Da Indústria à Cidade Criativa: o Porto Maravilha (2012)

May 31, 2017 | Autor: N. Pauletto Fragalle | Categoria: Creative City, Rio de Janeiro, Creative Economy, Mega-Events and Urban Regeneration
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IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012

Da Indústria à Cidade Criativa: O Porto Maravliha 1 Natália Pauletto Fragalle2; Ruy Sardinha Lopes3

Resumo: O presente artigo, originado de uma pesquisa de Iniciação Científica, pretende refletir sobre a aplicação dos princípios relativos à “economia criativa” no campo das intervenções urbanas. Devido ao fato de o termo “cidade criativa” ser muito recente, não há um consenso geral à respeito do conceito em si, portanto há diversas opiniões distintas e muito debate sobre esse tema. No presente artigo, trabalharemos com as visões de dois autores internacionais – o britânico Charles Landry e o americano Richard Florida – e uma autora brasileira – Ana Carla Fonseca Reis – considerada pioneira ao trazer esse debate para o país. Através de uma breve análise do trabalho desses autores, pretende-se observar as semelhanças e diferenças entre essas três visões à respeito do conceito de “cidade criativa” e estudar o modo como essas idéias estão sendo postas em prática no Brasil. Para tanto toma-se como estudo de caso os preparativos na Cidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em especial o Projeto Porto Maravilha. Palavras-chave: empreendedorismo, contemporaneidade, economia criativa, cidade criativa.

Abstract: This article originated from a survey of Undergraduate Research, aims to reflect on the application of the principles of the "creative economy" in the field of urban interventions. Because the term "creative city" is very recent, there is not a general consensus about the concept itself, so there are many different opinions and much debate on this topic. In this article, we will work with the views of two international                                                                                                                           1  Trabalho apresentado no GT4 – Políticas culturais e economia política da cultura, IV Encontro Nacional da ULEPICC-Br. Este trabalho é produto de uma pesquisa de Iniciação Científica, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, intitulada: Da  Economia  Criativa  

às  Cidades  Criativas:  O  Rio  de  Janeiro,  os  eventos  esportivos  e  o  Projeto  Porto  Maravilha. 2

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Arquitetura e Urbanismo – USP, São Carlos [email protected]; 3

Doutor em Filosofia, Instituto de Arquitetura e Urbanismo – USP, São Carlos – [email protected]

 

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authors - Charles Landry, British, and Richard Florida, American – and a Brazilian author - Ana Carla Fonseca Reis - considered a pioneer in bringing this debate to the country. Through a brief analysis of the work of these authors, it is intended to note the similarities and differences between these three views about the concept of the "creative city" and study how these ideas are being implemented in Brazil. To do so is taken as case study the preparations in the city of Rio de Janeiro for the 2014 World Cup and the 2016 Olympics, especially the Porto Maravilha Project. Keywords: entrepreneurship, contemporary, creative economy, creative city.

Das Indústrias Criativa às Cidades Criativas Como boa parte da literatura especializada vem apontando, as origens da tentativa de se associar criatividade e desenvolvimento econômico, num contexto neoliberal, deve ser buscada na importação do conceito australiano de “Nação Criativa” pelo governo trabalhista britânico em 1997. Assim, Diante dos revezes da economia mundial e do processo de desindustrialização que ganhava cada vez mais força no hemisfério norte, o Departamento de Cultura, Mídia e Transporte do governo britânico identificava os 13 setores de grande potencial econômico, dando origem, assim, ao termo “indústrias criativas”: [...] aquelas indústrias que têm sua origem em criatividade individual, habilidade e talento, e as quais têm um potencial para riqueza e criação de empregos através da geração e exploração da propriedade intelectual [...]. [Essas indústrias] incluem publicidade, arquitetura, o mercado de arte e antiguidades, artesanato, design, moda, filme e vídeo, software interativo de entretenimento, música, artes performáticas, publicação, software e jogos de computador, televisão e rádio” (DEPARTAMENTO DE CULTURA, MÍDIA E ESPORTE, 2001, in. LANDRY, 2008, p. xl, tradução nossa)

Embora este termo, que procura agregar indústrias aparentemente díspares, expresse certa imprecisão conceitual, com o reconhecimento dessas indústrias criativas, o governo britânico pôde reordenar suas prioridades públicas para fomentar esses setores

 

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de maior vantagem econômica através de parcerias público-privadas, favorecendo, desta forma, uma abordagem economicista em relação à cultura. Não obstante o fato de ter recebido, desde o início, fundamentadas críticas, como, por exemplo a de Nicholas Garnham (2005), o fato que é, estando em sintonia com a chamada “nova economia” – do conhecimento ou da informação – revelava o quanto os insumos imateriais – e, nesse caso, a criatividade – ganhavam centralidade econômica e política. A expressão daí decorrente, economia criativa, ao ultrapassar o oceano, ao mesmo tempo em que confere status de paradigma ao modelo britânico, faz vez o quanto assume, necessariamente, dimensões e nuances distintos do modelo originário, como por exemplo, no Brasil, cujo contexto pós-neoliberalismo dos governos Lula e Dilma coloca novos desafios que não nos caberia aqui sequer apontar. A transposição desses conceitos, oriundos da “nova economia” para o pensamento e intervenções urbanas não tardou. Como aponta Landry (in: REIS, KAGEYAMA, 2011), desde a década de 1980 o conceito de ambiente criativo (Törnqvist) e a relação entre criatividade e desenvolvimento urbano vem sendo cunhado no mundo anglófono. Significativas também foram as duas conferências internacionais ocorridas em 1988, em Glasgow – “Artes e a Cidade em transformação: uma agenda de regeneração urbana” – e em Melbourne – “Cidade Criativa”, que procuravam discutir a integração das artes e da cultura nos processos de planejamento e desenvolvimento urbanos. Procurando transpassar seu foco econômico, Charles Landry, ao divulgar o termo cidade criativa nos seus estudos sobre Glasgow e Barcelona e num livreto de 1995, intitulado The Creative City procurava abordar o papel que um ambiente criativo e uma determinada dinâmica organizacional poderiam ter no fomento da criatividade. Segundo o autor: “Creativity is like a new currency that is more sophisticated and powerful than finance capital, which is one-dimensional and narrow. The process of being creative, though, does even more. It can, in principle, help to solve any problem and can grasp potential [...]. Creativity also helps to

 

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develop culture and identity because the innovations that it generates shape what a place becomes”(LANDRY, 2008, p. xxv)

Para Landry (in: REIS, KAGEYAMA, 2011), a cidade criativa é um conceito positivo, no sentido de que qualquer cidade, seja ela grande ou pequena, tem potencial para criar condições para que as pessoas pensem, planejem e ajam com criatividade, ou seja, para que a população seja agente de mudança, ao invés de vítima dela. Para ele, qualquer pessoa pode ser criativa, desde que o contexto urbano lhe forneça uma oportunidade. Para que haja esse ambiente urbano criativo, é necessário uma combinação entre infraestruturas hard e soft ou seja, uma junção entre a infraestrutura urbana criativa física e uma infraestrutura mental , que corresponde ao modo como a cidade lida com oportunidades e problemas. Deve-se também ter uma atenção especial à história e à cultura de cada local, gerando assim uma melhor compreensão de suas características e uma utilização estratégica de seus recursos culturais, sob o domínio da criatividade (Landry, in: REIS, KAGEYAMA, 2011). Outra grande referência para a consolidação do termo cidade criativa, agora em solo americano, foi o economista Richard Florida. Centrando suas análises na emergência de uma nova classe de trabalhadores – a classe criativa, que abrange os profissionais atuantes nos setores criativos, que valorizam a individualidade, a diferença e o mérito -, Florida aponta a necessidade de se proporcionar as condições necessárias para se atrair não somente as empresas, mas também essa população de “talento móvel”, através de investimentos para a criação de um ambiente urbano propício ao estilo de vida dessas pessoas, com uma ampla oferta cultural e ênfase na diversidade. Para medir o poder de atração da classe criativa Florida (2002) desenvolve um “Índice de Criatividade”, inicialmente aplicado nas cidades dos Estados Unidos e depois ampliado para todo o mundo. De acordo com o autor (2002), o Índice de Criatividade é uma fusão de quatro fatores: a parcela correspondente à classe criativa no mercado de trabalho, a indústria de alta tecnologia, a inovação (medida por patentes per capita) e a diversidade. Para Florida (2002), esse indicador é uma maneira melhor de medir a

 

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capacidade criativa de uma região do que considerar somente a classe criativa, pois reflete os efeitos conjuntos da concentração dessa classe e dos resultados econômicos inovadores. Segundo Ana Carla Reis (2012), o indicador de Florida fez com que houvesse um surto de programas voltados a atrair a classe criativa nos Estados Unidos. A autora brasileira afirma também que o indicador de Florida possui deficiências, como, por exemplo, considerar o “talento científico” em termos absolutos, desfavorecendo cidades menores que possam abrigar um grande numero de pessoas criativas, porém sem um centro tecnológico. Para Reis, o que importa é a inovação como solução de problemas e não se essa inovação é gerada através de centros de tecnologia. Além disso, ela questiona se a criação de facilidades e incentivos que possuem a finalidade de atrair talentos externos seria suficiente para gerar uma mentalidade ou um ambiente favorável à criatividade, uma vez que ela acredita que as cidades devem lançar um olhar sobre as suas singularidades e sobre o seu pleno potencial para se tornarem mais competitivas em vez de se pautarem pelo ambiente externo (Reis, 2012). De acordo com Richard Florida (2005, apud. Ferreira, 2007, p. 2), as estratégias de desenvolvimento de uma cidade criativa dependem de três fatores: a tolerância, ou seja, o fato de uma cidade possuir uma cultura aberta às diferenças, possuindo assim maior facilidade em criar novas ideias e modelos produtivos; o talento, em outras palavras, a existência de profissionais altamente qualificados que se utilizam das oportunidades tecnológicas e culturais dessas cidades gerando inovação; e a existência de uma concentração de empresas de tecnologia. A partir desses três fatores, as cidades teriam maior capacidade para atrair uma classe criativa. Mais ao sul do continente, no Brasil, a economista e urbanista Ana Carla Reis é quem vem centralizando esse debate. Para a autora (2012), as cidades criativas possuem três características fundamentais : a capacidade de produzir inovações para solucionar problemas e antecipar oportunidades das mais variadas ordens; a presença de diversas conexões entre as áreas da cidade (entre a cidade e a sua história; entre a cidade e o

 

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mundo; entre público, privado e sociedade civil e entre as diversas áreas do saber) e a existência de uma cultura que seja grande fonte de criatividade e diferenciação social, econômica e urbana. Além disso, ela afirma que as cidades não podem ser consideradas criativas devido apenas a alguns bairros ou zonas específicas, mas devem ser trabalhadas como um sistema: “as cidades não podem ter arquipélagos de criatividade, em meio a um mar de apatia; cidades são feitas por pessoas que habitam um sistema urbano, inter-relacionado e interdependente”(REIS, 2012, p. 65) Reis (2011), assim como Landry, ressalta também que as cidades criativas têm como base a singularidade de cada espaço e suas relações com seus habitantes e por isso, cada uma elabora seu próprio modelo de estratégias, que dificilmente pode ser copiado por outra cidade ou outra região, identificando cada cidade como única.

Brasil Criativo O início do século XXI parece marcar, no Brasil, o florescimento dessa discussão, ainda que seus termos tenham privilegiado a questão econômica. Em 2004 é realizada a 11ª edição do Encontro Quadrianual da UNTCAD (United Nations Conference on Trade and Development – órgão da Assembléia Geral da ONU) em São Paulo, que gerou um documento intitulado “Consenso de São Paulo”, no qual os benefícios econômicos e culturais gerados pelas indústrias criativas foram explicitados. Em 2005, quando foi organizado o I Fórum Internacional de Indústrias Criativas em Salvador, a discussão concentrou-se em torno da chamada economia criativa buscando-se equacionar as bases de uma política pública que articulasse criatividade e desenvolvimento econômico. Em 2008, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) realiza um estudo sobre a cadeia da indústria criativa fluminense reconhecendo-se 3 grandes áreas desta cadeia: o núcleo, que é basicamente uma adaptação do estudo britânico proposto pelo DCMS, compreendendo os segmentos expressões culturais, artes cênicas, artes visuais, música, filme e vídeo, TV e rádio,mercado editorial, software e computação, arquitetura, design, moda e publicidade; as áreas relacionadas, que envolvem segmentos de provisão direta

 

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de bens e serviços ao núcleo, composta por indústrias e prestadores de serviços que fornecem materiais e elementos cruciais para o funcionamento do núcleo; e as atividades de apoio mais indireto (JUNIOR; JUNIOR; FIGUEIREDO, 2011, P.5)

Em seguida, o governo do estado cria o projeto de incubação das empresas criativas (RIO CRIATIVO) e proclama a economia criativa como um dos cinco setores econômicos estratégicos da cidade do Rio de Janeiro. Em 2011 é a vez da Prefeitura de São Paulo publicar um diagnóstico feito em parceira com a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) que reconhecia não só o potencial econômico desse setor – responsável por 3% de todo o emprego formal da cidade – como a possibilidade de desenvolvimento econômico em distritos mais distantes e carentes. Nas palavras do Prefeito Gilberto Kassab:  

Fomentar a Economia Criativa significa acelerar esse processo e reduzir a diferença de desenvolvimento entre as várias regiões da nossa cidade. É o desenvolvimento de todos os seus cidadãos, tanto na dimensão pessoal, delimitada pela melhoria da qualidade de vida, quanto em sua dimensão profissional, através de sua inserção em atividades dinâmicas e com potencial de crescimento que orienta esta administração em todas as suas ações.

A temática territorial vai aos poucos se impondo de sorte que em 2011, no âmbito do Ministério da Cultura, a recém criada Secretaria de Economia Criativa anuncia ter projetos, que deverão ser desenvolvidos até 2014, com temática dos territórios e da cidades criativas. A partir daí, em 2012, as empresas Garimpo de Soluções (fundada por Ana Reis) e Umana lançaram o projeto Criaticidades – Redes de Cidades Criativas do Brasil, formado por um website, um conjunto de cinco documentários e a criação do Manifesto São Paulo Cidade Criativa, “buscando desencadear um processo de reconhecimento das singularidades urbanas por parte de população residente”(REIS, 2012, p. 90). Diversas outras iniciativas e publicações se espalham pelo país.

Um caso exemplar: O Projeto Porto Maravilha A escolha da cidade do Rio de Janeiro como uma das que abrigarão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e cidade sede das Olimpíadas de 2016 constitui a oportunidade ideal

 

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para a implementação de uma grande operação urbana norteada, em grande medida, pelos princípios da economia criativa. Dentre as inúmeras intervenções, merece destaque a da zona portuária, conhecida como “Projeto Porto Maravilha”. Sem esquecermos que, pelo menos desde a grande intervenção urbana promovida por Pereira Passos na região central do Rio de Janeiro no início do século XX, a região central tem sido alvo de grande atenção, merecendo, a zona portuária, no início dos anos 1980, a atenção da Associação Comercial do Rio de Janeiro que

com o projeto

RIOPART propunha uma brutal verticalização da área (CARLOS, 2012), talvez possamos afirmar que foi a partir dos anos 1990, com discussão sobre o “Planejamento Estratégico” que tal preocupação tenha entrado em definitivo na agenda política da cidade, alterando os modelos sob os quais vinha sendo pensado até então. De fato, àquela época, fortemente influenciado pela transposição de conceitos e metodologias do planejamento estratégico empresarial e pelas operações urbanas realizadas em Barcelona, por ocasião das Olimpíadas de 1992, elabora-se, entre 1993 e 1994, o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, que através de parcerias público-privadas (PPP) já demonstrava o claro interesse de, alterando o perfil socioeconômico de determinadas regiões, entre elas a zona portuária, inserir a cidade na competição global do turismo, atraindo grande investidores e consumidores solváveis. Se, àquela época, o caráter excludente e o modelo cidade-empresa fora amplamente criticado, é curioso observar o quanto as novas intervenções propostas, ao acionarem o discurso justificador da criatividade parecem atenuar (ou seria melhor dizer encobrir?) tais consequências. Oficializado em 2009, pelo prefeito Eduardo Paes através da maior parceria públicoprivada do país (orçada em R$ 7,3 bi), o Projeto prevê uma intervenção que atinge uma área de mais de cinco milhões de metros quadrados, revitalizando a zona portuária que se encontra, na visão da Prefeitura do Rio de Janeiro, em “estado de grande degradação, com abandono de prédios e ruas e com espaços públicos praticamente sem uso pela

 

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população e pelos turistas”, mas que também apresenta “um grande potencial econômico, turístico e social para a região” (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2009, p.92). Haja vista que, como apontamos mais acima, e de acordo com Junior, Junior e Figueiredo (2011), o padrão de distribuição espacial concentrado, incentivando as empresas a se aglomerarem dentro da metrópole, e a oferta das condições essenciais para o desenvolvimento econômico das indústrias criativas são essenciais à consolidação de um território criativo, as operações em curso parecem se ajustar plenamente a tais prerrogativas: [...] a capacidade, portanto, das firmas serem mais competitivas depende fundamentalmente da localização geográfica no interior dos territórios, onde os recursos mais importantes se constituem em bens públicos, como a força de trabalho (saber-fazer), as capacidades de aprendizagem e de inovação, bem como as relações entre os atores produtivos locais, estruturadas pelo ambiente institucional (JUNIOR;JUNIOR; FIGUEIREDO, 2011, p. 14)

A Operação urbana Porto Maravilha parece ajustar-se também à necessidade, apontada por Florida, da criação uma infra-estrutura propícia a atrair a classe de “trabalhadores criativos”. Segundo a Prefeitura, tal operação: […]consiste na implantação de obras de infraestrutura e articulação com a iniciativa privada e governos estadual e federal de forma a promover uma completa revitalização (econômica, social, ambiental e cultural) da região portuária do Rio de Janeiro (bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte dos bairros do Caju, São Cristóvão e Centro) criando espaços de arte, cultura, entretenimento, educação e habitação. (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2009, p.92).

Embora o respeito às singularidades locais e às diversidades culturais permeiem tais discursos, são os “profissionais altamente qualificados” (Florida), capazes de gerar inovações e o público consumidor solvável os alvos privilegiados de tais intervenções.

 

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Nesse sentido, se os bairros alvos – Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Caju, São Cristóvão – devido a sua história, não só ligada às atividades de serviços da zona portuária mas também como um importante setor residencial da população de baixa renda, se caracterizam como uma região marcada por múltiplas identidades e culturas, com o devido destaque da Pedra do Sal, local de cultos afro-brasileiros, e que por volta de 1889 era conhecida como “Pequena África Brasileira” cuja comunidade foi reconhecida como “remanescente de quilombo” a pergunta que fica é como tal reservatório cultural e criativo conseguirá sobreviver ao rolo compressor da criatividade mercantil? Ao atrair para a região equipamentos culturais âncoras como o Museu do Amanhã, assinado pelo arquiteto catalão Calatrava e o Museu de Arte do Rio (MAR), com projeto arquitetônico assinado pelo escritório de Thiago Bernardes e Paulo Jacobsen (ao custo de R$ 215 mi e R$ 74 mi, respectivamente – fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2012) e transferir para esta localidade a vila da mídia, dos árbitros e do centro de mídia não credenciados, empreendimentos destinados aos Jogos Olímpicos de 2016, que resultarão em mais de 4.500 apartamento a perspectiva de ocupação da região de 20 mil para 100 pessoas nos próximos 15 anos (O GLOBO, 27/10/2010 apud PASSOS; GARCIA, 2011, p.7), o Projeto tem causado um esperado aumento do interesse imobiliário na região com o consequente aumento do valor dos imóveis. Outro elemento fundamental para a criação deste “ambiente criativo” é a mudança na legislação exclusiva à área do projeto e a adoção, para se angariar os recursos financeiros necessários às obras publicas, dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs). Como bem mostrou Mariana Fix, os CEPACs são certificados emitidos pela Prefeitura e utilizados para pagamentos de obras ou leiloados na Bolsa de Valores, tendo portanto seu valor vinculado às expectativas dos investidores em relação à valorização de uma região da cidade. Como a Prefeitura precisa garantir as condições para que esses ativos se valorizem, sob o risco de criar uma moeda podre, acaba criando uma espécie de camisa de força, concentrando seus investimentos nas áreas que atendam aos interesses dos especuladores.

 

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No caso em questão, apontam Monteiro e Andrade (2012,p.23), em junho de 2011 “todos os títulos foram leiloados e arrematados em um só lote pelo Fundo de Investimentos Imobiliários do Porto Maravilha, órgão criado e administrado pela Caixa Econômica Federal”, com recursos do FGTS. Esses títulos, então, deverão ser revendidos para financiar as obras previstas no projeto e a emissão e controles deles ficam a cargo de uma empresa de economia mista denominada Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP), que repassará os recursos para um consórcio de empresas formado em 2010 ( O Consócio Novo Porto - formado pelas grandes empreiteiras Norberto Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia)

Caberá, assim, ao poder público bancar as infra-estruturas que garantam maior fluidez ao território: Reformas nas vias rodoviárias, abertura de novas ruas, retirada da avenida Perimetral, construção de garagens subterrâneas e a instalação de um circuito de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) que é, aliás, marca registrada em qualquer GPU internacional. Some-se a isso o anúncio da construção de novos píeres de atracação para os transatlânticos turísticos e da instalação da gare do Trem de Alta Velocidade, que está sendo projetado para ligar São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, na antiga estação da Leopoldina” (MONTEIRO e ANDRADE, 2012, p. 23- 24)

Mais, e quem nos alerta é a urbanista e relatora especial da ONU para questões de moradia, Raquel Rolnik (2011), como a maior parte das terras que compõem a operação urbana Porto Maravilha são terras públicas, “vendidas” principalmente pela União à Prefeitura do Rio de Janeiro a partir de uma avaliação feita pela própria Caixa Econômica Federal o que aí se observa é ma engenhosa operação imobiliária executada por empresas privadas, com recursos públicos em terrenos públicos. Aí talvez resida o cerne da “criatividade” tão alardeada pelos agentes públicos e privados.

CONCLUSÕES Ao associar “criatividade” a um certo “empresariamento da cidade”, o que tal projeto permite vislumbrar é o acionamento de novos agentes – “criativos” – novas táticas – que unem, por exemplo, cultura, turismo, negócios e novos agenciamentos políticos que, longe de se mostrarem as mais adequadas para a constituição de uma sociedade mais justa e inclusiva, revelam a nova face do capitalismo contemporâneo.

 

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A questão a ser levantada é: será que o que está ocorrendo no Brasil, em casos como o do Rio de Janeiro e o Projeto Porto Maravilha é um esvaziamento do conceito original de cidade criativa – risco apontado Reis e Landry – devido a um desvio do foco principal pautado pelo discurso da criatividade para uma estratégia de marketing urbano; ou o problema está realmente nos fundamentos do conceito de cidade criativa, que dão margem a esse empresariamento da cidade, mascarado por ações ditas criativas, sem que haja as devidas preocupações com as questões sociais? Essa questão é fundamental e deve ser inserida nos debates à respeito das cidades criativas, que ganham cada vez mais destaque no Brasil e no mundo para que esse conceito, ainda emergente, não seja utilizado apenas como discurso político para atrair empresas e investimentos para as cidades, mas para que haja realmente uma melhoria na qualidade de vida das pessoas, através da busca de soluções inovadoras para os problemas urbanos.

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