Da ideia ao objecto no espaço

May 25, 2017 | Autor: Emília Ferreira | Categoria: Arte Contemporanea, Desenho
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Da ideia ao objecto no espaço ou Entre o melhor dos mundos possíveis e a construção de um jardim1 Emília Ferreira Quando, há quase três anos, João Miguel Fernandes Jorge abordou a Casa da Cerca com a proposta de aqui realizar, em estreito diálogo connosco, uma exposição colectiva, o projecto embrionário apresentado era claro: preencher os espaços interiores e exteriores da Casa com peças de artistas nacionais — novos e consagrados —, apresentando trabalhos que, embora diferenciados entre si, tivessem uma relação: a de se poder trabalhar “sobre a ideia de limite e transformação (ou de limite e metamorfose)”. Para uma instituição que tem investigado sobretudo o desenho, este projecto (posteriormente repensado) mereceu de imediato bom acolhimento, pelas possibilidades que colocava de poder avaliar o papel que o projecto (comportasse ele a componente de desenho ou não — o que seria igualmente significativo) tem na criação dos múltiplos objectos artísticos, num conjunto tão significativo de artistas. O título escolhido, dois anos mais tarde, quando tudo se afinou, Processo e Transfiguração, aponta as inúmeras possibilidades da urdidura de uma obra, no aturado labor de passagem da ideia à concretização do objecto e, até, à sua transformação, consoante os modos de expor/ver. O conjunto de artistas convidados, quase todos eles estreias absolutas na Casa da Cerca, suporta o debate com obras de desenho, pintura, fotografia, escultura, instalação e vídeo. Alguns trabalhos foram escolhidos com o propósito de enformar o exercício teórico. Estão neste caso os desenhos de Bárbara Assis Pacheco, Daniel Barroca, João Tengarrinha, Jorge Feijão, Jorge Pinheiro, Manuel Caeiro, Nuno Franco ou Rui Vasconcelos; das pinturas de Gonçalo Pena, João Cruz Rosa, José Loureiro, Jorge Pinheiro, Miguel Branco, Luísa Jacinto, Paulo Quintas e Rosa Carvalho; das peças escultóricas/instalação de Francisco Tropa, João

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Texto do catálogo da Exposição Processo e Transfiguração, Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, 2010. Curadoria de João Miguel Fernandes Jorge e Emília Ferreira.

Maria Gusmão + Pedro Paiva, Miguel Branco, Nuno Sousa Vieira, Paulo Tuna, Pedro Valdez Cardoso, Rui Chafes e Susana Anágua; das fotografias de João Vilhena, Jorge Molder, Moirika Reker Gilberto Reis e Rodrigo Tavarela Peixoto ou do vídeo de Pedro Diniz Reis. Mas outras nasceram do convite, tendo sido pensadas para esta exposição, partindo do desafio de criar em estreito diálogo com o espaço, como é o caso das criações de André Banha, Luís Nobre, Paulo Tuna ou José Pedro Croft. De um modo ou de outro, porém, todas (umas mais claramente do que outras) evocam os processos da sua realização e metamorfoseiam-se na relação com o espaço. De acordo com a linguagem de cada artista, o processo de criação e a transfiguração do objecto pode partir de um projecto de desenho, de reivindicação de tradição plástica, alheia ou própria, em citação ou auto-citação, ou de ambas. Vejam-se, neste caso, João Vilhena e o seu American Psycho, uma pietà auto-sacrificial, ou Pedro Valdez Cardoso, cuja peça Fake, um túmulo “falso” e sem pretensões a eternidade, feito de materiais de desperdício, é formalmente inspirado no de Camões, nos Jerónimos. O processo e a transfiguração podem também nascer de fonte imagético-literária: vejam-se as fotos da série Pinóquio, de Jorge Molder ou a peça de vídeo e quadrifonia de Pedro Diniz Reis, The Buzzing?, que parte de uma peça de Becket. Podem ainda surgir da própria alteração da definição de um objecto, pela sua natureza híbrida (Anjo, da dupla Moirika Reker Gilberto Reis, escultura intervencionada com projecção vídeo, por exemplo). No que ao desenho concerne, é reveladora a diversidade de propostas de trabalho que aqui surge. Umas mais claramente elaboradas, recorrendo a uma estruturação geométrica na composição, planificadora do desenho (casos de Sem título, Manuel Caeiro, Sem título, José Loureiro, ou Zebra III e IV, João Tengarrinha); outras de técnica mista, em mancha mais próxima da pintura (Sem título, Daniel Barroca; Sem título, Jorge Feijão; Sem título, Nuno Franco; Sem título, Rui Vasconcelos), outras que, embora sobre papel, são iminentemente pintura (Jogo, Bárbara Assis Pacheco; Sem título, Paulo Quintas). Nas restantes expressões, o desenho surge ou apaga-se por completo, sem necessitar de marcar presença. Se a pintura Solus Ipse, de Jorge Pinheiro, nos remete para o desenho (parte inalienável do seu corpo), algumas pinturas apresentam-se sem estudo prévio. Estão neste caso as

contribuições de Gonçalo Pena, João Cruz Rosa, Luísa Jacinto, Miguel Branco e Rosa Carvalho. Também no caso da escultura e/ou instalação se apresentam situações diferenciadas. Vêmo-lo em Chão Morto, de Nuno Sousa Vieira, que evoca o passado da peça com as imagens fotográficas de Desassoalhada. E comprovamo-lo com Caçador de nuvens, de André Banha, em que, apesar de o desenho não se mostrar, a estrutura é de tal modo evidente que dispensa outros discursos. Vêmo-lo ainda em Desvio, de Luís Nobre, e nas obras Momento de um sono cativo ou Instante Suspenso, de Paulo Tuna, cujo surgimento, em projecto, é aqui apresentado, evidenciando o seu processo criativo. Algumas das peças escolhidas para esta exposição têm contornos clássicos. O caso mais evidente será o do pintor Jorge Pinheiro, como vimos. Obras com premissas clássicas, de um rigor absoluto. Obras que integram a tradição da magistralidade como, noutro campo e com outros contornos, a peça Trago-te em mim como uma ferida, de Rui Chafes. Mas outras, com ou sem desenho, anunciam a sua morte eminente. Pela sua natureza efémera, algumas das que serão aqui colocadas em diálogo com o espaço (as de André Banha, José Pedro Croft — o desenho é, para este autor, a própria peça, criada sempre em experimentação material e sem projecto prévio —, Luís Nobre) morrerão ou desvirtuar-se-ão, o que significa o mesmo, ao ser desligadas do lugar para que foram pensadas. Algumas poderão voltar a ser expostas noutro lugar; mas, então, adquirirão outra natureza. Mas outras, dado o modo como aqui deverão ser colocadas, sujeitas à intervenção do tempo meteorológico, elemento determinante na aceleração de processos degenerativos, estão à partida condenadas a cessar. A responsabilidade do curador (e/ou da instituição), perante obras tão óbvia e definitivamente perecíveis, deverá ser diversa da que tem sobre outras de assumida perenidade e monumentalidade? A resposta é obviamente negativa. Mas como se avaliam os riscos materiais e emocionais? Na verdade, esses não se medem. Parte do processo, parte da transfiguração, fica entregue aos olhos e ao sentir de quem vê. Parte do processo e da transfiguração é dada, em exercício de partilha da inquietação, a quem nos visitar. Num mundo em mudança, a arte — que nunca sumarizou, antes anunciou e problematizou — dá-nos, afinal, os possíveis reflexos de nós mesmos.

O desafio hermenêutico colocado pela presença de obras de artistas tão diferentes e com propostas plásticas tão distintas (entre a matéria, o exercício e até a dimensão ou o jogo dimensional, como a composição Keep Going, de Rosa Carvalho, uma peça de grandes dimensões composta por 54 pinturas pequenas) pode começar pela definição de criar. Poderíamos oferecer uma multiplicidade de definições teóricas, mas escolhemos esta por ser coerente com o que pretendemos demonstrar: criar é escolher. A opção de um caminho processual implica decidir por uma via, em detrimento de outras. Criar é, sempre, por isso, um acto sacrificial que visa chegar, através de um modo (ou processo) frequentemente solitário (mas não isento de comunicação — consigo mesmo e/ou, sobretudo, com a tradição), a um lugar tantas vezes inóspito. Para minorar os efeitos dessa solidão, e uma vez que a criação ganha o seu sentido maior no momento da partilha, o papel do curador é não apenas escolher, como relacionar e interpretar. Por isso, também, mostrar o trabalho de quem se dedica a criar, tem aspectos de ganhos e perdas. Escolhem-se algumas obras em detrimento de outras; escolhe-se também um modo de dar a ver. Criam-se relações espaciais e semânticas. Rejeitam-se outras. Mas detenhamo-nos na questão da escolha enquanto parte do processo criativo. Porque teremos de escolher? Porque enquanto mortais — e conscientes dessa condição — buscamos um sentido na finitude. A criação, modo de deixar um registo dessa inquietação, da nossa passagem, do nosso modo de ver, da nossa pessoal construção de sentido, mantém, contudo, inalcançável, uma infinitude de opções. Na Idade Média, alguns filósofos, teóricos da teologia cristã, defendiam que apenas Deus é livre, por não ter de escolher. Ao homem restava, segundo esses autores, o livre-arbítrio; um simulacro de liberdade. Podemos afirmar que, para além do mundo tangível, o mesmo se passa no processo criativo — aquele em que gostaríamos de nos igualar a deus. Não foi esse o motor da redefinição da imagem e do estatuto do artista, em pleno Renascimento? O desenho, cosa mentale, como defendia Leonardo, era a reivindicação de um estatuto de criador, não meramente de criatura e, sobretudo, não meramente de oficiante manual.

Conceito, antecedendo a materialidade do objecto, o desenho animava (e corporizava) o pensamento. Feliz ou infelizmente, apesar de essa reivindicação ter dado frutos, permanecemos, tragicamente, humanos. Continuamos, portanto, reduzidos à necessidade da escolha. À incerteza. Suspensos sobre o mesmo vazio, o mesmo grau de dúvida se aplica ao trabalho que pretende organizar e pensar os objectos nascidos do processo criativo. O mesmo é dizer que, numa exposição, há imensas variáveis a considerar: em primeiro lugar, as dos artistas; logo a seguir as dos curadores; ou seja, daqueles que curam para que tudo possa ser encenado. Ou, de um modo porventura mais verdadeiro, daqueles que oferecem a sua humanidade para que da sua falível visão decorra, afinal, um limbo — uma adequação? — entre o projecto dos artistas e um dado modo de expor (i.e., de dar a ver) o seu trabalho. Cada uma destas etapas está — obviamente — crivada de armadilhas. No primeiro caso, o acto de criação de uma obra, ao exigir escolhas, impõe que alguns caminhos sejam preteridos. Serão sempre os piores a ficar para trás? Nunca saberemos. Parte do prazer da criação é esse. Parte do seu tormento, também. Serão acertadas as escolhas que fazemos? Serão as melhores? Poderá talvez servir-nos de consolo pensar que, apesar do teorizado por esses citados medievais, se calhar, até deus teve também de escolher. Como uns séculos mais tarde explicaria Leibniz, o sonhador prussiano da Monadologia, deus, ao criar o mundo e tendo como matéria-prima algo tão plástico como as mónadas (elementos fundadores do mundo, cuja definição se situa algures entre átomo e peça de Lego, esferas fechadas sobre si mesmas e comunicando apenas ao infinito — através de deus, ou do satélite divino, como lhe chamou Luc Ferry, actualizando a questão —, “peças” com tais potencialidades que, com elas, se poderia ter feito qualquer mundo), decidiu fazer este mundo. Ora, sendo deus perfeito e omnipotente, se este foi o mundo que escolheu, foi decerto por ser este o melhor dos mundos possíveis. Assim concluía, benevolamente, o prussiano. Quase perguntando como teriam sido os outros, um cínico e ateu francês, de seu nome Voltaire, escreveu o seu célebre Cândido, ridicularizando, com exemplos materiais e

trágicos, a pretensão do velho filósofo prussiano. Este é o melhor dos mundos possíveis?, ria-se Voltaire. Então, como se explicam as catástrofes? Como se explica a morte de inocentes, todos os crimes, todas as injustiças? Quando Cândido, fugido da Prússia, onde criminosos haviam tomado de assalto o harmonioso lar da sua infância e assassinado barbaramente os seus habitantes, entre os quais se contava Pangloss (a caricatura voltairiana de Leibniz), aportou a Lisboa. Encontrou-a devastada pelo terramoto de 1755. Voltaire voltava a inquirir sardonicamente: este é o melhor dos mundos possíveis? Ele, claramente, achava que não. Apesar do lado menos bom nesta tomada de vistas da eterna questão, há um aspecto animador: afinal, talvez o processo criativo possa reivindicar a sua proximidade ao divino. Talvez Leibniz tenha uma parte de razão, mesmo que involuntária: a de que deus também escolhe. Mesmo que, por isso, fique, logicamente, sujeito à falha. O processo artístico, via dolorosa de inevitável morte e desejável ressurreição, é assim algo em que aquele que o encara, aquele que a ele se predispõe, se arrisca. Um salto de fé. Um tiro no escuro. Por cada verso que se apaga, o poema caminha noutra direcção. Por cada cor que não se escolhe, por cada imagem que se colhe ou se ignora, por cada tábua ou ferro que se aplica ou forja há um enfoque que é dado contra tantos mais. Contra muitos mais. Que certezas podem remanescer? E, nesse caso, se o terreno é tão esquivo, porque se cria? Um dos motivos da criação é o próprio desejo (ou necessidade) de criar, como vimos. Uma compulsão. João Vieira dizia que “a pintura ou é uma mania, ou não é”. Dito de outro modo, criar é um acto de natureza, decorrendo, portanto, da própria essência do criador. Cria-se não por se considerar belo (mesmo que o resultado aspire à harmonia, ao equilíbrio) o acto de criar, mas, sobretudo, porque não se pode deixar de o fazer. Porque não se pode obliterar a pulsão de inquirir, de reordenar. O acto criativo é, portanto, um acto de reorganização do caos, de reordenação dos elementos do mundo. Por isso Nelson Goodman se lhe referiu como modos de criar mundos. O processo, caminho e obra em si mesmo, é, portanto, para os criadores afoitos, a metáfora mais preciosa da vida. Pode ser ou ter projecto, pode partir de um modo racional de expor a

intuição — ou o conceito, em estados já mais avançados — mas não deixará nunca de conter em si a semente da morte, da falha, de uma opção mal tomada. De um caminho que não mais será trilhado. Preterido por um outro, cuja direcção se revelou, afinal o quê? Definitiva? Eterna? Arrebatadora? Ou, simplesmente, mais um erro? No segundo caso, entre os curadores, aqueles que elaboram o discurso sobre a urdidura alheia, o processo repete-se. Entre a fatalidade e a ambição de escapar ao caos, por cada obra escolhida, por cada frase que se risca, por cada outra que se arrisca, a exposição — e com(o) ela o texto, a encenação e o seu corpo próprio — toma novo rumo. Será o melhor? Criadores e teóricos partilham assim a intangibilidade de uma comunicação que talvez apenas tenha o seu ponto de encontro ao infinito. Um infinito não divino, como desejava Leibniz, mas humano, demasiado humano. Qualquer um dos processos, como se depreende, é solitário, pleno de possibilidades de erro e perdição. Cheio de demónios. De tentações. O fácil, por exemplo. O já conhecido. O caminho seguro. Mas, como dizia um curador mítico, fazer a curadoria de uma exposição em que nada pudesse falhar seria uma perda de tempo2. Mas, risco de quê?, — perguntarão. Que risco existe em pensar uma exposição? Que risco existe em mostrar ao público o que os artistas fazem? Há vários riscos possíveis e comuns: o primeiro de todos, em relação aos artistas. O de não interpretar correctamente a peça no contexto da produção do seu autor; o risco de a colocar numa situação espacial que a desvirtue; o de a dar a ler de modo excessivamente obscuro ou excessivamente claro — aplanando-a, destituindo-a de sombras e texturas, de parte fulcral da sua mortalidade, da sua condição artística. Estes aspectos não são de somenos. Nem todos os artistas apreciam a suposta revelação que deve ser operada pelo trabalho do crítico ou do curador. Se alguns experimentam a amargura do desinteresse por parte dos media ou do público, outros preferem que o seu trabalho seja sobretudo apreciado por um pequeno núcleo de seguidores. E, também, em 2

Curating a show in which nothing could fail was, to Szeemann, a waste of time. In LEVI STRAUSS, David, “The bias of the world: curating after Szeemann & Hopps”, In Cautionary Tales: Critical Curating, Apexart, New York, 2007, p. 24.

termos mais eminentemente artísticos, se alguns evidenciam nas obras o processo criativo e a sua transfiguração (por vezes, até a intenção evocativa ou narrativa enquanto outros a obliteram completamente; veja-se a inclusão de títulos v. sem título), noutros casos, do confronto com o trabalho resulta mais enigmático o que lhe deu origem. Depois, a própria desconfiança do público. Uma desconfiança nada e criada da suspeição de que a arte contemporânea é, em muitos casos, tudo menos arte. De que, na sua “evidente” falta de jeito ou aparente (e ilusória) simplicidade, manifesta a decadência de processos que, noutras épocas, já deram obras-primas. Por isso, também, esta exposição é um apetecido pretexto para relembrar que o legado artístico desses séculos de mimese conduziu a uma urgência de repensamento plástico, de libertação do referente. Que, há mais de cem anos, quando o registo então meramente mecânico (mas cedo criativo) da fotografia se tornou mais rápido e fiável, a pintura — como também a escultura — se repensaram. Que, há um século, nos primeiros anos de Novecentos, a pintura sonhou alcançar o mesmo grau de liberdade e de abstracção que a música. Que os artistas assumiram a condição perecível da arte, num mundo em que o inferno já não é o lugar habitado de demónios e de almas eternamente ardentes e agónicas, mas uma esfera ínfima e global em que as doenças epidémicas, a fome, a guerra, a iminente falta de água, as desvairadas inseguranças tornam, a cada dia, mais evidente a nossa fragilidade. Que, de um modo ou de outro, todos os artistas que integram esta exposição, assumiram a tradição e a renovaram, experimentando. É justamente esse experimentalismo e a opção (também aqui presente) por uma clara efemeridade da obra — uma visão nua a crua da produção plástica, assim evocada sem pejo pelos seus autores, em alguns discursos artísticos — que, em muitos casos, é visto com desconfiança pelo público. Deveremos, enquanto curadores, evitar essas linguagens? Deveremos, numa época em que se valoriza a cultura de massas, optar pelo fácil ou pelo consensual? A resposta é não, mas tem, ainda, outros contornos. Regressemos ao número de artistas presentes e à diversidade de obras em exposição. Oferecendo uma significativa pluralidade de vias plásticas, de trabalhos mais monumentais e/ou ortodoxos, tanto nos seus processos, como na sua opção de perenidade, a outros

claramente perecíveis, exige, da parte do leitor, uma redimensão do próprio conceito de objecto artístico e obriga à redefinição do olhar. Convoca-nos para o exercício da poética, da ironia ou do mais puro sentimento lúdico (veja-se Mesa, de Susana Anágua), para a recuperação das nossas memórias afectivas e/ou culturais, ou remete-nos para o silêncio e o mero vestígio existencial (de notar O Homem Sombra, João Maria Gusmão + Pedro Paiva) e o contacto directo, e sem filtros nem bengalas, com a obra. Entre a ideia do espaço e a construção de um jardim há a mesma distância ontológica que separa a monadologia leibniziana da decisão final de Cândido: depois de muito buscar o mundo ideal, regressa ao seu país, à sua cidade e decide, simplesmente, criar o seu jardim. É a assumpção da mortalidade, da fragilidade de tudo e — apesar disso mesmo — da capacidade de resistir e renovar. É isso, também, a contemporaneidade: o reclamar da herança cultural e a sua revisitação problematizadora. Hoje. A todos os artistas que aceitaram este desafio e que aqui tão generosamente se desnudam, o nosso profundo agradecimento. Emília Ferreira

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