Da Necessidade Metafísica

July 6, 2017 | Autor: André Fontes | Categoria: Philosophy
Share Embed


Descrição do Produto

Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa




A necessidade metafísica
segundo Schopenhauer





André Fontes
nº 46023
Ano Lectivo: 2014/2015


Índice

Nota Introductória 3
A necessidade metafísica, segundo Schopenhauer 4
Comentário Final 7
Bibliografia. 8



Nota Introductória
O texto redigido por Arthur Schopenhauer, Da Necessidade Metafísica, começa com a célebre asserção de que "À excepção do homem, nenhum outro ser se espanta da sua própria existência" (SCHOPENHAUER, 1938).
Schopenhauer, tal como Aristóteles, atribui à admiração a causa do questionamento metafísico; porém, não seria de estranhar que o autor não resista a afirmar que o interesse metafísico do ser humano surja de uma necessidade que encontra as suas origens num desespero perante a dor da existência. Longe de ser um tema controverso, a metafísica – especialmente após Kant – viu-se envolvida em novas problemáticas que não pouparam dificuldades aos autores que sobre ela se debruçaram. Schopenhauer, como um admirador assumido de Kant, não apenas enfrentou estas dificuldades aceitando que estas já não poderiam ser erradicadas da especulação metafísica, mas chegou mesmo a acreditar tê-las superado.
No seu texto, Da Necessidade Metafísica, Schopenhauer empenha-se em revelar as origens psicológicas do questionamento metafísico e as diferentes doutrinas que este questionamento deu origem; não hesitando em criticá-las sem qualquer subtil disfarce das suas preferências em relação a tais doutrinas.


A necessidade metafísica, segundo Schopenhauer
"O homem é um animal metafísico." (SCHOPENHAUER, 1938)
Afirma Schopenhauer no seu texto Da Necessidade Metafísica. Tal afirmação exprime a crença, por parte do autor, numa relação directa da especulação metafísica com a natureza humana. De facto, para Schopenhauer, apenas o ser humano possui uma natureza intrinsecamente ligada com a metafísica, pois, como nos diz o próprio:
"A sabedoria da natureza fala ainda no olhar calmo do animal; porque nele, o intelecto e a vontade não divergem bastante para que ao encontrarem-se sejam um para o outro, motivo de espanto." (SCHOPENHAUER, 1938)
O que significa que o ser humano se distingue dos restantes espécimes devido a neste se ter dado o desenvolvimento da faculdade da razão, que por sua vez, trouxe consigo a consequência da inevitabilidade da reflexão; que o levou, não apenas a pensar de modo a satisfazer as suas necessidades de autoconservação e desenvolvimento, mas também de modo a surpreender-se com a própria existência. Para o ser humano, tornou-se impossível reconhecer a sua existência sem lhe atribuir um «porquê»; um «porquê» que não é desvinculado do reconhecimento da finitude dessa mesma existência. Este espanto perante a própria existência, ao qual Schopenhauer à semelhança de Aristóteles, atribui a causa do pensamento filosófico, encontra-se intimamente ligado com a dor que a existência comporta, assim como a angústia perante a consideração da morte:
"(…) pois, sem dúvida alguma, é o conhecimento das coisas da morte e a consideração da dor e da miséria da vida que dão o mais forte impulso ao pensamento filosófico e à explicação metafísica do mundo." (SCHOPENHAUER, 1938, p.19)
A necessidade metafísica, enquanto uma reacção impulsiva à dor e miséria de uma existência finita, é para Schopenhauer, algo que podemos apelidar (se nos é permitido) de axioma empírico. Assim, por detrás de uma crença metafísica encontra-se a necessidade de acreditar num mundo calculável, estável, justo e eterno; um outro mundo que corrige os defeitos de um mundo que pouco mais tem a oferecer do que dor, incerteza, ilusão e falta de propósito. Schopenhauer acreditava que a satisfação desta necessidade acompanhava os primórdios da existência da humanidade; que a sua satisfação tem vindo a assumir várias formas, não se apresentando apenas sob a forma de sistemas filosóficos, mas também sob a forma de religiões e cultos.
A estas diferentes formas de satisfazer a necessidade metafísica, Schopenhauer, apelidou-as de Doutrinas de Razão – nas quais se incluem a filosofia e as ciências naturais – e as Doutrinas de Fé – que dizem respeito às religiões e cultos. Schopenhauer reconhece que as religiões e os cultos – ou Doutrinas de Fé – correspondem ao meio mais comum e eficiente pela qual a necessidade metafísica é satisfeita. As religiões enquanto sistemas metafísicos são, segundo Schopenhauer, acessíveis à maioria dos indivíduos, precisamente porque as suas doutrinas exercem uma maior influência nas emoções dos crentes; nomeadamente, no medo e no desespero – Schopenhauer, afirma que a capacidade das religiões, através da sua aparente irracionalidade, de satisfazerem simultaneamente a necessidade de eternidade, de alívio da dor da existência e da necessidade de uma autoridade paternal, é causa do seu sucesso perante as massas.
"É para a multidão, pelo contrário, para as pessoas incapazes de pensar, que são feitos (…) A multidão só pode crer e inclinar-se perante uma autoridade, não tendo o raciocínio nenhuma influência sobre ela." (SCHOPENHAUER, 1938, p.27)
Já as Doutrinas de Razão, não podendo contar com a mesma popularidade, são reservadas a um menor número de indivíduos que, Schopenhauer crê, serem dotados de "(…) reflexão, cultura, tempo disponível e juízo" (SCHOPENHAUER, 1938, p.26). Não surpreendentemente, Schopenhauer não emprega quaisquer subtilezas em exprimir a sua preferência por esta doutrina metafísica; prestando elogios ao seu método, que tem como a base a reflexão e os estudos e que "(…) traz em si mesma a sua confirmação e a outra procura-a fora de si." (SCHOPENHAUER, 1938, p.26) – i.e., que a filosofia e as ciências sustentam as suas crenças em conclusões extraídas da coerência dos seus raciocínios, ao passo que a religião procura a confirmação das suas crenças por via de mistérios, alegorias e milagres, fora daquilo que pode ser compreendido pelo homem.
Os sistemas filosóficos enfrentam obstáculos às suas certezas que a religião não poderia enfrentar sem perder a sua natureza assertiva. Schopenhauer, reconhece que parte destas dificuldades são provenientes da distinção kantiana entre fenómeno e coisa-em-si. Aliás, não é apenas a religião que teria algo a perder se enfrentasse tais dificuldades, também as ciências naturais – entre as quais, se destacam a física e a biologia – empregam um método de conhecimento que não considera quaisquer limitações na acessibilidade da percepção humana ao conhecimento da essência de um fenómeno – à coisa-em-si.
Assim sendo, uma das críticas dirigidas por Schopenhauer às ciências naturais, consiste no facto destas não atingirem um conhecimento real do mundo, mas apenas um conhecimento limitado pela relação do sujeito com o fenómeno.
Schopenhauer, reconhecendo que a metafísica – enquanto doutrina filosófica – enfrenta duras críticas em relação à falta de certezas duradouras que conquistou, apela ao facto de que esta tem também sido alvo de uma opressão por parte das doutrinas religiosas que se apoderam desta como meio para a confirmação dos seus dogmas; que apropriação da metafísica filosófica por parte da religião e a consequente censura dos seus métodos críticos, a nada levou ambas as doutrinas metafísicas senão "(…) pervertê-las a ambas." (SCHOPENHAUER, 1938, p.34). Para Schopenhauer, a perversão surge precisamente quando a filosofia se vê apropriada pelos dogmas da religião e quando a religião abdica da sua natureza alegórica e das suas verdades imediatas submetendo-as à crítica e ao cepticismo – como nos diz o filósofo:
"Ambas estas categorias de metafísicas teriam interesse em manter-se puras de toda a mistura com a classe vizinha; cada uma delas deveria manter-se estritamente no seu domínio próprio, para desenvolver a sua essência." (SCHOPENHAUER, 1938, p.34)
A essência de cada uma das doutrinas que satisfazem a necessidade metafísica deve ser manter-se fiel a si mesma. Isto porque, as diferentes doutrinas correspondem às necessidades de diferentes indivíduos. Schopenhauer, como um adepto assumido das Doutrinas da Razão, um adepto que acreditou ter ultrapassado os obstáculos que impossibilitavam a decifração do enigma do mundo, conclui que nenhuma metafísica tem outro dever além de ser verdadeira – i.e., que o único dever de uma metafísica é satisfazer a necessidade que lhe dá origem.


Comentário Final
Concederia Schopenhauer o "direito de cidadania" a qualquer doutrina metafísica que se encarregasse de definir o que o mundo «é»? Obviamente que não. As suas críticas à religião consistem não apenas em críticas negativas às suas crenças como também aos seus crentes; não sendo mais gentil com as ciências naturais, apela à insuficiência destas e crítica a pretensão que estas possuem ao definirem o que o mundo «é», enquanto apenas, descrevem o que o mundo nos «parece». Apenas a filosofia, diz-nos, "(…) é essencialmente a ciência do mundo (…)" (SCHOPENHAUER, 1938, p.75) – mas nem toda a filosofia: para Schopenhauer, só existe uma doutrina filosófica que decifrou o enigma do mundo, a sua. Para Schopenhauer, o mundo é a representação de uma «vontade»; uma vontade que se equipara a uma força vital, faminta e impiedosa que é a causa de todos os fenómenos orgânicos e inorgânicos. O meio pelo qual Schopenhauer conclui que o mundo possui tal essência é através da introspecção; acreditando que o sujeito se pode conhecer a si próprio enquanto uma coisa-em-si, Schopenhauer aparentou depositar grande confiança nas verdades obtidas por via da instrospecção.
Por conseguinte, não será absurdo concluirmos que a sua descoberta de uma necessidade metafísica, também tenha sido atingida pela mesma via. Ironicamente, a sua descoberta desta necessidade que tem a origem numa tentativa desesperada de definir o mundo, como meio para o alívio do sofrimento causado pela sua instabilidade e pela finitude da própria vida, pode, justamente, levar-nos a olhar qualquer metafísica com um olhar suspeito – incluindo a de Schopenhauer.
Ou então, podemos considerar qualquer verdade metafísica como uma inevitável satisfação de uma tirânica necessidade imposta pela existência; como uma necessidade que conduz a juízos que podem ser refutados, mas que por mais errados que os possamos julgar não deixam de servir uma necessidade irrefutável.
"Para nós, a falsidade de um juízo não constitui nenhuma objecção contra ele (…) A questão é saber quanto é que um juízo corresponde às exigências da vida, de conservação da vida, de que modo conserva e talvez mesmo de que modo aperfeiçoa a espécie (…)" (NIETZSCHE, 1999, p.14)


Bibliografia

SCHOPENHAUER, A., Da Necessidade Metafísica, Ed. Inquérito, Lisboa, 1938.
SCHOPENHAUER, A., O Mundo Como Vontade e Representação, Rés Formalpress, Lisboa, ISBN: 9789727030972
NIETZSCHE, F., Para Além do Bem e do Mal, Relógio d´Água, 1999, ISBN: 9789727085255




A necessidade metafísica segundo Schopenhauer


André Fontes, nº 46023 8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.