DA LUTA CONTRA A ALCA A CONSOLIDAÇÃO DA ALBA-TCP: Disputa de modelos de integração latino-americana

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DANILO FAGUNDES ERICK BEZERRA

DA LUTA CONTRA A ALCA A CONSOLIDAÇÃO DA ALBA-TCP: Disputa de modelos de integração latino-americana

Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História apresentado ao Instituto Sumaré de Educação Superior, ISES, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em História.

Orientador: Leno

São Paulo 2015 1

FAGUNDES e BEZERRA, Danilo e Erick Da luta contra a ALCA a consolidação da ALBA-TCP: disputa de modelos de integração latino-americana. – São Paulo, 2015. Trabalho de conclusão de curso (TCC), para obtenção parcial de grau de Licenciado em História. – ISES. Faculdade Sumaré. Curso de Licenciatura em História, 2015. 1.Bolivarianismo 2.Neoliberalismo 3.Integração 4.América Latina.

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DANILO FAGUNDES ERICK BEZERRA

DA LUTA CONTRA A ALCA A CONSOLIDAÇÃO DA ALBA-TCP: Disputa de modelos de integração latino-americana

Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História apresentado ao Instituto Sumaré de Educação Superior, ISES, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em História.

Aprovada em _____ de ___________________ de ________.

BANCA EXAMINADORA:

Nome do Professor

__________________________________

Nome do Professor

__________________________________

Nome do Professor __________________________________

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Agradecimentos

Danilo Fagundes: Agradeço primeiramente ao prof. Leno José Barata, pelos momentos de orientação, sugestões e pela paciência demonstrada durante o desenvolvimento deste trabalho. Ao prof. Gustavo Menon pelos conselhos e sugestões nos momentos de indecisão. Aos meus pais pelo apoio incondicional e auxílio nos bons e maus momentos. Ao Erick, meu camarada de jornada, pela amizade e contribuição imensa para a minha formação acadêmica. Aos colegas de classe pela amizade e companheirismo durante esses três anos.

Erick Bezerra: Agradeço, primeiramente, aos professores e professoras que somaram tanto na minha formação, não apenas acadêmica, mas também, e principalmente, pessoal. Aos professores Gustavo Menon e Felipe Henrique Gonçalves, pelos ensinamentos e inspirações no decorrer do curso, além do professor Leno José Barata, pelas orientações e sugestões, as quais tornaram possível esse trabalho. Ao Danilo, camarada a quem tanto admiro, pela facilidade de trabalhar em grupo e construir comigo o presente trabalho. À minha mãe, e toda minha família, pelo apoio e incentivo. Aos meus colegas de classe, por tantos bons momentos. Aos meus colegas de estágio na Prefeitura de São Paulo, por me trazer apoio, contribuições e conhecimentos que só as boas conversas trazem. À Priscila Souza Gyenge, por me fazer entender que estudar em nível superior não era impossível, pelo incentivo e pela ajuda na escolha do curso.

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RESUMO Este trabalho tem como objetivo confrontar dois modelos de integração na América Latina: o modelo proposto pela Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e o proposto pela Aliança Bolivariana Para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP). Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, e consequentemente de todo o bloco socialista europeu após 1991, o mundo deixou de ser dividido por dois modelos econômicos (o capitalismo de mercado e o socialismo de economia planificada pelo estado) e passou a ver a hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA) com a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A primeira década dessa hegemonia foi marcada pelo avanço do neoliberalismo (onde os países reduzem drasticamente o papel do estado na condução da economia e privatizam grande parte dos setores estratégicos, como telecomunicações, financeiros e energéticos) não apenas nas ex-repúblicas socialistas, mas também em outras regiões do mundo, inclusive na América Latina. Logo, a ALCA surge como projeto que visava consolidar essa hegemonia e acelerar o processo de liberação da economia dos países americanos. Entretanto, nas décadas posteriores essa hegemonia, depois de levar grande parte do continente à crise econômica e social, passou a ser contestada, refletindo nos processos eleitorais de diversos países da América Latina como Venezuela, Equador, Brasil, Argentina e Bolívia, onde candidatos que se apresentavam como opositores desse modelo econômico se elegeram. Os governantes desses países passaram a ver na integração regional uma defesa contra a ofensiva dos países do capitalismo central, principalmente dos EUA, no controle de suas respectivas economias. A partir daí, novos modelos de integração regional surgiram, como o bolivarianismo, originando uma forte disputa de ideias econômicas e ideológicas no continente. Ideias essas que ganham ou perdem força de acordo coma estabilidade social e econômica da região.

Palavras-chaves: Bolivarianismo; Neoliberalismo; Integração; América Latina.

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RESUMEN Este estudio tiene como objetivo comparar dos modelos de integración en América Latina: el modelo propuesto por el Área de Libre Comercio de las Américas (ALCA) y lo propuesto por la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América - Tratado de Tratado de Comercio de los Pueblos (ALBA-TCP) . Desde la caída del muro de Berlín en 1989, y como consecuencia de todo el campo socialista europeo después de 1991, el mundo ya no se divide por dos modelos económicos (capitalismo de mercado y el socialismo de economía planificada por el estado) y vino a ver la hegemonía de los Estados Unidos de América (EE.UU.), con la caída de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). La primera década de esta hegemonía fue marcada por el avance del neoliberalismo (donde los países reducen drásticamente el papel del Estado en la conducción de la economía y ocorre la privatización de gran parte de los sectores estratégicos como las telecomunicaciones, financiero y energía), no sólo en las antiguas repúblicas socialistas, sino también en otras regiones del mundo, incluyendo en América Latina. Por lo tanto, el ALCA se presenta como un proyecto dirigido a la consolidación de la hegemonía y acelerar la liberación de la economía de los países americanos. Sin embargo, en las décadas siguientes esta hegemonía, después de tomar gran parte del continente a la crisis económica y social, se ha convertido impugnada, lo que refleja en los procesos electorales de varios países latinoamericanos como Venezuela, Ecuador, Brasil, Argentina y Bolivia, donde los candidatos presentado a sí mismos como los opositores de este modelo económico fueron elegidos. Los gobernantes de estos países han llegado a considerar la integración regional una defensa contra la ofensiva de los países capitalistas centrales, especialmente los EE.UU., en el control de sus economías. Desde entonces, los nuevos modelos de integración regional surgieron como bolivarianismo, creando una fuerte competencia económica e ideológica de las ideas en el continente. Ideas que ganan o pierden fuerza según el coma la estabilidad social y económica de la región. Palabras claves: Bolivarianismo; Neoliberalismo; Integración; América Latina.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALADI: Associação Latino-Americana de Integração ALALC: Associação Latino-Americana de Livre Comércio

ALCA: Área de Livre Comércio das Américas ALBA - TCP: Aliança Bolivariana Para os Povos da Nossa América, Tratado de Comércio dos Povos BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e Caribe CELAC: Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos CIA: Central Intelligence Agency, traduzido como Agência Central de Inteligência CLOC: Coordenadora Latino-Americana de Organizações do Campo CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNMCIOB-BS: Federación Nacional de Mujeres Campesinas Indígenas Originarias de Bolivia “Bartolina Sisa” COMECON: Council for Mutual Economic Assistance, Conselho para Assistência Econômica Mútua CONAMAQ: Consejo Nacional de Ayllus y Marcas del Qullasuyu CSUTCB: Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia CUT: Central Única dos Trabalhadores EZLN: Exército Zapatista de Libertação Nacional FMI: Fundo Monetário Internacional MBR-200: Movimiento Bolivariano Revolucionario 200 MERCOSUL: Mercado Comum do Sul MMM: Marcha Mundial das Mulheres 7

MTST: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MVR: Movimiento V República NAFTA: North American Free Trade Agreement, NTN24: Nuestra Tele Noticias OEA: Organização dos Estados Americanos OMC: Organização Mundial do Comércio ONU: Organização das Nações Unidas OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte PSUV: Partido Socialista Unido de Venezuela RCTV: Radio Caracas Televisión TELESUR: Televisión del Sur TPP: Trans-Pacific Partnership UNASUL: União das Nações Sul-Americanas UNE: União Nacional dos Estudantes URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Subcomandante Marcos discursa na Cidade do México,2006 ............................... 21 Figura 2- Faixa no estádio José Maria Minella, durante reunião da III Cúpula dos Povos, 2005. ........................................................................................................................................ 32 Figura 3- Militantes lotam estádio José Maria Minella na III Cúpula dos Povos, Mar del Plata, 2005 .............................................................................................................................. 33 Figura 4- Chávez discursa na III Cúpula dos Povos, no estádio José Maria Minella em Mar del Plata, 2005. ........................................................................................................................ 33 Figura 5- Henrique Capriles invadindo a embaixada cubana durante golpe de estado de 2002 ................................................................................................................................................. 49 Figura 6- Gráfico que representa a variação do número das exportações na América Latina para EUA, União Europeia e China. ...................................................................................... 56 Figura 7- Gráfico que representa a variação do número das importações na América Latina para EUA, União Europeia e China. ...................................................................................... 57 Figura 8- Mapa de Localização Geográfica dos Blocos ....................................................... 69

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“Dias sombrios aguardam a America Latina. É preciso bater forte, constantemente, no lugar onde dói. Não é preciso deslizar para trás, mas sim avançar

rigorosamente,

respondendo

a

cada

agressão por uma pressão ainda mais forte das massas populares. Esse é o caminho da vitória.”

(Ernesto “Che” Guevara) 10

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13 Capítulo 1: Fim da História? A ALCA como tentativa de consolidação do neoliberalismo pós-Guerra Fria..................................................................................................................... 17 1.1

Objetivos e Princípios Gerais da ALCA .................................................................... 17

1.2

NAFTA: Uma prévia da ALCA e das consequências do livre comércio aos países

“subdesenvolvidos” ................................................................................................................. 18 1.3

Exército Zapatista de Libertação Nacional: A primeira grande resposta .................... 20

1.4

Anos 90: A onda dos governos neoliberais e o avanço das negociações da

ALCA...................................................................................................................................... 22 1.5

A crise do fim do século, a eleição de Chávez e a guinada à esquerda na América

Latina.................................................................................................................................... 1.6

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Movimentos sociais e a derrota da ALCA ............................................................... 29

Capítulo 2: ALBA e a integração cooperativa na América Latina .................................. 34 2.1

A nova alvorada traz a luz do fim do isolamento ....................................................... 35

2.2

O petróleo como combustível da integração .............................................................. 39

2.3

O Tratado de Comércio dos Povos e o papel indígena ............................................... 40

2.4

ALBA-TCP cresce e se fortalece ............................................................................... 41

2.5

Novas alternativas: UNASUL e CELAC contra OEA ............................................... 44

2.6

Dificuldades e Conquistas .......................................................................................... 45

Capítulo 3: O Império Contra-Ataca: O avanço da direita e os novos desafios ............. 47 3.1

O golpe de 2002 na Venezuela ................................................................................... 48

3.2

A Aliança do Pacífico ................................................................................................ 50

3.3

Telesur X NTN24 e cia.: Guerra Fria via satélite ....................................................... 51

3.4

Soberania, pero no mucho: a presença chinesa ........................................................... 55 11

3.5

Operação Condor nos bastidores ................................................................................. 60

3.6

Crise dos governos progressistas? ............................................................................... 63

3.7

A ALBA-TCP, e a integração latina americana, sem Hugo Chávez ........................... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 73

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INTRODUÇÃO A América Latina passou por grandes transformações nas ultimas décadas. O continente, marcado pela gritante desigualdade social, serviu para as políticas neoliberais tanto como cobaia, como o caso do Chile governado por Augusto Pinochet entre 1973 e 1985, quanto como prova de consolidação, com diversos governos alinhados aos EUA durante os anos 90. O impacto dessas políticas neoliberais acabou sendo nefasto para o continente latino americano. Após uma breve vitória contra a inflação, causada pela dolarização da moeda em alguns países (como o Equador, por exemplo), ou da equiparação do valor da moeda nacional ao dólar (como no Brasil, onde o Real foi criado com valor indexado a moeda norte americana), os índices sociais passaram a piorar, o desemprego aumentou e a inflação voltou a crescer. A maioria dos países do continente viu suas principais riquezas naturais serem usurpadas por empresas estrangeiras, além de ter seu mercado inundado por produtos importados e sua exportação prejudicada, uma vez que a moeda nacional valia o mesmo que o dólar, barateando a importação, encarecendo as exportações e prejudicando seriamente a produção interna. O desemprego logo disparou, assim como os índices de pobreza. Como solução para esses problemas, os governos do continente recorreram aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), causando enorme dívida externa. Para economizar verba, os serviços públicos, como saúde, educação e transporte, foram sucateados para empurrar a população para os serviços privados. Durante o avanço desses problemas, a solução proposta pelos EUA, maior economia do continente e do mundo, era a ALCA, projeto que integraria a economia de todos os países do continente, com exceção de Cuba. A promessa era que, com a queda das barreiras alfandegárias, o livre comércio entre os países naturalmente geraria riquezas e todos sairiam ganhando. A competição entre as empresas garantiria preços baixos e produtos de qualidade para todo o continente. Ou seja, a solução proposta para combater as dificuldades dos países era maximizar as causas dessas dificuldades. Alguns governantes, como Fernando Henrique Cardoso, discordavam de alguns pontos do projeto, mas não do projeto em si. Entendiam que os EUA

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tirariam vantagens do acordo, uma vez que se recusavam a tirar o protecionismo de uma das únicas áreas em que teriam desvantagem: o setor agrícola. Enquanto o projeto da ALCA era debatido, a situação da América Latina ia piorando, e seus governantes começavam a mudar na virada do século XX para o século XXI. Se o projeto já encontrava dificuldades com governantes simpáticos ao neoliberalismo, quando presidentes que se declaravam contrários, como Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula Da Silva, são eleitos, o projeto emperrou de vez. A crítica agora não era mais pontual, mas a todo o projeto. A ALCA foi engavetada após grandes mobilizações populares por todo o continente, inclusive nos EUA e Canadá, os dois países que teriam mais vantagens com o projeto. A união entre os presidentes de Brasil, Argentina, Uruguai e Venezuela, apoiados por Cuba, foi fundamental para evitar que o projeto fosse concretizado. A derrota da ALCA foi um marco para a América Latina, que passou a tentar novas ferramentas de integração econômica, política e cultural. Uma dessas ferramentas foi o projeto criado por Venezuela e Cuba, a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), que surgiu como alternativa à ALCA e seus valores de competição. A ALBA traz como valores a cooperação entre os países, não apenas no âmbito econômico, mas também cultural e informativo, além do repúdio ao neoliberalismo. Sendo criada pela política de relações exteriores de Hugo Chávez, começou com uma aliança com Cuba, onde se trocava petróleo por serviços na área da saúde e educação. Com o passar dos anos, outros países passaram a integrar o bloco, como Bolívia, Equador e Nicarágua e algumas ilhas do Caribe. Esse embate, ALCA versus ALBA é característico da composição da América Latina, remontando ao debate entre a Doutrina Monroe, de 1823, que previa a “América para os americanos estadunidenses” e o Congresso Anfictônico - modelo de encontro entre vários países latino-americanos e caribenhos, idealizado por Simon Bolívar, que objetivava construir a unidade política, econômica e social da América em 1826. Outras formas de integração política surgiram como a União das Nações SulAmericanas (UNASUL) e a Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos

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(CELAC), que viraram alternativas a Organização dos Estados Americanos (OEA), marcada pela forte influência dos EUA e Canadá. Todas essas alternativas de integração acabaram mudando o debate político no continente. O termo “bolivarianismo”, que remete à imagem de Simón Bolívar, libertador de vários países sul-americanos, passou a ser reivindicado por alguns governantes e militantes e rechaçado pela grande imprensa. Defensores do neoliberalismo perderam prestígio, e atualmente tentam voltar a protagonizar o cenário político com as dificuldades enfrentadas pelos governos progressistas.

Nesse contexto, surgem novas questões: os países da América Latina estão devidamente integrados? o neoliberalismo foi enterrado junto com a ALCA? A América Latina conseguiu se livrar da imposição dos EUA? Os páises do contintente conseguiram conquistar sua soberania? O ciclo de governos progressistas está se esgotando? O presente estudo trará essas questões com amparo teórico nas obras de Boron (2008), Mariátegui (2007), Seabra (2014) e Marx (2007). No decorrer do trabalho, utilizamos com frequência a Enciclopédia Contemporânea da América Latina e Caribe, além de matérias de diversos portais de notícias. No primeiro capítulo serão examinadas as propostas da ALCA e as consequências das políticas neoliberais na sociedade latino-americana. Serão analisados os documentos oficiais da ALCA, os argumentos favoráveis e contrários ao livre comércio, as consequências das políticas neoliberais e sua crise, além das mobilizações populares e a chegada de Hugo Chávez ao governo na Venezuela. Para cumprir esse objetivo, serão estudados autores que interpretam a realidade econômica e social na América Latina, como Bandeira (2002), Batista Jr. (2003) e Borges (2005), além de discursos públicos de Hugo Chávez. O segundo capítulo discutirá a resposta dos governos considerados progressistas às políticas neoliberais e os projetos de integração proposto por Hugo Chávez, através da UNASUL, CELAC e ALBA-TCP, com maior foco na última. Será analisado o avanço da ALBA-TCP, o papel do petróleo, a participação indígena, as dificuldades e desafios do bloco, além do ideal da unidade latino-americana. Logo, traremos os documentos oficiais da ALBATCP para a análise, além de autores que discutem a integração, soberania e luta contra o

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neoliberalismo e pelo socialismo na América Latina, tais como Bolívar (1999), Galeano (2010), Mariátegui (2007) e Boron (2008). Por fim, o terceiro capítulo trará um balanço dos governos progressistas na última década, os resultados das políticas anti-neoliberais, debaterá a redução da influência dos EUA no continente e a resposta dos setores que defendem o livre mercado, além das consequências da morte de Hugo Chávez. Para dar respaldo a essas análises, serão utilizados dados fornecidos pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), bem como especialistas na recente história venezuelana e latino-americana, como Seabra (2014) e Farinelli (2015). Em resumo, será discutido o que foi o neoliberalismo e o que poderia ser a ALCA para a América Latina, a influência que Hugo Chávez exerceu no continente, o avanço da integração latino-americana e os resultados dessa integração. Pretendemos ressaltar que essa integração não está consolidada e que, de acordo com os resultados eleitorais e econômicos, o neoliberalismo tão defendido pelos EUA pode retornar ao continente.

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Capítulo 1: Fim da História? A ALCA como tentativa de consolidação do neoliberalismo pós-Guerra Fria Em 1992, o sociólogo ianque Francis Fukuyama afirma, em seu livro “O fim da história e o último homem”, que a derrocada do socialismo significava a vitória definitiva do sistema democrático liberal do ocidente. A queda do muro de Berlim e o desmembramento da URSS, no fim dos anos 80 e começo dos anos 90, mudou o panorama econômico e geopolítico global, desencadeando uma forte ofensiva das políticas neoliberais. Nesse contexto, auxiliado pela recente redemocratização de diversos países da América Latina, os Estados Unidos da América não perderam tempo e logo começaram a se movimentar para derrubarem as barreiras alfandegárias e protecionistas do restante do continente americano. Em 1994, o então presidente Bill Clinton se reúne na Primeira Cúpula das Américas, em Miami, com os 34 presidentes dos países americanos (Cuba, por sua orientação política/ideológica fica de fora) e formaliza o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA (ou, em inglês, FTAA – Free Trade Area of the Americas), que englobaria a economia do continente.

1.1

Objetivos e Princípios Gerais da ALCA A ALCA teria como objetivos, entre outros, eliminar as barreirar alfandegárias, criar

uma área de livre mercado e integrar os países da América através do comércio, e que fosse implantada até o ano de 2005. Esses objetivos são anunciados já na Declaração de Princípios (1994), assinada pelos Chefes de Estado e de Governo participantes da Primeira Cúpula das Américas:

Nosso progresso econômico contínuo depende de políticas econômicas adequadas, de um desenvolvimento sustentável e de setores privados dinâmicos. A chave para a prosperidade é o comércio sem barreiras, sem subsídios, sem práticas desleais e com fluxo crescente de investimentos produtivos. A eliminação de obstáculos ao acesso ao mercado de bens e serviços entre os nossos países promovera nosso crescimento econômico. [...] O livre comércio e a integração econômica são fatores essenciais para elevar os padrões de vida, melhorar as condições de trabalho dos povos das Américas e proteger melhor o meio ambiente. [...] Resolvemos, portanto, começar imediatamente a construir a "Área de Livre Comercio das Américas" (ALCA), na qual as barreiras ao comércio e ao investimento serão progressivamente eliminadas. Resolvemos ainda 17

concluir as negociações da "Área de Livre Comércio das Américas" o mais tardar até 2005 e concordamos em que até o fim deste século será feito progresso concreto para a realização deste objetivo. (DECLARAÇÃO DE MIAMI, 1994)

O Plano de Ação da ALCA se concentraria em torno de quatro pontos:

I.Preservação fortalecimento da comunidade de democracias das Américas; II. Promoção da prosperidade por meio da integração econômica e do livre comércio; III. Erradicação da pobreza e da discriminação no nosso hemisfério; IV. Garantia do desenvolvimento sustentável e conservação do nosso meio natural para as gerações futuras (DECLARAÇÃO DE MIAMI, 1994).

Porém, o grande foco da ALCA sempre foi a parte comercial, visando expandir ainda mais as fronteiras do mercado do país criador: os Estados Unidos da América. Essa integração dos mercados colocaria em concorrência a produção de países de todas as dimensões econômicas, desde grandes economias como do Canadá e dos próprios EUA, como pequenas economias como Paraguai e El Salvador. Em relação a esse fato, a ALCA ressalta que “à medida que trabalharmos para estabelecer a "Área de Livre Comércio das Américas", serão proporcionadas oportunidades, como assistência técnica, a fim de facilitar a integração de economias menores e elevar o seu nível de desenvolvimento.”(Plano de Ação, 1994). Com essas palavras, a ALCA tentava responder uma das principais questões de seus críticos: como colocar no mesmo patamar e em concorrência economias de tamanhos e dinâmicas tão diferentes?

1.2

NAFTA: Um esboço da ALCA e das consequências do livre comércio aos países

“subdesenvolvidos” A ideia da ALCA já nasceu sob críticas de setores progressistas e populares da sociedade, com a inevitável comparação com outro projeto de integração de livre comércio: o North American Free Trade Agreement, conhecido pela sigla NAFTA (traduzido como Tratado Norte-Americano de Livre Comércio). Se questionava os efeitos que ocorreriam nas economias menos desenvolvidas, e no caso do NAFTA o México se encontrava muito aquém de Canadá e EUA em indicadores sócio econômicos. 18

Criado em 1992, e iniciado em 1994, o bloco econômico criou uma área de livre comércio entre os 3 países da América do Norte: Canadá, Estados Unidos da América e México. Era a primeira vez que um bloco econômico unia países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Alguns analistas destacavam as vantagens do aumento das cifras do comércio entre os países, enquanto outros criticavam o fato de que, para eles, o México acabava ficando em desvantagem por não conseguir concorrer com as duas maiores economias do continente, além de não resolver a crise migratória, uma vez que, ao contrário da União Europeia, a livre circulação se resumia aos produtos e não as pessoas. Castañeda (2014) destaca que as exportações mexicanas passaram de 60 bilhões de dólares em 1994 para quase 400 bilhões em 2013, e que a facilidade das importações derrubou preços de bens de consumo, o que denomina como “efeito Wal-Mart”. Wadgymar (2014) critica o tratado por considerar que seus benefícios ficam com as empresas transnacionais, que ficam com 80% do total das exportações mexicanas. Blanch (2013) vai além: afirma que o NAFTA espalha a fome, que mais de 2 milhões de camponeses tiveram que abandonar suas terras pelo baixo preço de seus produtos, e critica a dominação das empresas transnacionais no setor alimentício. O cubano denuncia ainda que “Várias fontes de trabalho desaparecem pela compra e concentração de terras por essas companhias, e pela utilização de novas técnicas industriais na agricultura.” e que hoje o México é mais dependente da importação dos alimentos: “Se antes do Nafta o país gastava 1,8 bilhões de dólares com importação de alimentos, agora investe 24 bilhões com a alta dependência de soja, 95%; arroz, 80%; milho, 70 %; trigo, 56 % e feijão, 33 %.”. O impacto dessas medidas, de acordo com BLANCH (2013), é que nos próximos anos o México deverá importar até 80% dos alimentos, principalmente dos EUA. Além desses problemas, com a implantação do NAFTA, o México passou por uma grave crise cambial. O valor do peso, a moeda mexicana, caiu pela metade em um único mês, aumentando drasticamente a dívida privada, uma vez que os empréstimos em dólar acabaram dobrando de valor1. As consequências do NAFTA para o México ainda causam controvérsias. Apesar de alguns postos de trabalho se transferirem dos EUA e Canadá para o México, o salário não foi valorizado, chegando a ser menor do que antes do tratado, com diminuição de até 30%.; caiu o número de assalariados de 73% para 61,2%; 28 mil pequenas empresas faliram; o custo de 1

FRIEDEN, Jeffry. Capitalismo Global- História econômica e política do século XX. Zaha, 2008, pág. 575.

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vida aumentou até 274%; o crescimento registrado no México foi de aproximadamente metade da média registrada na América Latina; a taxa de pobreza pouco se alterou, ficando em 52% da população, com mais de 8 milhões de pessoas de classe média caindo na pobreza; sendo que o México apresentou também uma média de redução bem abaixo do restante do continente. O tratado falhou ainda na contenção da emigração dos mexicanos para os EUA, e o período entre 1994 e 2000 registrou um aumento de 79% das emigrações2. O NAFTA não conseguiu ainda trazer o esperado desenvolvimento para o México, inclusive causando novos problemas sociais. Era o início de uma nova onda de insatisfação no país.

1.3

Exército Zapatista de Libertação Nacional: A primeira grande resposta O primeiro dia de 1994 foi a data da promulgação do NAFTA, e, não por coincidência,

também foi a data da sublevação de camponeses e indígenas que se opunham firmemente ao acordo de livre comércio. Sob a denominação de EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), esse movimento armado do estado de Chiapas surge como um dos primeiros grandes movimentos na América Latina que se opõe ao sistema de livre comércio, ou neoliberalismo. Essa oposição fica evidente já no primeiro parágrafo de um dos primeiros textos redigidos por Subcomandante Marcos, principal porta-voz do EZLN:

Durante los últimos años el poder del dinero ha presentado una nueva máscara encima de su rostro criminal. Por encima de fronteras, sin importar razas o colores, el Poder del dinero humilla dignidades, insulta honestidades y asesina esperanzas. Renombrado como «Neoliberalismo», el crimen histórico de la concentración de privilegios, riquezas e impunidades, democratiza la miseria y la desesperanza. (Primera Declaración de La Realidad, 1996).

Nesse mesmo texto, Subcomandante Marcos convida ainda todas as pessoas contrárias ao neoliberalismo a participar do “Encuentro Intercontinental por la Humanidad y Contra el Neoliberalismo”, que acabou ocorrendo em julho de 1996 em Chiapas, que contou com a 2

NAFTA. IN: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, pág. 843-844.; LEFEBVRE, Stephan; SAMMUT, Joseph; WEISBROT, Stephan. ¿El TLCAN ayudó a México? Una valoración tras 20 años. Washington D.C.: Center for Economic and Policy Research, 2014, pág. 01

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participação de intelectuais, sindicalistas, movimentos sociais e cidadãos dos 5 continentes. O discurso inaugural, da Major Ana María, serviu tanto para apresentar o EZLN quanto para retificar o repúdio ao neoliberalismo:

Nosotros somos el Ejército Zapatista de Liberación Nacional. Durante 10 años estuvimos viviendo en estas montañas, preparándonos para hacer una guerra.Dentro de estas montañas construimos un ejército. abajo, en las ciudades y en las haciendas, nosotros no existíamos. nuestras vidas valían menos que las máquinas y los animales. éramos como piedras, como plantas que hay en los caminos. no teníamos palabra. no teníamos rostro. no teníamos nombre. no teníamos mañana. nosotros no existíamos. Para el poder, ése que hoy se viste mundialmente con el nombre de "neoliberalismo", nosotros no contábamos, no producíamos, no comprábamos, no vendíamos. Éramos un número inútil para las cuentas del gran capital. (Encuentro Intercontinental por la Humanidad y Contra el Neoliberalismo, 1996)

Os zapatistas logo conquistaram a simpatia de ativistas de todos os lados do planeta e, mesmo com a opressão do governo mexicano, ainda hoje controlam um território autônomo em grande parte do estado de Chiapas.

Figura 1: Subcomandante Marcos discursa na Cidade do México, 2006.

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Fonte: Magis, 20143

1.4

Anos 90: A onda dos governos neoliberais e o avanço das negociações da ALCA

Os anos 90 do século XX foram anos de políticas neoliberais em quase todo território latino americano. Marcada por presidentes como Carlos Menem na Argentina, Rafael Caldera na Venezuela, Jamil Mahuad no Equador e Fernando Henrique Cardoso no Brasil, a década de 90 foi repleta de luta contra a inflação, privatizações e abertura da economia para capitais estrangeiros. Observando o grande número de presidentes favoráveis à liberação dos mercados, os EUA começam a mostrar pressa para que se avançasse as negociações, inclusive com a chefe do escritório de comércio, Charlene Barshefsky, já no início de 1997, pedindo ao Congresso “autonomia para negociar acordos comerciais e acelerar a Alca, No discurso, chama o Mercosul de „mercadinho‟”. Ainda, O subsecretário para Assuntos Econômicos do Departamento de Estado, Stuart Eizenstat, aproveita um encontro na Suíça para exigir do Brasil uma abertura comercial mais acelerada. (CRONOLOGIA ALCA, Veja On-Line, 2003)

Entre 1994 e 1998, foram realizadas quatro Reuniões Ministeriais para que fossem discutidos os rumos do projeto. Mas foi na Terceira Reunião, realizada na cidade de Belo Horizonte em 1997, onde alguns dos principais pontos foram decididos: as decisões deveriam ser tomadas em consenso; a ALCA poderia coexistir com acordos bilaterais e sub-regionais (como o MERCOSUL); seria compatível com os acordos da Organização Mundial do Comércio; os países poderiam negociar individualmente ou em grupo; além da necessidade de dar atenção especial às economias menores, para garantir suas plenas participações no projeto. Na segunda Cúpula das Américas, realizada na capital do Chile, as negociações foram oficializadas. Depois das discussões, foi lançado o texto da Declaração de Santiago (2º CÚPULA DAS AMÉRICAS, Santiago, 1998,) assinado pelos chefes de estado. Destacamos algumas partes:

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Disponível em . Acesso em 28/11/2015

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Nós, os Chefes de Estado e de Governo dos países das Américas eleitos democraticamente, reunimo-nos em Santiago, Chile, a fim de continuar o diálogo e fortalecer a cooperação que iniciamos em Miami em dezembro de 1994. [...] Desde nossa reunião em Miami, testemunhamos benefícios econômicos reais nas Américas, resultantes do comércio mais aberto, da transparência dos regulamentos econômicos, das políticas econômicas sólidas e baseadas no mercado, e dos esforços, por parte do setor privado, para aumentar sua competitividade.[...] A globalização oferece grandes oportunidades para o progresso de nossos países e abre novos campos de cooperação para a comunidade hemisférica. Não obstante, pode também levar a um aumento das diferenças entre os países e no interior de nossas sociedades. Com firme determinação de aproveitar os benefícios e de enfrentar os desafios da globalização, daremos especial atenção aos países e aos grupos sociais mais vulneráveis de nosso Hemisfério.[...] Reconhecendo a importância das instituições hemisféricas e o papel positivo que têm cumprido, particularmente a Organização dos Estados Americanos (OEA), instruímos nossos respectivos Ministros a examinarem a forma de fortalecer e modernizar essas instituições. Reiteramos nossa vontade de continuar aprofundando o diálogo e a cooperação inter-hemisférica no marco de amizade e solidariedade que anima nossas nações. (DECLARAÇÃO DE SANTIAGO, 2º Cúpula das Américas, 1998).

A declaração aponta um grande foco no papel do setor privado, da integração concentrada no comércio e inclusive no papel da OEA, que será discutida mais adiante. Além disso, foram estabelecidos nove grupos de negociação: acesso a mercados; investimentos; serviços; compras governamentais; solução de controvérsias; agricultura; propriedade intelectual; subsídios, antidumping4 e direitos compensatórios; e políticas de concorrência. Batista Jr. (2003) questionava o andamento desses grupos de negociação, às quais destacamos três: compras governamentais, que poderia restringir a ação dos governos nacionais, estaduais e/ou municipais de desenvolver a economia local e gerar empregos, já que, qualquer fornecedor de bens e serviços de um outro país da Alca receberia o mesmo tratamento que os fornecedores do país, não havendo evidentemente a obrigação de conceder tratamento não-discriminatório aos bens, serviços e fornecedores de países não pertencentes à Alca. Também ficaria proibida a incorporação, nesses contratos, de cláusulas que 4

O dumping é a prática de exportar um produto a preço inferior ao praticado no mercado interno do país exportador com o objetivo de conquistar mercados ou dar vazão a excessos de produção. Conceito disponível em < http://www.abimaq.org.br/site.aspx/Antidumping>. Acesso em 28/11/2015

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estabeleçam níveis de conteúdo doméstico ou índices de nacionalização, licenciamento de tecnologia, compromissos de investimento e outros requisitos que "distorçam" o comércio (BATISTA JR, 2003)

ou seja, uma escola municipal que queira, por exemplo, comprar alimentos da merenda de um pequeno produtor de sua cidade, só o faria caso esse produtor vencesse a concorrência contra determinada empresa (ou empresas) alimentícia de quaisquer outros países; propriedade intelectual, já que a proposta dos EUA

inclui proteção rigorosa do copyright, das patentes, de segredos comerciais, de marcas comerciais e de indicações geográficas. A idéia central é garantir dentro da Alca o máximo de proteção para atividades tradicionalmente dominadas pelos norte-americanos, que respondem pelo grosso das inovações, patentes e marcas. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, ao contrário, interessa evitar que regras excessivamente generosas de proteção da propriedade intelectual dificultem ou até impeçam a difusão do progresso técnico. Os EUA pretendem, por exemplo, limitar as circunstâncias em que os países da Alca poderão recorrer ao licenciamento compulsório, isto é, à utilização de um produto ou processo patenteado sem o consentimento do detentor da patente. Querem, também, que indicações geográficas compostas de palavras, letras, números, elementos figurativos e mesmo de combinações de cores sejam consideradas marcas comerciais. (BATISTA JR, 2003)

assim, os EUA poderiam preservar suas vantagens no conhecimento técnico e know-how; e, enfim, serviços, já que

Os EUA são, por larga margem, os maiores exportadores de serviços do mundo. Nessa área em que as suas empresas são geralmente muito competitivas, os EUA querem que a Alca assegure amplo acesso a mercados para serviços financeiros, telecomunicações, informática, serviços audiovisuais, construção e engenharia, turismo, publicidade, serviços de entrega rápida, serviços profissionais (arquitetos, engenheiros, contadores etc.), serviços de distribuição (atacado, varejo e franchising), certos serviços de transporte, serviços de energia e serviços relacionados à atividade industrial, entre outros. (BATISTA JR., 2003)

dessa maneira, os EUA garantiriam vantagem competitiva em um dos principais setores de sua economia: a área de serviços. Ainda, resume seu descontentamento com o rumo que as conversas da ALCA seguiam:

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Com o passar do tempo, vai ficando mais claro que a Alca não chega a ser propriamente uma negociação. Talvez seja mais apropriado considerá-la uma espécie de contrato de adesão, formulado segundo as prioridades dos Estados Unidos e os interesses de suas corporações (BATISTA JR., 2003)

Com o avanço das negociações, surgiram os primeiros desentendimentos públicos. No discurso de abertura da 3ª Cúpula das Américas, realizada em abril de 2001 na cidade canadense de Quebec, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, questiona as políticas de barreiras não-tarifárias e de antidumping, evidenciando uma divergência entre Brasil e EUA sobre a legislação do país norte americano em relação aos subsídios concedidos aos seus produtos agrícolas, além da lei antidumping, que dificultariam o livre acesso dos produtos brasileiros por lá. O conflito de interesses entre EUA e os demais países começava a ficar evidente. A implantação da ALCA não limitava a liberação do comércio: representava também a mudança tributária na região, tirava a autonomia das compras governamentais, ampliava as fronteiras de suas corporações maximizarem seus lucros à custa de mão-de-obra barata e, ao contrário do que pregavam, não se propunham a liberar seu próprio mercado para os produtos que países como Brasil e Argentina apresentavam vantagens, como no setor agrícola. Entretanto, a preocupação dos governos não se resumia às negociações da ALCA. Apesar do projeto ainda não ter sido concluído, a política neoliberal já era praticada em grande escala no continente americano. Brasil, Argentina e México, as três economias mais importantes da América Latina, passavam por processo de privatizações, desnacionalização da economia e grande entrada de capital estrangeiro. Setores estratégicos da economia, como telecomunicações, transportes, bancário e energéticos, passavam para as mãos privadas dos EUA ou de países europeus. Com o valor de suas moedas atreladas ao dólar, a exportação foi prejudicada, já que seus produtos ficaram caros para o mercado exterior; e a facilidade e o baixo custo da importação provocou uma inundação de produtos estrangeiros em seus mercados, prejudicando a competividade de produtores internos. Esses fatores, combinados a outros, começavam a levar a problemas econômicos, e, consequentemente, ao questionamento sobre o sistema econômico vigente. A confiança na economia de mercado e a euforia dos neoliberais, comuns no começo da década com o fim do chamado Socialismo Real, deu lugar à preocupação com a 25

insatisfação popular na maioria dos países do continente. Os problemas econômicos, juntamente com a impopularidade da ALCA, dariam origem à uma nova onda de mobilizações populares, que escreveriam um novo capítulo na história do continente.

1.5

A crise do fim do século, a eleição de Chávez e a guinada à esquerda na América

Latina A propaganda pró-livre mercado no fim dos anos 90 não era tão sedutora quanto era no começo da década. Diversos países do continente, inclusive as maiores economias, enfrentavam problemas como disparo da dívida pública, aumento da inflação, crescimento da pobreza e do desemprego, principalmente aqueles que aderiram aos programas de ajustes estruturais promovidos por agências multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na Argentina, apesar de ter conseguido uma taxa de crescimento econômico e controlar a inflação no início de seu mandato, o então presidente Carlos Menem, que governou entre 1989 e 2000, enfrentava no fim do mandato uma grave crise econômica, com sua dívida externa que equivalia quase metade do PIB do país. Seu sucessor, Fernando De La Rúa, se viu obrigado a aumentar impostos, cortar orçamentos e aceitar o empréstimo no valor de US$ 7, 4 bilhões do FMI. Com a crise financeira internacional, que não tardou a chegar no Brasil, seu principal parceiro comercial, a Argentina acabou suspendendo o pagamento da dívida externa. Essa crise levou a queda do presidente. No Brasil a situação era semelhante: a balança comercial apresentava saldos negativos entre 1996 e 2000, a dívida externa dobrou e entre 1990 e 2000, chegando ao valor de US$ 235 bilhões, o desemprego atingia 12,2% e a pobreza 34% da população. Esse cenário se repetia nos demais países do continente: o Uruguai se encontrava em estagnação e com aumento do déficit comercial; o Paraguai passava da estagnação para a recessão, com o desemprego passando de 6% em 1995 para 15% em 1999; o Chile via sua dívida externa duplicar na década de 90, chegando aos US$ 39 bilhões e o desemprego chegar a 9%; na Bolívia a população se rebelava contra a miséria que atingia mais de 80% dos camponeses, contra o aumento das tarifas de água e contra as privatizações; o Equador, onde 70% da população se encontrava na pobreza extrema, também enfrentava grandes mobilizações populares, onde se exigia a revogação do preço dos combustíveis, que sofreram 26

aumento na tentativa de equilibrar as frágeis contas públicas; a Venezuela se encontrava em profunda crise econômica, política e social, com alta taxa de inflação e pobreza; a Colômbia enfrentava a pior recessão de sua história, com perda de US$ 14 bilhões seu PIB entre 1998 e 2001 e um crescimento da dívida externa de US$ 17, 8 em 1990 para US$ 38, 9 bilhões em 2002, valor que representava quase metade de seu PIB5. Essa crise não passaria despercebida na sociedade latino americana. Particularmente, em relação à Venezuela, o descrédito popular e a insatisfação diante dos governos tradicionais, além do anseio por uma grande mudança no contexto político venezuelano, contribuíram para a eleição de Hugo Chávez Frias, que marcaria o início de um novo capítulo na luta contra o neoliberalismo no continente. Chávez, que já tinha uma vida militar relativamente consolidada, surgiu no cenário político venezuelano em 1992, quando liderou uma operação militar que visava derrubar o então presidente Carlos Pérez. Nesse momento a Venezuela tentava juntar os cacos da tragédia conhecida como Caracazo, onde milhares de pessoas de foram massacradas na onda de manifestações contra o pacote de medidas impostas pelo FMI, que incluía aumento nas tarifas de serviços públicos como água, luz e gás, além de dobrar o preço da gasolina. Esse episódio acabou gerando uma imensa queda de popularidade do então presidente, que gozara de grande prestígio quando foi presidente nos anos 70. Captando a insatisfação popular, em 1992 Chávez e seus companheiros do grupo militar Movimiento Bolivariano Revolucionario 200, ou MBR-200 (o número 200 faz alusão ao bicentenário de nascimento de Simón Bolívar), se sublevaram em diversas unidades militares, e conseguiram cercar o palácio do governo. A ação acabou falhando, e Chávez foi condenado à prisão. Porém, no momento de sua detenção, é cercado por repórteres e assume a responsabilidade pela tentativa de golpe, pede aos outros soldados que abortem a missão e deixava claro que a derrota era parcial. A tentativa de golpe, ao invés de sujar a imagem de Chávez, o tornou uma espécie de novo herói nacional. Sua fala foi reproduzida de forma massiva nos meios de comunicação, chegando ao ponto, inclusive, de Pérez proibir esses meios de falarem de comandante bolivariano. Durante sua prisão recebeu muitas visitas e centenas de cartas enviadas pela população, e pesquisas apontavam que 64% dos venezuelanos o considerava uma pessoa confiável para governar o país. Em 1993, a situação de Pérez se tornou insustentável e, acusado por “mal uso de recursos públicos”, foi destituído do cargo. 5

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. 2002, pág. 135-144

27

Anistiado em 1994, Chávez e seus companheiros de MBR-200 passaram a viajar pelo país, se reunindo com movimentos populares para discutir a necessidade de uma mudança política no país, e inclusive de dissolver o congresso e mudar a constituição. A princípio, Chávez não pensava em participar do processo eleitoral, mas acabou mudando de ideia. Em 1997, já pensando nas eleições do ano seguinte, funda o MVR (Movimiento V República). Durante a campanha detinha em seus discursos eleitorais a pauta de combate à corrupção e pobreza, pregando uma ruptura com o sistema vigente. Em 1998 disputa as eleições contra Irene Saez, ex miss universo e ex-prefeita da cidade de Chacal, que gozava de certa popularidade, inclusive sendo reeleita. De maneira até preconceituosa, a imprensa tratava as eleições como A bela e a fera. E teve como resultado a vitória de Chávez, com 56,2% dos votos.6 É empossado em 02 de fevereiro de 1999, e traz consigo a esperança de abolir as mazelas herdadas de governos antecedentes. Em seu discurso de posse, afirma que sua eleição representa a “ressurreição de seu país e o renascimento de seu povo”, além disso, após ter realizado seu juramento sobre uma “moribunda constituição”, anuncia a convocação de um referendum para que se decidisse sobre a instalação de uma Assembléia Constituinte, com o objetivo de elaborar uma nova Carta Magna. Com a aprovação da população, é promulgada a nova constituição venezuelana que, dentre outras medidas, muda o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, e em seu primeiro artigo ressalta:

La República Bolivariana de Venezuela es irrevocablemente libre e independiente y fundamenta su patrimonio moral y sus valores de libertad, igualdad, justicia y paz internacional en la doctrina de Simón Bolívar, el Libertador. (CONSTITUIÇÃO VENEZUELANA, 1999)

A eleição de Chávez foi o marco inicial de uma guinada à esquerda na América Latina e sua influência em âmbito regional é significativa. Posteriormente, são eleitos Lula no Brasil em 2002, Néstor Kirchner na Argentina em 2003 e Tabárez Vázquez no Uruguai em 2004, presidentes que, assim como Chávez, se apresentavam como opção ao neoliberalismo e com projetos de combate a pobreza. Esses presidentes, principalmente os três primeiros, se tornariam os maiores críticos da ALCA. A partir da segunda metade dos anos 2000 surgiriam 6

JONES, Bart. Hugo Chávez – Da origem simples ao ideário da revolução permanente. São Paulo: Novo Conceito Editora, 2008, pág 214-234

28

ainda Evo Morales (Bolívia), Daniel Ortega (Nicarágua) e Rafael Correa (Equador), além de Zelaya em Honduras e Lugo no Paraguai, que sofreriam golpes de estado, presidentes que serão discutidos no capítulo dois do presente trabalho. Desses líderes de esquerda, Chávez é quem mais incorpora uma polarização com o governo norte-americano, governo este que apoiara sucessivos governantes conservadores e que não resolveram os problemas sociais e econômicos enfrentados pelos países latino-americanos. Nesta conjuntura política, com a ascensão de governos de esquerda, a critica a hegemonia dos Estados Unidos no continente se intensifica, configurando-se uma nova agenda no âmbito das relações internacionais, alimentando uma nova frente em busca da integração regional.

1.6

Movimentos sociais e a derrota da ALCA O final do século XX representou o ressurgimento das lutas sociais no continente

latino-americano. Movimentos e organizações se unificaram em protestos contra o fracasso das políticas neoliberais, sobretudo as propostas impostas pelo Consenso de Washington. Esta unificação ganhou força diante das comemorações pelos quinhentos anos de descobrimento da América em 1992 e da resistência indígena, negra e popular. Diante desse quadro de insatisfação, desabrocham os movimentos sociais como a Via Campesina, a Coordenadora Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc), a Aliança Social Continental e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Também são formadas as denominadas Redes, como o Grito dos Excluídos, Jubileu Sul e Compa – que se consolidaram em diversas campanhas contra o avanço do neoliberalismo e suas consequências. Estava acesa a chama da integração latino-americana, assim descreve Joaquim Piñero, membro do setor de Relações Internacionais do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e da Secretaria Operativa da Articulação Continental dos Movimentos Sociais:

O despertar dessas lutas históricas, conjugadas com as reivindicações mais urgentes em nossos países, afloraram a mística, o entusiasmo, a consciência política e as alianças. As mobilizações, que constituíram a base desse processo, nos deixaram importantes aprendizados. Não somente avançaram a partir da memória, resgatando o pluriculturalismo em meio ao discurso homogeneizador neoliberal do Consenso de Washington, como também nos mostraram novas formas organizativas, livres de verticalismos e hierarquias, 29

e experiências políticas e econômicas solidárias e libertadoras. (Piñero, 2012).

A luta dos movimentos sociais contribuiu consideravelmente para o despertar da consciência dos povos latino-americanos e consequentemente o apoio a governos que se opunham as políticas neoliberais. A declaração final do V Encontro Hemisférico de Movimentos Sociais, Redes e Organizações que lutam contra a ALCA, realizada em 2006 na cidade de Havana, Cuba, evidencia este fator: Este ascenso de las luchas populares está permitiendo en América Latina la llegada de gobiernos surgidos de plataformas políticas que tratan de oponerse a la hegemonía de Estados Unidos, lo que contribuye al cambio de la correlación de fuerzas que favorece la oposición al consenso de Washington (V Encontro Hemisférico de Movimentos Sociais, Redes e Organizações, 2006)

Como afirma Altamiro Borges, as constantes lutas dos movimentos sociais, aliado as divergências entre os países, insatisfeitos com as dificuldades de acesso ao mercado norteamericano, colaboraram para a derrota da ALCA:

Várias foram as razões que levaram ao revés da proposta do poderoso, mas não invencível, “império do mal”.O fator mais visível e alentador foi a pressão constante dos movimentos sociais da região. Foi ela que tornou pública, ao menos em parte, as negociatas realizadas às escondidas pelos governos da região. Ela também acuou os negociadores em centenas de protestos e confrontos de rua nos vários países latino-americanos. Deflagrados no Brasil, com a votação de mais de 10 milhões de pessoas e a ação militante de 150 mil ativistas, os plebiscitos contra a Alca se tornaram um mecanismo criativo e participativo do povo contra a investida dos EUA. A consciência antiimperialista ganhou impulso nesta batalha estratégica” (ALTAMIRO BORGES, 2005).

No Brasil, em meio a grandes manifestações, é realizado em setembro de 2002, em 3.894 municípios, um plebiscito sobre a ALCA. Mais de 10 milhões de pessoas votaram, e 98% delas eram contra a participação brasileira no bloco econômico. O plebiscito foi organizado por diversas entidades políticas e sociais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE) e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). 30

Mas não era apenas na América Latina que a população se manifestava contra a ALCA: em 2001, durante a Cúpula das Américas em Quebec, ocorreram grandes manifestações, que foram violentamente reprimidas pela polícia canadense; em 2003, em Miami, aproximadamente 20 mil trabalhadores se reuniram próximo do hotel que abrigava a cúpula ministerial da ALCA. Esses trabalhadores acusavam a ALCA de ser ainda mais nocivo que o NAFTA, citando um estudo do Economy Policy Institute, que diz que o acordo foi responsável pelo fechamento de mais de 800 mil postos de trabalho no setor industrial7. A terceira Cúpula dos Povos da América, ocorrida em paralelo à Cúpula das Américas, em Mar del Plata, Argentina, ocorrida em 04 de novembro de 2005, foi determinante para a não-implementação do projeto de integração continental estadunidense. O Estádio José Maria Minella foi o ponto de encontro dos manifestantes contrários à ALCA, e estava em um clima de euforia dos militantes, lotado e enfeitado com bandeiras do Che Guevara e com faixas com os rostos de Fidel Castro, Hugo Chávez, Lula, Néstor Kirchner e Tabárez Vázquez.

Figura 2: Faixa no estádio José Maria Minella, durante reunião da III Cúpula dos Povos, 2005

Fonte: Progreso Semanal, 20148

7

TRABALHADORES DOS EUA PROTESTAM CONTRA ALCA, disponível em Acesso em 28 de setembro de 2015. 8 Disponível em . Acesso em 28/11/2015.

31

Figura 3: Militantes lotam estádio José Maria Minella na III Cúpula dos Povos, Mar del Plata, 2005

Fonte: Argentina Indymedia, 20059

O presidente venezuelano, na companhia do então candidato boliviano Evo Morales e da estrela Diego Maradona, se mostra empolgado, seguro e determinado, como se usasse a energia de todos aqueles militantes presentes como combustível, e expressava: Nós, camaradas, companheiros, amigas, amigos todos, viemos aqui hoje para muitas coisas, para caminhar, marchar, saltar, cantar, gritar, lutar; porém, entre tantas coisas das que hoje viemos fazer aqui em Mar del Plata hoje, e cada um de nós trouxe uma pá, uma pá de coveiro, porque aqui em Mar del Plata está a tumba da Alca. (CHÁVEZ, 2005)

Depois, sob gritos de euforia, Chávez gritaria palavras que entrariam pra história das lutas sociais, rapidamente acompanhado pela multidão: “Vamos dizer: Alca, Alca, ao caralho!, Alca, Alca, ao caralho!” Exaltava ainda os objetivos dos chefes de Estado presentes na reunião:

de um lado, enterrar a ALCA e o modelo econômico imperialista, capitalista; e, de outro, ser parteiros do novo tempo, parteiros da nova 9

Disponível em . Acesso em 28/11/2015

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história, parteiros da nova integração, os parteiros de uma nova ALBA. Chegou a hora da segunda independência dos povos das Américas. (CHÁVEZ, 2005)

Figura 4: Chávez discursa na III Cúpula dos Povos, no estádio José Maria Minella em Mar del Plata, 2005.

Fonte: Argentina Indymedia, 200510.

O objetivo de concluir as negociações da ALCA até 2005 parecia improvável de ser cumprido. Os países do MERCOSUL, juntamente com a Venezuela, não viam vantagens em aceitarem o projeto. A insistência dos EUA de continuar subsidiando sua produção agrícola seguia como entrave. A Cúpula das Américas de Mar del Plata, que deveria concluir as negociações, acabou com divergência entre Venezuela e MERCOSUL e os outros 29 países do continente. O documento final da Cúpula incluía dois parágrafos sobre o assunto, um contra e outro a favor, mantendo as negociações emperradas. O fracasso das negociações em Mar del Plata, depois de outros inúmeros fracassos, representou o colapso do projeto, que continua “engavetado” até os dias de hoje.

10

Disponível em < http://argentina.indymedia.org/uploads/2005/11/achbanche.jpg >. Acesso em 28/11/2015

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Capítulo 2: ALBA e a integração cooperativa na América Latina

A integração política e econômica é um ideal perseguido na América Latina desde o processo independentista, ao longo do século XIX. Francisco de Miranda (1750-1816), no final do século XVIII já sonhava com uma América independente e unida, que se autodenominaria Colômbia. As ideias unificadoras de Miranda inspiraram os principais libertadores da América, no tocante a dominação ibérica, no início do século XIX. Citamos como exemplos, o caso do argentino José de San Martín (1778-1850), que defendeu a integração das regiões do Rio da Prata, Chile e Peru, bem como do chileno Bernardo O’Higgins (1778-1842), que propôs uma Grande Federação dos Povos da América. A ideia de integração latino-americana se potencializou a partir do libertador Simón Bolívar, e sua “Carta da Jamaica”, escrita em 1814, no decorrer das Guerras de Libertação. Yo deseo más que otro alguno ver formar en América la más grande nación del mundo, menos por su extensión y riquezas que por su libertad y gloria (BOLÍVAR, ).

Bolívar, com a proposta de realizar seu plano de integração daquilo que denominou América Meridional, via que, mesmo após a libertação da colonização, os povos latinos estavam direcionados a uma dependência político-econômica de outra natureza e não ao projeto de integração.

[...] já que não se tinham verificado as mudanças esperadas, isso pressupunha que a guerra de independência tivesse causado modificações muito pequenas; que não tivesse logrado provocar uma fratura bastante profunda com os velhos ordenamentos, cujos herdeiros eram atualmente responsabilizados por todos os aspectos negativos que continuavam a dominar o panorama da América espanhola” (HALPERIN DONGHI, 1975, p.81).

Nesse cenário, Simon Bolívar convoca em 1826 o Congresso do Panamá. O ideal pan-americanista de Bolívar é refutado pelo Brasil, Inglaterra e Estados Unidos na reunião, importantes nações da época, prejudicando assim o objetivo de unidade política entre os povos.

34

Já no fim do século XIX, o grande mártir da independência cubana, José Martí, propõe um projeto de “Nuestra América”, apresentando uma construção identitária alicerçada na exaltação da história e cultura dos povos latino-americanos e com uma posição antiimperialista. Posteriormente, no século XX, a perspectiva político-cultural desse ideal bolivariano de integração latino-americana, começou gradativamente a ser olvidado, sendo sobreposto pela ênfase na dimensão econômica, criando uma integração de acordo com as determinações do mercado. Sendo assim, o conceito de integração latino-americana passa a ter como ponto central a economia, reduzindo o horizonte das propostas mais contemporâneos de integração no tocante às propostas originais de Simon Bolívar. Dentre esses projeto contemporâneos, citamos a criação na década de 1960, por parte dos países sul-americanos, da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), que objetivava constituir uma área de livre comércio na região. Descontentes com os rumos da ALALC, principalmente diante da ausência de lucros, os Estados Partes criam em 1980, a Associação Latino-americana de Integração – ALADI, que, limitava o projeto de integração regional ao âmbito comercial e possibilitava uma maior flexibilidade no comércio entre seus membros. Contudo, até o final da década de 1980, essas tentativas de integração não produziram mudanças relevantes, nem no aspecto econômico-comercial tampouco no tocante ao campo social e político. A América Latina seguia com um nível muito baixo de integração e intensamente voltadas, em suas políticas externas, para os grandes mercados, especialmente para os EUA. Entretanto, diante da nova configuração global no final do século XX e início do século XXI, de crise da predominância de políticas neoliberais, esta proposta – de unidade – adquire nova contemporaneidade através da recente ascensão de governos de centro esquerda e esquerda na América Latina, como do bolivariano Hugo Chavéz na Venezuela e do indígena Evo Morales na Bolívia, reascendendo antigos debates referentes às práticas políticas adotadas no continente.

2.1

A nova alvorada traz a luz do fim do isolamento O projeto da ALBA nasceu de uma aliança entre Venezuela e Cuba, e se ratificou

depois da vitória no referendo revogatório de 2004, após ondas de greves e do frustrado golpe 35

de estado de 2002. Essa vitória marcou o início da radicalização do chavismo, e entre os novos objetivos estratégicos estava a implantação de um projeto de integração regional. A aproximação entre os dois países acabou ocorrendo naturalmente, tendo início antes mesmo de Chávez ser eleito. Ao sair da prisão, em 1994, o comandante bolivariano visita a ilha caribenha, e lá é recebido com festas, como se fosse herói. Mas esse era um dos raros motivos de celebração em Cuba. Os anos que antecederam 1994 foram os mais difíceis desde o início da revolução, em 1959. O fim da URSS e de todo o bloco socialista representou ao regime castrista um violento isolamento diplomático e comercial, resultando uma crise econômica sem precedentes no socialismo cubano. O comércio com os países da COMECON11 era a base da atividade econômica, representando mais de 83% do total da economia cubana. O PIB caiu 35% desde 1989, alimentos e bens de primeira necessidade, além de combustíveis, se tornaram escassos na ilha. Ainda nesse período, as exportações caíram 62% e as importações 50%. Imagens de cubanos fugindo em frágeis barcos improvisados corriam pelo mundo como profecia da queda do último pilar socialista.12 Parecia ser questão de tempo para que Fidel caísse e Cuba voltasse ao capitalismo. Mas não foi o que aconteceu. Em 1993, Fidel convocou eleições de deputados federais, que acabou funcionando como uma espécie de plebiscito pela continuação do sistema socialista. O resultado foi positivo para os deputados socialistas, e Fidel começava a fazer reformas visando minimizar a crise sem perder a soberania para o FMI ou instituições semelhantes. Mesmo com o fim da Guerra Fria, os EUA não sinalizaram para o fim ou para a flexibilização do embargo. O preço do açúcar, produto base da economia, despencava, e sua produção deixou de ser a grande prioridade. O níquel passou a ter mais importância, trazendo um alívio para as contas do governo. As conquistas sociais alcançadas durante a revolução ajudou muito o país a superar a violenta crise. Com uma grande formação educacional, os cubanos renovaram sua tecnologia produtiva, tanto na área energética quanto da saúde, e cada vez mais as empresas cooperativas e trabalhadores autônomos ganhavam espaço. O turismo, até então deixado de lado, também

11

Sigla de Council for Mutual Economic Assistance, traduzido como Conselho para Assistência Econômica Mútua, bloco de comércio entre os antigos países socialistas. 12 CUBA. IN Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, pág. 377-378

36

se apresentou como uma saída, e em 1998 já representava 50% do total da receita em divisas.13 Com a chegada de Chávez ao poder na Venezuela, Cuba ganhava um grande aliado. Os dois países estreitaram relações e não tardariam para avançarem a uma consolidação dessa integração. Chávez propõe na III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Associação de Estados do Caribe, realizada em 2001 na Ilha de Margarida na Venezuela, a construção da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). Em 14 de dezembro de 2004 é firmada em Havana, Cuba, a Declaração Conjunta para a criação da ALBA com as assinaturas de Fidel Castro e Chávez. No início da Declaração, os estados-membros proclamam como agenda da criação do novo bloco: [...] la cooperación entre la República de Cuba y la República Bolivariana de Venezuela se basará a partir de esta fecha no solo en principios de solidaridad, que siempre estarán presentes, sino también, en el mayor grado posible, en el intercambio de bienes y servicios que resulten más beneficiosos para las necesidades económicas y sociales de ambos países. (DECLARACÍON CONJUNTA, I CUMBRE DEL ALBA, 2004)

Palavras como cooperação e solidariedade aparecem com frequência nos documentos da ALBA, mostrando a característica principal que a diferencia da ALCA. Na I Cúpula da ALBA Venezuela e Cuba ratificam os acordos de cooperação, onde Cuba se compromete, entre outras coisas, a eliminar tarifas alfandegárias das importações de origem venezuelana, 2000 bolsas anuais para estudantes venezuelanos em cursos superiores, apoio de 15.000 profissionais da saúde na Missión Barrio Adentro, missão venezuelana de atendimento médico que alcança 15 milhões de pessoas; a Venezuela, por sua vez, se compromete também a eliminar tarifas alfandegárias, a transferir tecnologia do setor energético, financiamento do setor agroindustrial, das industriais elétricas e energéticas, do desenvolvimento portuário e do asfaltamento, entre outros projetos. O primeiro parágrafo dos objetivos da primeira Declaração Conjunta aponta a preocupação em não fazer da ALBA mais um acordo de livre comércio:

13

CUBA. IN Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, pág. 378

37

El comercio y la inversión no deben ser fines en sí mismos, sino instrumentos para alcanzar un desarrollo justo y sustentable, pues la verdadera integración latinoamericana y caribeña no puede ser hija ciega del mercado, ni tampoco una simple estrategia para ampliar los mercados externos o estimular el comercio. Para lograrlo, se requiere una efectiva participación del Estado como regulador y coordinador de la actividad económica. (DECLARACÍON CONJUNTA, I CUMBRE DEL ALBA, 2004)

O caráter anti-neoliberal e anti-imperialista fica exposto no documento de Trabalho da reunião presidencial da ALBA de 2004, onde se estabelece os princípios do bloco, ao qual destacamos a alínea “e” do parágrafo 6, que afirma que:

El ALBA tiene que atacar los obstáculos a la integración desde su raíz, a saber: [...] e) La imposición de las políticas de ajuste estructural del FMI y el BM y de las rígidas reglas de la OMC que socavan las bases de apoyo social y político;

e o parágrafo 8, que enfatiza a luta contra a apologia do livre comércio:

Hay que cuestionar la apología al libre comercio per se, como si sólo esto bastara para garantizar, automáticamente, el avance hacia mayores niveles de crecimiento y bienestar colectivo, sin una clara intervención del Estado dirigida a reducir las disparidades entre países, la libre competencia entre desiguales no puede conducir sino al fortalecimiento de los más fuertes en perjuicio de los más débiles. (MINISTERIO DE RELACIONES EXTERIORES DE BOLIVIA, 2009)

Chávez, ao perceber que a ALCA já se enfraquecia cada vez mais, declara:

La batalla del ALCA, sin duda que la hemos ganado, pero ¡cuidado!,eso es sólo una batalla, eso es sólo una batalla de tantas batallas pendientes que nos quedan para toda la vida, ahora, decía que tenemos una doble tarea, enterrar el ALCA y el modelo económico, imperialista, capitalista por una parte, pero por la otra, a nosotros nos toca ser los parteros del nuevo tiempo, los parteros de la nueva historia, de la nueva integración, los parteros del ALBA, la Alternativa Bolivariana para los pueblos de Nuestra América, una verdadera integración liberadora, para la libertad, para la igualdad, para la justicia y para la paz.. (CHÁVEZ , 2005)

38

Na língua espanhola, predominante no continente, a palavra alba significa alvorada, e este conceito carrega uma semelhança com as propostas da ALBA, ou seja, de levar as massas populares uma nova aurora baseada nos ideais dos libertadores da América. Como escreveu Eduardo Galeano, em As Veias Abertas da América Latina :

A causa nacional latino-americana é, antes de tudo, uma causa social: para que a América Latina possa nascer de novo, será preciso derrubar seus donos, país por país. Abrem-se tempos de rebelião e de mudança. Há quem acredite que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas a verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre as consciências dos homens”. (GALEANO, p.346)

2.2

O petróleo como combustível da integração A Venezuela possui a maior reserva de petróleo do mundo. No entanto, só a partir do

governo de Hugo Chávez que a renda petroleira passou a ser usada em projetos sociais e de redistribuição de renda. Mas o “ouro negro” não serviria apenas para aumentar a qualidade de vida dos venezuelanos, mas também de países vizinhos. Como vimos, o petróleo, e suas tecnologias, era usado como moeda de troca por serviços e profissionais da saúde e educação com Cuba. Mas não parou por aí: o petróleo foi a base que deu sustento ao projeto de integração bolivariana, não só na ALBA, mas também na PETROCARIBE. Criada em 2005, a aliança cooperativa proposta por Chávez beneficia atualmente 19 países14, que compram petróleo a custos abaixo do preço de mercado. Conforme o valor do barril no mercado mundial sobe, a PETROCARIBE oferece maior financiamento, maior prazo e menores juros anuais. Por exemplo: se o preço do barril for de apenas US$ 15, é possível o financiamento de 5% do valor da compra, com 2% de juros e prazo de 15 anos; se o preço chegar até US$ 40, a taxa de juros e o prazo se mantém, porém o financiamento chega a 30%; se o preço passar de US$ 50, os juros caem pra 1% e o prazo sobe para 23 anos, e o financiamento pode chegar até os 70% se o valor do barril chegar aos US$ 15015.

14

Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Cuba, Dominica, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua, República Dominicana, San Cristóbal y Nieves, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname e Venezuela. 15 Petrocaribe Energía para la unión - Motor para el desarrollo de los pueblos del Caribe, pág. 5, disponível em http://www.petrocaribe.org/interface.sp/database/fichero/publicacion/639/40.PDF, acesso em 20/11/2015

39

A PETROCARIBE se dispõe ainda a ampliar a capacidade de refinação dos países da região, facilitar o acesso ao gás, promover o intercambio e transferência de tecnologia, construir infraestrutura para o manejo dos hidrocarbonetos, apoiar a produção local de alimentos, entre outras ações sociais e produtivas. Além dessas vantagens, a PETROCARIBE permite ainda que o pagamento seja feito através de bens e serviços, e não apenas em dinheiro. Esse projeto de cooperação energética foi muito bem aceito na região, e transcendeu a posição ideológica dos governos. A importância do projeto é tamanha para os países da região, que, segundo levantamento da historiadora costarriquenha Josette Altmann Borbón, o peso do financiamento do projeto equivale cerca de 5% a 6% do PIB de países como Guiana, Jamaica e Nicarágua. Uma importância muito maior do que os US$ 10 milhões oferecidos aos países membros pelo BID entre 2005 e 2008 (BORBÓN, 2009).

2.3

O Tratado de Comércio dos Povos e o papel indígena Em meados do século XX, José Carlos Mariátegui, pensador marxista peruano,

alertava sobre a importância de entender a realidade indígena como chave para combater os problemas sociais da América Latina:

La reivindicación indígena carece de concreción histórica mientras se mantiene en un plano filosófico o cultural. Para adquirirla esto es para adquirir realidad, corporeidad necesita convertirse en reivindicación económica y política. El socialismo nos ha enseñado a plantear el problema indígena en nuestros términos. Hemos dejado de considerar abstractamente como problema étnico o moral para reconocerlo concretamente como problema social, económico y político. Y entonces lo hemos sentido, por primera vez, esclarecido y demarcado. Los que no han roto todavía el cerco de su educación liberal burguesa y, colocándose en una posición abstractista y literaria se entretienen en barajar los aspectos raciales del problema, olvidan que la política y, por tanto la economía, lo dominan fundamentalmente. (Mariátegui, 2007)

Recuperando o pensamento mariateguista, a reivindicação indígena ganha força na ALBA em abril de 2006, com a adesão da Bolívia, onde mais de 60% da população se auto declara indígena e mais de 40% tem como idioma materno alguma língua indígena. Evo Morales, ao incluir a Bolívia no projeto, propõe o Tratado de Comercio de los Pueblos, e sua 40

sigla se incorporou ao nome do bloco, que passou a se chamar Alternativa Bolivariana para los pueblos de nuestra America – Tratado de Comercio de los Pueblos, ou simplesmente ALBA-TCP. O TCP aparece no bloco como suporte para pequenos produtores, cooperativas e empresas comunitárias, atividades comuns aos camponeses e indígenas da região, além da clara defesa da cultura indígena, o que fica explícito em alguns de seus princípios:

Fortalecimiento de las pequeñas y medianas empresas, las asociaciones, las cooperativas y las empresas comunitárias; Inversiones como socios y no como patrones; Respeto a los Derechos de la Madre Tierra y armonía con la naturaliza; no patentamiento de las formas de vida; Respeto a los derechos laborales de los trabajadores del campo y la ciudad y a los derechos de los pueblos indígenas. (MINISTERIO DE

RELACIONES EXTERIORES DE BOLIVIA, 2009)

Com a adesão do TCP à ALBA, os indígenas passam a ter mais um instrumento de luta por seus direitos e por mais autonomia, e diversos movimentos declararam apoio ao tratado, como a Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia (CSUTCB), a Federación Nacional de Mujeres Campesinas Indígenas Originarias de Bolivia “Bartolina Sisa” (CNMCIOB-BS), o Consejo Nacional de Ayllus y Marcas del Qullasuyu (CONAMAQ), entre outros. (MINISTERIO DE RELACIONES EXTERIORES DE BOLIVIA, 2009)

2.4

ALBA-TCP CRESCE E SE FORTALECE Além de Venezuela, Cuba e Bolívia, mais seis países passaram a integrar a ALBA-

TCP: Antígua e Barbuda (2009), Dominica (2008), Equador (2009), Honduras (2008), Nicarágua (2007) e São Vicente e Granadinas (2009). Desses países, se destacam as atuações de Daniel Ortega, presidente nicaraguense e ex-guerrilheiro sandinista, e Rafael Correa, presidente equatoriano. Em 2007, assim que assumiu o cargo de presidente de seu país, Ortega, em seu primeiro discurso, enfatiza sua adesão e a importância do bloco:

41

Nos vamos a incorporar al ALBA, esa unidad de los pueblos que es la única que puede sacar de la pobreza a toda América Latina. El ALBA y la solidaridad caminan rápidamente, no hay que estar esperando por los organismos financeiros. (ORTEGA, 2007)

Em junho de 2009, durante a VI Cúpula da ALBA-TCP, o Equador se integra ao bloco, e Rafael Correa destaca que

El ALBA ha adoptado por iniciativa del Ecuador, con el propósito de lograr una Nueva Arquitectura Financiera Regional, el Sistema Único de Compensación Regional (SUCRE) como mecanismo para agilizar y profundizar el intercambio, al permitir la compensación de pagos resultantes del comercio exterior entre los países membros. (CORREA, 2009)

Assim como a Bolívia traz ao bloco a questão indígena, o Equador traz a preocupação financeira de unificar a moeda das negociações intra-bloco com o intuito de diminuir a dependência de moedas estrangeiras.

O SUCRE surge como uma moeda virtual para

equilibrar a diferença cambial das moedas dos países membros. Assim, ao invés de recorrerem ao dólar em suas transações, os países usam a moeda virtual, o que corta custos financeiros de compra da moeda norte americana. Na XI Cúpula da ALBA, em 2012, foi determinado que os países membros destinasem ao menos 1% de suas reservas internacionais no Banco da ALBA, garantindo assim um fundo direcionado a novos investimentos produtivos e sociais. (SEABRA, 2014). A ALBA-TCP seduziu também o então presidente hondurenho Manuel Zelaya, que via no bloco uma oportunidade para sanar a escassez de recursos, resultado da falta de apoio do setor privado hondurenho e da insuficiência dos empréstimos do Banco Mundial e do BID. Enquanto a quantia oferecida pelo Banco Mundial não ultrapassava os US$ 10 milhões, o governo venezuelano ofereceu US$ 132 milhões (SEABRA, 2014). Porém, a participação hondurenha no bloco durou apenas um ano, já que Zelaya acabou sofrendo um golpe de estado, com a desculpa de que queria se reeleger, o que não era permitido pela constituição. Não era até o presente ano de 2015, quando, ironicamente, o parlamento hondurenho aprovou a reeleição. Claramente, a aproximação com o bloco bolivariano, o aumento no salário

42

mínimo e outras propostas de avanços sociais causaram descontentamento na elite hondurenha, que se sentiu ameaçada pelos avanços de cooperação regional. Mesmo com a saída de Honduras, a ALBA-TCP continuou com forte representatividade, aumentando o grau de protagonismo de Hugo Chávez na região. A Aliança mostrou sua influência diplomática em organismos como a ONU e a OEA, denunciando o isolamento e o embargo sobre Cuba, a prática antidemocrática da deposição de Manuel Zelaya e a força excessiva e ilegal da OTAN no Oriente Médio, além da instalação, mesmo sob forte resistência, de uma academia militar bolivariana na Bolívia e um núcleo em Cuba (LEITE FILHO, 2012). A ALBA-TCP não se propõe a atuar apenas no âmbito Estatal. Como alertava o cientista político e sociólogo argentino Atílio Boron (2008, pág. 106), o socialismo do século XXI não pode, entre outras coisas, ser estatismo nem pode dar lugar a uma sociedade estatista. Assim, a Aliança tem se preocupado em abrir espaço para organizações independentes, movimentos sociais e sindicatos. Assim, em outubro de 2005, apoiado e guiado pelos princípios da ALBA-TCP, se realiza na capital venezuelana o Encontro Latinoamericano de Empresas Recuperadas, onde trabalhadores e trabalhadoras que controlam suas empresas propõe acordo mútuo de transferência de tecnologia e comércio. Durante esse encontro, Chávez tem a ideia de criar uma rede regional de empresas recuperadas autogestionadas, a EMPRESUR, onde disponibilizaria US$ 5 milhões como capital inicial (FRITZ, 2007). Um fundo destinado à cultura também foi criado, visando a criação, produção e distribuição de bens e serviços culturais. Assim, com todos os desafios, a ALBA-TCP se mantém como uma resposta concreta aos projetos neoliberais para a América Latina, mostrando sua clara diferença a proposta pela ALCA, ou mesmo do MERCOSUL, de competição entre a economia dos países. Por ora, os ideais de cooperação e solidariedade vão substituindo a disputa e concorrência e se mantém vivo nas relações entre os países membros. Em em 2009, durante a Sexta Cúpula da ALBA, o termo Alternativa seria trocado por Alianza, uma vez que Chávez não via mais o projeto como uma alternativa a já derrotada ALCA, mas sim como uma verdadeira aliança entre os povos da região.

43

2.5

Novas alternativas: UNASUL e CELAC contra OEA Diante do cenário de integração continental dos povos latino-americanos e

impulsionados pela eleição de presidentes progressistas, novas articulações regionais foram florescendo na América Latina em contraponto ao sistema de controle político que os E.U.A. impõe sobre o continente. A Organização dos Estados Americanos (OEA) representa claramente essa configuração de domínio continental imposta pela maior potência econômica mundial. A OEA revalidou os golpes de Estado ocorridos no continente latino-americano, às invasões territoriais, além de legitimar o bloqueio econômico a Cuba e excluir a ilha de seu quadro de sócios. A postura adotada por este organismo regional é asfixiar “legalmente” qualquer tentativa de oposição ao neoliberalismo norte-americano. Neste contexto histórico surge em maio de 2008, a União das Nações SulAmericanas (UNASUL), tratado firmado pelos 12 países da América do Sul, cujo objetivo principal é coordenar a região política, econômica e socialmente. Até meados de 2008, os países sul-americanos se relacionavam com o resto do mundo de maneira isolada e desintegrada, dialogando inicialmente com os países desenvolvidos de fora da região. Com a criação da UNASUL, os países da região passaram a articular-se em torno de áreas estruturantes, como energia e infraestrutura, e a coordenar posições políticas. A UNASUL conta com conselhos de defesa, saúde, energia, ciência e tecnologia, desenvolvimento social, economia e finanças, segurança e justiça, educação e cultura. A UNASUL obteve destaque na contenção de diversas tentativas de desestabilização política no continente: Bolívia (2008), Equador (2010) e Venezuela (2014) são alguns exemplos. Em solo boliviano, conteve a estratégia separatista da região da Meia-Lua. Já em Quito, freou uma crise institucional, após a tentativa de golpe e magnicídio contra Rafael Correa. Na Venezuela, a direita venezuelana pretendia dar um golpe de Estado sobre Nicolás Maduro, mas o papel da UNASUL foi fundamental para intermediar um diálogo e dar respaldo ao governo do presidente venezuelano. No final de 2011, é criado em Caracas outro organismo de integração regional, a Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC) como contraponto à Organização dos Estados Americanos (OEA). A CELAC reúne 33 países americanos, não

44

admitindo representantes dos EUA e Canadá e propondo a integração soberana e democrática dos países que compõem a comunidade. A CELAC tem como objetivos principais a cooperação para o desenvolvimento e a conciliação política. No tocante a cooperação, assim como a UNASUL, a comunidade tem promovido reuniões ministeriais sobre temas como educação, desenvolvimento social, cultura, transportes, infraestrutura e energia. No campo político, a CELAC tem demonstrado habilidade para emitir pronunciamentos referentes a temas relevantes da agenda internacional e regional, como o desarmamento nuclear, a questão da Síria e o bloqueio norte-americano a Cuba.

2.6

DIFICULDADES E CONQUISTAS Como qualquer ideia que se propõe a mudar estruturas socais e culturais, a ALBA-

TCP também enfrenta dificuldades e contradições. A dependência do petróleo para investimentos sociais e produtivos talvez seja a principal dessas dificuldades, uma vez que a capacidade industrial é baixa entre os países do bloco, que contêm pouca dinâmica e variedade econômica. Além disso, o extrativismo, principal atividade rentista de países como Venezuela, Equador e Bolívia, acaba atingindo e prejudicando diretamente populações indígenas. Outra contradição a ser enfrentada é a maior incorporação de movimentos sociais nas decisões relevantes, uma vez que até agora essas decisões só foram tomadas pelos governos (FRITZ, 2007). A ser superado, ainda, é o excessivo centralismo do bloco na Venezuela. Uma eventual queda do chavismo provavelmente significaria o fim do bloco. Por outro lado, alguns avanços e sucessos já podem ser sentidos concretamente. Os dados oficiais, divulgados em 2009 pelo site oficial da ALBA, e não mais atualizados, apontam que mais de três milhões e meio de pessoas foram alfabetizadas através da ALBA, sendo 1,5 milhão na Venezuela, 824.000 na Bolívia, 500.000 na Nicarágua e 819.000 no Equador. Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua são reconhecidos pela ONU como países livres do analfabetismo. Na área da saúde, as missões da ALBA ainda atenderam para tratamento de catarata, também de acordo com dados de 2009, quase 2 milhões de pessoas. Dentro do âmbito comercial, até 2010 mais de US$ 22 bilhões já haviam sidos movimentados dentro da ALBA-TCP. Até os esportes foram contemplados pela Aliança, com a criação dos Juegos Deportivos ALBA, onde já participaram mais de 10.000 atletas. Na proposta de 45

soberania comunicacional, foram criadas a La Radio del Sur e a Telesur,16 que será discutida no próximo capítulo. Entre avanços e contradições, a ALBA-TCP segue sendo um projeto único de integração entre os povos da América Latina, apesar de não ter nenhuma grande potência regional como integrante. Seu futuro depende da manutenção de governos progressistas na região, principalmente da Venezuela. Para o bloco, seria importante a adesão de alguma potência como Brasil ou Argentina, mas o próprio contexto político, além da demonização do termo bolivariano pela imprensa dos respectivos países, dificulta qualquer aceno de adesão, apesar da Argentina já ter negociado com o bloco e participar do financiamento da Telesur. A adesão de um desses dois países, principalmente do Brasil, traria não apenas mais peso diplomático ao bloco, como também uma maior variedade econômica e comercial. Por enquanto, a ALBA-TCP tenta caminhar da maneira que lhe é possível, enquanto forças opositoras (não só dentro de países membros) tentam frear esse ideal de integração e valorização da América Latina, tão sonhado por Simón Bolívar no século XIX, transpirado pelo mártir Che Guevara no século XX e resgatado pelo comandante da Revolução Bolivariana, Hugo Chávez, através do Socialismo do Século XXI.

16

ALBA-TCP Estatísticas, http://alba-tcp.org/en/contenido/alba-tcp-statistics, acesso em 20/11/2015

46

Capítulo 3: O Império Contra-Ataca: O avanço da direita e os novos desafios Os primeiros anos do projeto de integração bolivariana, especialmente o período entre 2005 e 2012, foram anos de grandes conquistas. Os principais países da ALBA-TCP apresentavam grandes avanços econômicos e sociais, segundo a CEPAL. A Venezuela, nesse período, conseguiu baixar a taxa de pobreza de 37,1% para 25,4%; a Bolívia reduziu de 63,9% para 36,3% e o Equador passou de 48,3% de sua população na pobreza para 35,3%. Cuba apresentou uma média de crescimento anual de 5.5%, mostrando que os apuros econômicos de meados da década de 90 já estavam superados. Outros países, de fora da Aliança, mas simpáticos ao projeto de integração proposta por Chávez, também apresentavam avanços entre 2005 e 2012: A Argentina derrubava a pobreza de 24,8% para apenas 4,3%; o Brasil de 36,4% para 18,6 e o Uruguai de 18,8% para 6,1%.17 A Venezuela conseguia ainda se tornar o país menos desigual da América Latina18, além de passar a ocupar o segundo posto em matrículas universitárias, atrás apenas de Cuba, tendo mais que quadruplicado esse número em relação ao período pré-chavista19. Os números divulgados pela CEPAL acabaram incomodando e preocupando muitas pessoas contrárias à esse modelo de integração. Aliás, a própria criação da CEPAL na ONU, em 1948, causou descontentamento nas autoridades dos EUA, já que o país temia perder a influência na região em plena Guerra Fria e entender que os assuntos da região deveriam ser discutidos apenas na OEA (ESTEVES, 2008). Chiarelli destaca que a CEPAL “[...] soava, para certos ouvidos em Wasington, como um centro de intelectuais esquerdizantes, inoculando rebeldia continental” (CHIARELLI E CHIARELLI, 1992). Se a própria criação da CEPAL causou desconfortos para os EUA e seus seguidores, os resultados positivos de seus estudos não causariam sentimentos diferentes. As classes dominantes da América Latina, com ajuda direita ou indireta dos EUA, passariam a se reorganizar e se movimentar para frear essas conquistas, e a tentar trazer de volta seu próprio modelo de gestão. Outros blocos de livre comércio foram assinados na região, e diversos

17

América Latina (18 países): personas en situación de pobreza e indigencia, alrededor de 2005 y de 2012, y 2013.< http://www.cepal.org/sites/default/files/pr/files/tabla_panoramasocial-2014_esp.pdf> Acesso em 20/11/2015. 18 Dados disponíveis em . Acesso em 20/11/2015 19

Dados

disponíveis

em

. Acesso em 20/11/2015.

47

países sofreram (ou ainda sofrem) com projetos de desestabilização, alguns tendo passado por golpes de estado. O caso da Venezuela talvez seja o maior exemplo desse cenário.

3.1

O golpe de 2002 na Venezuela

O ano de 1999 marcou a eleição de Hugo Chávez Frías para a presidência da República. É preciso frisar o simbolismo dessa vitória: num cenário em que Fernando Henrique Cardoso iniciava seu segundo mandato, que o FMI apresentava a Argentina de Menem como um modelo a ser adotado e que no Peru, Fujimori era soberano, Chávez chegava ao poder com um discurso bastante crítico em relação às medidas preconizadas pelo Consenso de Washington. Os primeiros anos de governo Chávez foram marcados por reformas estruturais. Inicialmente, houve a promulgação de uma nova Constituição, sendo referendada por voto direto. Depois disso, Chávez intensificou as mudanças. Publicou, no ano de 2001, 49 decretos-lei, que regulamentariam diversas matérias previstas na nova Constituição. Outro fator que desagradou a oposição foi o controle efetivo por parte do governo venezuelano sobre a estatal de petróleo PDVSA. Esse era um objetivo fundamental da política de Chávez, porque necessitava da riqueza do petróleo como incremento para atender os financiamentos de seus projetos sociais, prioridade de sua gestão. A política externa adotada pelo governo chavista, principalmente por discordar da intervenção militar no Afeganistão, desagradou os Estados Unidos da América, conforme se observa pela fala do secretário de Estado norte-americano, Colin Powell. [...] Não ficamos satisfeitos com alguns dos comentários feitos por ele a respeito da campanha contra o terrorismo. O diretor da CIA, George Tenet, também demonstrou seu descontentamento com Chávez e presumiu: “a atmosfera de crise deve tornar-se mais carregada em um momento no qual a América Latina fica cada vez mais instável”. Diante deste contexto, a direita possuindo o apoio dos EUA, inicia a articulação de iniciativas para derrubar o presidente Chávez. Eclodem inúmeras greves convocadas pela oposição, e no auge das manifestações, no dia 11 de abril de 2002, ocorre o golpe de Estado contra o governo legítimo do presidente eleito. Durante essas manifestações, a marcha dos opositores foi direcionada ao encontro da marcha dos chavistas, provocando um confronto violento. Tiros surgiam de cima de edifícios, e as redes de televisão, em principal a RCTV, 48

informava que forças chavistas estavam atirando e matando manifestantes. Um vídeo chegou a ser editado para tentar comprovar essa acusação. A mídia venezuelana foi convertida em principal força de oposição, com a maioria da frequência de rádio e televisão, exercendo um monopólio sobre a imprensa escrita, e desempenhou um papel decisivo na tentativa de destituição do presidente. Uma frente liderada pelos grandes grupos de mídia, empresários, setores da Igreja Católica e militares depuseram o presidente Hugo Chávez. Pedro Carmona, presidente da Fedecámaras, a principal federação patronal do país, foi empossado em governo declarado “provisório”, reformulando todo o ministério e destituindo todos os deputados chavistas. Durante o golpe, personagens do atual cenário político participiram ativamente, como o líder do movimento radical La Salida, Leopoldo López, e o candidato derrotado três vezes nas eleições presidenciais Henrique Capriles, que foi fotografado invadindo a embaixada cubana para pressionar os chavistas refugiados.

Figura 5: Henrique Capriles invadindo a embaixada cubana durante golpe de estado de 2002

Fonte: El Tiempo, 201220.

Milhares de chavistas, que tinham apenas as rádios comunitárias para se comunicarem, já que as redes estatais foram cortadas para não desmentirem as notícias das emissoras 20

Disponível em . Acesso em 28/11/2015.

49

privadas, foram às ruas para reivindicar a restauração da democracia e repudiar o regime imposto pelos golpistas. Sem o apoio da maioria da população, além de grande parte das Forças Armadas estarem se rebelando diante do golpe de Estado, a ação da junta golpista fracassou e Hugo Chávez foi restituído ao Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano, sendo recebido por uma multidão eufórica.

3.2

A Aliança do Pacífico

Formalizada em junho de 2012, na cidade de Antofagasta, no Chile, a Aliança do Pacífico é um projeto de integração econômica e comercial formado por Colômbia, Chile, México e Peru. Esses quatro países possuem um PIB de US$ 2,1 trilhões, que significa 37% do total da América Latina (Banco Mundial). Este bloco econômico tem como propósito gerar uma área de livre comércio e aumentar a integração econômica entre seus integrantes.

[...] se estableció la Alianza del Pacífico para la conformación de un área de integración profunda, que busca avanzar progresivamente hacia la libre circulación de bienes, servicios, capitales y presonas” (ACUERDO MARCO DE LA ALIANZA DEL PACÍFICO, 2012).

Entretanto, conforme dados da Organização Mundial do Comércio, os membros da Aliança do Pacífico, ainda possuem um baixo volume de comércio entre si, não ultrapassando os 10% do total comercializado com o mundo, em 2013. (OMC, 2014). A característica principal da Aliança do Pacífico é sua postura econômica mais liberal em comparação com outros blocos econômicos da América Latina, por exemplo, a ALBA e o MERCOSUL. Rafael Correa e Evo Morales, presidentes do Equador e Bolívia, respectivamente, que integram a ALBA, ressaltaram os riscos que a Aliança do Pacífico representa no tocante à integração latino-americana. Correa frisa que o bloco trata-se de “governos neoliberais que defendem o livre comercio” e Morales afirmou que: “a Aliança do Pacífico esconde interesses imperiais e busca acabar com a união latino-americana e caribenha”. O liberalismo econômico da Aliança do Pacífico é visível quando observamos as baixas tarifas de importação entre seus membros e à adesão de um regionalismo aberto, com diversos tratados de livre comércio firmados com países e blocos. O presidente colombiano Juan Manuel Santos, durante a 10ª Cúpula da Aliança do Pacífico, ocorrida no Peru, em julho 50

de 2015, foi enfático ao frisar os objetivos da Aliança: “Somos democratas, acreditamos na liberdade, na propriedade privada, no investimento estrangeiro, e nesse sentido, se encontrarmos mais e mais denominadores comuns, vamos poder fortalecer-nos em um mundo mais competitivo e mais difícil de se destacar. Nós somos a terceira via: o mercado até onde for possível, o Estado até onde for necessário “.

Recentemente, em outubro de 2015, foi firmado o Acordo de Parceria Econômica Estratégica Transpacífico ou TPP (Trans-Pacific Partnership). O TPP, que conta com a participação da Aliança do Pacífico, interessa principalmente a setores da economia norteamericana, que saíram derrotados na tentativa de implantação da ALCA e que, neste momento, desejam maiores oportunidades com um mercado ampliado.

3.3

Telesur X NTN24 e cia.: Guerra Fria via satélite Atualmente, em quase todos os lugares do mundo, a imprensa é controlada por

pessoas, ou grupos, com grande poder financeiro. Consequentemente, a imprensa é usada para manter os interesses dessas pessoas ou grupos, que são as mesmas que pertencem a classe dominante. Na concepção marxista:

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual.[...] Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas, dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época. (MARX, 2007)

Partindo dessa concepção, percebemos como a classe dominante usa seu poder material para consolidar e impor suas ideias e, principalmente, determinar o conteúdo de uma época histórica. A grande imprensa, tanto a brasileira, quanto a do resto do continente e do mundo, trata a atual época histórica da América Latina como uma época marcada por 51

presidentes populistas e/ou autoritários. Cristina Kirchner, Rafael Correa, Evo Morales, Daniel Ortega e principalmente Hugo Chávez e Nicolás Maduro são taxados como líderes demagogos, autoritários e populistas, ainda que esses conceitos não sejam debatidos. Tendo isso em vista, Hugo Chávez entendia a necessidade de criar uma alternativa a esses grandes meios de comunicação, que informam de acordo com seus interesses, e se propôs a criar uma emissora que fosse compartilhada pelos países alinhados com a integração e soberania latino-americana. Assim nasceu o projeto da Telesur. A rede multiestatal de televisão foi mais uma das ferramentas de integração idealizada e concretizada por Chávez. Pondo em prática um dos objetivos da ALBA-TCP, o de ir além da integração comercial, o canal tem seu foco nos acontecimentos dos países da América Latina, na área de notícias, artes, esporte, educação e cultura. Outra particularidade do canal é a ausência de publicidade e propaganda, a não ser governamentais. A emissora foi ao ar pela primeira vez em 24 de julho de 2005, data que celebra aniversário de nascimento de Simón Bolívar, e tem como países acionistas, além da Venezuela, a Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Nicarágua e Cuba. Nesses países, o sinal é aberto, mas também é possível assistir via internet gratuitamente em qualquer lugar do mundo. Em sua equipe de periodistas se nota a variedade de nacionalidades, tendo apresentadores, analistas e repórteres de diversos lugares do continente. Entre eles, se destacam figuras marcantes da América Latina, como a de Diego Maradona, o poeta nicaraguense Ernesto Cardenal e o ativista argentino Adolfo Esquivel, ganhador do Premio Nobel da Paz em 1980. Se outras ferramentas de integração bolivariana sofreu forte oposição, com a Telesur não seria diferente. O projeto enfrentou resistência do congresso uruguaio, e só foi aprovada a participação uruguaia quatro anos depois de sua criação21. Nos Estados Unidos, foi aprovada, em 2005, pela Câmara dos Representantes do Congresso, uma emenda que interfere no sinal da emissora, com a justificativa de que o canal tem conteúdo “anti-americano”22. Ainda hoje o sinal é fechado lá, inclusive com aplicações de multas nas operadoras de tv fechada que

21

Uruguay se integra a la multiestatal TeleSUR.. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015 22 Estados Unidos aprovam medida para interferir no sinal da TV Sul. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015

52

transmitem o sinal23. Ironicamente, os EUA acusam a Venezuela de não respeitar a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que proíbem e multam quem transmitir o sinal da Telesur. Entretanto, o conteúdo não se resume à América Latina, mas também as outras regiões, com correspondentes em todos os continentes. Na sua programação são transmitidos documentários e entrevistas sobre diversos acontecimentos globais, como os conflitos do oriente médio e da África, trazendo um ponto de vista diferente dos canais internacionais tradicionais como CNN e BBC. Ainda, a emissora mantém parceria com outros canais de informação como a árabe Al Jazeera e a russa RT News.

A Telesur se propôs a

contrapor os grandes meios de comunicação, que historicamente forma a opinião das pessoas, e usam essa influência para passar seus valores e opiniões para seus espectadores. Desde o início de seu mandato, Hugo Chávez sofreu com ataques de conglomerados midiáticos, que inclusive participaram do golpe de estado de 2002. E não apenas na Venezuela, mas em quase todos os grandes meios de comunicação, inclusive brasileiros, raramente (ou quase nunca) se vê algum tipo de notícia positiva sobre os governos bolivarianos ou progressistas do continente. Em 2007, a notícia da não renovação da concessão pública da emissora RCTV correu o mundo como a prova de que no governo chavista não respeitava a liberdade de expressão e que Hugo Chávez era um ditador. Pouco, ou nada, se falou da participação de tal emissora no golpe de 2002. Durante as manifestações e os conflitos entre chavistas e opositores em Caracas, a emissora, com o intuito de aumentar a tensão, atribuiu, sem qualquer prova, à Chávez a ordem de atirar na população, ocultou e distorceu diversas informações, interrompeu a transmissão do Fiscal General Isaías Rodríguez quando tentava explicar o que acontecia, e ainda não mostrava as manifestações pró-Chávez. Hoje, o canal continua funcionando, inclusive como oposição ao chavismo, nas operadoras de TV paga24. Em 2008, as emissoras de TV’s ganharam mais uma aliada: a emissora colombiana NTN24. Seu dono, Carlos Ardila Lule, é um renomado milionário colombiano, que financiou

23

Telesur prohibida em Estados Unidos. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015 24 Dossier RCTV: Los detalles que Ud. nunca supo. Disponível em: < http://www.aporrea.org/actualidad/n206173.html> . Acesso em 20/11/2015

53

massivamente a campanha do ex-presidente Álvaro Úribe, conhecido por sua aversão a políticas de esquerda e por sua relação com paramilitares25. O conteúdo do canal, que também reivindica a unidade latina americana, traz muitos programas de entretenimento e notícias, com um teor fortemente anti-chavista. O colombiano Omar Rincón, crítico de televisão, faz uma comparação entre Telesur e NTN2426:

Telesur cumple 10 años haciendo información en otra perspectiva, una del sur, una en proyecto bolivariano chavista. NTN 24 de RCN es su contra, anti-Chávez, en versión uribista y cuyo horizonte es el norte. [...] En Telesur nos enteramos que otra realidad existe, otra versión del mundo se vive en la realidad; que Bolivia, Argentina, Uruguay, Brasil, Ecuador y Venezuela son realidades complejas. También sabemos que el mundo árabe y África habitan el planeta. Y que Europa y Estados Unidos también tienen problemas. Su único problema es el exceso de Nicolás Maduro, que aburre infinitamente. Pero queda claro y es transparente que esta es la mirada del mundo hecha dentro del proyecto chavista, no engaña a nadie, afirma una verdad militante sobre la realidad. En NTN 24 conocemos la otra verdad, la antI-Chávez, la versión Miami, la opinión uribista, la mirada al Norte. Y eso está bien, tampoco nadie se llama a engaño. Una mirada transparente, un proyecto anti-Telesur. Si se ven los dos canales, se tiene una versión completa de la realidad: las dos versiones en que está América Latina. Ya como canales, NTN 24 solo es información y debates de expertos. Telesur le agrega algo al menú: documentales bien hechos, programas únicos como el de Maradona y De zurda, Dossier, de Walter Martínez, el programa de Piedad por los Derechos Humanos, el excelente Los nuestros, con Paco Ignacio Tabio. Se agradece que, cuando el periodismo televisivo está en bancarrota, existan estas versiones del periodismo militante, ideológico, subjetivo. NTN 24 es el otro a Telesur y son dos formas necesarias para pensar a Latinoamérica en el siglo XXI. (RINCÓN, 2015)

25

¿Qué y quién es NTN24? Disponível em: < http://www.aporrea.org/medios/a182335.html>. Acesso em 20/11/2015 26 Telesur + NTN 24 / El otro lado.Disponível em: < http://www.eltiempo.com/entretenimiento/cine-y-tv/omarrincon-telesur-ntn-24-el-otro-lado/15816099>. Acesso em 20/11/2015.

54

Em 2014, o sinal do canal colombiano também foi interrompido pelo presidente venezuelano, agora Nicolás Maduro, que alegou que a emissora incentivou a violência durante as manifestações de fevereiro de 2014, que acabou com diversos mortos e feridos27. E a guerra de informações continua, com os meios de comunicação se colocando como os grandes opositores dos governos bolivarianos e progressistas. O site rebelion.org listou 55 exemplos de manipulação dos meios de comunicação anti-chavistas, que, entre outras táticas, usam imagens de repressão de manifestações em outros países como se ocorressem na Venezuela28. A presidenta argentina Cristina Kirchner e o presidente equatoriano Rafael Correa também enfrentam forte oposição dos meios de comunicação, principalmente após colocarem em prática leis de regularização econômica e democratização dos meios de comunicação em seus respectivos países, que visam diminuir o poder econômico e o monopólio nos meios de comunicação, além da abertura de concessões para transmissões de canais comunitários, de movimentos sociais e religiosos29. No Brasil, não há na mídia em geral debate de ideias sobre essa diversidade política, o que empobrece as discussões sobre as características políticas dos diversos governos latino americanos. A imprensa, com poucas exceções, ainda transmite notícias incompletas, e muitas vezes cuidadosamente selecionadas, sobre o que acontece em países como Venezuela, Equador, Bolívia, México, Chile e Colômbia. É muito comum encontrar matérias negativas sobre os três primeiros nas capas dos jornais e nos noticiários, enquanto o mesmo não acontece com os três últimos, lembrando os tempos de Guerra Fria, onde havia a necessidade de desmoralizar uma ideologia política e enaltecer outra. Para a grande imprensa, o bolivarianismo é o novo bolchevismo: um perigo a ser eliminado.

3.4

Soberania, pero no mucho: a presença chinesa Durante a primeira década do século XXI diversos governos da América Latina

tentaram diminuir a presença e a influência dos EUA na região. Para isso, recorreram a uma 27

NTN24 salió del aire por decisión de Estado, confirma Maduro. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015. 28 55 casos de manipulación mediática de la Oposición venezolana. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015. 29 Mais sobre o assunto: Leyes de medios en Ecuador y en la Argentina: iguales, pero distintas. . Acesso em 20/11/2015.

55

nova aliada: a China. Tanto os países da ALBA-TCP como da Aliança do Pacífico mantém grandes laços comerciais com o país asiático. O comércio entre China e América Latina cresceu 22 vezes entre 2000 e 2014, e para a próxima década já foram fechados acordos de investimentos que chegarão ao valor de US$ 250 bilhões30. Os principais parceiros dos chineses no continente são, pela ordem: Brasil, México, Chile, Venezuela e Argentina31. Os gráficos abaixo mostram a evolução da participação chinesa na América Latina em comparação com EUA e a União Europeia32:

Figura 6: Gráfico que representa a variação do número das exportações na América Latina para EUA, União Europeia e China

Fonte: CEPAL, 2012

30

No Chile, premiê da China conclui série de acordos financeiros com a AL. Disponível em . Acesso em 20/11/2015 31 China se afianza en América Latina. Disponível em . Acesso em 20/11/2015 32 Retirado de China y América Latina y el Caribe: Hacia una relación económica y comercial estratégica, pág. 73. Disponível em . Acesso em 28/11/2015

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Figura 7: Gráfico que representa a variação do número das importações na América Latina para EUA, União Europeia e China

Fonte: CEPAL, 2012

Em matéria para a BBC Brasil33, João Fellet ressalta que de fato a presença chinesa no continente diminuiu a influência norte-americana:

Para Stephan Mothe, analista da Euromonitor International baseado no Rio de Janeiro, a crescente participação chinesa na América Latina reduz a influência dos Estados Unidos na região. Ele diz que, ao passar a contar com financiamentos de bancos estatais chineses, os países latino-americanos se tornam menos dependentes de organizações mundiais que operam na órbita de Washington, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). (FELLET, 2015)

Aponta ainda:

Uma das principais críticas à China na América Latina é a assimetria em suas trocas comerciais com a região. Os chineses compram principalmente 33

Negócios com China reduzem influência dos EUA na América Latina. . Acesso em 20/11/2015

57

matérias-primas de países latino-americanas, mas lhes vendem produtos industrializados, com maior valor agregado. (FELLET, 2015)

Essa segunda observação mostra que, mesmo tendo diminuído a influência dos EUA, a região não conseguiu superar a condição de fornecedor de matérias primas e comprador de tecnologias. A Venezuela, por exemplo, se encontra muito endividada com a China, devendo mais de US$ 36 bilhões. Ainda, há denúncias de que empresas chinesas tenham sido favorecidas com isenção de impostos na extração de minérios e petróleo e autorização para importação de mão de obra para desviar das leis trabalhistas venezuelanas. Apesar disso, alguns produtos chineses entraram no programa Mi Casa Bien Equipada, que permite que pessoas pobres comprem produtos a preços baixos34. Outro país da ALBA-TCP que se vê em uma encruzilhada entre soberania e presença chinesa é a Nicarágua. A China pretende investir mais de US$ 40 bilhões na construção do Canal da Nicarágua, que ligaria o oceano Pacífico ao Atlântico em um canal de 278 quilômetros. Esse canal rivalizaria com o Canal do Panamá, que está sob influência dos EUA. No desenvolver do projeto, de acordo com o jornalista chileno Victor Farinelli35, o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, aceitou por fim a obrigatoriedade de usar mão de obra local ou buscar apoio tecnológico em parceiros nicaraguenses. Ainda, a construção do canal pode trazer sérias consequências para o meio ambiente, uma vez que seria necessário causar desvios em rios e lagos importantes para o país. Sobre a presença da China na região, o jornalista aponta sua preocupação:

Para o resto da região, o Panamá era um símbolo, mas não uma exceção. Os demais países também foram reféns de acordos e investimentos realizados pelos Estados Unidos durante os Séculos XIX e XX, e ainda hoje, os governos da região, especialmente os de visão mais progressista, tentam se desvincular dessa dependência do capital estadunidense, e de seus interesses nas respetivas políticas internas. Não é possível fazê-lo totalmente, mas em tempos de reordenamento da geopolítica mundial, a China surge como um oásis, com a ilusão de uma parceria que trará menos dependência e uma relação menos sujeita a 34

Dados consultados em O grande credor da Venezuela, disponível em . Acesso em 20/11/2015. 35 O Canal da Nicarágua e o risco de um novo imperialismo. Disponível em . Acesso em 20/11/2015

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intervencionismos. A mesma esperança tinham os que, há cem anos ou mais, viam nos Estados Unidos uma alternativa ao imperialismo britânico ou a compromissos com a Espanha que permaneceram pendentes depois dos processos independentistas. [...] Ainda não está provado se as experiências colonizadoras calejaram os líderes latinos, principalmente os progressistas. Pode-se entender uma direita resignada ou até ansiosa em cooperar com os Estados Unidos, mas a esquerda, que sempre criticou essa situação, deveria ser a mais preparada para evitar relações que, no futuro, possam ser desfavoráveis, mesmo que venham de um país supostamente comunista – condição bastante questionável na prática. (FARINELLI, 2015)

A CEPAL também alerta para a natureza das relações comerciais entre América Latina e China36:

Para mejorar la calidad de las relaciones económicas con China, hay que avanzar en la superación de dos limitaciones importantes: • La naturaleza de las corrientes comerciales entre la región y China es casi exclusivamente interindustrial, vale decir, China vende bienes manufacturados a América Latina y el Caribe y la región le vende al país principalmente materias primas. Ello dificulta que exista una mayor densidad del comercio, deja menos espacio para inversiones conjuntas y limita una inserción más eficaz de los países de la región en las cadenas productivas de Asia y el Pacífico, que tienen cada vez más un carácter intraindustrial. • Esta marcada diferencia en la especialización productiva y comercial atenta contra mayores niveles de IED recíproca y reduce las posibilidades de mayores alianzas productivas, tecnológicas y comerciales. Avanzar, pues, en la diversificación del comercio regional con China generaría también mejores condiciones para estimular esas alianzas, las inversiones recíprocas y um intercambio comercial con mayores componentes de innovación y cambio tecnológico.(CEPAL, 2012)

A América Latina deverá mostrar nos próximos anos que é capaz de superar o papel de exportador de matérias primas e importador de tecnologias, do contrário terá dificuldade em conquistar sua soberania, ainda que os EUA não sejam mais tão influente como já foi em outros tempos. 36

China y América Latina y el Caribe: Hacia una relación económica y comercial estratégica, pág. 238. Disponível em . Acesso em 20/11/2015

59

3.5

Operação Condor nos bastidores Em 2007, é lançado oficialmente o site wikileaks.org , que tem como principal porta

voz o jornalista e ativista australiano Julian Assange, que desde 2012 está refugiado na embaixada equatoriana em Londres. O site ficou famoso após divulgar centenas de milhares de documentos secretos dos EUA, e muitos deles ganharam grande repercussão mundial, como a divulgação do vídeo de um ataque aéreo no Iraque, onde militares dos EUA atiraram e mataram 12 civis em Bagdá, inclusive dois funcionários da agência de notícias Reuters37. Para a América Latina, o site também traz informações relevantes, como a participação dos EUA nos processos políticos no continente. Um dos alvos teria sido Hugo Chávez, como informa o site da TV Brasil38: [...] Em agosto de 2004, mesmo mês do referendo revocatório promovido pela oposição com amplo apoio da missão americana, o texano William Brownfield chegou a Caracas, nomeado por George W. Bush, para assumir o posto de embaixador no país. Pragmático e sucinto, William Brownfield elaborou um plano de 5 pontos para acabar com o chavismo em médio prazo, como revela um documento do WikiLeaks analisado pela Agência Pública. O documento secreto, enviado por Brownfield a Washington em 9 de novembro de 2006, relembra as diretrizes traçadas dois anos antes. “O foco da estratégia é: 1) Fortalecer instituições democráticas, 2) Infiltrarse na base política de Chávez, 3) Dividir o Chavismo, 4) Proteger negócios vitais para os EUA, e 5) Isolar Chávez internacionalmente”, escreveu Brownfield, hoje secretário anti-narcóticos do Departamento de Estado – órgão que cuida do treinamento de forças policiais estrangeiras pelos EUA, incluindo em dezenas de países latinoamericanos. Entre 2004 e 2006, a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) realizou diversas ações para levar adiante a estratégia divisada por Brownfield, doando nada menos de US$ 15 milhões a mais de 300 organizações da sociedade civil.

37

Vídeo denuncia mortes de civis e repórteres da Reuters no Iraque. Disponível em . Acesso em 21/11/2015 38 Wikileaks revela plano dos EUA para derrubar Chávez. Disponível em . Acesso em 20/11/2015.

60

Além de mostrar que os EUA gastaram milhões em dinheiro público para financiar a oposição venezuelana, o Wikileaks mostra também que o país norte americano foi avisado antes sobre golpe de estado sofrido pelo presidente paraguaio Fernando Lugo, de centroesquerda, em 201239:

Despacho sigiloso da Embaixada dos EUA em Assunção, dirigido ao Departamento de Estado, em Washington, já informava, em 28 de março de 2009, a intenção da direita paraguaia de organizar um 'golpe democrático' no Congresso para destituir Lugo, como o simulacro de impeachment consumado na última 6ª feira. O comunicado da embaixada, divulgado pelo WikiLeaks em 30-08-2011 (http://wikileaks.org/cable/2009/03/09ASUNCION189.html) O comunicado da embaixada, divulgado pelo WikiLeaks em 30-08-2011 (http://wikileaks.org/cable/2009/03/09ASUNCION189.html) mostra que já então o plano era substituir Lugo pelo vice, Federico Franco, que assumiu agora. (LEBLON, 2012)

No caso do golpe de Honduras, em 2009, que tirou Manuel Zelaya, o site denuncia que os EUA também estavam envolvidos40:

El papado de Benedicto XVI mantuvo desde 2005 contactos con el gobierno de Estados Unidos para analizar situaciones que consideraba preocupantes en América Latina, como la asunción de gobiernos de izquierda y centroizquierda, revelan documentos diplomáticos norteamericanos difundidos por Wikileaks al diario brasileño O Estado de Sao Paulo. [...] El telegrama del 3 de abril de 2006, dice Wikileaks, indica que la Iglesia Católica pidió al gobierno de Bush hijo acciones en la región latinoamericana. Fue en una reunión en la embajada norteamericana en el Vaticano con el cardenal mexicano Juan Sandoval. (RESISTÊNCIA HONDURAS, 2013)

A presença de atores norte-americanos também se deu na Bolívia, inclusive com ameaças e, como aconteceu na Venezuela, com dinheiro público financiando a oposição: No final de 2005, Evo Morales ganhou as eleições presidenciais com a promessa de reformar a Constituição, garantir os direitos dos indígenas e 39

WikiLeaks: golpe era planejado desde 2009. Disponível em . Acesso em 20/11/2015 40 Wikileaks revela vínculos entre Vaticano y EEUU con el golpe de Estado en Honduras. Disponível em . Acesso em 20/11/2015

61

lutar contra a pobreza e o neoliberalismo. No dia 3 de janeiro de 2006, dois dias depois do seu juramento como presidente, ele recebeu o embaixador estadunidense, David N. Greenlee, que explicou a visão que a Casa Branca tinha para o futuro da Bolívia. A assistência multilateral à Bolívia, segundo o embaixador, dependia do “bom comportamento” do governo de Morales. “Ele lembrou da importância crucial das contribuições dos Estados Unidos para instituições financeiras internacionais como o Banco de Desenvolvimento Internacional (BID), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, dos quais a Bolívia dependia. “Quando pensar no BID, você deve lembrar dos Estados Unidos”, disse o embaixador. “Isto não é uma chantagem, é a simples realidade”, comentou. Poucas semanas depois de assumir o cargo, Morales anunciou o rompimento de contratos de empréstimo com o FMI. Anos mais tarde, Morales aconselhou a Grécia e outros países europeus endividados a seguir o exemplo da Bolívia e “se livrar economicamente dos caprichos do Fundo Monetário Internacional”. O Departamento de Estado norte-americano reagiu financiando a oposição boliviana. As forças políticas opositoras da região da Meia Lua começaram a receber mais ajuda. Segundo uma mensagem enviada em abril de 2007, a chancelaria dos Estados Unidos considerava que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) “deveria fortalecer os governos regionais, como forma de combater o governo central”. O informe de 2007 da USAID menciona 101 remessas de dinheiro, com um total de 4,06 milhões de dólares, “para ajudar os governos das províncias a operar estrategicamente”. O dinheiro da Casa Branca também foi destinado aos grupos indígenas locais que fossem “contra a visão das comunidades indígenas defendida por Evo Morales”. Um ano depois, os departamentos da Meia Lua estavam em aberta rebelião contra o governo de Morales e promoviam um referendo sobre a autonomia, num contexto de protestos violentos que acabaram com a vida de ao menos vinte partidários do governo. (CARTA MAIOR, traduzido por Victor Farinelli, 2015)41.

Com as denúncias do Wikileaks, e de outros órgãos, veio a público o costume dos EUA patrocinarem a oposição daqueles governantes que não lhe agradam. Sobre as informações do Wikileaks em relação à América Latina, analisa LECLAIR:

Durante a Guerra Fria, a suposta ameaça da União Soviética e a expansão do comunismo cubano serviram para justificar um grande número de intervenções políticas dos Estados Unidos com o objetivo de eliminar governos de esquerda e implantar regimes militares de direitas. Da mesma forma, as filtragens do WikiLeaks mostram como “o fantasma do bolivarianismo” venezuelano foi utilizado na década passada para justificar a 41

A estratégia dos Estados Unidos para a América Latina. Disponível . Acesso em 20/11/2015

em

62

intromissão em temas internos de governos encabeçados por líderes antineoliberais. Assim, Washington se dedicou a uma batalha oculta contra os governos da Bolívia, “que caiu nos braços da Venezuela” e do Equador, que realizava a função de “porta-voz de Chávez”. (LECLAIR, 2015)

Após décadas de apoio aos regimes militares em diversos países latino americanos, os EUA mudaram sua estratégia, passando a agir mais nos bastidores, sempre com a preocupação de não se expor. Apesar da mudança de estratégia, fica clara a preocupação do país do norte com o avanço de forças progressistas nos países do sul, a exemplo do que ocorreu durante todo o século XX.

3.6

Crise dos governos progressistas? Como citado anteriormente, países simpáticos ao projeto de integração aos moldes

chavistas apresentaram, até 2012, grandes avanços nas áreas sociais e econômicas. Venezuela, Equador, Argentina, Brasil e Bolívia, por exemplo, conseguiram combater a fome e a pobreza, ao mesmo tempo em que conseguiam crescimento econômico. Entretanto, esse quadro não é mais tão favorável em países como Venezuela, Argentina Equador e Brasil (ainda que se discuta se o governo brasileiro ainda pode ser considerado progressista). A CEPAL, em estudo divulgado em outubro de 2015, projeta um crescimento do PIB em 2015 de apenas 1.6% na Argentina e de 0,4% no Equador, enquanto para o Brasil a projeção é de uma queda de 2.8%. Para a Venezuela, país que lidera o projeto de integração comercial e cultural da América Latina, a previsão é ainda mais sombria: queda de 6.7% para 2015 e 7% para 201642. A pobreza subiu de 25,4% para 32,1% em 2013, último ano divulgado pela CEPAL43. Para piorar, a inflação poderá chegar a três dígitos em 2015, tendo sido divulgado que a inflação foi de 80% no começo do ano44. A crise venezuelana não é só econômica, mas também política. O opositor da direita radical, Lepoldo López, foi preso após liderar manifestações violentas que acabaram com 43 mortes, entre opositores, chavistas e policiais. Marina Corina Machado, outra líder da 42

Dados disponíveis em . Acessado em 20/11/2015 43 Dados disponíveis em . Acesso em 20/11/2015 44 Maduro admite inflação de 80% na Venezuela em 2015. Disponível em . Acesso em 20/11/2015

63

oposição radical, perdeu o posto de deputada após representar o Panamá em reunião da OEA, uma vez que a constituição venezuelana não permite que seus parlamentares representem outro país sem prévia aprovação do congresso45. Outro líder opositor, Antonio Ledezma, então prefeito de Caracas, foi preso em regime domiciliar, depois de ser acusado de planejar um golpe de estado junto com o estudante Lorent Saleh Gomez46, que acabara de ser deportado da Colômbia por irregularidades de documentos e acusado de participação no narcotráfico47. Pelo lado chavista, o choque ficou com o assassinato a facadas do jovem líder de esquerda, o deputado Robert Serra. O governo venezuelano alega que o país enfrenta uma “guerra econômica”, já que empresários estocam alimentos, remédios e produtos de primeira necessidade para gerar desabastecimento e, consequentemente, descontentamento na população48. Situação muito parecida com o que Salvador Allende sofreu no Chile no começo dos anos 70, onde enfrentou forte sabotagem econômica. Para agravar a crise de desabastecimento e inflação, o contrabando colombiano representa até 40% de perca dos alimentos subsidiados venezuelanos49, além do contrabando de combustíveis, que provoca um rombo de US$ 2,2 bilhões por ano na petroleira estatal PDVSA50, chave para a economia venezuelana. A queda do preço do barril de petróleo e a crise cambial também são fatores determinantes para a atual crise venezuelana. Esse cenário mostra a necessidade de que o governo bolivariano aja contra o contrabando, equilibre o valor da moeda diante do dólar e dinamize mais a produção do país, que desde o boom do petróleo, em meados dos anos 50, se resume a atividade petroleira.

45

Deputada opositora é destituída na Venezuela por usar cadeira do Panamá na OEA . Acesso em 20/11/2015 46 Nuevo video vincula a Antonio Ledezma con terrorista Lorent Saleh. Disponível em . Acesso em 20/11/2015. 47 El caso Lorent Gómez Saleh. Disponível em: . Acesso em 20/11/2015 48 Para saber mais: Empresas escondem toneladas de alimentos da população para boicotar o governo na Venezuela. Disponível em ; Em meio à crise de desabastecimento, Venezuela encontra 14 mi medicamentos vencidos. Disponível em . Ambas acessadas em 20/11/2015 49 Contrabando de productos básicos a Colombia agudiza escasez en Venezuela. Disponível em . Acesso em 20/11/2015 50 Venezuela: Contrabando de gasolina já rende tanto quanto narcotráfico. Disponível em , acesso em 20/11/2015

64

Entre 2013 e 2015, candidatos(as) mais progressistas como Michelle Bachelet (Chile), Dilma Roussef (Brasil), Tabaré Vazquéz (Uruguai), Nicolás Maduro (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia) derrotaram, uns com mais facilidade que outros, seus oponentes liberais ou conservadores, mostrando que herança de políticas sociais continua pesando no processo eleitoral, ainda que a grande imprensa se posicione contra esses governantes. As dificuldades dos governos progressistas na região se refletem atualmente no cenário eleitoral da Argentina e Venezuela. Na Argentina, o candidato liberal Mauricio Macri surpreendeu no primeiro turno das eleições presidenciais de outubro de 2015, e em novembro foi eleito com mais de 53% dos votos. Antes mesmo de assumir o cargo, já expressou sua vontade de expulsar a Venezuela do MERCOSUL, mostrando que não terá a visão de integração que tinham Néstor e Cristina Kirchner. No país caribenho, pesquisam apontam que o chavismo pode perder, pela primeira vez, as eleições parlamentares, e que Nicolás Maduro conta com uma reprovação de 70% dos venezuelanos51. Outros países da ALBA-TCP ainda apresentam crescimentos satisfatórios em 2015, como a Nicarágua (4,3%), Cuba (4%) e a Bolívia (4,4%). Os países da Aliança do Pacífico também apresentam crescimento em 2015: O Chile 2,1%, o México 2,2%, o Peru 2,7% e a Colômbia 2,9%52. Se Venezuela, Equador e Brasil conseguirem superar esse momento de crise, a América Latina poderá aprofundar a integração latina americana com mais tranquilidade. Do contrário, a estabilidade de países com menor influência e peso internacional como Bolívia, Uruguai e Nicarágua poderá não ser suficiente para manter vivo o sonho de Simón Bolívar.

3.7

A ALBA-TCP, e a integração latina americana, sem Hugo Chávez Como foi dito anteriormente, um dos principais defeitos da ALBA-TCP é a excessiva

dependência da Venezuela e de sua renda petroleira. Se o bloco não conseguir superar a condição de projeto político e se transformar em projeto popular, pode se extinguir na primeira derrota eleitoral. Ainda, a morte de Hugo Chávez e a frágil saúde de Fidel Castro deixaram a Aliança liderança carismática e peso internacional. 51

Dados disponíveis em < http://pt.scribd.com/doc/276559236/Datanalisis-Omnibus-Julio-Agosto-2015> Dados disponíveis em . Acessado em 20/11/2015 52

65

Em matéria para o site El País Brasil53, Javier Lafuente e Ewald Scharfenberg destacam que:

O atual presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não tem o carisma de seu antecessor, e outros mandatários, como o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa ou Raúl Castro, em Cuba, optaram por diversificar suas políticas externas com a participação em outros organismos, como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) ou a Celac (Comunidade de Estados da América Latina e Caribe), “mais pragmáticos do que ideológicos ou doutrinários, como a ALBA”, segundo Rafael Rojas. “A diversidade ideológica da esquerda ibero-americana acabou se impondo sobre o projeto hegemônico bolivariano”, afirma o historiador cubano. “A maior conquista foi conseguir a coesão do bloco bolivariano, introduzindo uma visão propriamente política da integração frente às visões mais comerciais e pró-mercado”, diz o analista argentino Pablo Stefanoni, que acrescenta: “O problema foi que sua força e seus limites estavam associados à diplomacia petroleira venezuelana. A ALBA era uma extensão da energia política de Chávez, e de seu petróleo, e não se pôde avançar em sua institucionalização real, nem desembarcar seus horizontes ideológicos em políticas de integração concretas.” (LAFUENTE E SCHARFENBERG, 2014)

Ou seja, projetos maiores, como a UNASUR e a CELAC, podem acabar deixando a ALBA-TCP de lado, já que são mais pragmáticos e menos ideológicos. A morte de Chávez passou também a entrar nas disputas eleitorais venezuelanas, com a oposição tentando transformar o chavismo/bolivarianismo em uma coisa do passado, e que o sucesso do socialismo do século XXI e do bolivarianismo era totalmente dependente dele, que sem ele não funcionará, como observa o sociólogo Raphael Seabra:

Essa construção busca construir um novo tipo de consenso ao redor de que qualquer tentativa de continuidade do processo bolivariano, da via venezuelana ao socialismo – independente da figura que o conduza, seja Nicolás Maduro seja qualquer outro membro do PSUV – será desastroso; Chávez seria uma espécie de tragédia venezuelana, seus continuadores seriam uma farsa. (SEABRA, 2014, pág. 194)

Nicolás Maduro, e toda a grande militância bolivariana na Venezuela, tem o desafio de mostrar o contrário. Além disso, para o futuro da ALBA-TCP se manter vivo, é necessário 53

A decadência da Alba Disponível em . Acesso em 20/11/2015

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que a militância de esquerda em toda a América Latina reivindique o bolivarianismo como uma autêntica filosofia moderna de esquerda, fato que ainda não ocorre em países que não tem Simón Bolívar como herói consagrado como é na Venezuela e Equador. Se o futuro da ALBA-TCP parece incerto sem o comandante bolivariano, a CELAC e a UNASUR não aparentam a mesma incerteza. De econtro com essa ideia, a analista política colombiana Laura Camila Castillo observa54:

[...]la CELAC (Comunidad de Estados Latinoamericanos y del Caribe) que intenta en un primer momento constituirse como un organismo que remplace a la OEA alejado de la influencia de Washington y que además integra a los países del caribe, no se juega su posibilidad de consolidación con la partida del mandatario venezolano. Aunque surge a partir de la iniciativa principalmente de Hugo Chávez, su posibilidad de fortalecerse como proceso regional ha estado fundamentada más allá de la acción venezolana en la diversidad de actores que lo integran, así como la superación de proyectos ideológicos específicos y la elección de un modo de toma de decisiones mucho más pragmático. En el caso de la UNASUR, en el que los principales liderazgos se encontraban en las acciones de Brasil y Venezuela, puede decirse que aunque su consolidación como proyecto no se ve amenazada, el papel de liderazgo queda relegado definitivamente a Brasil, país que podría empezar a capitalizar este espacio como parte de su proyecto de liderazgo regional. En ese sentido, Venezuela quedará en una segunda instancia pues el carisma e ideología característicos del Presidente Chávez no lograran más sopesar el aporte de recursos que proporciona Brasil. Como lo afirma la analista Martha Lucia Márquez, “si bien Chávez fue clave en su proceso de consolidación, las izquierdas se habían venido desmarcando de él y Brasil podría capitalizar este hecho para asumir ese liderazgo regional”. Ante este panorama, en el que la mayoría de alianzas venezolanas dependían en mayor medida de unos componentes de simpatía y carisma, y en el que la situación interna hará que Venezuela descuide un poco sus alianzas regionales, es posible que se consoliden las aspiraciones de Brasil a convertirse en líder regional y que procesos de integración en los que Venezuela es su principal líder, como el ALBA, pierdan progresivamente fuerza. (CASTILLO, 2013)

Essa observação confirma a necessidade da ALBA-TCP diminuir a dependência da Venezuela. A UNASUR e a CELAC conseguiram respaldo e consistência exatamente pela 54

La integración regional en América Latina: Perspectivas tras la muerte de Chávez. Disponível em . Acesso em 20/11/2015

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não concentração em um governo, ainda que sua criação seja fruto das políticas integracionistas de Chávez. O desafio do bloco bolivariano é manter sua inspiração cooperativa sem, ao mesmo tempo, se distanciar de outros blocos de integração. A Venezuela, por exemplo, foi integrada ao MERCOSUL em 2012, um bloco com peso econômico e diplomático muito maior, e vê sua política externa dividida entre todos esses blocos. A vantagem da UNASUR e da CELAC, no campo da integração, é que conseguem acoplar governos das mais variadas linhas políticas/ideológicas. A Aliança do Pacífico, assim como a ALCA propunha, visa à integração apenas econômica, ao contrário da ALBA-TCP, que propõe integração tanto na área econômica quanto na área social e cultural. Mesmo que não tenha sido planejado, esses dois blocos, ao contrário de fortalecer a integração, criam dois polos ideológicos no continente, ainda que a ALBA-TCP tenha claramente como objetivo a integração de toda a América Latina. A UNASUR e a CELAC, ao contrário, integra os países em torno da autonomia política da América do Sul e da América Latina, respectivamente. Essa proposta, principalmente da CELAC, de unir os países da América Latina e do Caribe sem a presença de Canadá e EUA, mas sem se posicionar ideologicamente, pode ser a chave para o sucesso da integração. Atualmente, a América se divide em quatro grandes blocos: O NAFTA, a ALBA-TCP, a Aliança do Pacífico e o MERCOSUL, como mostra o mapa abaixo:

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Figura 8- Mapa de Localização Geográfica dos Blocos

O tempo dirá se essa integração se consolidará e trará soberania para a América Latina e Caribe. Dirá também se o temor de Evo Morales e de outros governadores progressistas, de que o modelo neoliberal adotado pela Aliança do Pacífico pode travar esse processo de integração, se concretizará. Caso se concretize se confirmaria a ideia propagada pela ALBATCP, de que só é possível integração com cooperação, e não com competição entre as economias. Caso não se concretize se confirmaria a tese de que é possível uma integração mesmo com países divergentes ideologicamente, desde que a soberania da América Latina seja a prioridade, como propõe a CELAC.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A América Latina vivenciou desde a chegada de Cristóvão Colombo, diversas fases de inserção no cenário mundial e diferentes modelos de desenvolvimento. Inicialmente um modelo que buscava a exploração das riquezas naturais até um acelerado processo de industrialização e urbanização, no decorrer do século XX. Hoje se observa um interesse de adaptação dos países latino-americanos às exigências internacionais e um esforço para garantir um posicionamento tanto econômico, político e social no cenário globalizado. No entanto, se observa em sua história que as contradições pertinentes ao sistema foram e são responsáveis pelas trajetórias de desenvolvimento projetadas. As economias latino-americanas se inserem na esfera internacional como dependentes e subdesenvolvidas. Essa verificação é motivada ao próprio atraso do momento em que esses países passaram a participar efetivamente do comércio mundial bem como da natureza de dependência de recursos financeiros para evoluir na industrialização de suas economias. Ainda assim, seguem suprindo o sistema central de matéria-prima e mercadorias de baixo valor agregado. A ALCA viria para consolidar esse cenário, onde os EUA teriam um maior controle sobre a economia dos demais países americanos, e, consequentemente, aumentaria sua presença no campo militar e cultural. Nesse contexto, os movimentos sociais apareceram com força, em todo o continente, contra o projeto de livre comércio. Grandes manifestações populares mostraram para os EUA, e para o mundo, que as políticas de liberalização econômica e a perda da soberania nacional não eram bem vistas e que apresentavam perigo para a sociedade em geral. Junto aos movimentos sociais, líderes políticos como Hugo Chávez e Evo Morales também decidiram combater a ALCA, e para isso apostaram na integração regional. Os projetos de integração latino-americana visavam inicialmente a área econômica, mas a partir dos anos 2000, com a falência da agenda neoliberal, podemos constatar a ascensão de alternativas focadas não somente na área econômica e comercial, mas também no âmbito social e político, como a UNASUR, CELAC e ALBA-TCP, que já conseguem discutir e tomar decisões sem a presença de EUA e Canadá.

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Essa mudança no cenário político mostrou, mais cedo do que muitos imaginavam, que a queda do bloco socialista não significou a vitória definitiva do neoliberalismo. A intervenção dos Estados na economia, depois de mais de dez anos de desregulamentação, trouxe benefícios sociais em curto e médio prazo, chegando a influenciar partidos europeus, como o espanhol Podemos. A esquerda da América Latina chamou a atenção do mundo pouco mais de uma década depois do neoliberalismo ser taxado como definitivo e irreversível. A ALBA-TCP insere-se no cenário mundial como uma alternativa onde os integrantes questionam o atual projeto de hegemonia norte-americana e almejam em suas dinâmicas, a superação dos problemas derivados da situação de submissão da região latino-americana as propostas do centro dominante. Entretanto, se o projeto não ultrapassar a condição de bloco de integração estatal e realmente não se consolidar como movimento de união dos povos e dos movimentos sociais da América Latina, como se propõe, pode sucumbir na primeira derrota eleitoral, principalmente na Venezuela, que ainda centraliza as decisões, e passa por grave crise política e econômica. Não apenas a Venezuela passa por crise, mas também Brasil e Argentina. Essa crise pode acabar gerando retrocesso no âmbito da integração na América Latina. O recém-eleito Mauricio Macri, eleito também pelo esgotamento da esquerda argentina, já demonstrou que não pretende seguir a política externa dos Kirchner’s, ameaçando expulsar a Venezuela do MERCOSUL, alegando problemas democráticos. A tendência é que, caso outros países importantes elejam neoliberais, a integração política, social, cultural e econômica proposta pela ALBA-TCP e por líderes como Lula e Pepe Mujica desapareça. Para que a integração latino-americana não seja refém de vitórias eleitorais, os movimentos sociais devem reaparecer com a mesma força de quando combateram a ALCA. Os próprios dirigentes políticos devem trabalhar nesse sentido, permitindo que movimentos sociais e militantes cobrem e discordem livremente os governantes, como nem sempre acontece com o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) e no Partido dos Trabalhadores.

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No Brasil, especificamente, não houve uma grande tentativa por parte dos governos de Lula e Dilma Rousseff de trazer o debate sobre identidade latino-americana para a população em geral, diminuindo o grande potencial do país em ser liderança no campo da integração. A integração aos moldes da proposta por Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor e Cristina Kirchner e depende da estabilidade dos países que buscam tal integração. Esses países enfrentam seu maior desafio atualmente: segurar os eleitores que conquistou na época de “vacas gordas”. Para isso, precisam resolver os problemas econômicos que enfrentam, principalmente na Venezuela, e preservar as conquistas da última década. Não é possível lutar pela integração com graves problemas internos, onde cada país só olha pra dentro, sem olhar pros países vizinhos. Em suma, a América Latina atravessa uma encruzilhada: ou os movimentos sociais e os agentes políticos progressistas repetem o sucesso de Mar Del Plata em 2005, quando barraram de vez a ALCA, ou o continente pode voltar ao ciclo da década de 1990, onde o neoliberalismo foi devastador. E há um agravante: a esquerda surgia como esperança durante a crise neoliberal, mas, se falhar como governo, pode empurrar parte da população para aqueles que surgem como “nova alternativa”, como Maurício Macri, que se apresenta como “novo”, mas que na verdade defende as mesmas ideias que levaram a América Latina ao colapso e à necessidade de governos progressistas. Os próximos anos serão fundamentais para a esquerda latino-americana se reinventar e continuar como referência para a esquerda mundial. Do contrário, podemos entrar em um novo ciclo de neoliberalismo desenfreado, mas dessa vez com uma esquerda desacreditada.

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