Da Parceria Agrícola face ao Arrendamento Rural no Direito Português – apontamentos breves

May 23, 2017 | Autor: Manuel David Masseno | Categoria: Agricultural Law, Agricultural Contracts
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Da Parceria Agrícola face ao Arrendamento Rural no Direito Português – apontamentos breves Beja, 15 de janeiro de 2015

Manuel David Masseno

UMAU 1

Da Parceria Agrícola…

Uma primeira aproximação ao objeto… 



“«Contrato de parceria» o contrato pelo qual uma ou mais pessoas, o parceiro proprietário, entregam a outra ou outras, o parceiro pensador ou cultivador, para estas criarem e ou explorarem, animais e ou prédios rústicos, com o ajuste de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção” (Art.º 5.º alínea n) “Arrendamento rural é a locação, total ou parcial, de prédios rústicos para fins agrícolas, florestais, ou outras actividades de produção de bens ou serviços associadas à agricultura, à pecuária ou à florestal.” (Art.º 2.º n.º 1)  nos termos do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, a Nova Lei do Arrendamento Rural 2

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I – um ensaio de análise estrutural 

um distinção típica fundamental: sendo ambos contratos onerosos e sinalagmáticos, o arrendamento rural e a parceria agrícola constituem tipos sociais e, sobretudo, reais normativos distintos: 

o arredamento rural, enquanto species do genus locação, corresponde a um ‘contrato de troca’, i.e., um contrato que implica a comutação de uma coisa ou serviço por uma contrapartida certa; aliás, já assim era em Direito Romano, com as 3 formas da locatio condutio (rei, opera e operarum), bem como com os vários tipos constantes do Livro 20 do Digesto. 

o contrato de troca por excelência é o de compra e venda, ou seja “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” (Art.º 939.º do Código Civil) 3

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inclusive, a disciplina da compra e venda aplica-se subsidiariamente aos demais “contratos de troca” (ex Art.º 939.º do Código Civil)

já a parceria agrícola é um ‘contrato associativo’, i.e., um contrato no qual as partes concorrem para um fim comum, partilhando o risco económico que lhes subjaz 

neste caso, o tipo normativo de referência é o contrato de sociedade, “[…] aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade” (Art.º 980.º, também do CC)

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para os nossos fins, será útil uma aproximação à Teoria dos Jogos pode ser útil, com a distinção entre “Jogos de Soma Nula” (os contratos de troca) e os “Jogos de Soma Positiva” (os contratos associativos), em atenção à diferente divisão do risco 



embora, dos vínculos com a matriz dos Jogos de Soma Nula também resultem vantagens para a sociedade em termos gerais, além de quem os joga, ou os contratos com tal estrutura nem seriam válidos, por falta de causa ou por terem uma causa ilícita além disso, as noções de quo reúnem séries de tipos, cujas contrapartidas podem ser diferentes, id est, tipos contratuais que comportam assimetrias, à partida, no que se refere às posições dos contraentes, as quais ditarão estratégias distintas na maximização dos benefícios para cada uma delas 5

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nomeadamente, nos contratos de troca assim é no de trabalho, no mandato profissional ou na doação enquanto, nos contratos associativos, tal ocorre no consórcio, na associação em participação e nas sociedades em comandita, simples ou por ações existem ainda formas contratuais mistas [e Jogos Mistos], não apenas entre tipos da mesma espécie, como a doação modal ou a venda por preço inferior ao custo. É assim com a presença de cláusulas típicas de contratos de troca em contratos associativos, e vice versa, por exemplo nas unidades de participação em fundos de investimento estruturado, na participação nos resultados pelos trabalhadores ou nos títulos de participação com remuneração mínima garantida 6

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II – a passagem do tempo 

segundo os Historiadores do Direito a distinção entre o arrendamento rural, i.e., a disponibilização de terras por uma contrapartida fixa, e parceria agrícola, quando a contrapartida depende da produção, remonta a 4 mil anos, pelo menos 



assim, no Egito foram encontrados papiros com registos de parcerias do tempo da XI Dinastía, c. 2000 anos a.C., entre os Templos e cultivadores também na Mesopotâmia, tais vínculos não eram identificados entre si, como o demonstra o Código de Hammurabi (c. 1700 a.C.): 7

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§45 “Se alguém der seu campo a cultivar mediante uma renda e recebe a renda do seu campo, mas sobrevier uma tempestade e destrói a colheita, o dano recai sobre o cultivador.” §46 “Se ele não recebe a renda do seu campo, mas o der pela terça ou quarta parte, o trigo que está no campo deverá ser dividido segundo as partes entre o cultivador e o dono.”

por sua vez, em Direito Romano, a propósito da locatio conductio rei, no arrendamento de terras, como aliás em todas as formas de locatio conductio, um dos carateres essenciais era a remuneração através de uma merces certa (D. 19.2.25.6), distinguindo-a Ulpiano a propósito da perda da colheita: “agrum politori damus in commune quaerendis fructibus” (D.17.2.52.2) 8

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aliás, a Colonia Partiaria resultava de uma lex, a Lex Manciana (ao tempo do Imperador Vespasiano, Sec. I), destinada à colonização do Ager Publicus, sendo considerada a mesma por Gaio como semelhante à sociedade: “alioquin partiarius colonus quasi societatis iure et damnum et lucrum cum domino fundi partitur” (D. 19.2.25.6)

esta mesma orientação prevaleceu entre nós até meados dos Anos 60 do Séc. XX… 

nas Idades Média e Moderna, nas Ordenações Filipinas, enquanto o arrendamento de terras, era regulado a propósito da locação (Livro IV, Títulos IX e XVII), o dar herdade a lavrar “a parceiro de meias ou a terço, ou quarto”, o era logo depois do Contrato de Sociedade ou Companhia (Livro IV, Título XLV), isto apesar do caráter fragmentário de ambas as disciplinas 9

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no Código de Seabra de 1867, enquanto o arrendamento de prédios rústicos era disciplinado com a locação (Art.ºs 1595.º e ss., maxime Art.ºs 1606.º a 1622.º e 1627.º a 1631.º), a parceria rural (Art.º 1298.º a 1305.º), desdobrada em parceria agrícola e parceria pecuária, surgia entre as sociedades civis; embora alguns Autores, sobretudo por influência das Doutrinas Francesa e Italiana, a aproximassem ao longo do Século XX, a influência italiana acentuou-se, até decisivamente, embora a Carta della Mezzadria, aprovada pelo Consiglio Nazionale delle Corporazioni, a 13 de maio, de 1933, destinada a promover a associação entre o capital e trabalho, sob a direção do primeiro, depois vertida no Codice Civile de 1942 (Art.ºs 2141.º a 2169.º), não tenha tido eco, apesar da, proclamada natureza “Corporativa” do Regime e até da aprovação do Estatuto do Trabalho Nacional no setembro seguinte 10

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o Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, ao aprovar o novo Código Civil determinou que “Ao contrato de parceria agrícola são aplicáveis, para o futuro, as disposições que regulam o arrendamento rural.” (Art.º 11.º), no seguimento da Legge de 15 setembro de 1964, n.º 756, que fez reconduzir os contratos agrários associativos ao affitto di fondo rustico

na II República, assistimos a uma evolução errática, até à atual Lei do Arrendamento Rural 

na sequência dos movimentos sociais ligados a uma Reforma Agrária, com relevância sobretudo para o Norte e o Centro do país, foi aprovada uma Lei do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 201/75, de 15 de Abril) derrogando o Código Civil, que proíbe a parceria agrícola e determina a sua conversão forçada em arrendamento rural, no prazo de 90 dias (Art.º 44.º) 11

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no entanto, sempre no contexto de uma Reforma Agrária, a Constituição de 2 de abril de 1976, reverte a disciplina revolucionária e estabelece, de forma mais moderada e possibilista, que “Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime da parceria agrícola.” (Art.º 101.º n.º 2) nesta sequência, a Lei do Arrendamento Rural, de 1977 (Lei n. 76/77, de 29 de setembro), reintroduz o contrato de parceria agrícola (Art.ºs 30.º a 33.º e 50.º), em termos definitivamente transitórios, apenas para os existentes, regulando ainda os contratos mistos de arrendamento e parceria, dado resposta ao “caseirado”. a mesma linha foi seguida pela Lei de 1988 (Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro), embora sem impedir a celebração de novos contratos de parceria agrícola 12

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III – a situação atual 

assumidamente, a atual Lei do Arrendamento Rural é a mais liberal desde a entrada em vigor da Lei n.º 2114, de 15 de junho de 1962: 



no seu afã modernizador e desregulamentador, ensaiando uma adequação aos novos rumos da Política Agrícola Comum da EU, o Legislador procurou deixar claros e separados os papéis do senhorio, enquanto titular dos capital fundiário, e do rendeiro, enquanto empresário rural, com o inerente risco tal opção política, além de concretizar a norma constitucional, mas sem ser acompanhada de medidas de Política Agrária, levou à concentração num tipo real normativo único os contratos para o aproveitamento agrícola da terra (Art.ºs 3.º e 36.º) e não só desses, incluindo os serviços rurais e ambientais (Art.º 4.º n.º 4) 13

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em consequência, foi proibida tanto a celebração de contratos de parceria agrícola quanto os mistos de arrendamento rural e parceria agrícola (Art.º 36.º): 







é notória a grande proximidade ao regime constante da Legge, de 3 maio de 1982, n.º 203, embora sem o detalhe desta no que se refere às formas de conversão em affitto da colonia parziaria e da mezzadria a transição será progressiva, aquando da renovação ou até à morte do parceiro cultivador, caso nenhuma das partes requeira a conversão (n.ºs 3 e 4) porém, no arrendamento florestal continuam a ser lícitos novos contratos com cláusulas de repartição, ainda que parcial, dos resultados (n.º 5 e Art.º 11.º n.º 3) já a parceria pecuária mantem-se, ainda que com uma relevância residual (Art.º 36.º n.º 4 e Art.ºs 1121.º a 1128.º do Código Civil) 14

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mas, poderia ter sido diferente a opção legislativa? Claro que sim! 





a norma constitucional, além de estritamente programática, corresponde a um contexto económico e social que já não existe os nossos mais próximos parceiros e competidores, a França (Loi n.º 88-1202, de 30 de dezembro) e a Espanha (Ley 26/2005, de 30 de novembro), mantiveram o contrato de parceria agrícola, ainda que aproximando-o do de arrendamento rural e com um reforço da posição do parceiro cultivador, e na Itália a Corte Costituzionale limitou o alcance da Legge de 1982 o Legislador poderia ter modernizado o contrato de parceria agrícola, até em linha com a tradição portuguesa, e alinhando-o com as atuais tendências para a integração vertical, mas não o fez… 15

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