Da guerrilha ao socialismo? A Revolução Cubana e o debate sobre a luta armada no trotskismo internacional

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VIII Colóquio Internacional Marx e Engels  GT 2 – Os Marxismos    Da  guerrilha  ao  socialismo?  A  Revolução  Cubana  e  o  debate  sobre  a  luta  armada  no  trotskismo internacional    Isabella Meucci1    “...a grande imprensa designou a nova geração de trotskistas como ‘guevaristas’. Nós podemos  nos orgulhar, pois não há honra maior que continuar o combate do comandante Ernesto Che  Guevara, símbolo heroico de nossa época revolucionária”​  (Cahiers de La Quatrième  Internationale: sur La Revolution Cubaine, 1971, p.3)    Nos  anos  1950,  como  destaca  Daniel  Bensaid  “a  história  dá  sinais de degelo, mas a vida  não  renasce  necessariamente  onde  se  espera.  A  classe  operária  dos  países  industrializados  não  comparece  ao  encontro”  (BENSAID,  2008,  p.98).  Não  foi  nos  países  de  capitalismo  avançado  que  irromperam  movimentos  revolucionários,  mas  sim  na  periferia  do capitalismo que surgiram  as principais mudanças.  É  nesse  contexto  que  no primeiro dia de janeiro de 1959, a Revolução Cubana inaugurou  um  novo  período  na  história  da   América  Latina.  Os  guerrilheiros  de  Sierra  Maestra  tomaram  o  poder  na  pequena  ilha  do  Caribe  situada  a  menos  de  150  quilômetros  dos  Estados  Unidos.  A  extensão do país era inversamente proporcional à importância do acontecera em seu território.   Em  uma  ilha  dominada  pelo  imperialismo  em  todos  os  âmbitos  ­  econômico,  político  e  social  ­  insurgiu  um  movimento  revolucionário  liderado  por  jovens  pequeno­burgueses  amparados  por  camponeses,  que  juntos  tomaram  o  poder  através  de  uma  guerrilha  rural.  Para  compreender   o   que  isso   significava  na  esfera  da  revolução  mundial,  era  necessário  mais do que  dizer  que  havia  ocorrido  um  “desvio”  na  rota  estabelecida,   como  se  existisse  uma  norma  de 

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 ​ Mestranda em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas. 

desenvolvimento  histórico;  era  preciso  compreender  quais  elementos,  até  então  imprevistos,  possibilitaram a chegada desses revolucionários ao poder.  Dentre as diversas características que distanciaram o processo revolucionário daquilo que  era  “esperado”  –  composição  de  seus  atores,  local  de  insurgência,  ausência  de  um  partido  revolucionário,  forte   componente  nacionalista  –  foi  possivelmente  a  guerra  de  guerrilhas  que  mais  dividiu  a  esquerda   latino­americana  e  mundial  sobre  os  rumos  a  serem  seguidos  daquele  momento em diante.  A  guerra  de   guerrilhas,  além  de  inspiração,  foi  também  um  método  exportado  a  outros  países  com  a  ajuda  do  governo  revolucionário cubano. Dessa maneira, cabia aos movimentos de  esquerda  analisarem  o  peso  e  a  importância  dessa  prática  para  a  própria  teoria  revolucionária.  Nesse  artigo,  pretende­se  compreender  como  parte  dessa  esquerda  mundial,  o  movimento  trotskista  internacional2,  interpretou  e  incorporou  a  guerrilha  como  método  revolucionário,  apontando seus principais limites e problemas.   É  importante  ressaltar  que,  quando  os  guerrilheiros  cubanos  chegaram  ao  poder,  não  havia  uma  posição  única  da  Quarta  Internacional  sobre as questões colocadas por esse processo.  O  que  havia  eram  posições  de  cada  uma  das  frações  estabelecidas  após  a  cisão  ocorrida  em  1953,  por  divergências  acerca  das  resolucões  do  3º  Congresso  da  Quarta  Internacional.  Nessa  cisão,  foram  criados  o  Comitê  Internacional  (CI)  e  o  Secretariado   Internacional  (SI),  ambos  reivindicando­se  como  Quarta  Internacional.  Por  isso,  nesse  artigo  analisaremos  as  publicações  dos  norte­americanos  do  SWP,  a  fim   de  compreender  a  posição  majoritária  do  Comitê  Internacional  (CI)  e as  publicações francesas da revista ​ Quatrième Internationale​ , com a posição  do Secretariado Internacional (SI).  Em  1963,  parte  dos  protagonistas  dessa  ruptura  entraram  em  acordo  novamente  e  formaram  o  Secretariado  Unificado  da  IV  Internacional  (SU­QI)3.  Para  compreender  como  a 

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  Utiliza­se  o  termo  “movimento  trotskista  internacional” para  diferenciá­lo  do  movimento trotskista latino­americano  que,  embora  fizesse  parte  desse   movimento  internacional,  possuía  especificidades  em  suas   interpretações  acerca  da  guerra de guerrilhas que não serão aqui abordadas.   3  ​ O  SU­QI  reunia,  nesse  período,  a  maior  parte  do  trotskismo  internacional.  As  demais  correntes  não  alinhadas  ao  SU­QI eram os ingleses do Socialist Labour League (SLL), de Gerry Healy e os franceses liderados por Pierre Lambert.  Os  ingleses  classificaram  o  regime  de  Castro  como   pequeno­burguês  bonapartista,  enquanto   os  franceses  não  reconheceram  o  caráter  revolucionário  da derrubada de Batista e da expropriação do imperialismo (COGGIOLA, 1984,  p.67).  

Revolução  Cubana  impactou  o  movimento  trotskista  internacional,  também  analisaremos  documentos referentes ao período posterior à reunificação de 1963.    Os trotskistas frente à guerra de guerrilhas como método  Em  1961,  o  trotskista  norte­americano  James  P.  Cannon,  em  artigo  intitulado  “​ New  Revolutionary  Forces  are emerging​ ”, faz a seguinte afirmação acerca do ocorrido em cUBA EM  1959:  “O  que  seria  pior  em  nossas   falas  sobre  a  revolução  se  não  pudéssemos  reconhecer  uma  quando  a  víssemos?”  (CANNON,  1961,  s.p.).  Nesse  sentido,  para  os  trotskistas,  era  necessário  reconhecer  que  o  que  ocorreu  em  Cuba  era uma revolução, ao mesmo tempo em que era preciso  analisar  de  que  maneira  as  especificidades  de  seus  sujeitos  e  métodos  poderiam  contribuir  para  uma teoria revolucionária.  Dentre  essas  especificidades  estava  a  questão  da  guerrilha.  Em  uma  das  primeiras  vezes  em  que  essa  questão  é  levantada,  enfatiza­se  o  exemplo  de  Cuba  e,  consequentemente  da  luta  armada,  para  a  América  Latina.  No  artigo  ​ “Amérique  Latine  1962”​ ,  do  trotskista  italiano  Livio  Maitan,  há  uma  análise  das  perspectivas  econômicas  do  continente, o alerta  de crise política das  suas  classes  dirigentes  e  o  destaque  para  os  camponeses  e  as  massas  pobres  das  cidades.  Ao  afirmar a importância desses atores políticos para a revolução  na América Latina, Maitan declara  que,  ao  espírito  de  revolta  estimulado  pelas  condições  materiais,  acrescentou­se  a  expressão  “fazer  como  em  Cuba”.  Crescia  cada  vez   mais  a  consciência  dos  métodos  necessários  para  se  conquistar  o  objetivo  “cubano”:  a  luta  de  guerrilhas.  Essa  é  a  primeira,  de  muitas  vezes,  que  o  trotskista italiano defenderá a guerrilha como método para os países latino­americanos.   No  Comitê  Internacional  (CI),  as  análises  até  esse  momento  estavam  associadas  à  compreensão  do  que   acontecia  na  Ilha,  de  quais  seriam  as  preocupações  futuras,  e  de  como  algumas  teses  trotskistas  poderiam  ser  confirmadas com a vitória cubana. O método guerrilheiro  foi destacado apenas no texto de reunificação da Quarta Internacional escrito por Farrell Dobbs e  Joseph  Hansen,  em  1963.  Os  autores  afirmam  que  o  papel  proeminente  do  campesinato  e  da  guerra  de  guerrilhas  na  revolução colonial desde o fim da II Guerra Mundial é notadamente uma  “experiência  que  deve  ser  incorporada  conscientemente  na  estratégia  de  construção  de  partidos  marxistas revolucionários em países coloniais” (DOBBS, HANSEN, 1963, s.p.). 

Nos  escritos  desse  período  já  era  possível  notar  uma  clara  diferenciação  do  tema:  enquanto  Maitan  considerava  o  método  guerrilheiro  como  “necessário”,  os  norte­americanos do  CI  enfatizavam  que  esse  deveria  ser  “incorporado  conscientemente”.  Contudo,  as  discussões  sobre  a  importância  da  guerra  de  guerrilhas  para o movimento trotskista internacional ganharam  mais  força  entre  os  anos  de  1968  e  1974,  principalmente  nos  períodos  que  precederam  os  dois  Congressos  Mundiais  da  Quarta  Internacional  após  sua  reunificação.  Nesse  momento,  o  debate  acontecia  em  conformidade  com  outros  fatos  importantes  para   a  questão  da  guerrilha:  o  crescimento  do  castrismo,  o  aparecimento  de  movimentos  que  reivindicavam  a  luta  armada  em  toda  América  Latina  e  o  surgimento  da  Organização  Latino­Americana  de  Solidariedade  (OLAS), em 1966.  É  nesse  contexto  que em 1968, nos meses  que antecederam a realização do 9º Congresso  Mundial  da  IV  Interncional   (SU­QI),  a  questão  latino­americana  adquiriu  grande  destaque  e  foi  campo  de  uma  luta  política,  especialmente  em  virtude  do  método  revolucionário.  Há  uma  sequência  de  artigos  que  se  desdobram  sobre  a  questão,  tendo  como  principais  autores  o  norte­americano Joseph Hansen e o italiano Livio Maitan.  O  documento  que  incita  o  debate  é  publicado  no  início  de  1968  e  adotado  pelo  SU­QI  como  o  esboço  de  uma  resolução  do  9º  Congresso.  A  proposta  de  resolução   política  “​ The  New  Rise  of  the  World  Revolution​ ”  aponta  para  as  novas  tendências  da  situação  internacional,  enfatizando  a  emergência  da  crise  da  economia capitalista e as novas manifestações nos grandes  centros  urbanos.  As  teses  foram  votadas  e  aprovadas  por  ampla  maioria,  mas Maitan se  absteve  da  votação.  Em  contrapartida,  o  trotskista  italiano escreveu uma carta ao Secretariado Unificado  em maio de 1968 denominada ​ “An insuficient document”​ .  Nessa  carta, Maitan tece críticas à resolução, defendendo que aquele  era um “documento  insuficiente”.  Cada  um  dos  pontos  passa  a ser revisto e comentado por Maitan. Para o italiano, a  crise  do  sistema  imperialista  e  a  maturidade  das  forças  revolucionárias  operavam  em  escala  mundial  e isto fazia com que o a  revolução socialista fosse cada vez  mais um problema do futuro  imediato.  Ora,  se  o  socialismo  era  um  problema  do  futuro  imediato,  os  trotskistas  precisavam  fazer  parte  desse  processo:  “o  que  se  espera  de   nós  de  agora  em  diante  é  que  demonstremos  na 

prática  o  valor  histórico  de  nosso  movimento,  e  seremos  julgados  essencialmente  com  base  nisso” (MAITAN, 1968, p.17).  Para  o  italiano,  a   participação  nesse  futuro  socialista  só seria possível se as  dificuldades  e  contradições  do  presente  fossem  superadas.  Para  tanto,  seria  necessário  que  o  trotskismo  estivesse  à  frente  de  movimentos  de  massas  que  fossem  bem  sucedidos  ou  levassem  a  lutas  revolucionárias  de  um  ou  mais  países.  Caberia  aos  trotskistas,  naquele  momento,  identificarem  quais eram os locais em que isso seria possível e “o resto viria depois”.   Em  seguida,  em  novembro   de 1968, Maitan reafirma suas posições em outro documento,  “​ Draft  resolution  on  Latin  America​ ”,  dessa  vez  uma  resolução  sobre  a  América  Latina  na  qual  destacava  os  critérios  e  a  linha  revolucionária  a  ser  adotada.  O  autor  afirma  que  o  desenvolvimento  econômico   da  América  Latina  estava  cada  vez  mais  atrelado  à  exploração  imperialista.  Nos  últimos  anos  o  processo  econômico  e  social  teria  culminado  em  mudanças  significativas  na composição da classe dominante, mas todo esse crescimento estaria relacionado  ao  capital  estrangeiro,  por  isso  seria  impossível  pensar  numa  burguesia  nacional  como  a  classe  capaz  de   lutar  pela  libertação  da  tutela  imperialista.  Qualquer  perspectiva  que  buscasse  a  colaboração  da burguesia nacional deveria ser  rejeitada. Além deste destaque, Maitan afirma que  a  dinâmica  fundamental  da  revolução  na  América  Latina  era  permanente,  isto  é: uma revolução  que  se  torna  socialista  sem  que  existam  fases  intermediárias  de  divisão.  Desse   modo,  a  perspectiva  da  revolução  permanente  não  era  mais   uma  tendência  histórica,  mas  uma  realidade  nesse estágio da luta de classes.   Maitan  também  ressalta  o  papel  dos  camponeses,  dos  trabalhadores  urbanos  e  dos  estudantes  no  processo  revolucionário.  Segundo  ele,  o  campesinato,  ainda  que  fosse  uma  porcentagem  da  população  que  estava  decaindo  em  seu  peso   econômico,  era  ainda  a  classe  majoritária  que  mais   sofria com  a exploração e a opressão. Os trabalhadores das cidades, por sua  vez,  não  cresceram  quantitativamente, mas suas condições sociais só teriam piorado. Explorados  e  oprimidos  não  cessaram  de  ser  uma  “classe  explosiva,  a  força  motora  da  revolução”.  Os  estudantes  também  tinham  um  papel  substancial  muito  mais  importante  que  no  passado.  Não  eram  mais  uma  força  de  apoio,  mas  sim  uma  “força  política  e  social  capaz  de  estimular  e  aprofundar a crise revolucionária com sua intervenção” (​ idem​ , ​ ibidem​ , p.5).  

O  trotskista  italiano  acreditava  que  a  instabilidade  da  estrutura  econômica  e  social  do  continente  o  colocava  em  uma  “situação  pré­revolucionária”,  que  teria  levado  a  “explosões  sociais  e  políticas”.  Para  o  autor,  havia  greves  que  desafiavam  ditaduras  (como  no  Brasil),  manifestações  marcadas  por  confrontos  com  as  forças  repressivas  (Uruguai,  Chile,  Bolívia),  alianças  entre   trabalhadores  e  o  movimento  estudantil  (México  e  Brasil),  que  constituiriam  sintomas  significativos  do  ressurgimento  da  luta  da  classe trabalhadora em lugares nos quais ela   já  havia  sido  considerada  como  estagnada.  A  América  Latina  teria  entrado  em  “um  período  de  explosões  revolucionárias  e  conflitos,  de  luta  armada  em  diferentes  níveis  contra  a  classe  dominante  nativa  e  o  imperialismo,  e  uma prolongada guerra civil em escala continental” (​ idem​ ,  ibidem​ , p.7).    As  resoluções  de  Maitan  possuíam  um  otimismo  excessivo,  pois  supervalorizavam  muitos  confrontos  de  classe  existentes  na  América  Latina.  Afirmar  que  existia  uma  situação  “pré­revolucionária”  indica  que  o  autor  não  levava  em  consideração  a  existência  de   muitos  governos  ditatoriais  no  continente,  o  que  fazia  com  que  a  repressão  a  movimentos  sociais fosse  forte.  Eventos  localizados  acabavam  sendo  vistos  como  a  expressão  generalizada  de  uma  ascensão de movimentos revolucionários.  Ainda  que  afirmasse   que  não  era  possível  prever  uma  fórmula  universal que  pudesse ser  aplicada  a  fim  de  superar  as  contradições  objetivas,  Maitan  acreditava  que  a  luta  armada  no  continente  latino­americano  iria  assumir  a  forma  específica  da  guerrilha  rural:  “Mesmo  no caso  de  países  nos  quais  grandes  mobilizações  e  conflitos  de  classe  nas  cidades  possam  ocorrer  primeiro,  a  guerra  civil  assumirá  muitas  formas  de  luta  armada,  nas  quais  o  principal  eixo  durante  todo  um  período  será   a  guerrilha  rural”  (​ idem​ ,  ​ ibidem​ ,  p.9).  Mais  tarde  essas  análises  demonstravam  que  a  proposição  de  formas  de  luta  que  não  decorriam  de  uma  correlação  de  forças efetiva para aquele momento tomava o lugar do exame concreto das situações.   Em  fevereiro  de  1969,  Joseph  Hansen  apresenta  um  documento  de  crítica  ao  que  considera  um  "desvio  guerrilheirista"  de  Maitan,  o  artigo  “​ Assesment  of  the  draft  resolution  on  Latin  America​ ”.  Para  Hansen,   a  análise  não  trazia  nada  de  novo  no  âmbito  da   questão  econômica.  Politicamente,  a  resolução  do  trotskista  italiano  seria  exagerada,  principalmente  no  tocante  ao  papel  do  campesinato  em  escala  continental.  A  crítica  do militante do SWP a Maitan 

era  que,  ao  invés   de  fazer  um  balanço  da  situação  latino­americana,  suas  resoluções  somente  buscavam  uma  tática  continental  e  a  preparação  técnica  para  o  engajamento  na  guerrilha  rural  por  um  período  prolongado.  De  acordo  com  Hansen:  “A  verdade  é  que  essa  resolução  é  um  reflexo  bastante  fiel  das  opiniões  expressas  publicamente  pela  direção  cubana  nessa  questão”  (HANSEN, 1969, p.7).   A  fim de apontar os erros que uma resolução pautada na influência da vitória cubana e de  suas  lideranças  poderia  causar  para  o  movimento  trotskista  internacional,  Hansen  dedica  boa  parte  de  seu  documento   à  análise  da  Revolução  Cubana.  O  norte­americano  faz  algumas  considerações  importantes:  1)  a guerrilha não  havia sido uma invenção dos cubanos na América  Latina;  2)  um  dos  aspectos   mais  inesperados  da  Revolução  Cubana  foi  que  sua tática  se provou  ser  suficiente  para  vencer.  De  acordo  com  os  trotskistas,  a  conclusão  era  de  que  “isso  havia  testemunhado  muito  mais  a  fraqueza  do  imperialismo  e  da  estrutura  da  burguesia   nacional  do  que  a  descoberta  de  algo  superior  ao  partido  leninista  de  combate”  (​ idem​ ,  ​ ibidem​ );  3)  mais  do  que  um  mero  grupo  de  guerrilheiros  esteve  envolvido  na vitória cubana, visto que o Movimento  26  de  Julho  tinha  uma  organização  complexa;  4)  em  alguma  medida,  pode­se  considerar  que o  Movimento  26  de  julho  atuou  consideravelmente  como  um  partido,  que  tinha  como  finalidade  uma  única  questão:   a luta armada contra a ditadura de Batista ­ um  apelo que atravessava classes  sociais;  5)  quando  a  revolução  atingiu  um  ponto  de  transição  para  o  socialismo,  seu  líderes  transcenderam  seu  programa  inicial;  6)  ao  transcender   seu  programa,  também  transcenderam  a  tática  através  da  qual  tinham  vencido;  7)  o  problema  era  que   os  cubanos  ainda  não  teriam  suas  contas  liquidadas  com  o  stalinismo,  e  não  questionavam  atitudes  stalinistas,  além  de  atacarem  politicamente  trotskistas;4  8)  uma  das  mais  importantes  lições  da  Revolução  Cubana  é  que  era  possível  levar  os  stalinistas  para  a  esquerda;  9)  a  fórmula  adotada  pelos  cubanos  seria  suprimir  as  diferenças  com  os  stalinistas  e  formar  uma  aliança  sobre  a  questão  da  luta  armada  contra  as  ditaduras  locais  e  o  imperialismo;  10)  desde  a  vitória  cubana,  os  trotskistas  já  alertaram  para  a  necessidade  de   construção  de  um  partido  marxista  revolucionário;   11)  a  tarefa  principal  da  vanguarda na América Latina era a construção desse partido. 

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 ​ Na Conferência Tricontinental de Havana, realizada em 1966, Fidel Castro afirmou que o trotskismo havia se tornado  “um instrumento vulgar do imperialismo e da reação”. Os trotskistas eram “mercenários a serviço do imperialismo  ianque”. 

Dessa  maneira,  para  o  trotskista  norte­americano,  a  resolução  proposta  por  Maitan  não  apenas se adaptava a uma posição defendida pela liderança cubana, mas também se calava diante  da  acomodação  dos  cubanos  ao  stalinismo.  O  trotskista  italiano  também  não  levava  em  conta  o  sectarismo  dessas  lideranças  com os trotskistas. Contudo, esse não era o principal dos problemas  da  proposta de Maitan. Para Hansen, a prioridade de qualquer estratégia ou tática para a América  Latina  era  a   construção  de  um  partido  revolucionário:  “O  partido  não  é  o  meio  para  a  luta  armada.  A  luta  armada  é  o  meio  de  trazer  o  proletariado  ao  poder  sob  a  liderança  do  partido.”   (​ idem,  ​ ibidem​ ,  p.9).  O  partido  não  deveria  servir  como  acessório  no  desenvolvimento  da  luta  armada.  Era  nesse  sentido  que  a  construção  do  partido  deveria  ser  vista  como  tarefa  central,  a   orientação  e  a  maior  preocupação  da  vanguarda.  Hansen  completa:  “A  situação  explosiva  da  América Latina não diminui essa necessidade, ela intensifica” (​ idem, ibidem​ ).   As  polêmicas  em  torno  da  questão  da  guerrilha  como  tática  foram  votadas  no  9º  Congresso  Mundial  da  IV  Internacional,  realizado  em  abril  de  1969.  A  posição  de  Maitan  venceu  com  cerca de dois terços dos votos. É importante destacar que uma luta fracional ocorreu  para  que  essa  linha  política  fosse  aplicada,  principalmente  porque  importantes  setores  do  trotskismo latino­americano eram contrários a ela.  Em  1971,  a  afirmação  feita  na  introdução  da  publicação  “​ Cahiers  de  La  Quatrième  Internationale:  sur  La  Revolution  Cubaine​ ”,  utilizada  como  epígrafe  deste  artigo, exemplifica a  dimensão  da  linha  política  adotada  no  9º  Congresso:  a  declaração  de  que  os  trotskistas  não  se  importavam  em  serem  chamados  de  “guevaristas”  encontrava­se  em  uma  publicação do SU­QI,  que  naquele  momento  aglutinava  importantes  setores  do  movimento  trotskista  internacional.  Embora  não  houvesse  desacordos  quanto  à  importância  da  figura  de  Che  Guevara,  a  influência  de  suas  ideias  não  dava  lugar  a  unanimidades  entre  os  trotskistas,  como  o  documento  dava  a  entender.  Antes  da   publicação  de  1971,  o  alcance  das  ideias   dos  dirigentes  cubanos  tinha  sido  motivo de importantes batalhas políticas e teóricas, como anteriormente analisado.  Enquanto  as  organizações  trotskistas  europeias  pareciam  fascinadas  pelas  ações  guerrilheiras  na  América  Latina,  possivelmente  porque  muitas  vezes  tinham   um  conhecimento  superficial  sobre  o  tema,  as  correntes  que se opunham ao guerrilheirismo formaram a Tendência  Leninista  Trotskista  (TLT).   Esse  era  um  setor  minoritário  da  Quarta  Internacional,  encabeçado 

pelo  SWP  norte­americano  e  pelo  PST  argentino,  dirigido  por  Nahuel Moreno. A Tendência foi  mais  tarde  transformada  em  Fração  Leninista  Trotskista,  passando  a  defender  a  estratégia  de  construção  de  partidos  revolucionários  em  todos  os países do continente, com inserção  na classe  operária a fim de mobilizar a luta pela tomada do poder.  Apesar  dos  debates   travados  pela  Fração  Leninista  Trotskista,  a  Quarta  Internacional  só  iria  rever  essa  postura  guerrilheirista  em fevereiro de 1974, no 10º Congresso Mundial. Com um  aumento  considerável  de  participantes,  organizações  de  41  países   e  aproximadamente  250  delegados,  o  Congresso compreendeu que a orientação anterior, favorável à guerra de guerrilhas,  havia  sido  um erro. Certamente a derrota de movimentos guerrilheiros em toda a América Latina  e a ascensão das greves nas cidades contribuíram para que fosse feita essa revisão.   As  análises  do  movimento  trotskista  internacional  acerca  da  Revolução  Cubana  e,  especialmente  sobre  a  guerra  de  guerrilhas,  são  interessantes  para  que  se  tenha  uma  ideia  de  como  um  evento  considerado  inesperado  pode  afetar  uma  organização  política  que  se  pauta  em  uma  teoria  revolucionária.  O  exemplo  do  trotskismo  internacional  pode  nos  dar  a  dimensão  de  como uma organização pode ser afetada tanto na organização de suas fileiras quanto na definição  de suas praticas políticas.    Bibliografia  BENSAID, Daniel. ​ Trotskismos​ . Lisboa: Edições Combate, 2008.   CANNON,  James  P.  New  Revolutionary  Forces  Are  Emerging.  ​ Socialist  Workers  Party  Discussion Bulletin​ , jun.1961.  ______. Intellectuals and Revolution. ​ Bulletin in Defense of Marxism​ , out/nov.1992.  COGGIOLA, Osvaldo. ​ O trotskismo na América Latina​ . São Paulo: Brasiliense, 1984.   DOBBS,  Farrell;  HANSEN,  Joseph.  Reunification  of  the  Fourth  International.  ​ International  Socialist Review,​  1963.  HANSEN,  Joseph.  Ideology  of  the  Cuban  Revolution.  ​ International   Socialist  Review, v.21, n.3,  1960, p.74­78.  ______. The Nature of the Cuban Revolution. ​ Socialist Workers Party​ , nov. 1962.  ______. Cuba: The Acid Test. ​ SWP discussion bulletin,​  v.24, n.2. jan. 1963.  

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