexistante, elles sont susceptibles, en maintes circonstances, de la créer” (Aron, 1988; p. 685). Podemos considerar que o enquadramento colectivo e a preparação psicológica são a base de toda a manobra subversiva (Pinheiro, 1963; p. 30), sendo o primeiro fundamental para a mobilização da opinião pública, tarefa que, uma vez concretizada, permitirá, através de uma correcta acção psicológica, operar a transferência de universo político/ideológico. A manobra de acção psicológica deve ser interna e externa. A primeira visa persuadir a população, desenvolver o moral dos militantes, doutrinar as massas, substituindo a hierarquia de valores, restringindo a liberdade de acção do adversário e procurando desgastar e desagregar as forças de contra-subversão; externamente procura isolar o adversário e criar/promover um clima favorável à subversão (Couto, 1989; p. 236). Neste tipo de guerra onde os êxitos são sobretudo psicológicos, as palavras, as ideias e as percepções desempenham um papel importante, sendo a melhor propaganda uma operação militar vitoriosa (Laqueur, 1984; p. 331). Nas guerras subversivas não podem existir vocábulos apolíticos ou neutrais. As próprias palavras são armas empregues para isolar e confundir o adversário, motivar amigos e atrair indecisos (Shy e Collier, 1986; p. 821); a doutrinação das populações deve conseguir, por um lado, uma atitude permanentemente hostil face aos invasores e, por outro lado, a protecção e o apoio aos guerrilheiros (Giap, 1972; p. 69). -127-

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A população nestas guerras serve de apoio, fornecendo os elementos para a luta e permitindo a circulação despercebida do agente subversivo. Nesta ordem de ideias, para além da sua simpatia, a subversão carece da sua cumplicidade. Os movimentos subversivos, em certas regiões, podem colocar as populações sob uma das seguintes situações, conforme a evolução da estabilidade desses grupos populacionais em relação às áreas controladas pelas Forças Armadas ou pelas Autoridades Administrativas: controlo por parte da subversão; controlo por parte da contra-subversão; controlo duplo, ou seja, controlo diurno por parte da contra-subversão e nocturno por parte da subversão ou o inverso. Clausewitz, a propósito das campanhas da Rússia e na Península Ibérica tinha já desenvolvido considerações sobre o povo na guerra, mais propriamente sobre a problemática de armar o Povo (Landsturm), afirmando que essa acção conduziria à ruína “as bases do exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual” e que, como esta, “exige tempo para produzir efeitos”. O povo, não podendo entrar no combate decisivo, podia e devia, portanto, atacar as áreas de retaguarda e as linhas de comunicações (Clausewitz, 1976; 578-581)66. Para Debray a incorporação do povo na guerra deve ser progressiva, permitindo à vanguarda combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento. Essa incorporação permite a extensão do combate em todas as suas modalidades (1977; p. 129). A subversão, ainÉ importante salientarmos aqui, e relembrando o que já mencionámos a propósito do significado do termo guerrilha, que na Península Ibérica, as milícias e ordenanças, bem como a actuação da população foram fundamentais para, no caso português, expulsar o invasor francês por três vezes. Neste período ficaram registados nos anais da História Militar Portuguesa personalidades como Francisco da Silveira e diversos Bispos e Clérigos que assumiram o “Comando do Povo” (Bragança e Faro, entre outros), que, com acções irregulares desgastavam os Exércitos de Junot, Soult e Macena, tendo o primeiro reagido com uma campanha punitiva de extrema violência sobre as populações, campanha essa comandadas por Loison, o famoso maneta.

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da segundo Debray, ou se implanta profundamente entre as massas populacionais numa região precisa, ou vê-se condenada, num prazo mais ou menos curto, a desaparecer (1977; p. 149-150). Assim, as massas “devem ser convencidas antes de ser directamente envolvidas na luta” (Debray, 1975; p. 33). Este objectivo deve ser conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda. A manobra de política externa procura maximizar a liberdade de acção e dos apoios, que procura entre outras unidades políticas e OI (Couto, 1989; p. 239). O apoio como veremos adiante neste livro, é prestado por diversas fontes e sob variadas formas, desempenhando um importante papel na manutenção e sustentação de movimentos subversivos.

2.2. O ritmo subversivo No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguemse 2 períodos e 5 fases, de limites mal definidos, e por conseguinte frequentemente indistinguíveis, são eles o período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a fase de agitação, e o período insurreccional, que compreende a fase armada (de terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final. O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente; a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea na totalidade do território-alvo; procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na transição do período préinsurreccional para o insurreccional (Oliveira, 1963; p. 24-26). Assim, normalmente, no período pré-insurreccional, em segredo, numa organização ainda embrionária, a manobra é estudada e planeada. Na primeira fase, o movimento subversivo deve compre-129-

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ender um órgão de direcção e alguns elementos para enquadrar a população, outros para ligações e recolha de informações e outros ainda para acções de agitação/propaganda. Através da propaganda a subversão difundirá ideias-força e com notícias tendenciosas procurará remeter a contra-subversão para uma atitude defensiva e de justificação (Couto, 1989; p. 237). Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente subversivo, ainda se permanece na clandestinidade; todavia, como os resultados começam a ser visíveis, abandona-se o segredo e desencadeiam-se intensas acções de propaganda que, segundo Hitler (1987; p. 445), devem preceder o desenvolvimento da organização, conquistando, assim, o material necessário. A agitação integra, com grande frequência, a técnica do entris67 mo , da propaganda de agitação, com o propósito de “ganhar” o apoio dos neutros, elevar o moral entre os subvertidos e seus apoiantes, minar a confiança no poder instituído e enfraquecer o moral das suas forças. A propaganda de agitação está ligada à ideia de revolução como levantamento popular contra um poder opressivo ou repressivo, ideia que procura empolar ou canalizar os descontentamentos, modificá-los em indignação e cólera, transformando-os rapidamente em agressão àqueles que são considerados os responsáveis da situação insustentável (Mucchielli, 1976; p. 23). Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem, procura-se levar as massas populacionais ao desafio da autoridade (Couto, 1989; p. 241-242) e cria-se um clima de medo, visando a desmoralização do poder, o descrédito e o desprestígio da autoridade, “a ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras 67

Infiltração metódica e planeada nas estruturas essenciais do poder a derrubar.

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paralelas; o facto consumado do levantamento, com ou sem o recurso ao confronto armado, mas procurando, na hipótese afirmativa, prolongar as situações de “contacto” das Forças Armadas regulares com a massa popular, para naquelas criar a “má consciência” e, por fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente colapso” (Monteiro, 1993; p. 24). A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de informação são consolidados. O status quo, como veremos na próxima parte, encontra aqui o seu período crítico: ou responde eficientemente ou já não controla a evolução dos acontecimentos na generalidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determinados aspectos ou situações. A fase armada, de violência declarada da subversão, que assenta numa manobra de flagelação (feita através de acções de sabotagem, terrorismo ou guerrilha, rural e urbana), aparece já no segundo período, o insurreccional. Aqui, a activação de “grupos-chave” é simultânea com a guerrilha, que emerge como técnica de tomada do poder e, se necessário ou útil, usa o acto do terror. A guerrilha sobrevive devido à sua grande mobilidade e maleabilidade, sem dúvida, mas sobretudo, devido ao apoio das populações, procurando actuar no seio do povo como peixe na água, para usar o princípio de Mao Tse Tung (1972; p. 145), para quem a essência da guerrilha assentava em seis princípios: iniciativa, flexibilidade e plano na condução de uma acção ofensiva durante a guerra defensiva; coordenação com a guerra regular; criação de bases de apoio, defensiva estratégica e ofensiva estratégica; desenvolvimento da guerra de guerrilhas em guerra de movimento; relações justas de comando. Aos princípios de Mao, Beaufre (1985; p. 104) acrescenta o dissuadir a população de informar, através de um terrorismo sistemático, e, alargar ao máximo, em superfície, a ameaça da guerrilha, sem no -131-

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entanto incitar o inimigo a recuar, mas sim a empenhar cada vez mais meios. A subversão armada, através das suas actuações, que na maioria das vezes são espectaculares, procura instaurar o “clima psicológico”, fomentar a agitação geral, mantendo a excitação emocional e, se possível, a anarquia, tentando também por vezes provocar a reacção repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar a unidade defensiva dos grupos visados. Esta é uma forma de se legitimar, aumentar a adesão e perpetuar a sua aceitação. Tais situações, se retransmitidas amplificadamente pelos meios de comunicação social numa engenharia de opinião (Chomsky, 1997; p. 25-29), podem criar a convicção pública de que, na generalidade, o poder é impotente, que a guerrilha atingiu a impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é impotente…). Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em superioridade sobre as forças da ordem constituída. Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as acções violentas, neutralizam-se as instituições, completa-se o estabelecer de estruturas político-administrativas e procura-se dominar algumas áreas do território. Numa quarta fase os movimentos insurreccionais concorrem com o poder, improvisando escolas e hospitais, aplicando a justiça e reclamando a existência de áreas libertadas, alegando ainda que o território e a população estão cingidos pela sua organização político-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado Revolucionário”; nela, a guerrilha esforça-se normalmente por ter uma conduta idêntica à de força regular e tende com alguma frequência a invocar o estatuto de “Alta Parte Contratante” no quadro do desafio que formula ao poder instituído, procurando, assim legitimar-se. Por fim, a máquina subversiva acciona um exército que procurará, a -132-

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partir de bases, dominar todo o território, recorrendo já a operações convencionais; durante o desencadear desta fase, reclamar-se-á frequentemente o direito ao estatuto de combatente, nos termos previstos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.

3. O fenómeno subversivo na actualidade As actuais guerras com cariz subversivo são referidas por outros autores como de terceiro tipo (Holsti, 1996), de quarta geração (Hammes, 2004), de debilitação nacional (Gelb, 1994), guerras pós-modernas (Luttwak, 1995; Cooper, 2004), guerras híbridas (Hoffman; 2009), ou mesmo, como adianta Mary Kaldor (2001), por guerras novas. No seu desenvolvimento utilizam todas as formas de coacção disponíveis (política, económica, psicológica e militar) para convencerem os líderes políticos adversários que os seus objectivos são inatingíveis ou muito caros para os benefícios esperados (Hammes, 2004, p. 2), provocando consequências no sistema internacional como um todo. Nestas guerras as maiores vítimas são os civis inocentes que representam mais de 90% das baixas (Pearson e Rochester, 1997; p. 306) das quais, na última década, 2 milhões eram crianças, numa média de uma em cada três minutos (Singer, 2005; p. 4-5), constituindo-se acima de tudo no principal objectivo. Não podemos também esquecer os refugiados e deslocados, vítimas humanas que na década de 70 do século passado eram cerca de 2,5 milhões, e na de 90 eram já mais de 23 milhões. Considerarmos o fenómeno subversivo como intemporal e, tal como Clausewitz o fez em relação à guerra, podemos compará-lo com um camaleão, que modifica um pouco a sua natureza e se adapta a cada caso concreto (Clausewitz, 1976; p. 89), assumindo actualmen-133-

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te, em consequência de diversos factores (intrínsecos e extrínsecos), que caracterizam o sistema internacional e as sociedades políticas, bem como as suas inter-relações, um carácter e formas qualitativamente novas. Com o fim da Ordem dos Pactos Militares (Moreira, 1996; p. 452) houve alterações significativas que foram introduzidas no conflito subversivo, sendo possível considerar duas circunstâncias com impacto em tempos diferentes. A primeira será o impacto imediato produzido pelo fim da Guerra Fria, sobretudo pelo fim do apoio prestado pelas grandes potências aos conflitos por procuração, sendo fundamental para se compreender a subversão contemporânea, identificar o papel das suas novas formas, bem como das fontes de financiamento (Byman, 2001; p. XIX). A segunda alteração, o impacto da globalização, porque mais profundo e extenso, faz-se sentir num período mais dilatado, ainda não terminado (Mackinlay, 2002; p. 15). O fenómeno subversivo actual manifesta algumas linhas de continuidade em relação ao passado (assimetria, ambiguidade, lassidão, guerra psicológica, terreno complexo, a mobilização política, uma ideologia unificadora), mas, segundo Steven Metz (2004; p. 12-14), a par da melhoria dos métodos e dos meios, apresenta diversas inovações, como o transferir do esforço das áreas rurais para as urbanas com a sequente incapacidade de concentração e actuação em larga escala (o que limita o atingir das 4.ª e 5.ª fase do ciclo evolutivo); uma diversificação de apoios; a criminalização de actividades; o alargar das ligações e a capacidade assimétrica de projectar poder com o terrorismo transnacional. O desenvolvimento provocou uma alteração nas formas de actuação dos grupos subversivos, que actualmente recorrem à alta tecnologia de informação e de comunicação disponível, surgindo o termo infosurgents (Kiras, 2002; p. 227). Hoje, as cinco fases já -134-

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enunciadas para o ciclo evolutivo da subversão podem não ser seguidas, saltando-se etapas, como da primeira directamente para a terceira fase. Actualmente, em algumas tipologias de subversão, o tradicional apoio da população já não é essencial (Mackinlay, 2002; p. 28-29), Steven Metz (2004; p. 13) vai mais longe, considerando que a subversão contemporânea apenas necessita da passividade da população, dado que grande parte dos movimentos subversivos precisam somente de garantir as fontes de abastecimento e instalações que lhes permitam fazer chegar os recursos dos Estados, ou do que deles resta, ao mercado internacional. Porém, em nosso entender, uma vez que a subversão se movimenta entre a população, aquele apoio é sempre fundamental, seja para ser manipulado, instrumentalizado, conquistado, ou mesmo para a transformar apenas em espectadora pouco atenta, conseguindo desta forma a sua inacção.

3.1. A subversão e o crime organizado transnacional Quando os Estados, que têm as suas estruturas de soberania pouco consolidadas, entram em colapso, perdem o controlo, a legitimidade e a coesão (Pauline e John, 1996; p. 20), facilitando a criação, disseminação e consolidação de coligações e redes de crime (Cooper, 2004; p. 66), as Organizações Criminosas Transnacionais (OCT). Estas, que possuem objectivos lucrativos muito bem definidos, uma capacidade de planeamento ao nível estratégico e de condução de conf litos armados, envolvendo um inimigo ou uma rede de inimigos, socorrendo-se muitas vezes das mais modernas tecnologias (Metz, 2000, p. 56-57 e Carriço, 2002, p. 622), desenvolvem a sua actividade criando um ambiente subversivo, não visando, no entanto, a tomada técnica do poder. -135-

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No presente, das diversas actividades a que o crime organizado transnacional se dedica, das mais rentáveis é o tráfico de estupefaciente. As OCT, com as verbas geradas, adquirem um nível de poder que compete com o dos Estados. Exprimem-no pela capacidade para criar diversas formas de instabilidade nos países onde operam, instabilidade de amplo espectro, da social à económica, da política à psicológica. Ao mesmo tempo, tentam conquistar indirectamente o poder político pela corrupção dos seus órgãos de soberania e dos funcionários. Por outro lado, com a finalidade de intimidar o poder instituído, de forma a garantirem completa liberdade de acção nas suas actividades criminosas, grupos como o Mara Salvatrucha68 , estão dispostos a usar elevados níveis de violência armada (Santos, 2004; p. 91-92) e, tal como já acontece na Bolívia e na Colômbia, chegam a administrar partes significativas de um determinado território, assumindo para si os fins de segurança, bem-estar social e por vezes até de administrar a justiça, substituindo-se plenamente ao Estado, colocando ao mesmo tempo os conceitos tradicionais de soberania e integridade territorial em causa. As novas formas de subversão associadas aos conflitos armados que surgem no contexto da globalização também têm uma dimensão económica, quer na origem, quer nas consequências (Williams, 2000; p. 89). São ainda indivisíveis do que é criminal, que passa para além das fronteiras e envolve regiões inteiras, misturando numa rede económica informal o saque e a pilhagem, o tráfico de seres humanos, de armas e narcóticos, as contribuições de imigrantes (Angoustures e Pascal, 1996), os “impostos” sobre assistência humanitária,

68 O maior gang a nível mundial, contando com cerca de cem mil elementos espalhados por 6 países, dedicando-se aos mais diversos tipos de crime, como a extorsão, o tráfico de droga, humano e de viaturas.

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tudo a viver da insegurança, da guerra, carecendo da continuação do conflito. Foram diversas as organizações revolucionárias como o Mouvement des Forces Democratiques du Casamance e o Sendero Luminoso que se envolveram na comercialização de estupefacientes, criminalizando as suas actividades, pondo assim um pouco à parte a vertente ideológica do conflito e transformando-se em narco-guerrilhas (Labrousse, 1996). Mas este envolvimento, que inicialmente seria apenas para o financiamento, pode ser depois o próprio motor da guerra. A criminalização pode também afectar as Forças Armadas (Paquistão, Peru, Turquia), que ou se deixam corromper entrando numa lógica de enriquecimento pessoal (narco-corrupção), ou então utilizam os fundos para financiar as suas actividades. Esta situação acaba por prolongar os conflitos, pois a eliminação das narcoguerrilhas provocaria também o desaparecimento de uma boa fonte de rendimentos (Labrousse, 1996).

3.2. As guerras civis e a luta urbana Também algumas guerras civis podem assumir, nalgumas fases do seu desenvolvimento, um carácter subversivo. Os conflitos internos que tendem a disseminar-se e que com facilidade ultrapassam as fronteiras físicas dos Estados, constituem uma fonte acrescida da instabilidade internacional (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003; p. 360), ao ponto de no presente ser difícil distinguir se uma guerra é interna, internacional ou mista, dado que há um amplo leque de tonalidades de transição. Nas guerras civis, onde os motivos são complexos e ambíguos -137-

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(Kalyvas, 2003; p. 476) encontramos uma disjunção entre identidades e acções ao nível das elites e, por outro lado, ao nível das massas. As alianças formadas pela conveniência respondem às oportunidades de cada momento, e inserem-se num contexto conflitual a nível nacional e outro a nível local, que estilhaça a autoridade em milhares de fragmentos e micropoderes (Kalyvas, 2003; p. 479). Hoje, no mundo em desenvolvimento, assistimos a uma combinação explosiva entre o crescimento populacional e a urbanização (Taw e Hoffman, 2005; p. 2). As populações rurais motivadas pela fome, pobreza e pelas guerras, refugiam-se ou imigram para os grandes centros urbanos que crescem desreguladamente. Essas comunidades migrantes vão-se instalar nas favelas, bairros da lata, vilas miséria, callampas ou shantytowns, das cinturas suburbanas em condições sub-humanas. Neste ambiente encontram terreno para emergir as mais diversas formas de subversão, como os gangs de rua (Manwaring, 2005)69, que ajustam as suas tácticas e estratégias, no bom reconhecimento de que o centro de poder político-económico-militar está na conurbação, que o poder pode e deve ser atacado na sua sede e não na periferia (Laqueur, 1984; p. 344), sendo a prossecução de objectivos políticos através de actuações violentas compelida para as cidades e para operações de pequena envergadura; ao mesmo tempo,

69 A argumentação de Max Manwaring assenta na seguinte base: “gang-related crime, in conjunction with the instability it wreaks upon governments, is now a serious national security and sovereignty problem in important parts of the global community. Although differences between gangs and insurgents exist, in terms of original motives and modes of operation, this linkage infers that the gang phenomenon is a mutated form of urban insurgency. That is, these nonstate actors must eventually seize political power to guarantee the freedom of action and the commercial environment they want. The common denominator that can link gangs and insurgents is that some gangs’ and insurgents’ ultimate objective is to depose or control the governments of targeted countries. Thus, a new kind of war is brewing in the global security arena. It involves youthful gangs that make up for their lack of raw conventional power in two ways. First, they rely on their “street smarts,” and generally use coercion, corruption, and co-optation to achieve their ends. Second, more mature gangs (i.e., third generation gangs) also rely on loose alliances with organized criminals and drug traffickers to gain additional resources, expand geographical parameters, and attain larger market shares” (2005).

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a luta urbana inviabiliza ou condiciona a utilização de determinados meios pela contra-subversão (O´Neil, 1990; p. 45 - 47). Se outrora as cidades eram o culminar do processo subversivo, agora constituem o seu meio ambiente privilegiado. Tal como na guerrilha rural, nas selvas de zinco e adobe, os combatentes que se misturam com a população com mais facilidade conseguem a cobertura dos meios de comunicação social, mostrando a incapacidade do poder para a proteger (Taw e Hoffman, 2005; p. 15). Neste pano de fundo, a subversão acaba por controlar uma determinada área e estabelecer formas alternativas de poder, beneficiando os seus seguidores com a prestação de alguns apoios (incluindo a distribuição de alimentos). Um bom exemplo de subversão urbana pode ser hoje encontrado no Brasil, onde em 1993 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté (Estado de São Paulo) surgiu o Primeiro Comando da Capital (PCC). Esta organização inicialmente tinha o intuito de defender os direitos e bem-estar da população reclusa. Porém, a partir de 2001 começaram a surgir atentados contra bens públicos e sobretudo contra as forças de segurança, colocando “a ferro e fogo” várias localidades. Os atentados eram coordenados a partir da prisão via telemóvel e aproveitaram muito o sensacionalismo dos meios de comunicação social. Marcos Camacho, o “Marcola”, líder desta organização, em entrevista a Armando Jabor do jornal O Globo é claro quanto à gravidade da situação. Segundo Marcos Camacho estamos perante uma situação de pós-miséria, em que já não há proletários, há sim uma terceira “coisa” crescendo, sem medo de morrer, que gera uma cultura assassina ajudada pela tecnologia, com métodos ágeis de gestão, que lutam em terreno próprio, que estão no ataque e são cruéis. Para “Marcola” o problema não tem solução, só a própria ideia é já um erro, afirmando: “vocês não entendem nem a extensão do problema ” -139-

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. A solução só viria “com muitos bilhões de dólares” gastos organizadamente, e tudo sob a batuta de uma “tirania esclarecida”, exercida por um governante de alto nível, que ultrapassasse as barreiras legislativas e judiciais, o que implicaria uma mudança psicossocial profunda na estrutura política do país, ou, em alternativa, só recorrendo a uma bomba atómica sobre as favelas, sugerindo que “a gente acaba arranjando também umazinha, daquelas bombas sujas … já pensou? Ipanema radioactiva? ” Armando Marques Guedes (2005) considera ainda que os movimentos urbanos, como as manifestações e formas de “acção directa anti-hegemónica” da “Esquerda festiva”, por exemplo, em Seattle (1999), os motins urbanos, como aqueles que ocorreram em Los Angeles (Abril/Maio de 1992) e, mais recentemente, em Paris (Novembro de 2005), ou os levantamentos populares pró-Democracia ocidental e liberal na Europa Central e de Leste, constituem casos de “subversão” notoriamente eficaz. Para Marques Guedes, todos eles “ foram desenhados com compasso e esquadria; e todos se mostram tão acéfalos como localizados nas fronteiras difusas entre a ilegalidade e a “desobediência civil”, entre a expressão democrática “legítima” e formas nuas e cruas de exercícios voluntaristas do poder ” (Guedes, 2005). A luta urbana não é uma técnica nova. Assim foi na América Latina, onde no final da década de sessenta do século XX, o centro de gravidade da luta subversiva passou do campo para a cidade, o que rapidamente originou uma nova doutrina da guerrilha urbana. No Brasil destacaram-se guerrilheiros urbanos como Carlos Lamarca e Carlos Marighella (1969). Este último acreditava que uma pequena elite subversiva poderia explorar o mais ligeiro descontentamento e actuar como catalisador de uma insurreição popular mais generalizada, sem, no entanto, ser necessário efectuar a construção de -140-

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uma organização política, onde o apoio estudantil e da população em geral aumentava na razão directa da repressão das autoridades governamentais (Marighella, 1969; p. 39). Marighella (1969) tentava, através da provocação, forçar o Inimigo a transformar a situação política em militar e a liberdade de acção residia nas pequenas unidades, com uma cadeia de comando simples, sem comissários políticos, apenas um comando estratégico e uma coordenação regional. As principais qualidades e vantagens da guerrilha urbana seriam a surpresa no ataque, um melhor conhecimento do terreno, uma maior mobilidade e velocidade e uma melhor rede de intell. Ao longo do seu manual, muito citado pelos autores do Army War College norte-americano (Metz, 2004 e Beckett, 2005), discorre sobre quais os principais alvos (sabotagem de pipelines e transportes, instalações militares, assassinatos políticos, raptos de polícias e americanos, artistas, figuras públicas). O rumor era a base da guerra de nervos e essa informação deveria ser passada às embaixadas estrangeiras, Nações Unidas (NU), nunciatura apostólica, etc.. Assim, o Povo culparia o Governo da situação caótica e pela insegurança (Marighella, 1969; p. 99). Na selva de cimento do Uruguai, os Tupamaros – que combinavam a concentração estratégica com a descentralização táctica – enfrentaram o problema comum a todas as guerrilhas urbanas: enquanto os seus elementos eram poucos e a escala das operações reduzida, permaneciam numa segurança relativa; porém, com o crescimento da organização surgiam os problemas logísticos, de bases, e com mais facilidade eram identificados e capturados (Laqueur, 1984; p. 346). As acções subversivas em ambiente urbano surgiram ainda entre outros países como na Itália (Brigate Rosse), na Alemanha (BaaderMeinhof), em França (Action Directe), na Argentina (Montoneros), -141-

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no Japão (Nihon Sekigun) e no Perú (Sendero Luminoso). Todas desafiaram a integridade política e socioeconómica dos seus países, criando um clima de instabilidade e de insegurança individual e colectiva (Manwaring, 2004; p. 29), seguindo um processo doutrinário comum de três fases típicas da subversão urbana: organização, desordem civil e terrorismo (Laqueur, 1984; p. 377), procurando sempre a repressão violenta do Poder. No fundo, o aparelho do Estado devia ser desmoralizado, parcialmente paralisado, destruindo-se assim o mito da sua invulnerabilidade e ubiquidade.

3.3. As democracias e a subversão Partindo do princípio que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, seriam estas que, face a uma primeira observação, se encontrariam particularmente vulneráveis à subversão de qualquer sinal e procedência. Porém, autores como Trinquier (1961), Delmas (1975), Laqueur (1984), O´Neil, (1990), Mackinlay (2002) e Munkler (2003), consideram as democracias ocidentais mais atreitas ao fenómeno, aproveitando a subversão, a sua organização social e os seus meios para a enfraquecer. Nestes Regimes, se, por um lado, não ignoram as intenções daqueles agrupamentos (Delmas, 1975; p. 18), por outro lado, neles, as reacções à violência estão limitadas por restrições constitucionais ao horizonte ético, cuja violação afectaria um conceito que moldou o próprio Estado. Os tempos de resposta são lentos, na medida em que os aparelhos jurídicos o são, por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver); “ as limitações na montagem e funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumi-142-

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da) dos repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a ausência de estruturas de propaganda e contra-propaganda, a vincada dualidade civil/militar, não capacitam as democracias ocidentais à contra-subversão, em termos de isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação verdade» (para obtenção de crédito por parte da opinião pública), evitar a situação de «tribunal popular» (onde o poder aparece réu face à colectividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias, por exemplo) locais ” (Monteiro, 1993; p. 22). Estas fragilidades expõem os governos ao ridículo e ao desprezo (Laqueur, 1984; p. 407). Deste modo, as democracias ocidentais tornam-se vítimas dos seus próprios conceitos. Uma vez conhecedoras da ameaça subversiva, só se podem preparar e reagir contra ela, em princípio, reorganizando-se de acordo com princípios totalitários (Delmas, 1975; p. 19) ou quase totalitários70. Todavia, esta situação implica uma restrição dos seus ideais, pelo que acreditamos que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reacção passarão forçosamente pelo recurso, entre outros, a um eficaz sistema preventivo, que preste um apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania, sem complexos nem “má consciência”.

70 Nos EUA, antes do 11 de Setembro de 2001, o relatório da Commission on America´s National Interest, de Julho de 2000, alertava para a necessidade de o governo americano na sua luta anti-terrorista não debilitar a sua legitimidade política e infringir direitos e liberdades dos cidadãos americanos. Com os atentados esta ideia foi pulverizada e o Congresso aprovou legislação muito restritiva (USA Patriot Act), que conferiu novos e diferentes poderes ao governo federal, visando sobretudo incrementar a vigilância, controlo e eventual procedimento criminal sobre indivíduos e empresas suspeitos de apoiarem organizações terroristas, restringindo seriamente a tradicional liberdade de expressão, de circulação e mesmo a privacidade.

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3.4. As origens e causas da subversão na actualidade Podemos analisar a subversão segundo dois ângulos que podem ser interdependentes: uma análise racional em função dos objectivos, ou, por outro lado, uma análise segundo as motivações de quem no terreno efectua as tácticas subversivas, onde os combatentes agem sem racionalidade e de forma emocional. Actualmente, os objectivos são idênticos aos do passado, o que há de novo, em nosso entender, são as motivações e as diferenças nas tácticas e nos novos recursos utilizados, incluindo tecnológicos. No fundo, a substância mantém-se, mas a forma varia. Pela descrição elaborada sobre o fenómeno subversivo na actualidade, podemos efectuar uma sistematização das suas principais origens e causas. Esta será apenas uma forma possível que auxilia a análise do fenómeno descrito, devendo ter presente que nesta sistematização as fronteiras são ténues e, por vezes, cumulativas. Assim, consideramos como principais origens e causas da subversão na actualidade: · A histórica resistência contra ocupantes, como aconteceu na Península Ibérica face ao invasor francês no século XIX e actualmente no Iraque; · As formas clássicas da luta de libertação e ideológica, como em algumas regiões da América Latina; · Em áreas menos desenvolvidas, nos Estados fracos e colapsados, o desencadear de fenómenos violentos de cariz subversivo para conquistar um poder frágil, como acontece um pouco por toda o Continente africano; · Económicas, associadas ou não ao crime organizado; · A afirmação de identidades nacionais e conflitos de ajustamento de fronteiras tem impelido determinados grupos a desen-144-

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cadear guerras de secessão. As motivações podem ser alternativas ou cumulativas e podem ser étnico-culturais, económicas, etc.. Em princípio nada têm a ver com as guerras da independência anti-colonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade. Este processo de ajustamento é quase sempre endógeno, explorado por potências exógenas, como acontece no Médio Oriente, na Ásia Central e em algumas regiões de África; · As mudanças civilizacionais. O desenvolvimento das sociedades e a sua transição do pré-modernismo para o modernismo, ou deste para o pós-modernismo (Cooper, 2004), contêm em si os germens de uma subversão. Este tipo de mudança cria e altera significativamente as formas e relações de produção, as estruturas do poder, as relações entre governantes e governados. As consequências sociais são potencialmente devastadoras, afectando o equilíbrio das estruturas tradicionais, colocando em risco a sua integridade social e cultural. No mundo ocidental, é o modelo de Estado providência que é posto em causa; · São ainda passíveis de tensão e ruptura nos diversos níveis (interno e externo) as diferentes formas de migração e a conurbação com o fenómeno superveniente do desemprego, da “miséria doirada” e de luta/instabilidade social; o populismo (Ropp, 2005)71; as tensões e mesmo a manifestações de agressão e violência entre os três tipos de sociedade anteriormente enunciados quando perante os contrastes oferecidos (sobretudo via novas tecnologias de comunicação e informação que ultrapassam todas as barreiras de controlo edificadas, sendo o melhor exemplo a inSteve Ropp (2005) refere que a incerteza associada à globalização conduz, nas democracias representativas, ao desrespeito pelas instituições formais, que pode, em situações extremas, levar ao desencadear de acções políticas directas, ilegais, que minam as bases políticas e alteraram o ambiente estratégico.

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ternet); entre sociedades, ou no respectivo interior, de tendências promotoras de laicismo e outras de confessionalismo mormente se tal traduz ou veicula concorrências de interesses tanto internos como projectáveis no exterior (Monteiro, 1999/2000, p. 18).

4. As tipologias subversivas Face à caracterização efectuada, hoje é possível classificar a subversão em quatro grandes tipologias72: lumpen, etnolinguística, popular e global; sendo cada tipologia explicada como um modelo constituído por inúmeras facetas de análise (motivação, liderança, recrutamento, organização, capacidade de oposição, etc.) (Mackinlay, 2002; p. 43), comportando um ou mais dos móbiles identificados. As tipologias enunciadas são meramente académicas e servem como instrumento de análise para explicar a natureza particular de um determinado movimento. Esta não é uma tipologia estanque, as características de cada uma são passíveis de se expandirem e cruzarem entre elas.

Lumpen Os movimentos lumpen são bandos armados ligeiramente organizados, de estrutura informal e horizontal, que podem emergir e obter sucesso contra um Estado fraco, a sua energia irradia da rua e não pelo desenvolvimento intelectual de uma ideologia, a actuação mili72 Bard O´Neil (1990) sugere sete tipos de movimentos: anarquistas, igualitários, tradicionalistas, pluralistas, secessionistas, reformistas e preservationistas. Mais recentemente Steven Metz (2004) caracteriza-as como nacionais ou como de libertação (2004).

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A Estratégia da Subversão

tar precede a conceptualização dos motivos, em vez de emergir deles, e é levada a cabo sobretudo em áreas rurais; a disciplina assenta na brutalidade extrema, com utilização profusa de estupefacientes e de bebidas alcoólicas, onde o apoio da população surge pela mera questão de sobrevivência, pois os elementos das unidades lumpen sistematicamente agridem e exploram as populações; a pertença ao grupo, para além da sobrevivência, é uma questão de identidade, sendo o recrutamento forçado (Mackinlay, 2002; p. 44- 54). A Frente Unida Revolucionária da Serra Leoa é um bom exemplo. Para Ignatieff (1998; p. 132), forças destas podem ter apoio estatal, podendo fazer o trabalho sujo e cometer as maiores atrocidades contra a vida e dignidade da pessoa humana, o que não é “consentido” às forças regulares.

Etnolinguística A subversão de base etnolinguística ou similar, como aconteceu na Somália, é definida pelos laços familiares das estruturas que podem ser mobilizadas para o conflito em unidades militares primitivas que são capazes de efectuar pequenas acções, mas não um combate sustentado; são muito idênticas na actuação às forças lumpen, lutando sobretudo por recursos e, cada vez mais, numa perspectiva de enriquecimento, porém as lealdades assentam na genealogia e a pertença não é uma opção; uma unidade de combate de um clã é organizada numa estrutura tradicional, onde as decisões são deliberações dos mais velhos que desempenham um papel de relevo e a sua perenidade deve-se à necessidade individual de sobrevivência. As suas forças são a manifestação da sua cultura e apresentam poucos vestígios de doutrina de insurreição ou de organização em -147-

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estado-maior, e a liderança é indicada pelos membros, de onde lhe advém o ascendente pelos pares e a boa aceitação pelos mais velhos, de quem dependem na angariação de fundos e recrutamento (Mackinlay, 2002; p. 54-66).

Popular As forças populares distinguem-se das lumpen e das etnolinguísticas, pela sua ideologia mais elaborada e pela proximidade das populações que apoiam essa ideologia, tendendo para uma organização militar mais consolidada. Na forma tradicional podemos dizer que tem um período pré-insurreccional e um insurreccional. São a resposta a um Estado forte, surgem de uma organização em segredo que pode evoluir e conduzir operações prolongadas no tempo. A sua estrutura é celular e tendem para adquirir uma componente política autónoma da militar. Um bom exemplo é o dos movimentos independentistas, como os que o poder português enfrentou em África. Os seus métodos variam dependendo da fase da campanha. Por vezes, é difícil distinguir quando se está perante uma campanha revolucionária ou apenas de senhor da guerra. Actualmente, como já referimos, um movimento subversivo cai com facilidade na criminalização da actividade, sem procurar qualquer outra forma de responsabilidade social e política que beneficie a população (Mackinlay, 2002; p. 94).

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A Estratégia da Subversão

Global As forças globais, que no período da Guerra Fria se manifestavam através do movimento comunista internacional, apoiado pelo Partido Comunista da União Soviética, encontram presentemente a sua face visível em Bin Laden e na al-Qaeda, que se caracteriza por uma organização armada proveniente de diversas regiões, apoiada por uma vasta diáspora que partilha a mesma ideologia ou religião, e as suas acções são acompanhadas pelos meios de comunicação social que lhe ampliam o impacto (Mackinlay, 2002, p. 12-13). Estes movimentos estão muito próximos dos movimentos populares, mas são distintos, uma vez que têm intenções, objectivos, recrutamento e organização globais. Neste tipo de subversão há diversas facetas em tudo semelhantes às dos cartéis da droga: estruturas de rede transnacionais; compartimentação em células semiautónomas que desenvolvem a maioria das actividades críticas da organização; planeamento das operações meticuloso com um cuidado extremo na pesquisa e análise de intelligence, ambos aprendendo com a experiência e adaptando as suas estratégias e práticas (Kenney, 2003; p. 192). Consideramos a subversão global como uma entidade de estrutura celular, desterritorializada e por vezes acéfala (Bauer e Raufer, 2003, p. 106), que procura atingir os pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho do Estado e está mais vocacionado para desgastar o poder que desafia ou para promover a sua rejeição do que para o derrubar, procurando forçar um comportamento repressivo, logo, comprometedor, e demonstrar a constrangedora ineficácia da prevenção (Monteiro, 2002; p. 3). Para além da espectacularidade dos efeitos das suas actuações (concepção e exe-149-

Qual de Nós Terá Razão?

cução dos actos materiais em si mesmos), procura a ressonância publicitária junto da opinião pública, bem como os efeitos psicológicos causados nos alvos. Ao que nós apelidamos de subversão global, aparece-nos normalmente com a designação de terrorismo transnacional ou mesmo global, motivo pelo qual neste estudo, e a partir daqui, trataremos indistintamente os dois conceitos. O tema do terrorismo transnacional será analisado em parte específica deste livro.

5. Premissas da subversão Pela descrição efectuada pode concluir-se que uma subversão metódica, de cunho voluntarista, normalmente visa desmoralizar ou desintegrar e desacreditar a autoridade, seguindo cinco premissas que se encontram nos práticos da subversão, de T´ai Kung, passando por Mao e indo até Bin Laden: Sustentar que o governo é indigno; sustentar que o governo não está identificado com valores nacionais e, portanto, se apresenta como estrangeiro; atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas; procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo é impotente e, logo, figuração a derrubar e, neutralizar e/ou arrastar as massas para impedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da ordem anterior (Mucchielli, 1976; p. 69 e Monteiro, 1993; p. 23). O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas nos terrenos sobre que incida. O sinal da sua concreta procedência ideológica, bem como da estratégia em que se integra, muitas vezes só é perceptível depois de apurar a quem aproveita ele; isto, sem embargo de “ conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte -150-

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do «autor moral» (situação mais frequente nas organizações terroristas), a subversão entra em órbita irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar como elemento de erosão passiva ” (Monteiro, 1993; p. 23-24). A contínua proliferação de grupos subversivos parece-nos ser um indicador claro que esta forma de luta assimétrica foi largamente entendida como um meio efectivo de alcançar o poder, sendo que os movimentos que obtiveram sucesso foram aqueles que mostraram capacidade de organizar uma infra-estrutura política suficientemente durável para aguentar um conflito de longa duração (Beckett, 2005; p. 3).

Síntese conclusiva Nesta parte iniciámos com uma conceptualização da Estratégia para depois analisarmos o fenómeno da subversão e a Estratégia a ele associada. Como vimos, obedece a uma actuação global, que visa sempre o poder. Salientamos da nossa análise o seguinte: a subversão também é um fenómeno político intemporal que afecta a soberania dos Estados e cuja substância se mantém, mas modifica o seu carácter e adapta-se a cada caso concreto, assumindo hoje formas qualitativamente novas em consequência de diversos factores que caracterizam o Sistema Internacional e as sociedades políticas, bem como as suas inter-relações. Nesta ordem de ideias, a subversão na actualidade, que agrupámos em quatro grandes tipologias, lumpen, etnolinguística, popular e global, manifesta-se devido a fenómenos como: a conurbação, o recrudescimento dos nacionalismos, as mudanças civilizacionais em -151-

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diversas sociedades ou no confronto entre elas, o crime organizado, o terrorismo transnacional, a forma clássica da luta de libertação e ideológica, ou através da tradicional resistência à ocupação territorial. Estas motivações podem ser alternativas ou cumulativas, encontrando a sua expressão mais violenta nas também designadas por guerras de quarta geração. Estas guerras são todas irregulares, sem regras, sem princípios, sem frente ou retaguarda, onde os objectivos são fluidos, no entendimento de que a única legitimidade é a do exercício, tendo como maiores vítimas as populações.

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Quinta Parte

A Estratégia da Contra-Subversão73 Na parte precedente analisámos a Estratégia da subversão e as características do fenómeno na actualidade. Pensamos que se impõe agora uma análise da Estratégia de resposta a dar à subversão, ou seja, da Estratégia da contra-subversão. Assim, sabendo que a subversão obedece a uma Estratégia total, adoptámos um modelo de análise holístico e identificámos as 5 Estratégias gerais (político-diplomática, socioeconómica, psicológica, informações e militar) que dão corpo à estratégia total contra-subversiva. Efectuada a identificação das integrantes da Estratégia contrasubversiva, foi nossa opção efectuar uma análise de cada uma das Estratégias gerais que o poder formal vai utilizar para concretizar a sua resposta.

1. A Estratégia contra-subversiva e as suas integrantes À estratégia das guerras de cariz subversivo deve ser oposta uma estratégia contra-subversiva, que tem como objectivo final a protec73 A versão inicial deste tema foi abordada em outros trabalhos anteriores, de que destacamos a versão integral na Revista Estratégia XVI de 2007, com o título “Descrição do fenómeno subversivo na actualidade. A estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais”, p. 27-98.

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ção e o fortalecimento de todas as estruturas da região em causa, de modo a impedir que a subversão possa desencadear-se ou, se iniciada, possa ter êxito (Alves, 1999; p. 283), ou seja, evitar a subversão. Para a prossecução deste objectivo a manobra divide-se em três objectivos intermédios (Couto, 1989; p. 306 e CECA, 1990; p. 95): · Neutralizar e destruir a estrutura subversiva; · Preservar e fortalecer as forças da contra-subversão; · Preservar e obter a adesão da população, criando interna e externamente condições que desfavoreçam a eclosão da subversão. Estes objectivos podem ser alcançados segundo técnicas destrutivas e construtivas e diversos tipos de processos como (Couto, 1989, p. 307-311 e CECA, 1990; p. 98): · Gerais, onde incluímos as actividades de informações, de acção psicológica e de anti-lassidão; · Específicos de acção interna, onde são incluídas as acções militar, policial, psicológica, político-administrativa e socioeconómicas; · Específicos de acção externa, militar, económica, política e psicológica; · Processos especiais. Da descrição do fenómeno subversivo feita na quarta parte e pela sistematização elaborada acerca dos objectivos e processos contrasubversivos, podemos concluir que os principais actores do ambiente subversivo são a população, as forças de subversão, as forças de contra-subversão e a comunidade internacional, todos eles a relacionarem-se e a condicionarem-se de uma forma dinâmica. Esta abordagem permite-nos criar um modelo holístico para a análise do fenómeno subversivo/contra-subversivo com base na ca-156-

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racterização da estratégia quanto às formas de coacção de Beaufre (1985), mas transformado, deixando de ser piramidal e apresentando agora uma estrutura matricial, e com mais uma estratégia geral, a estratégia de informações. Este modelo fica muito semelhante ao de Gordon McCormick da Naval Post Graduate School (2003)74. Para a definição do nosso modelo, tivemos em consideração que qualquer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no espaço e tempo próprios, deve ser equacionada para fazer face aos móbiles que a originaram e à tipologia subversiva identificada, e deve ter em conta que a aplicação dos diversos processos e técnicas, a sua combinação, integração e coordenação formam a estratégia contrasubversiva. Esta estratégia deverá ser total, ao nível interno e externo, directa e indirecta, antilassidão, carecendo de uma coordenação, muito estreita, de cinco estratégias gerais, que caracterizam o nosso modelo de análise: político-diplomática; socioeconómica; psicológica; informações; e militar. A contra-subversão deve apoiar-se num programa político bem definido, realizável, que vá ao encontro do pulsar das populações, realizada com determinação e “ comunicado, esclarecido e valorizado através de uma eficiente e intensa acção psicológica ” (Couto, 1998; p. 298), tendo em consideração que o centro de gravidade a atingir é a população, e que cada actuação afecta as percepções que quer a população quer a comunidade internacional têm da situação, pelo que a conquista das suas adesões é fundamental. Só depois de se conseguir estas conquistas se poderá actuar com operações rendíveis O modelo de McCormick é uma ferramenta para a análise de situações de subversão e de contrasubversão, tendo por base o desenvolvimento de uma visão simétrica das acções exigidas quer pela subversão quer pela contra-subversão para alcançar o sucesso. McCormick define a manobra subversiva/contra-subversiva assente em cinco estratégias de actuação: a conquista das populações; negar ao adversário o controlo das populações; acção directa sobre o adversário; afectar as ligações do adversário à comunidade internacional e estabelecer relações com a comunidade internacional.

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a outro nível (Canonico, 2004; p. 12). Não queremos com isto dizer que não haja, por exemplo, uma intervenção directa sobre as forças subversivas e que as outras manobras não se vão desenvolvendo em simultâneo, uma vez que elas se complementam. A estratégia contra-subversiva também tem um ritmo próprio, que abrange um período de prevenção e outro de intervenção, sendo o primeiro contínuo e acompanhando o segundo (Alves, 1999; p. 284). Tal como qualquer doença, a melhor forma é preveni-la para evitar o desenvolvimento do ciclo evolutivo clássico. Caso não se evite o eclodir da mesma, tudo deve ser feito para reduzir o período de inércia, de hesitação e de adaptação dos planos existentes, que caracteriza a estratégia contra-subversiva na passagem de um período a outro (Trinquier, 1968; p. 133). O tempo para a resposta é de facto importante. Este ritmo passa pela preparação dos diversos sectores de actividade do Estado no período de prevenção. No período de intervenção há uma fase de limpeza, onde se estabelece o dispositivo das forças de segurança e militares, procurando criar um clima de segurança; uma fase de consolidação, onde se restabelece a organização governamental e o controlo pelas autoridades civis, mantendo ainda uma forte presença militar e, por fim, uma fase de reconstrução, onde se regressa à normalidade, com a transferência de responsabilidades para as autoridades civis e administração locais (Arriaga, 1961/62, Couto, 1989, e CECA, 1990). Uma das ironias e problema com a estratégia contra-subversiva reside no frequente não reconhecimento, ou negação, por parte do regime que a deve desencadear, da existência de subversão no seu território, dando tempo a que o fenómeno se desenvolva, iniciando o conflito com iniciativa e vantagem estratégica (Metz, 2004; p. 23), levando ainda a um atraso na resposta. A resposta deve demonstrar -158-

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a sua vontade, os meios e a capacidade para derrotar a subversão e a sua credibilidade não pode ser afectada por uma constante privação das liberdades e garantias das populações, nem pelo deixar andar e permitir a instalação consolidada da subversão. A contra-subversão é uma actividade de alto consumo de tempo e de recursos. O tempo mede-se em décadas e não em anos, a vitória ou sucesso num conflito deste cariz mede-se, sobretudo, pelas repercussões psicológicas (Couto, 1989; p. 321), e não tanto pelos resultados militares alcançados. Para Marcello Caetano (1974; p. 169), mais do que em qualquer outra guerra, “ vale nesta o princípio de que o vencido é o primeiro que desiste de lutar e se considera derrotado ”. O sucesso também se alcança pelo ganho de vantagens ao adversário em termos de tempo, espaço legitimidade e/ou apoios. Estas vantagens não são mutuamente exclusivas e a excelência de uma não compensa as carências da outra (Kiras, 2002; p. 212). Nesta tipologia de conflitos a vitória não conduz a uma rendição incondicional marcada pela assinatura de um documento formal; a vitória é cada vez mais definida pelo alcançar de uma paz sustentada (Kitson, 1971; p. 70), de preferência com a remoção das causas que estavam na origem desse mesmo conflito, bem como as suas manifestações (Zartman e Rasmussen, 2001; p. 11). Para a contra-subversão é imperioso saber contra quem se combate, quais os seus móbiles, dado que é distinto combater contra um adversário com ética e regras do que combater alguém sem regras, disposto a tudo; no fundo, a diferença entre combater contra guerreiros ou soldados na feliz expressão de Hammes (2004; p. 41). A contra-subversão deve, pois, cingir-se às normas éticas da conduta das hostilidades, apesar de se poder desenrolar uma luta desleal, com diferentes regras para os jogadores. A conduta ética da contra-subversão não invalida de forma algu-159-

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ma operações clandestinas e cobertas. O emprego de agentes infiltrados secretos e de informadores, já referido por Sun Tzu (1974; p. 120), é imprescindível em qualquer conflito, dado que aqueles conduzem um conjunto de actividades necessárias para o conhecimento do adversário. É no entanto interessante referenciar que no Congresso norte-americano não há unanimidade quanto ao emprego de métodos extra-legais75. Uma actuação sem ética pode conduzir a situações semelhantes àquelas que ocorreram na Argentina onde, entre 1969 e 1979, a repressão foi violentíssima (assassinatos, raptos, tortura, internamentos compulsivos, venda dos bens dos desaparecidos, venda dos filhos dos prisioneiros políticos), originando a expressão de guerra suja, que conduziu ao fim da subversão dos Montoneros e seus aliados, mas que 30 anos passados ainda faz sentir os resquícios sociais (Manwaring, 2004; p. 16). Aquela resposta desproporcionada pode-se designar por terrorismo de Estado, que acaba por afastar o apoio popular. Apesar de tudo, a repressão é considerada por Trinquier (1968; p. 133) como inibidora da subversão, o que nos pode induzir a pensar numa solução para o fenómeno subversivo pela força, imposta pelo terror, mudo ou não. Porém, Raymond Aron (1988; p. 685), para quem a repressão pode ser necessária quando se atinge a fase da guerrilha, é esclarecedor ao considerar que ela raramente é eficaz contra a propaganda, a infiltração, as tentativas de sedução dos intelectuais, a exploração do descontentamento popular e para o convencimento dos hesitantes da superioridade moral ou histórica da contra-subversão. Na Itália, no bom entendimento do princípio de Maquiavel que “ os principais fundamentos que têm todos os Estados (…) são as boas Leis e as boas tropas ” (1990; p. 56), foi a legitimidade e a ética de actuação do Esta-

75 “The use of law enforcement mechanisms against international threats may also imply that non-legal instruments, such as military force or a covert action by an intelligence agency, are less important and can be deemphasized. Questioning this assumption, observers argue that some important international outcomes are utterly unobtainable through judicial processes”. (Congressional Research Service, 2001, p. 6).

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do que permitiu uma resposta total, legislativa, política, psicológica, social e económica, para fazer face às quase três centenas de grupos subversivos com que o poder se defrontava.

2. A Estratégia político-diplomática Ao falarmos em estratégia político-diplomática equacionamos sempre uma actuação externa e outra interna. A nível interno, a acção política está estreitamente relacionada com as reformulações de carácter dinâmico realizadas pelo poder, com a tomada de decisões a nível administrativo, e com a adopção de medidas de âmbito legislativo, regulamentar, organizativo e de reforço da autoridade do Estado. A nível externo a contra-subversão tem diversas formas de actuação. Através da acção diplomática sobre Estados, OI ou outras entidades identificadas com relevância estratégica, procura angariar apoios e reduzir os da subversão, promovendo o seu descrédito, recorrendo, se necessário, a uma diplomacia coerciva (O´Neil, 1990; p. 149). Ao nível externo, propomos ainda a vertente de actuação cooperativa da comunidade internacional. Esta estratégia é fundamental, uma vez que é com e através dela que se garante a liberdade de acção – a essência da Estratégia – para se poder conceber a estratégia ao nível interno onde jogam três variáveis fundamentais: as forças materiais, as morais e o tempo que essa manobra leva (Beaufre, 1985; p.121). O sistema político-administrativo desempenha um papel fulcral quer na prevenção quer no combate à subversão, pois é através dele que grande parte da acção contra-subversiva é concebida, sendo assim necessário adoptar diversas medidas que reforcem a autoridade do Estado. A título de exemplo: a definição de políticas geradoras -161-

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de um clima de segurança e bem-estar, prevendo e preparando medidas legislativas adequadas (penais e outras), de implementação permanente; a criação/manutenção de um eficiente sistema de informações; o fortalecimento das instituições militares, de segurança interna e dos órgãos de soberania, bem como a preparação de planos de contingência, com a finalidade de dissuadir aquele tipo de actividades, procurando evitar ou, no mínimo, antecipar a implantação da subversão (Couto, 1989; p. 334-348). Compete aos Governos fomentar a melhoria das condições de vida das populações, o seu progresso social, segurança e bem-estar. Esta missão passa necessariamente pela criação/melhoria das estruturas e infra-estruturas de base, como as redes viárias, ferroviárias, fluviais, eléctrica, de saneamento básico, médico-hospitalar, escolar, entre outras. É ainda fundamental promover acções de propaganda, de informação pública, de políticas de combate à corrupção, de partilha de informação entre os diversos órgãos de soberania e serviços afins da segurança e defesa, de medidas fiscais e fiscalizadoras rigorosas, procurando dificultar a lavagem de dinheiro. O combate deve ser feito sobretudo através de medidas que ajudem a reverter as origens e causas do fenómeno, uma vez que acreditamos que não é possível fazer frente à subversão apenas com acções policiais ou com a publicação de novas leis. A chave do problema está na sociedade em si, na sua estrutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos. É a este nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo (Williams, 2000; p. 185). Caso a subversão se manifeste em áreas urbanas, enfatizar o terrorismo e não o apoio popular, a resposta pode ser encontrada em acções modestas mas vigorosas e adoptadas apenas nos meios urbanos (O´Neil, 1990; p. 160), requerendo um conjunto vasto de capaci-162-

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dades, doutrina e treino, bem como uma necessidade de identificação das causas da subversão e dos requisitos políticos para a conter (Taw e Hoffman, 2005; p. 21). Vimos na segunda parte que umas das fontes de apoio da subversão provém das diásporas e dos refugiados. Assim, os Estados devem ser pragmáticos no seu controlo impedindo esse auxílio (Byman et. al., 2001; p. XVI) e, quando oportuno, devem aproveitar as suas ligações em proveito dos seus interesses e da comunidade internacional, interesses esses que podem passar pela resolução ou transformação do conflito (Zartman e Rasmussen, 2001; p. 41)76. Os Estados, coligações destes ou OI não devem esquecer o velho princípio que negociar com a subversão em igualdade apenas serve para a prestigiar (Couto, 1989; p. 296). Nesta ordem de ideias, as negociações devem ser feitas em posição de superioridade, para cativar desmoralizados, ao mesmo tempo que se oferece uma saída sedutora para os nãoirredutíveis (Kitson, 1971; p. 144). Na actualidade, as guerras subversivas manifestam-se, como vimos, de formas distintas e não como variantes da mesma forma. A resposta a cada uma delas, de acordo com Mackinlay (2002; p. 99), é caracterizada por um planeamento diferente, bem como por princípios e aproximações diferentes, sendo muito perigoso aplicar os princípios de contra-subversão de uma tipologia a outra tipologia diferenciada. A estratégia desta resposta depende muito da eficácia da organização global do poder instituído, do espírito de cooperação entre as autoridades civis/militares, nomeadamente, do grau de compreensão que os comandantes militares tiverem da utilidade do aproveitamento das autoridades civis. Para proporcionar mais

76 Para Zartman e Rasmussem (2001; p. 11), a transformação do conflito é entendida como “replacing conflict with positive relationships – cooperation, empathy and interdependence between parties”.

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rendimento a esta cooperação, a história demonstrou que deve ser efectuada uma concentração de poderes, civis e militares, na mesma autoridade77. Num conflito de carácter total, é necessária uma estreita coordenação entre as acções de todos os elementos civis e militares, pelo que ou se concentram poderes, seguindo o princípio da unidade de comando, o que pode facilitar procedimentos e, eventualmente, diminuir o tempo de resposta ou, então, em situações onde eles estejam separados, se criam órgãos e estruturas em que podem ser delineados planos e tomadas decisões que permitam uma melhor colaboração e rendimento (em Moçambique, lembramos o Conselho de Defesa presidido pelo Governador-Geral). O desenho organizacional da contra-subversão também pode ter diversas concepções. As estruturas civis ou militares podem estar cindidas numa só, como já referimos, ou podem ser separadas, e as responsabilidades pela segurança interna e externa também. Caso as estruturas estejam dispersas por diversos órgãos de soberania, é necessário existir um órgão de coordenação das actividades. As estruturas serão diferentes nos períodos preventivo e de intervenção, mas os princípios base que propomos são os da flexibilidade e dinamismo, que permitam aos Estados transitarem para situações de instabilidade sem ter, necessariamente, de recorrer a medidas de excepção, sendo importantes o particularismo da situação e, acima de tudo, os resultados. Foi o que fez a Inglaterra na Malásia (1948-1960) e no antigo ultramar português, também foi esta a estratégia adoptada, acumulando o Governador-Geral, nos primeiros anos de guerra, simultaneamente as funções de Comandante-Chefe. Podemos ainda consultar o interessante livro de Adriano Moreira (1961) Concentração de Poderes e ainda Marechal Lyautey (1933) Lettres de Tonkin et de Madagascar (1894-1899). Na Itália, a concentração de poderes no Carabinieri General (1968-1982) e na unificação do intelligence, até o PCI colaborou (Manwaring, 2004). Mais recentemente, a propósito das operações de estabilização das forças norte-americanas no Iraque, podemos detalhar em Hoffman, Bruce (2004) – Insurgency and counterinsurgency in Iraq. Santa Mónica: Rand Corporation.

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Quando uma guerra de cariz subversivo se revela num determinado Estado com instituições consolidadas, tem sido a norma ser este a procurar resolver por si o problema, o que não impede que obtenha cooperação e colaboração internacional. Se, por outro lado, a guerra subversiva eclodir num Estado falhado, este é incapaz de por si só enfrentar a situação, sendo também por norma a comunidade internacional, quando necessário, legítimo e possível/conveniente, através de uma OI ou de uma coligação, a procurar solucionar o problema, ou, pelo menos, a minimizar os seus efeitos e alastramento. O problema da intervenção internacional em Estados considerados fracos ou falhados, não é simples de resolver e ultrapassa as questões da legitimidade e do consentimento. A acção poderá ser de características multidimensionais e assumir a natureza de state building ou, então, como adianta Holsti (2001; p. 203), antes, temos de dar resposta à questão básica que assenta na necessidade de saber se o conceito Ocidental de Estado é o elemento mais apropriado para as sociedades que sempre tiveram tipos diferentes de sistemas e organização política, dado que, como O´Neil (1990; p. 135) bem refere, a solução pode estar na adopção de um modelo institucional alternativo local. As medidas apontadas até agora servem as quatro tipologias subversivas enunciadas por nós na parte precedente, porém, a subversão global, que se manifesta através das diversas formas de terrorismo é, em simultâneo, considerada uma ameaça transnacional, pelo que a estratégia contra-subversiva obedece a certas especificidades, sendo também necessariamente uma resposta política transnacional. Este assunto será abordado neste livro em parte específica relativa às modalidades de acção estratégica para fazer face ao terrorismo transnacional.

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3. A Estratégia socioeconómica Para Nasution, General indonésio, a contra-guerrilha deve aperceber-se de quais são os problemas socio-económicos e político-ideológicos que permitiram o emergir e expandir da guerrilha (Nasution, 1965; p. 55), para depois efectuar a conquista da adesão das populações que não controla, o que só pode ser conseguido se a contraguerrilha apresentar uma ideologia superior ou, no mínimo, uma melhoria da suas expectativas, correndo sempre o risco de todas as acções policiais e militares, apesar de bem executadas, serem em vão por se dirigirem apenas aos efeitos e não às causas (Nasution, 1965; p. 100), sendo também necessário, para conseguir o apoio da população, convencê-la da vitória. Neste estudo consideramos que a actuação socioeconómica sobre as populações, visando a melhoria das suas condições de vida e a manutenção ou conquista/reconquista da fidelidade às Autoridades formais, passa pela síntese de duas acções que devem ser desenvolvidas em permanência, inscrevendo-se desde o período preventivo ao de intervenção: o controlo da população e dos recursos e a melhoria das estruturas e infra-estruturas. As medidas de controlo das populações e dos recursos, para além de visarem proteger fisicamente a população e destruir a estrutura subversiva, procuram isolar a população da subversão, impedindo que as instituições e os serviços sejam afectados pela propaganda e pelos agentes subversivos (Couto, 1989; p. 322). Consequentemente, as actividades dos habitantes terão de ser controladas, de forma a tornar possível a detecção do In e impedir ou dificultar a prestação de todas as formas de apoio. O controlo da população contribui ainda para a reconversão da população subvertida e para o restabelecimento das instituições e dos serviços afectados. Estas medidas -166-

A Estratégia da Contra-Subversão

devem ser aplicadas com moderação de forma a não provocarem o inverso do pretendido e serem assim susceptíveis de aproveitamento pela subversão. Face à natureza do objectivo, compete às autoridades civis a execução destas medidas de controlo. Contudo, nas regiões em que as autoridades civis se mostrem incapazes de o garantir de per si, as Forças Armadas (FA) poderão ser chamadas a colaborar nesse controlo. Esta actividade abrange medidas como o recenseamento e enquadramento da população; o controlo da informação pública; o controlo de armas e dos meios de transmissão e transporte; o controlo de abastecimentos e movimentos; a imposição de recolher obrigatório e, quando necessário, o apoio ao reordenamento de populações (Arriaga, 1961/62; p. 4-8 e EME, 1966 d; cap. III, p. 2). O reordenamento, feito normalmente através da prática do aldeamento, tem seis finalidades principais: 1) Despovoar certas áreas, com a finalidade de furtar ao inimigo o apoio político e material da população local; 2) Isolar as populações, da subversão que já exista na área; 3) Proteger as populações da subversão; 4) Reorientar politicamente a população, por meio de apoios das autoridades administrativas; 5) Desenvolver um espírito de comunidade e interdependência agrícola e económica; 6) Despovoar determinadas áreas, a fim de dar às forças de segurança mão livre na execução de operações, libertando-as, assim, do factor inibitivo que é a possibilidade de se matarem populações inocentes (ADIEMGFA, 1970). Os aldeamentos também podem ser a resposta à dispersão das populações e uma forma de facilitar a actuação psicológica e a promoção socioeconómica. Devemos, no entanto, estar cientes que quando as populações são maioritariamente urbanas, este tipo de actuação é dificultada, quando não impossível. O enquadramento traduz-se num esforço de extensão da acção -167-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

administrativa, policial e militar, procurando com estas medidas a destruição de eventuais estruturas subversivas no interior da população ou pelo menos o seu controlo. Com a autodefesa, além de se comprometer a população com a causa contra-subversiva e da sua consciencialização, contribui-se para a economia de esforço das forças militares, que ficam assim disponíveis para outras missões. A opção pela autodefesa levanta sempre o risco de se estar a contribuir para o esforço do inimigo (Trinquier, 1961; p. 85). Ao nível da melhoria de estruturas e infra-estruturas, a adopção de medidas concretas e visíveis contribui para a criação de um ambiente propício para a conquista da adesão plena das populações. Esta actuação deve ser conjugada com uma intensa acção psicológica no sentido de conquistar os corações e as mentes. A estratégia socioeconómica deve ser exercida sobre as populações em duplo controlo ou controladas pelo poder em exercício, procurando conquistar a fidelidade, consolidando as adesões, anulando o efeito da propaganda adversária e fomentando a apresentação ou, no mínimo, a aceitação da futura recuperação ou até a situação de duplo controlo. O que interessa é o exercício de influência: sensibilizar e cativar – a adesão plena virá a seu tempo. A promoção socioeconómica das populações faz-se pela elevação do nível de vida das mesmas, satisfazendo as suas necessidades mais urgentes e destina-se a sustentar a fidelidade das populações ao poder constituído. Essa fidelidade é desafiada pela subversão, que em certas regiões, como já vimos, pode colocar as populações sob seu controlo ou sob duplo controlo. Esta estratégia visa conseguir a adesão das populações e impedir a subversão da realização dos seus objectivos psicológicos, tendo a estratégia militar que garantir o espaço e o tempo necessários para a consecução desse objectivo. Na manobra interna, os militares com a sua capacidade militar -168-

A Estratégia da Contra-Subversão

sobrante devem também participar na promoção socioeconómica das populações em áreas como as assistências sanitária, religiosa, educativa e económica (EME, 1966 c). Parece-nos evidente a inutilidade do esforço militar se os objectivos socioeconómicos, que estão na base da contra-subversão, não se concretizarem. A acção de assistência sanitária é um poderoso meio de cativar populações. Para suprir lacunas e carências de diversa ordem, as FA podem prestar assistência médica às populações. As equipas médicas, além de participarem activamente nas patrulhas, deslocando-se a zonas remotas para apoiarem sanitariamente as populações, podem dar consultas em diversas ONG e nos próprios aquartelamentos e materializar-se ainda, entre outras, sob a forma de assistência medicamentosa e materno-infantil e de campanhas de vacinação. Espera-se adesão em troca destes préstimos, que devem restabelecer/transmitir confiança e serem demonstrativos da boa vontade da Administração. A valorização educativa e profissional é mais uma forma de conquista da adesão das populações e de as subtrair às actividades subversivas. Ao nível educativo, as FA para além de poderem colaborar na recuperação de escolas, podem disponibilizar quadros para dar formação escolar e profissional. A assistência económica compreende a aquisição de produtos a autóctones e o emprego em serviços diários, entre outros. Esta assistência, apesar de pouco expressiva em termos macroeconómicos tem, contudo, efeitos locais, designadamente na melhoria das condições socioeconómicas de algumas famílias. A engenharia militar desempenha um papel de relevo na reconstrução de infra-estruturas, reparação de estradas, execução de furos artesianos para o abastecimento de água potável, a recuperação de escolas, a formação profissional, entre outras, contribuindo assim -169-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

também para o esforço da conquista da adesão das populações. Contudo, nem sempre as reformas e a promoção socioeconómica são a solução. Estas podem reduzir ou mesmo eliminar as condições favoráveis para a eclosão subversiva, mas surgirão sempre outras reivindicações, pelo que as reformas devem ser da iniciativa e ditadas pela estratégia contra-subversiva e não pela satisfação de desejos da subversão (Couto, 1989; p. 296).

4. A Estratégia psicológica Sun Tzu afirmou que se um Exército aguentar um ataque inimigo “ sem sofrer derrota é porque actua com forças extraordinárias e normais “ (1974; p. 191) pressupondo, assim, a existência de dois tipos de força, as forças chi e as forças cheng, sendo a primeira extraordinária e indirecta, na qual cabem toda a psicologia e toda a arte de ludíbrio, e a segunda normal e directa. Utiliza-se, assim, a primeira, extensivamente, de forma a enfraquecer o inimigo até que este atinja um ponto em que a mínima força cheng seja necessária para o derrubar; no fundo, subjugar o inimigo sem luta. Segundo o volume III do Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva”, a acção psicológica é entendida como “ a acção que consiste na aplicação de um conjunto de diversas medidas, devidamente coordenadas, destinadas a inf luenciar as opiniões, os sentimentos, as crenças e, portanto, as atitudes e o comportamento dos meios amigos, neutros e adversos, com a finalidade de: fortificar a determinação e o espírito combativo dos meios amigos; atrair a simpatia activa dos meios neutros; esclarecer a opinião de uns e de outros, e contrariar a inf luência adversa sobre eles; modificar a actividade dos meios adversos num sentido -170-

A Estratégia da Contra-Subversão

favorável aos objectivos a alcançar ” (EME, 1966 c; cap. 1, p. 1). Em contra-subversão, onde as guerras se travam sobretudo nas mentes das pessoas (Kitson, 1971; p. 70), as medidas referidas na definição apresentada constituem a estratégia psicológica e devem ter presente a premissa de Beaufre (1985; p. 104), que a nível psicológico se deve saber perdurar, pelo que se devem desenvolver as forças morais de combatentes e população. Porém, esta estratégia, além das vertentes salientadas por Beaufre, deve ainda incidir sobre as forças da subversão e no meio externo, devendo ser adaptada aos diversos alvos, assente em ideias-força que explorem as motivações que sirvam os objectivos visados e numa informação pública séria e oportuna capaz de neutralizar os efeitos das notícias da subversão (Couto, 1989; p. 317-319). Para que a utilização da acção psicológica sobre as populações seja rentável, é necessário ter sempre presente que os civis não podem ser tratados passivamente, manipulados, ou considerados como um actor invisível, pois, muitas vezes, são eles que manipulam os actores centrais de forma a despoletarem o seu conflito (Kalyvas, 2003; p. 481). Nesta ordem de ideias, é imperiosa uma análise do contexto da sua vida social e das suas estruturas, como operam as sociedades e como inter-reagem as redes do poder, como se relacionam e sobrepõem, como é feita a distribuição do poder social e como participam as elites no processo de decisão política e não política, qual o papel das autoridades tradicionais e de outros actores não políticos capazes de influenciar ou mesmo condicionar as decisões políticas, quais as motivações e importância dos grupos. Em seguida, é necessário sintetizar o quadro emergente destas análises, definindo coeficientes de reactividade, enunciando as ideias-força que esses coeficientes aconselhem para, posteriormente, serem explorados através de todas as estruturas possíveis e dos diversos tipos de propaganda -171-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

(Monteiro, 1989 a, p. 37 e Branco, 2004; p. 155). Consideramos este esquema válido – tanto para a acção subversiva como para a contraacção – por parte do poder desafiado. Nesta actuação é primordial para a população sentir uma presença do poder formal com forças policiais e militares, visando manter/restabelecer um clima de segurança e de confiança, dissuadindo ainda eventuais actuações subversivas. Esta actuação, como já vimos nesta parte, deve ser acompanhada de uma acção socioeconómica de apoio, devidamente explorada através das diversas técnicas. Sobre as forças da contra-subversão também se deve exercer importante esforço psicológico78, procurando manter e fortalecer o moral dos combatentes. Este esforço desenvolve-se através de acções de educação moral e cívica, pela justiça na aplicação de penas e recompensas, pela qualidade do equipamento, pela informação, através de jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio e símbolos heráldicos, entre outros. Para além de procurar manter o moral e a eficiência, a actuação psicológica deve ser orientada de molde a obter a comparticipação consciente na manobra socioeconómica, na dignificação e promoção das populações locais e salientar a importância do seu consentimento para a presença militar. A actuação psicológica também é orientada para o apoio das operações militares e visa um objectivo triplo: as forças inimigas combatentes, os respectivos quadros políticos e as populações sob a sua influência. Nestas actuações, devem ser utilizados os diversos instrumentos e meios de propaganda e, após a captura, o contacto directo e pessoal e, em simultâneo, devem exercer-se acções milita-

No caso de as Forças serem da OTAN não é doutrinariamente possível exercer acção psicológica sobre elas, deve-se sim efectuar informação interna. Temos no entanto a certeza que a fronteira entre ambas pode ser muito ténue.

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A Estratégia da Contra-Subversão

res punitivas visando desgastar o In pela atrição. As declarações dos “apresentados” devem ser exploradas no apoio às operações, também psicológicas, dado que é um dos elementos que permite a análise das motivações das populações sob controlo subversivo. No apoio das operações militares, a actuação pode ser pré-planeada ou de oportunidade; aproveitando estas condições vantajosas em exploração do sucesso ou como esclarecedora – do tipo “operação verdade”. Quanto ao adversário, o objectivo deve ser a sua desmoralização, dando-lhe a sensação de insegurança, da impotência e descrença do seu êxito, que o conduza à rendição ou à possível colaboração. Deve ainda procurar-se isolá-lo da população, para que se sinta em ambiente hostil. Levar os elementos da subversão à rendição, ou apresentação, deve ser feito de forma clara, não só nas condições estabelecidas para a rendição, mas também na forma como os desertores se devem apresentar; deve ainda procurar induzir-se o adversário a interpretações incorrectas das atitudes das forças militares. Na actuação psicológica a nível externo, a contra-subversão procurará obter o máximo de apoios e negar ou reduzir o apoio da comunidade internacional às forças da subversão, desacreditando-lhe a sua acção (Couto, 1998; p. 318 e Canonico, 2004; p. 11). A contra-subversão conduz a estratégia psicológica através da propaganda, da contra-propaganda e da informação, visando a primeira a imposição sobre a opinião pública interna e internacional de certas ideias e doutrinas e procurando a segunda neutralizar a propaganda adversa. A informação pretende esclarecer, fornecendo elementos aos indivíduos para melhor fundamentarem a sua opinião (EME, 1966 c; cap. 1, p. 5). As técnicas de propaganda que devem servir para informar, impressionar, co-optar/coagir e não necessariamente para matar (Manwaring, 2004; p. 13), foram desde sempre utilizadas pelo po-173-

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der como forma de acção psicológica e com o objectivo de: induzir opiniões e comportamentos por diversos métodos de pressão, para a modificação e persuasão; ou para converter os espíritos, para recrutar e expandir um ideal (EME, 1966c; cap. III, p. 7-12). Os processos utilizados que tenderão a explorarem ressentimentos, descontentamentos e esperanças da população (Pinheiro, 1963; p. 39 - 43 e EME, 1966 c; cap. VI, p. 1-13), vão desde a técnica de panfleto ao uso dos modernos meios de comunicação social. Estes últimos, no século XX, com o seu carácter universal e instantâneo, participam na elaboração de uma mentalidade colectiva, atribuindo-se-lhes um extraordinário poder pelo esforço de persuasão, pela manipulação das massas e pela eficiência, ao conseguirem através das mind munitions (Taylor, 1992), provocar com relativa facilidade desequilíbrios comportamentais. Este poder dos meios de comunicação social (que por si só são capazes de, querendo, manipular/ fabricar a opinião pública e mesmo criar uma psicose colectiva) e a transparência das actuais sociedades políticas (no que diz respeito à circulação de pessoas e ideias) favorecem o fenómeno subversivo. A transparência das sociedades actuais também alterou as capacidades dos meios de acção psicológica, permitindo uma maior facilidade de transmissão de informação mas, ao mesmo tempo, também é mais difícil sustentar percepções (Metz, 2004; p. 14). A conquista das populações na actualidade envolve necessariamente o uso dos meios de comunicação social como difusores e amplificadores de ideias-força, através de todas as estruturas e tipos possíveis de propaganda, quer apoiem, directa ou indirectamente, a autoridade ou a subversão. Actualmente, os meios de comunicação social, serão mobilizados bem antes do início das hostilidades, de modo a catalisar a opinião pública e garantir a oposição ao agressor (Pereira, 2005; p. 346-347). Para desenvolver essas actividades, -174-

A Estratégia da Contra-Subversão

carecem de matéria explorável como o desencadear de acções violentas, os feitos e atitudes dos sujeitos da acção e seus aliados e os erros cometidos pelo adversário, entre outros, pretendendo reforçar a legitimidade da Autoridade estabelecida (Galula, 1961; p. 21-22). A estratégia psicológica não pode actuar isoladamente, devendo ser coordenada e integrada, de forma coerente, em todos os escalões com as restantes estratégias.

5. A Estratégia de Informações Já Sun Tzu, na Antiguidade, sustentava que “ a chamada «presciência» ou «previsão» não pode ser deduzida dos espíritos, nem dos deuses, nem por analogia com os acontecimentos passados, nem por cálculos. Ela deve ser obtida por homens que conhecem a situação do inimigo ” (1974; p. 293), sendo esta a razão do êxito do príncipe iluminado ou do general vencedor. A expressão de Sun Tzu contém em si uma verdade actual e premente para justificar a necessidade da existência de um eficaz e eficiente sistema de Informações, dado que os órgãos de soberania, que têm por obrigação manter a integridade do território, das suas fronteiras e garantir a segurança e bem-estar das suas populações, estão sempre dependentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das ameaças ou actividades hostis para poderem orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa e segurança (Cardoso, 1993; p. 8), dado que a resolução de problemas desconhecidos são sempre de mais difícil solução. A actividade de Informações envolve um complexo processo de definição e orientação do esforço de pesquisa, avaliação, análise, integração e interpretação das Informações, as quais devem ser -175-

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oportunas, precisas e adequadas. Esta é uma actividade permanente, global e transversal a todas as actuações do poder e é desenvolvida interna e externamente. Sem ela, não é possível saber onde se encontra o inimigo e, em ambiente subversivo, muito menos saber quem é ele, dada a sua diluição no seio da população. Na contra-subversão, as Informações para além de flexíveis, de estarem em constante adaptação e de se desenvolverem com iniciativa, possuem características distintivas. O esforço de pesquisa deve ser correctamente orientado não só para o inimigo, para o terreno e para os meios, mas também e sobretudo para a população. Aquela orientação exige que as estruturas estejam sensibilizadas e instruídas para tal esforço, pois “ a eficiência começa por quem concebe os planos de pesquisa e/ou orientando o respectivo esforço, compreenda a globalidade do conflito e se aperceba com sensibilidade das suas especificidades ” (Monteiro, 1993; p. 180) em cada Teatro. Em Informações, a pesquisa constitui um meio privilegiado para a obtenção de dados relativos ao conhecimento da tessitura humana e da sua postura no confronto. Neste tipo de conflito as actividades de intell possibilitam estratégias preemptivas e preventivas, e devem ser efectuadas a todos os níveis numa atitude pró-activa para detectar com oportunidade actividades e impedir que a subversão obtenha informações, empregando diversos métodos, dos quais destacamos entre outros: IMINT (Imagery Intelligence); COMINT (Communications Intelligence) SIGINT (Signal Intelligence); HUMINT (Human Intelligence), este com um papel de relevo face à sua proximidade com as populações. No período preventivo é necessário estudar e equacionar diversos cenários e inimigos e qual a probabilidade da sua revelação; depois é sempre fundamental conhecer o seu móbil, a sua organização, o meio onde pretende actuar, as motivações da população que -176-

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podem ser exploradas, proceder à identificação de indivíduos empenhados em actividades subversivas, determinar contactos no exterior, detectar actividades subversivas e identificar a sua natureza, nomeadamente os seus objectivos, e accionar actividades de contrainformação (Couto, 1989; p. 316 e Alves, 1999; p. 288). A informação de carácter essencialmente militar assume preponderância no período de intervenção e a de nível estratégico deve garantir o estudo e acompanhamento constante das organizações através das quais a subversão exerce ou poderá exercer a sua acção (Alves, 2005). Neste período, para permitir o planeamento e acompanhamento das operações, carecem os executores de uma preparação mínima, quanto ao terreno humano, sob o ponto de vista étnico, linguístico, religioso e ideológico. Sem esse conhecimento, não é possível empreender com êxito a conquista da adesão das populações, em que Lawrence foi um mestre. A sua preparação iniciou-se muito antes da guerra. Ele percorreu durante muitos anos o Oriente semítico, aprendendo as maneiras dos camponeses e dos homens das tribos e dos cidadãos da Síria e da Mesopotâmia (Lawrence, 2004; p. 55). Os diversos organismos que trabalham as Informações e se encontram distribuídos pelos serviços específicos das várias estruturas do Estado não podem desenvolver as suas actividades sem coordenação e em sobreposição, correndo o risco de induzirem o poder em erro relativamente a várias situações. Aqueles a quem compete a tomada de decisões dentro dos órgãos de soberania necessitam de um organismo que centralize e coordene as Informações dos vários serviços existentes e que elabore análises oportunas e prospectivas sobre problemas ou atitudes, que envolvam decisões àqueles níveis. Desta forma, evitar-se-á a dispersão. As Informações não só são fundamentais para as actuações armadas, como valiosíssimas para o planeamento e condução da ac-177-

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ção psicológica; pois uma acção, para desequilibrar as populações em favor do seu controlo, para ser rendível, pressupõe Informações precisas e os diversos órgãos em sintonia no seu esforço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deve actuar. Cremos que, se fizermos o aferimento dos conceitos expostos para os processos de acção gerais, será necessário o controlo unificado do binómio Informações/acção psicológica.

6. A Estratégia militar Em ambientes de cariz subversivo, apesar da manutenção e do restabelecimento da ordem serem uma responsabilidade primária das autoridades administrativas, as FA podem ser chamadas a intervir em apoio adicional das autoridades policiais. As FA podem assim ter de actuar como força de ordem pública em situações, tais como o controlo, a dispersão de multidões e a supressão de motins. Todavia, quando as referidas forças forem chamadas a intervir com essa finalidade, as responsabilidades, as áreas de intervenção, a missão, as dependências e as competências devem estar muito bem definidas, para não deixar, a quem se encontra no terreno, margens para dúvidas da cadeia de comando. Em contra-subversão, o recurso às acções do domínio militar só se deve verificar no tempo e lugar que verdadeiramente o exija para repor a situação (Alves, 2005), desempenhando o poder militar um papel ofensivo ao nível táctico e operacional, e defensivo ao nível estratégico (Collins, 2002; p. 190). A estratégia militar da contra-subversão visa essencialmente os objectivos intermédios 1 e 3 já referidos, e desenvolve-se através de acções ofensivas e defensivas, especiais e regulares, internas e exter-178-178-

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nas. A modalidade de acção estratégica a adoptar depende muito da fase em que o fenómeno se encontra, do grau de liberdade de acção e da tipologia subversiva. Para Cabral Couto (1988; p. 300), se estivermos na 1.ª fase da subversão, ela deve ser indirecta e total; sendo que ao nível da manobra militar interna, as acções devem ser directas e de desenvolvimento de um dispositivo denso que sirva de dissuasor. As FA, como já referimos, podem e devem colaborar com as autoridades administrativas e a sua capacidade militar sobrante deve ser utilizada em actividades socioeconómicas. Durante todo o período preventivo e pré-insureccional visa-se a pesquisa permanente, o fortalecimento das estruturas políticas e sociais, uma acção psicológica adequada e a neutralização dos agentes e estruturas subversivas. Na 2.ª fase, a coacção deve ser física e fazer-se tudo para evitar a transição para o período insurreccional, situação que a verificar-se é indicadora que a manobra do poder formal já falhou no seu papel preventivo. Na 3.ª fase, devemos estar cientes que o tempo, neste tipo de conflitos, joga sempre a favor de quem o souber aproveitar (Couto, 1989; p. 304), pelo que o poder instituído pode ter de recorrer a acções de lassidão, procurando a vitória fora do campo militar. A acção militar, para apoiar uma modalidade de acção estratégica de contra-lassidão e visar o “forte” do adversário, deve ser eminentemente directa, incidir sobre a neutralização e destruição da estrutura adversária, dos seus chefes, dos seus recursos e forças militares/ paramilitares, interditar linhas de comunicações e reconquistar território, proteger infra-estruturas, procurando desequilibrá-lo, evitar o seu alastramento e proteger fisicamente a população (Couto, 1989; p. 304-307), utilizando as mais diversas técnicas, ao mesmo tempo que se procura preservar e fortalecer o poder de facto e conquistar a adesão das populações. Assim, a sua actuação deve ser efi-179-

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caz, executando acções numerosas e proveitosas, mantendo sempre a iniciativa, com grande mobilidade e com um eficiente sistema de intelligence a apoiar. No fundo, nesta fase é fundamental para a estratégia militar ganhar tempo para a estratégia política, procurando obter o espaço e as condições de segurança necessárias para se poderem concretizar as actuações das outras estratégias gerais. Na 4.ª fase, a actuação militar é prioritária, procurando a destruição, ou pelo menos a redução do potencial do adversário. As forças militares devem ser libertadas de outras tarefas para poderem combater o inimigo armado e evitar a todo o custo a entrada na fase final. Independentemente da fase em que a subversão esteja, as missões das forças militares numa guerra desta tipologia devem ser as seguintes79: defender pontos sensíveis; protecção de itinerários e escoltas; patrulhamentos e nomadização; cerco e batida; limpeza/rusga de uma povoação; golpe de mão; emboscada; interdição de fronteira; operações de ordem pública e monitorização de actividades (EME, 1966 b e CECA, 1990). É indispensável que se dissocie o binómio população/In. Consequentemente, as actividades dos habitantes terão de ser controladas de forma a tornar possível a detecção do In e impedir ou dificultar a prestação de todas as formas de apoio. O controlo da população tem ainda por finalidade contribuir para impedir que esta, as instituições e os serviços sejam afectados pela propaganda e pelos agentes subversivos, numa fase inicial, e, posteriormente, para contribuir para a reconversão da população subvertida e para o restabelecimento das instituições e dos serviços afectados. Em princípio, compete às autoridades civis a execução destas medidas 79

Sobre esta temática podemos detalhar em (Garcia et. al, 2002).

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de controlo. Contudo, nas regiões em que as autoridades civis se mostrem incapazes de o garantir de per si, as FA poderão ser chamadas a colaborar nesse controlo. Esta actividade abrange medidas como o recenseamento e o enquadramento da população; o controlo da informação pública; o controlo de armas e dos meios de transmissão e transporte; o controlo de abastecimentos e movimentos; a imposição de recolher obrigatório e, quando necessário, o apoio ao reordenamento de populações80. A estratégia militar interna visa fundamentalmente a destruição física da organização subversiva e actua concorrentemente com as outras estratégias para procurar alcançar um clima de confiança e de segurança que permita a normalização das actividades, pelo que deve actuar punitivamente sobre os grupos armados que prejudiquem a estratégia socioeconómica, expulsando-os dos territórios da zona de esforço, procurando ao mesmo tempo aliciá-los para o lado da autoridade. A este propósito é interessante verificarmos o novo conceito dos Marines norte-americanos, Progressive Reconstruction, elaborado com base nos ensinamentos coloniais franceses do Marechal Lyautey, onde a intervenção militar deixa de ser uma operação de combate pura, para ser uma acção político-militar, de comando unificado, que possibilita uma transição imediata do combate para a administração do território (mesmo que as acções de combate continuem), reduzindo assim os vazios de poder (Rohr, 2004; p. 48-49). Por norma, é adoptado um dispositivo de quadrícula, com unidades estáticas que estão mais próximas da população e onde se pro-

Foi o caso da Administração Portuguesa nos conflitos do antigo Ultramar Português, que recorreu nos três teatros de operações, quando julgado pertinente, ao reordenamento rural e à prática de aldeamento, e na Guiné, a partir de Setembro de 1968, foi determinada a organização das Tabancas em autodefesa.

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cura que os limites dos sectores correspondam aos limites administrativos. As tropas devem ficar instaladas entre a população e viver como ela. Esta proximidade e vivência leva a um consentimento e à aceitação da sua presença (Galula, 1964; p. 108). Este dispositivo permite ainda um maior controlo das populações, bem como um apoio social e sanitário mais extensivo. Além disso, facilita a pesquisa de Informações, permitindo, assim, uma acção psicológica mais eficaz e a intervenção oportuna de outras forças em operações de afirmação de soberania. O dispositivo só fica completo com uma articulação com as forças de intervenção (locais e gerais) que devem ser dotadas de grande mobilidade, capazes de efectuarem acções de reforço da ocupação militar, isolamento, protecção, busca e flagelação, aniquilamento ou redução e reconquista (Couto, 1989; p. 359). Este dispositivo deve permitir a execução de missões defensivas e ofensivas provocando o desgaste físico e moral do inimigo, mantendo as FA a iniciativa e a liberdade de acção. Uma outra forma tradicional de encarar estas situações é completar o dispositivo militar com a organização de unidades de “segunda linha” ou de milícias locais, não integradas na orgânica geral das FA, com funções de guia, auxiliares, milícia civil e grupos de defesa de aldeamentos. Estas tropas irregulares libertam daquelas tarefas as FA e forçam a um empenhamento das autoridades civis das zonas afectadas. Se a operação militar estiver a cargo de uma força multinacional, esta deve também optar pela localização de efectivos, com toda a vantagem que estes possuem na maior ligação à população, na sua compreensão, o que facilita as actividades de intelligence e de acção psicológica. Esta modalidade foi adoptada pelos portugueses nas guerras em África (1961-1974), pelos ingleses na Malásia e agora, por exemplo, pelos norte-americanos no Iraque. -182-

A Estratégia da Contra-Subversão

Num Teatro de Operações (TO) essencialmente urbano, a mistura dos elementos subversivos com a população é máxima, sendo mais difícil isolá-los, situação que levanta constrangimentos ao emprego de alguns meios militares com grande poder de destruição, uma vez que é necessário ter sempre em conta a relação causa/efeitos e a opinião pública (Taw e Hoffman, 2005; p. 21). A acção militar deve partir das lições aprendidas e empregar acções especiais. Estas são por norma esporádicas e nelas se incluem, entre outras, a eliminação de líderes com papel-chave, muito desenvolvido pelos israelitas (Beckett, 2005; p. 14), acções nos países apoiantes quer através de operações de sabotagem, quer através da infiltração de agentes ou apoio a movimentos subversivos, numa resposta em “espelho”, como fizeram os norte-americanos no Laos (O´Neil, 1990; p. 152). Estas acções colocam por vezes problemas éticos que devem ser equacionados, uma vez que são passíveis de forte reacção da opinião pública internacional (Couto, 1989; p. 356). A Estratégia militar externa depende sempre da relação de forças e da liberdade de acção; porém, corre-se o risco de contágio, ou seja, do alastrar do conflito. Esta estratégia pode incluir acções de dissuasão com base na ameaça, ou com demonstração de força ou de intervenção, como a intervenção aberta em força, mas podem igualmente ser intermitentes; acções progressivas clandestinas ou de represália militar; intervenção armada localizada ou mesmo invasão (Couto, 1988; p. 353 e Alves, 1992; p. 167). A nível externo, outras alternativas são equacionadas, tais como o conceito de utilização de uma política de Foreign Internal Defense norte-americana (Metz, 2004; p. 16), que se traduz no apoio ao nível da estratégia global a um Estado para combater ou proteger a subversão, e que pode incluir actividades que vão das operações de combate, à assistência técnica, exercícios conjuntos, ao apoio logís-183-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

tico, treino militar ou à partilha de Informações. Este apoio pode inclusivamente ser efectuado através da subcontratação do novo e discreto instrumento de intervenção, as empresas militares privadas, que acabam por ser uma extensão/colaboração das políticas externas dos Estados de origem. Pela análise efectuada, podemos concluir que a estratégia militar desempenha um papel primordial, dado que este tipo de guerras, apesar de não se vencerem militarmente, perdem-se pela inacção militar.

Síntese conclusiva Partindo do princípio de que qualquer resposta contra-subversiva deve ser contextualizada no espaço e em tempo próprios e que deve ser equacionada para fazer face à tipologia subversiva identificada, idealizámos um modelo de análise que tem por base os principais actores do fenómeno subversivo, todos eles a relacionarem-se e a condicionarem-se de uma forma dinâmica. Sobre os mesmos aplicámos diversos processos e técnicas, cuja combinação, integração e coordenação formam a estratégia contra-subversiva, que é total, actua ao nível interno e externo, directa e indirectamente, antilassidão, carecendo de uma coordenação muito estreita de cinco estratégias gerais: político-diplomática; socioeconómica; psicológica; informações e militar; todas, visando a conquista da adesão das populações. Da actuação política esperam-se reformulações de carácter dinâmico, a tomada de decisões a nível administrativo, a adopção de medidas de âmbito legislativo, regulamentar, organizativo e de reforço da autoridade do Estado; a nível externo, a acção diplomática deve angariar apoios para a contra-subversão e redução dos apoios -184-

A Estratégia da Contra-Subversão

da subversão e o seu descrédito. Ao nível socioeconómico, a estratégia assentará na promoção das condições de vida e no controlo da população e dos recursos. A estratégia militar, porque subordinada a uma estratégia total, deve proporcionar condições e “aguentar” até que num momento político X, o poder (em todas as vertentes e de forma alguma só na militar) possa desencadear uma muito mais alta e integradora contrasubversão. Ao “aguentarem”, as FA alimentam o tempo da manobra política; logo, o seu objectivo prioritário e essencial será o de entretanto garantirem a mobilidade das outras componentes da complexidade estratégica. Para concretizar esta estratégia total, as iniciativas desencadeadas exigem uma acção muito estreita entre poder civil/ poder militar e as populações. Estas estratégias gerais pressupõem ainda uma intensa e integrada actuação psicológica sobre as populações, a subversão e a contra-subversão. Para poderem conduzir acções rendíveis, todas estas acções parcelares pressupõem Informações oportunas, precisas e relevantes e que os diversos órgãos funcionem em sintonia no seu esforço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deve actuar.

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Sexta Parte

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento81 O terrorismo transnacional constitui uma das principais ameaças transnacionais, e nesta parte do nosso livro procuramos responder à curiosidade suscitada pelo fenómeno, nomeadamente às questões: como está estruturado? Quais os seus objectivos? Como se efectua o recrutamento? Como é financiado? Assim organizámos esta sexta parte em cinco capítulos. No primeiro procuramos caracterizar o fenómeno, para depois no segundo abordarmos os seus objectivos, a sua natureza e tentarmos perceber um pouco a sua estrutura. O terceiro capítulo aborda a complexa teia dos apoios, sobretudo financeiros, centrando-se o quarto no processo de recrutamento, e por último, faremos uma breve abordagem à análise estatística do fenómeno.

81 Este texto foi inicialmente apresentado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra num colóquio sobre terrorismo, realizado no dia 9 de Março de 2007. Posteriormente foi publicado na Revista Militar de Abril de 2007, p. 445-468.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1. Conceito Tem sido extremamente difícil encontrar consenso entre estudiosos, analistas políticos e homens de Estado, para uma definição unívoca do conceito de “terrorismo”. Autores como Adriano Moreira (1995) e Regina Mongiardim (2004) consideram o terrorismo como um poder político que desenvolve uma capacidade autónoma de decisão e de intervenção, orientada por uma ideologia ou por uma ética que consideram válida, ajustada e legítima. O fenómeno não possui porém todos os atributos de um poder na concepção tradicional, sendo considerado errático, uma vez que carece de uma legalidade objectiva, de instituições universalmente reconhecidas, tem uma natureza dispersa, não possui território, nem população nem orçamento – exactamente o “negativo” do Estado que conhecemos. Habitualmente, e em consonância com as matrizes éticas do Estado tradicional, a definição do conceito assenta muito na legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de segurança e defesa, inserindo-se assim numa categoria específica do discurso político, tendo por significado a sistemática utilização da violência sobre pessoas e bens, para fins políticos e/ou religiosos, provocando sentimentos de medo e de insegurança, e um inevitável clima de terror (Mongiardim, 2004; p. 417). Segundo o Professor Adriano Moreira (1995), o conceito de terrorismo tem sido remetido para aquele plano devido à necessidade de se preservarem tais matrizes, o que não oculta, porém, as coincidências dos seus objectivos com as finalidades que, tradicionalmente, são atribuídas aos Estados. Ao nível internacional o consenso também não se consegue atingir, havendo uma multiplicidade de abordagens, multiplicidade verificada, por exemplo, na numerosa legislação internacional. -190-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Para as Nações Unidas, o conceito de terrorismo compreende “any action (…), that is intended to cause death or serious bodily harm to civilians or non-combatants, when the purpose of such an act, by its nature or context, is to intimidate a population, or to compel a Government or an international organization to do or to abstain from doing any act” (2004; p. 49). Por seu lado, a União Europeia já tinha definido o fenómeno em Dezembro de 2001 como: “intentional acts, by their nature and context, which may be seriously damaging to a country or to an international organisation, as defined under national law, where committed with the aim of (i) seriously intimidating a population, or (ii) unduly compelling a Government or international organisation to perform or to abstain from performing any act, or (iii) destabilising or destroying the fundamental political, constitutional, economic or social structures of a country or international organisation” (European Communities, 2002). No entanto, estas conceptualizações não são objectivadas nem adoptadas pelos principais actores do Sistema Internacional, havendo países, como os EUA, a Rússia, a China e a Índia, que redigiram as suas próprias definições. Qualquer um destes Estados tem problemas concretos com o terrorismo, não de todo similares, pelo que cada qual tende a preocupar-se com o «seu terrorismo», de forma sectorial, dado que está em causa não só a segurança interna como, em alguns casos, a própria integridade territorial. Esta situação coloca-se apesar de, por um lado, o alinhamento pelas «amarras» conceptuais das OI poder limitar a determinados Estados a liberdade de acção que lhes permitam adoptar as modalidades de acção estratégicas consideradas adequadas para lidar com esta ameaça, sem estar sujeito a eventuais restrições legais (Lousada, 2007; p. 24) e, por outro lado, se pretender abarcar no mesmo conceito a violência -191-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

sobre civis, exercida quer pelo actor Estado, quer por actores nãoestaduais, e se pretender ainda consagrar o direito de resistência à ocupação estrangeira. As dificuldades a ultrapassar são inúmeras e para as Nações Unidas torna-se um imperativo político encontrar tal definição (Nações Unidas, 2004; p. 48). Após esta breve análise conceptual do terrorismo, entendemos ser necessário neste livro optar por uma definição, sendo que a da OTAN, expressa no MC 472, nos parece ser um bom instrumento conceptual para a investigação aqui apresentada. Assim, entendemos por terrorismo “uses of violence or the threat of violence to create fear, and to coerce or intimidate governments or societies into acceptance of goals that are political, religious and ideological or combinations thereof”82. Esta definição insere o terrorismo transnacional, que hoje é identificado, sobretudo pelas opiniões públicas e seus formadores, com Bin Laden e a al-Qaeda (a base), no conceito mais lato de subversão já por nós definido neste estudo. Uma vez que o terrorismo transnacional, como veremos, tem intenções, objectivos, recrutamento e organização globais, consideramos o fenómeno como uma acção subversiva global (Mackinlay, 2002, Garcia, 2007 b) ou Pansurgency (National War College, 2002).

Tradução livre do autor: “ a utilização ilegal da força ou da violência planeada contra pessoas ou património, na tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedades para atingir objectivos políticos religiosos ou ideológicos ” utilização ilegal da força ou ameaça do uso da força para gerar medo, e para coagir ou intimidar governos ou sociedades a aceitarem objectivos que são políticos, religiosos, ideológicos ou uma combinação dos mesmos.

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2. Natureza, objectivos e estrutura 2.1. Natureza Esta ameaça antiga que funciona com base em critérios políticos, culturais e religiosos próprios e sempre na clandestinidade, subiu na hierarquia das preocupações dos Estados, procurando atingir os pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho do Estado, lançando na contenda dois actores do Sistema Internacional (o terrorismo e o Estado), com fins políticos ou político-religiosos distintos, e que, em regra e numa primeira instância, um deles recusa a intermediação, a arbitragem e a negociação (Mongiardim, 2004; p. 412). Ao longo dos tempos, o terrorismo assumiu dois tipos de natureza (Mongiardim, 2004; p. 418): uma secular e outra religiosa. O de natureza secular determina livremente os seus objectivos, meios e fins; o de natureza religiosa, por seu lado, está apegado a leis que lhe são ditadas por um Ente Superior. Estes terrorismos de natureza diferenciada têm em comum o recurso à violência e o elemento constante é o martírio dos inocentes (Moreira, 2004 a), diferindo ambos, no entanto, quanto às suas justificações e objectivos. Independentemente desta sua diferente inspiração e natureza, este poder errático goza sempre de apoio popular e é exercido em função da obtenção de vantagens políticas. Após o 11 de Setembro de 2001 e na sequência do aparecimento de estratégias de desestabilização mais radicais, o entendimento do fenómeno foi sujeito a novas abordagens. Embora persistam fenómenos circunscritos ao espaço nacional ou regional, parece poder dizer-se que há um terrorismo que assumiu uma escala global, por vezes com ligações ao crime organizado e com outras organizações -193-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

de solidariedade transnacional de matriz ideológica, cultural e étnica. O seu potencial, quer pelo grau de violência, quer pela capacidade organizativa, ou mesmo pelas novas estratégias de recrutamento, também foi acrescido (Romana, 2004; p. 258), passando no presente a ser global. O fenómeno sofreu também uma alteração qualitativa e passámos a falar do ciberterrorismo, do bioterrorismo, do ecoterrorismo, e do terrorismo químico e mesmo nuclear.

2.2. Objectivos A al-Qaeda que ocupa uma posição de coordenação na rede terrorista transnacional (Kenney, 2003, p. 196) tem como móbil uma amálgama de considerações político-religiosas. Basicamente, o principal móbil da subversão global assenta num conceito geopolítico de panintegrismo islâmico (Lousada, 2007; p. 32), tendo por base a modificação da actual ordem internacional e no estabelecimento de um Califado no coração do mundo islâmico, o Iraque83, regido por uma Sharia (Corão e Sunna) concebida a partir de uma interpretação integrista do Corão, procurando assim a transformação da sociedade muçulmana, limpando-a de inovação doutrinária (Zuhur, 2005; p. 6). Como objectivos intermédios procura não apenas aterrorizar, mas também a retirada das forças Ocidentais e mesmo dos seus negócios do Iraque, da Palestina e da terra de Maomé, ou seja, da Ará-

Podemos detalhar mais em diversas declarações de Bin Laden disponíveis em www.state.gov./s/ct/rls/ pgtrpt/2003/31711.htm, e mais recentemente em http://www.dni.gov/releases.html. O Governo norteamericano considera as intenções do Terrorismo transnacional de uma forma ainda mais ambiciosa, referindo no seu Conceito Estratégico de Segurança, de Março de 2006, que as intenções do Terrorismo são: “The transnational terrorists confronting us today exploit the proud religion of Islam to serve a violent political vision: the establishment, by terrorism and subversion, of a totalitarian empire that denies all political and religious freedom”.

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bia Saudita e ainda estender a Jihad aos países seculares da região e a sequente substituição das suas lideranças; no fundo, dominar os Estados (Garcia, 2007 b; p. 132). Para alcançar os objectivos é permitido o recurso a mecanismos não apenas políticos mas também violentos, como se pode ler no manual de treino da al-Qaeda: “Islamic governments have never been, and will never be, established through peaceful solutions and cooperative councils. They are established as they have been, by pen and gun, by word and bullet, by tongue and teeth”84. Este fenómeno, tal como as outras tipologias subversivas, pode ser analisado segundo várias perspectivas, mas é aqui que as análises ocidentais pecam, nas percepções, pois, por norma, segundo Zuhur (2005; p. 10-11) interpretamos as suas mentalidades como diferentes das nossas, mas do que na realidade se trata é de uma diferença de valores e de técnicas associativas, no fundo, os novos combatentes da Jihad estão auto-convencidos que os seus actos imorais de violência são morais, mas, de modo nenhum desafiam a lógica moderna de padrões da sua mentalidade. O curioso desta atitude, em que os Ocidentais são o inimigo e que “ para a violência estrutural do Ocidente apenas o terrorismo global é a resposta eficaz ” (Moreira, 2004; p. 10), é que ela é aceite por camadas significativas da população, contrastando com o entendimento Este manual está disponível on line em http://www.usdoj.gov/ag/manualpart1_1.pdf. No início do texto, a Polícia Britânica esclarece a sua proveniência: “The attached manual was located by the Manchester (England) Metropolitan Police during a search of an al Qaeda member’s home. The manual was found in a computer file described as “the military series” related to the “Declaration of Jihad.” The manual was translated into English and was introduced earlier this year at the embassy bombing trial in New York”.

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do poder, como se verifica com o Paquistão, Arábia Saudita, Egipto, Argélia, Jordânia, ou ainda em países que estão a braços com movimentos secessionistas de raiz islâmica, como acontece na Rússia, na China, na Indonésia ou no Bangladesh (Lousada, 2007; p. 32). Na actualidade, a maior ameaça representada pelo terrorismo transnacional está na possibilidade de associação do fenómeno à utilização de Armas de Destruição Massiva (ADM), uma vez que é com relativa facilidade que uma organização terrorista pode ter acesso ou mesmo montar uma ADM, dado que muitos dos ingredientes necessários para a sua fabricação não estão devidamente protegidos85. Contudo, o desenvolvimento desta capacidade implica sempre um local seguro para testes, sendo na actualidade o Iraque um dos locais mais aprazíveis para o efeito. Abu Ayyub al-Masri, líder da al-Qaeda no território, a 28 de Setembro de 2006, encorajou esta actividade, referindo em comunicado televisivo e através da internet: “ The field of jihad can satisfy your scientific ambitions, and the large American bases (in Iraq) are good places to test your unconventional weapons, whether biological or dirty, as they call them86”. Se uma arma destas for detonada numa zona urbana, pode causar entre centenas de milhares a um milhão de baixas, sendo o choque económico previsto de cerca de um trilião de dólares (Nações Unidas, 2004; p. 39). Um ataque desta natureza afectaria a segurança internacional, a estabilidade dos regimes democráticos e a liberdade dos cidadãos. Sobre este tema devemos consultar a obra coordenada pelo Brigadeiro-General Russel Howard e pelo Professor James Forest, Weapons of Mass Destruction and Terrorism, editado em 2006. A obra analisa detalhadamente os conceitos, a ameaça e as suas variantes, a resposta a dar e ainda as lições aprendidas e as ameaças futuras. 86 Neste interessante comunicado Abu al-Masri apela à Guerra Santa, principalmente durante o mês do Ramadão, e acrescenta um dado interessantíssimo sobre baixas do lado dos insurrectos, afirmando que “The blood has been spilled in Iraq of more than 4,000 foreigners who came to fight”. Foi a primeira vez que foram contabilizadas as baixas/mortes do lado da subversão. O comunicado pode ser consultado em linha no endereço http://www.netscape.com/viewstory/2006/09/28/iraq-terror-leader85

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O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Os riscos de armas destas virem a parar em mãos terroristas foi incrementado com o esboroar do antigo Império soviético, altura em que quer o controlo quer a segurança da tecnologia e armamento nuclear russo sofreu uma erosão profunda. 2.3. Estrutura87 Ao nível estrutural podemos identificar algumas características como: · Estrutura-se como uma scale free network88 transnacional; · Uma metodologia de acção própria dos serviços de intelligence, designadamente a construção de redes de contactos, a selecção de elementos a recrutar (Romana, 2004; p. 258); · Um planeamento meticuloso das operações com um extremo cuidado na pesquisa e análise; A al-Qaeda, ou aquilo que ela representa no nosso imaginário, apresenta uma maleabilidade, uma plasticidade e um oportunismo nas suas ligações, efectuando sempre alianças coerentes, mas sobretudo convenientes, juntando grupos que pretendem a derrota do inimigo longínquo, o Ocidente e Israel, com grupos que apenas pretendem a autonomia local, ou mesmo com grupos mais moderados (Zuhur, 2005; p. 10). Na Europa e na América do Norte, aquela “organização” tentacular procura infiltrar-se através da emigração clandestina, para posteriormente estabelecer ligações com diversas organizações nacionarecruits-scientists/?url=http%3A%2F%2Fabcnews.go.com%2FInternational%2FwireStory%3Fid%3D 2502724%26CMP%3DOTC-RSSFeeds0312&frame=true. 87 Entendemos por estrutura o conjunto das funções e relações que determinam formalmente as missões que cada unidade da organização deve realizar e os modos de colaboração entre essas unidades. Sobre este assunto, podemos detalhar mais em (Strategor, 2000). 88 Sobre este assunto, podemos detalhar em (Guedes, 2006) e (Barabási, 2003).

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listas islâmicas, com grupos étnicos e entidades multinacionais, de corte radical, levando o seu apelo para a mesma causa comum, causa capaz de transcender as diferenças (políticas, nacionais e religiosas), ao mesmo tempo que mantém a sua capacidade de acesso a consideráveis recursos, sobretudo através do crime organizado e do tráfico de armas (Mongiardim, 2004; p. 425). Na visão tradicional de abordagem do fenómeno, há autores que, apesar de referirem a estrutura em rede, consideram que há uma unidade na “organização”, e que esta reside na identidade centrípeta religiosa (Lousada, 2007; p. 32), referindo James Phillips, da Heritage Foundation, que a “organização” possui um núcleo disciplinado e profissional, que provavelmente conta com cerca de 500 elementos. Segundo este autor, tradicionalmente a al-Qaeda opera através de uma estrutura horizontal informal, talvez combinada com uma estrutura mais formal, vertical, onde surge a figura de Bin Laden, que será mais importante como porta-voz da “organização”, do que como Comandante (Phillips, 2006; p. 2), e o egípcio Ayman al-Zawahiri como Comandante Operacional. Este núcleo, segundo Paul Smith (2002; p. 35), é assessorado por um conselho consultivo (a majlis al shura) que coordena quatro comités (militar, financeiro, religioso e propaganda), cabendo ao comité responsável pela área militar a nomeação dos responsáveis das células espalhadas pelo mundo. Na sua estrutura, cada célula desempenha uma função específica; existem as de “suporte” que possuem funções específicas (gestão de recursos humanos, contratações, etc.), autonomia de acção e ligação por módulos, e as células “operacionais” (que congregam os grupos que perpetram as acções directas). Em torno da al-Qaeda há também colaboradores (informadores, tarefeiros…), militantes e simpatizantes (Smith, 2002; p. 36-37). Algumas das células, segundo James Phillips (2006; p. 2), contêm indivíduos auto-seleccionados -198-

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com pouco treino terrorista, ou mesmo nulo, que não pertencem necessariamente à organização e que podem estar activos apenas para uma operação, o que os torna mais dificilmente detectáveis. No modelo em rede abordado por autores como Raab e Milward (2003) e Sageman (2004), elementos centrais da organização fornecem o contexto ideológico, a estratégia, o planeamento, os recursos, mas com um apoio administrativo muito limitado. Porém, são fundamentais para estabelecer a ligação entre células que se encontram descentralizadas e dispersas geograficamente. Sageman, ao descrever a estrutura da al-Qaeda, adianta um modelo estruturado a partir de hubs e nodes, sendo os primeiros fundamentais para as ligações de uma direcção e comunicação centralizada entre os segundos, que se encontram, estes sim, descentralizados e independentes entre eles (Sageman, 2004; p. 164). Para Sageman os hubs são essenciais para a direcção das operações da al-Qaeda, ao passo que os nodes, que são pequenos grupos de indivíduos isolados da comunidade envolvente e o produto de uma livre associação local, com laços de união interna extremamente fortes e resistentes à erosão, são aqueles que possibilitam as capacidades locais e sobretudo a presença operacional em áreas de interesse da organização como um todo. Segundo este autor, as ligações hubs/nodes são muito fracas e frequentemente de natureza não-directiva; porém, na sua análise, destaca sempre o papel fundamental dos hubs para o comando e controlo, o que os torna vulneráveis a qualquer acção que vise a sua destruição, ao passo que os nodes, face à constituição já explicada, são de difícil detecção e monitorização (Sageman, 2004; p. 164). Há no entanto uma versão significativamente diferente sobre a estrutura e organização da al-Qaeda. Para Albert Barábasi (2003; p. 221), no centro desta “teia sem aranha”, não existe qualquer líder -199-

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central, ou uma cadeia de comando formal, caracterizadora de uma estrutura militarizada ou das corporações do século XXI, que controle todos os detalhes. Douglas Macdonald (2007) perfilha desta ideia e vai mais longe, comparando a visão política extremista islâmica a totalitarismos como o Nazi. No regime do Fuher, os little Hitlers gastavam a sua energia a trabalharem para Hitler, antecipando os seus desejos a partir dos seus discursos, ideologia e acção, mas tendo a iniciativa localmente. Assim, para Macdonald, a rede global é melhor entendida quando comparada a little Bin Ladens, financiados, treinados e guiados pela “base”, mas a planearem os ataques de acordo com as condições e capacidades locais, citando depois Bin Laden, em 1998, a propósito dos atentados às embaixadas norte-americanas em África: “ Our Job is to instigate and, by the grace of God, we did that, and certain people responded to this instigation ” (Macdonald, 2007; p. 10). Ao certo, o que podemos considerar é que actualmente aquela “organização” funciona cada vez mais como uma confederação (Brissard, 2002; p. 7) que congrega um conjunto de redes, com uma dimensão e estrutura variáveis, complexas e flexíveis, que gere e utiliza diversos centros de apoio espalhados por aproximadamente 60 países (Phillips, 2006; p. 1), apoiando-se os grupos radicais mutuamente, constatando-se ainda a existência de uma rede de solidariedade activa que se estende da Chechénia ao Sudão, passando pelas Filipinas, pela Somália, pela Malásia e pela Indonésia, bem como pela Europa, onde possui uma muito elevada interoperacionalidade em domínios como a recolha de fundos, o recrutamento e a aquisição de material não letal (Romana, 2004; p. 260). Esta estrutura descentralizada que financia operações dos seus seguidores, cuja trajectória político-operacional é, do médio prazo para diante, uma incógnita (Boniface, 2002; p. 20), parece assim es-200-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

tar a evoluir para uma maior descentralização, num conjunto de redes de base regional (Singer, 2004; p. 145), formando uma “rede de redes”, demonstrando uma capacidade de actuação global, atacando inclusivamente o coração de grandes poderes, como fez em Nova Iorque, Madrid e Londres, conseguindo sobreviver a intensas contramedidas (Mackinlay, 2002; p. 79). A sua capacidade de sobrevivência advém-lhe da desterritorialização, mas em nosso entender vem-lhe sobretudo da sua capacidade de aprendizagem organizacional. A Rand Corporation desenvolveu a este propósito um interessante estudo intitulado Organizational learning in terrorist groups and its implications for combating terrorism (Jackson et. al., 2005). De acordo com este estudo, se um grupo terrorista não possuir capacidade de aprendizagem, a concretização dos seus objectivos será largamente determinada pelas leis das probabilidades e do acaso (na boa linha da matriz clausewitziana), mas por outro lado, se o grupo tiver aptidões de aprendizagem, pode actuar sistematicamente de forma a complementar as suas necessidades, incrementar capacidades e progredir (Jackson et. al., 2005; p. IX). Os grupos devem ainda ser capazes de institucionalizar o conhecimento de forma a manter as suas capacidades no caso de uma perda significativa de membros, motivo pelo qual estes grupos mantêm actividades de treino e inclusivamente elaboram manuais e chegam a difundi-los na internet.

3. Apoios financeiros e outros A fim de sustentar e manter a subversão global e os seus objectivos, a al-Qaeda conseguiu construir uma complexa teia de apoios e instrumentos políticos, religiosos económicos e financeiros (Brissard, 2002; p. 7). Embora a mistura entre religião, ideologia, crime e fon-201-

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tes de investimento torne difícil a determinação da origem clara de qualquer fundo terrorista específico, podemos considerar que existem apoios de diversas fontes e formas. As principais fontes de apoio são os Estados, diásporas, refugiados, organizações religiosas, Organizações Não-Governamentais, personalidades com fortuna pessoal, o zakat (esmola legal) e inclusive grupos activistas de direitos humanos. Os motivos de apoio são variados. Os Estados são mais motivados por questões geopolíticas do que por afinidades étnicas, ideológicas, ou religiosas. Em contraste, as diásporas apoiam sobretudo por motivos étnicos e os refugiados são normalmente motivados pelo desejo de regressar a casa e restaurar as suas vidas e da sua nação em determinado território (Byman, 2001; p. XIV). As formas de apoio vão do político nos fora internacionais e junto das grandes potências, ao simples encorajamento para a subversão do poder, passando pelo tradicional apoio financeiro, material e de intelligence, acabando no santuário, no treino, ou mesmo em apoio militar directo. As raízes da rede de financiamento da al-Qaeda têm origem nas intensas actividades de recrutamento e busca de apoio financeiro estabelecidas para apoiar a Jihad contra os soviéticos no Afeganistão, por Bin Laden e seus apoiantes (entre os quais os próprios EUA). Presentemente está enraizada na opinião pública a ideia de que a globalizada al-Qaeda é economicamente saudável, possui vastos recursos financeiros que emprestam desafogo à sua actividade operacional. Porém, num relatório das Nações Unidas assinado por JeanCharles Brissard, e datado de Dezembro de 2002, vêm perfeitamente identificadas as diversas fontes e formas que a organização utiliza para o seu financiamento. Brissard desmistifica com este relatório alguma ideias pré-concebidas sobre a organização e o seu financiamento. Mas analisemos mais detalhadamente esse relatório. -202-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Segundo Brissard, e contrariamente ao mito enraizado na opinião pública, a organização carece de meios financeiros para poder actuar. Para ele, as células que estão adormecidas não necessitam de grandes recursos, por outro lado, as que se encontram operacionais necessitam de avultados meios financeiros. De acordo com o relatório que temos vindo a analisar, das necessidades de financiamento, 90% são destinadas para infra-estruturas, comunicações, instalações, redes, treino e protecção dos seus elementos e os restantes 10% para as despesas correntes diárias, planeamento e execução dos atentados. Brissard refere depois diversos exemplos de custos associados a ataques perpetrados, sendo que o atentado ao USS Cole em 2000 terá custado entre 5 e 10 mil dólares, e o do 11 de Setembro terá ficado por valores aproximados dos 500 mil dólares, o que leva Adelino Torres a concluir que não estamos perante “ combatentes pobres de mãos nuas ” (2004; p. 23). De acordo com Brissard, a rede não necessita das facilidades dos off shore para cobrir as suas operações. Segundo ele, a rede possui os meios e a capacidade para desviar e lavar dinheiro, como o método Hawala89, considerando no entanto que a maioria dos fundos tem uma origem legal e, como veremos, representando a Zakat (dádiva obrigatória) a sua maior fonte de financiamento. Para recolher fundos, a “organização” utiliza diversos métodos, sendo a ligação ao crime organizado inevitável: cotizações dos membros; projectos de investimento; empresas de fachada; falsos contratos; assaltos a bancos; cheques forjados; fraude com cartões de crédito; moeda falsa; raptos; extorsão; contrabando de armas; tráfico de drogas; e os mais diversos tráficos, como de carros, cd’s e inclusivamente humano (Brissard, 2002; p. 24). 89 Forma tradicional de transferir dinheiro entre países no mercado paralelo, onde não há qualquer tipo de registos.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A Drug Enforcement Agency (DEA) norte-americana estima, por exemplo, que só no Afeganistão a al-Qaeda lucra mais de 40 milhões de dólares/ano com o tráfico do ópio (Carpenter, 2004; p. 3). A Célula de Madrid foi talvez a mais importante a ser desmantelada desde o 11 de Setembro, tendo-se verificado inclusive que a mesma financiava outras células, como a de Hamburgo, e que obteve os fundos para comprar os explosivos usados no 11 de Março, através da venda de haxixe. Ao mesmo tempo que como sistema adaptativo complexo (Guedes, 2006) se transformava e desenvolvia, a al-Qaeda infiltrou-se e estabeleceu-se numa série de Organizações Muçulmanas de Caridade, as quais podiam ser facilmente utilizadas para colher donativos, mascarar os fundos de que ela necessitava para financiar as suas actividades, montar autênticos centros de apoio à causa e distribuir os necessários às suas células espalhadas pelo mundo inteiro, ao mesmo tempo que serviam para apoio e ajuda humanitária legítima. Mais de 50 instituições de caridade locais e internacionais foram investigadas e conseguiu-se relacionar algumas com a al-Qaeda, sendo as mais importantes as seguintes: a International Islamic Relief Organization (IIRO), a Benevolence International Foundation, a Al Haramain Islamic Foundation e a Rabita Trust. Todas elas têm escritórios espalhados pelo mundo e as suas actividades são, ou eram, relacionadas com programas religiosos, educacionais, sociais e humanitários (Brissard, 2002; p. 27). A caridade é bastante importante na tradição e lei muçulmana. Existe um dever religioso reconhecido no mundo muçulmano de doar ou atribuir uma porção das posses de cada um para caridade ou benevolência religiosas (esmola legal), que se intitula Zakat (avaliada em cerca de 10 mil milhões de dólares por ano). Há também a participação em actos de caridade e trabalho voluntário, a que se dá o -204-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

nome de Sadaqah. Em países como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos, não existe um sistema de taxas ou impostos implantado, pelo que o Zakat os substitui como a fonte principal de fundos para as organizações e actividades sociais, religiosas e humanitárias. Este é recolhido através das mesquitas locais e de centros religiosos, sendo que os donativos são em grande maioria anónimos e esse é um dos motivos pelo qual tanto o Zakat como o Sadaqah são considerados responsabilidades religiosas pessoais, não havendo assim um controlo rigoroso dos mesmos por parte dos governos (Brissard, 2002; p. 34 e Torres, 2004; p. 99). Esta situação é explorada pela al-Qaeda para recrutar elementos, aumentar o número de apoiantes à causa e solicitar apoio financeiro directamente nas mesquitas e centros islâmicos. Também instituições bancárias, como, por exemplo, o Banco Al Taqwa, utilizavam as suas filiais em vários países para adquirir fundos para a al-Qaeda, transferindo e lavando esses fundos, servindo ainda como plataforma de transporte para equipamentos militares e outros, com destino a elementos internacionais desta rede (Jacquard, 2001). Organizações Não-Governamentais, como a Islamic Relief Agency, Save Bosnia Now e o Comité de Beneficência e Solidariedade, angariam e manipulam livremente importantes somas de dinheiro a coberto de acções humanitárias. Devido à sua natureza não lucrativa, não se encontram sujeitas a fiscalização, pelo que servem na perfeição os intentos da al-Qaeda. Muitos elementos da elite Saudita (homens de negócios, príncipes e banqueiros), descontentes com o rumo dos acontecimentos e da grande abertura que a família real tem dado aos EUA, têm vindo a contribuir para a causa do grupo de Bin Laden com valores entre os 300 e 500 milhões de dólares (Brissard, 2002; p. 11). -205-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

A al-Qaeda opera como um franchise (Zuhur, 2005; p. 9), sustentando financeira, logística e ideologicamente entidades que operam há vários anos em lugares extremamente diversificados, como vimos referindo, e cujas acções custam milhares de dólares. Além disso, grupos terroristas locais podem agir em seu nome com o intuito de aumentar a sua própria reputação, mesmo que ainda não estejam a receber apoio desta.

4. Recrutamento Tendencialmente, na opinião pública perpassa a ideia de que o terrorismo está apenas associado à pobreza, à miséria humana; são as próprias Nações Unidas a reconhecer que existe uma relação muito próxima entre terrorismo e pobreza, sendo as regiões mais pobres do mundo as mais propensas à ocorrência de violência, assim como os Estados fracos como a Libéria e a Serra Leoa ou o Afeganistão, e os Estados colapsados como a Somália, são aqueles que apresentam condições mais favoráveis para a eclosão ou para servirem de “berço” ao terrorismo90, dado que toda a organização terrorista carece de um local onde se possa organizar, dar instrução e recrutar, isto, apesar das capacidades de expansão e projecção que a utilização dos modernos meios de comunicação permitem, ultrapassando o espaço definido pelas fronteiras políticas e criando redes de interesses e solidariedades dificilmente controladas. Contudo, nos atentados de Setembro de 2001 em Nova Iorque e de Julho de 2007 em Glasgow, pela análise das biografias dos suicidas, verificou-se que as fileiras No texto do Coronel Thomas Dempsey referido em bibliografia podemos encontrar exemplos detalhados relacionados com esta temática. Dempsey foi Adido Militar em Monróvia e Freetown e actualmente é o Director de Estudos Africanos do US Army War College.

90

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O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

do terrorismo também são preenchidas por indivíduos de nível social, económico e educacional relativamente elevado. As fontes de recrutamento e os motivos para adesão são diversos e estão sobretudo associadas à revolta com situações sociais degradantes, a factores culturais considerados humilhantes, a injustiça, a desigualdades e a xenofobia, mas também segundo Zuhur (2005; p. 7), os extremistas recrutam por uma crença recente na missão islâmica, a da´wa, e na glorificação da Jihad e do martírio, juntamente com o desejo de poder contribuir para a mudança do meio que os rodeia e do mundo em geral. A todas estas motivações acresce o exponencial crescimento demográfico e o factor migratório, com o fluxo orientado predominantemente para os países do Ocidente, onde as novas comunidades que se instalam dificilmente são integradas nas sociedades locais, potenciando o acréscimo de desencantados e de potenciais filiados e combatentes pela alternativa apresentada pelo terrorismo. Independentemente das formas de recrutamentos, para Amaro Monteiro (Monteiro, 1999-2000; p. 12-13), é de esperar que de uma maneira geral o recrutamento se efectue sobre indivíduos com os seguintes perfis psicológicos: 1) Personalidades cujo comportamento se enquadre já no âmbito da criminalidade comum; baixa ou elementar escolaridade; origem social ao nível do subproletariado urbano; perfil solitário-sofredor; nula ou muito vaga consciência política; portador/a de traumas infantis e da adolescência propiciadores de uma permanente auto-alegação de “vítima”; vendo na sociedade a mãe-má de um pesadelo a apagar/destruir (pelo menos na recusa da responsabilidade). Propenso a “dedicar-se”, carente de ser “necessário”, este tipo psicológico é, na organização terrorista, aliciável e utilizável para todo o “trabalho menor”, após uma “consciencialização” que lhe resgate a “menoridade” na medida quanto baste; -207-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

2) Personalidades, cujo comportamento é de aparência normal e que estão, no plano da criminalidade comum, fora de qualquer suspeita; escolaridade média ou alta, com razoável ou acentuada densidade de leituras; estrato burguês médio ou médio/alto; perfil intrinsecamente solitário/lábil, mas dotado de versatilidade e empatia quando em circunstância de “actor no palco”; frequente portador de complexo edipiano mal resolvido e de traumas juvenis; vítima real ou alegada de preterições políticas ou sócio profissionais; idealismo exaltado e colando-se a mania carismática (“ego” paranóide); perda progressiva do distanciamento crítico entre a ideologia/religião e a realidade, com hipertrofia simultânea do elemento utópico. A partir de determinado ponto, a amoralidade é nele dominante. Sociopata (?). Levado pela acção a não poder acreditar na própria morte, vê em todo o seu exterior uma culpa de sangue que só o sangue pode remir. Este tipo psicológico é, na organização terrorista, de aliciamento normalmente lento, dada a capacidade crítica. Aderindo, destina-se ao planeamento e/ou comando operacional. Dura enquanto for controlável. É óbvio que os perfis descritos, não sendo universais nem rígidos, têm porém valor referencial; indexam-se aos contextos culturais e sociais do país ou área de recrutamento. Estas personalidades são recrutadas essencialmente de duas formas que podemos designar por recrutamento directo e recrutamento indirecto. a. Recrutamento directo Nesta forma de recrutamento, o contacto com o elemento a recrutar é feito directamente e incide sobretudo em jovens previamente sondados e persuadidos, facilmente manipuláveis, que expressam a sua -208-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

revolta contra a tirania, a injustiça e a corrupção existentes nos seus países, situações de que estas organizações tiram proveito, sendo por isso a forma de recrutamento mais eficaz (Zuhur, 2005; p. 23). O contacto com os futuros recrutas efectua-se sobretudo em mesquitas, ou nas escolas corânicas. A al-Qaeda envia recrutadores que ou estão embeded nas mesquitas ou viajam de mesquita em mesquita, onde procedem à identificação de potenciais voluntários. Muitas vezes estes são seleccionados para viajar para um terceiro país, como o Paquistão ou o Iémen, onde a sua educação religiosa vai ser incrementada. Uma vez lá chegados, são isolados dos seus anteriores companheiros e mesmo da família e é-lhes ministrada formação religiosa mais avançada e, recebendo treino para a Jihad. O recrutamento também é efectuado em grupos radicais que apoiam ou dependem de alguma forma da organização e estão disseminados pelo mundo fora, sendo o Iraque considerado neste momento como o epicentro para atrair, organizar e treinar a nova geração de terroristas (Phillips, 2006; p. 2). Sharon Curcio (2005), um oficial reservista norte-americano, apresenta no seu estudo “As diferenças entre as gerações para travar a Jihad”, publicado na Military Review, uma interessante análise sobre as motivações para participar na Jihad e sobre a forma de recrutamento. Na base do seu estudo estão 600 entrevistas a prisioneiros detidos em Guantánamo. Para Curcio, desde o tempo em que se deu início à procura de combatentes estrangeiros para colaborarem no esforço de expulsão dos soviéticos de solo afegão, até ao 11 de Setembro de 2001, muitos jovens muçulmanos foram motivados pelas prédicas dos Imãs, a trocarem os seus lares e partirem para o montanhoso território da Ásia Central, Chechénia ou Palestina. O apelo à Jihad seduzia e funcionava como um ritual de transição para a idade adulta e era ainda o de-209-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

monstrativo da devoção ao Islão, transformando-os em mujahedin. No seu processo de recrutamento os aliciadores utilizavam múltiplos meios de persuasão, como, por exemplo, imagens de muçulmanos perseguidos, exibindo filmes onde se mostravam mulheres e crianças em sofrimento em campos de refugiados na Chechénia e na Palestina (Curcio, 2005; p. 18). Ainda segundo este autor, de forma a cumprirem a Jihad eram oferecidas diversas alternativas aos jovens aliciados, como ensinar o Corão ou árabe; visitar um país-modelo de Sharia ou mesmo auxiliar irmãos muçulmanos a lutar contra os opressores ocidentais para extinguir a corrupção que ameaça o Islão em todos os lugares. A estas motivações Curcio acrescenta outras como o desemprego, problemas financeiros ou outros tipos de fracasso pessoal, referindo o exemplo de muitos dos detidos dos países do Golfo Pérsico que vêm a Jihad como um “emprego alternativo.” Por outro lado, é curioso notar, e o autor salienta esse pormenor, que os jovens educados de origem saudita foram motivados pelo desejo de descobrir as suas identidades e experimentarem um desafio; para os mais puristas, a Jihad era a grande oportunidade de junção do domínio espiritual com o material; para outros era a oportunidade de provar sua masculinidade e, ainda para outros, oferecia alívio temporário da pobreza ou dos problemas do abuso de drogas. Houve recrutadores que utilizaram ainda o artifício da peregrinação para enganar alguns dos jovens aliciados (Curcio, 2005; p. 19) Para James Dunnigan (2006), uma das formas dos radicais islamitas obterem grande influência sobre as populações passa pelo controlo da acção educativa básica ou inicial. Na Arábia Saudita as escolas corânicas (madrassas), largamente apoiadas por instituições de caridade e por contribuições locais, utilizam cerca de 40% do tempo escolar a ensinar assuntos do foro religioso, com os restantes 60% a serem dedicados a disciplinas como Gramática, Retórica, Discurso -210-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Público, Lógica, Filosofia, Literatura Árabe, Lei Islâmica, Teologia, Medicina e Matemática, procurando-se acima de tudo formar jovens muçulmanos capazes e observadores. Além destes ensinamentos nas madrassas, cujo número se avalia em cerca de 100.000 em todo o mundo, passam-se também mensagens como: “luta contra os infiéis do mal” e “matem os judeus”, que são assim incutidas nos jovens muçulmanos – e é através destas que a al-Qaeda e outras organizações extremistas capitalizam seguidores e apoiantes (Dunnigan, 2006). Porém, não devemos esquecer que, tal como Bergen e Pandey (2005) adiantam, estas escolas “ do not teach the technical or linguistic skills necessary to be an effective terrorist ”. Como uma organização que se modifica e adapta constantemente, procurando novas formas de evitar a detecção ou que os seus membros sejam capturados, a al-Qaeda tem procurado a surpresa e a exposição mínima, recrutando operacionais oriundos não só de países muçulmanos mas também em países como a Grã-Bretanha, França, Austrália e os próprios EUA. b. Recrutamento indirecto Esta forma de recrutamento engloba todos os processos utilizados pela al-Qaeda para integrar novos membros, sem que exista numa abordagem inicial, um contacto ou interacção directa entre a entidade recrutadora e o elemento a recrutar. Aqui a actuação cinge-se ao campo das emoções, sendo utilizados os conhecimentos das leis da psicologia, da psicossociologia a da psicotecnologia para influenciar crenças e sentimentos. Destes processos, os mais conhecidos são a divulgação de cassetes de vídeo, as intituladas Cassetes de Recrutamento da al-Qaeda, produzidas por apoiantes de Bin Laden e onde surgem imagens do -211-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

próprio, além de propaganda sobre o estado do mundo muçulmano, das causas desse estado e a solução para o mesmo, que não é senão a “guerra sagrada” contra os infiéis. Também a internet se tornou um novo meio de recrutamento e treino dos novos elementos, de captação de fundos e recursos, de divulgação e reivindicação das suas acções e de comunicação, tudo isto com facilidade de acesso e a possibilidade de anonimato quase garantida, mesmo com a intensa vigilância a que esta rede está agora sujeita. O grupo liderado por Al-Zarqawi, por exemplo, colocou um vídeo on-line intitulado “Toda a religião será para Alá”, numa página da World Wide Web com grandes recursos gráficos e com qualidade profissional, mostrando fotos dos mártires e o treino dos bombistas suicidas. A divulgação dos vídeos de decapitações de ocidentais infiéis na Internet e nas televisões de todo o mundo tem sido também utilizada como propaganda para o recrutamento. Através destas decapitações, de raptos e de ataques bombistas no Iraque, a organização consegue dois resultados práticos: a propaganda à organização para atrair simpatizantes e a intimidação da população e dos “infiéis” (Zuhur, 2005; p. 56). Nesta forma de recrutamento, os jovens entram num processo de auto-aprendizagem com recurso a manuais de acções terroristas e gravações em vídeo ou CD. Quando e sempre que possível, completam o seu treino a nível operacional com curtas passagens por grupos paramilitares no estrangeiro (Curcio, 2005; p. 23). Segundo Sharifa Zuhur (2005), um dos mais poderosos argumentos para o recrutamento desta Jihad tem na sua génese a ocupação e presença militar “infiel” em terreno muçulmano e, de acordo com a base de dados, on-line, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, a base potencial de recrutamento da al-212-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Qaeda e as suas fontes de financiamento foram consideravelmente aumentadas pela invasão americana do Iraque, uma vez que subiram as contribuições de muçulmanos ricos e revoltados com escândalos como o das torturas e humilhações sexuais em Abu Ghraib ou, mais tarde, as notícias da colocação do Corão junto às sanitas das celas de Guantánamo. Os grupos extremistas conhecem perfeitamente as potencialidades da cobertura dos atentados pelos meios de comunicação social sendo isso evidente numa carta entre dois líderes da al-Qaeda, alZawahiri para al-Zarqawi, onde este referia “we are in a battle, and that more than half of this battle is taking place in the battlefield of the media.”91 Por outro lado, também sabem que os ataques suicidas são multiplicadores de força; atraem os meios de comunicação social; são relativamente “económicos” e adaptados à natureza irregular da organização e aumentam o recrutamento, sendo curioso verificar o aumento crescente de mulheres suicidas (Zuhur, 2005; p. 54). Heitor Romana (2004; p. 260) considera ainda uma outra forma de recrutamento, o free lancer, que assenta em operacionais organizados em células activas, ou que podem mesmo estar “adormecidas”, bem como no apoio logístico que essas mesmas células podem proporcionar.

91 Podemos detalhar que este documento refere ainda a necessidade de se conquistar o importante apoio da população, disponível em http://www.dni.gov/releases.html.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

5. A análise estatística A partir da análise e descrição efectuadas, pensamos agora ser interessante quantificar incidentes, baixas (mortos e feridos) e custos associados. Apresentamos alguns gráficos extraídos da Terrorism Knowledge Base. Esta base de dados é uma boa ferramenta analítica e permite criar não só gráficos como tabelas sobre incidentes terroristas. Aqui damos apenas o exemplo de gráficos com o registo do número de mortos e feridos por ano e depois por região:

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O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Ou uma tabela que relaciona incidente por alvos: Incidentes Terroristas – por alvo Período: 01/01/1968 – 01/07/2007 Alvo Incidentes

Feridos

Mortos

Abortados

5

2

2

Aeroportos e Companhias Aéreas

809

2395

2181

Negócios

3547

13543

5412

Diplomático

2689

8472

1208

Instituições Educativas

630

1461

570

Reabastecimento de Alimentos e Água

12

5

0

Governamental

4896

10237

5191

Journalista & Meios de comunicação social

600

408

295

Marítimo

132

293

130

Militar

821

4681

1611

ONG

344

301

330

Outros

2118

2790

2518

Polícia

3886

13133

7414

Cidadãos e Propriedade privada

5376

23160

11016

Figuras/Instituições religiosas

1268

6590

2454

Telecomunicações

161

78

63

Terrorismo/Antigo Terrorismo

272

544

462

Turístico

260

1875

676

Transportes

1218

13603

2565

Desconhecido

778

1102

411

Utilidade

1136

558

427

TOTAL

30958

105231

44936

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O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

Ou por mês: Incidentes Terroristas -

Por mês Período: 01/01/1968 – 01/07/2007

Mês Incidentes

Feridos

Mortos

Janeiro

2612

5954

2944

Fevereiro

2546

6971

3241

Março

2722

14833

3704

Abril

2496

7921

3232

Mai

2510

7059

3339

Junho

2595

6927

3599

Julho

2939

9127

4014

Agosto

2851

14637

4293

Setembro

2526

11150

6873

Outubro

2688

8201

4094

Novembro

2166

6201

2721

Dezembro

2307

6250

2882

TOTAL

30958

105231

44936

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

Ou mesmo pela classificação do grupo terrorista: Incidentes Terroristas – Classificação do grupo P eríodo: 01/01/1968 – 01/07/2007 Classificação por grupo Incidentes

Feridos

Mortos

Anarquistas

121

16

1

Anti-Globalização

216

98

22

Comunista/Socialista

3708

6656

2823

Ambiental

72

42

3

Esquerdista

432

337

125

Nationalista/Separatista

4723

26925

9800

Outros

299

712

338

Racista

41

79

7

Religioso

2572

36938

13270

Conservador de Direita

127

93

275

Reacionário de Direita

14

10

14

Estes dados estão disponíveis on line em http://www.tkb.org/AnalyticalTools.jsp. Porém, as análises estatísticas dependem de diversas condicionantes, tais como a própria definição adoptada para o fenómeno. Por exemplo, para Frey e Luechinger (2003; p. 4), da Universidade de Zurique, os incidentes em Nova Iorque contra as torres gémeas são contabilizados como um ou dois atentados? E podemos depois comparar a dimensão desta tragédia numa escala idêntica à de um sequestro de uma alta individualidade? Ou este será apenas, na melhor das hipóteses, um método genérico de abordagem do problema? Encontramos muitas vezes discrepância nos resultados face aos conceitos utilizados para a análise do mesmo fenómeno. Contudo, -218-

O Terrorismo Transnacional – Contributos para o seu Entendimento

independentemente do que se pretende quantificar e da escala utilizada, estas análises explicativas e retrospectivas são sempre importantes e úteis para fins académicos mas, em nossa opinião, também o são sobretudo para órgãos e/ou entidades que efectuam a gestão das consequências dos atentados uma vez que lhes permite, a partir das lições aprendidas, estimar custos, criar cenários e treinar modalidades de acção para esses cenários no sentido de minimizar vulnerabilidades, maximizando as suas potencialidades de actuação. Ao nível dos custos associados aos atentados limitamo-nos a expressar a preocupação do Banco Mundial, para quem um ataque terrorista tem hoje consequências económicas devastadoras e globais. Segundo aquela Instituição, o bem-estar de milhões de pessoas é afectado, inclusive no mundo em desenvolvimento. Como exemplo refere-se o caso do ataque às torres gémeas em Nova Iorque que, só por si, teve um efeito de ressonância que provocou um aumento de 10 milhões de pessoas a viverem na pobreza, sendo os custos totais na economia mundial estimados em 80 mil milhões de dólares (Nações Unidas, 2004 a; p. 19).

Síntese conclusiva Nesta parte efectuámos uma breve análise de uma das principais ameaças transnacionais à segurança, o terrorismo transnacional. Da nossa análise, concluímos que o fenómeno do terrorismo após o famigerado 11 de Setembro de 2001 sofreu profundas alterações qualitativas e quantitativas, tendo actualmente uma estrutura adaptativa complexa. O terrorismo transnacional contemporâneo, seja ele de matriz secular ou religiosa, viu a sua capacidade de destruição e de resistência acrescidas, adquiriu ainda uma notável capacidade de re-219-

Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

crutamento, de financiamento, mas, e sobretudo, de actuação, também elas globais. Na próxima parte do nosso livro analisaremos outras ameaças transnacionais para a Segurança dos Estados e ainda procuraremos identificar algumas modalidades de acção estratégica para lhes fazer face.

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Sétima Parte

As Ameaças Transnacionais e a Segurança92 Nesta parte iremos analisar as principais ameaças transnacionais à Segurança dos Estados. Na parte precedente, o estudo recaiu sobre uma das ameaças, o terrorismo transnacional, nesta parte identificamos as outras ameaças com que os Estados se deparam e analisamos aquelas que consideramos mais significativas, começando pelo problema da proliferação das Armas de Destruição Massiva, depois o crime organizado transnacional, a SIDA, a degradação do ambiente e o fracasso dos Estados. Identificado e analisado o problema, apresentamos a nossa proposta de modalidades gerais de acção estratégica para as enfrentar, incluindo aqui o contributo português. Esta parte não ficaria completa sem antes efectuarmos uma contextualização da problemática e uma abordagem, ainda que sintética, da evolução do conceito de Segurança.

92 Este tema, agora revisto e substancialmente ampliado foi apresentado pela primeira vez no Ministério da Defesa Nacional numa conferência a 7 de Setembro de 2005, subordinada ao tema “As novas ameaças transnacionais e as missões das Forças Armadas”. Posteriormente foi publicado na Revista Negócios Estrangeiros N.º 9, de Março de 2006, sob o título “As ameaças transnacionais e a segurança dos Estados. Subsídios para o seu estudo”, p. 341-374. Contribuíram depois estudos posteriores, nomeadamente o trabalho apresentada em Nicósia em Dezembro de 2006, e posteriormente publicado na Revista Negócios Estrangeiros n.º 11, de Junho de 2007. O depoimento publicado em 2007, com o título “O Papel das Forças Armadas Portuguesas na consolidação de Timor Lorosae”, num livro editado pela Afrontamento, “Timor, da Nação ao Estado”, p. 73-88, também tem aqui um registo importante.

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Da Guerra e da Estratégia: A Nova Polemologia

1. A Segurança dos Estados e as ameaças transnacionais A entrada no terceiro milénio continua cheia de incertezas, sendo evidentes as mudanças profundas da conjuntura internacional. Com a implosão a Leste, a ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a um período de anormal instabilidade, com uma ampla série de focos de convulsão regionais e múltiplos radicalismos. A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças, algumas já manifestas, de que os trágicos acontecimentos de Nova Iorque, Madrid e Londres são o paradigma. A actual conjuntura internacional, onde o papel do Estado soberano está em crise, também se caracteriza pela flexibilização do conceito de fronteira e pela aceitação de situações de cidadanias múltiplas e de governança partilhada. Este cenário facilita o crescimento e o disseminar da violência internacional não-estatal, deixando as guerras de obedecer à concepção típica de matriz clausewitziana, do anterior sistema internacional. No presente, a violência global, que é permanente, manifesta-se sobretudo de uma forma assimétrica, não tem uma origem clara, pode surgir em qualquer lugar e apresentar um cariz subversivo. Nesta ordem de ideias, apercebemo-nos de que desconhecemos quais as variáveis que devem ser controladas para o desenvolvimento e materialização de um quadro institucional que corporize uma “nova ordem”, que já existe93. O Conceito de Segurança também sofreu alterações. Estas resultam essencialmente da turbulência e da instabilidade originadas pela simultaneidade dos movimentos globalizante e individualizan-

Para Ferraz Sachetti a Nova Ordem já existe, “estará ainda em construção, mas estamos a vivê-la” (Sachetti, 2004; p. 59).

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te. Actualmente, a Segurança vê o seu conceito alargado a domínios como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e as comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente, a ciência e a técnica, procurando encarar riscos e ameaças, em que a vontade e os interesses particulares dos diferentes actores se manifestam neste ambiente. A Segurança também modificou o seu valor, passando-se de uma segurança de protecção dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja, de uma segurança previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados. A Defesa tem obrigatoriamente de procurar corresponder a este conceito alargado de Segurança e de flexibilização de fronteiras, através de uma articulação das várias componentes, onde a característica determinante será a inovação, a flexibilidade e a oportunidade de actuação. No presente, cada vez mais, a Segurança e a Defesa asseguram-se na fronteira dos interesses e em quadros colectivos e cooperativos. A procura de resposta aos desafios de Segurança, Defesa e Desenvolvimento num mundo interdependente coloca aos Estados uma multiplicidade de desafios. A resposta a esses desafios passa pela conceptualização de uma nova legitimidade para intervenções, impondo forçosamente a definição dos mecanismos nacionais e internacionais com capacidade para garantir a Paz e a Estabilidade Internacional e de permitir aos actores com responsabilidade na sociedade internacional uma orientação da sua acção. A preocupação com o estabelecimento desses mecanismos regu-225-

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ladores, ou para poder acorrer às situações de instabilidade, de forma a diminuir ou reduzir as suas consequências, conduziu a diversos projectos no domínio da procura da garantia da Segurança e Estabilidade Internacional, competindo às Nações Unidas (na sequência lógica da Agenda para a Paz), o papel primordial, assim como às organizações regionais (em conformidade com a própria Carta das Nações Unidas), das quais são referência na área Euro-Atlântica, para além da OTAN a OSCE.

1.1 A evolução do conceito de segurança Em termos amplos, podemos considerar a segurança como a busca da libertação relativamente à ameaça, sendo a resultante da interacção entre as vulnerabilidades de uma unidade política e as ameaças que a mesma enfrenta (Waever et. al., 1993; p. 23-24)94. O debate sobre o conceito de segurança não é novo. Este é um conceito que não consegue consenso internacional, sendo definido de diversas formas, de acordo com a escola interpretativa, ou mesmo com a região geográfica ou país. No fundo, é um conceito contestado, ambíguo, complexo, com fortes implicações políticas e ideológicas95. Dos contributos para a história do conceito importa anotar que o estudo sobre questões de segurança, por tradição, se dedicava mais à dimensão político-militar, estatal e externa, sendo a defesa da soberania do Estado um dos objectivos primordiais da política de segurança (Brandão, 2004; p. 40). Esta visão foi consolidada pela

Barry Buzan considera que as ameaças podem ser de cinco tipos: militares, políticas, societais, económicas e ecológicas (Buzan, 1991; p. 116-142). 95 A este propósito podemos consultar as obras de Buchan; Mackintosh (1973); Buzan (1991), Thomas, (1992). 94

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abordagem realista das Relações Internacionais e pela Guerra Fria. Historicamente, houve a percepção para as dimensões não-estatal e não-militar da segurança. Foi todavia necessário que o desenvolvimento científico e tecnológico criasse as condições materiais da globalização, que se tomasse consciência da gravidade dos problemas globais, que se comprovasse a incapacidade por parte do Estado para fazer face a esses problemas, para que a segurança saísse dessa prisão estatal-militar (Brandão, 2004; p. 39-40) e se encontrasse uma nova conceptualização. As propostas são diversas, tendo vindo a afirmar-se uma tendência para o alargamento do conceito e para nele incluir questões, tais como a segurança económica, a segurança do ecossistema e outros conceitos alternativos de segurança, que incluam o crime internacional organizado, a propagação transnacional de doenças e os movimentos migratórios internacionais em grande escala, entre outros (Brandão, 2004; p. 37). Com o fim da Ordem bipolar, o conceito de fronteira entrou em revisão, surgiram novos actores na cena internacional, novas ameaças/riscos e perigos de natureza global e transnacional, ficando as velhas concepções de segurança da escola realista desadequadas para encarar a nova e crescente complexidade das relações internacionais, indicando assim o limite da concepção tradicional de segurança ligada à dimensão militar, sendo necessárias outras dimensões para o conceito. Não envolvendo o uso ou ameaça da força física nas relações entre as diversas unidades políticas, surgiram novas propostas para o conceito, como o da segurança societal (Buzan, 1991)96, de segurança humana (PNUD, 1994) e, no plano O conceito de “segurança societal” inicialmente avançado por Barry Buzan, é, posteriormente, desenvolvido por um grupo de investigação do Centre for Peace and Conflict Research, no sentido de diferenciar segurança do Estado (soberania) e segurança da sociedade (identidade).

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político, o discurso dos governantes passa a contemplar um conceito alargado de segurança. A segurança societal está relacionada sobretudo com a salvaguarda da identidade societal, a capacidade de a colectividade manter o seu carácter essencial, os seus modelos tradicionais de linguagem, de cultura, de associação, de costume, de identidade religiosa e nacional, em contexto de mudança e perante ameaças possíveis ou actuais (Waever et. Al., 1993; p. 23) Na década de 90 do século passado, a pessoa humana adquire nova importância, passando a ter uma posição central, sendo esta situação evidenciada pela utilização de conceitos como “segurança humana”. Este conceito é proposto em 1994, no Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD, e visava a substituição da abordagem tradicional da segurança centrada nos Estados, por uma nova abordagem assente na segurança das pessoas97. Consciente dos limites deste conceito, designadamente dos que decorrem da sua difícil operacionalização, quer como conceito quer como política, Ana Paula Brandão (2004; p. 51) lembra que ele nos recorda que a comunidade política, seja ela o Estado ou outra forma de comunidade política, existe para o indivíduo e que a essência do conceito se situa precisamente no actor (a pessoa humana como objecto da segurança) e não no sector (militar, não-militar). O conceito alargado, que na era da informação acolhe um número crescente de aderentes, lida com a transição verificada na Ordem Internacional onde, cada vez mais, indivíduos e comunidades enEsta nova abordagem assenta nos seguintes pressupostos: centralidade da pessoa humana; universalidade, transnacionalidade e diversidade dos riscos; interdependência das componentes da segurança. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 1994. Para uma dicussão detalhada sobre o conceito de segurança humana ver Vigilante, A.; Van Langenhove, Luc; Fanta, E.; Ferro, M.; Scaramagli, T.; “Delivering Human Security Through Multilevel Governance,” UNDP, UNU-CRIS, Brussels, 2009

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frentam ameaças sem inimigos (Prins, 1994), onde o Estado já não pode ser o único responsável pela segurança. A problemática em torno das questões da segurança alargada, colectiva ou cooperativa é fértil e não existe consenso98. A ideia efectiva de se construir um sistema de defesa colectiva parece remontar ao final da I Guerra Mundial. Este conceito de segurança pressupõe num plano teórico a centralização internacional do uso da força numa Autoridade supra-estatal, legitimada para decidir do seu uso excepcional, e a criação de uma força militar a ela adstrita (Saraiva, 2001; p. 53), estando estas preocupações presentes tanto nas NU como na OTAN. Este modelo tem algumas limitações, pois regula um modelo de conflito entre Estados, porém, no presente, a maioria dos conflitos e das ameaças e riscos à segurança internacional são infra-estaduais. Ora, um modelo de segurança cooperativa não se limita à militarização do conflito, sendo empregues outras agências e organizações que não só as de defesa. Esta evolução não é semântica e também contribui para uma definição de um conceito alargado de segurança. No ambiente internacional do pós-Guerra Fria, os Estados continuarão a estar na linha da frente para fazer face às ameaças à segurança; mas no presente existem seguramente mais oportunidades do que no passado para os Estados partilharem valores e interesses comuns, o que estabelece os fundamentos essenciais para o funcionamento efectivo de um sistema de segurança colectiva, ou mesmo cooperativa, que tem de ser credível, coerente, eficiente e, sobretudo, transparente, uma vez que só actuando colectivamente e coope-

98 Barry Buzan entende que o conceito alargado de segurança deve contemplar as mesmas áreas do que as ameaças já definidas por nós na nota n.º 95 deste Livro (Buzan, 1991). Em Portugal, destacamos duas obras de referência para um melhor esclarecimento dos conceitos Viana (2002); e Saraiva (2001).

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rativamente os Estados serão capazes de superar as suas vulnerabilidades face à diversidade de novas ameaças que se colocam à sua segurança. Não há, no fundo, grandes alternativas. Ou procedemos a numerosas mudanças para enfrentar hoje as novas ameaças, ou aquilo que conhecemos como mundo moderno perderá o sentido da segurança e viverá em perpétuo medo (Moreira, 2004 b; p. 32).

1.2 As ameaças transnacionais Os assuntos relacionados com a segurança transnacional incluem, como o nome indica, ameaças não militares que cruzam as fronteiras e que simultaneamente ameaçam a integridade social e política dos Estados, ou mesmo a saúde dos seus habitantes, bem como a sua qualidade de vida. Tipicamente as ameaças revelam-se nos Estados pela sua própria natureza intrínseca (poluição) ou devido à porosidade das suas fronteiras. As novas ameaças, assim designadas, emergidas do esbatimento bipolar, distinguem-se das tradicionais pela natureza desterritorializada, disseminada e individualizada (Nunes, 2004; p. 276), pela tendência de não se manifestarem num simples evento ou período de tempo e, por vezes, não têm um ponto focal, onde os políticos e governantes possam concentrar as suas atenções e energias (Smith, 2000; p. 78). Acresce ainda que muitas das novas ameaças provêm dos novos actores que se manifestam no Sistema Internacional, e que procuram constantemente iludir ou evadir-se às autoridades formais, impossibilitando quaisquer negociações. O paradigma das ameaças anteriores enfatizava uma estratégia de dissuasão, assente em forças nucleares e convencionais associadas a -230-

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um governo, com uma ordem de batalha, linear no desenvolvimento e projecção ao longo do tempo, que eram empregues de acordo com regras de empenhamento estritas e uma doutrina conhecida, ou seja, as regras do jogo e os jogadores conheciam-se perfeitamente. Por outro lado, o paradigma das novas ameaças é genericamente nãogovernamental, não-convencional, dinâmico, não linear, com regras de empenhamento desconhecidas, pelo menos de um dos lados, com um modo de actuação e doutrina assimétrica e imprevisível (Steele, 2002; p. 5); mas “(…) não foi tanto a tipologia da ameaça que mudou, o que mudou foram os meios e os métodos utilizados (…) ” (Viana, 2003; p. 4) e, nesta ordem de ideias, alterou-se também o conceito de dissuasão – como dissuadir um adversário com uma atitude de “santuarização agressiva”, ou como dissuadir um adversário que não possui base territorial fixa, cuja vontade é destruir e não a partilha do poder? (Viana, 2003; p. 4). Ao contrário das ameaças tradicionais centradas na segurança dos Estados, algumas das ameaças transnacionais são novas, emergem lentamente e as suas causas e efeitos não são facilmente verificáveis (Smith, 2000; p. 77), como é o caso, por exemplo, das doenças infecciosas. Mas afinal o que entendemos por novas ameaças transnacionais, sabendo que reflectem numerosas alterações políticas, económicas e sociais ocorridas no mundo desde a queda do muro de Berlim? Tradicionalmente ameaça é qualquer acontecimento ou acção (em curso ou previsível), de variada natureza e proveniente de uma vontade consciente que contraria a consecução de um objectivo que, por norma, é causador de danos, materiais ou morais; no fundo, o produto de uma possibilidade por uma intenção (Couto, 1998; p. 329). Porém, este conceito, por não ser suficientemente abrangente, -231-

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apresenta no momento difíceis problemas quando procuramos precisar o que compreende. Além do mais, não permite a inclusão das consideradas ameaças não tradicionais à segurança, como é o caso da SIDA. É fácil observar que esta pandemia não é uma ameaça na concepção clássica, estruturalmente identificável num produto de uma capacidade por uma intenção. Por outro lado, também não parece possível entendê-la como um risco, que durante longas décadas se opôs ao conceito de ameaça, entendido como acção não directamente intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil (Nogueira, 2005; p. 73). De facto, fomo-nos consciencializando de que estamos perante algumas manifestações com implicações tão sérias que podem ser classificadas como ameaças não militares à segurança. O assunto, que ganhou grande relevância na literatura especializada, desenvolve temas de que se destacam o terrorismo, o crime organizado, a proliferação de armas de destruição massiva, os estados fracassados, as ameaças económicas e sociais, os movimentos migratórios, ou ainda as doenças infecciosas. Face à multiplicidade de conceitos sobre o assunto99, neste estudo optámos por adoptar a definição de ameaça transnacional do relatório das Nações Unidas, A More Secure World: Our Shared Responsability, que admite uma concepção bastante ampla de ameaça, encarada como: “Any event or process that leads to large-scale death or lessening of life chances and undermines States as the basic unit

O Congresso norte-americano (2001) define-as como: “qualquer actividade transnacional (incluindo o terrorismo internacional, o tráfico de droga, a proliferação de Armas de Destruição Massiva e os seus vectores de projecção, e o crime organizado) que ameace a segurança nacional (…); qualquer indivíduo ou grupo que intervenha em actividades referidas no parágrafo anterior”.

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of the international system is a threat to international security” (2004 a, p. 12). Apesar do conceito adoptado facilitar a identificação do que é ou não uma ameaça transnacional, esta não é uma tarefa simples e surgem inúmeros critérios que têm a ver com a própria identificação de quem faz essa análise. Para as Nações Unidas existem 6 grandes ameaças com as quais a comunidade internacional deve estar preocupada, agora e nas próximas décadas (Nações Unidas, 2004 a; p. 25)100: 1) “Economic and social threats, including poverty, infectious disease and environmental degradation; 2) Inter-State conflict; 3) Internal conflict, including civil war, genocide and other large-scale atrocities; 4) Nuclear, radiological, chemical and biological weapons; 5) Terrorism; 6) Transnational organized crime”. A estas o Congresso norte-americano (2001) acrescenta ainda o ataque aos sistemas de informação. Por seu lado, a Estratégia Europeia em Matéria de Segurança (EEMS, 2003), ou documento Solana, como é mais conhecido na gíria militar e académica, apresenta as seguintes principais ameaças, que em parte ou no seu conjunto poderão constituir para a União uma ameaça verdadeiramente radical: 100 Tradução livre do autor: Ameaças económicas e sociais, onde se incluem a pobreza, as doenças infecciosas e a degradação ambiental; Conflitos entre Estados; Conflitos internos, incluindo a guerra civil, o genocídio e outras atrocidades em larga escala; As armas NBQ; O terrorismo; O crime organizado transnacional.

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1) O Terrorismo; 2) A Proliferação das Armas de Destruição Massiva; 3) Os Conflitos Regionais; 4) Fragilidade e Radicalização dos Estados; 5) A Criminalidade Organizada. Esta estratégia foi analisada na sua execução através do “Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança – Garantir a Segurança num Mundo em Mudança” datado de Dezembro de 2008. Este relatório, não pretendendo substituir a EEMS, mas sim reforçála, apresenta uma evolução das ameaças anteriormente definidas e da sua evolução, acrescentando no entanto a ciber-segurança, a segurança energética e as alterações climáticas. Portugal, por sua vez, no seu Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) identifica as ameaças que considera relevantes, das quais destacamos: 1) O Terrorismo nas suas variadas formas; 2) O desenvolvimento e proliferação não regulados de armas de destruição massiva, bem como dos respectivos meios de lançamento; 3) O Crime Organizado Transnacional. As novas ameaças transnacionais “ pelos elevados níveis de destruição que podem provocar e pelas dificuldades de prevenção, dissuasão e combate que colocam, têm actualmente um carácter diferenciado no plano da segurança ” (Viana, 2003; p. 3) mas, para Adriano Moreira (2004 b; p. 33), a mais alarmante das conclusões na actual conjuntura internacional é que a época que se iniciou com o fim da Guerra Fria nada indica que seja menos exigente do que foi aquela no que toca à segurança e à defesa desterritorializada. -234-

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2. Uma possível análise das principais ameaças transnacionais O primeiro desafio na análise das novas ameaças prende-se com a determinação de qual delas é a mais crítica para a segurança. Assim, por uma questão metodológica que nos permita o desenvolvimento de uma análise coerente e circunscrita no presente livro, estabelecemos um critério de identificação extremamente simples. Em primeiro lugar, procurámos identificar nas ameaças consideradas pelas Nações Unidas, pela UE, e pelo CEDN, aquelas que são comuns, tendo sido identificadas três: o Terrorismo, o Crime Organizado Transnacional e a Proliferação de ADM. Depois, optámos por analisar outras ameaças e desafios que, pelo relacionamento que tem com as ameaças comuns ou face à dimensão da tragédia que consigo transportam, consideramos relevantes para a segurança tais como: as pandemias e doenças infecciosas das quais destacamos a SIDA; a degradação ambiental e o fracasso do Estado. Nesta parte não analisamos o Terrorismo, uma vez que este tema já foi tratado em parte específica deste livro.

2.1 A proliferação de Armas de Destruição Massiva Desde o esboroar da URSS, emergiram as preocupações com a possibilidade de que partes daquele imenso território pudessem contribuir para a disseminação de Armas de Destruição Massiva (ADM), dado que o controlo estratégico rigoroso imposto até então estava esbatido. Neste período também testemunhamos um incremento na proliferação nuclear em Estados não-nucleares. Para as Nações Unidas, a ameaça colocada pela proliferação de ADM tem duas origens fundamentais. A primeira prende-se com -235-

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o não cumprimento por alguns Estados dos Tratados de Não Proliferação de Armas Nucleares, desenvolvendo assim de forma ilegal programas destas capacidades, adquirindo materiais e formando peritos, com a opção veiculada de abandonarem os Tratados assim que estiverem em condições de criar uma arma; a segunda, está relacionada com a erosão e eventual colapso de todo o quadro normativo dos Tratados (Nações Unidas, 2004 a; p. 34). De facto o Regime normativo de não proliferação está em perigo devido à falta de cumprimento dos Tratados, pelo seu abandono ou ameaça de abandono, situação que cria uma alteração significativa na segurança internacional. Aproximamo-nos, a passos largos, de uma situação de não retorno, em que o desgaste dos Tratados pode levar a um efeito de bola de neve na proliferação. A Comunidade Internacional deve preocupar-se com esta situação, dado que na realidade há um incremento de países que procuram construir as suas próprias ADM. Estes podem depois constituir-se em fontes de proliferação, ou seja, de venda de material, de tecnologia e de peritos, isto quer pela incapacidade de controlo de fronteiras ou mesmo de algumas políticas governamentais, assumindo particular relevo a ameaça que constitui a possibilidade de grupos terroristas terem acesso a ADM, nomeadamente a armas químicas ou biológicas, quer para chantagear, destabilizar ou para efectuar acções de terror. Actualmente são cerca de 60 os países que desenvolvem capacidades nucleares, e 40 possuem tecnologia industrial e infra-estruturas científicas que lhes permitem, se essa for a opção, a construção de armamento nuclear a breve prazo. Hoje são 9 os Estados conhecidos com arsenais nucleares (Nações Unidas, 2004 a; p. 34)101. 101

EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, China, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.

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Um outro perigo equacionado pelas Nações Unidas, que não está apenas relacionado com a possibilidade de mais Estados adquirirem armamento nuclear, mas prende-se com a criação de stocks elevados de material nuclear e radioactivo. Existem actualmente 1300 quilos de urânio enriquecido em reactores de investigação espalhados por 27 países, mas o volume de urânio acumulado é muito superior, estando algumas quantidades armazenadas em condições que oferecem pouca segurança, tendo sido confirmados mais de 200 incidentes envolvendo tráfico ilícito de material nuclear. Outra ameaça pode surgir também de armas de destruição massiva, mas de carácter radiológico, biológico ou químico. As armas radiológicas podem apenas utilizar material radioactivo, cuja matériaprima está disponível em milhares de fontes na área industrial ou médica, e permite a construção de uma dirty bomb, com capacidades limitadas, mas de grande impacto psicológico junto das populações. As armas químicas e biológicas também são de destruição massiva, com a agravante de os agentes químicos e biológicos estarem disponíveis no mercado internacional, em inúmeras instalações industriais e laboratórios em todo o mundo. Lembramos que ataques com agentes químicos (gás sarim) foram perpetrados no metro de Tóquio em 1995 e que em diversas instalações terroristas foi encontrado o tóxico ricin. Este tóxico não tem antídoto e é altamente letal. A utilização deste tóxico pode provocar mais baixas do que uma detonação nuclear, só uma grama pode provocar entre cem mil e um milhão de mortes (Nações Unidas, 2004 a; p. 40). A criminalização da economia e o incremento de políticas extremistas e do terrorismo em alguns países do Cáspio estão também relacionadas com a proliferação de ADM na Ásia Central, isto apesar de os líderes políticos se esforçarem para, em conjunto, combaterem o tráfico de armamento e de drogas, que incrementou com a porosi-237-

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dade das fronteiras; mas a tarefa excede as capacidades daqueles Estados, quer individualmente, quer em conjunto. Naquela instável região não há provas evidentes do transporte de material NBQ ao longo dos principais itinerários dos diversos tráficos, mas a preocupação é crescente, pois a capacidade logística é uma realidade. (Sokolsky e Charlick, 1999; p. 53). Nesta delicada situação, o factor humano, porque extremamente vulnerável, desempenha um importante papel. Segundo um artigo de Deborah Ball e Theodore Gerber (2005; p. 65), publicado na conhecida International Security, dos 602 cientistas russos que trabalham no sector, 20% expressou a sua disponibilidade em trabalhar para Estados considerados proliferadores, como o Irão que, lembramos, tem ligações estreitas com o Hizbullah, o que pode ser tentador para que elementos da al-Qaeda procurem por esta via um acesso clandestino à tecnologia nuclear (Dempsey, 2006; p. 16). Um outro exemplo surge com o Professor Abdul Qadeer Khan, “pai” do programa nuclear Paquistanês. Khan confessou em 2004 ter estado envolvido numa rede internacional clandestina relacionada com a proliferação de tecnologia de armamento nuclear, do Paquistão para a Líbia, Irão e Coreia do Norte. Ao que tudo indica, este cientista teria pouco controlo sobre os elementos da sua rede fora do Paquistão; além do mais, quer ele quer os seus companheiros, ao terem acesso a esta sensível tecnologia, terão ficado eminentemente motivados pelo lucro fácil. Nestas circunstâncias, o risco de acesso por elementos terroristas a tecnologia nuclear aumenta significativamente (Dempsey, 2006; p. 18). Pelo exposto, a proliferação e o acesso indiscriminado constitui assim uma das ameaças (assimétrica) mais dilacerantes para a Comunidade Internacional.

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2.2 O crime organizado transnacional O crime organizado de cariz transnacional representa uma ameaça para as sociedades e para os Estados, provocando a erosão do poder dos órgãos de soberania e da segurança. Desde o ataque do dia 11 de Setembro de 2004 ao World Trade Center, o mundo vive obcecado com o terrorismo, com as suas potenciais actividades e com a forma como podem afectar as sociedades ocidentais. Raros são aqueles que ousam olhar noutra direcção e que se apercebem da existência de outras fontes de insegurança, potencialmente tão perigosas ou mais do que o próprio terrorismo. O crime organizado transnacional é um dos exemplos de ameaças que têm procurado explorar a concentração de meios estatais na luta antiterrorista para expandir as suas actividades. Embora não se trate de um fenómeno recente, a globalização, juntamente com a evolução política, económica, social e tecnológica na Europa desde o início dos anos de 1990 trouxeram condições propícias ao desenvolvimento do crime organizado. A ameaça representada pelo crime organizado está, no entanto, mais relacionada com a evolução da sua natureza do que com a sua dimensão. Devido aos factores acima mencionados, foi adaptando a sua estrutura, a sua forma de operar e as suas actividades à realidade que o rodeava, estando em mutação permanente e sempre em busca da maximização do lucro. O resultado é sem dúvida preocupante: um maior nível de violência, um maior número de mercados afectados, associações frequentes com grupos armados e objectivos que passam cada vez mais pela destruição das estruturas estatais. O crime organizado transnacional não é o resultado da simbiose entre o crime organizado clássico e a globalização, não se pode reduzir o fenómeno a uma criminalidade comum cujo factor distintivo -239-

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é a capacidade de operar além fronteiras. O crime organizado tem na actualidade uma dimensão transnacional, envolvendo actividades numa escala global, onde a permeabilidade das fronteiras permite a circulação praticamente sem controlo, nomeadamente dos fluxos financeiros. Como explicar, portanto, o crime organizado? A resposta não é consensual, mas Phil Williams, na linha de Clausewitz, adopta uma resposta interessante ao considerar o Crime Organizado como a continuação do negócio por meios criminosos; possui uma estrutura de base em rede, que aparentemente pode parecer de estrutura caótica mas, na realidade, apresenta-se com uma forma organizacional sofisticada, marcada por três características distintivas: associação com finalidade criminosa, corrupta e violenta (Williams, 2000; p. 185-186). Esta última característica mostra como aquele tipo de organização desafia o poder de monopólio dos Estados na utilização da violência organizada. Entre as definições existentes mais importantes encontram-se a das Nações Unidas102 e a da União Europeia103, cujo conteúdo não diverge muito. No que diz respeito a outras definições oficiais, é possível encontrar diferenças notórias entre estas, como o demonstram, por exemplo, as definições apresentadas pelos Estados-Membros da União Europeia. No entanto, destaca-se desde já um conjunto Para as Nações Unidas o crime organizado é constituído por “group activities of 3 or more persons, with hierarchical links or personal relationships, which permit their leaders to earn profits or control territories or markets, internal or foreign, by means of violence, intimidation or corruption, both in furtherance of criminal activity and in order to infiltrate the legitimate economy”. In United Nations Convention on Transnational Organised Crime (entrou em vigor a 29 de Setembro 2003). 103 A União Europeia entende-o como: “A Criminal Organization means a structures association, established over a period of time, of 2 or more persons, acting in a concerted manner with a view to committing offences which are punishable by deprivation of liberty or a detention order (…) whether such offences are an end in themselves or a means of obtaining material benefits and, where appropriate, of improperly influencing the operation of public authorities”. In Joint Action 98/733/JHA of 21 December 1998, adoptada pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia; disponível em http://europa.eu.int/scadplus/leg/en/lvb/l33077.htm. 102

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de características tradicionais presentes. A primeira é a dedicação a actividades ilegais desenvolvidas no seio de um grupo de pessoas hierarquicamente definidas e cujo objectivo é unicamente o lucro, o que permite uma distinção fulcral entre o crime organizado e outros grupos, tais como os terroristas104. A estrutura do crime organizado é muito desenvolvida, durável e a sua organização pode ser comparável à de uma empresa. A sua grande flexibilidade permite-lhe ainda adaptar-se permanentemente e expandir a sua actividade a novas zonas geográficas e a novos mercados, o que lhe dá igualmente um cariz multifacetado. Os métodos são destinados a destruir os obstáculos à sua actividade e passam habitualmente pelo uso da violência selectiva ou de outros meios de intimidação e pelo exercício de influência na política, nos meios de comunicação social, na economia e no meio judicial. Com as recentes mudanças no Sistema Internacional, é, no entanto, de esperar que o crime organizado, motivado não só pela procura de maior lucro, mas também pela necessidade de se adaptar às respostas dos países em que opera, se afaste a pouco e pouco destas características mais tradicionais. O crime organizado não é um fenómeno recente, teve, em geral, origem em pequenos grupos de tipo gang ou clã, com base étnica, nacional ou até familiar (Schroeder, 1998; p. 82). Embora as causas para o desenvolvimento deste fenómeno tenham diferido de Estado para Estado, existem traços comuns que podem ser apontados. É o caso das mudanças políticas, económicas, sociais, jurídicas e tecnológicas que a Europa sofreu nos últimos anos. 104 David Whittaker, que defende que “the ordinary criminal’s violent act is not designed or intended to have consequences or create psychological repercussions beyond the act itself. Unlike the criminal, the terrorist is not pursuing purely egocentric goals – he is not driven by the wish to line his own pocket or satisfy some personal need or grievance” (Whittaker, 2001; p. 9).

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No que diz respeito à dimensão política, o factor essencial foi a desagregação da URSS e a consequente degradação das condições de vida nessa região. Face a um quadro político-económico negro, que os governos não conseguiram controlar, o crime organizado viu a oportunidade de aumentar os seus lucros através do fornecimento de serviços que os Estados não podiam providenciar aos seus cidadãos, ou seja, e generalizando para outros Teatros, o crime organizado adquiriu a capacidade de corromper e minar as já por si fracas instituições de diversos Estados, chegando por vezes a assumir as funções do próprio Estado (Sokolsky e Charlick, 1999; p. 51). Se juntarmos a este cenário as medidas políticas adoptadas pela União Europeia no sentido de reduzir as barreiras dentro do espaço europeu, compreendemos facilmente a razão do crescimento exponencial do crime organizado nos últimos quinze anos neste espaço geográfico. O recente alargamento da União trouxe igualmente riscos, no sentido em que algumas das fronteiras dos novos Membros são mais permeáveis e estão em contacto directo com países de onde determinados grupos de crime organizado são originários. Outros factores podem ser apontados para explicar o aumento deste fenómeno tais como a crise de valores nas democracias europeias, cuja desilusão com a classe política levou a uma sociedade menos reactiva relativamente à corrupção (Politi, 1998; p. 53); a não coincidência entre o conceito teórico de soberania nacional e o poder real dos Estados-Membros; a transferência de poderes na União Europeia e o reclamar nos Estados por uma soberania nacional. É neste vazio de poder, que se traduz, por exemplo, pela falta de capacidade em gerir fronteiras, que o crime organizado vai florescendo. A crescente globalização dos mercados induziu estas estruturas para novos métodos mais profissionais, evoluindo para formas mais complexas. O resultado desta mutação traduziu-se numa maior difi-242-

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culdade na detecção das actividades ilegais e no controlo dos movimentos dos grupos em questão. Mary Kaldor (1998; p. 78) considera ainda que a aceleração da transição dos países em desenvolvimento levou à criação de condições propícias ao aparecimento de instabilidade e criminalidade. São cinco as áreas privilegiadas de actuação do crime organizado: tráfico de droga, crimes financeiros, tráfico de seres humanos, ajuda à imigração ilegal e tráfico diverso. O tráfico de droga, que tem grandes implicações com a segurança, proporciona lucros estimados pelas Nações Unidas para as OCT de valores entre 300 a 500 biliões de dólares por ano (Nações Unidas, 2004 a; p. 49), reciclando cerca de metade na economia mundial (Raufer e Bauer, 2003; p. 175). Com estas verbas aquelas organizações adquirem um poder significativo, havendo o risco de num qualquer país poderem influenciar a eleição de um governo, ou chegarem a administrar áreas territoriais significativas, competindo assim, na ordem interna, com o poder formal. A heroína é o produto mais rentável. Segundo Neil Barnett (2000; p. 32), 80% da heroína destinada à União Europeia é refinada e transportada por grupos de nacionalidade turca, coadjuvados por grupos albaneses, através da zona sul dos Balcãs. O tráfico de cocaína, por outro lado, é assegurado por grupos colombianos que utilizam Espanha como porta de entrada da União Europeia. O mesmo acontece com uma quantidade de cannabis considerável, que é produzida em Marrocos. No que diz respeito a outros tipos de drogas, é de realçar a importância do tráfico de substâncias sintéticas e psicotrópicas, cuja produção é essencialmente realizada dentro da própria União Europeia. Embora haja indícios relativos à deslocalização de laboratórios para fora do espaço comunitário por razões de custos e de segurança, a grande maioria destes produtos continua a ter origem -243-

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nos Países Baixos, na Bélgica e nos países Bálticos (EU, 2003; p. 20). A diversificação de actividades desenvolvidas também tem sido uma realidade que passa não só pela escolha de outras actividades ilegais, mas também pelo desenvolvimento de negócios lícitos com o objectivo de branquear capitais (os sectores da banca, hoteleiro e dos transportes são exemplos disso) (Europol, 2003; p. 13). Consequentemente, o crime organizado deixou de ser um simples problema da economia de mercado para passar a ser uma ameaça que diz respeito à existência dos próprios países. Ao alcançar um nível de poder que anteriormente era reservado exclusivamente a Estados, este fenómeno adquiriu a capacidade de destabilizar económica, social e, ainda, politicamente os países onde opera. Esta questão implica, nomeadamente, que a ameaça passa a ser dirigida igualmente à segurança dos próprios cidadãos. Ao nível da dimensão social, a questão mais relevante é a da mobilidade acrescida dos cidadãos, que veio também permitir ao crime organizado estabelecer contactos a nível internacional ou gerir com maior facilidade actividades longe do seu país de origem. A existência de comunidades imigrantes da mesma etnia ou nacionalidade de um determinado grupo criminoso pode igualmente influenciar a actuação deste, na medida em que a comunidade pode servir como base de apoio ou até mesmo de recrutamento. Em termos jurídicos, o crime organizado tira partido das diferenças, ainda acentuadas, entre as legislações nacionais dos países. São muitas vezes as diferenças entre as definições de determinado tipo de crime que permitem entrar mais facilmente em certos mercados do que noutros. A falta de harmonia a nível judicial é também preocupante no sentido em que a cooperação entre as autoridades nacionais não está suficientemente desenvolvida para fazer face, de forma correcta, ao crime organizado. -244-

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A dimensão tecnológica contribuiu igualmente de forma decisiva para o aumento da actividade criminosa, pois possibilitou a adopção de novos métodos de actuação mais sofisticados e igualmente mais anónimos. Um maior acesso às comunicações, nomeadamente ao telemóvel e ao e-mail, e aos novos tipos de transporte, foi de grande importância para a expansão dos grupos. Para o crime organizado ligado às falsificações, quer de dinheiro, documentos ou obras de arte, os avanços tecnológicos vieram ainda permitir a produção de resultados mais perfeitos (Europol, 2003; p.12). Em termos de rentabilidade e de dimensão da actividade, o tráfico de seres humanos e o apoio à imigração ilegal serão certamente os sectores mais importantes a seguir ao tráfico de droga, rondando os 8 biliões de dólares por ano (Smith, 2000; p. 82). A causa de ambos os fenómenos é essencialmente o factor de atracção das economias europeias ocidentais, associado ao movimento de repulsa do país de origem, provocado pela instabilidade económica e política. O desespero ou, simplesmente, a esperança de uma “miséria dourada” levou, nos últimos anos, milhões de cidadãos a recorrer a grupos de crime organizado para facilitar a sua entrada nos países Ocidentais. Muitos partem com promessas de bons empregos e vêem-se, passado pouco tempo, confrontados com situações de extorsão ou até mesmo de escravatura. Os fluxos migratórios provêm do Sul ou de países junto à fronteira alargada da União Europeia (Europol, 2004; p. 2), enquanto o tráfico de seres humanos tem uma origem mais diversificada, que passa sobretudo pela Europa de Leste, mas igualmente pela Ásia, por África e pela América Latina. As rotas utilizadas, quer para a ajuda à imigração ilegal, quer para o tráfico de seres humanos, assim como os meios de transporte, são frequentemente coincidentes. Em relação aos crimes financeiros, será importante sublinhar as -245-

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actividades ligadas à fraude, à falsificação de moeda e ao branqueamento de capitais. Trata-se de operações de tipo clássico, cujas consequências se fazem sentir essencialmente a nível económico através da disrupção de mercados. O Relatório de 2003 da Europol sobre crime organizado chama, no entanto, a atenção dos países para a crescente utilização de alta tecnologia no desenrolar das operações criminosas que têm vindo igualmente a conhecer dimensões cada vez maiores. Dentro do sector do tráfico diverso é possível enquadrar actividades que vão desde o contrabando de álcool e de tabaco até ao tráfico de armas, passando pelo roubo de veículos (Europol, 2003; p. 22). Quanto ao tráfico de armas, tem vindo a assumir contornos preocupantes a probabilidade de tráfico de armas nucleares, biológicas e químicas a partir da estrutura pouco segura da Rússia. Este tipo específico de tráfico pode vir a permitir a grupos com objectivos de índole terrorista o acesso a armas de destruição massiva. De momento, o crime organizado é considerado como uma questão secundária devido à mediatização do terrorismo, o que lhe tem permitido atrair menos atenção e actuar mais livremente. No entanto, existem cada vez mais indícios de que o crime organizado está associado de diversas formas ao terrorismo, através do financiamento de operações ou do fornecimento de armas. Alguns autores defendem até que se está a proceder, em algumas zonas do mundo, a uma fusão entre grupos terroristas e grupos criminosos, o que cria, na verdade, uma ameaça muito mais perigosa do que as anteriores, acumulando a capacidade financeira e as motivações políticas. Os Estados, com as suas estruturas de soberania pouco consolidadas, facilitam a criação, disseminação e consolidação de coligações e redes de crime, que florescem, pois têm também associados a si benefícios económicos (noção perturbadora mas realista) como a -246-

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criação de emprego e o reinvestimento nas economias locais (Williams, 2000; p. 189). Hoje emerge uma nova dimensão da criminalidade organizada e que resulta da degenerescência do Estado, a pirataria. Esta tem-se manifestado de forma mais visível no Golfo de Adém, no Oceano Índico e no Golfo da Guiné. As OCT aparecem com frequência ligadas às economias de guerra, procurando tirar proveito dos conflitos que proliferam um pouco por toda a parte. As actividades ligadas ao crime financiam, estimulam e por vezes estão na origem de guerras. Até à queda do muro de Berlim, as práticas do financiamento dos conflitos pelos proventos, por exemplo, da droga105, eram monopólio de alguns serviços secretos estatais (Labrousse, 1996); depois, e progressivamente, passou a constituir uma rede de ligações e de conivências envolvidas no financiamento dos conflitos regionais nas zonas cinzentas do planeta.

2.3 A SIDA106 Apesar da evolução das ciências médico-farmacêuticas, as pandemias e doenças infecciosas persistem na era da informação. Só em 1995, aquele tipo de doenças provocou a morte a 52 milhões de pessoas. Em 1997, por exemplo, foram descobertas 60 novas formas de doenças infecciosas, considerando alguns autores que estas doenças serão potencialmente a maior ameaça para a segurança humana 105 O tráfico de estupefacientes aparece relacionado com 35 conflitos regionais. As guerrilhas da América Latina, do Afeganistão, Líbano, Curdistão, etc., servem-se dele para financiamento das suas actividades. 106 Uma versão sobre este tema, agora revisto, foi inicialmente apresentado no antigo Instituto de Altos Estudos Militares, em Fevereiro de 2005, ao Curso de Estado-Maior. O interesse da matéria como uma ameaça não tradicional à segurança, levou-me a aprofundar o tema e mais tarde a publicar um texto em co-autoria com Francisca Saraiva na Revista Política Internacional n.º 30, de Fevereiro de 2006, sob o título “A Geopolítica da SIDA”, p. 131-151.

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na era pós Guerra Fria (Smith, 2000). Lembramos o problema no sudeste asiático com a pneumonia atípica, ou do vírus ébola proveniente do Congo, ambos capazes de cruzar fronteiras de avião, ou mais expressiva em termos numéricos, a tuberculose, que na China mata cerca de 250 mil pessoas por ano, e no sudeste africano 600 mil, infectando anualmente mais de 1,6 milhões de pessoas (Nações Unidas, 2004 a; p. 26). A infecção por HIV/SIDA representa uma pandemia global, da qual se conhecem casos em todos os continentes. Inicialmente não se conheciam as reais dimensões do fenómeno, mas o facto é que desde 1981 já provocou a morte de aproximadamente 22 milhões de pessoas, deixando 13 milhões de crianças órfãs107. No estudo científico da guerra documentamos as baixas em consequência dos conflitos armados. Destas estatísticas retiramos o que pode clarificar o nosso problema: é hoje certo que a SIDA provocou mais baixas do que qualquer conflito armado ocorrido no século XX, incluindo qualquer uma das grandes guerras, e a tendência é para o agravar da situação. Actualmente há cerca de 40 milhões de portadores do vírus, ou seja HIV, positivos. Podemos comparar a sua progressão à das Divisões Panzer do General Guderian, com a Blietzkrieg. Simplesmente agora esta progressão é profundamente marcada por um carácter distintivo e único na história da humanidade, quer pela extensão da sua propagação, quer na morte que consigo transporta. A progressão é contínua, global, sem escolher raça nem credo, latitude nem longitude, nem condição social. O seu poder de destruição estende-se a toda a comunidade.

O vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) foi identificado pela comunidade científica há aproximadamente 20 anos.

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No epicentro do fenómeno encontramos o continente africano. Nesta zona geográfica não faltam motivos de preocupação. De facto, 24 dos 25 países mais atingidos por este flagelo são africanos. Pensase que a SIDA é responsável por 1 em cada 4 mortes de adultos em África (Singer, 2002; p. 147). No entanto, é difícil dizer que o fenómeno é localizado. É inegável que tem expressão global, embora se manifeste mais ao nível urbano do que rural, progredindo rapidamente na Ásia, nas Caraíbas e nas Américas do Sul e Central, bem como nos territórios da antiga URSS. Ainda faltam dados seguros quanto aos números reais da pandemia. Calcula-se que os casos notificados pelas diversas entidades nacionais e internacionais, na medida em que muitos países não apresentam os seus resultados de forma consistente (China), ou credível (diversos países em desenvolvimento), escondem dimensões desconhecidas que seria importante conhecer. Não é provável que esta pandemia, como outras, apresente alguma vez um carácter homogéneo e uniforme. Segundo Isselbacher, estamos perante ondas epidémicas com características ligeiramente diferenciadas nas distintas regiões do mundo, dado que há regiões mais vulneráveis do que outras. Do mesmo modo, há a registar variações também significativas dentro dos países afectados, que dependem de factores como a demografia do país e da região em questão e mesmo do momento da introdução do vírus (Isselbacher et. al., 1994; p. 1811). O efeito devastador da doença encontra-se ampliado em algumas regiões subdesenvolvidas, sobretudo na África subsaariana. Nesta região, o padrão de infecção está claramente associado ao sexo heterossexual, uma vez que o número de infectados masculinos e femininos é idêntico. Esta realidade contrasta vivamente com a situação na América do Norte e do Sul, Europa Ocidental, Austrália, e outras -249-

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zonas geográficas similares, onde a maior parte dos casos ocorre entre elementos homossexuais masculinos e devido a práticas de toxicodependência com recurso a drogas intravenosas. Há também casos muito particulares, de países como a China e a Roménia, em que a principal causa de transmissão do HIV se prende com a manipulação do sangue ou de hemoderivados contaminados, devido à falta de condições higiénicas, instalações e recursos para estudar os tipos de doadores, falta de aplicação de técnicas de esterilização de agulhas e seringas, bem como pelo uso inapropriado de transfusões. Infelizmente, os dados estatísticos relativos à transmissão da SIDA na Ásia estão apenas parcialmente documentados. Todavia, sabemos que a disseminação, desde o final da década de oitenta do século passado, tem sido bastante rápida. Na Tailândia a epidemia é recente: terá começado oficialmente em 1988. Até então era classificada no nível III, ou seja, pouco prevalente, à semelhança do que se passa em diversos países europeus. No nível III a maioria dos casos devem-se ao contacto com um padrão I (alta prevalência) ou II (média prevalência). De acordo com Isselbacher, entre 1985 e 1987 apenas 1% da população toxicodependente da Tailândia estava infectada e nas prostitutas esse valor era inferior. Porém, em 1989 o padrão foi alterado bruscamente, passando a mesma população estudada a contar com valores na ordem dos 40% de infectados (Isselbacher et. al., 1994; 1812). Neste caldo de cultura do submundo urbano, a proliferação da promiscuidade foi galopante. As trabalhadoras profissionais do sexo têm grandes responsabilidades na matéria, nomeadamente na transmissão do vírus aos jovens a cumprir serviço militar. Com toda a certeza sabe-se que infectaram 10% dos recrutas. Por sua vez estes, devido à sua mobilidade, ajudaram a espalhar ainda mais a doença. -250-

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Com a transição do milénio a pandemia da SIDA recebe atenção especial ao nível internacional. As Nações Unidas têm sido uma notável frente de combate ao problema. A partir do ano 2000 o tema deu o mote a sessões especiais quer ao nível da Assembleia-Geral quer do Conselho de Segurança. Sucederam-se, igualmente, diversas manifestações a nível regional, bem como iniciativas mais localizadas em diversos países. No universo onusiano, o Programa das Nações Unidas especializado na temática da SIDA, o Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/SIDA (ONUSIDA), vem promovendo estudos sobre a sua evolução. Segundo o relatório da ONUSIDA de 2009, a SIDA continua extremamente dinâmica, crescendo e alterando o seu carácter à medida que vai sofrendo mutações e explorando novas formas de transmissão. Em Dezembro de 2008 os números totais de pessoas contaminadas com o HIV estava estimado entre 30z e os 36 milhões, embora o número de novas infecções tenha diminuído de 3 milhões em 2001 para 2,7 milhões em 2007. Também só em 2007 estimam-se 2 milhões de mortes provocadas pela SIDA. Em muitas das regiões do mundo os grupos de maior risco são as mulheres, nomeadamente as mais jovens (idades entre os 15 e os 24). O estudo de 2004 da ONUSIDA indica que o número de mulheres contaminadas tem sido crescente: em cinco anos (1997-2001) passaram de 41% para representar 50% do total do universo dos indivíduos contaminados. Segundo o último relatório divulgado (Dezembro de 2006), são quase 18 milhões as mulheres infectadas, representando um incremento de um milhão em relação a 2004. Na sua progressão, o crescimento da SIDA entre as mulheres também é significativo noutras zonas: nos EUA, Oceânia, América Latina, Caraíbas, Europa de Leste e Ásia Central (Nações Unidas, 2005). -251-

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Apesar de ser difícil comparar regionalmente os factores que provocam este crescimento, é claro que na base estão as diferenças de género, especialmente as relacionadas com padrões culturais. O fenómeno parece ser pluri-causal e inclui factores sociais e culturais provocados pela desigualdade de estatuto entre a mulher e o homem, a violência sexual, passando pelas práticas associadas à toxicodependência intravenosa, acabando na falta de medidas profiláticas. Para além das mortes associadas a esta doença, enfrentamos no presente o problema do número das pessoas que têm que viver com HIV, que foi crescendo em todas as partes do mundo. Verificamos que os aumentos mais significativos acontecem no Sudeste Asiático, na Europa Oriental e na Ásia Central. Na Europa Oriental e na Ásia Central o fenómeno cresceu em 270 mil só em 2006, sendo a principal responsável para a subida vertiginosa a taxa de incidência na Ucrânia, que se conjuga com o crescente número de casos na Federação Russa, que contam só por si com 90% daquele efectivo. Na Rússia, entre 1997 e 1998, o fenómeno multiplicou por cinco o número de infectados, prevendo-se um cenário catastrófico de 20% ou mais de contaminações na sua população, sendo que 80% dos infectados tem idades compreendidas entre os 15 e os 30 anos. A Ucrânia conta com mais de 200.000 casos identificados (1% dos adultos), prevendo-se para 2016 cerca de 2,1 milhões de mortes com SIDA (International Crisis Group, 2001; p. 3). Nesta região imensa apenas 13% dos infectados têm acesso a tratamento com antiretrovirais. Sem dúvida que os dados estatísticos coligidos pelas NU referentes ao ano de 2006 indicam a África subsaariana como a região com maior prevalência de HIV, com 24,7 milhões de pessoas estimadas como contaminadas, comparativamente aos 24,4 milhões de 2004. Aqui residem 63% de todas os portadores de HIV. Só em 2006 terão -252-

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sido contaminados cerca de 2,8 milhões de pessoas e verificaram-se nesta região cerca de 72% das mortes desse ano. A incidência sobre mulheres grávidas com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos é também muito expressiva. Embora a prevalência de HIV se mostre actualmente relativamente estável nesta região, o relatório de 2006 acrescenta um novo dado, que a tendência é para decrescer o número de óbitos, isto devido à terapia antiretroviral. Mais de um milhão de pessoas na África subsaariana recebeu tratamento até Junho de 2006, 10 vezes mais em relação a 2003. Nesta região conseguiu-se reduzir nos últimos dois anos o número de mortes em quase 790.000. Esta esperançosa notícia não impede que a tragédia se mantenha, dado que o número de pessoa que contraem a doença aumenta e é igual o número de mortes em relação ao passado. É de salientar aqui que Angola é o país da África Austral onde a prevalência do vírus é menor. A segunda região do planeta com maior incidência da doença é as Caraíbas, excedendo os 2% em 5 países, tendo-se a SIDA tornado a principal causa de morte na faixa etária dos 15 aos 44 anos, e sendo o principal motivo de contracção da doença a homossexualidade (ONUSIDA, 2006). Na Ásia, a epidemia permanece largamente concentrada entre os utilizadores de drogas injectáveis, homossexuais, trabalhadores profissionais de sexo, clientes de trabalhadores de sexo e os seus parceiros frequentes. Na Índia, há regiões onde 5% da população contraiu a doença, com grande incidência nas grávidas, e na China as proporções são já as de uma epidemia, cujo impacto pode vir a ser devastador. A prevenção não é efectiva entre estas populações. Na Europa Ocidental e na Ásia Central são diversas as epidemias que se propagam, sendo o principal veículo de transmissão as agulhas e seringas contaminadas. -253-

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Nos países mais desenvolvidos a homossexualidade masculina desempenha um importante papel como veículo de transmissão da doença, representando a droga injectável um papel variado, sendo responsável só no ano de 2002 por mais de 10% da totalidade das infecções de HIV na Europa Ocidental, e responsável por 25% de infecções nos EUA (Nações Unidas, 2004 b). Embora as mudanças de comportamento e tratamentos específicos como os antiretrovirais, possam reduzir a velocidade da infecção e os índices de mortalidade em países desenvolvidos, é provável que surja uma expansão rápida da doença entre as populações da Índia, Rússia, China, e América Latina, o que pode provocar instabilidade social. De acordo com epidemiologistas da UNAIDS, a Ásia provavelmente ultrapassará a África subsaariana no número absoluto de portadores de HIV antes de 2010. Globalmente, a epidemia continua a destruir um número devastador de indivíduos e famílias. Nos países mais afectados, esta epidemia simplesmente apaga décadas de esforço sanitário e de algum progresso económico e social, afundando as economias num mar de pobreza. Na África subsaariana tem igualmente um impacto muito sério. A crise humana é crescente e transversal a todos os sectores sociais. Do ponto de vista político, a SIDA, como ameaça não tradicional à segurança, deve muito ao empenho da Administração Clinton. A viagem do embaixador americano nas Nações Unidas, Richard Holbrooke, à África do Sul em Dezembro de 1999, foi determinante para esta mudança. Pouco depois, o Vice-Presidente Al Gore apresentou ao Conselho de Segurança, a 10 de Janeiro de 2000108, os fundamen108 Neste dia, o Conselho de Segurança debateu a SIDA em África, tendo sido a primeira vez que este órgão discutiu um assunto relacionado com a saúde como ameaça à paz e segurança. O encontro demorou mais de 7 horas e teve cerca de 40 intervenções. Não foi adoptada qualquer resolução.

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tos do novo posicionamento norte-americano (Prins, 2004; p. 941): 1) O âmago da segurança é a protecção de vidas; 2) Quando uma simples doença ameaça tudo, desde a economia às operações de manutenção de paz, enfrentamos claramente uma ameaça à segurança a um nível global; 3) É uma crise de segurança, porque ameaça não só – e apenas – o indivíduo, mas também as instituições definidoras da sociedade. Também o Banco Mundial, logo em 2005, pela voz do seu à altura Presidente James Wolfensohn, se afasta das análises mais tradicionais, ao defender que esta pandemia é o maior desafio para a paz e estabilidade das sociedades alguma vez conhecido. Com a SIDA, enfrentamos uma grave crise de desenvolvimento, mas sobretudo uma séria crise de Segurança (Singer, 2002; p. 145). O Conselho de Segurança também aprovou em 17 Julho de 2000 a Resolução 1308, que estabelece a SIDA como um problema de segurança, reconhecendo que esta pandemia é exacerbada por condições de violência e de instabilidade e que se não for acautelada, pode colocar em risco a estabilidade e a Segurança internacional. Por outro lado, o trabalho do International Crisis Group (2001, p. 2) aprofundou as múltiplas dimensões geopolíticas deste problema considerando: · A SIDA como um problema de segurança pessoal – Quando 5, 10 ou mesmo 20% dos adultos ficam infectados, a saúde pública é severamente afectada, a longevidade diminui, a mortalidade infantil cresce, a produção agrícola decresce, as famílias e comunidades são destroçadas e os jovens não vislumbram futuro viável. As divisões sociais e étnicas podem ser acentuadas e a migração económica e os deslocados/refugiados aumentam; · A SIDA como um problema de segurança económica – Ameaça o progresso social e económico, agravando as já de si favoráveis -255-

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condições para a eclosão de conflitos violentos e de catástrofes humanitárias. Estima-se que uma prevalência de 20% de infecções na população adulta influencia o PNB em 1% anualmente; · A SIDA como um problema de segurança comunitário – Afecta as polícias e consequentemente a estabilidade comunitária. Destroça instituições, vitimizando especialmente os sectores da população com maior mobilidade geográfica: as elites, os funcionários públicos, os professores, os profissionais de saúde, entre outros; · A SIDA como um problema de segurança nacional – A doença afecta sobretudo as Forças Armadas, nomeadamente as africanas. A debilidade provocada nestas instituições, bem como nos pilares do crescimento económico, pode tornar os países mais vulneráveis a conflitos internos e externos; · A SIDA como um problema de segurança internacional – Constitui-se como uma ameaça, quer por desafiar a segurança internacional, quer pela sua capacidade de minar a aptidão internacional para resolver conflitos.

2.3.1 A SIDA e os seus reflexos nas populações Em primeiro lugar, nos países mais afectados a taxa de mortalidade aumentou drasticamente. O mesmo sucedeu com a esperança média de vida, seriamente afectada nestes casos. Estima-se que nalguns países uma larga percentagem da população (que poderá chegar aos 60%), hoje com 15 anos, não atingirá os 60 anos (Nações Unidas, 2004 c). Os efeitos do HIV na mortalidade adulta são maiores na faixa etária entre os 20 e os 30 anos e é proporcionalmente maior no caso das mulheres. Outro sinal preocupante tem que ver com o facto de -256-

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os índices de mortalidade para portadores de HIV em países em desenvolvimento serem até 20 vezes superiores aos encontrados nos países mais prósperos, o que reflecte bem as dificuldades no acesso às terapias antiretrovirais. Cite-se que, desde 1999, a esperança média de vida recuou em 38 países. Com efeito, em 7 países africanos, onde a prevalência de HIV excede 20%, a esperança de uma pessoa nascida entre 1995 e 2000 é agora de 49 anos, ou seja, 13 anos menos do que na ausência de SIDA. Perspectiva-se que na Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué a esperança média de vida de pessoas nascidas na próxima década seja inferior a 35 anos. A menos que a resposta à SIDA seja drasticamente fortalecida antes de 2025, estes países terão populações 14% menores do que na realidade teriam se não houvesse SIDA. Mais alguns factos revelam a dimensão do fenómeno. Referimonos ao facto de o HIV, apesar de mais urbano do que rural, não se encontrar uniformemente distribuído ao longo das populações nacionais. O que significa que a epidemia altera drasticamente as estruturas demográficas dos países mais fortemente afectados pela pandemia. As pirâmides demográficas passam a apresentar novos padrões. Quer isto dizer que países como a África do Sul verão a sua estrutura etária perturbada: haverá menos pessoas entre os 30 e os 50 anos e também menos mulheres do que homens. Neste contexto, não admira que a SIDA provoque uma tendência de aumento das situações de orfandade. Parece, portanto, que estamos em presença de estudos prospectivos que indicam que, em 2010, serão cerca de 40 milhões as crianças abandonadas e privadas da presença dos pais (Internacional Crisis Group, 2001; p. 24). Estas crianças dificilmente recuperarão as condições para terem uma vida normal, com todas as consequências sociais que a situação acarreta.

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2.3.2 A SIDA e as operações militares Dos países africanos com maior incidência de SIDA mais de metade estão envolvidos em conflitos armados. As estatísticas também são claras no que diz respeito aos militares contaminados com o HIV. São aproximadamente 5 vezes superiores aos civis e em períodos de guerra este valor cresce para 50 vezes mais. A situação é de tal maneira grave que muitas vezes as FA são mesmo o principal grupo de contaminados. Trata-se, sem dúvida, de uma situação que leva a que, nalguns casos, seja esta a principal causa de baixas. Além do mais, como a SIDA não escolhe postos, há consequências importantes nas cadeias de comando, na capacidade das Forças e mesmo na sua coesão109. Os motivos para esta taxa de incidência são diversos: desde razões que se prendem com a idade biológica, ao distanciamento das companheiras(os) sexuais, a prática de sexo forçado como arma de guerra110 e, finalmente, uma cultura do risco instalada em muitas Forças Armadas pelo mundo fora. Temos que notar que os comandos em países onde a taxa de infecção é significativa já estão preocupados com a capacidade de projecção de força. Esta constelação de problemas agrava-se, como notou Singer, com a circunstância da SIDA, por via do enfraquecimento da instituição militar, propiciar mecanismos de desestabilização interna e de debilidade que aumentam a probabilidade de vir a ocorrer um ataque externo (Singer, 2002; p. 149). Se tivermos em conta que em alguns países, como a Namíbia, os dados estatísticos de militares No Malawi prevê-se que 1/4 do efectivo tenha perecido dentro de 3 anos (Singer, 2002; p. 148). O uso de violência sexual sobre mulheres chocou-nos a todos durante o conflito na antiga Jugoslávia e depois no Ruanda. Foram inúmeros os relatórios sobre violações, gravidez forçada e escravatura sexual. 109 110

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infectados é uma informação classificada, teremos de admitir que o fenómeno tomou proporções alarmantes. Pode presumir-se que a SIDA é um problema de segurança internacional por colocar evidentes desafios a essa segurança. Em segundo lugar, verifica-se que a multiplicação de contingentes de militares infectados com HIV inviabiliza a participação de muitos países em operações de paz. Pode ainda dizer-se que, devido às características e comportamentos dos seus elementos, a própria força tende a ser uma fonte de infecção no local da missão bem como, no regresso, um foco infeccioso junto das comunidades de origem, uma vez que existe sempre o risco/probabilidade de contrair a doença durante as missões (Internacional Crisis Group, 2001; p. 22-23). O binómio jovem soldado / trabalhadora do sexo é milenar. Assiste-se, estamos certos, a uma crise nos mecanismos de resolução de conflitos provocada pela diminuição da capacidade internacional de acudir, com o potencial humano adequado, a crises e conflitos. Deve observar-se, por outro lado, que a SIDA é crescentemente utilizada como uma poderosa arma de guerra. Os raptos e os genocídios combinam-se desde sempre em muitos conflitos. O facto relevante é no entanto a sua associação, recente, ao contágio do vírus da SIDA: é possível que a transmissão de SIDA possa corresponder a uma prática de genocídio, na medida em que parece estar presente o elemento de intencionalidade na passagem do vírus para a população. Terá sido isto que se passou no Ruanda e presentemente no Congo, onde mais de 500 mil mulheres foram desta forma infectadas com SIDA. Os rebeldes depois de violarem as mulheres e jovens gravavam nas suas costas slogans com dizeres como o seguinte: “vais ter uma morte lenta” (Singer, 2002; p. 153). Como já referimos, esta é uma doença que afecta os mais jovens, com implicações nas curvas etárias. Investigações recentes mostram -259-

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que a probabilidade de eclosão de violência entre os jovens do sexo masculino é cerca de 40% superior quando comparamos os valores obtidos nas faixas etárias mais avançadas (Singer, 2002; p. 151). A explicação pode encontrar-se na predisposição para a agressividade dos mais jovens, tornando-os alvos fáceis de recrutamento por “senhores da guerra”, que costumam incluir no seu quotidiano ritos iniciáticos de extrema violência111. Como se isto não bastasse, estas crianças e jovens, por norma mal nutridos e com pouca escolaridade, são no fundo um meio barato de manter milícias e guerras do terceiro tipo. Os conflitos armados provocam ainda um mar de refugiados que habitam em campos onde normalmente a miséria é grande e os cuidados profiláticos decrescem. Apesar de estudos recentes não encontrarem evidências de que as situações de conflito incrementam os níveis de transmissão do vírus (Nações Unidas, 2006), pensamos que a situação aqui descrita nos indica que o fenómeno da SIDA se propaga sempre, independentemente de a situação ser de conflito ou de paz, pois acreditamos que se trata de um processo infeccioso de difícil interrupção ao longo da poderosa cadeia de transmissão.

2.3.3 A SIDA e o Estado A SIDA afecta não só as FA mas o Estado como um todo, corroendo, à medida que alastra, as bases da sociedade, o indivíduo, a família e a própria comunidade. De acordo com o Director da ONUSIDA, Peter

111 A este propósito devemos recordar a título de exemplo o recrutamento feito pela RENAMO em Moçambique durante a guerra civil, ou pela RUF na Serra Leoa.

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Piot, a doença está a devastar os postos de trabalho ocupados pelos membros mais produtivos da sociedade com uma eficácia que, na História da humanidade, apenas tínhamos conhecido em resultado de grandes conflitos armados (Internacional Crisis Group, 2001; p. 1). A sua progressão faz-se sentir nas áreas governamental, económica e de desenvolvimento social, com a agravante de que estes elementos mais produtivos, das classes média e alta, dificilmente são substituídos. O fenómeno também incrementa as necessidades orçamentais e as taxas de apoio social, desencorajando o investimento estrangeiro. A força de trabalho fica assim reduzida o que provoca a queda em flecha dos ganhos, sobretudo nos países mais debilitados ou em desenvolvimento. Para o Banco Mundial esta doença é a maior ameaça para a economia africana, onde se espera que a redução do PIB atinja os 20% apenas numa década (Central Intelligence Agency, 1999). Esta ameaça transnacional atinge igualmente os Estados consolidados, não apenas pelos reflexos directos, mas indirectamente devido à globalização das economias. Por outro lado, diz Singer (2002; p. 151), não é de afastar a hipótese de um colapso económico e político agravado pela presença da SIDA poder lançar o mundo numa nova vaga de refugiados. Dispomos agora de dados que nos permitem considerar que a pandemia é responsável pela perpetuação de ciclos de pobreza e de miséria. Afecta gerações, diminui a produção, provoca fluxos de refugiados, desastre económico, guerras civis que, por sua vez, agravam o quadro geral de miséria. Esta situação tem um reflexo enorme nas famílias afectadas com o vírus: menor rendimento nas actividades laborais, diminuição do rendimento familiar, crescimento dos gastos com medicamentos, má -261-

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nutrição. As estimativas disponíveis apontam para uma quebra entre os 40 e os 60% nos rendimentos (Internacional Crisis Group, 2001). À medida que a doença progride, os doentes ficam menos eficientes, menos capazes de realizar trabalhos manuais e muitas vezes o absentismo dispara e o capital humano nacional diminui. Só no continente africano, em 2020 a força de trabalho deverá ser de 10 a 22% menor do que no início do século. Segundo o Banco Mundial, a África do Sul verá o seu PNB decrescer 17% até 2010, e prevê que no Botswana este valor atinja os 30% (WB press release, Julho 2001). Há sectores-chave que já são afectados, como a agricultura, a mineração e os transportes. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), na Zâmbia, onde a principal fonte de rendimento (75%) provém do minério de cobre, 18% dos mineiros estão infectados. Na indústria dos transportes são os camionistas os mais afectados. Contraem a doença com facilidade e ajudam na disseminação (FAO, 2001). O abandono escolar também é significativo. Os jovens procuram trabalho para compensar a falta de rendimentos em casa. Por vezes, a rejeição é apenas social e passa pelo receio de colegas e professores de que a criança também esteja infectada. No fundo, o impacto é global e destabilizador social, securitária e economicamente.

2.4 A degradação do ambiente A degradação do ambiente persiste como uma das maiores ameaças mundiais. As agressões sucessivas a este “património comum da humanidade”, que é o ecossistema global, têm reflexos em inúmeros -262-

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sectores da vida planetária. Estas agressões nem sempre resultam de actividades intencionais, portanto criminosas, mas são o produto da incúria humana. Apesar dos insistentes alertas internacionais para as questões ambientais, para o problema da camada de Ozono, do consequente aquecimento do planeta, e dos inúmeros Tratados e Acordos para diminuírem as emissões de gases para a atmosfera, o ambiente continua a degradar-se. Mas persistem outros problemas ambientais, como a desertificação e a escassez de água potável. São mais de 900 milhões de pessoas que são afectadas pelo fenómeno da desertificação e cerca de 80 países, representando cerca de 40% da população mundial, sofrem actualmente de falta de água (Santos, 2002; p. 63). A situação ambiental ao nível estratégico mais problemática é a das alterações climáticas provocadas pelo efeito de estufa. Estas têm e vão continuar a provocar um enorme efeito nas sociedades, não pela actuação de pressão directa, mas através da influência exercida sobre a diminuição de alguns recursos vitais (Dixon, 1999; p. 14). Os instrumentos legislativos criados (Protocolo de Quioto de 1997), para se forçar a diminuição de gases que provocam o fenómeno, correspondem apenas a um esforço de 3% do necessário para anular o processo (Gresh, 2003; p. 58). Os problemas ambientais são inerentemente transnacionais, sendo o fenómeno mais evidente a poluição transfronteiriça (Smith, 2000; p. 89). Em algumas regiões do mundo o problema é tão grave que é gerador de tensões e mesmo violência entre estados vizinhos, como ocorreu entre a Indonésia e a Malásia em 1997. A cena internacional do pós-11 de Setembro de 2001 tem sido dominada pela estratégia norte-americana de luta contra o terrorismo, legando para segundo plano questões como as alterações cli-263-

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máticas. Porém, a partir de meados de 2006 esta posição tem vindo a ser alterada, muito tendo contribuído para tal o sucesso do livro e documentário “Uma verdade inconveniente”, do ex-vice Presidente da Administração Clinton, Al Gore, que juntamente com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (Intergovernamental Panel for Climate Change - IPCC), seriam laureados, em 2007, com o Prémio Nobel da Paz. Ao nível da União Europeia, 2007 também foi um ano decisivo; a partir de Março desse ano surgiu o compromisso de desencadear uma estratégia integrada de políticas públicas centradas numa relação estreita entre inovação energética e alterações climáticas. As questões ambientais passam também a assumir um papel de relevo na sua estreita relação com a Segurança Internacional, quer na ONU, onde o Conselho de Segurança debateu nesse mesmo ano o assunto, quer a partir de Março de 2008, na União Europeia, altura em que o Alto Representante para a Política Externa e a Comissão Europeia apresentaram ao Conselho Europeu o documento Climate Change and International Security. Este último documento identifica sete formas de conflito que podem ocorrer em diferentes regiões do mundo e que podem advir das alterações climáticas: 1. Conflito em torno dos recursos; 2. Prejuízos económicos e riscos para as cidades costeiras e infra-estruturas críticas; 3. Perdas de território e as disputas fronteiriças; 4. Movimentos de população induzidos pelas alterações ambientais; 5. Situações de fragilidade e radicalização; 6. Tensão em torno do fornecimento de energia; 7. Pressão para uma governação internacional.

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Cada uma destas formas de conflito é explicada no documento que ainda dá seis exemplos geográficos onde cada uma delas se pode verificar: de África ao Médio Oriente, da Ásia Central e do Sul à América Latina e Caraíbas passando ainda pelo Árctico. Posteriormente a este documento, a França ao assumir a Presidência da União Europeia, pela voz do seu Primeiro-Ministro, afirmou que a primeira prioridade da Europa era a de responder ao desafio climático, devendo fazê-lo “porque é uma prioridade do conjunto da humanidade”112. Do outro lado do Atlântico, o US Army War College publica as actas de um Seminário realizado em Maio de 2008 subordinado ao tema Global Climate Change: national security implications e, em Junho, o Director of National Intelligence apresenta o relatório National Intelligence Assessment on the National Security Implications of Global Climate Change to 2030. Em Portugal têm sido várias as ONGs e personalidades a chamarem a atenção para o problema da degradação ambiental e sobretudo para a centralidade das questões climáticas. Lembramos por exemplo, entre outras, a Quercus e as publicações “O Desafio da àgua” coordenado por Viriato Soromenho Marques e a sua excelente e mais recente obra “O regresso da América”.

2.5 O fracasso dos Estados São vários os elementos da unidade jurídica e política organizada sobre a forma daquilo a que se convencionou chamar Estado, como o território, povo e poder político soberano, competindo-lhe tradicio-

Podemos detalhar mais sobre este interessante discurso de François Fillon proferido a 18 de Junho de 2008. Disponível em www.premier-ministre.gouv.fr.

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nalmente garantir a prossecução dos seus fins de segurança, justiça e bem-estar social (Caetano, 1991; p. 144-149). A soberania, na definição de Jean Bodin, traduz-se no facto de na ordem interna o Estado ser supremo e na ordem externa ser independente, ou seja, ele decide por si mesmo como irá enfrentar os seus problemas internos e externos, incluindo se quer ou não procurar a assistência de outros e, ao fazê-lo, limitar a sua liberdade chegando a compromissos com eles (Waltz, 2002; p. 135-136). Uma das mais importantes ameaças para a segurança internacional e que emergiu com a alteração do Sistema Internacional após o fim da Guerra Fria, é a existência de Unidades Políticas, que devido à má governação (corrupção endémica, abusos de poder, desrespeito pela dignidade da pessoa humana, debilidade institucional), à desregulação social, à inexistência de infra-estruturas e serviços públicos, à incapacidade de impor o estado de direito ou de por fim à conflitualidade interna, se encontram fracassados113. Existem, para além destes fenómenos endógenos, uma série de factores exógenos ao próprio Estado que o empurram para situações de fragilidade e, eventualmente, para o fracasso e o colapso114. O fracasso do Estado pode e deve ser relacionado com as outras ameaças aqui referidas, uma vez que, desprovidos de poder, os Estados ficam permeáveis a que dentro de si germinem e se desenvolvam as mais diversas formas de criminalidade organizada e de terrorismo, com todas as repercussões além fronteiras para a segurança regional e internacional. São inúmeros os conceitos que nos aparecem associados à defi113 Este assunto pode ser consultado com mais detalhe, entre outros, em Sherman (2003) e na Estratégia Europeia em Matéria de Segurança. 114 Ver Mónica Ferro, “Quando os estados falham. Estados falhados e segurança internacional” in Revista Segurança & Defesa Segurança e Defesa, n. º 2, Fevereiro 2007.

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nição de Estados Fracassados115, bem como diversos os critérios de classificação116, sejam eles indicados por académicos de renome como William Zartman (1995 a)117, Robert Rotberg (2004)118 ou Fukuyama (2006)119, ou institucionais como a Agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID)120, o Fund For Peace121, ou mesmo, no caso nacional no documento Nova Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa (2005)122. Porém, em nosso entender é necessário operacionalizar um conceito como instrumento útil. Assim, dentro do conceito latu censu de Estado Fracassado inserem-se três categorias que nos aparecem de uma forma gradativa: · Estados fracos;

115 Para uma dicussão sobre a possibilidade da criação de um conceito, sobre os produtores desse conceito ver Mónica Ferro, “O que falha quando falham os estados?”, Adriano Moreira e Pinto Ramalho (coords.), Estratégia, Volume XVII, Lisboa, 2008. 116 O critério de classificação varia entre autores e instituições. Podemos complementar esta informação, em www.worldbank.org/ieg/licus/docs/licus_fs.pdf. A Revista Foreign Policy (http://www.foreignpolicy.com/story/cms.php?story_id=3420&page=8) apresenta inclusivamente o ranking actual e a cartografia global dos estados falhados, definindo ainda uma metodologia do Fund for Peace, para a identificação e classificação dos Estados. O critério utilizado pode ser consultado em linha em (http:// www.fundforpeace.org/programs/fsi/fsindicators.php). São 12 os indicadores do falhanço de um Estado, mas genericamente podem ser agrupados em apenas três: 1) Natureza social (pressão demográfica, movimentos de refugiados e deslocados); 2) Natureza económica (desigualdades, declínio económico); 3) Natureza política (ineficácia do sistema judicial, violação da dignidade da pessoa humana). 117 William Zartman (1995 a; p. 14) define colapso estatal como: “o colapso da boa governação, lei e ordem. O Estado, enquanto instituição que decide, executa e aplica, já não consegue tomar e implementar decisões”. 118 Este autor diferencia Estados falhados de Estados colapsados. Um Estado falha em resultado “da violência interna, o governo perde a credibilidade (....) tornando-se ilegítimo para a sua população». Um Estado colapsado, corresponde «a uma versão extrema de um Estado falhado» em que a segurança é garantida pela lei do mais forte e onde «existe um vácuo de autoridade», no qual «os senhores da guerra ou actores não-estatais adquirem o controlo de regiões ” (Rotberg, 2004; p. 5-9). 119 Fukuyama (2006; p. 105) classifica o termo “fraco”, referindo-se à força do Estado e não ao seu alcance, significando “(…) uma falta de capacidade institucional para implementar e impor políticas, muitas vezes induzida por uma falta subjacente de legitimidade do sistema político como um todo”. 120 Para a USAID (2005; p. 1) são Estados vulneráveis: “those states unable or unwilling to adequately assure the provision of security and basic services to significant portions of their populations and where the legitimacy of the government is in question. This includes states that are failing or recovering from crisis (…)”. Emprega ainda a terminologia de “Estado em Crise”, para se referir aos Estados onde “(…) the central government does not exert effective control over its own territory or is unable or unwilling to assure the provision of vital services to significant parts of its territory, where legitimacy of the government is weak or nonexistent, and where violent conflict is a reality or a great risk (…)”.

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· Estados falhados; · Estados colapsados. Por Estado fraco entendemos aquele cujos órgãos de soberania e as suas instituições não conseguem exercer a sua actividade plena em toda a extensão do território e do seu mar, que são incapazes de garantir os serviços básicos à população e, perante esta, são tidos como ilegítimos. Muitos dos que ocupam ou ocuparam posições de relevo na sua administração, ou seja, a sua elite política, têm uma visão patrimonial do Estado, transformando-se, no fundo, em gestores de um “ complexo sistema de relações sociais, que premeia o indivíduo em função da lealdade, punindo os tidos por desleais ou por competidores ” (Nóbrega, 2003; p. 181). Não é só a elite política que assume esta postura; este problema afecta toda a estrutura e todos os níveis do Estado, fazendo parte do modus vivendi destas sociedades. Já o Estado falhado, e numa escala de insucesso superior, é aquele que na ordem interna não tem o monopólio da legítima violência de que Weber (1946) nos falava, ou seja, surgem outras entidades como milícias, exércitos privados ou uma qualquer organização subversiva, nas suas variadas tipologias, que competem com o poder formal, por vezes controlando partes significativas do território e da sua população, não tendo necessariamente responsabilidade social sobre esta última.

121 O Fund for Peace e a Revista Foreign Policy (2007) entendem Estado Falhado como: “A state that is failing has several attributes. One of the most common is the loss of physical control of its territory or a monopoly on the legitimate use of force. Other attributes of state failure include the erosion of legitimate authority to make collective decisions, an inability to provide reasonable public services, and the inability to interact with other states as a full member of the international community”. 122 Neste documento os Estados frágeis são “aqueles que correm o risco de degenerar e desagregar, fazendo alastrar a insegurança não só por entre os seus próprios cidadãos como também por entre os cidadãos da região a que pertencem” (VECP, 2006; p. 20).

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O Estado colapsado aparece-nos no fim desta escala crescente de inviabilidade do Estado. Nos Estados colapsados o poder formal simplesmente não existe, os órgãos de soberania e as instituições num determinado território, que no passado já possuiu os atributos tradicionais de um Estado, colapsaram; ou seja, no caos jurídico, legislativo e administrativo, prevalece a lei do mais forte, surgindo ou subsistindo diversas formas de organização social e comunitária, lumpen ou etnolinguísticas, que possuem capacidade de exercer a força e conduzir operações armadas, que competem entre si pelo controlo de território e pelo acesso a recursos, e que controlam e exercem alguma forma de responsabilidade social sobre as populações residentes.123 De acordo com dados da USAID (2005; p. 1), pelo menos um terço da população mundial vive agora em áreas consideradas instáveis ou frágeis. São inúmeros os exemplos de Estados fracos pelo Continente Africano e no Sudeste Asiático, já os Estados Falhados temos o exemplo, entre outros, da Libéria, da Serra Leoa, do Congo e do Iraque; como Estado colapsado o exemplo mais premente é o da Somália. Todavia a ameaça mais grave provém da possibilidade de Estados falhados se constituírem em santuários, onde grupos radicais se podem treinar com as consequências que são conhecidas de todos, ou aproveitar para desenvolver actividades criminosas de projecção transnacional. Muito provavelmente a combinação destes dois fenómenos pode comprometer ainda mais a já de si frágil existência destes países como realidade política.

A OCDE, a UE e as Nações Unidas recusam o recurso a estas tipologias optando por uma categorização genérica de estados fragéis ou em situação de fragilidade; admitindo que todos os Estados têm elementos de fragilidade o que varia é o grau, a extensão dessa mesma fragilidade.

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3. A Acção Estratégica face às principais ameaças transnacionais Durante a Guerra Fria as ameaças estavam bem identificadas e a acção estratégica assentava essencialmente na dissuasão pela Destruição Mútua Assegurada (MAD), desempenhando a estratégia militar um papel de relevo. Com as alterações na ordem internacional no final do século XX assistimos a alterações profundas nas estratégias e estruturas militares. Foi um período fértil em gestão de crises e em operações de apoio à paz e humanitárias, tendo com estas situações estabelecido um novo paradigma para o uso da força militar, assistindo-se à substituição da estratégia de dissuasão pela estratégia de emprego, ou seja, operacional. Esta evolução forçou o “desenhar” de novas estruturas para a força militar, assim como novos métodos e processos de actuação. Na sequência do 11 de Setembro de 2001 colocaram-se outros e novos desafios aos aparelhos militares, passando alguns países e OI a exigir às suas Forças Armadas novas missões, novos requisitos de força, novas capacidades e mesmo novas estruturas de força, de forma a torná-las capazes de fazer face a todo o espectro do conflito124. Esta evolução deixou antever o emprego das mesmas Forças em missões de segurança interna. À medida que se multiplicam as novas ameaças, os líderes mundiais, políticos e militares, começam a encarar esta nova realidade, que nos parece inevitável: as Forças Armadas irão, nas próximas décadas, ser empregues na ordem interna. Esta perspectiva não é aceite sem controvérsias apresentadas por muitos líderes militares, como é

Este foi o caso concreto da OTAN que, a 21 de Novembro de 2002, na Cimeira de Praga, ratificou o novo conceito militar para a defesa contra o terrorismo, o MC 472, e a nova estrutura de forças foi definida em 01 de Julho do mesmo ano, através do Military Decision 317/1.

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o caso do Brasil125; porém, quer os EUA quer o Reino Unido adoptaram conceitos como o Homeland Security126. Mais recentemente, Portugal, no seu CEDN, também estende esta missão às suas Forças Armadas, detalhando as Missões Específicas das Forças Armadas (MIFA) o modo de actuação complementar e supletivo das valências próprias das Forças de Segurança. Falta, no entanto, a legislação própria para, entre outros temas, definir concretamente o espaço de intervenção, a cadeia de comando e os responsáveis127. A interdependência das novas ameaças, de múltiplas naturezas, dinâmicas, polimorfas, assimétricas e globais, face à ineficácia do Estado e dos seus tradicionais instrumentos de política externa e de segurança, impulsionou o desenvolvimento gradual de uma nova concepção de segurança alargada, abrangendo outras dimensões para além da militar, forçando a adopção de uma estratégia de resposta holística, sendo a eficácia da mesma subsidiária da adequada coordenação multi-institucional e de uma arquitectura de segurança cooperativa onde as diferentes organizações, diferenciadas nos objectivos e capacidades, se complementarão (Viana, 2003; p. 6)128. O General Rui Monarca da Silveira, no seu artigo Segurança e Defesa – a visão do Exército brasileiro, mostra a relutância que existe em atribuir missões ao Exército para cumprir missões de segurança interna. Disponível em www.exercito.gov. 126 Ver a este propósito o relatório da United States General Accounting Office, Report to Congressional Requesters, Homeland Security, June 2004, e a importante obra publicada pela Rand Corporation, Army Forces for Homeland Security. Santa Mónica: 2004. 127 Quer a Constituição da República quer a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas limitam o emprego das FA ao plano externo, porém, pelo Parecer nº. 147/2001 da Procuradoria Geral da República, de 9 de Novembro de 2001, homologado pelo MDN, em 6 de Dezembro de 2001, estabelece-se que as Forças Armadas podem ser empregues em missões de segurança interna, em caso de agressão ou ameaça externas. Assim, desde que o Poder político defina como sendo externa a origem da ameaça, a actuação das Forças Armadas no âmbito da segurança interna para o combate a novas ameaças, tem cobertura legal. Este parecer não é esclarecedor quanto ao campo de actuação das FA. 128 No caso específico de Portugal, as mentalidades vigentes ainda condicionam muito a forma de encarar os assuntos de defesa e segurança; o conceito de Defesa Nacional está muito ligado apenas à actividade militar, mas sabendo que não basta a Defesa para se obter a Segurança, o conceito a adoptar deve assim ser o de Segurança Nacional, resultante de um conjunto de políticas do Estado, devidamente articuladas, na vertente militar, mas também em outras políticas sectoriais como a económica, cultural, educativa, que englobe acções coordenadas de segurança externa e interna, cuja fronteira está actualmente desvanecida (Viana, 2003; p. 10-18). 125

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Porque estamos a falar de Acção Estratégica, entendemos ter por base o modelo de Beaufre (1985) transformado, já anteriormente caracterizado por nós. Assim, a resposta deve ter por fundamento uma estratégia total, entrar em linha de conta com as diversas estratégias gerais (militar, política, psicológica, económica, de informações), todas interrelacionadas e interdependentes, e que integram os estilos de acção directa ou indirecta. A acção directa com o emprego do hard power, mostrando a utilidade do uso da força (Smith, 2006), e a acção indirecta a recorrer frequentemente ao designado soft power (Nye, 2004)129, de forma a serem adoptadas medidas para encorajar diversos países a aderirem à cooperação na luta contra as novas ameaças à segurança. Qualquer acção estratégica a concretizar, na sua formulação tem a montante um estudo da situação estratégica130. Neste estudo, o estrategista deve ter em conta que o grande objectivo deve ser o da alteração das relações de poder e que a decisão sobre a sua adopção deve ser o produto de um efeito psicológico (Couto, 2004; p. 228), ou seja, que no jogo dialéctico, a gestão das percepções e as mensagens que se pretendem passar ao adversário são fundamentais, sendo que o efeito pretendido só é alcançado se existir comunicação com o Outro antagonista e da sua parte uma assimilação clara do que se pretende. Assim, desde o momento da elaboração, devem ser tidos em conta os diferentes padrões culturais e civilizacionais, bem como os critérios de racionalidade. A partir desta análise pode efectuar-se 129 A capacidade de um actor das relações internacionais obter o que deseja através da atracção e não pela coação, aplica-se por norma através de relações com aliados, auxílio económico e intercâmbio cultural com outros actores, projectando uma percepção de comportamento coerente com a retórica em apoio da democracia e dos direitos humanos, e mais genericamente, mantendo uma opinião pública favorável e uma credibilidade fora das suas fronteiras. Sobre este assunto podemos detalhar em Nye (2004). 130 Consiste na análise dos factores de decisão: o objectivo político a alcançar, as características do ambiente operacional, os potenciais estratégicos dos adversários e o tempo (Couto, 1998; p. 328).

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então a formulação das possíveis modalidade de acção para alcançar o objectivo definido. O objectivo político está bem definido (salvaguardar a segurança dos Estados das ameaças transnacionais), a situação internacional foi descrita, conhecemos as ameaças e como elas se manifestam e, o tempo é o presente. Assim, entendemos necessário conceber e propor algumas possíveis medidas que se inserem na acção estratégica a adoptar para lhes fazer face.

3.1 O terrorismo transnacional A internacionalização do fenómeno terrorista conduziu ao surgimento de um multilateralismo antiterrorista, conjunturalmente agregador de interesses diferenciados. Para ser eficaz, este multilateralismo implica a existência de uma elevada capacidade de resposta, em tempo útil, na detecção e neutralização da ameaça (Romana, 2004; p. 261). Porém a luta contra o terrorismo vai muito para além do combate e destruição das redes terroristas, requer também uma política “de cooperação multissectorial por parte dos Estados e das principais organizações de segurança e defesa colectiva capaz de combater eficazmente o subdesenvolvimento, a ausência de Estado de direito e de políticas democráticas” (Viana, 2003; p. 6). Para as Nações Unidas a prevenção de mortes provocadas por actos terroristas requer um profundo empenhamento para estreitar os sistemas de segurança colectiva/cooperativa, reduzir a pobreza, combater o extremismo, impedir epidemias e combater o crime organizado (Nações Unidas, 2004 a; p. 45-47). Neste contexto, a ONU surge-nos como o grande fórum internacional com capacidade para efectuar o levantamento, discussão, -273-

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implementação e coordenação dessas medidas, e a OTAN surge-nos como a entidade política, diplomática e militar com capacidade de tornar consequente qualquer operação contra esta ameaça errática, que possui uma maleabilidade orgânica extraordinária. Por outro lado, a OTAN emerge como o único instrumento operacional capaz de influenciar outros subsistemas geopolíticos (Romana, 2004; p. 262). Qualquer acção estratégica a definir deve ter em consideração que é necessário entender primeiro as características e as capacidades das organizações terroristas, incluindo as suas capacidades de aprendizagem e adaptação, tendo a resposta de contrariar essas capacidades. No relatório da Rand Corporation são referidas as “learning-focused strategies for combating terrorism”. Neste relatório especifica-se que “ we must target a terrorist group´s learning activities directly, in order to reduce their ability to adopt over time”, (Jackson et. al., 2005; p. 52) o que pode envolver acções como restringir o acesso ao conhecimento requerido para que com sucesso alcancem os seus desígnios, identificar e quebrar as ligações entre os membros dos diversos grupos que facilitem a aprendizagem e negar o acesso a santuários para realizarem experimentação, inovação e treino. Com o melhor conhecimento do processo de aprendizagem dos grupos terroristas, a acção estratégica para os enfrentar estará mais apta para determinar o nível da ameaça, planear e implementar modalidades de acção e alocar os recursos apropriados. Uma vez que os grupos terroristas apresentam uma extrema flexibilidade e mobilidade, o esforço estratégico deve ser antecipatório, primeiro na detecção e depois na actuação. Para Howard e Forest (2006; p. 513), a acção estratégica também deve distinguir nos diferentes grupos as intenções das capacidades, identificando assim a credibilidade da ameaça, no bom sentido que -274-

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esta não reside só nas intenções dos terroristas, mas sim no que eles podem concretizar com sucesso. Todavia são diversos os factores condicionadores a equacionar nas modalidades de acção a propor. Regina Mongiardim (2004; p. 426-427) indica-nos alguns exemplos: · O emprego de métodos militares convencionais contra um só indivíduo identificado são falíveis, veja-se a guerra contra os Talibã/ al-Qaeda no Afeganistão; · A eficácia da restrição das fronteiras perante um inimigo invisível e anónimo também é duvidosa, podendo mesmo dar-se o caso de serem residentes legais ou clandestinos das grandes e modernas metrópoles do mundo ocidental, como aconteceu no 11 de Setembro em Nova Iorque ou no 11 de Março em Madrid; · Não se pode viver mediante dispositivos de segurança reforçados, que afectam as liberdades fundamentais, situação que pode chegar a ser contrária ao Estado de direito democrático, ao mesmo tempo que não é verdadeiramente equacionado o problema crucial do Estado de direito em certas regiões controversas, nomeadamente em África e na Ásia; · Do mesmo modo, a tentativa de definir uma nova fronteira planetária com referência ao “eixo do mal” prefigura a partição do mundo entre duas civilizações antagónicas que se irão digladiar. Semelhante estratégia, para além de abalar a coesão da já de si heterogénea coligação internacional contra o terrorismo, corre o risco de abrir novas linhas de fractura, assim, maior imprevisibilidade e disseminação dos factores de descontentamento, do ódio e da vingança. No plano concreto da actuação, face à mutabilidade do fenómeno, a modalidade de acção estratégica que vise a sua neutralização tem, quase sempre, um carácter reactivo como as operações contra as ba-275-

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ses e santuários da al-Qaeda, no pós-11 de Setembro de 2001 o vieram demonstrar (Romana, 2004; p. 262). Uma versão interessante e pouco usual para enfrentar este fenómeno é a aconselhada pelo Congresso dos EUA (2001; p. 8), que refere a eventual utilização de instrumentos não legais como acções cobertas praticadas pelos serviços de intelligence e que, por vezes, quando estiver em causa o interesse nacional, será necessário dialogar com elementos de movimentos terroristas. A UE adoptou em 2005 uma estratégia antiterrorista, assente em dois grandes pilares do direito: o direito internacional e os direitos humanos. Esta estratégia faz uma abordagem em quatro grandes vectores: prevenção da radicalização e do recrutamento, bem como dos factores que lhes estão subjacentes; protecção de potenciais alvos; perseguição dos terroristas; e reacção a atentados e suas consequências. O relatório apresentado por Solana em Dezembro de 2008 refere ainda a necessidade de combater a radicalização e o recrutamento, atacando-se a ideologia extremista e a discriminação, cabendo nesta actuação um papel importante ao diálogo intercultural. Das diversas modalidades de acção estratégica possíveis para fazer face ao terrorismo, as FA desempenham um papel específico, primeiro na prevenção e depois no combate a esta ameaça, integrando no seu esforço uma componente de cooperação entre os diversos países, e em estreita colaboração com os diversos serviços e forças de segurança. Esta luta requer a nível transnacional a definição e implementação de políticas e medidas cooperativas, que abranjam além dos Estados, OI’s e ONG´s. Assim, tendo a noção da necessidade de se optimizarem e maximizarem as condições e meios específicos de cada Estado, e tendo por base o MC 472 da OTAN, e o relatório da ONU de 2004, as acções a desenvolver devem ser concretizadas através de: · Medidas defensivas, ou antiterroristas, com um carácter dis-276-

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suasor e preventivo, de forma a reduzir vulnerabilidades, ajudando a reverter as origens e as causas do fenómeno, promovendo entre outros, a implementação de sistemas democráticos, as condições de vida e o desenvolvimento humano. Estas medidas devem incluir acções para evitar o colapso das estruturas estatais, efectuar um controlo de materiais perigosos, desenvolver legislação internacional adequada que permita uma vez identificadas as fontes de financiamento, secá-las; partilhar informações e criar mecanismos de early warning, com carácter defensivo e ofensivo, que possam permitir uma correcta avaliação da situação e uma utilização equilibrada e eficaz dos meios antiterroristas; · Medidas ofensivas, ou contraterroristas, com acções tácticas de destruição das capacidades terroristas e daqueles que os apoiam, em qualquer localização geográfica; ·Medidas de gestão das consequências, ou controlo de danos, de forma a minimizar os efeitos de uma ameaça concretizada. Esta forma de actuação prefigura modalidades de acção inseridas na estratégia directa, como a dissuasão e a acção militar de aniquilamento. São possíveis ainda acções de estratégia indirecta, como a pressão indirecta, exercida sobre unidades políticas que apoiam ou fomentam o terrorismo, através de medidas de coacção psicológica, económica e política. No entanto, porque a luta ao terrorismo global é sobretudo uma batalha de ideias, ideias com poder suficiente para provocar emoções violentas (Echevarria II, 2003), a força mais importante a promover para derrotar a presente vaga de terrorismo global, é, segundo Laqueur (2003), a modernidade, uma vez que esta envolve mais do que as condições materiais da democracia, entrando na transformação de crenças e filosofias. -277-

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3.2 A proliferação de Armas de Destruição Massiva Para combater e prevenir a proliferação de ADM, e porque esta ameaça se associa muito ao terrorismo, consideramos as mesmas modalidades de acção estratégica equacionadas para enfrentar aquele outro fenómeno, salvaguardando que, caso se concretize um atentado terrorista com recurso a ADM, a gestão das consequências deve ser estruturada para dimensões superiores. Para além daquelas modalidades, consideramos que as propostas preconizadas no Conceito Estratégico dos EUA (2006) deverão também ser adoptadas131: · Proactive counterproliferation efforts; · Strengthened nonproliferation efforts to prevent rogue states and terrorists from acquiring the materials, technologies, and expertise necessary for weapons of mass destruction; · Effective consequence management to respond to the effects of WMD use, whether by terrorists or hostile states. Por outro lado, as Nações Unidas (2004 a; p. 45-49) apresentam propostas interessantes, tais como o desafio da prevenção que inclui estratégias para: · Redução da procura, através da criação de instrumentos globais, incluindo a redução de armamentos e cumprimento rigoroso dos Tratados; · Criação de instrumentos que limitem a capacidade dos diversos actores para adquirirem não só as armas, como os materiais, e a capacidade de produção;

A Tradução é do autor: Esforço pró-activo contra a proliferação; Estabelecimento de esforços de nãoproliferação para prevenir que os Estados párias e terroristas possam adquirir materiais, tecnologias e conhecimentos necessários para a fabricação de ADM; Gestão eficaz das consequências para responder aos efeitos do uso de ADM, quer por terroristas, quer por Estados hostis.

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· Deve efectuar esforços para obter informações credíveis e partilhá-las, bem como penalizar os não cumpridores dos Tratados; · Defesa da saúde pública nacional e internacional. Assim, e de acordo com a capacidade dos diferentes Estados, estas serão as medidas a adoptar para fazer face à proliferação de ADM. Estas medidas devem, como já vimos neste livro, ser implementadas cooperativamente com outros Estados e OI’s132.

3.3 O crime organizado transnacional Para Phil Williams (2000; p. 185), não é possível fazer frente ao crime organizado apenas com acções policiais ou com a publicação de novas leis. A chave do problema está na sociedade em si, na sua estrutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos. É a este nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo. Assim, a estratégia tem de ser total, com políticas nacionais e internacionais multissectoriais, de ajuda ao desenvolvimento, de consolidação dos órgãos de soberania e de promoção do ideal democrático133. A acção estratégica para lidar com o crime organizado transnacional também envolve a actuação das FA, sendo estas chamadas a desempenhar um papel supletivo. Adoptamos também parte do critério anterior, sendo necessário desenvolver (Gomes, 2004; p. 112): · Medidas preventivas, de implementação permanente e com a finalidade de dissuadir aquele tipo de actividades, procurando evitar 132 A UE adoptou em 2003 uma Estratégia ADM que dá ênfase à prevenção, recorrendo sempre à ONU e a acordos multilaterais. Em 2008 no Relatório sobre a execução da EES, já por nós referido, considera que o esforço deve ser realizado em domínios específicos como a abordagem multilateral do ciclo do combustível nuclear, o combate ao financiamento da proliferação, às medidas em matéria de biossegurança e bio-protecção, à contenção de proliferação de vectores de lançamento, nomeadamente mísseis balísticos.

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ou, no mínimo, antecipar a sua concretização; · Medidas de combate, disponibilizando forças e meios para o apoio a Forças e Serviços de Segurança, em operações que visem evitar a concretização ou combater a actividade criminosa em curso. Assim, podemos considerar a acção estratégica directa, através do combate, destruição de áreas de produção de estupefacientes, e o apoio adicional à polícia de fronteiras (no caso nacional, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para impedir a entrada de imigrantes clandestinos. Como acções de estratégia indirecta, uma vez que estas visam atingir os objectivos através de formas de coacção não-militares, devem promover-se acções de propaganda, de informação pública, de políticas de combate à corrupção, de partilha de informação, de medidas fiscais e fiscalizadoras rigorosas, procurando dificultar a lavagem de dinheiro; contudo, o combate deve ser feito sobretudo através de uma estratégia económica de promoção das condições de vida das populações, da democratização das sociedades e do fortalecimento dos órgãos de soberania.

3.4. A SIDA

133 O relatório que citámos na referência anterior acrescenta sobre a criminalidade organizada o seguinte: “Deverão ser aprofundadas as parcerias já existentes com países vizinhos, para além das que nos ligam aos nossos principais parceiros, bem como as constituídas no âmbito da ONU, para tratar as questões da circulação de pessoas, do policiamento e da cooperação judiciária. É essencial a implementação dos instrumentos da ONU em matéria de criminalidade. Deveremos reforçar a parceria que mantemos com os Estados Unidos para o combate ao terrorismo, nomeadamente nos domínios da partilha e protecção de dados. Além disso, deveríamos reforçar as capacidades dos nossos parceiros no Sul da Ásia, em África e a Sul das nossas fronteiras. A UE deveria apoiar os esforços envidados a nível multilateral, principalmente no âmbito da ONU. É preciso aperfeiçoar a forma como conciliamos as dimensões interna e externa. Importa igualmente melhorar a coordenação e aumentar a transparência e a flexibilidade em diferentes agências, tanto a nível nacional como europeu ”.

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A esperança de encontrar uma solução para o problema surgiu 6 anos após a identificação dos primeiros casos de SIDA (1981), associado ao pioneirismo do Programa Global de Luta Contra a SIDA. Mais tarde surge o programa conjunto das Nações Unidas, o ONUSIDA. Este programa foi criado para coordenar o trabalho das diversas agências das Nações Unidas que estão relacionadas com a SIDA, e surge dos esforços conjugados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Grupo do Banco Mundial. Outras três organizações se juntaram a esta iniciativa foram o Gabinete das Nações Unidas para o Controlo da Droga e Prevenção do Crime (UNODC) em 1999, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2001, e o Programa Alimentar Mundial (PAM) em 2003. Temos que aceitar que o combate à doença é dificultado pela pobreza de muitas regiões em desenvolvimento, pela vigilância insatisfatória e pela capacidade de controlo reduzida. A África subsariana, a Índia, e o Sudeste Asiático permanecerão as regiões mais afectadas, ao passo que nos países desenvolvidos a ameaça reside nas mutações que o HIV sofre e na resistência aos actuais e aos novos tratamentos que se venham a desenvolver. Por outro lado, acredita-se que o desenvolvimento socio-económico global e a capacidade de melhoria do acto médico possibilitam uma evolução positiva da situação. Apesar de todas as iniciativas internacionais, a disseminação da doença continua fulgurante, sendo necessários cerca de 10 mil milhões de dólares anualmente para se conseguir ir contendo o fe-281-

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nómeno (International Crisis Group; p. 24). O vírus permanece extremamente dinâmico, mudando de configuração, adaptando-se e explorando oportunidades de progressão, sem contemplações. A sua acção é global, não havendo um único país que não tenha sido afectado. Segundo as Nações Unidas, se não forem tomadas medidas drásticas, o alastrar da doença prosseguirá a passos seguros e largos para regiões até agora incólumes a esta maleita (2004 c). Sem dúvida, a resposta que pode persistir no tempo é a que fomenta uma visão multidisciplinar e transversal a todos os sectores da sociedade. A experiência de alguns países mostra que uma correcta administração dos recursos consegue grandes vitórias neste combate ao nível local. Por outro lado, sabe-se no presente que quando as epidemias estão no seu início os programas de prevenção junto das populações mais vulneráveis podem conter a propagação. Mas quando os recursos não são adequados e as instituições estão pouco consolidadas, é difícil desenhar políticas preventivas ou de combate. No caso das mulheres, um dos grupos sociais mais vulneráveis, é fundamental informá-las melhor. De acordo com a UNICEF (2003), cerca de 50% das mulheres jovens em países de alta-prevalência desconhece por completo os factores básicos da doença. O problema é de difícil resolução, uma vez que as mulheres africanas têm culturalmente um estatuto subserviente e submisso no relacionamento com os seus companheiros, que por norma são mais velhos. A falta de respostas nacionais coerentes em muitos dos países mais fortemente afectados por este flagelo levou a que as Nações Unidas e os países doadores adoptassem, em Abril de 2004, três princípioschave (autoridade nacional coordenadora, mandato multi-sectorial e um sistema de monitorização e avaliação) para o apoio a acções conduzidas ao nível nacional. Estes princípios serviram, sobretudo, para fortalecer a coorde-282-

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nação dos programas preventivos, agora mais eficazes. Há ainda a assinalar uma maior preocupação em canalizar os fundos para onde as carências são maiores. Os custos dos medicamentos retrovirais decresceram e há um esforço acrescido para que este tratamento seja extensível a um maior número de pessoas de países mais desfavorecidos (Nações Unidas, 2004 b). O facto de a qualidade de vida de infectados e das respectivas famílias estar a melhorar não obsta a que o ritmo de progressão da doença esteja a afectar seriamente o desenvolvimento de muitas sociedades num verdadeiro martírio dos inocentes.

3.5 A degradação do ambiente Uma vez que referimos o documento da União Europeia (2008) que identifica as ameças que as alterações climáticas implicam para a segurança internacional, pensamos ser oportuno também referirmos agora quais as conclusões e recomendações que o mesmo apresenta para se fazer face a este desafio de sobrevivência que a humanidade enfrenta. O documento em análise considera que a União desempenha um papel activo nas negociações sobre as alterações climáticas, porém a sua actuação deve ser em parceria e envolver os países mais emissores e as economias emergentes, formulando as seguintes recomendações: · Incrementar as capacidades da União ao nível da investigação, análise, monitorização e alerta precoce, que incluam todas as situações identificadas como relacionadas com a ameaça; · Liderança multilateral da UE para promoção de uma Segurança Ambiental Global; · Cooperação com países terceiros e instrumentos de diálogo político focados no impacto que as alterações climáticas têm na -283-

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segurança. Em Portugal relevamos a opinião de Viriato Soromenho Marques (2008; p. 143 – 145), para quem, de forma a se evitar a barbárie generalizada, se deve passar a adoptar uma estratégia de esperança partilhada, baseada num novo regime internacional de protecção climática, centrado no combate ao aquecimento global e que deve assentar essencialmente em: · Metas de mitigação, com a redução radical das emissões de gases com efeito de estufa; · Medidas de adaptação traduzidas em todos os domínios da vida social e das políticas públicas; · Aposta maciça na inovação tecnológica que permita a orientação para modelos mais sustentáveis de produção e consumo; · Coordenação entre políticas públicas e mecanismos de mercado. Em nossa opinião, a estas medidas acrescentamos que devem ser desenvolvidas sobretudo medidas preventivas, com legislação rigorosa e severamente penalizadora e se desenvolvam ainda medidas de controlo de gestão das consequências, procurando minimizar os efeitos. As modalidades de acção estratégica a adoptar passam por acções sobretudo indirectas e recorrendo às diversas estratégias gerais. Da estratégia política requer-se legislação apropriada, da psicológica uma vigorosa informação pública e da estratégia económica os apropriados recursos financeiros que possibilitem a implementação das medidas já referidas.

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3.6 O fracasso dos Estados O fracasso do Estado é uma ameaça de múltiplas dimensões, pelo que é necessário equacionar uma acção estratégica holística para lhe fazer face. São inúmeras as acções a adoptar, quer a nível global, quer a nível regional. Hoje o instrumento mais utilizado ficou conhecido por State Building134. Foi Boutros Boutros-Ghali que, em 1992, com a Agenda para a Paz vulgarizou o conceito de peacebuilding135 apresentada por Galtung (1975)136 na década de sessenta do século XX. Boutros-Ghali distingue naquele documento a situação de peacebuilding pós-conflito do pré-conflito, ou seja, a diplomacia preventiva, definindo ainda peacebuilding como uma “action to identify and support structures which will tend to strengthen and solidify peace in order to avoid a relapse into conflict ” (Boutros-Ghali, 1992). Posteriormente, no suplemento àquela Agenda, datado de 1995, referiu explicitamente que o peacebuilding pós-conflito seria levado a cabo por operações multifuncionais das Nações Unidas, que deviam adoptar diversas medidas, tais como a desmilitarização, o controlo de armas ligeiras, a reforma institucional, a melhoria do sistema judicial, a monitorização dos Direitos Humanos, a reforma eleitoral e o desenvolvimento económico e social (Boutros-Ghali, 1995).

A expressão statebuilding popularizou-se mesmo entre os autores de língua portuguesa, embora a expressão construção de estados possa ser usada como tradução correcta. 135 “To stand ready to assist in peace-building in its differing contexts: rebuilding the institutions and infrastructures of nations torn by civil war and strife; and building bonds of peaceful mutual benefit among nations formerly at war” (Boutros-Ghali, 1992). 136 Galtung (1975; p. 282-304) identificou três aproximações para a Paz: peacekeeping, que se prendia com o parar ou reduzir os manifestos de violência do conflito, através de uma intervenção de forças militares; peacemaking que se dirigia para a reconciliação política e a atitudes estratégicas através, por exemplo, da mediação, negociação ou arbitragem e, finalmente a peacebuilding, que correspondia à implementação prática da alteração social pacífica através da reconstrução socioeconómica e desenvolvimento. 134

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Actualmente vulgarizou-se o emprego de State Building ou mesmo de Nation Building137, que em rigor, e tendo em consideração o enquadramento que tem sido dado para criar as operações como as de Administração Transitória das Nações Unidas, são operações de peacebuilding (Ferro, 2006; p. 54). Em A Construção de Estados, As Administrações Internacionais das Nações Unidas, Ferro faz uma análise detalhada do uso do conceito nas Nações Unidas e das várias operações de paz nas quais houve elementos de state building (Ferro, 2006). Um bom exemplo, talvez o melhor, destas missões foi a criada pela Resolução 1272, de 25 de Outubro de 1999, em que o Conselho de Segurança estabeleceu a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET), operação multidimensional de consolidação da paz. A esta operação das Nações Unidas foi atribuída a responsabilidade pela administração de Timor-Leste, incluindo o exercício dos poderes legislativo e executivo e ainda o de administração da justiça e, pela primeira e única vez, o poder de celebrar tratados em nome do território administrado. A UNTAET assumiu funções no território a partir de 23 de Fevereiro de 2000 e as suas funções eram as seguintes: segurança e manutenção da ordem, administração efectiva, assistência no desenvolvimento de uma função pública de serviços sociais, coordenação e entrega de assistência humanitária, reabilitação e desenvolvimento, apoio à formação de um governo próprio e assistência à criação de condições para um desenvolvimento sustentado. De forma a garantir os objectivos para que foi estabelecida, a UNTAET foi organizada em três componentes:

137 Cynthia Watson define Nation Building como “ending military conflict and rebuilding economic and political infrastructures, along with basic services, to include the armed forces, police, government, banks, transportation networks, communications, health and medical care, schools and the other basic infrastructures” (2004; p. 9).

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· A componente de administração pública e governo ETTA (East Timor Transitorial Administration, incluindo a Polícia); · A componente de assistência humanitária; · A componente militar – PKF (Peace Keeping Force). As operações multidimensionais de peacebuilding têm como objectivo primário a constituição de um Estado novo e legítimo, com capacidade para proteger a sua população e assegurar o respeito pelos direitos humanos, e podem surgir em sociedades que necessitem da criação de um novo Estado, como foi o caso de Timor-Leste, ou em sociedades cujo Estado consegue desempenhar algumas funções, mas tem de ser reabilitado ou reconstruído, como foi o caso das Autoridades Transitórias no Cambodja (UNTAC) e no Kosovo a Administração Interina das Nações Unidas (UNMIK). Em nosso entender, o State Building deve procurar que o Estado possa no mínimo garantir os seus três grandes fins: segurança, bemestar e justiça, bem como o exercício da actividade política, ou seja, governar. Para conseguir este desiderato, a construção de estados, quer seja preventiva, quer seja pós-conflito, tem várias fases e formas de aplicação. Neste estudo vamos descrever alguns modelos existentes e apresentar um outro possível modelo idealizado por nós. O state building aparece-nos actualmente muito associado à responsabilidade de proteger. A Responsabilidade de Proteger138 (R2P, como entretanto se popularizou) ficou consagrada no Documento Final da Cimeira de 2005 (Setembro), no qual os chefes de estado e de governo unanimemente afirmaram que cada Estado tem a responsabilidade de proteger as suas populações do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade139, desde logo prevenindo-os. Esta ideia de soberania como responsabilidade – trabalhada por Francis Deng, o Conselheiro Especial do -287-

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Secretário-Geral das Nações Unidas para a prevenção do genocídio – implica que caso um Estado se revele incapaz de proteger o seu povo, a comunidade internacional, através das Nações Unidas, tem a responsabilidade para, usando os meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos, em conformidade com os Capítulos VI e VII da Carta, ajudar a essa protecção140. Trata-se de um princípio ético, a caminho de se tornar um conceito operativo com um ainda muito longo percurso até que atinja o grau de normatividade141 ambicionado pelos promotores da R2P, que nasce do discurso da ingerência humanitária dos anos de 1960. Acolhido pelas Nações Unidas, articulado pela primeira vez pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado, foi reiterado como norma nos Relatórios do Secretário-Geral, A More Secure World: Our Shared Responsibility (2004) e In Larger Freedom: Towards Security, Development and Human Rights for All (2005) até chegar à Cimeira de 2005. Mais ainda, em duas Resoluções do Conselho de Segurança, a 1674 (28 Abril de 2006) sobre Protecção de Civis em conflitos armados, e a 1706 (31 de Agosto de 2006) em que apela ao destacamento de uma operação de paz para o Darfur, o princípio é invocado e aplicado a um caso concreto. Em Janeiro de 2009, o Secretário-Geral das Nações Unidas lança o relatório sobre a implementação da R2P, em que esta assenta

Este sub-capítulo beneficiou muito das discussões com Mónica Ferro, a universitária nacional que mais tem escrito e investigado sobre o tema. 139 Sobre este assunto ver: Gareth Evans, The Responsibility to Protect, Ending Mass Atrocitys Crimes Once and For All, Washington, Brookings Institution Press, 2008; Alex J. Bellamy, Responsibility to Protect, The Global Effort to End Mass Atrocities, Cambridge, Polity Press, 2009; Mónica Ferro, “Segurança Humana – quando é que nos protegem?” in Boletim do Centro Regional das Nações Unidas, Fevereiro 2009, disponível in http://unric.org/html/portuguese/newsletter/newsletter_portugal43. pdf 140 Ver Parágrafos 138 e 139 do Documento Final da Cimeira de 2005. 141 Para uma discussão sobre se a R2P é um princípio, um conceito ou uma norma podemos detalhar em Bellamy (2009). 138

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em três pilares: Pilar 1: as responsabilidades de protecção do estado; Pilar 2: a assistência internacional e a construção de capacidades nacionais; Pilar 3: uma reposta atempada e decisiva da comunidade internacional. Esta estratégia valoriza a prevenção e quando a mesma falha prescreve uma acção desenhada à medida de cada caso, adequada às circunstâncias. A resposta deve vir sempre, em primeira mão. Mas caso o Estado não seja capaz dessa protecção a comunidade internacional deve estar preparada para actuar através de vários mecanismos diplomáticos indo até à assistência militar a estados que, por exemplo, vejam a segurança das suas populações posta em causa pela acção de movimentos armados dentro do seu território. A força não é mais vista como último recurso, mas sim como uma possibilidade preventiva e embora não haja uma abordagem sequencial dos pilares, uma acção colectiva ou institucional de imposição da paz estará sempre em último lugar no rol das opções disponíveis. O Relatório do SG pretende avançar com propostas para a implementação deste conceito que por exemplo, para a União Europeia R2P não é mais do que um novo rótulo para o direito de ingerência; para a comunidade humanitária a cobertura para todas as situações em que a dignidade humana está posta em causa; e para alguns think tanks, como o International Crisis Group cujo Presidente (Gareth Evans) se tem desdobrado para popularizar o conceito, o mesmo aparece ligado à ideia de guerra justa. Nenhuma destas interpretações se pode considerar como encarnando em pleno o espírito de 2005, dos parágrafos 138 e 139 do Documento Final da Cimeira142. Kofi Annan, no relatório para o Conselho de Segurança, intitulado The Causes of Conflict and the Promotion of Durable Peace and Sustainable Development in Africa, datado de 1998, entende que a necessidade fundamental nas situações de peacebuilding pós-289-

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conflito é a segurança das pessoas, entendida como uma paz real e com a garantia de acesso às facilidades sociais básicas. Há factores que são por ele considerados fundamentais, sendo mencionado logo à cabeça o factor tempo; em segundo, vem a necessidade de uma aproximação holística e multidisciplinar; em terceiro, a adequação financeira ao esforço e, por último, a necessidade de uma coordenação estratégica e administrativa entre os vários actores em presença. Ciente de que as sociedades pós-conflito se encontram extremamente fragilizadas e com carências especiais, neste mesmo relatório Kofi Annan estabelece as prioridades do peacebuilding nas áreas que considera mais críticas, como o forjar a reconciliação comunitária e nacional; o respeito pelos direitos humanos; a promoção da inclusão política e da unidade nacional; o assegurar do regresso rápido e em segurança dos deslocados e refugiados e a reintegração de ex-combatentes e de outros na sociedade produtiva, mobilizando ao mesmo tempo os recursos internos e internacionais fundamentais para a recuperação económica (Nações Unidas, 1998; p. 18). O ex-Secretário-Geral da ONU (Nações Unidas, 1998; p.19-28) estabeleceu duas áreas e um conjunto de premissas por cada uma delas para que se consiga promover uma paz durável e um desenvolvimento sustentável143: · Boa Governação: — Garantia do respeito pelos direitos humanos e estado de direito; — Promoção da transparência e da responsabilização na administração pública; — Melhoria da capacidade administrativa; — Fortalecimento da governação democrática. · Desenvolvimento sustentável: 142

Ver Ferro (2009).

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— Criar um ambiente apropriado para o investimento e crescimento económico; — Acelerar o desenvolvimento social; — Reestruturar a ajuda internacional; — Reduzir o serviço da dívida; — Abertura ao mercado internacional; — Apoiar a cooperação e a integração regional; — Harmonizar as iniciativas bilaterais e multilaterais; Para Fukuyama (2006, p. 109), que vê a construção de Estados como “a criação de novas instituições de governo e o fortalecimento das já existentes”, são três as fases distintas para a construção de Estados: 1. A reconstrução pós-conflito, que se aplica a países recém saídos de conflitos violentos, onde a autoridade do Estado ruiu por completo e precisa de ser reconstruída a partir dos alicerces. Aqui o problema a enfrentar pelos poderes externos é a garantia de estabilidade no curto prazo; 2. Esta fase inicia-se quando e se o Estado tiver alcançado alguma estabilidade com o apoio internacional. Neste caso, o objectivo principal é a criação de instituições do Estado auto-sustentadas, com capacidade para resistir à retirada da intervenção externa; 3. Esta última fase sobrepõe-se à anterior e assenta no fortalecimento dos Estados fracos, mas em que a autoridade do Estado existe de forma razoavelmente estável, porém debilitado para a realização de algumas funções necessárias.

Miall (1999; p. 188-194) detalha os desafios que são enfrentados pelos peacebuilders após conflitos de longa duração, distinguindo duas vertentes importantes e inúmeras tarefas associadas: a prevenção do relapso na guerra e a criação de uma paz auto-sustentada. William Zaartmann (1995 b; p. 95-105) apresenta-nos as linhas orientadoras para a preservação da Paz em África: adopção de mecanismos padronizados para lidar com o conflito, construção da capacitação africana, desarmamento e desmobilização; reconstrução das estruturas; construção de coligações; lidar com facções adversas; democratização; definição de fronteiras e apoio à gestão de conflitos.

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Pelo exposto, pensamos que a acção estratégica para enfrentar a ameaça que o fracasso dos Estados representa passará sempre pela ajuda pública ao desenvolvimento e pela cooperação bi-ou multilateral, feita por um Estado ou uma Organização Internacional. Os Estados não são bons construtores de Estados pois estão sujeitos a programas de governo e a mudanças no mesmo que não são compatíveis com o empenhamento de longo prazo que a construção de estados pressupõe (Ferro, 2006). Neste livro, aplicamos ao State Building novamente o modelo de Beaufre transformado, já anteriormente referido por nós144. As acções a implementar, que têm de ser vistas numa perspectiva de longo prazo145, devem prever a capacitação146 a todos os níveis, do indivíduo às organizações e instituições, com o objectivo final de fortalecer o Estado no seu todo. Note-se no entanto que antes da adopção de qualquer modalidade de acção estratégica se deve primeiro responder à seguinte questão: “can Nation-Building be brought to a people or does it need to be home grown?” (Watson, 2004; p. 10), uma vez que a História tem confirmado que é impossível impôr esta actuação às populações e garantir um sucesso sustentado no tempo. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento identifica claramente esta visão interna do processo afirmando que state buiding pode ser entendido como um processo guiado pelas relações estado-sociedade, que procura reforçar, construir ou reconstruir a capacidade e a legitimidade das instituições do Estado, para que pos-

O envolvimento contínuo das Nações Unidas em consolidaçao da paz pode ser remetido para a sua operação na Namíbia em 1978, e que levou ao estabelecimento de Normas de Execução Permanentes (SOP/ Standard Operating Procedure), que se adaptam depois caso a caso, mas com padrão de actuação semelhante. O modelo das Nações Unidas para a reconstrução de Estados assenta assim fundamentalmente em cinco áreas: militar e de segurança, política e constitucional, económica e social, psicológica e social e ainda internacional. Este assunto pode ser aprofundado em Ferro (2006) e em Hugh Miall (1999; p. 186-188).

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sa criar as condições necessárias para uma segurança sustentável e para o desenvolvimento.147

Estratégia Militar A acção de partida de qualquer operação peacebuilding deve incidir na reforma do Sistema de Segurança e Defesa (SSD) e na desmilitarização da sociedade (USAID, 2005; p. 5)148. Dado que estes são conceitos vagos e fluidos, os processos concebidos para melhorar a governança, a gestão do sector de segurança (incluindo responsabilidade e transparência), melhorar a capacidade operacional das agências de segurança, reformar os seus sistemas orçamentais, moderar a sua influência política e económica, devem ser incluídos na SSD (Hutchful, 2004). Como principais tarefas surgem-nos a reestruturação dos sistemas de Comando e Controlo, constituindo-se umas novas Forças Armadas e uma nova polícia; o adoptar de novos conceitos e missões, bem como o desarmar e desmobilizar os antigos combatentes para serem depois reintegrados na sociedade civil149. Na estratégia militar deve ser ainda equacionado o papel a desempenhar pelas Organizações Internacionais, Regionais e Sub-Regio145 “For development to succeed - in almost any context - we know we need to take the long view and stay engaged for the long haul. There are no quick fixes to strengthen governance or build a country’s ability to improve the lives of its citizens” (USAID, 2005; p. v). 146 A construção de capacidades para a UE assenta em: “To develop and strengthen structures, institutions and procedures that help to ensure: transparent and accountable governance in all public institutions; improve capacity to analyze, plan, formulate and implement policies” (Banco Mundial, 2005; p. 6). 147 Draft do Relatório do PNUD sobre State-Building a que o autor teve acesso. 148 A USAID (2005; p. 5) apresenta quatro prioridades para o fortalecimento do Estado: “Enhance stability, Improve security, Encourage reform related to the conditions that are driving fragility and that will increase the likelihood of long-term stability. Develop the capacity of institutions that are fundamental to lasting recovery and transformational development”.

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nais de Segurança e Defesa. Na União Africana (UA), por exemplo, foi criado um mecanismo de gestão de conflitos, e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Comunidade Económica Estados da África Ocidental (CEDAO) acrescentaram aos seus mandatos a área da cooperação de segurança, tendo já estado envolvidas em exercícios de treino militar conjunto e de manutenção de paz (UA, 2002).

Estratégia Político-diplomática Na manobra interna, o Governo deve ser capaz de lidar com o power sharing e com todos os problemas relativos à criação de uma autoridade transitória, caso esta seja criada, e a sua acção deve centrar-se na(o): · Reforma ou criação de órgãos de soberania; · Criação de condições para a realização de eleições; · Garantia que o governo é capaz de responder a novas e diferentes exigências; · Edificação e capacitação da administração pública; · Estabelecimento de critérios e padrões de boa governação, incluin­do o respeito pelos direitos humanos e estado de direito; · Edificação de um sistema judicial; · Democratização e apoio à consolidação da sociedade civil. Na manobra externa, a acção estratégica do poder deve preparar a transferência de responsabilidade para o controlo local, (caso tenha sido estabelecida uma autoridade transitória/temporária);

Sobre esta temática podemos ver a publicação Disarmament, Demobilisation and Reintegration. A practical field and classroom guide, de Douglas et. al. ( 2004).

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deve procurar angariar apoios de países e OI’s; integrar estruturas regionais (Miall, 1999; p. 204-205) e harmonizar as iniciativas bi e multilaterais.

Estratégia Socioeconómica A acção estratégica nesta vertente deve ser centrada numa actuação de curto prazo, que no essencial visará minimizar o sofrimento humano e proporcionar o acesso aos serviços essenciais de ajuda humanitária, recorrendo ao realojamento e se necessário ao reordenamento de populações (Miall, 1999; p. 205-206), à revitalização dos serviços básicos, como os da saúde e educação (USAID, 2005; p. 7) e à iniciação de programas de reintegração na sociedade civil dos excombatentes. No médio e longo prazo devem ser implementados planos de desenvolvimento do tecido socioeconómico, procurando garantir um desenvolvimento sustentável, apostando na: · Recuperação de infra-estruturas físicas, como estradas, barragens, áreas portuárias, escolas, hospitais, caminhos-de-ferro, etc.; · Criação de um ambiente apropriado para o investimento e crescimento económico; · Criação de emprego, procurando ao mesmo tempo assegurar a abertura ao mercado internacional.

Estratégia Psicológica A acção estratégica psicológica a desenvolver tem por finalidade última restaurar a tessitura social esventrada pelo conflito, apoiando a -295-

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transformação de uma cultura de violência numa cultura de perdão, que conduza à criação de um ambiente de confiança nas comunidades. Assim, e tendo em consideração que a resolução do conflito só se alcança após a remoção “of the causes as well as the manifestations of a conflict between parties and eliminating the sources of incompatibility in their positions” (Zartman e Rasmussen, 2001: p. 11), é necessário efectuar a gestão da reconciliação a longo prazo, recorrendo a diversas técnicas, tais como os rituais de purificação, que possibilitam o regresso de ex-combatentes ao seio da sua comunidade, ou no recurso a comissões da verdade e reconciliação150, como ocorreu na África do Sul, nos Balcãs e mais tarde em Timor.

Estratégia de Informações A resposta à questão formulada anteriormente e, que aqui relembramos, “can Nation-Building be brought to a people or does it need to be home grown?” (Watson, 2004; p. 10) deve entrar em linha de conta com a estratégia psicológia a adoptar e com a sua estreita ligação a uma estratégia de informações, entrando aqui em jogo a necessidade de gestão das percepções, pelo que é necessário efectuar-se um profundo estudo das populações (grupos alvo), verificar a sua sensibilidade e respectivos coeficientes de reactividade às mensagens que se lhes fazem chegar. Deve recorrer-se a todos os processos e técnicas disponíveis, procurando sempre criar ou apoiar a criação de um pano de fundo de reconciliação. Caso haja intervenção internacional, é com base nas estratégias de informações e psicológica que se vai efectuar a

150 No sentido que Miall (1999: p. 209-211) lhe deu: harmonização de histórias diferentes, aquiescência face à situação e restauração das relações amistosas.

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gestão do consentimento aos diversos níveis (estratégico, operacional e táctico) para a anuência da presença internacional. Fundamental para o sucesso integral deste modelo é o apoio a prestar pelos meios de comunicação social. Estes devem ser livres e independentes, não identificados com as partes em conflito. São diversas as alternativas ao modelo proposto neste livro. Um primeiro modelo alternativo passa pela acção preventiva, com a criação de mecanismos de alerta precoce, onde a actuação diplomática, das organizações regionais e sub-regionais são importantes, bem como o papel desempenhado pelas opiniões públicas. Um segundo modelo alternativo pode sempre passar pela recuperação de um outro instrumento das Nações Unidas que se encontra esquecido desde a independência do Palau, o Regime Internacional de Tutela, que prevê que territórios sejam colocados sobre administração internacional. Pode ser uma alternativa polémica, no entanto face à dificuldade em encontrar soluções novas que apresentem resultados consolidados, será o encontrar da resposta numa solução antiga, reformulada para fazer face a problemas novos (Caplan, 2003). Robert Cooper vai mais longe e propõe uma nova forma de imperialismo: “The most logical way to deal with chaos, and the one most employed in the past is colonization. But colonization is unacceptable to postmodern states (and, as it happens, to some modern states, too). It is precisely because of the dead of imperialism that we are seeing the emergence of pre-modern world. (…) Today, there are no colonial powers willing to take on the job, though the opportunities, perhaps even the need for colonisation is as great as it ever was in the nineteenth century. (…) What is needed then is a new kind of -297-

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imperialism, one acceptable to a world of human rights and cosmopolitan values. We can already discern the outline: an imperialism which, like all imperialism, aims to bring order and organisation but which rests today on the voluntary principle” (Cooper, 2002; p. 4).

3.7 Portugal e os Estados fracos: Estratégias de resposta. Portugal, país fundador da NATO e Membro da UE, procura desempenhar um papel activo como produtor de segurança internacional, colocando a sua soberania ao serviço dos interesses nacionais mas inserida na comunidade internacional (num sentido sempre de reciprocidade), com disponibilidade para contribuir para objectivos comuns, na boa compreensão que os únicos contributos efectivos, e como tal reconhecidos, são os contributos activos. As Forças Armadas, como instrumento da política externa que são, têm desempenhado um papel significativo para o aumento da visibilidade internacional de Portugal, contribuindo ao mesmo tempo para reforçar a sua credibilidade externa, o seu poder negocial e o seu peso político, ajudando a cimentar a tripla internacionalização do país: na Europa, na cooperação com os PALOP e nas missões de apoio à paz e de carácter humanitário. Nos últimos dez anos foram cerca de 20 mil os soldados portugueses a integrarem missões internacionais, ao serviço de variadas organizações e em diversos teatros de operações, todos eles diferentes e distanciados entre si: da Bósnia a Timor, de Moçambique ao Afeganistão e de Angola ao Líbano. São poucos os Estados da União Europeia com uma contribuição proporcionalmente semelhante. Estas novas missões de paz tornaram-se indispensáveis, não só -298-

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para a contenção de catástrofes humanitárias, mas também para locais onde não existe ou onde falhou o Estado, sem o qual nenhuma sociedade tem segurança e desenvolvimento. Portugal utiliza ainda as suas Forças Armadas em proveito da Comunidade Internacional através de um outro instrumento fundamental da sua política externa, a cooperação. A globalização obriga a que Portugal tenha ideias e estratégias muito claras para a cooperação, baseadas em valores e princípios que, sendo universais, assentam também numa visão da história e da realidade contemporânea portuguesas. Assim, a missão fundamental da cooperação portuguesa consiste em “contribuir para a realização de um mundo melhor e mais estável, muito em particular nos países lusófonos, caracterizado pelo desenvolvimento económico e social, e pela consolidação e o aprofundamento da paz, da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito” (VECP, 2005; p. 9). Portugal, apesar de ser um pequeno país, procura a nível bilateral com a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e a cooperação, contribuir para aumentar as capacidades dos países beneficiários em todas as áreas, fortalecendo o tecido social e as instituições locais, promovendo o acesso à escolaridade e à saúde básicas e criando condições de emprego, sobretudo para jovens. O combate à pobreza exige melhorias constantes em matéria de boa governação e constitui igualmente um contributo para essa mesma boa governação (VECP, 2005; p. 10). A cooperação para o desenvolvimento e o apoio ao Estado de direito e ao respeito pelos direitos humanos é um instrumento de reforço da segurança humana151, logo da segurança internacional, desde que devidamente enquadrada. Neste sentido a cooperação portuguesa está atenta a duas dimensões fundamentais de apoio à -299-

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segurança humana: a protecção e a autonomização. Protecção no sentido de apoiar civis que são vítimas de conflito violento, integrando abordagens políticas, militares, humanitárias e de desenvolvimento. Em particular, é importante ter em atenção a situação de refugiados e deslocados internos, apoiando a acção de organizações internacionais em prol destas pessoas. Autonomização significa criar as condições de assentamento e de emprego em situações de pósconflito, incluindo o apoio à desmobilização e reintegração de militares, e ainda o reforço dos mecanismos de criação de segurança humana em «Estados frágeis», incluindo cooperação apropriada nos âmbitos da polícia e das Forças Armadas (VECP, 2005; p. 9). No âmbito do reforço da política de segurança humana, e da sua estreita interligação com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, importa ter presente a contribuição específica da cooperação técnico-militar e da cooperação técnico-policial, designadamente na reforma do sector da segurança. A cooperação técnico-militar dispõe, neste contexto, de um campo de actuação abrangente para, em articulação com os países com os quais Portugal coopera (VECP, 2005; p. 10): • Garantir eficácia acrescida nos respectivos processos de estabilização interna e de construção e consolidação do Estado; • Participar, no seu âmbito de intervenção, na capacidade de estes Estados garantirem níveis de segurança compatíveis com os princípios da democracia, da boa governação, da transparência e do Estado de direito, envolvendo questões relacionadas com a estruturação, regulação, gestão, financiamento e controlo do sistema de defesa, desta forma facilitando o desenvolvimento. 151 Para uma dicussão detalhada sobre o conecito de segurança humana ver Vigilante, Van Langenhove, Fanta, Ferro, Scaramagli, “Delivering Human Security Through Multilevel Governance,” UNDP, UNU-CRIS, Brussels, 2009.

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A cooperação técnico-policial visa contribuir para o desenvolvimento de formas de organização do sistema de segurança interna, controlo de fronteiras, gestão de informações, manutenção da ordem pública e combate à criminalidade dos países com os quais cooperamos, privilegiando as relações entre forças e serviços de segurança ao nível da organização, métodos, formação e treino, participando no reforço das condições de estabilidade interna, autonomia das instituições políticas e segurança das populações e na consolidação do primado dos valores essenciais da democracia e do Estado de direito (VECP, 2005; p. 9). As cooperações técnico-militar e técnico-policial contribuem assim para a o que se convencionou chamar de reforma do sector da segurança, apoiando o desenvolvimento de estruturas institucionais adequadas que sejam o garante da primazia do controlo político e que sejam ao mesmo tempo capazes de levar a efeito as tarefas operacionais atribuídas pelas autoridades civis (VECP, 2005; p. 10). Na sequência da “Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” de 2005, em Abril de 2006, é apresentado o Programa de Apoio às Missões de Paz em África (PAMPA), que pretende ser uma reorientação estratégica para a CTM. Esta cooperação pressupõe que Portugal e as suas Forças Armadas devem partilhar, com os PALOP e Timor-Leste, mas também com outros Estados e Organizações Regionais e Sub-Regionais africanas, a sua experiência enquanto membro fundador da NATO e EstadoMembro da UE, activamente envolvido na PESC e na PESD, e que participa, desde 1991, em diversas Missões e Operações de Paz na Europa, África, Ásia e Oceânia, desta forma contribuindo para que aqueles Países apreendam saberes e edifiquem capacidades próprias para, por si ou articuladamente, sob mandato internacional, poderem intervir na gestão de crises em África. -301-

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Por outro lado, a experiência africana de Portugal e das suas Forças Armadas deve ser tida em conta, tal como a de outros países europeus com idêntica tradição, para a preparação e elaboração de uma política e de uma estratégia da UE e da NATO para África. O PAMPA desenvolve-se em torno de quatro grandes eixos de acção: 1.º Capacitação institucional no âmbito da Segurança e Defesa; 2.º Formação de militares dos países africanos; 3.º Cooperação com Organizações Regionais e Sub-Regionais africanas; 4.º Mobilização da agenda africana nas políticas e estratégias das Organizações de Segurança e Defesa (em particular NATO e UE). Cada um destes eixos articula-se e coordena-se estreitamente, de forma a optimizar os contributos nacionais e as mais-valias que deles retirarão os países destinatários do Programa. Este Programa está orientado, em primeiro lugar, para os países de expressão oficial portuguesa e, de acordo com a sua evolução e sucesso será expandido para outros países africanos. Quanto ao 1.º Eixo, a capacitação institucional habilita os países destinatários e respectivas estruturas com mecanismos e ferramentas essenciais à segurança humana e ao desenvolvimento. Portugal desenvolve políticas e acções que reforçam essas capacidades, apoiando os respectivos processos de reestruturação da Estrutura Superior da Defesa e das Forças Armadas. Neste sentido, Portugal está receptivo ao desenvolvimento de acções trilaterais com países terceiros que pretendam fazê-lo, privilegiando aquelas acções que incidam em áreas de formação, designadamente relacionadas com conceitos e doutrinas, entre outras. Um número importante dos projectos de CTM desenrola-se nos -302-

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PALOP (+), o que obriga ao estabelecimento de assessorias constituídas por militares e civis das Forças Armadas portuguesas. Estes projectos cobrem um conjunto de áreas que vão desde a formação nos PALOP e em Timor Leste, à saúde militar, projectos de engenharia, passando pela elaboração do suporte legislativo e actuação das Forças Armadas de cada país. A componente da formação de pessoal, o 2.º eixo do PAMPA, pretende colaborar na formação das elites militares, que em alguns casos se confundem com as elites governamentais daqueles países, e também das bases das respectivas Forças Armadas de forma a modernizá-las e transformá-las em forças apartidárias, como garante de instituições democráticas, funcionando deste modo como um vector de desenvolvimento e de coesão nacional, contribuindo para o reforço da identidade nacional e garantindo a segurança e a estabilidade internas. A formação é feita em Portugal e nos países de origem. Estiveram em Portugal, até 31 de Dezembro de 2005, 1610 alunos/militares. A formação nos PALOP (+) constitui o complemento da formação em Portugal e tem vindo a ganhar uma importância crescente. Este tipo de actividade cobre áreas que vão desde a formação de forças tipo “Especiais”, em Angola e Moçambique, forças de manutenção de paz, como no caso do batalhão guineense empregue na Libéria, ou de forças dos PALOP empregues em exercícios combinados liderados pela França, no âmbito do Renforcement des Capacités Africaines de Maintien de la Paix (ReCAMP)152, assessorados por portugueses. Nomeadamente o exercício “Gabão 2000” com um contingente de S. Tomé e Príncipe, o exercício “Tanzanite 2002”, onde um Oficial e três Sargentos integraram o Destacamento de Instrução Operacional inglês que ministrou instrução aos cerca de 650 militares dos países africanos que participaram no exercício, e o exercício “Nicusy 2004” com forças de Moçambique. Todos estes contingentes tiveram assessoria de Oficiais e Sargentos do Exército da CTM. O Exército ainda disponibilizou diverso material para apoio ao exercício, incluindo rações de combate, ou equipamento completo para os 37 homens do contingente de S. Tomé.

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Portugal tem ainda apoiado a realização de outros exercícios multinacionais de preparação e de treino de unidades para participação em Operações Humanitárias e de Apoio à Paz, dando-se início à realização dos exercícios anuais da série “FELINO”, os quais, nas suas primeiras edições (2000 e 2001), tiveram lugar em Portugal. Esta série de exercícios, com base no conceito de operações combinadas, envolveu forças de Portugal e dos PALOP, contando com observadores do Brasil, e visa o desenvolvimento da capacidade multilateral de participação em Operações Humanitárias, de Paz e de Gestão de Crises. Sobre o 3.º Eixo, Portugal apoia a inserção regional dos PALOP, capacitando-os na área das Operações de Manutenção de Paz em matéria de conceitos, princípios e doutrinas, em especial a sua participação nas Organizações Regionais ou Sub-Regionais. Portugal contribui também para apoiar essas organizações, designadamente a União Africana, a SADC, a CEDEAO e a CPLP, na óptica da sua valorização e capacidade de intervenção. Quanto ao 4.º Eixo, Portugal intervém no sentido de serem desenvolvidas políticas e estratégias para apoio à edificação, de forma progressiva, por parte dos países africanos, de capacidades próprias para garantirem a Segurança em África, em sede da OTAN e da UE. Além do PAMPA, Portugal possui outros programas e projectos de cooperação que gostaríamos de salientar e que se prendem com a prestação de serviços. A prestação de serviços engloba o apoio prestado às várias entidades dos PALOP (+) que nos visitam e a assistência sanitária, tanto a essas mesmas entidades como a outros militares e seus familiares que não possuam as valências médicas necessárias nos seus países de origem. No âmbito do Programa de Apoio Fisiátrico a Crianças Angola-304-

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nas Amputadas Vítimas da Guerra (AFICRA), foram intervencionadas em Portugal (no Hospital Militar Regional n.º 2 – Coimbra) 46 crianças angolanas vítimas da guerra que necessitavam de próteses. Com estas medidas da cooperação portuguesa, Portugal espera contribuir para a segurança e bem-estar das populações, criando condições para a sua fixação, reduzindo assim a sua tendência/necessidade de movimentação, ao mesmo tempo que procura contribuir para a segurança internacional.

Síntese conclusiva Com as alterações do sistema internacional provocadas pela queda do Muro de Berlim, a segurança dos Estados passou a ter um entendimento alargado, já não se confinando apenas à vertente militar, passando a ser transversal a todos os sectores de actividade, abarcando áreas como a economia, o ambiente e o crime organizado. A partir daquela data simbólica outros conceitos entraram em revisão e revelaram-se novas ameaças e riscos à Segurança. Neste estudo identificámos e analisámos as principais ameaças com que os Estados soberanos hoje se debatem: o terrorismo transnacional, a proliferação das ADM, depois o crime organizado transnacional, a SIDA, a degradação do ambiente e o fracasso dos Estados. Desta análise, verificámos que as ameaças actuais são globais e que as respostas preconizadas para lhes fazer face também elas têm de ser globais, através de modalidades de acção estratégica directas e indirectas, que entrem em linha de conta com as diversas estratégias gerais, sendo a eficácia das mesmas subsidiária da adequada coordenação multi-institucional e de uma arquitectura de segurança cooperativa. Por fim descrevemos os contributos de Portugal para en-305-

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frentar o fracasso dos Estados, procurando assim o reconhecimento internacional como Estado “produtor” de segurança internacional.

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Teses e Outros Trabalhos Académicos:

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Artigos de Publicações em Série:

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· BARNETT, N. (2002) – The Criminal threat to Stability in the Balkans. In Janes’s Intelligence Review, Vol.14, number 4. · BERGEN, Peter; PANDEY, Swati (2005) – The Madrasa Myth. In New York Times, June 14. · BERZINS, Chris; CULLEN, Patrick (2003) – Terrorism and neo-medievalism. In Civil Wars. Vol 6: 2 (Summer), p. 8-32. · BESSA, Gomes (1972) – Angola – a luta contra a subversão e a colaboração civil-militar. In, Revista Militar. Lisboa: n.º 8/9, Agosto-Setembro, p. 407-443. · BETTS, R. K. (1998) – The New Threat of Mass Destruction. In Foreign Affairs. Vol.77: 1. p.26-41. · BRANCO, Martins (2004) – A Gestão de conflitos intra-Estado: a necessidade de novas abordagens. In Janus. Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa e Público, p. 154-155. · BREMER Jones; SINGER, David (1996) - Militarized Interstate Disputes, 1816-1992: Rational, Coding Rules, and Empirical Patterns. Conflict Management and Peace Science. Vol.15: 2. · CARDOSO, Pedro (2002) - Estabilidade e reconstrução. In, Estratégia. Lisboa: Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Vol. XIII, p. 17-31. · CARPENTER, Ted Galen (2004) – How the Drug War in Afghanistan Undermines America’s War on Terror. In, Foreign Policy Briefing, n.º 84, November, Cato Institute. · CARRIÇO; Manuel (2003) – Terrorismo vs Primazia Americana: Uma Incursão Dialéctica. In Revista Militar n.º 8/9 (Agosto/ Setembro), p. 791-813. · CARRIÇO; Manuel (2002) - Os novos desafios político-militares dos conflitos assimétricos. In, Revista Militar nº. 8/9, Agosto/ Setembro, p. 607-631. -328-

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