DA PENA À PELÍCULA - AS PERSONAGENS DE CARANDIRU
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MELODY PABLOS SOUZA
DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo – SP, 2009
MELODY PABLOS SOUZA
DA PENA À PELÍCULA: AS PERSONAGENS DE CARANDIRU Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de PósGraduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª Drª Sandra Lúcia Amaral de Assis Reimão.
Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo – SP, 2009
Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. William Shakespeare
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores da Metodista, pelos ensinamentos e conselhos, em especial à Sandra Reimão, que me orientou nesta jornada.
Agradeço aos meus pais e ao Maicon, pelo apoio e, principalmente, pela paciência neste período.
LISTA DE TABELAS
§ Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS ......................................................................................................................... 24 § Tabela 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA ......................................................................................................................... 38 §
Tabela 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO ............................................. 54
§ Tabela 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR IDADE E SEXO ......................................................................................................................... 97 § Tabela 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR SITUAÇÃO ......................................................................................................................... 98 § Tabela 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS ......................................................................................................................... 99 § Tabela 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA RAÇA ....................................................................................................................... 100 § Tabela 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS ................................................................................................ 101 § Tabela 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR ENFERMIDADE ....................................................................................................................... 102 § Tabela 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR CRIME COMETIDO .............................................................................................. 103 § Tabela 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 104 § Tabela 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU COM A CASA DE DETENÇÃO ............................................................................ 104
§
Tabela 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME ......................................... 110
§ Tabela 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR IDADE E SEXO ......................................................................................................... 115 § Tabela 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR SITUAÇÃO .................................................................................................................... 116 § Tabela 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS .................................................................................................................... 116 § Tabela 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA RAÇA .................................................................................................................... 117 § Tabela 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS ............................................................... 118 § Tabela 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR ENFERMIDADE ...................................................................................... 119 § Tabela 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR CRIME COMETIDO .............................................................................................. 120 § Tabela 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO ......................................................................... 121 § Tabela 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU A CASA DE DETENÇÃO ....................................................................................... 122 §
Tabela 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS ................................................................ 134
§
Tabela 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS ...................................... 176
§ Tabela 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ............................................................... 181 § Tabela 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS ................................................. 182 § Tabela 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELA HISTÓRIA .................................................................................................................... 183
§ Tabela 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS .................................................................................................................... 185 § Tabela 29 – ORIGEM DE SEU PIRES ......................................................................... 187 § Tabela 30 – ORIGEM DE DALVA .............................................................................. 190 § Tabela 31 – ORIGEM DE ROSIRENE ......................................................................... 191 § Tabela 32 – ORIGEM DE DINA .................................................................................. 193 § Tabela 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO ............................................................... 194 § Tabela 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS ......................................................... 195 § Tabela 35 – ORIGEM DE CÉLIA ................................................................................ 196 § Tabela 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE ................................................................. 197 § Tabela 37 – ORIGEM DE CATARINA ....................................................................... 198 § Tabela 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS SECUNDÁRIAS .................................................................................................................... 199
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
§
Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL .................................. 28
§
Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA ....................................... 28
§
Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA ......................................... 29
LISTA DE SIGLAS
§ ABC ..................................... Região de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, no estado de São Paulo § AIDS .................................... Acquired Immunodeficiency Syndrome (em português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) §
ALE ..................................... Alemanha
§
AUS ..................................... Austrália
§
CBL ..................................... Câmara Brasileira do Livro
§
DCMS ................................. Departme nt for Culture, Media and Sport
§
DM ...................................... Doente Mental
§ DVD .................................... Digital Video Disc (em português, Disco Digital de Vídeo) §
EUA ...................................
§
FRA .................................... França
Estados Unidos da América
§ HIV ..................................... Human Imunodeficiency Virus (em português, Vírus da Imunodeficiência Humana) §
HQ ...................................... História em quadrinhos
§
IBGE ..................................
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
§
ING ....................................
Inglaterra
§
ITA ..................................... Itália
§
JAP ..................................... Japão
§
PIB......................................
Produto Interno Bruto
§
PM .....................................
Policial Militar
§
SEBRAE ............................
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
§
SNEL .................................
Sindicato Nacional dos Editores de Livros
§ UNESCO............................
Organização das Nações Unidas para a Educação, a C iência e a Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15 Acerca deste estudo ........................................................................................... 16 Carandiru pelos olhos da crítica ....................................................................... 18
CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA ..................................................................... 20 1. Criatividade versus Inovação ........................................................................ 21 2. As Indústrias Criativas .................................................................................. 22 3. As Indústrias Culturais .................................................................................. 23 4. Clusters Criativos .......................................................................................... 25 5. Propriedade Intelectual .................................................................................. 26 6. A Economia da Cultura e da Criatividade ..................................................... 27 7. A Indústria Editorial ...................................................................................... 31 8. A Indústria Cinematográfica ......................................................................... 34
CAPÍTULO II – ADAPTAÇÃO ................................................................................ 37 1. Acerca da Adaptação Fílmica ..................................................................... 37 2. Acerca da Adaptação Literária para o Cinema ............................................ 46 3. Acerca das Personagens .............................................................................. 48 4. Acerca das Obras Analisadas ...................................................................... 49 4.1. Estação Carandiru ............................................................................... 49 4.2. Carandiru ............................................................................................. 50
CAPÍTULO III – O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU: suas personagens ........... 51 1. Estação Carandiru : O Livro ....................................................................... 51 2. Estação Carandiru : Suas Personagens ....................................................... 53
CAPÍTULO IV – O FILME CARANDIRU: suas personagens ............................. 106 1. Carandiru: O Filme ................................................................................... 106 2. Carandiru: Suas Personagens ................................................................... 109
CAPÍTULO V – AS PERSONAGENS DE CARANDIRU: uma análise .............. 123 1. As Personagens Principais ........................................................................ 123 1.1. As Personagens Principais de Estação Carandiru ........................... 124 1.2. As Personagens Principais de Carandiru ......................................... 124 1.2.1. Deusdete ............................................................................... 125 1.2.2. Zico ...................................................................................... 126 1.2.3. Majestade ............................................................................. 127 1.2.4. Sem Chance .......................................................................... 128 1.2.5. Lady Di ................................................................................. 129 1.2.6. Nego Preto ............................................................................ 130 1.2.7. Seu Chico ............................................................................. 130 1.2.8. Ezequiel ................................................................................ 131 1.2.9. Peixeira ................................................................................. 132 1.2.10. Médico .................................................................................. 133 2. A Origem das Personagens Principais ...................................................... 137 2.1. Deusdete ........................................................................................... 137 2.2. Zico .................................................................................................. 141 2.3. Majestade ......................................................................................... 145 2.4. Sem Chance ...................................................................................... 154 2.5. Lady Di ............................................................................................. 156 2.6. Nego Preto ........................................................................................ 158 2.7. Seu Chico ......................................................................................... 165 2.8. Ezequiel ............................................................................................ 168 2.9. Peixeira ............................................................................................. 170 2.10. Médico .............................................................................................. 172
3. As Personagens Secundárias ..................................................................... 186 3.1. Núcleo Seu Pires .............................................................................. 186 3.2. Núcleo Majestade ............................................................................. 188 3.3. Núcleo Claudiomiro ......................................................................... 192 3.4. Núcleo Deusdete .............................................................................. 196
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS ....................................................... 205
RESUMO
Este estudo enfoca a transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para o cinema, no que tange à construção de suas personagens. Para tanto, fez-se um levantamento das personagens e de suas características, de ambas as obras. O objetivo maior é compreender as escolhas feitas durante este diálogo entre mídias, que originou o filme Carandiru, de Hector Babenco, visto que houve uma grande redução no número de personagens. Para esta análise, adotou-se a pesquisa descritiva como procedimento metodológico. Constatouse que a maior parte das origens das personagens cinematográficas vem de fusões de personagens literárias. Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas e algumas que foram eliminadas. Não se encontrou nenhuma personagem acrescentada.
Palavras-chave: Adaptação literária, cinema, transposição, personagens, Carandiru.
ABSTRACT
This study focuses the adaptation of the book Estação Carandiru, written by Drauzio Varella, to the movies, concerning the construction of the characters. Therefore, a listing of the characters and their characteristics was made, from both the book and the movie. The main objective is to understand the choices made in this dialog between medias, from where the movie Carandiru, by Hector Babenco, originated, considering that the re was a great reduction in the number of characters. For this analysis, the methodological process adopted was the descriptive research. It was verified that most part of the characters’ origins come from the fusion of literary characters. But it was also found that literary characters were dismembered and some of them were eliminated. No new character was found .
Key-words: literary adaptation, cinema, characters, Carandiru.
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INTRODUÇÃO
As adaptações da literatura para o cinema têm apresentado uma boa quantidade de público, como se pode ver em exemplos como as grandes produções de Harry Potter (que arrecadou cerca de 140 milhões de dólares nos Estados Unidos 1 , com o último filme da série Harry Potter e a Ordem da Fênix e cerca de 23 milhões de reais em 10 dias de exibição no Brasil 2 ), O Senhor dos Anéis (A Sociedade do Anel, arrecadou 47 milhões de dólares em 2001, e O Retorno do Rei, arrecadou 72,6 milhões de dólares em três dias, em 2003 3 .) e As Crônicas de Nárnia (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa arrecadou 67 milhões de dólares na estréia nos Estados Unidos 3 .). A transposição de uma obra literária, em muitos casos, atrai enorme público, tanto para as salas de cinema como para as livrarias. Em seu artigo Os Best-sellers de ficção no Brasil – 1990/2000 (2001), Sandra Reimão verifica aspectos positivos com relação à adaptação, demonstrando um aumento na vendagem de livros que foram adaptados para a televisão. A autora pontua um aspecto importante destas adaptações: No incentivo à leitura, quer pelo fato de o autor ser uma personalidade midiática quer pela adaptação da trama de uma obra de ficção, em qualquer um dos dois casos, a televisão estaria ajudando a romper o círculo de desinformação que isola o potencial leitor do universo da literatura. (REIMÃO, 2001, p.14)
Muitos vão buscar referências no livro após assistir aos filmes ou vice- versa: procuram primeiramente o livro para, posteriormente, assistir à película. Um caso que pode servir de exemplo é a obra literária Os Maias, de Eça de Queirós, estudado por Juliana Salum Ferreira Silva, em seu artigo Imagens na literatura: adaptação de Os Maias para a televisão (2007). Ela afirma que “muitos telespectadores só têm acesso a algum conteúdo literário através das versões televisivas e outros compram a obra porque esta foi adaptada” (p. 9). Segundo seu artigo, o livro Os Maias vendeu 12 mil exemplares em 20 dias após sua adaptação para a televisão, além de quase causar esgotamento no estoque de todos os outros livros do autor do catálogo da editora. 1
Dado do New York Times. Disponível em: . Acesso em: 25 de agosto de 2007. 2 Dado do portal O Globo. Disponível em: . Acesso em: 18 de agosto de 2007. 3 Dados do site UOL Cinema. Disponível em: . Acesso em: 14 de janeiro de 2007.
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Como se vê, a adaptação nem sempre é um desserviço para a obra original. Ela pode contribuir para disseminar a obra primária, aumentando, assim, o rol de leitores. Nesse sentido, podemos afirmar também que uma linguagem ao se apoderar de uma outra, como a cinematográfica o faz da literária, acaba provocando um círculo de interesse, já que muitos, após ter contato com uma obra, vão verificar a sua transposição, resultando em ganhos culturais e sociais para todas as linguagens. É um processo simbiótico cultural. A adaptação de uma obra, principalmente da linguagem literária para a cinematográfica ou televisiva, porém, nem sempre tem uma recepção positiva de público e crítica. Neste âmbito, se insere o filme Carandiru, de Hector Babenco, adaptação cinematográfica do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, o objeto de estudo deste trabalho, que também serve como exemplo destas críticas negativas: O rompimento, de filmes como Carandiru, com o projeto estético cinemanovista é lamentado, criticado e, por vezes, mal interpretado, pela crítica de cinema no Brasil. (GOMES, 2007, p. 12).
No entanto, o processo de transposição de uma obra para outra linguagem é um processo complexo, que passa por formatos diferentes que determinam limitações, que necessitam ser compreendidas para analisar uma obra adaptada.
ACERCA DESTE ESTUDO Fruto deste diálogo entre mídias que é o processo de transposição, as 206 personagens presentes no livro Estação Carandiru transformaram-se em apenas 50 em sua versão cinematográfica. Desta constatação, surge uma questão, que será a pergunta norteadora da investigação neste estudo : Houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos e/ou de ações – na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varela, para a obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das personagens neste diálogo entre mídias? O objetivo principal é compreender a transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para a obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das personagens neste diálogo entre mídias, tendo como objetivo também analisar
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comparativamente as características de construção de determinados personagens existentes tanto no livro como na obra cinematográfica citados. Para responder à questão levantada a partir da reflexão apresentada e visando o objetivo deste estudo, propõe-se uma hipótese de inicial sobre esta questão, que poderá se confirmar, ou não, ao final das análises: Na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características, resultando em uma única personagem cinematográfica. Toda pesquisa “é um processo de investigação” e a ciência é descritiva, já que procura entender os fatos através da observação da configuração deles. Ela é “um modo de ordenar os eventos; o que ela busca são leis nas quais basear as previsões isoladas” (VIÁ, 2001, p. 40). Tendo em vista esse objetivo de investigar e observar como ocorre a transposição de uma obra literária para uma cinematográfica, este estudo adotará como metodologia o método de pesquisa qualitativa, que tem como característica não empregar um instrumental estatístico como base do processo de análise do problema. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON, 1989, p. 39)
Será realizada uma comparação entre a obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella (Edição de 2005) e sua adaptação para a obra cinematográfica, Carandiru, de Hector Babenco, no que diz respeito às suas personagens. A versão do filme que será analisada é a edição dupla em DVD, lançada em 2003, distribuída em parceria pelas produtoras Globo Filmes, HB Filmes e Columbia Tristar. E a versão do livro é a 2ª edição e 4ª reimpressão, lançada em 2005 pela editora Companhia das Letras. Ao tentar sistematizar as observações, há de se lembrar que é quase impossível descrever tudo que se observa. De acordo com Viá, o principal critério orientador da observação deve ser “a relevância do fato ante a finalidade proposta para a observação” (2001, p.40). Para Rose, na análise, “o que deixar fora é tão importante quanto o que vai se incluir, e irá afetar o restante da análise” (2002, p. 346). O enfoque deste estudo será a análise das personagens cinematográficas adaptadas a partir do livro Estação Carandiru, procurando encontrar similaridades ou disparidades. Para tanto,
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inicialmente será feito um levantamento descritivo das personagens de ambas as obras, com a finalidade de identificar estas personagens e suas características, para, em um segundo momento, confrontar estes dados na análise da construção e/ou fusão das personagens que compõem o filme Carandiru. Sendo assim, a metodologia adotada para este estudo será a pesquisa descritiva. A respeito deste tipo de pesquisa, Gil diz que “tem como objetivo primordial a descrição de determinadas características de determinada população ou fenômeno” (1999, p. 44), ou seja, ela visa observar, registrar, analisar, classificar, interpretar e correlacionar fatos ou fenômenos sem a interferência do pesquisador.
CARANDIRU PELOS OLHOS DA CRÍTICA A partir do trabalho de Regina Gome s, A Crítica de Cinema Como Objeto Histórico e Retórico: o Caso do Filme Carandiru de Hector Babenco (2007), que analisa as críticas acerca do filme Carandiru de Hector Babenco, pôde-se verificar um fator interessante: o filme Carandiru recebeu muitas críticas, na sua maioria negativas, na época de seu lançamento, no entanto, é curioso perceber que as personagens eram apresentadas de forma positiva, quando mencionadas. Como nesta observação de Maria do Rosário Caetano, citada no referido trabalho :
[Carandiru] contém muitos dos ingredientes que costumam mobilizar multidões: personagens densos e críveis, diálogos crus, iguais aos que a gente ouve na rua, olhar terno, cúmplice (mas sem pieguice) sobre os marginalizados. (Caetano, 2003). (GOMES, 2007, p. 10)
Este fato se mostra interessante por ter sido este um filme baseado no livro, Estação Carandiru, de Drauzio Varella, e apresentar menos de 25% das personagens presentes no livro que o inspirou. Isto não foi prejudicial aos olhos da crítica, segundo o trabalho de Gomes. É importante, porém, notar que a apresentação das personagens deu-se de maneira diferente em ambas as obras e este estudo pretende investigar este processo, podendo assim, contribuir para o entendimento do papel da personagem dentro de uma obra, seja ela literária, seja cinematográfica.
19
Assim, pretende-se com este trabalho, de certa forma, mostrar características que ajudam a entender outros fenômenos mais amplos de adaptação de linguagem. Richardson (1989) aponta para a importância de se estudar os diversos meios de comunicação, enquanto veículos direcionados a diferentes grupos da população, para que se perceba as diferenças quanto ao estilo e conteúdo da comunicação.
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CAPÍTULO I – A ECONOMIA CRIATIVA
Imagem obtida na web. [As pessoas] estão comprando e vendendo palavras, músicas, quadros; dispositivos, programas de computador, genes; direitos autorais, marcas registradas, patentes, propostas, formatos, fama, rostos, reputação, marcas, cores. Os itens à venda neste mercado barulhento são os direitos de uso (...) da propriedade intelectual.1 John Howkins
O mundo vem enfrentando uma mudança recente no panorama da economia. As atividades artísticas e culturais, previamente não consideradas economicamente significativas, agora, estão sendo consideradas como o futuro da economia global, através dos assets criativos 2 . As idéias, que estão no centro desta nova “Economia da Cultura”, são garantidas pela propriedade intelectual. Esta nova situação econômica faz com que seja necessário repensar a criatividade – o que ela de fato significa e o que ela representa no mundo atual –, portanto, também leva-se a pensar sobre o papel das Indústrias Criativas, das Indústrias Culturais, dos clusters criativos e o que um país pode fazer para aperfeiçoar o pensamento criativo e a habilidade de inovar de seu povo.
1
Tradução da autora. O termo assets criativos usado por Steven Jay Tepper refere-se tanto aos bens e serviços que são o produto principal de uma arte expressiva quanto aos trabalhadores que produzem tais bens e serviços. O termo faz referência ao valor econômico que pode ser medido e calculado destes bens, serviços e trabalhadores criativos. Ver: TEPPER, Steven Jay. Creative Assets and the Changing Economy. Princeton University: Jornals of Arts, Management and Law, 2002. 2
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1. Criatividade versus Inovação
Imagem obtida na web. Acredito que a criatividade é essencial não só nas chamadas indústrias criativas, mas em quase todo lugar – planejamento urbano, transporte urbano, gerenciamento de hotel, e todo tipo de coisas. Isso se trata do reconhecimento do ext raordinário talento individual e de capacitá-lo a desenvolvê-lo de forma corporativa.3 – John Howkins
A primeira coisa para começar a entender como esta “nova economia” funciona é deixar bem claro o que criatividade e inovação significam e a diferença entre elas. Enquanto ambas podem ser vistas como a habilidade de gerar algo novo, elas têm uma diferença significativa no conceito. De acordo com o dicionário Houaiss, criatividade se define como “inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc.” (p. 868, 2004). O termo inovação é descrito como “aquilo que é novo, coisa nova, novidade” (p. 1622, 2004). Inovar tem por definição “introduzir novidade, fazer algo como não era feito antes” (p. 1622, 2004). Segundo o economista John Howkins, criatividade é ter novas idéias. Ela é individual e subjetiva, enquanto a inovação é baseada em um grupo e é objetiva. “A criatividade pode virar inovação; a criatividade pode impulsionar a inovação; a criatividade pode resultar em inovação. A inovação nunca causa criatividade”4 (GHELFI, 2005, p. 4) . A inovação está sujeita à aprovação de um grupo, é algo bem mais extenso. “A inovação é um processo social. Tem muito mais a ver com desenvolver uma nova maneira, um novo método, uma nova metodologia de fazer algo para o mercado”5 (GHELFI, 2005, p. 5). Ainda segundo Howkins, as pessoas criativas estão sempre aprendendo. “Quando paramos de aprender, paramos de ser criativos”6 (HOWKINS, 2005, p.3).
3
Tradução da autora. Tradução da autora. 5 Tradução da autora. 6 Tradução da autora. 4
22
2. As Indústrias Criativas
Imagem obtida na web.
As chamadas Indústrias Criativas são, de acordo com o Department for Culture, Med ia and Sport (DCMS), do Reino Unido, aquelas que “caracterizam-se por terem origem na criatividade, competência e talento individuais e o potencial para criarem riqueza e emprego gerando e explorando a propriedade intelectual” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 4). Sua base são indivíduos com habilidades artísticas e criativas, que desenvolvem serviços e produtos comerciais, cujo valor econômico está em suas propriedades intelectuais. Em seu livro The Creative Economy (2001), John Howkins traz uma lista das indústrias que, juntas, formam as Indústrias Criativas. Elas são (GHELFI, 2005, p.6) : 1.
Publicidade
2.
Arquitetura
3.
Artes
4.
Artesanato
5.
Design
6.
Moda
7.
Filmes
8.
Música
9.
Artes Cênicas
10.
Publicações
11.
Pesquisa e Desenvolvimento
12.
Software
13.
Brinquedos e Jogos
14.
TV e Rádio
15.
e Jogos Eletrônicos.
23
Na entrevista de Donna Ghelfi a John Howkins, ela cita trecho do livro de Howkins, no qual o autor define as Indústrias Criativas: As ‘indústrias de direitos autorais’ consistem em todas as indústrias que criam direitos autorais ou trabalhos relacionados como seu produto primário. (...) As ‘indústrias de patente’ consistem em todas as indústrias que produzem ou lidam com patentes (...) As ‘indústrias de marca registrada e design’ são ainda mais abrangentes, e sua vasta extensão e diversidade as tornam menos distintas. Juntas, estas quatro indústrias constituem as ‘indústrias criativas’ e a ‘economia criativa’. Esta definição é controversa. Enquanto todas as definições até agora coincidem com o sistema internacional, não há consenso sobre esta aqui.7
3. As Indústrias Culturais
Imagem obtida na web.
Segundo o Dossier de Economia Criativa (2008), ainda não há uma definição precisa para as Indústrias Criativas. Nele são apresentadas quatro definições que são utilizadas ao se falar de tais indústrias, lembrando que as interpretações variam de acordo com os critérios utilizados. Sendo assim: 1. Segundo a UNESCO, elas correspondem às “actividades que combinam a criação, a produção e a comercialização de conteúdos que são de natureza intangível e cultural” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6); 2. ou podem ser “um conjunto de actividades económicas também denominadas indústrias de conteúdo (...) que conjugam funções mais ou menos industriais – de concepção, de criação e de produção – com funções industriais de fabrico em grande escala e de comercialização, utilizando suportes físicos ou de comunicação” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6); 7
Tradução da autora.
24
3. ou ainda “indústrias fundadas na propriedade literária e artística” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6); 4. e, por fim, em uma interpretação mais restritiva, elas se limitam ao “conceito de indústrias de entretenimento” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 6).
Mas em que aspectos as Indústrias Culturais se diferem das Indústrias Criativas? A tabela a seguir visa responder essa questão. Apresentada no Dossier de Economia Criativa, ela foi elaborada com base nas definições presentes no estudo KEA European Affairs, The Economy of Culture in Europe de 2006.
Tabela 1 – INDÚSTRIAS CRIATIVAS VERSUS INDÚSTRIAS CULTURAIS Indústrias Criativas
Indústrias Culturais
Abordagem
Económica
Económica/Estatística
Definição
Indústrias que têm a sua origem Um
conjunto
de
actividades
na criatividade, competência e económicas que aliam funções de talento individuais e que têm o concepção, de criação e de produção potencial para criarem riqueza e a
funções
mais
industriais
de
emprego gerando e explorando a manufactura e de comercialização propriedade intelectual.
em larga escala, através da utilização de
suportes
materiais
ou
de
tecnologias da comunicação. Critérios
Criatividade como input central Outputs destinados à reprodução em no
processo
Outputs
de
produção. massa; Outputs caracterizados pelos
caracterizados
pela direitos
de
autor
(e
não
pela
propriedade intelectual (e não propriedade intelectual). apenas direitos de autor). Alcance
-
Publicidade,
arquitectura, -
Mercado de artes e antiguidades,
Publicações
revistas,
(livros,
jornais,
música), bem como a
artesanato, design, design de comercialização de livros, gravações
25
moda, cinema e vídeo, software de som e imprensa. de
lazer
interactivo,
música, - Actividades audiovisuais (produção
artes performativas, publicidade, de filmes para televisão, de filmes software
e
serviços
computador, rádio e televisão. -
As
actividades
de institucionais ou publicitários, de filmes teatrais, actividades técnicas
incluem: relacionadas com a televisão e o
criação, produção, distribuição, cinema, distribuição de filmes e de difusão, promoção, actividades videos, de radio e de programas de educativas
relacionadas
actividades relacionadas.
de
e televisão para satélite).
imprensa -
E
actividades
directamente
relacionadas
(agências
de
informação,
multimedia
e
publicidade)
4. Clusters Criativos
Imagem obtida na web.
Em economia, clusters são “concentrações geográficas de empresas de determinado setor de atividade e organizações correlatas, de fornecedores de insumos a instituições de ensino e clientes” (LEÃO FILHO, 2008, p.1). Estas empresas são concorrentes, mas, ao mesmo tempo cooperam entre si. Já os clusters criativos são locais tanto de trabalho quanto de entretenimento. São “espaços onde se criam e consomem bens culturais”. Eles incluem “empresas sem fins lucrativos, instituições culturais, espaços de arte e artistas individuais, mas também parques de ciência e centros de media” (Agência INOVA/CultDigest, 2008, p. 11).
26
5. Propriedade Intelectual
Imagem obtida na web. Os direitos à propriedade intelectual visam proteger as criações inventivas, singulares, perspicazes e criativas da mente humana.8 Donna Ghelfi.
A moeda que vigora nesta economia é a propriedade intelectual, que tem por objetivo proteger e assegurar legalmente os direitos autorais, sem os quais os criadores não receberiam crédito algum – tanto ao que se refere ao retorno financeiro quanto reconhecimento autoral – por suas idéias e/ou produtos. Através da propriedade intelectual, transações comerciais de marcas registradas, métodos de ensino, programas de televisão, músicas, nomes de personagens, etc. são efetuadas da mesma forma que os produtos físicos. Sendo assim, podemos ver uma personagem da Disney, por exemplo, estampada em produtos que a empresa não produz. Para tanto, a empresa distribuidora do produto necessita providenciar um acordo jurídico com a empresa detentora dos direito s sobre a personagem. Este contrato legal tanto pode se tratar de retorno financeiro ou publicitário, caso o interesse da empresa criadora da personagem seja divulgar a marca. A falta de um acordo firmado legalmente entre detentor dos direitos de propriedade da obra intelectual e distribuidor e/ou reprodutor é prevista na lei, podendo ser classificada como plágio – quando consistir na utilização da obra intelectual sem autorização do autor –, contrafação – quando a obra de outro autor for apresentada como própria, seja total ou parcialmente – ou plágio-contrafação – quando alguém publica uma obra como sendo de sua autoria, mas, na verdade, se trata apenas de uma tradução de uma obra alheia. Donna Ghelfi ressalta o aspecto legal da propriedade intelectual: Enquanto a criatividade e a faculdade inventiva por si só são universais, os direitos exclusivos de propriedade sobre as criações intelectuais, que são inspiradas pela criatividade e pela faculdade inventiva das pessoas, se tornam o 8
Tradução da autora.
27
domínio das normas legais e padrões vinculantes com relação à propriedade sobre as criações intelectuais.9 (2005, p. 13)
Para Howkins, é essencial assegurarmos esses direitos aos autores das obras intelectuais. “Quanto mais caminhamos em direção a uma economia baseada em idéias mais se faz necessário garantir que as pessoas que têm essas idéias tenham uma boa vida”10 (GHELFI, 2005, p.6).
6. A Economia da Cultura e da Criatividade
Imagem obtida na web. A ‘economia criativa’ consiste nas transações dos produtos criativos: Cada transação pode ter dois valores complementares: o valor do intangível, da propriedade intelectual e o valor do suporte físico ou plataforma (se houver). Em algumas indústrias, como as do software digital, o valor da propriedade intelectual é maior. Em outras, como a da arte, o valor do objeto físico é maior. 11 – John Howkins
O termo “Economia Criativa” apareceu pela primeira vez na Austrália em 1994 12 . No entanto, a definição mais precisa do termo foi feita no livro The Creative Economy (2001), do economista inglês John Howkins. Segundo o autor, trata-se de uma economia... (…) onde as principais matérias-primas e os produtos finais são as idéias, (...) onde a maioria das pessoas passa a maior parte do seu tempo tendo idéias. É uma economia ou sociedade onde as pessoas se preocupam e pensam sobre sua capacidade de ter idéias; onde elas não têm uma rotina de trabalho repetitiva das 9h às 17h, o que foi o que muitas pessoas fizeram por muitos anos, seja no campo ou na fábrica. É onde as pessoas, em qualquer momento, (...) acham que podem ter uma idéia que realmente funciona, não apenas uma idéia com algum tipo de prazer esotérico, mas uma que seja a condutora de sua carreira, de seus pensamentos sobre status e seus pensamentos sobre identidade.13 (GHELFI, 2005, p. 3)
9
Tradução da autora. Tradução da autora. 11 Tradução da autora. 12 Dado retirado de: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa. Disponível em: . Acesso em: 08 de dezembro de 2008. 13 Tradução da autora. 10
28
A Creative Clusters Ltd. 14 apresenta as seguintes estruturas para a Economia Industrial e a Indústria Criativa, mostrando que esta última é bem mais segmentada.
Figura 1 - ESTRUTURA DA ECONOMIA INDUSTRIAL
Figura 2 - ESTRUTURA DA INDÚSTRIA CRIATIVA
Figura s 1 e 2 retiradas de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy: An Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia; Production = Produção; Distribution = Distribuição; Consumption = Consumo e Creative Clusters = Clusters Criativos.
14
Ver: BRAGA, Isabel Abreu. Fórum Internacional de Economia Criativa, 2007. Disponível em: . Acesso em: 08 de dezembro de 2008.
29
Howkins está de acordo com a estrutura apresentada da Indústria Criativa, no entanto, acredita que a “idéia” e a “produção” sejam mais integradas, e a categoria “consumo” apresentaria melhor esta idéia de integração sendo chamada de “usuário”, já que muitas vezes as pessoas classificadas sob a categoria “consumo” são as mesmas sob a categoria “idéia”, ou seja, o consumidor do produto final pode ser também aquele que teve a idéia que originou o produto. Esta estrutura seria mais circular, como ilustrado na figura a seguir.
Figura 3 – A ECONOMIA INDUSTRIAL CRIATIVA
Figura 3 retirada de Understanding the Engine of Creativity in a Creative Economy: An Interview with John Howkins (2005), de Donna Ghelfi, onde: Origination = Idéia; Production = Produção; Distribution = Distribuição; e User / Consumption = Usuário / Consumo.
As indústrias que compõem a Economia Criativa representam cerca de 10% do PIB mundial, com crescimento anual de 7%, movimentando 1,3 trilhão de dólares no mundo e gerando 5% dos empregos 15. No Brasil, este setor representa 4% do Produto Interno Bruto, que totalizou R$ 2,4 trilhões em 2007, segundo dados do IBGE. Neste mesmo ano, a movimentação gerada pela economia criativa foi de aproximadamente R$ 97,5 bilhões. De acordo com o 15
Dados obtidos em: GARSKE, Mara Eliza. Comunicação e o contexto arte, cultura e mercado. Monografia. Santa Cruz do Sul, RS, 2006.
30
SEBRAE, estes números tendem a crescer, uma vez que “as atividades de criação, produção, circulação e consumo de bens culturais no planeta cresce a uma taxa anual de 6,3%, ao passo que o restante da economia registra uma expansão de 5,7%” (SATO, 2008, p. 1). De acordo com pesquisa de Aurilio Caiado da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, no Brasil, esta área contrata pessoas “mais instruídas, com salários melhores e com maior nível de registro em carteira do que a média geral nacional” (ELIAS, 2007, p.1). De acordo com dados do IBGE, os salários da Economia Criativa são 51% maiores que a média nacional. Em São Paulo, o número de pessoas ligadas a esta área chega a 7,7% da economia local. 40% dos trabalhadores das Indústrias Criativas têm entre 11 e 14 anos de escolaridade; a média nacional é de 29%16. Em 2004, época em que havia 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos no Brasil, 16 milhões de jovens brasileiros estavam fora da escola. Entre aqueles que freqüentaram a escola, 5 milhões não estudaram além da 5ª série. Pelas projeções de população, é esperado que, em 2010, haja cerca de 50 milhões de jovens no Brasil17 . No entanto, apesar do crescimento do setor econômico cultural, os jovens ainda não são grandes consumidores de bens culturais diversificados. Segundo dados da UNESCO de 2004, “62% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam, 87% não freqüentam teatro, nem museus, 60% não vão a cinemas e bibliotecas e 59% nunca ou quase nunca foram a estádios e ginásios esportivos” (BASILE, 2004, p. 1). Não obstante, ainda que no Brasil os jovens não sejam grandes consumidores de tais bens culturais, no que se refere a bens tecnológicos – como mídia digital e videogame –, o Brasil se encontra entre os países que mais consomem estes produtos. Segundo pesquisa da consultoria Nielsen realizada em 2008, o Brasil está em oitavo lugar na categoria Consumo de Mídias Digitais. Quanto ao consumo de videogames, ficou em nono; e em música, em primeiro. No ranking geral, o Brasil aparece como o segundo país que mais consome entretenimento, perdendo apenas para as Filipinas 18 . 16
Dados retirados da Agência Sebrae de Notícias. Disponível em: . Acesso em: 06 de dezembro de 2007. 17 BASILE, Juliano. No Brasil, 60% dos jovens nunca vão ao cinema. Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 de novembro de 2004. 18 Dados disponíveis no portal Infomoney. Disponível em: . Acesso em: 19 de dezembro de 2008.
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7. A Indústria Editorial
Imagem obtida na web. Em um país como o Brasil – onde apenas um entre cada quatro habitantes está habilitado para a prática da leitura; onde nossas crianças ocupam os últimos lugares nos estudos internacionais sobre compreensão leitora; onde o índice nacional de leitura é de menos de 2 livros lidos por habitante/ano; e onde a maior parte dos milhões de alfabetizados nas últimas décadas tornou-se analfabeta funcional – a leitura precisa e deve ser tratada como uma prioridade nacional . – Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Uma das indústrias que compõem esta economia criativa é a Indústria Editorial, onde estão escritores, editores, produtores gráficos, designers gráficos, bibliotecas, livrarias, gráficas, editoras e vendedores porta-a-porta, todo o processo desde a produção até a distribuição. Um mercado certamente amplo, mas que ainda se mostra frágil e mal organizado no Brasil, como apresentado na pesquisa realizada pelos professores Fábio Sá Earp e George Kornis em 2004. A pesquisa, intitulada A Economia da Cadeia Produtiva do Livro, demonstra não apenas a falta de organização do setor, mas também que a política brasileira de bibliotecas públicas é uma das piores. O levantamento demonstrou que mais de mil cidades no Brasil não têm bibliotecas ou uma coleção pública; isso equivale a 19% das cidades brasileiras. Além da dificuldade de acesso enfrentada por muitos por falta de um acervo público, outro obstáculo é encontrado nas livrarias: o preço médio do livro no Brasil é incompatível com a renda per capita do país. Enquanto aqui o livro é vendido por cerca de 2 dólares em média, no Japão, o preço médio é de 7 dólares. Porém, ao se considerar o valor da renda total per capita, um brasileiro conseguiria comprar 1.500 exemplares por ano, enquanto um japonês compraria 4 mil. Earp e Kornis também revelaram que “o faturamento das editoras brasileiras caiu 48% entre 1995 e 2003 e a quantidade de exemplares vendidos no mercado diminuiu 50%” (VELLOSO, 2004, p. 1). Apenas em 2003, 15% da produção total de livros no Brasil não foram vendidas, o equivalente a 44 milhões de unidades. E o país não é um grande produtor da indústria do livro quando se é considerado o número de habitantes que tem: enquanto o Brasil produz 340
32
milhões de livros, a França produz 410 milhões. Os números não parecem muito distantes, entretanto, ele fica preocupante ao se pensar que a população francesa é três vezes menor que a brasileira. A conclusão a que os autores chegaram é de que “nosso mercado editorial é completamente incompatível com o tamanho e a importância do país” (VELLOSO, 2004, p. 1). Uma alternativa encontrada pelas editoras foi o mercado de bolso, que apresentou um crescimento em 2007 19. Estes livros, que muitas vezes trazem obras famosas, ganharam seu espaço devido ao preço mais acessível e por se encontrarem em pontos de vendas alternativos, como estações de metrô e rodoviárias, através das máquinas de livro, que são similares àquelas que vendem refrigerantes, salgadinhos e chocolates 20 . Outra área dentro desta indústria que tem apresentado crescimento é o mercado porta-aporta. Enquanto todas as editoras do país somam juntas 22 mil funcionários, no mercado porta-aporta há 30 mil vendedores, apontaram Earp e Kornis em sua pesquisa. Neste mercado, ganham destaque os livros religiosos e os infantis. O setor apresentou um crescimento impressionante em 2007, que chegou a 91,3%. “Quase 20 milhões de exemplares foram vendidos pelos vendedores porta a porta, o que faz do segmento, o terceiro canal de vendas mais importante para as editoras, ficando atrás apenas das livrarias e dos próprios distribuidores” (TEIXEIRA, 2008, p.1). Os números para o mercado editorial como um todo foram positivos em 2007 como aponta outra pesquisa encomendada pelo SNEL e pela CBL: houve um crescimento nominal de 4,62% e um faturamento de 3,013 bilhões de reais. O volume de vendas também aumentou, sendo de 6,06% a mais que em 2006. Além da mudança no perfil do consumidor, que teve uma melhoria considerável de renda nos últimos anos, os livros infantis e religiosos tiveram maior destaque em 2007, sobretudo no mercado porta-a-porta: o gênero religioso apresentou um aumento de 27% no número de títulos editados, enquanto o infantil teve 15,1% de aumento em relação a 2006. Houve um aumento de consumo de livros pela população em geral: o mercado editorial comprou 6,41% a mais em 2007. Ainda que o maior comprador do mercado, o governo federal, tenha comprado menos. A pesquisa mostra que houve uma queda na compra efetuada pelo órgão
19
Ver: STRECKER, Marcos. Mercado de livro de bolso avança no país. Folha de São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 02 de outubro de 2007. 20 Ver: PEGNTV. Máquinas de vender livros. Pequenas Empresas Grandes Negócios TV, 2008. Disponível em: . Acesso em: 13 de fevereiro de 2008.
33
em 2007: 0,67% a menos que no ano anterior 21 . Segundo a pesquisa de Earp e Kornis, o governo brasileiro compra cerca de 176 milhões de livros para estudantes enquanto o governo dos Estados Unidos compra 677 milhões, cerca de 284% a mais que o nosso governo. No entanto, a população americana (305.826.244 de habitantes) é apenas de aproximadamente 59,5% maior que a brasileira (191.790.900). O governo americano também compra 113 milhões para bibliotecas; o brasileiro, quase nada. O reflexo disso pode ser visto na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2007), do Instituto Pró-Livro, que aponta que 77 milhões de brasileiros não lêem livros, já que o país carece de uma cultura de incentivo à leitura. “Podemos afirmar (…) que o Brasil só teve, até hoje, políticas para o livro, jamais para a leitura. Isso explica por que nossa indústria do livro é tão sofisticada, nosso mercado editorial tão pujante, e nosso povo tão pouco letrado” (PRADO, s/d, s/d). Engana-se quem acredita que este é um problema exclusivo daqueles de baixa escolaridade, já que 8% dos entrevistados com nível superior também não são leitores. A pesquisa também mostrou dados interessantes sobre o perfil do leitor brasileiro: quem lê mais são as mulheres e as fases em que mais se lê livros são a infância e a adolescência. “66% dos livros estão nas mãos de 20% da população; 8% dos brasileiros não têm nenhum livro em casa; e 4% apenas um” (TELLES, 2008, p.1). Segundo o levantamento, 95 milhões de brasileiros leram apenas 1 livro nos três meses anteriores à pesquisa, mas destes, apenas 71,7 milhões lêem por prazer. Um dado interessante relevado pelo estudo é de que nem todos estes brasileiros que se declararam leitores realmente lêem livros completos; a maioria (55%) lê apenas trechos ou capítulos. Há ainda os 11% que pulam páginas. Mesmo com estes dados pouco positivos para a indústria do livro, a obra literária é preferida por 50% dos leitores, perdendo apenas das revistas (52%). Jornais aparecem com 48% e leituras na Internet, 20%. A leitura está entre os hobbies de 35% dos brasileiros; entre aqueles com formação superior, 79% a têm como seu passatempo preferido; já entre os com renda superior a 10 salários mínimos, é a preferida por 78%. Embora os maiores compradores de livros estejam na classe C (47%) 22 .
21
Dados retirados do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação. Disponível em: . Acesso em: 14 de outubro de 2008. 22 Dados retirados do portal AdNews. Disponível em: . Acesso em: 16 de dezembro de 2008.
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8. A Indústria Cinematográfica
Imagem obtida na web. O cinema brasileiro encontra-se hoje diante da situação paradoxal de ter ultrapassado um século de existência sem que tenha conquistado, efetivamente, uma dimensão pública, uma presença social institucionalizada. – Ronaldo Rosas Reis
Embora os números sejam um pouco divergentes, uma coisa é certa: o mercado cinematográfico apresentou uma queda no número de espectadores em 2006. Ano em que também diminuiu o número de salas de cinemas no Brasil 23. Há cerca de 16,8 milhões de freqüentadores de cinema no país, além de 3 milhões de espectadores em potencial, ou seja, que possuem condições financeiras, tempo e acesso às salas, mas que não têm o hábito de freqüentá-las. Verifica-se aqui o mesmo problema enfrentado pela indústria editorial brasileira: não se existe o hábito nem a cultura de consumir tais bens culturais. Tanto não possuem o hábito que, segundo pesquisa da Datafolha, a maioria (44% dos espectadores) prefere assistir aos filmes em DVD24 . Uma coisa, de fato, há de se notar: um país com mais de 191 milhões de habitantes ter apenas cerca de 2 mil salas de exibições é, no mínimo, incompatível. Além disso, as salas de cinema estão cada vez mais se concentrando nos shoppings, o que faz com que o preço médio do ingresso aumente, dificultando o acesso de pessoas de localizações e classes variadas. Se no Brasil não há incentivo à leitura, tampouco há ao consumo de obras cinematográficas, que chegam ao público principalmente através da televisão aberta, já que não existem cinematecas em número suficiente para atender a toda população brasileira. Ainda que a
23
Dados retirados da Folha Online. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2007. 24 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: . Acesso em: 29 de agosto d e 2008.
35
Cinemateca Brasileira, hoje mantida pelo governo federal, possua o maior acervo da América Latina, ele está concentrado apenas na cidade de São Paulo. Frederico Barbosa revela em seu estudo (publicado em dois volumes: Economia e Política Cultural e Política Cultural no Brasil, de 2007) que 60% dos brasileiros nunca foram ao cinema e 70% nunca foram ao museu. A falta de oferta de bens culturais e equipamentos foi apresentada como um dos principais motivos, fazendo com que o consumo do produto cinematográfico seja preferencialmente feito em casa – atravé s de DVD, da televisão, etc. Em uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, encomendada pelo Sindicato dos Distribuidores do Rio de Janeiro, delineou-se o perfil dos espectadores brasileiros. Para o estudo, foi feita uma distinção entre eles, dividindo-os em três categorias: 1) habitual - que vai pelo menos uma vez a cada 15 dias; 2) médio – que vai pelo menos uma vez a cada 3 meses; e 3) eventual – que vai pelo menos uma vez por ano. Entre os espectadores médios e eventuais há a preferência por assist ir aos filmes em cópias dubladas: 57% e 69%, respectivamente. Já entre os habituais, há um empate técnico: 46% preferem filmes dublados e 47%, legendados25 . A preferência por cópias dubladas não indica que os espectadores brasileiros prefiram os filmes nacionais, que, obviamente, não necessitam de dublagem. Os filmes brasileiros representam apenas 6,9% do acumulado no ano 26 . Segundo o instituto Datafolha, o principal motivo para os espectadores não gostarem das produções nacionais é o tema dos filmes, citado por 80% do entrevistados. A 32% dos espectadores desagradam o excesso de pornografia e o linguajar, que consideram chulo e vulgar; e 20% consideram os roteiros e temas ruins e sem conteúdo. Ainda assim, as famílias brasileiras gastam, em média, 4% da renda com cultura. “A cultura é algo muito presente e está entre as necessidades fundamentais”, aponta o secretário de Políticas C ulturais do Ministério, Alfredo Manevy, em entrevista à Folha Online (2007, p.1). Os audiovisuais são os que mais consomem as finanças da família investidas no entretenimento: 41,2%, enquanto apenas 1,65% vai para a compra de livros.
25
Dados retirados da Folha Online. Disponível em: . Acesso em: 29 de agosto de 2008. 26 Dados retirados da Folha Online. Disponível em: . Acesso em: 29 de agosto de 2008.
36
E o mercado cinematográfico está com boas expectativas, pelo menos, no que diz respeito à sua parceria com o mercado publicitário: “o meio participa com 0,6% do bolo publicitário no Brasil” (DO RES, 2008, p. 1). Em 2007, o faturamento total com publicidade foi de 75 milhões de reais e a expectativa para o fim de 2008 era de crescimento em torno de 15% e 18% por cento.
No próximo capítulo, será visto como estas duas indústrias – a editorial e a cinematográfica – podem se fundir para trazer ao consumidor um novo produto cultural: os filmes adaptados.
37
CAPÍTULO II - ADAPTAÇÃO
1. ACERCA DA ADAPTAÇÃO FÍLMICA Uma obra cinematográfica é resultado de diversas fontes. Algumas vezes, pode ser um roteiro original, em outras, entretanto, é fruto de roteiro adaptado, ou seja, que não foi escrito a partir de idéias do próprio roteirista, mas sim baseado ou inspirado em outras obras. No entanto, como aponta o texto Cinema brasileiro e adaptação de literatura ficcional de autores nacionais – algumas observações, de Antonio de Andrade, Sandra Reimão e Fábio Câmara de Carvalho, publicado no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007), de Sandra Reimão e Antonio Andrade (orgs.), “a rigor, existem vários graus de adaptação de uma obra literária para um meio audiovisual. As mais comuns são: a adaptação propriamente dita; o ‘basear-se em’ e o ‘inspirarse em’; e o vago ‘a partir de’” (2007, p. 118). As autoras Maria Cristina Brandão de Faria e Danubia de Andrade Fernandes também discorrem sobre esta característica das obras adaptadas: As adaptações passaram a admitir diferentes graus numa escala que vai da adaptação mais “fiel à obra”, (quando é clara a reprodução de um original transubistanciado) a “adaptação livre” (quando o roteirista dá mais ênfase a um aspecto dramático da obra, criando uma nova estrutura para todo o conjunto) e as que se declaram “baseadas em” (a obra original funciona como ponto de partida material para a construção de uma história que terá nova estrutura); ou ainda, a “recriação” na qual se tomam algumas liberdades com relação ao texto de partida cujas exigências identificatórias com a obra original são totalmente relaxadas. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)
Além destes graus de adaptação, outro aspecto pode variar neste processo: a fonte utilizada como base ou inspiração para a obra adaptada. Em geral, vêem-se mais obras cinematográficas que se baseiam em uma fonte literária, no entanto, há muitas outras possibilidades, ainda que pouco utilizadas. Mesmo as fontes literárias variam, como romances e poesias, por exemplo. A tabela a seguir apresenta uma listagem de diferentes tipos de fontes possíveis de servir como base ou inspiração para obras cinematográficas. A tabela também cita um exemplo de filme para cada caso.
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TABELA 2 – TIPOS DE FONTES PARA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
OBRA FONTE PARA ADAPTAÇÃO Classificação
Tipo
Fonte
(Origem ou
(Gênero ou
(Autor da obra
suporte)
categoria)
original)
OBRA CINEMATOGRÁFICA ADAPTADA
Obra fílmica
sinopse
Três esquilos falantes, Alvin, Simon e Alvin e os esquilos (Alvin and the Audiovisual
Theodore conhecem por acaso Dave Seville, um compositor que tenta vencer na carreira. Mas Dave só resolve deixá- los
Desenho
Ross
chipmunks,
ficar em sua casa quando descobre que eles
Animado
Bagdasarian
2007, EUA),
sabem cantar. Eles logo se tornam uma
Direção: Tim
sensação como cantores, porém, as coisas
Hill – 92 min Comédia
se complicam quando os esquilos se deslumbram com o estrelato e se rebelam contra Dave. Apenas 24 horas após deixar a penitenciária de Nova Jersey, Danny Ocean já está pondo
Audiovisual
Filme
Onze homens
em prática seu mais novo plano: assaltar
e um segredo
três cassinos de Las Vegas em apenas uma
(Ocean’s
noite, em meio à realização de uma luta que
Lewis
eleven, 2001,
Milestone
EUA), Direção: Steven
vale o título mundial dos peso-pesados. Para tanto , Ocean reúne uma equipe de 11 especialistas a fim de ajudá-lo em seu
Soderbergh –
plano, seguindo sempre três regras básicas:
117 min - Ação
não ferir ninguém, não roubar alguém que realmente não mereça e seguir o plano como se não tivesse nada a perder.
39
Arquivo X - O
Dois agentes do FBI vão até Dallas, Texas
filme
para tentar evitar a explosão de um prédio
(The X-Files Fight the Future, 98, Audiovisual
Seriado
Chris Carter
EUA) – Direção: Rob
federal em um atentado terrorista, onde descobrem que a explosão no qual supostamente morreram três bombeiros e uma criança foi causada pelo próprio governo, para tentar abafar o caso de um
Bowman –
vírus alienígena, que esteve adormecido por
121min –
milhares de anos e agora volta à superfície.
Ficção
Apenas um médico sabe a verdade, mas é
Científica
perseguido por agentes do governo.
Doom – A
Algo estranho aconteceu em uma estação
porta do
espacial localizada em Marte. A tripulação
inferno (Doom, local entrou em estado de quarentena cinco, 2005, EUA /
Audiovisual
Vídeo-game
id Software
antes da comunicação com a Terra ser
República
bruscamente interrompida. Para investigar
Tcheca),
o caso é enviada uma equipe especialmente
Direção:
treinada para resolver problemas
Andrzej
inesperados, que exijam que seus
Bartkowiak –
integrantes entrem em ação o mais rápido
100 minutos –
possível. Só que desta vez eles não tem a
Ficção científica
menor idéia de qual é o inimigo que precisam enfrentar.
40
Aconteceu na Primavera Fiorile, 93, Cultura
Lenda
-
Popular Oral
ITA/FRA/ALE, Direção: Paolo Taviani/Vittori o Taviani – 122 min - Drama
Em viagem à casa de campo da família, onde vive sozinho o idoso patriarca, homem conta à esposa e ao casal de filhos sobre a maldição que persegue o clã há mais de cem anos. É uma saga que avança no tempo e discute a ambição, a traição, o amor e os laços familiares. A dimensão trágica prende a atenção ao misturar romantismo com fantasmas do passado.
O Amante (The Lover/L’Amant, História Real
Marguerite
92, FRA),
Duras
Direção Jean-
Autobiografia
Jacques Annaud – 111
Em Saigon, na década de 30, adolescente branca de origem francesa inicia-se sexualmente pelas mãos de milionário chinês. Delicada mas tediosa adaptação, onde a elevada temperatura das cenas eróticas não basta para recriar a magia de que fala a narração em off.
min - Drama Agonia e
Durante a II Guerra Mundial, sargento
Glória
durão americano comanda pelotão de
(The Big Red História Real
Experiências
-
One, 80, EUA), Direção:
infantaria em diversas missões na Europa. Não há propriamente uma história, mas diversos episódios alinhavados com
Samuel Fuller – perfeição. O elenco é bom, mas o roteiro 113 min – Guerra
não escapa da dicotomia dentre maus e bons.
41
Nos Estados Unidos, donos e funcionários Acusação (The McMartin Trail, 95, História Real
Fato Real
-
EUA), Direção: Mick Jackson – 127 min – Drama
de escola de educação infantil são acusados de abusarem sexualmente de crianças. Advogado especializado em “causas perdidas” tenta provar que eles são inocentes. O filme procura mostrar como uma avaliação errada feita pela imprensa pode desencadear terríveis conseqüências. A certa altura, a fita dá a entender que o caso foi “fabricado” por um repórter de TV.
Adeus,
História Real
Memórias
Louis Malle
Em 44, durante a ocupação nazista na
Meninos
França, num colégio católico para crianças
(Au Revoir les
ricas, os meninos vivem o drama cotidiano
Enfants, 87,
do racismo, da delação e da opressão. É um
FRA/ALE),
bom filme sobre a II Guerra Mundial e um
Direção: Louis
belo relato sobre a amizade e o ódio entre
Malle – 103
as pessoas. Ganhador do Leão de Ouro no
min - Drama
Festival de Veneza. Domenic Toretto é o líder de uma gangue
Velozes e Revista Vibe, Jornalístico
Reportagem
Furiosos (The fast and the furious, EUA,
reportagem escrita por Ken Li
de corridas de ruas em Los Angeles que está sendo investigado pela polícia por roubo de equipamentos eletrônicos. Para investigá- lo, Brian Spindler é enviado e se infiltra na gangue com a intenção de
2001), Direção: Rob Cohen – 107 min – Aventura
descobrir se Toretto é realmente o autor dos crimes e se há alguém mais por trás deles. Filme baseado em reportagem de Ken Li para a revista Vibe sobre gangues que fazem “rachas” pelas ruas de Los Angeles.
42
Acidente
No futuro, uma espaçonave entra em pane;
Espacial (Trapped in Space, 94, Literária
Arthur C.
EUA) –
Clarke
Direção: Arthur
Conto
Allan Seidelman – 89 min – Ficção
como conseqüência, apenas três dos cinco tripulantes têm ar suficiente para chegar ao fim da viagem. Com inteligentes efeitos especiais, pouca ação, ritmo tenso e angustiante, o filme está mais preocupado em discutir o comportamento ético do ser humano do que em mostrar a parafernália tecnológica do futuro.
Científica A Salvo (Safe, 95, EUA) – Literária
Fábula
Haynes
Direção: Todd Haynes – 121 min - Drama
Rica dona -de-casa começa a ter surtos asmáticos e descobre tratar-se de estranha alergia aos produtos industrializados do século XX. O diretor desenvolve sua interessante idéia de forma lenta e contemplativa, o que pode desagradar espectadores. No Japão do futuro, integrante de gangue de motoqueiros se envolve com garoto mutante e, aprisionado pelo governo, é
Akira (idem, 88, JAP), Direção História em Literária
Quadrinhos
submetido a radicais experiência s científicas que lhe causam mutação de conseqüências desastrosas. Tecnologia de última geração em computação gráfica
Akira
Katsuhiro Otomo – 124 min – Desenho Animado
assegura um resultado surpreendente e criativo. Ação intermitente, com doses cavalares de violência (sangue e morte são mostrados em câmera lenta), e brilhante trilha sonora. Desenho de extremo impacto visual, baseado na série homônima de histórias em quadrinhos.
43
A Amante do Rei (The King’s
Literária
Na Turim do século XVIII, princesa casada desperta paixão no monarca local. A
Whore/La
história é forte e envolvente, ideal para
Jacques
Putain du Roi,
fisgar corações românticos. Sedução,
Tournier
90,
Novela
volúpia e hipocrisia são os temas desta bela
FRA/ITA/ING)
produção. A versão original francesa tem
, Direção: Axel
130 minutos e desenvolve melhor suas
Corti – 93 min
entrelinhas.
- Romance Em 1º de janeiro de 1500, um novo mundo Caramuru – A
é descoberto pelos europeus, graças a grandes avanços técnicos na arte náutica e
invenção do Brasil Frei José de Literária
Poema / Canto
Santa Rita
(Idem, 2001, Brasil),
Durão Direção: Guel Arraes – 88 min - Comédia
na elaboração de mapas. É neste contexto que vive em Portugal o jovem pintor Diogo, que acaba sendo punido com a deportação na caravela comandada por Vasco de Athayde, que naufraga. Ele, por milagre, consegue chegar ao litoral brasileiro. Lá, conhece a bela índia Paraguaçu com quem inicia um romance.
Absolute Beginners (idem, 86, Literária
Romance
Colin MacInnes
ING) – Direção: Julien Temple – 107 min - Musical
Fotógrafo principiante apaixona-se por modelo que, ao fazer sucesso, abandona -o por costureiro. Com inventividade, aborda conflitos raciais e dá um sugestivo panorama da música pop na Londres do final dos anos 50.
44
Márcia é uma típica garota de Ipanema. Garota de
Musical
Música
Depois de Pedro Paulo, tem um flerte com
Antônio
Ipanema
Carlos
(Idem, Brasil,
aventura com um fotógrafo casado, sempre
Jobim e
1967), Direção:
amparada pelo amigo Zeca. Incerta quanto
Vinícius de
Leon Hirszman
a seu futuro, angustiada em sua busca pela
Moraes
– 90 min –
felicidade, ela representa uma maneira de
Musical
ser da classe média. Vive só, em busca de
o compositor Chico Buarque e uma
solução para os seus problemas. A história se passa em 1899 e gira em torno Moulin Rouge
Musical
Musical da
Jonathan
Broadway
Larson
de um jovem poeta, Christian, que desafia a
- Amor em
autoridade de seu pai ao se mudar para
Vermelho
Montmartre, Paris - um lugar amoral,
(Moulin Rouge,
boêmio e onde todos são viciados em
2001,
absinto. Lá, ele é recolhido por ninguém
EUA/AUS),
menos do que Toulouse- Lautrec e seus
Direção: Baz
amigos, cujas vidas são centradas em
Luhrmann –
Moulin Rouge, um mundo miserável mas
127 min -
cheio de glamour. Christian se apaixona
Musical
pela maior estrela de Moulin Rouge, Satin. Recebeu o Oscar® de melhor direção de arte e melhor figurino.
Roteiro
Roteiro
Além da
Mulher que sofre de esquizofrenia
escuridão
paranóica tenta a recuperação com a ajuda
(Out of
da família e o uso de novos medicamentos.
Barbara
Darkness, 93,
Drama para TV sobre doentes mentais. O
Turner
EUA), Direção:
filme é sóbrio e discreto. Mostra de forma
Larry Elikann –
humana as dificuldades de uma família para
92 min – Drama
enfrentar o problema e a degeneração progressiva de uma paciente.
45
Agnes de Deus (Agnes of God, Teatral
Peça Teatral
John Pielmeyer
85, EUA), Direção: Norman Jewison – 98
Psicanalista tenta esclarecer o estranho caso de uma noviça que engravida num convento. As interpretações marcantes das atrizes principais e a crescente tensão mantêm o interesse do filme, mas não consegue esconder sua origem teatral.
min - Drama * As sinopses dos filmes tomam como fonte o Guia de vídeo 1997 da Editora Abril e o sítio eletrônico www.imdb.com.
Como se pode perceber, há uma enormidade de fontes que podem servir como base para a transposição de idéias para uma obra cinematográfica. Essas transposições só enriquecem a fonte original, por permitir uma outra forma de leitura da obra original. No entanto, há um outro ponto importante abordado por Brandão e Andrade que geralmente causa muita discussão com relação a estas obras adaptadas: a questão da fidelidade. Esta questão também foi abordada por Francis Henrik Aubert, no livro As (In)Fidelidades da Tradução: servidões e autonomia do tradutor. Para ele, o tradutor – ou adaptador – teria uma relação instável com a fidelidade:
A fidelidade na tradução caracteriza-se, pois, pela conjuminação de um certo grau de diversidade com um certo grau de identidade; ela será, não por deficiência intrínseca ou fortuita, mas por definição, por essencialidade, um compromisso (instável) entre essas duas tendências aparentemente antagônicas, atingindo a sua plenitude nesse compromisso e nessa instabilidade (AUBERT, 1994, p.77).
Qualquer processo de tradução, seja entre línguas, seja entre linguagens, tende a ter sua fidelidade posta à prova devido a esta instabilidade. Todo processo de adaptação entre linguagens não deixa de ser uma forma de tradução. No caso da adaptação literária para o cinema, trata-se de transpor signos verbais para sistemas de signos não-verbais, uma forma de tradução intersemiótica (classificação de Jakobson). No entanto, ao tentar enquadrar uma obra em uma única idéia julgada “fiel”, estar-se-ia negando as diversas interpretações que esta possa permitir, como defendem as autoras:
[…] fiscalizar e regular esteticamente a adaptação para o cinema ou televisão, em termos de estrita fidelidade ao texto literário, apaga, teoricamente, a conceptualização deste como entidade geradora de uma
46
infinidade de possibilidades significativas procedentes da flexibilidade e criatividade da linguagem literária nos seus usos metafóricos e topológicos. (BRANDÃO; ANDRADE, 2008, p. 3)
A fonte literária parece ser a mais freqüentemente utilizada para adaptações cinematográficas e foi também a usada pelo objeto de estudo deste trabalho. Portanto, visando sua melhor compreensão, enfocar-se-á, mais à frente, as adaptações literárias para o cinema. Entretanto, antes, deve-se ressaltar que não é intenção deste trabalho discutir o grau de adaptação nem de fidelidade da obra adaptada Carandiru, mas procurar verificar o processo de escolhas ao se adaptar suas personagens.
2. ACERCA DA ADAPTAÇÃO LITERÁRIA PARA O CINEMA Assim como a literatura, a linguagem do cinema desenvolveu-se “para tornar o cinema apto a contar estórias; outras opções teriam sido possíveis, […] mas foi a linguagem da ficção que predominou” (BERNARDET, 1981, p. 33). E este enlace entre literatura e cinema pode ser expresso através das tantas adaptações literárias para obras cinematográficas. O curta- metragem Os Guaranis (1908) teria sido o primeiro filme brasileiro a ser baseado em um romance de um autor brasileiro, embora não se tratasse de uma adaptação propriamente dita, mas de uma filmagem de uma pantomima circense que, por sua vez, foi baseada na obra de José de Alencar. No ano seguinte, foi produzido A Cabana do Pai Tomás, película brasileira adaptada de um autor estrangeiro, mas foi apenas em 1914, que a primeira adaptação cinematográfica de autor brasileiro teria sido produzida: A Viuvinha, baseada em romance de José de Alencar (filme que logo em seguida foi destruído pelo produtor). No entanto, esta ligação do cinema com a literatura já podia ser vista no século anterior, em outros países, como no curta Rei João, uma adaptação do inglês William-Kennedy Laurie Dickson da obra de William Shakespeare, datada de 18991 . No livro Manual do Roteiro (1995), que apresenta orientações práticas e consistentes para o desenvolvimento de roteiros, Syd Field discute esta questão de adaptação para o cinema. Segundo o autor, este processo seria o mesmo ao de escrever um roteiro original. 1
Dado do portal UOL. Disponível em: . Acesso em: 05 de abril de 2007.
47
Adaptar um livro para um roteiro significa mudar um (o livro) para o outro (o roteiro), e não superpor um ao outro. Não um romance filmado ou uma peça de teatro filmada. São duas formas diferentes. Uma maçã e uma laranja. Quando você adapta um romance, peça de teatro, artigo ou mesmo uma canção para roteiro, você está trocando uma forma pela outra. Está escrevendo um roteiro baseado em outro material. (FIELD, 1995, p. 174).
Brandão e Andrade sustentam que esta nova obra, adaptada para outro meio, também deve ser vista como algo diferente de sua origem: “ela será totalmente outra coisa, e como tal deve ser analisada, vista independentemente de sua origem” (2008, p. 15-16). Alexandre Henrique, no texto A série Contos da Meia-Noite: textos literários transmutados para a televisão, presente no livro Fusões: cinema, televisão, livro e jornal (2007), em uma análise desta série televisiva que foi constituída da adaptação de vários contos de autores brasileiros, conclui que este tipo de transposição pode alterar a percepção dos conceitos de suporte e mensagem:
A autoria artística, ou seja, o modo peculiar de se produzir um significado, move-se do foco de atenção do suporte da mensagem para o conteúdo expresso nela. (HENRIQUE, 2007, p. 82)
Sendo assim, em uma adaptação, embora haja mudanças – seja por retiradas, seja por acréscimos –, pode-se verificar a manutenção da essência da obra original. No caso aqui estudado, pode-se verificar que a obra cinematográfica Carandiru manteve o conteúdo da mensagem da obra que lhe serviu de base, o livro Estação Carandiru, ainda que apresente mudanças na composição desta, como no interesse de estudo deste trabalho: a transcriação de suas personagens adaptadas. Outra conclusão do autor importante para a análise de transposições literárias para meios audiovisuais é com relação ao tempo: segundo ele, “o tempo é um fator determinante na produção televisiva” (2007, p.83). Também o é na produção cinematográfica, talvez com um pouco mais de mobilidade já que não precisa se encaixar em uma grade de programação, ainda que esteja subjugado às normas de metragens 2. Esta condição a que a obra está sujeita pode
2
Segundo a ANCINE (Agência Nacional do Cinema), as normas para classificação de obras cinematográficas são as seguintes: 1. Curta metragem: duração igual ou inferior a 15 minutos; 2. Média metragem: duração superior a 15 minutos ou inferior a 70 minutos; 3. Longa metragem: duração superior a 70 minutos. Dados disponíveis em: . Acesso em: 17 de setembro de 2007.
48
determinar um caminho na adaptação que pode levar à redução de parte da história e/ou das personagens.
3. ACERCA DAS PERSONAGENS A personagem, descrita como um ser fictício construído à semelhança do homem por Massaud Moisés (1974), é um elemento importante em uma obra. Segundo o autor Antônio Cândido, ela estaria intrinsecamente interligada com o enredo, pois “o enredo existe através das personagens; as personagens vivem o enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e os valores que o animam”. A personagem serviria para cativar o leitor, buscando uma relação afetiva e intelectual. Porém, pode-se notar uma variação na construção destas personagens, que podem ser baseadas em uma ou várias pessoas reais, em outras personagens, etc. Os estudos de Cândido (1968) nos apontam sete tipos de personagens no que se refere à classificação destas: 1) Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta – seja interior, seja exterior; 2) Personagens transpostas de modelos anteriores, que o escritor reconstitui indiretamente, - por documentação ou testemunho, sobre os quais a imaginação trabalha; 3) Personagens construídas a partir de um modelo real, conhecido pelo escritor, que serve de eixo, ou ponto de partida; 4) Personagens construídas em torno de um modelo, direta ou indiretamente conhecido, mas que apenas é um pretexto básico, um estimulante para o trabalho de caracterização, que explora ao máximo as suas virtualidades por meio da fantasia, quando não as inventa de maneira que os traços da personagem resultante não poderiam, logicamente, convir ao modelo; 5) Personagens construídas em torno de um modelo real dominante, que serve de eixo, ao qual vêm juntar-se outros modelos secundários, tudo refeito e construído pela imaginação;
49
6) Personagens elaboradas com fragmentos de vários modelos vivos, sem predominância sensível de uns sobre outros, resultando uma personalidade nova; 7) Personagens cujas raízes desaparecem de tal modo na personalidade fictícia resultante, que, ou não têm qualquer modelo consciente, ou os elementos eventualmente tomados à realidade não podem ser traçados pelo autor.
Portanto, apesar desta vasta gama de possibilidades de construção de personagens, podese notar que em todos os casos houve um trabalho de criação, uma vez que não se pode reproduzir a realidade em sua totalidade. Sendo assim, “a natureza da personagem depende em parte da concepção que preside o romance e das intenções do roma ncista” (CÂNDIDO, 1968, p.74).
4. ACERCA DAS OBRAS ANALISADAS 4.1 Estação Carandiru A obra Estação Carandiru, de Drauzio Varella, foi classificada como “livro-reportagem”, portanto, retomando as fontes usadas para adaptação cinematográfica, trata-se de uma fonte literária. O foco deste trabalho recairá sobre suas personagens, que, neste caso, se encaixam literalmente na descrição de Massaud Moisés por serem personagens baseadas em pessoas reais, as quais estiveram em contato direto com o autor-narrador. Elas servirão como base para a análise das personagens cinematográficas, pois foram a fonte da adaptação destas. Para tanto , serão classificadas e mais detalhadas no capítulo III.
50
4.2 Carandiru A obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, baseada na obra anteriormente mencionada, apresenta variados tipos de personagens – segundo a classificação de Cândido – porém, um aspecto importante que se deve ressaltar com relação às suas personagens é que elas representam menos de 25% do número total de personagens apresentadas no livro no qual se baseou. Isto pode ser explicado, em parte, por esta necessidade de se adequar ao tempo estabelecido para uma obra cinematográfica, no entanto, compreende-se que há outros fatores que influenciam na confecção de uma obra, e é de interesse deste trabalho investigar qual ou quais foram estes outros fatores que determinaram a construção das personagens fílmicas de Carandiru. No entanto, deve-se esclarecer que não é intuito deste trabalho analisar o grau de adaptação nem de fidelidade desta obra. A riqueza do cinema não é “a , mas o poder de extrair da vida aquilo de que tem necessidade para fabricar a matéria-prima da sua ficção” (LEBEL, 1972, p. 109-110).
51
CAPÍTULO III - O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS
1. ESTAÇÃO CARANDIRU: O LIVRO
Imagem obtida na web.
O livro Estação Carandiru, escrito pelo médico cancerologista Drauzio Varella, foi publicado em 7 de junho de 1999, pela editora Companhia das Letras. A obra, que traz o relato do trabalho voluntário de Drauzio como médico na Casa de Detenção de São Paulo, tem 297 páginas, além de 64 páginas de fotos, dividas em duas seções de 32 páginas. A primeira seção, que se encontra após a página 94, contém 40 imagens, todas coloridas. Destas, 1 é creditada ao Acervo Waldemar Gonçalves; 2 a Bob Wolfenson; 30 a Drauzio Varella; 3 a João Wainer e 2 à Rachel Guedes. A segunda seção de imagens, que vem após a página 222, conta com um total de 57 fotos, todas em preto e branco. Destas, 1 é creditada à Agência Estado (Luiz Prado); 9 a André Brandão; 1 à Comissão Teotônio Vilela (Carlos César Grama); 16 a Drauzio Varella; 13 à Folha Imagem (1 a Juvenal Pereira, 1 à Marlene Bergamo, 1 a Niels Andreas, 1 a Matuiti Mayezo, 1 a Eduardo Knapp, 1 a Eder Chiodetto, 1 a Carlos Goldgrub, 1 a Luiz Carlos Murauskas, 1 a Lalo de Almeida, 2 a Flávio Florido e 2 a Jorge Araújo) e 5 à Rachel Guedes. Todas a fotos são da década de 1990. A capa, realizada a partir de uma fotografia sobre a qual Hélio de Almeida trabalhou, é de André Brandão. A contracapa recebeu três comentários retirados dos jornais O Estado de São Paulo (por José Castello), O Globo (por Arnaldo Jabor) e Folha de São Paulo (por Fernando Bonassi). Drauzio contou com a colaboração de Silvana Jeha na pesquisa iconográfica,
52
Denise Pegorim colaborou na preparação da edição e Carmen S. da Costa, Ana Maria Barbosa e Eliana Antonioli, na revisão. A obra, que foi incluída na categoria “reportagem” pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), é um relato das experiências de Drauzio Varella naquele que foi o maior presídio da América Latina. Durante mais de dez anos, Drauzio realizou, nesta penitenciária que era conhecida como “Carandiru”, um trabalho de prevenção à AIDS junto aos detentos e, desta convivência, nasceu o livro “Estação Carandiru”. No texto, é possível conhecer a história de mais de 200 personagens entre detentos, funcionários, amigos e parentes. A narrativa apresenta as falas das personagens com suas linguagens cotidianas, cheias de gírias e figuras de linguagem, e revela como funciona o código interno que rege o comportamento carcerário. Segundo explica Varella (2005, p. 9), com este livro, ele procurou “mostrar que a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam”. Em 1999, ano de lançamento de Estação Carandiru, segundo dados da CBL e do SNEL (Sindicato Nacional do Editores de Livros), foram produzidos 43.697 livros e impressos 295.442.356 exemplares (1ª edição e reedição) no Brasil 1 . Destes exemplares, 289.679.546 foram vendidos, totalizando um faturamento de R$1.817.826.339. Durante seu primeiro ano de vendagem, o livro de Drauzio vendeu aproximadamente 120 mil exemplares 2. Até 2004, foram vendidas 450 mil cópias3 . O livro permaneceu por mais de 150 semanas na lista dos best-sellers4 . De acordo com o cineasta Roberto Moreira, em entrevista cedida à Faculdade Cásper Líbero, o livro “vendeu mais de 1 milhão de exemplares”5 . No ano 2000, “Estação Carandiru” foi premiado com o Jabuti na categoria “reportagem”.
1
Dados da SNEL. Disponível e m: . Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 2 Dados da revista Época. Disponível em: . Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 3 Dados da revista Veja, edição 1866 de 11 de agosto de 2004. Disponível em: . Acesso em: 16 de dezembro de 2007. 4 Dados da Revista de Cinema, edição 36. Disponível em: . Acesso em: 18 de dezembro de 2007. 5 Entrevista realizada em 9 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 de dezembro de 2007.
53
2. ESTAÇÃO CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS Esta abordagem da obra Estação Carandiru enfatizará o perfil de suas personagens principais e secundárias. Massaud Moisés caracteriza a personagem do texto literário como “os seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são ‘pessoas’ imaginárias; se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço arquitetado pela fantasia do prosador” (1974, p. 396). No texto A personagem do romance, incluído no livro A personagem de ficção, de Antônio Cândido, Anatol Rosenfeld, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes, lê-se “a personagem vive o enredo e as idéias, e os torna vivos” (1968, p. 54). Dos três elementos de uma novela: enredo, idéia e personagem, esse último se destaca. Citando: “no meio deles (os elementos da novela) avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor (...)” (1968, p. 54). O mesmo texto acima citado, enfatizando a importância da personagem no texto literário cita um texto de Gide (1968, p.54): “Tento enrolar os fios variados do enredo e a complexidade dos meus pensamentos em torno destas pequenas bobinas vivas que são cada uma das minhas personagens” (ob. cit., p. 26). Deve se lembrar que, no caso do texto Estação Carandiru, a maioria das personagens é explicitamente baseada em pessoas reais. Citando: (...) procuro abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes, estupradores, assassinos. (...) Por razões éticas, os casos descritos nem sempre se passaram com os personagens a que foram atribuídos. (VARELLA, 2005, p. 9-10)
Esta citação salienta a oportunidade da definição acima citada de Massaud Mo isés, porém há de ser complementada, citando Antônio Cândido (1968), devemos lembrar que “o romancista é incapaz de reproduzir a vida, seja na singularidade dos indivíduos, seja na coletividade dos grupos”. Seguindo a classificação proposta por Cândido, podemos dizer que as personagem de Estação Carandiru se encaixam no primeiro tipo descrito por ele, ou seja, são personagens “transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta, —
54
seja interior, seja exterior ”. Neste caso, trata-se de uma experiência direta exterior, já que o autor esteve em contato direto com as pessoas. A seguir, será apresentado um levantamento das personagens da obra Estação Carandiru. A classificação é composta de cinco itens: o nome da personagem, uma definição elaborada a partir dos dados do livro, a primeira referência feita à personagem no livro, o capítulo e o número da página desta primeira referência. Essa listagem apresenta a relação de todas as personagens de Estação Carandiru, totalizando 206, sendo 190 homens e 16 mulheres. Elas podem ou não ter estado em contato com Drauzio Varella, este não foi um critério de exclusão. A listagem segue a ordem de aparecimento das personagens no livro.
TABELA 3 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO Nome
Descrição
1ª Referência
Capítulo
Página
Introdução
9
Introdução
9
Introdução
9
“Quando eu era Médico que foi à Casa Narrador
de Detenção para fazer um trabalho de prevenção à AIDS.
pequeno, assistia eletrizado àqueles filmes de cadeia em branco e preto.”
Dr. Getúlio
Ex-aluno de Drauzio do
“...a figura calada do
cursinho. Cuidava dos
dr. Getúlio, meu ex-
detentos com AIDS.
aluno no cursinho...” “...procurei o dr.
Dr. Manoel
Médico responsável
Schechtemn
pelo sistema prisional.
Manoel Schechtman, responsável pelo departamento médico do sistema prisional...”
55
“...O Vira Lata, um Paulo Garfunkel
6
Escreveu “O Vira Lata”
Carlos Zéfiro dos anos
(HQ).
90 escrito por Paulo
Introdução
10
Introdução
10
Garfunkel...” “...escrito por Paulo Líbero 6
Malavoglia
Desenhou “O Vira
Garfunkel e desenhado
Lata” (HQ).
por Líbero Malavoglia...”
Seu Jesus
Diretor de Vigilância,
“Seu Jesus, diretor de
ex- lutador profissional
Vigilância, ex- lutador
Estação
120 quilos. Depois,
profissional de luta
Carandiru
virou pastor protestante.
livre...”
14
“Só então escutei a voz Xavier
Ajudante do
empostada do ajudante:
Estação
marceneiro-chefe.
-Reeducando Xavier às
Carandiru
15
suas ordens, doutor.” Funcionário do pavilhão Oito, atarracado, de -
bigode, surpreendido na revista com um pacote de crack amarrado à
“...um funcionário do pavilhão Oito, atarracado, de bigode, quis entrar com um
Estação Carandiru
15
pacote de crack...”
face interna das coxas.
-
6
Malandro desdentado,
“Em minha direção
com gingado, sandália
vem um malandro
Estação
de dedo e T-shirt escrito
desdentado, na
Carandiru
New York University.
ginga...”
16
Embora possam ser entendidas mais como ambientação que personagens de fato, foram consideradas como personagens na análise deste estudo.
56
Um senhor negro baiano, de cabelo de carapinha branco, pai de 18 filhos com a mesma Seu Jeremias
mulher, firme de caráter, cumprindo sete anos desta vez,
“O velho Jeremias, de carapinha branca, sobrevivente de quinze
O casarão
19
Os pavilhões
25
Os pavilhões
26
Os pavilhões
27
Os pavilhões
30
rebeliões e pai de dezoito filhos com a mesma mulher...”
sobrevivente de 15 rebeliões. “Genival, um dos habitantes do setor, diz Genival
Paciente do DM (doente
que perdeu o juízo por
mental).
causa da visão de um senhor que ele matou...”
Forte, chefe de quadrilha de piratas de Bigode
Santos, cumpre 213 anos. Viciado e traficante de maconha de 82 anos de idade, criado num
Seu Lupércio
orfanato de Poá. Foi massagista do São Paulo, se orgulha de nunca haver roubado.
“Como diz Bigode, um homem de caráter forte, antigo no pavilhão...”
“Seu Lupércio, com mais de oitenta anos e dezenas de entradas e saídas na Casa por fumar e vender maconha...” “Caçapa, um ladrão
Ladrão que cumpre 5
que cumpre cinco anos
anos por assalto a banco Caçapa
no qual ganhou US$ 20 mil.
no Seis, que ganhou 20 mil dólares num assalto a banco...”
57
Rolney
Gersinho
Ladrão que cumpriu 12
“Rolney, um ladrão da
anos e voltou por matar
zona sul que cumpriu
o amigo-amante de sua
doze anos no pavilhão
mulher.
e foi libertado...”
Assaltante primário, de
“Gersinho, portador do
19 anos, portador de
vírus da AIDS,
vírus HIV, acolhido por
dezenove anos,
ladrão antigo que o viu
assaltante primário
nascer.
aceito no pavilhão...”
Os pavilhões
33
Os pavilhões
33
Os pavilhões
35
O barraco
36
O barraco
36
“Majestade, assaltante Assaltante dos anos 70, Majestade
cumpre pena há 20 anos no Nove. Presidente de
dos anos 70 que cumpre pena há vinte anos sem sair do
Esportes do Nove. Nove...” Mineiro de sorriso encantador, traficante Juscelino
de maconha no sertão de Pernambuco e trazia a droga na mochila.
“...como explica Juscelino, um mineiro de sorriso encantador que comprava maconha no sertão de Pernambuco...” “Na opinião do dr.
Dr. Walter
Chegou a diretor-geral
Walter, que começou
do presídio. Começou
ainda menino como
como carcereiro e
carcereiro, formou-se
depois se formou
advogado e chegou a
advogado.
diretor-geral do presídio...”
58
Valtércio
Arrombador de carros.
“Valtércio, um
Num dia roubou 8
arrombador de carros
televisores no porta-
que, num dia de Copa,
malas na frente do
roubou oito
Fórum.
televisores...”
O barraco
37
O barraco
41
O barraco
42
Sol e lua
44
Ex- motorista da prefeitura que usava o carro oficial para Sabiá
entregar cocaína.
“Sabiá, ex- motorista da prefeitura que usava o carro oficial para
Apaixonou-se por uma mocinha da Repartição
entregar cocaína no centro da cidade...”
e foi entregue à polícia pela esposa traída. Travesti lavadeira e
Jaquelina
passadeira preso por
“...Jaquelina, uma
aplicar o golpe do
travesti lavadeira e
suador. Descobriram
passadeira presa por
que ele ensaboava as
aplicar o golpe
roupas na água da
do suador...”
privada. Ladrão escolado, mulato franzino que ganhou o apelido de Sem-Chance
tanto repetir essas palavras no final das frases. Viciado em crack. Tinha tuberculose.
“...como explica o Sem-Chance, um mulato franzino que ganhou o apelido de tanto repetir essas palavras no final das frases:”
59
Rapaz de língua presa,
“A verdadeira história
de um metro e meio de Pequeno
altura, que matou quatro PMs que, segundo ele, mataram seus pais.
pouco depois eu ouvi
Sol e lua
46
Sol e lua
47
Sol e lua
47
Sol e lua
48
do Pequeno, um rapaz de língua presa...”
Diretor do
“...comandados pelo
Departamento de
diretor do
Waldemar
Esportes, tem o hábito
Departamento de
Gonçalves
de mascar cravos que
Esportes, o funcionário
ele guarda numa latinha
Waldemar
de pastilhas Valda.
Gonçalves...” “Seu Reinaldo
Seu Reinaldo
Funcionário da portaria,
Drumond, um
Drumond
negro, forte como touro.
funcionário da portaria, negro...”
Zagueiro com cara de amazonense, que tinha chegado na periferia de São Paulo há vinte anos, como assentador Gaúcho
de azulejo. Meteu-se em uma briga em que perderam a vida dois contendores. Acabou sócio de um amigo ladrão.
“Era o Gaúcho, um zagueiro com cara de amazonense, que tinha chegado na periferia de São Paulo há vinte anos...”
60
Uma senhora do Paraná, de coque no cabelo e pernas grossas de -
varizes, que viajava 600 km de ônibus a cada 15 dias para visitar o filho condenado a 120 anos,
“Uma senhora do Paraná, de coque no cabelo e pernas grossas de varizes, viajava
Fim de semana
51
seiscentos quilômetros de ônibus a cada quinze dias, religiosamente...”
que chacinou 6 pessoas. Chefe de uma quadrilha que abordava navios na barra de Santos, Pirata
encarregado de prender uma corda com gancho
“Num sábado, no campo do Oito, conheci a mãe do Pirata, uma
Fim de semana
52
senhora ba ixa e na murada por onde
encorpada...”
subiam com as metralhadoras. “Uma vez, seu Mavi,
Seu Mavi
Diretor do pavilhão Nove.
diretor do pavilhão Nove, perguntou a um grupo de presos que se
Fim de
53
semana
queixava da comida:”
Xanto
Ladrão do Pari que
“No plano Collor, no
baleou seus dois primos
auge do congelamento,
e seu tio bêbado, que
Xanto, um ladrão que
espancava sua tia-
ao visitar a tia-
madrinha, no peito por
madrinha no Pari
não saber dar tiro nas
baleou tanto o tio
pernas de ninguém.
bêbado...”
Fim de semana
53
61
Mulata de sorriso
Zilá
franco. Tinha quatro
“Uma mulata de sorriso
filhas, das quais apenas
franco, Zilá, das
a mais velha havia sido
primeiras na ordem de
concebida com o pai em
chegada, disse que
liberdade, seis anos
estava muito feliz...”
Fim de
55
semana
antes.
Fran
Vizinha de Zilá,
“...tinha chegado a
magrinha, tímida, que
Fran, uma vizinha do
podia ter no máximo 20
Taboão da Serra,
Fim de
anos. Foi ao presídio
magrinha, tímida, que
semana
para ser apresentada a
podia ter no máximo
Roberval.
vinte anos.”
Um mulherengo de bigode, sócio do marido Roberval
de Zilá no negócio de assaltar carga.
Nordestino cicioso que fez mais de cem Genésio
assaltos e esbanjou todo dinheiro nas boates da Zona Norte.
55
“...você quer conhecer o Roberval eu te levo, mas não desejo para
Fim de semana
55
ninguém o cansaço da fila...” “...Genésio, um nordestino cicioso que esbanjou nas boates da
Visitas
zona norte o dinheiro
íntimas
roubado em mais de cem assaltos...”
61
62
Travesti condenado a 3 anos e 2 meses por usar um talão de cheque
Sheila
roubado. Seios
“No trabalho com os
enormes, blusa com nó
travestis, encontramos
acima do umbigo,
o caso da Sheila,
confessava mais de mil
condenada a três anos e
parceiros sexuais na
dois meses...”
O baque
65
O baque
65
O baque
66
O baque
66
Casa de Detenção no decorrer do ano anterior à pesquisa. Ladrão azarado do
Chocolate
Jardim Bonfiglioli que
“Chocolate, um ladrão
roubou, sem saber, a
azarado do Jardim
casa da namorada do tio
Bonfiglioli que roubou,
traficante e depois,
sem saber, a casa da
assaltou uma outra sem
namorada do tio
saber que era do filho
traficante...”
de um delegado. Ladrão de fala mansa, marido de uma mulher bonita da qual morria de Chico Ladeira
ciúmes, fabricava seringas. Preso em um assalto a um templo da
“...Chico Ladeira, preso por seguranças armados de metralhadora num assalto a um templo da igreja Universal...”
Igreja Universal. Recebeu o apelido do amigo, que lhe flagrou Coça-Coça
pedindo para uma prostituta passar a unha em suas costas.
“Acharam uma grinfa ainda com sangue dentro, deba ixo da cama do Coça-Coça.”
63
“...um jamaicano negro
-
Jamaicano, negro, de
de rosto comprido,
rosto comprido, recém-
recém-saído da cadeia,
saído da cadeia.
que dizia ter sido preso
O baque
67
O baque
67
O baque
67
O baque
67
No cinema
70
No cinema
70
injustamente...”
-
Filho de árabe,
“...um filho de árabes
envelhecido
envelhecido
precocemente.
precocemente;”
Magrelo, de dentes -
estragados, pai de dois filhos. Assaltava bilheterias do metrô.
“...um magrelo de dentes estragados pai de dois filhos, que assaltava bilheteria de metrô;” “...um nissei da máfia
-
Nissei da máfia, que
que explorava
explorava lenocínio nas
lenocínio nas boates da
boates da Liberdade.
Liberdade, o bairro oriental de São Paulo.”
Funcionário da UNIP, responsável pela montagem do cinema. Roberto
Apelidado de PC pelos detentos devido à semelhança física com
“O trabalho de montagem ficava por conta de dois funcionários da UNIP, o Roberto e o Luís...”
o personagem de Alagoas. “O trabalho de
Luís
Funcionário da UNIP,
montagem ficava por
responsável pela
conta de dois
montagem do cinema.
funcionários da UNIP, o Roberto e o Luís...”
64
“...ajudados por uma
Gerson
Coordenador do pavilhão Oito.
equipe de detentos coordenada pelo
No cinema
70
No cinema
71
No cinema
71
No cinema
72
No cinema
74
Gerson do pavilhão Oito.”
Seu Florisval
Hernani
Diretor de Disciplina.
“Durante as primeiras
Começou como
palestras, seu Florisval,
carcereiro e chegou a
o diretor de Disciplina,
diretor.
postava-se no palco...”
Um senhor de cabelo
“Hernani, um falsário
grisalho, especialista no
ou “171”, como prefere
golpe da arara.
a malandragem...”
Ladrão que dizia ter aproveitado a vida. Santista
Viciado em cocaína . Esbanjava dinheiro roubado com moças de
“...eu respondia às perguntas feitas num outro microfone com fio comp rido levado pelo Santista...”
boates. Assaltante e receptador, nascido sem uma orelha, mulato musculoso cumprindo Santão
18 anos por assalto a banco, que ajudava a
“Santão, um mulato musculoso cumprindo dezoito anos por assalto a banco, que ajudava a montar o equipamento
montar o equipamento de som, era um dos mais revoltados.
de som...”
65
Filho de alcoólatra que odiava bêbado e baleou dois deles numa padaria
Benê
de Parelheiros porque
“Na semana seguinte,
importunaram uma
antes de começar a
moça. Homem de
palestra, o Benê, um
poucas palavras e
filho de alcoólatra...”
No cinema
74
Rita Cadillac
76
moral. Apitou a decisão do campeonato interno de futebol.
Rita Cadillac
Dr. Mário Mustaro
Edelso
Ex-chacrete que
“Para abrilhantar a
encantava os homens
cerimônia, o Waldemar
diante da TV, sábado à
convidou Rita
noite.
Cadillac...”
Chefe do serviço
“...para acertar os
médico da Casa e ex-
detalhes com o dr.
professor de bioquímica
Mário Mustaro, o chefe
Atropelo na 80 Divinéia
de Drauzio na
do serviço médico da
faculdade.
Casa...”
Primeiro enfermeiro de
“...conheci meu
Drauzio. Rapaz com
primeiro enfermeiro,
jeito de classe média,
Edelso, um rapaz com
Atropelo na
preso por roubo de
jeitão de classe média,
Divinéia
automóvel e exercício
preso por ro ubo de
ilegal da medicina.
automóvel...”
80
“Um mulato, baixinho Um mulato, baixinho e -
troncudo, de camisa
e troncudo, de camisa aberta, à direita do
aberta, que fez um carcereiro refém.
Atropelo na Divinéia
refém, com uma das mãos segurou- lhe...”
81
66
Branco de cabelo desgrenhado, dentes -
falhados na frente, que fez um carcereiro refém.
“Do lado oposto, um branco de cabelo desgrenhado, dentes
Atropelo na
falhados na frente,
Divinéia
81
mantinha posição simétrica...”
-
Fortão, musculoso de
“O terceiro, musculoso
malhação, que fez um
de malhação, puxava o
carcereiro refém.
refém pela gola...”
Atropelo na Divinéia
81
“Neste, sob a água que Preso sem camisa, com -
cara de boxeador. Enfermeiro que cuidava
escorria em pingos grossos, um preso sem
Bem-vindo
83
Bem-vindo
83
Bem-vindo
84
camisa, com cara de
de um doente. boxeador...” Paciente com ferida no rosto que pegava toda região frontal direita, -
provocada por HerpesZoster, vírus oportunista dos casos de
“O paciente tinha ferida cruenta no rosto, extensa, que pegava toda a região frontal direita, avançava sobre as pálpebras...”
AIDS. Ladrão de automóveis de Santo André, que -
estava só pele e osso e tossia e cuspia uma secreção sanguinolenta.
“No final, entrei no quarto de um rapaz de Santo André, ladrão de automó veis...”
67
Um dos enfermeiros, fortão, de bigode, que puxava a perna esquerda atingida numa Juliano
emboscada em que perderam a vida um
“Um dos enfermeiros, Juliano, fortão, d e
Bem-vindo
84
O impacto
86
O impacto
87
bigode, que puxava a perna esquerda...”
irmão e outro parceiro. Era especializado em bancos e carros-fortes. Um tipo de barba cerrada e passado Pedrinho
misterioso. Tinha três balas alojadas no tórax e foi condenado a 22
“...Pedrinho, um tipo de barba cerrada e passado misterioso, com três balas alojadas no tórax...”
anos. Guarda-costas de um traficante da Rocinha,
-
falava com sotaque
“Um deles, guarda-
carioca arrastado e
costas de um traficante
usava a camiseta do
da Rocinha, vestido
Flamengo. Tinha os
com a camiseta do
braços cobertos de
Flamengo...”
feridas que ele coçava ininterruptamente.
Mil e Um
Apelidado pela falta dos
“Uma vez, chegou um
quatro incisivos na
doente chamado Mil e
arcada superior, era
Um, referência à falta
HIV positivo.
dos quatro incisivos na
Traficante de crack.
arcada superior...”
Biotônico Fontoura
91
68
Descendente de árabes, nariz avantajado, cheio
Turco
de correntes
“Eu nem sabia que
embaraçadas nos pêlos
ainda fabricavam o tal
Biotônico
do peito. Anos mais
tônico revigorante e dei
Fontoura
tarde, fugiu por um
a receita ao Turco...”
93
túnel cavado no pavilhão Sete. Ladrão do pavilhão Sete. Tinha lábios rachados de febre, -
conjuntiva amarela avermelhada e dor nos músculos, causada pela leptospirose. Trabalhou
“Um dia de chuva, entrou um ladrão do pavilhão Sete enrolado num cobertor, feito um
Leptospirose
96
Leptospirose
98
beduíno do deserto, apenas os olhos de fora.”
no túnel feito para fuga. Obeso, entalou na boca Rolha
do túnel disfarçada atrás da imagem da santa.
“O Rolha, conforme ficou conhecido esse rapaz, foi transferido da Detenção às pressas...” “Uma vez, Zico, com fama de bandidão na
Zico
Tinha fama de bandidão
Vila Guaram,
Anjos-
na Vila Guaram.
reconheceu a
Demônios
101
fisionomia de um recém-chegado...” Encarregado-geral, Bolacha
negro de lábios grossos, ladrão de longa carreira.
“...um negro de lábios grossos conhecido
Anjos-
como Bolacha, ladrão
Demônios
de longa carreira:”
101
69
Kenedi Baptista dos Santos, conhecido como Zé da Casa Verde
Era ladrão desde a
“Zé da Casa Verde,
adolescência. Negro,
marido de duas
assaltante de banco,
mulheres, na época
Anjos-
casado com duas
internado na
Demônios
mulheres, Valda e
enfermaria, fez o
Maria Luísa.
seguinte comentário...”
102
Nordestino atarracado,
Abrão
ex-proprietário de
“Abrão, um nordestino
inferninho no cais de
atarracado, ex-
Santos, cumprindo 25
proprietário de
anos pela morte de um
inferninho no cais de
cliente que bateu em
Santos...”
Anjos-
103
Demônios
uma de suas prostitutas. Um senhor baixinho que guardava o portão de acesso à Divinéia, Seu Joãozinho
morreu esmagado pelo caminhão de lixo no portão da Divinéia, em
“Um homem que não fazia mal para uma mosca, como o seu
Os
Joãozinho, morreu
funcionários
106
esmagado pelo caminhão de lixo...”
uma tentativa de fuga. “...como disse seu Seu Aparecido Fidélis
Funcionário experiente,
Aparecido Fidélis,
cadeeiro da velha
funcionário experiente,
guarda.
enquanto tomávamos
Os funcionários
107
um chope...” Ladrão de muitas Chico Bagana
passagens pela Casa, gozador empedernido.
“...em voz baixa o Chico Bagana, ladrão
Os
de muitas passagens
funcionários
pela Casa...”
111
70
“...a única explicação para não ocorrerem Seu Reinaldo
Carcereiro que trabalha na portaria.
fugas espetaculares, daquelas de esvaziar pavilhão, é a dada pelo
Os
111
funcionários
seu Reinaldo, da portaria:” Ex-diretor do Cinco, que uma vez pagou do bolso um pacote de Seu Bonilha
cigarro que um ladrão devia, só para evitar um homicídio a mais em
“Como diz seu Bonilha, ex-diretor do Cinco, que uma vez
Os
pagou do bolso um
funcionários
112
pacote de cigarro que um ladrão devia...”
seu pavilhão. “Luisão, legendário exLegendário ex-diretor Luisão
da Casa, atualmente aposentado.
diretor da Casa, jura que era capaz de
Os
identificar aqueles nos
funcionários
113
quais a alcagüetagem é qualidade inata:”
Um militar dos anos 70. Os detentos mais velhos Coronel Guedes
o consideram como o melhor diretor de todos os tempos.
“Curioso é que os presos mais velhos consideram o coronel
Os
Guedes, um militar dos
funcionários
anos 70, época da ditadura...”
114
71
“-Chegaram oito com Detento que foi morto Alagoas
por oito homens a facadas e pauladas.
faca e pau no xadrez do tal de Alagoas. Ele me
Os
viu e começou a gritar:
funcionários
115
me ajuda, seu Paulo, pelo amor de Deus!”
Um funcionário de trinta e poucos anos que Seu Paulo
faz bico como segurança de um prostíbulo em Diadema.
“Ele me viu e começou a gritar: me ajuda, seu
Os
Paulo, pelo amor de
funcionários
115
Deus!” “Uma vez, seu Lourival, funcionário
Seu Lourival
Funcionário calejado.
calejado, comentou a
Os funcionários
115
respeito de um episódio rumoroso...” Membro da igreja
-
universal que apanhou
“Uma vez, atendi na
dos ladrões no pavilhão
enfermaria um membro
Nove quando o
da Igreja Universal que
pegaram fumando
apanhou dos ladrões...”
O rebanho
118
O rebanho
118
cigarro escondido.
-
Pastor do Cinco,
“Tarefa muitas vezes
homem em formato de
inglória, como
barril, preso por vender
esclarece um dos
lotes no meio da represa
pastores do quinto
Billings e outros golpes
andar do Cinco, um
contra a economia
homem em formato de
popular.
barril...”
72
-
Diácono de olhar
“Ficam sob observação
piedoso. Cumpre pena
durante três ou quatro
por assalto, tráfico de
anos antes de serem
crack e participação em
indicados, segundo um
uma chacina na favela
diácono de olhar
de Heliópolis.
piedoso...”
Um rapaz com forte sotaque paranaense, Valente
condenado por sete mortes a 130 anos. Viciado em cocaína.
O rebanho
118
O rebanho
119
Amarelo
122
Amarelo
122
Amarelo
123
“Valente, um rapaz com forte sotaque paranaense, condenado por sete mortes a 130 anos, justifica a necessidade do rigor:”
Dionísio
-
Ladrão, viciado em
“Dionísio, um ladrão
crack, com tuberculose
com tuberculose
incurável, que foi
incurável, abandonado
abandonado pela
pela mulher cansada
mulher.
das promessas ...”
Ladrão do Amarelo,
“Uma vez, atendi um
com o corpo coberto
ladrão do Amarelo,
com pequenas feridas
com o corpo coberto de
contagiosas. Viciado
pequenas feridas
em crack.
contagiosas...”
Traficante do Oito, que
Papo Doce
trazia cocaína da
“Papo Doce, um
Bolívia e ameaçava
traficante do Oito
matar os distribuidores
merecedor do apelido,
que misturassem a
que trazia cocaína da
droga com outros
Bolívia...”
produtos.
73
Ladrão que estourava a
Mário Cachorro
janela das casas com
“Mário Cachorro, um
macaco de automóvel e
ladrão que estourava a
numa delas encontrou
janela das casas com
doze quilos em barras
macaco de automóvel e
de ouro. Era filho e
numa delas encontrou
irmão das mulheres
doze quilos em barras
violentadas por
de ouro...”
Amarelo
124
Amarelo
124
Amarelo
125
Amarelo
126
Ronaldinho. “Dias depois, chegou Careca como o jogador, detido por haver Ronaldinho
na Detenção um certo Ronaldinho, careca como o jogador,
estuprado mãe e filha, entre outros delitos graves.
detido por haver estuprado mãe e filha, entre outros delitos graves.”
Um auxiliar da enfermaria. Foi Julinho
transferido para o Nove, quando descobriram que ele desviava
“Levei o Julinho, um auxiliar da enfermaria que mais tarde foi transferido para o pavilhão Nove...”
medicamentos. Enfermeiro do Hospital
Paulo Xavier, o Paulo Preto
Sírio-Libanês que se
“Mais recentemente, no
dispôs a auxiliar
Amarelo, passei a
Drauzio com os
contar com a ajuda do
doentes. Organizava o
Paulo Xavier, o Paulo
atendimento com o
Preto...”
auxílio de Lúcio.
74
Travesti com silicone
Veronique
inflamado na parte de
“Hoje agradeço ao
trás do assento.
pastor por ter me
Apelidado de Japonesa,
apresentado Veronique,
referência aos olhos
personagem de uma
puxados de cabocla
outra história.”
Amarelo
126
Amarelo
126
Amarelo
127
mato-grossense. Rapaz forte, com um olho de cada cor, que Lúcio
ajudava Paulo Preto no atendimento do Amarelo. Preso após uma briga de rua. Homem de barba espessa, antigo
Seu Manoel
funcionário do pavilhão. Tinha vinte anos de experiência.
Traficante interno que preparava crack de Tristeza
madrugada e que uma vez foi pego com 300 gramas da droga.
“Paulo organizava o atendimento com o auxílio de um preso chamado Lúcio, um rapaz forte...” “Num sábado, Paulo Preto, Lúcio, seu Manoel, um homem de barba espessa, antigo funcionário do pavilhão, e eu..” “O processo é trabalhoso, como se queixa Tristeza, um
Tudo na
traficante interno que
colher
passava as madrugadas no preparo...”
129
75
Ladrão com AIDS que fugiu do hospital penitenciário e foi preso fumando crack na rua. Ronaldo
Tem quatro filhos. Morreu de tuberculose na enfermaria seis meses depois de
“Ronaldo, um ladrão com AIDS que fugiu do hospital penitenciário e foi
Tudo na
preso em flagrante
colher
130
fumando crack na rua do Triunfo quarenta horas depois...”
recapturado. Bandidão cumprindo vinte anos pela morte de Júlio
três rivais que o emboscaram num beco
“...porque o Júlio, um bandidão cumprindo vinte anos pela morte
Para derrubar a
134
malandragem
de três rivais...” de favela. Viciado em crack que
Carlão
vendeu o revólver por
“Carlão, que passou um
causa da droga e foi
ano na rua e dois na
Para derruba r
preso assaltando com
cadeia, fumando crack
a
uma faca de cozinha.
sem parar e mais tarde
malandragem
Mais tarde, ficou livre
ficou livre da droga...”
134
da droga. Traficante franzino do Oito, armador do time do pavilhão, nascido no Filó
Canindé, arrombador de residências e pai de duas meninas mantidas por ele em escola particular.
“Filó, um traficante franzino do Oito, armador do time do
Para derrubar
pavilhão, nascido no
a
Canindé, ao lado do
malandragem
campo da Portuguesa...”
135
76
Filho de portugueses,
Horácio
abandonado pela
“Como explica
mulher depois de ficar
Horácio, um
paraplégico ao bater de
paraplégico filho de
moto roubada, com uma
portugueses,
loura na garupa, contra
abandonado pela
a traseira de um
mulher...”
Na piolhagem
137
Na piolhagem
137
Na piolhagem
138
Na piolhagem
139
caminhão. Tipo popular, contador de casos exagerados nos Fumaça
quais sempre desempenha o papel de protagonista.
“Fumaça, tipo popular, contador de casos exagerados nos quais inevitavelmente desempenha o papel de protagonista...” “Lenildo, um ladrão
Lenildo
Ladrão e traficante que
que nunca traficou na
nunca traficou na rua,
rua, mas que
mas o faz na cadeia
na cadeia começou a
para sustentar a mãe, as
fazê-lo para sustentar
duas mulheres, três
as duas mulheres,
filhos.
três filhos e a mãe que sofre de reumatismo...” “Fui desanimado pelo
Sarará
Negro loiro com muitas
Sarará, um negro loiro
passagens pela Casa.
com muitas passagens pela Casa:”
77
Ladrão de Guaianases, encarregado da enfermaria do Oito que Sérvulo
cobrava dois maços de cigarro dos detentos
“Sérvulo, um ladrão de Guaianases,
Ócio
141
Ócio
141
Pena Capital
144
Pena Capital
144
Pena Capital
145
encarregado da enfermaria do Oito...”
para conseguir uma consulta. Venezuelano naturalizado brasileiro,
“Um venezuelano
buscava drogas na selva -
amazônica e depois matava os entregadores por sair mais em conta
naturalizado brasileiro, que ia buscar droga na selva amazônica...”
do que pagá- los. Representante de vendas de 30 anos, deu carona para uma Gilson
estudante virgem de 15 anos, armado, dirigiu para um lugar ermo e a
“Outra vez, Gilson, um representante de vendas de trinta anos, deu carona no fusca para uma estudante de quinze...”
estuprou.
Marcolino
Apontador de jogo do
“Marcolino, apontador
bicho, comerciante de
de jogo do bicho e
dinheiro falso, estava
comerciante de
para ser libertado.
dinheiro falso...” “No dia seguinte, na
Craqueiro iletrado, foi o -
primeiro a bater em
cela coletiva, um craqueiro iletrado
Gilson quando soube do estupro.
pediu-lhe para escrever uma carta...”
78
Barriga
Ladrão preso em uma
“Aí o Barriga, um
tentativa de assalto à
ladrão q ue tinha sido
uma casa ao entalar na
preso entalado na
clarabóia do forro da
clarabóia do forro de
casa.
uma casa...”
Ladrão do Cinco que matou a amante e o Cilinho
sócio que o traíram e planejavam fugir com o dinheiro do assalto.
Pena Capital
146
Pena Capital
146
Laranja
149
Laranja
150
Laranja
151
“Cilinho, um ladrão do Cinco que matou a amante infiel e o sócio traidor que planejava fugir com ela e o dinheiro do assalto...”
Alfinete
Branquinho, magro
“Uma vez tratei um
feito um cabo de
branquinho chamado
vassoura, que roubava
Alfinete, magro feito
nos semáforos da
um cabo de vassoura,
avenida Paulista.
que fez carreira nos
Gastava com crack, até
semáforos da avenida
ser preso.
Paulista.” “...tinha sido o Peninha,
Um rapaz esquálido, Peninha
internado em fase final de evolução da AIDS, que mal parava em pé.
um rapaz esquálido internado em fase final de evolução da AIDS...”
Moreno de óculos consertados com Filósofo
esparadrapo, estelionatário de muitos golpes.
“...como explica o Filósofo, um moreno de óculos consertados com esparadrapo...”
79
Ladrão tatuado que Gitano
trabalhou na enfermaria.
Bebeto
“Gitano, um ladrão tatuado que trabalhou
“Bebeto estava para lá
cadeia há apenas três
do quinto sono quando
dias, fama de sangue-
os três funcionários
bom.
deram essa ordem.”
Cidinho
louca, perdeu a audição
Bigorna
e todos os dentes da frente.
152
Sangue-bom
152
Sangue-bom
153
Sangue-bom
153
Travestis
155
uma carta da mulher.”
Havia chegado na
Fornecedor de maria-
Sangue-bom
na enfermaria, recebeu
“Cidinho Bigorna, seu fornecedor, lamentou não poder atendê- lo, estavam na entressafra...”
Um ex- marinheiro de 50 anos que matou o cunhado. Chefe da marcenaria, comandava a Cozinha Geral. Foi Seu Chico
preso e não viu mais os filhos, porque a mulher disse a eles que o pai
“...como explica seu Chico, um exmarinheiro que matou o cunhado, foi preso e não viu mais os filhos...”
havia morrido na penitenciária. Condenado a 44 anos. “...um homem de seios; Raimundo da Silva, mas todos chamavam de Loreta
Um travesti de seios e gestos delicados.
e gestos delicados em cuja ficha eu lia Raimundo da Silva, mas que todos chamavam de Loreta.”
80
Um travesti, de cabelos compridos, fazia as Índia
unhas do diretor, o temido coronel linhadura.
“...uma delas, de cabelos compridos, conhecida como Índia,
Travestis
155
Travestis
156
Travestis
157
Travestis
157
Travestis
157
Inocência
158
fazia as unhas do diretor, o temido coronel linha-dura.”
-
Zacarias
Ladrão desdentado que
“Uma vez, dei o
pegou AIDS ao manter
resultado positivo do
relacionamento sexual
teste de AIDS para um
com outros detentos.
ladrão desdentado....”
Um asmático em crise, faxineiro do Oito.
“Zacarias, um asmático em crise, faxineiro do Oito...” “...faxineiro do Oito,
Valdir
Funcionário do Cinco.
queixou-se ao seu Valdir, funcionário do Cinco:”
Patrícia Evelin
Paulão
Travesti que tinha cílios
“Patrícia Evelin, de
postiços, condenado por
cílios postiços, foi
matar um cliente que
condenada porque
não quis pagá-lo e ainda
matou um cliente que
foi estúpido.
não quis pagá- la...”
Mulato de 40 anos,
“Paulão é um mulato
meio gordo, sorriso
de quarenta anos, meio
agradável e barba
gordo, de sorriso
cerrada, que vivia pela
agradável e barba
enfermaria.
cerrada...”
81
Zildenor
Um dos membros do
“...Zildenor, por ironia
grupo de depredadores,
preso numa loja de
preso ao comprar um
brinquedos quando
brinquedo para os filhos
comprava
com dinheiro roubado
honestamente um
num assalto.
trenzinho...”
Encarregado-geral da Faxina do pavilhão Jocimar
Cinco, recémtransferido.
Ricardão
160
“...diretor de Disciplina, chamou Jocimar, encarregado-
Quebracabeça
164
geral da Faxina do pavilhão:”
Diretor de Disciplina do Cinco, homem encorpado, de óculos, avô de dois netos e filho Seu Luís
de uma senhora de cabelos brancos como algodão. Começou menino ainda, como carcereiro, e chegou a diretor.
“...seu Luís, diretor de Disciplina, chamou Jocimar, encarregadogeral da Faxina do pavilhão:”
Quebracabeça
164
82
Magro, alto e estrábico, tomava conta da Copa dos funcionários do pavilhão com um grupo de companheiros. Um Pirulão
alcagüeta que fez carreira num distrito do centro, passando
“Maquiavelicamente, seu Luís lembrou-se do Pirulão, um alcagüeta que fez carreira num
Quebra-
167
cabeça
distrito do centro...”
informações em troca de parte dos bens apreendidos com os ladrões que delatou. Ladrão de olhos
Baianinho
puxados, que cometeu
“Baianinho, um ladrão
mais de cem assaltos e
de olhos puxados, com
duas mortes. Morava de
mais de cem assaltos e
graça em uma das seis
duas mortes no
celas com TV, de
prontuário...”
Quebra-
169
cabeça
propriedade de Jocimar. Ladrão magrinho, que tinha a imagem de Roberto Carlos
Nossa Senhora Aparecida tatuada no peito e era cego do olho direito.
“Roberto Carlos, um ladrão magrinho, com uma Nossa Senhora Aparecida tatuada no peito...”
Quebracabeça
169
83
Não tinha os dentes na frente. Traficante e
“...será que o senhor
receptor. Era o mais
podia espiar o
Ezequiel dos
respeitado destilador de
Ezequíel, um
Mulher, motel
Santos
maria- louca do pavilhão
considerado meu que
e gandaia
Oito. A fama de sua
está padecendo do
pinga atraía fregueses
pulmão, lá no Oito?”
176
da cadeia inteira. “Lembrou-se do Alcindo, de Santo Alcindo, conhecido como
Tinha fama de melhor
André, que havia
Mulher, motel
piloto do ABC.
cumprido pena com ele
e gandaia
Ayrton.
179
na cadeia de Presidente Wenceslau.” Assaltava com o
Miguel
parceiro, Antônio
“Miguel assaltava com
Carlos. Foi traído pela
o parceiro, Antônio
mulher com um
Carlos.”
Miguel
185
Miguel
185
Miguel
188
Miguel
188
policial. Parceiro de Miguel. Foi Antônio Carlos
ele quem contou a Miguel que sua mulher
“Miguel assaltava com o parceiro, Antônio Carlos.”
o traía. Esposa de Miguel, que Marli
o entregou ao amante
“-Que pergunta, Marli!”
policial. Esposa de Antônio Dina
Carlos, que tinha o cabelo oxigenado e era muito ciumenta.
“Uma loira oxigenada apareceu na janela. Era Dina, mulher dele.”
84
Assaltante de banco e carro- forte, corpo forte, Claudiomiro
com três cicatrizes. Tinha 35 anos, deixou a mulher grávida e o
“Claudiomiro diz que só foi preso porque
Um abraço
191
tinha mulher e filho.”
menino pequeno. Irmã do meio de Deusdete que foi Francineide
molestada por dois homens.
“...Francineide, irmã do meio de Deusdete, na volta da padaria, foi
Deusdete e Mané
198
molestada por dois marginais da vila.” “Os corpos eram de
Deusdete
É preso após assassinar
Deusdete e Mané de
os agressores da irmã.
Baixo, criados na
Deusdete e
Morre queimado na
mesma vizinhança,
Mané
penitenciária.
amigos inseparáveis até
198
os catorze anos...” Amigo de Deusdete,
Mané de Baixo
inseparáveis até os 14
“Os corpos eram de
anos. Condenado a 8
Deusdete e Mané de
anos e seis meses por
Baixo, criados na
Deusdete e
roubo de carga e
mesma vizinhança,
Mané
formação de quadrilha.
amigos inseparáveis até
Morre esfaqueado na
os catorze anos...”
198
penitenciária.
Fuinha
Detento viciado em crack.
“Na noite da tragédia, apareceu o Fuinha no guichê da cela:”
Deusdete e Mané
200
85
-
Altão, forte, o rapaz
“Na sala de consulta,
tinha fama de assaltante
eu louco para ir
destemido, ligação com
embora, entrou um
bicheiros, cicatriz no
altão, forte,
supercílio direito e era
devagarinho, as pernas
subencarregado da
abertas e as mãos
Faxina do pavilhão
amparando os
Oito, o dos reincidentes.
testículos.”
Amor de mãe
201
Amor de mãe
202
Amor de mãe
202
Amor de mãe
202
“Numa delas, um exmecânico com Ex- mecânico com -
caquexia associada à AIDS.
caque xia associada à AIDS conseguiu tirar a mão esquálida da algema...”
Craqueiro com tuberculose avançada, Romário
que fugiu do hospital. Viciado em crack, voltou e morreu dois
“Na outra, Romário, um craqueiro com tuberculose ava nçada, pulou o alambrado do Hospital Central...”
meses depois. Ladrão de longa carreira. Assaltante de Lula
banco responsável pelas pequenas operações na enfermaria. Morreu de overdose de crack.
“...mandei chamar o Lula, responsável pelas pequenas operações da enfermaria, assaltante de banco...”
86
“Fui apresentado ao
-
“Alemãozinho”,
Lula no ambulatório
sardento, tinha uma
por causa de um
água de asas abertas
alemãozinho sardento
tatuada nas costas.
com uma facada na
Lula
209
Lula
209
Lula
209
Margô Suely
213
Margô Suely
214
região glútea.”
Ferrinho
Chefe de quadrilha,
“Baleados, ele e o
rapaz miúdo. Enforcou-
chefe da quadrilha, um
se com um lençol na
rapaz miúdo chamado
cela em menos de um
Ferrinho, chegaram no
mês.
Carandiru.” “Bandeco, figura
Bandeco
Detento do Cinco que
popular do Cinco, que
fala parecendo uma
fala feito metralhadora,
metralhadora.
diz que nada é tão gratificante:”
Travesti que usava sainha agarrada, bustiê Margô Suely
e tinha silicone nas coxas. Teve um caso com outro detento.
“Margô passou três meses no distrito, numa cela com 32 homens, e ninguém abusou dela.”
Travesti mais velho, de rosto assimétrico devido
Zizi
ao deslizamento do
“Na parte de cima do
silicone injetado na
beliche morava a Zizi,
região malar. C uidava
travesti mais velha...”
da cozinha, limpeza, lavava e passava.
87
Travesti que briga com Leidi Dai
Margô Suely, que é cinco anos mais velho.
“Na cama, vestindo as meias de lã que eram
Margô Suely
215
Cozinha Geral
219
Cozinha Geral
219
Cozinha Geral
219
suas, estava deitada Leidi Dai...”
Tinha feito mais de 200 assaltos e dois assassinatos, magro, de cabelos curtos por igual. Zelão
Cordial no trato e fama de violento na reação. Comandava a Cozinha
“Zelão, Flavinho e Capote comandavam a Cozinha Geral com mão de ferro.”
Geral. Condenado a mais de 30 anos. Marginal temido, com três assassinatos na ficha, baixo e magro, Flavinho
“Zelão, Flavinho e Capote comandavam a
com olhos negros. Comandava a Cozinha Geral. Condenado a
Cozinha Geral com mão de ferro.”
mais de 30 anos. Marginal temido, assaltante com ar de
Capote
revolta no rosto, não
“Zelão, Flavinho e
tinha os dentes da
Capote comandavam a
frente. Comandava a
Cozinha Geral com
Cozinha Geral.
mão de ferro.”
Condenado a mais de 30 anos.
88
“Um funcionário
Seu Pires
Diretor do Pavilhão
atendeu e trouxe o
Oito, de cabelos
recado em voz baixa
grisalhos.
para o seu Pires, o
Reencontro
223
diretor do pavilhão:” De pele branca como a neve, é de uma família Valda
de bem, em Santana,
“Zé era casado com
que nunca aceitou seu
duas mulheres, Valda e
romance com Zé da
Maria Luísa:”
Zé da Casa
227
Verde
Casa Verde por ele ser negro. Passista da Império da
Maria Luísa
Casa Verde. Um sorriso
“Zé era casado com
que iluminava a quadra
duas mulheres, Valda e
inteira, parecia uma
Maria Luísa:”
Zé da Casa Verde
227
deusa de ébano. Ladrão paraplégico com várias passagens pela Febem. Condenado a 48 Neguinho
anos, o rosto talhado como estátua africana,
“Neguinho começou assim: -A minha senho ra mãe
Neguinho
231
Neguinho
232
matou...”
olhos pretos e olhar de poucos amigos. “Um dia, Juciléia, a Juciléia
Irmã mais velha de
irmã mais velha,
Neguinho.
apaixonou-se por um tipo à-toa.”
89
Traficante e assaltante. Carteiro do Sete, sergipano alto, fluente,
Manga
com um vozeirão.
“Manga, um carteiro
Havia fugido da cidade
detido no pavilhão
natal para escapar da
Sete, gostava de
vingança dos irmãos de
conversar comigo - e
uma moça que dizia ter
eu com ele.”
Manga
237
Manga
238
Manga
238
Manga
239
Manga
240
perdido a virgindade com ele. Foi acusado da morte de Zóio Vesgo. “Então, entrou em cena a tal de Sonha, uma Traficante, vizinha de Sonha
Manga, com quem negociava drogas.
vizinha com quem Manga mantinha relacionamento comercial:”
Genival
Estuprador, viciado,
“Nesse momento
freguês de Manga fora
delicado, Genival, um
do presídio.
de seus fregueses...” “Quando virou a rua da
Águas Turvas
Viciado em maconha,
Glória na direção da
esfaqueado por Manga
praça João Mendes, em
fora do presídio.
sua direção veio o Águas Turvas:” “...com um rapaz que
Boca-Larga
Comparsa de Manga.
atendia pelo vulgo de Boca-Larga.”
90
Irmão de Águas Turvas, Zóio Vesgo
que entrou em uma briga com Manga.
Batata
“-O irmão do Águas Turvas, cujo vulgo era
Manga
240
Manga
241
conhecido como Zóio Vesgo.”
Comparsa de Manga,
“-Passado um mês, um
matou Zóio Vesgo com
truta meu, o Batata, que
três tiros.
roubava...” “-Seu Lopes, conheço
Seu Lopes
Diretor de disciplina.
um certo ladrão que
Começou a carreira na
entrega o dono do cano
portaria do Nove.
para o senhor em troca
Veronique, a 250 japonesa
de um bonde...” Trabalhava na Arnaldo
enfermaria.
“Cheguei no ambulatório e o
Nego-Preto
252
Nego-Preto
253
Nego-Preto
253
Nego-Preto
253
Arnaldo não estava.” Assaltante criado na
Nego-Preto
periferia, tinha muitos
“No final do
irmãos. Seu pai ficou
ambulatório mandei
preso por nove anos.
chamar o rapaz que
Preocupava-se com o
acabou com a briga.
filho mais velho, que
Nego-Preto a seu
era adolescente sem
dispor, disse ele.”
juízo. Vizinho e comparsa de Marlon Nego-Preto.
“Marlon, meu vizinho de barraco passou na casa do Escovão.”
Comparsa de Nego Escovão
Preto que foi morto por ele após durante uma partilha.
“Marlon, meu vizinho de barraco passou na casa do Escovão.”
91
Bom Cabelo
Pertencia a um grupo
“- Numa boca de fumo
fortemente armado.
na favela da Mimosa,
Comprou os objetos
perto da Fernão Dias,
roubados por Nego -
para um elemento que
Preto, Escovão e
atendia pelo vulgo de
Marlon.
Bom Cabelo.”
Nego-Preto
255
Nego-Preto
257
Olho por olho
258
Rapaz novinho, filho de
-
Nego-Preto, tinha a pele
“...quando cruzei o
mais clara que a dele.
pátio do pavilhão, ele
Condenado a 3 anos e 2
conversava sério com
meses por assalto a mão
um rapaz novinho...”
armada. Assaltante que tinha sorriso alvo e dentição perfeita. Malandro no Charuto
jeito de andar, falar e olhar. Condenado a 16
“Charuto entrou com o dedo enterrado numa cebola cozida.”
anos, nesta segunda passagem pela prisão. Tinha duas mulheres. “Dois anos depois do
Zoinho
Ladrão estrábico,
entrevero com o rato,
internado com sarna,
ele convenceu o
viciado em crack.
Zoinho, um ladrão
Paixão arrebatadora
260
estrábico...”
-
Amigo de Charuto,
“...com ar cerimonioso,
narigudo, felliniano.
acompanhado de um
Paixão
Comprou o colchão de
companheiro narigudo,
arrebatadora
Zoinho e pegou sarna.
felliniano:”
260
92
A outra mulher de
“...o grande eu não sei, porque ele vive com a
Rosane
Charuto, viciada em crack. Mãe de seu primeiro filho.
Rosane, minha outra mulher, e ela é
Paixão
261
arrebatadora
fumadora de crack.” “No quarto dessa
Dona Joana
Senhora traficante.
senhora, dona Joana,
Paixão
Charuto entregou a
arrebatadora
261
droga...” “...e sentou para Seu Machado
Traficante que morava
conversar com seu
Paixão
com dona Joana.
Machado, um senhor
arrebatadora
261
que morava com ela.”
Rosirene
Mulher de Charuto,
“-O pequenininho eu
negra de lábios finos,
não quero ver, porque
Paixão
nariz empinado, bunda
ele está bem com a avó,
arrebatadora
de escola de samba.
a mãe da Rosirene.”
261
“Rosirene confessou Amigo de Charuto que Mato Grosso
o traiu com Rosirene, com quem tinha planos
estar namorando um amigo dele, Mato Grosso, o dono das
de ir para Ponta Porã. pedras...”
Paixão arrebatadora
264
93
Mulato de 70 anos, rosto vincado e cantos grisalhos na carapinha. Valdomiro, conhecido como seu Valdo
Respeitado no presídio, nasceu em uma ladeira de terra do Pari, neto de uma avó racista que
“Seu Valdomiro é um mulato de rosto vincado e cantos grisalhos na
Seu 270 Valdomiro
carapinha.”
discriminava a mãe dele, negra. Preso pela morte do baiano. “...tomava conta do Betina
Mulher ciumenta de seu
estande de tiro ao alvo
Seu
Valdo.
e vivia amigado com a
Valdomiro
271
Betina...” Amigo de seu Valdo. Joca
Experiente na sinuca e com mulheres.
“No bar ele encontrou o Joca, que lhe pagou
Seu
um rabo-de-galo para
Valdomiro
273
acalmar...” Mulata de pernas torneadas e rebolado de parar a feira. Esposa de Cida
um baiano ciumento,
“-O que você aprontou
Seu
pivô da briga entre ele e
com a Cida?”
Valdomiro
273
Valdo. Depois, iniciou romance com seu Valdo. Baiano ciumento, que brigou com seu Valdo por causa de sua esposa, Cida.
“...Joca aconselhava o companheiro quando chegou o baiano.”
Seu Valdomiro
273
94
Amigo de Valente, que Salviano
o convenceu a matar um PM. Rapaz franzino de Sapopemba, cruzava as
Pérola Byington
pernas feito mulher e com a mão desmunhecada, roia as
“Um de seus amigos, Salviano, vivia com
O filho
uma mulher que havia
prodígio
275
namorado um PM.” “A meu lado, um rapaz franzino de Sapopemba, conhecido como Pérola
Aprendiz de
279
feiticeiro
Byington...”
unhas o tempo todo. “Pouco depois Dr. Pedrosa
Diretor- geral do
apareceu o dr. Pedrosa,
Aprendiz de
presídio.
diretor-geral do
feiticeiro
279
presídio...” Pertencia a uma facção Barba
da Zona Sul, que brigou com Coelho.
“...o Barba brigou com o Coelho na rua Dez do
O levante
281
O levante
281
O levante
281
segundo andar do Pavilhão...”
Pertencia a uma facção Coelho
da Zona Norte, que brigou com Barba.
“...o Barba brigou com o Coelho na rua Dez do segundo andar do Pavilhão...”
Traficante de cocaína, sócio de uma pizzaria Baiano
no Ipiranga, que se
Comedor
gabava de haver namorado as mulheres mais bonitas do bairro.
“A razão da desavença não foi esclarecida devidamente, de acordo com o Baiano Comedor...”
95
Negro alto e forte, cego Zelito
dos dois olhos pelo gá s lacrimogêneo.
Adelmiro
Nardão
“Zelito, um negro alto e forte que mais tarde
“Adelmiro, um filho de
atarracado, cujo tio
portugueses atarracado,
tinha um desmanche em
cujo tio tinha um
sociedade com um
desmanche na Água
delegado.
Rasa...”
viciado em cocaína.
282
O levante
283
O levante
283
O levante
284
O ataque
286
enfermaria...”
Filho de portugueses,
Ladrão principiante,
O levante
conheci na
“Gente sem experiência de cadeia, como o Nardão...”
Faxina de pescoço
Ôrra Meu
longo como os de
“...o irracionalismo da
Modigliani e sotaque
turba teria
italianado característico
conseqüências
do bairro da Mooca,
desastrosas, como
preso ao trazer maconha
observou Ôrra Meu...”
de Pernambuco. Ladrão de Carapicuíba que sobreviveu a seis tiros de um justiceiro Dadá
contratado pelo s comerciantes do bairro,
“No terceiro andar, ao ouvir o aviso para sair da galeria, Dadá, um ladrão de
único desencaminhado numa família de crentes praticantes.
Carapicuíba...”
96
Faxineiro do Nove, baixinho de fala ágil, Jacó
traficante de cocaína que se orgulhava de fazer negócios por
“No segundo andar, Jacó, um dos faxineiros
O ataque
287
O ataque
288
O ataque
288
O ataque
288
O rescaldo
290
O rescaldo
292
O rescaldo
292
do Nove...”
telefone. Centro-avante do -
Furacão 2000, um dos times do presídio.
“Entre eles, o centroavante do Furacão 2000, que momentos antes...”
Goleiro do Burgo Marcão
Paulista, um dos times do presídio.
“...os cinco gols marcados contra Marcão, goleiro do Burgo Paulista...”
Ladrão de baixa estatura condenado pelo Salário Mínimo
Mínimo, um ladrão condenado pelo
latrocínio de dois policiais em Itapevi. Itaquera
“Nesse xadrez, Salário
latrocínio de dois policiais em Itapevi...”
Detento que sobreviveu
“Ergueram-se o
ao massacre.
Itaquera e ele:” “Quietinho,
Ladrão da favela
preocupado apenas em
Chico
Heliópolis que roubava
preservar a vida, Chico
Heliópolis
firmas, bancos e
Heliópolis, ladrão da
mansões.
favela de mesmo nome...”
Gaguinho
Traficante de maconha,
“Gaguinho, um
apontador de jogo do
apontador de jogo do
bicho, que trabalhava na
bicho e vendedor de
copa dos funcionários.
maconha...”
97
Isaías
Ladrão que perdeu o
“A aversão dos
movimento do braço
policiais pelo sangue
esquerdo por overdose
derramado custou a
de crack e anos depois
vida de vários
morreu de tuberculose
desastrados, como
na enfermaria.
explicou Isaías...”
O rescaldo
292
A partir deste levantamento podem-se verificar algumas dominantes nesse elenco de personagens. As características mais freqüentes das personagens são: a maioria absoluta de personagens é composta por homens adultos em situação de cárcere. Também é possível constatar o baixo índice de personagens jovens e a ausência de crianças de ambos os sexos.
TABELA 4 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR IDADE E SEXO Sexo
Idade¹
Quantidade
Homens
Adultos
188 (sendo 10 travestis)
Jovens
2
Crianças
-
Adultas
14
Jovens
2
Crianças
-
Mulheres
¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.
98
Outros dados que podem complementar o tema ou questão dizem respeito à situação das personagens. Para tanto, elas foram classificadas em Personagens em situação de cárcere, ou seja, que estão reclusas na Casa de Detenção de São Paulo; Personagens em liberdade, que corresponde às personagens mencionadas nas histórias dos detentos, funcionários e outros; e Não identificáveis, ou seja, que não se pôde constatar sua situação.
TABELA 5 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR SITUAÇÃO Personagens em situação de cárcere
141
Personagens em liberdade
62
Não identificáveis¹
3
¹ Personagens que se encontram dentro da penitenciária, mas que não se pôde verificar se são detentos ou funcionários.
Estes dados confirmam o que estava indiciado já a partir da sinopse do livro e da história do escritor: a personagem dominante na narrativa Estação Carandiru é um adulto masculino recluso. Uma vez tendo definidos os números que indicam a situação das personagens na história, pode-se partir para uma classificação mais detalhada destas personage ns, visando uma melhor análise de suas transposições. No entanto, há outras observações e classificações possíveis antes de se enveredar para as especificidades. A primeira classificação proposta para, ainda, todas as personagens é a que considera a maneir a como são conhecidas pelas outras personagens. Para tanto, criaram-se três categorias, sendo: nome, apelido e não identificado. Foram considerados como nome os apelidos derivados de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos (ex: Flavinho, Paulão.). Os nomes femininos dos travestis foram considerados apelidos (ex: Loreta, Patrícia Evelin.). Na categoria não identificado, foram classificados aquelas personagens cujos nomes não foram mencionados na obra, apenas eram identificados por alguma característica (ex: travesti, ladrão, mulato.). Deve-
99
se esclarecer também que, embora algumas personagens tenham tido seu nome mencionado, se eram conhecidas por seus apelidos, foram encaixadas na categoria apelidos, pois o objetivo desta classificação é determinar como eram conhecidas pelas demais personagens e não como foram identificadas na obra.
TABELA 6 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS NOME
105
APELIDO
71
NÃO IDENTIFICADO
30
Pode-se perceber uma grande ocorrência de personagens que eram conhecidas por seus apelidos (34,5%), embora a maioria (51%) ainda era conhecida por seu nome (ou apelido derivado do nome). No entanto, um dado curioso: 14,5% 7 das personagens da obra literária não apresentavam qualquer identificação denominativa, apenas se pôde identificá-las através de descrições físicas. Uma outra categoria de classificação ainda analisando em um quadro geral, ou seja, sem excluir nenhuma personagem por criação de grupos, que se faz necessária é a a partir de sua raça. Esta classificação é essencialmente importante visto que, na obra cinematográfica, o aspecto visual é, talvez, o maior diferencial da obra literária, sendo assim, considerando uma personagem, a mudança de uma raça para outra pode, de alguma forma, apresentar mudança significativa para a composição daquela personagem. A tabela a seguir apresenta quatro formas de classificação, sendo: negros (incluindo aqui os mulatos), brancos, outros e não verificável. As duas últimas categorias fo ram criadas devido à própria natureza da fonte: 1) como a variedade de raças era muito pequena, não houve necessidade de criar outras categorias; 2) não se pôde verificar a raça de algumas personagens, pois não houve nenhuma descrição do autor.
7
Valores aproximados.
100
TABELA 7 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO PELA RAÇA NEGROS
15
BRANCOS
5
OUTROS
1
NÃO VERIFICÁVEL
185
Sendo assim, temos 7,3% de negros, 2,4% de brancos, 0,5% de outras raças e 89,8%8 , a maioria, de personagens cuja raça (ou raças) não foi mencionada. Da mesma forma, como pôdese verificar uma considerável variedade de vezes em que a droga fazia papel principal dentro do presídio, logo, na história do livro, também se faz necessária uma classificação de usuários de drogas (ou viciados, como mencionado na obra algumas vezes). Deve-se lembrar que muitas personagens faziam a ligação entre o presídio e o “mundo livre” através do tráfico de drogas, portanto, esta listagem refere-se tanto aos usuários em situação de cárcere quanto aos usuários em liberdade. Ao se compor esta categoria, adotou-se os seguintes critérios: apenas as personagens que foram explicitamente descritas como usuários foram classificadas como tal, excluindo assim traficantes ou personagens ligadas aos usuários, mesmo quando sugeriam possível envolvimento com as drogas. As categorias se dividem em: usuários e não usuários ou não especificados. Dentre os usuários, adotou-se a seguinte subdivisão focando a droga de que faziam uso: crack, maconha e outros. Pela baixa ocorrência de outras drogas diferentes das citadas, não houve necessidade de outras subdivisões.
8
Valores aproximados.
101
TABELA 8 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS
USUÁRIOS
NÃO USUÁRIOS OU NÃO
20
CRACK
12
MACONHA
2
COCAÍNA
5
OUTROS
1
NÃO ESPECIFICADO
0
186
ESPECIFICADO
Embora o tráfico de droga seja um assunto freqüente na obra literária, apenas 9,7% são apresentados como usuários de drogas, sendo destes, 5,8% de crack, 1% de maconha, 2,4% de cocaína e 0,5%9 de outras drogas. Além do tráfico, outro assunto freqüente na obra é o de doenças, principalmente porque o autor, sendo médico, se envolveu com o presídio por conta de uma ação voluntária contra a epidemia de AIDS entre os detentos. Sendo assim, outra classificação neste sentido pode ser proposta. No entanto, visando uma categorização mais detalhada das personagens, a partir deste ponto, será feita uma divisão em dois grupos: personagens em situação de cárcere e personagens em liberdade (classificação já feita anteriormente). O grupo de personagens que não apresentava situação identificável será excluído das classificações a seguir. Será focado, nesta primeira parte, o primeiro grupo, das personagens em situação de cárcere. Portanto, a listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não estavam doentes ou esta informação não foi especificada, portanto, não se pôde verificar. Dentre os detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade, foi feita uma subdivisão em três categorias especificando o tipo: AIDS, tuberculose e outras. Dentro desta subdivisão foram consideradas todas as doenças apresentadas pelas personagens, podendo haver mais de uma para
9
Valores aproximados.
102
a mesma personagem, portanto, o número total de doentes pode ser menor que o número total de doenças apresentadas.
TABELA 9 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR ENFERMIDADE
DOENTES
NÃO ESPECIFICADO
20
AIDS
7
TUBERCULOSE
5
OUTRAS
8
121
É interessante perceber que, igualmente à tabela de classificação de personagens por dependência às drogas, embora a situação da Casa de Detenção fosse favorável a se pensar o contrário, o número de personagens-detentos que apresentaram enfermidades foi muito baixo, cerca de 14,1%. Embora seja um número baixo, há de se lembrar que alguns não tiveram sua situação especificada, portanto, não foram considerados para classificação. Das subdivisões, a AIDS apresentou maior ocorrência (5% dos presos tinham a doença), seguida da tuberculose (3,6%). Outras doenças foram identificadas, mas nenhuma com número expressivo para uma nova subdivisão. Ainda considerando as personagens em situação de cárcere, temos agora uma categorização por crimes cometidos. Para tanto, criaram-se sete subdivisões, sendo: assalto, assassinato, tráfico de drogas, estelionato, estupro, outros e não especificado. A categoria outros agrupou os crimes especificados, mas que não tiveram um número expressivo para que se criasse uma outra subdivisão, enquanto a categoria não especificado agrupou todos as outras personagens-detentas cujos crimes não foram mencionados durante a obra. Da mesma forma feita ao categorizar personagens por enfermidade, nesta tabela foram considerados todos os crimes cometidos mencionados, portanto o número total de personagens em situação de cárcere pode ser menor do que o dos crimes cometidos.
103
TABELA 10 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR CRIME COMETIDO ASSALTO
59
ASSASSINATO
15
TRÁFICO DE DROGAS
15
ESTELIONATO
5
ESTUPRO
2
OUTROS
2
NÃO ESPECIFICADO
51
A partir deste levantamento, pode-se perceber que o crime mais comum ou mais freqüente entre as personagens do livro é o assalto, correspondente a 39,6% do total de crimes identificados, enquanto tráfico de drogas e assassinato , que aparecem como os próximos crimes mais cometidos, representam apenas 10% cada um. Ainda obtiveram número expressivo os crimes: estelionato (3,3%) e estupro (1,3%). Também representando 1,3%10 das ocorrências estão outros crimes citados na obra e diferentes dos citados anteriormente. Dentre as 141 personagensdententas, 51 delas, ou seja, cerca de 34,2%, não puderam ser identificadas pelos seus crimes, pois não foram mencionados. Como previsto, o número de crimes (149) superou o número de personagens analisadas (141), por terem sido considerados todos os crimes mencionados de todas as personagens. Uma última classificação é proposta para este grupo de personagens: por função dentro do presídio. Por personagens com função deve-se entender aqueles que possuem algum tipo de tarefa dentro da Casa de Detenção, tais como encarregados ou subencarregados da Faxina, da Enfermaria ou da Cozinha Geral, entre outros. Personagens que não possuíam função aparente ou que não se pôde identificar foram classificados na categoria não especificado.
10
Valores aproximados.
104
TABELA 11 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO POSSUEM FUNÇÃO
23
NÃO ESPECIFICADO
118
Esta classificação mostra que apenas cerca de 16,3% das personagens-detentos foram descritas como possuindo alguma função dentro do presídio. Ainda considerando as funções, há de se lembrar que algumas personagens foram descritas como funcionários da Casa de Detenção, portanto, uma categorização será proposta para o outro grupo onde estas personagens se encontram: personagens em liberdade. Como todas as personagens deste grupo estão relacionadas de uma forma ou de outra às personagens em situação de cárcere, a tabela a seguir apresentará uma classificação por relação com as personagens em situação de cárcere e/ou a Casa de Detenção. Para tanto, criaram-se três subdivisões: funcionários, parentes e não especificado. Na categoria funcionários, foram consideradas aquelas personagens que foram descritas como funcionários diretos ou indiretos, ou seja, que de alguma forma prestavam serviços ao presídio. Para a categoria parentes, além dos parentes diretos (como pais, irmãos, filhos, etc.), foram consideradas também as amantes, devido ao alto índice de citação destas. Todas as outras personagens que não se encaixaram na categoria acima ou que cujas relações não foram mencionadas, foram classificadas em não especificado.
TABELA 12 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO LIVRO POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU COM A CASA DE DETENÇÃO FUNCIONÁRIOS
28
PARENTES (incluindo amantes)
12
NÃO ESPECIFICADO
22
105
Dentre as 62 personagens deste grupo, a maior parte (cerca de 45,1%) é de funcionários diretos ou indiretos do presídio. O restante se divide entre parentes dos detentos e personagens com relações não especificadas (podendo incluir amigos, comparsas ou inimigos): aproximadamente 19,3% e 35,5%, respectivamente. A seguir, será apresentada uma abordagem das personagens do filme Carandiru, categorizando-as de forma semelhante, com objetivo de comparação. Mais à frente, uma análise investigativa das personagens cinematográficas visando encontrar suas personagens literárias de origem.
106
CAPÍTULO IV - O FILME CARANDIRU : SUAS PERSONAGENS
1. CARANDIRU: O FILME
Imagem obtida na web.
Lançado em 2003, Carandiru, é um drama de co-produção entre Brasil e Argentina. O longa, que é baseado na obra literária Estação Carandiru, tem aproximadamente 147 minutos 1 e teve distribuição em parceria pelas produtoras Globo Filmes, HB Filmes e Columbia Tristar no Brasil. Produzido e dirigido por Hector Babenco, co-produzido por Flávio R. Tambellini e Fabiano Gullane, teve Daniel Filho como produtor associado. O roteiro foi feito em parceria entre Vitor Navas, Fernando Bonassi e Hector Babenco. A direção de fotografia ficou de responsabilidade de Valter Carvalho (Central do Brasil, Abril Despedaçado) e a direção de arte, de Clóvis Bueno. André Abujamra fez a trilha sonora e Mauro Alice, a montagem. Na equipe técnica, teve também Caio Gullane na direção de produção, Eliana Soarez na coordenação executiva e Alessandra Casolari na coordenação de pós-produção. Elenco por Vivian Golombek, cenografia de Vera Hamburger, figurino de Cris Camargo, maquiagem de Gabi Moraes, som direto de Romeu Quinto e edição de som de Eliza Paley e Miriam Biderman. Seu elenco foi composto por atores até então pouco conhecidos, mas que hoje ganharam notoriedade, como é o caso de Wagner Moura (Zico), Ailton Graça (Majestade) e Lázaro Ramos
1
Dados retirados do DVD.
107
(Ezequiel). Para completar o quadro de atores: Luiz Carlos Vasconcelos (Médico), Milton Gonçalves (Seu Chico), Maria Luísa Mendonça (Dalva), Aída Leiner (Rosirene), Rodrigo Santoro (Lady Di), Gero Camilo (Sem Chance), Floriano Peixoto (Antônio Carlos), Ricardo Blat (Claudiomiro), Vanessa Gerbelli (Célia), Leona Cavalli (Dina), Caio Blat (Deusdete), Julia Ianina (Francineide), Sabrina Greve (Catarina), Ivan de Almeida (Nego Preto), Milhem Cortaz (Peixeira), Dionisio Neto (Lula), Antonio Grassi (Seu Pires), Rita Cadillac (Rita Cadillac), Enrique Diaz (Gilson), Robson Nunes (Dadá), Bukassa (Locutor), André Ceccato (Barba), Sabotage (Fuinha). Além destes, o filme ainda teve 121 atores no elenco secundário e 8 mil diárias de figurantes 2 . Sua versão para DVD, em edição dupla, traz um disco contendo o filme com a versão cinematográfica, e outro apenas com material extra. No disco especial, podemos encontrar cenas excluídas, erros de gravação, destaques da trilha sonora, filmografia do diretor, notas de produção, bastidores com quatro vídeos sobre as gravações (Making of, Direção de arte, A transformação de Lady Di e Ensaio e preparação do elenco), além de mais quatro vídeos televisivos sobre a Casa de Detenção, incluindo um sobre a implosão da penitenciária em 2002. No disco 1, ainda podemos optar por ver trailers de cinema, ouvir o comentário do diretor ou ver o filme com legendas em português, inglês ou espanhol. Carandiru mostra o dia-a-dia de um médico que faz um trabalho de prevenção à AIDS na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru. Lá, ele se vê frente a instalações precárias, epidemias, superlotação. Ao ganhar respeito dos detentos dentro do presídio, suas consultas se tornam momentos de descoberta das mais incríveis histórias daqueles que ali estão reclusos: assaltantes, batedores de carteira, estelionatários, assassinos, estupradores. E, junto com ele, desvenda-se uma organização interna, regida por um sistema de regras informais, onde o julgamento segue às leis do crime, até que o trágico massacre de 2 de outubro de 1992, em que 111 detentos foram mortos, mude tudo. Considerada uma superprodução para os padrões brasileiros, já que teve um orçamento de R$ 12 milhões no total, segundo dados do Diário do Grande ABC, a película teve mais de 4,6 milhões de espectadores3 . Foi o 4º filme mais visto em 2003 no Brasil 4 . O orçamento destinado
2
Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 3 Dados do Diário do Grande ABC. Disponível em: . Acesso em: 4 de março de 2008.
108
ao filme foi de R$ 10 milhões e outros R$ 2,5 milhões foram investidos no lançamento dele, que incluiu 700 trailers e quase mil peças de publicidade financiados pela distribuidora Columbia5 . A GloboFilmes, co-produtora do longa, ficou responsável por toda a campanha televisiva, enquanto à Sony Pictures ficou com a responsabilidade da distribuição internacional. Carandiru arrecadou um total de R$ 9,5 milhões em dez dias de exibição e foi a maior bilheteria desde Lua de Cristal em 1990 6, com mais de 4 milhões de espectadores. O filme de Hector Babenco está em 14º lugar na lista das maiores bilheterias do Brasil 7 . Carandiru recebeu o prêmio Glauber Rocha, concedido pelo 25º Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano de Havana 8 . Também foi premiado em duas categorias no Grande Prêmio Cinema Brasil de 2004: Melhor Diretor (Hector Babenco) e Melhor Roteiro Adaptado. Foi ainda indicado em outras 12 categorias: Melhor Filme, Melhor Ator (Rodrigo Santoro), Melhor Atriz (Maria Luísa Mendonça), Melhor Ator Coadjuvante (Sabotage), Melhor Atriz Coadjuvante (Leona Cavalli), Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Trilha Sonora, Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem, Melhor Som e Melhor Fotografia9 . Além das premiações brasileiras, o filme foi selecionado para a competição oficial do Festival de Cannes de 200310 e para representar o Brasil na premiação do Oscar® de melhor filme estrangeiro9 . O longa ainda deu origem à uma série televisiva chamada Carandiru – Outras Histórias, que narrava fatos anteriores aos do filme. A série foi exibida em 2005 pela Rede Globo9 .
4
Dados do portal Adoro Cinema. Disponível em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 5 Dados da revista Carta Capital, edição 235 de 2003. D isponível em: . Acesso em: 11 de março de 2008. 6 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 7 Dados do portal Cena Brasilis. Disponível em . Acesso em: 16 de março de 2008. 8 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 9 Dados do portal Adoro Cinema Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2008. 10 Dados do portal Folha Online. Disponível e m: . Acesso em: 28 de janeiro de 2008.
109
2. CARANDIRU: SUAS PERSONAGENS Como se pode tomar conhecimento no capítulo anterior através das palavras de Drauzio Varella, o livro Estação Carandiru apresenta personagens explicitamente baseados em pessoas reais, no entanto, o mesmo não ocorre em Carandiru, obra cinematográfica. O filme, como foi uma adaptação do livro, se baseia em personagens baseados em pessoas reais, portanto está mais distante da realidade do que o livro do qual partiu. Ambas produções se situam diferentemente na questão transposição e/ou invenção no que tange à criação de personagens: (…) tomando o desejo de ser fiel ao real como um dos elementos básicos na criação da personagem, podemos admitir que esta oscila entre dois pólos ideais: ou é uma transposição fiel de modelos, ou é uma invenção totalmente imaginária. (CÂNDIDO, p. 69, 1998)
Não se pode dizer que as personagens de Carandiru sejam “uma invenção totalmente imaginária”, mesmo porque, o filme se beneficia desta forte relação do livro com a realidade. Carandiru, o filme, está reproduzindo personagens baseadas em uma imagem do real; porém, encontramos outro tipo de personagem no filme: uma espécie de mosaico de personagens encontradas no livro, no qual características de múltiplas personagens se fundem em uma só. (…) o princípio que rege o aproveitamento do real é o da modificação, seja por acréscimo, seja por deformação de pequenas sementes sugestivas. (CÂNDIDO, p. 67, 1998)
Em uma análise preliminar, pôde-se verificar a presença de personagens que foram mantidas no filme de maneira qua se idêntica a que apresentavam no livro, como é o caso de Gilson, que manteve a sua história e suas principais características ao ser transposta à obra cinematográfica. Também se pôde averiguar personagens do filme que são fruto da fusão de dois personagens do livro, como se pode verificar com a personagem Claudiomiro do filme, que tem Miguel como personagem dominante e Claudiomiro como secundário. E, por fim, há personagens, como com Lady Di, que é um mosaico das características das personagens travestis do livro. Objetivando uma classificação das personagens de Carandiru, fez-se esta relação seguinte apresentando um levantamento das personagens. Para tanto, foram criados quatro itens: nome da personagem, descrição elaborada com base nas referências do filme – diálogos e/ou imagens –,
110
capítulo da primeira aparição física da personagem (mesmo que a personagem não dialogue ou interaja com outras) e minutagem, ou seja, em qual momento do filme pode-se verificar a primeira aparição da personagem, expressa em hora, minutos e segundos.
TABELA 13 – RELAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME Nome Moacir, conhecido como Nego Preto
Descrição
Capítulo (1ª aparição)
Minutagem
2. Pequena rebelião
00:01:34
2. Pequena rebelião
00:01:40
2. Pequena rebelião
00:02:17
2. Pequena rebelião
00:02:15
Chefe da Cozinha Geral. Assaltante, assassinou um de seus comparsas após um assalto. Traficante de maconha e viciado em crack, mata
Zico
Deusdete no presídio jogandolhe uma panela de água fervente. É morto a facadas por vários presos. Detento envolvido na confusão
Pimenta
depois da briga entre Lula e Peixeira. Matou o assassino do irmão.
Barba
Dentro do presídio, trabalha na Cozinha Geral e como barbeiro.
Peixeira
Matou o pai de Lula.
2. Pequena rebelião
00:02:20
Seu Pires
Diretor do presídio.
2. Pequena rebelião
00:03:48
2. Pequena rebelião
00:03:50
Médico que fazia um trabalho Médico (Doutor)
de prevenção da AIDS dentro do presídio.
111
Ladrão jovem e inexperiente, Lula
que matou o amante da mulher
2. Pequena rebelião
00:04:18
com 3 tiros. Faz ‘operações’ na enfermaria. Amigo de infância de Zico que Deusdete
foi preso ao matar os
3. Visita explanatória / Consultório
00:10:30
molestadores da irmã. Seu Chico
18 filhos, viciado em balões
3. Visita explanatória /
00:10:55
Consultório Detento paraplégico, que -
vendia comida, produtos de
3. Visita explanatória /
higiene e drogas pelos
Consultório
00:11:53
corredores. Matias, conhecido como
3. Visita explanatória / Auxiliar da enfermaria
Consultório
00:12:24
Sem Chance Antônio Carlos
Assaltante de carro-forte,
3. Visita explanatória /
amigo de Claudiomiro.
Consultório
00:12:26
Assaltante de carro-forte que Claudiomiro
matou dois policiais e a
3. Visita explanatória /
mulher. Pegou tuberculose na
Consultório
00:12:26
cadeia. Alípio
Tem AIDS.
3. Visita explanatória /
00:14:00
Consultório -
Travesti.
3. Visita explanatória /
00:14:40
Consultório -
Ladrão que tem AIDS.
3. Visita explanatória /
00:14:59
Consultório Fuinha
Viciado e traficante.
3. Visita explanatória / Consultório
00:15:14
112
Travesti que um dia fez um -
“programa” em troca de uma
3. Visita explanatória / 00:15:32 Consultório
banana. -
-
Detento que estava com sarna. Funcionário da Portaria que
3. Visita explanatória / Consultório 4. Fim do expediente
00:15:43
00:18:31
não reconhece o médico. Assaltante comparsa de Nego Preto, que o entregou a polícia. Gordo
Morto em uma tentativa de fuga da cadeia, ao entalar no
5. História de Nego Preto
00:21:29
túnel. Escovão
Assaltante comparsa de Nego
5. História de Nego
Preto, assassinado por ele.
Preto
00:21:30
Filho de Nego Preto, presenciou a discussão do pai -
com seus comparsas, que
5. História de Nego
resultou na morte de um deles.
Preto
00:22:01
Mais tarde, é preso e encontra o pai no Carandiru. Dona Graça
Esposa de Nego Preto
5. História de Nego
00:23:53
Preto Cadão
Foge da cadeia por um túnel.
5. História de Nego
00:25:56
Preto Sinval
Mata Gordo por entalar no
5. História de Nego
túnel por onde tentava fugir.
Preto
Dirceu,
Travesti que se ‘casa’ com
conhecido como
Sem Chance na cadeia, já teve
Lady Di
uns 2 mil parceiros.
6. Lady Di / Deusdete
-
00:27:34
113
Viciado em crack, que vive em Ezequiel
dívida, ‘laranja’ da morte de
6. Lady Di / Deusdete
00:30:08
Zico. Josué dos Santos, conhecido como Majestade
Assaltante que levava carros roubados para vender no
7. Majestade, Dalva e
Paraguai. Teve 3 filhos com
Rosirene
00:31:25
Dalva e 1 com Rosirene. Dalva
Mulher de Majestade. Largou
7. Majestade, Dalva e
o noivo por ele
Rosirene
-
Noivo de Dalva.
Sr. Sidney
Pai de Dalva.
-
Mãe de Dalva.
7. Majestade, Dalva e Rosire ne 7. Majestade, Dalva e Rosirene 7. Majestade, Dalva e
00:34:08
00:34:08
00:36:32
00:36:32
Rosirene João
Atendente de bar.
7. Majestade, Dalva e
00:37:49
Rosirene Rosirene
Prostituta amante de
7. Majestade, Dalva e
Majestade.
Rosirene
00:38:10
Estuprador que apanha e é Gilson
estuprado no presídio. Mais
8. Sabotage, Zico e
tarde, é encontrado morto,
Deusdete
00:47:26
enforcado em uma cela. Francineide
Irmã de Deusdete
Célia
Esposa de Antônio Carlos
9. História de Zico 11. Claudiomiro e
00:51:48 01:05:48
Antônio Carlos Esposa de Claudiomiro que o Dina
trai com um policial e o entrega à polícia.
-
Detento locutor
11. Claudiomiro e
01:05:52
Antônio Carlos 12. Rita Cadillac
01:11:09
114
Rita Cadillac
Ex-chacrete, madrinha da Casa
12. Rita Cadillac
01:11:24
de Detenção Catarina
Amiga de Francineide
12. Rita Cadillac
01:14:22
-
Mãe de Deusdete
12. Rita Cadillac
01:14:22
-
Irmã de Ezequiel
13. Dia de visita
01:24:23
Seu Antônio
Pai de Lady Di
13. Dia de visita
01:26:15
-
Mãe de Lady Di
13. Dia de visita
01:26:29
13. Dia de visita
01:27:24
13. Dia de visita
01:27:24
Davilson, conhecido como Dada -
Detento do time de futebol que recebe uma carta de sua mãe com o salmo 91 dias antes do massacre. Mãe de Davilson. Detento que briga com Barba
Coelho
por uma cueca, o que teria
19. Final do
01:55:41
campeonato
causado o massacre.
Em comparação com a listagem anterior – referente ao livro –, podemos constatar uma redução na quantidade de personagens para menos de 25%. Em uma segunda etapa, estas personagens foram classificadas seguindo os mesmos critérios vistos no capítulo anterior. O primeiro critério se refere à idade e ao sexo, apresentado na próxima tabela. Para tanto, as personagens foram distribuídas em Homens e Mulheres; e em cada uma destas categorias, subdivididas em Adultos (as), Jovens e Crianças. Para esta seleção, o critério de determinação de idade utilizado foi de acima de 20 anos para adultos; entre 13 e 20 anos para jovens; e a té 12 anos para crianças. Embora o número de personagens tenha sido reduzido drasticamente nesta adaptação do livro Estação Carandiru, a personagem dominante do filme também é um homem adulto em situação de cárcere. Mais uma vez, pode-se constatar a ausência de personagens crianças. Devese lembrar que, em uma primeira análise, o número mais elevado de jovens não indica necessariamente a criação de novas personagens, visto que, no livro, pela ausência de
115
informações, não se pôde verificar a idade de diversas personagens, enquanto no filme, esta dificuldade é suprida pela imagem.
TABELA 14 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR IDADE E SEXO Sexo
Idade¹
Quantidade
Homens
Adultos
34 (sendo 3 travestis)
Jovens
3
Crianças
-
Adultas
10
Jovens
3
Crianças
-
Mulheres
¹ Sendo considerados: adultos, acima de 20 anos; jovens, entre 13 e 20 anos; e crianças, até 12 anos.
A tabela a seguir apresenta uma classificação das personagens com relação à sua situação, ou seja, se estão reclusas no presídio ou não. Analisando esta listagem, é possível, preliminarmente, apontar uma diferença em relação à transposição das personagens. Enquanto foram averiguados 68,5% de personagens em situação de cárcere no livro; foram encontrados 54% no filme. As personagens em liberdade também apontam diferença significativa, sendo 30%11 no livro e 46% no filme. Ao se analisar a película Carandiru, não se encontrou dificuldades para verificar a situação das personagens, embora, em algum momento na trama, sua situação apresente uma mudança, como especificado na tabela. Deve-se esclarecer que a situação principal, ou seja, a qual a personagem se encontra no começo do filme (e também é a que dura por mais tempo), é a que foi utilizada para a classificação a seguir.
11
Valores aproximados.
116
TABELA 15 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR SITUAÇÃO Personagens em situação de cárcere
27¹
Personagens em liberdade
23²
¹ Sendo que 1 foge do presídio e 4 morrem antes do massacre. ² Sendo que 1 morre e um é preso no final do filme .
Partir-se-á, mais à frente, para uma classificação mais detalhadas destes dois grupos acima descritos, nos moldes do capítulo anterior, visando já uma comparação entre os dados da obra cinematográfica e da literária. Todavia, algumas classificações ainda são propostas para todas as 50 personagens do filme. Pôde-se constatar, no capítulo anterior, que a maioria das personagens da obra literária era conhecida por seu nome, e aquelas citadas sem que recebessem uma denominação, seja por um nome ou apelido, foram a minoria. Este padrão parece se repetir na obra cinematográfica, embora com certo aumento das personagens não identificadas, como se pode averiguar na tabela a seguir. Os critérios de classificação foram os mesmos, sendo: 1) nome: nomes próprios ou os apelidos derivados de nome próprio, como aumentativos ou diminutivos; 2) apelidos: qualquer apelido que não seja derivado de nome próprio , bem como nomes femininos adotados pelos travestis ; e 3) não identificado : nomes que não foram mencionados na obra, mas que se constatou a existência da personagem através da imagem. As personagens que eram conhecidas pelas demais personagens por seus apelidos, mesmo que tiveram seus nomes revelados em algum momento do filme, foram classificados na categoria apelido.
TABELA 16 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA FORMA COMO ERAM CONHECIDAS PELAS DEMAIS PERSONAGENS NOME
21
APELIDO
15
NÃO IDENTIFICADO
14
117
Como visto, as personagens conhecidas pelo nome são a maioria, embora, na obra cinematográfica, representem menos da metade (cerca de 42%), seguidas das perso nagens conhecidas pelo apelido (aproximadamente 30%). As personagens cujos nomes e/ou apelidos não puderam ser identificados somam 28%, um aumento significativo com relação aos cerca de 14,5% destes na obra literária. Outra observação importante é que apenas uma personagemtravesti foi denominada no filme (Lady Di), classificada na categoria apelido, seguindo o mesmo critério adotado no capítulo anterior. Como proposto anteriormente, também as personagens foram classificadas por sua raça, sendo nas categorias classificadas aquelas cuja aparência, comprovada através da imagem, não deixou dúvida sobre sua raça. As personagens que não apareceram na película e/ou sua imagem não foi clara, foram encaixadas na categoria não verificável. As outras três categorias apresentadas na tabela a seguir são: negros, brancos e outros. Na categoria negros, os mulatos também foram considerados para a classificação. Não se verificou a necessidade de criação de novas categorias.
TABELA 17 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME PELA RAÇA NEGROS
18
BRANCOS
31
OUTROS
0
NÃO VERIFICÁVEL
1
Esta classificação, como se pode ver, apresenta grande disparidade com relação à mesma existente no capítulo anterior com relação ao livro. Enquanto mais de 89% das personagens não puderam ter sua raça determinada na obra literária, no filme, apenas 2% ocuparam esta categoria. Esta diferença era esperada pela própria característica da obra cinematográfica, que é essencialmente visual. Entretanto, esta não é a única disparidade nesta tabela com relação à sua
118
correspondente no capítulo anterior: enquanto tê m-se 7,3% de negros e 2,4% de brancos 12 na obra literária, tê m-se 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. A maior parte das personagens de raça branca presentes no filme pertence ao gr upo de personagens secundárias e se encontra na categoria personagens em liberdade, citada anteriormente. A última classificação visando o quadro geral (todas as personagens da obra) é a por dependência às drogas. Nesta tabela, foram classificadas na categoria usuários todas as personagens cujo vício às drogas foi explícito na obra; aquelas cujo vício era apenas sugerido ou que não possuíam nenhuma menção à dependência foram encaixadas em não usuários ou não especificado. Uma subdivisão foi criada na categoria usuários, com quatro categorias especificando o tipo de droga consumida, sendo elas: 1) crack; 2) maconha; 3) outros e 4) não especificado. Na categoria outros, foram classificadas personagens-usuários cujas drogas a que dependiam não se encaixaram nas categorias 1 e/ou 2. Na não especificado, personagens-usuários cujas drogas a que dependiam não foram mencionadas, apenas houve menção ao vício. Deve-se observar que o número total das subdivisões pode superar o número de usuários, pois foram considerados todos os tipos de drogas usados por todos usuários.
TABELA 18 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR DEPENDÊNCIA ÀS DROGAS
USUÁRIOS
NÃO USUÁRIOS OU
4
CRACK
2
MACONHA
0
COCAÍNA
0
OUTROS
0
NÃO ESPECIFICADO
2
46
NÃO ESPECIFICADO
Pode-se observar que na obra cinematográfica, assim como na literária, o número de dependentes de drogas é baixo: 9,7% no filme e 8% no filme. Outro ponto em comum é a droga a 12
Valores aproximados.
119
que mais estão dependentes: o crack, sendo 5,8% no livro e 4% no filme. Nenhum outro tipo de droga foi mencionado no filme. A seguir, a exemplo do capítulo anterior, serão apresentadas classificações para dois grupos distintos divididos na tabela 15: personagens em situação de cárcere e personagens em liberdade. Novamente, o grupo de personagens cuja situação não se pôde identificar será excluído destas classificações que seguem. Primeiramente, trabalhar-se-á com o grupo cujas personagens se encontram em situação de cárcere. Nesta primeira categorização, objetiva-se verificar quantas personagens estavam enfermas durante o filme (tanto em uma situação contínua quanto temporária). Sendo assim, a listagem a seguir se refere aos detentos 1) que estavam doentes e 2) que não estavam doentes ou esta informação não foi especificada. Também se opto u por uma subdivisão na categoria dos detentos que apresentavam algum tipo de enfermidade: 1) AIDS, 2) tuberculose e 3) outras. Nesta tabela, consideraram-se todas as doenças apresentadas pelas personagens, ou seja, se uma personagem apresenta dois tipos de doenças, o número de enfermos será inferior ao número de enfermidades.
TABELA 19 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR ENFERMIDADE
DOENTES
NÃO ESPECIFICADO
4
AIDS
2
TUBERCULOSE
1
OUTRAS
1
23
Pode-se verificar, com esta última tabela, q ue apenas cerca de 15% das personagens foram diagnosticadas com alguma doença. Destas, aproximadamente 8% apresentaram a AIDS como enfermidade, as restantes dividiram-se igualmente entre tuberculose e outras. Estes resultados seguiram a tendência da mesma classificação para a obra literária, onde tinha-se cerca de 14,1% de enfermos, a maioria infectados pela AIDS, seguida de tuberculose. Em ambas as obras,
120
nenhuma outra enfermidade teve destaque significativo para se fazer necessária a abertura de uma nova categoria. Adiante, ainda considerando para a classificação somente as personagens em situação de cárcere, propõe-se uma categorização por crime cometido. Todos os crimes cometidos pelas personagens-detentas foram considerados, mesmo havendo a ocorrência de mais de um crime por personagem, sendo assim, o número total de crimes cometidos pode exceder o número de personagens. Para esta categoria, criaram-se sete subdivisões (as mesmas adotadas na classificação da obra literária): 1) assalto; 2) assassinato; 3) tráfico; 4) estelionato; 5) estupro; 6) outros e 7) não especificado.
TABELA 20 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR CRIME COMETIDO ASSALTO
6
ASSASSINATO
7
TRÁFICO DE DROGAS
2
ESTELIONATO
0
ESTUPRO
1
OUTROS
0
NÃO ESPECIFICADO
14
Diferentemente do encontrado no levantamento dos dados do livro, na obra cinematográfica, o assassinato foi o crime mais freqüentemente cometido pelas personagens (cerca de 26%), seguido do assalto, que representou aproximadamente 22%. A maior ocorrência nesta categoria, no entanto, é de crimes não especificados durante a película, que representam por volta de 52% 13 do total dos crimes. As categorias estelionato e outros foram abertas somente com
13
Valores aproximados.
121
o intuito de comparação, já que as tabelas seguem as mesmas categorias e subdivisões do capítulo anterior. A seguir, tem-se a última classificação envolvendo o grupo personagens em situação de cárcere: por função dentro do presídio. Aqui, por função, entende-se por uma tarefa designada à personagem, como encarregados ou subencarregados da Faxina, da Enfermaria ou da Cozinha Geral, entre outros.
TABELA 21 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR FUNÇÃO DENTRO DO PRESÍDIO POSSUEM FUNÇÃO
4
NÃO ESPECIFICADO
23
O resultado desta classificação é correspondente ao encontrado na classificação das personagens da obra literária, onde pouco mais de 16% foram apresentadas como tendo alguma função dentro do presídio. Aqui, têm-se cerca de 15% nesta mesma situação. No entanto, há de se lembrar que apenas as personagens com funções claras – mostradas ou mencionadas por elas mesmas ou por outras personagens – foram consideradas nesta contagem. Por fim, segue uma classificação proposta para o outro grupo de personagens: em liberdade. As personagens deste grupo são apresentadas sempre com alguma ligação direta ou indireta com à Casa de Detenção ou seus detentos, portanto, a seguir, será apresentada uma classificação das personagens em liberdade por relação com as personagens em situação de cárcere e/ou a Casa de Detenção. Foram propostas três categorias: 1) funcionários – diretos ou indiretos, como prestadores de serviço para o presídio; 2) parentes – sendo as amantes consideradas nesta categoria; e 3) não especificado – que possa ter relação direta ou indireta, mas que não tenha sido especificado sua natureza ou que não se encaixe nas classificações anteriores, como comparsas de crime, amigos, vizinhos, etc.
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TABELA 22 – CLASSIFICAÇÃO DE PERSONAGENS DO FILME POR RELAÇÃO COM AS PERSONAGENS EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE OU A CASA DE DETENÇÃO FUNCIONÁRIOS
3
PARENTES (incluindo amantes)
14
NÃO ESPECIFICADO
6
Nesta coleta de dados, nota-se uma disparidade com os mesmos dados colhidos com relação às personagens do livro. Enquanto lá a maior parte era de funcionários, aqui tem-se os funcionários como a minoria. Em dados quantitativos teríamos, respectivamente no livro e no filme: 1) funcionários, 45,1% contra 13%; 2) parentes, 19,3% contra 60,8%; e 3) não especificado, 35,5% contra 26% 14. A partir destes levantamentos e das observações pre liminares, é possível perceber algumas similaridades e algumas discrepância s com relação às personagens do livro Estação Carandiru e do filme Carandiru. No capítulo seguinte, será apresentada uma análise das personagens principais e secundárias da obra cinematográfica a fim de encontrar sua ou suas personagens de origem na obra literária.
14
Valores aproximados.
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Capítulo V – As personagens de Carandiru: uma análise
Imagem obtida na web.
1. As personagens principais Antes que se possa partir em busca da identificação das personagens principais – ou protagonistas – das obras analisadas, é importante relembrar a definição de personagem proposta por Massaud Moisés. Segundo o autor, personagens são “seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são ‘pessoas’ imaginárias; se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço arquitetado pela fantasia do prosador” (1974, p. 396). Aqui, no caso de Estação Carandiru, têm-se não apenas personagens imaginário s, mas personagens que foram efetivamente baseados em pessoas reais, através de um livro-relato sobre o contexto no qual essas pessoas estavam inseridas. No entanto, é proposta deste estudo verificar se as personagens adaptadas na obra cinematográfica Carandiru compartilham das mesmas características – físicas e psicológicas – e das mesmas histórias que as personagens relatadas na obra de Drauzio Varella. Sendo personagens seres fictícios construídos à semelhança do homem, que habitam um mundo imaginário e nele praticam ações, personagens principais são aquelas que estão no centro destas ações. Portanto, para este estudo, será utilizada a acepção número 2 para protagonista do dicionário Aurélio (1975, p.1148): 2. (do grego protagnistés, "o principal lutador") – pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar num acontecimento. Desta forma, é possível determinar quem são as personagens principais em cada obra analisada. Os critérios número de páginas em que a personagem aparece e minutagem em que a
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personagem aparece foram descartadas como padrão de análise para este estudo por não serem correspondentes, uma vez que as obras não têm uma seqüência similar (uma é formada por relatos e a outra, por uma história dramatizada).
1.1 As personagens principais de Estação Carandiru
Imagem de Drauzio Varella obtida na web.
De acordo com a acepção aceita para este trabalho, há apenas uma personagem principal na obra literária: o narrador, neste caso, o próprio Drauzio Varella, já que o livro se trata de experiências reais do médico. A narração em primeira pessoa, interligando-o com todas as outras personagens, o coloca no centro das ações, por diversas vezes sendo o único elo entre personagens, fazendo a história acontecer e as personagens aparecerem conforme suas ações se desenvolvem. Nenhuma outra personagem tem uma dimensão tão expressiva quanto o próprio narrador. Ainda que, de fato, algumas personagens tenham recebido um relato mais extenso de suas ações, elas não estavam inseridas no centro da ação principal e não serviam como ponte para introdução de outras personagens.
1.2 As personagens principais de Carandiru Já na obra cinematográfica pode-se observar quase uma inversão: a participação do narrador é reduzida e algumas personagens ganham destaque. As personagens não ganham vida através do narrador, mas têm vida própria. O próprio Médico, antes mais um narrador que uma personagem que interage com as demais, agora pouco narra e muito interage, mais ainda apresenta as demais personagens, seja direta ou indiretamente.
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Não apenas uma, na obra cinematográfica, têm-se 10 personagens que estão no centro das ações, que conduzem a história, que funcionam como o elo entre as demais personagens. Elas são: 1. Deusdete; 2. Zico; 3. Majestade; 4. Sem Chance; 5. Lady Di; 6. Nego Preto; 7. Seu C hico; 8. Ezequiel; 9. Peixeira; 10. e Médico.
Se houve quase uma inversão de papéis e estas personagens ganharam força, de onde vieram os elementos que tornaram isso possível? Para descobrir isso, primeiramente, é necessário entender estas personagens: suas características e suas histórias; só então poder-se-á determinar de onde elas vieram.
1.2.1. Deusdete
Imagem de Deusdete interpretado por Caio Blat obtida na web.
Deusdete é a mais jovem das personagens. Jovem branco, de aparência franzina e cara de menino, foi criado na periferia com a irmã Francineide e o amigo Zico, que foi adotado pela mãe de Deusdete após a sua mãe fugir de casa. Ele sempre lutou para não fazer parte do crime, mas seu destino muda na noite em que sua irmã chega em casa chorando, desesperada e se tranca no
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banheiro. Deusdete a confronta e descobre que Francineide fora agredida e molestada por dois homens. Ele resolve dar parte na polícia, mas os agressores descobrem e querem matá- lo. Ele leva o problema até Zico, que já havia encontrado seu caminho no crime, mas não aceita que o amigo resolva o problema. Deusdete, então, pede a Zico que lhe arranje uma arma para se defender, acreditando que não precisará usá- la. No entanto, os agressores encontram Deusdete, ameaçando agredi- lo com barras de ferro. Antes que possam agir, ele saca a arma e mata um deles; o outro escapa, mas Deusdete o persegue e se esconde, esperando que o agressor se sinta seguro e apareça. Quando o agressor acredita estar a salvo, Deusdete surge pelas costas, chama-o e atira quando ele se vira. Preso por homicídio, é levado à Casa de Detenção de São Paulo, onde reencontra o amigo de infância. Zico lhe dá proteção e arranja para que Deusdete fique em sua cela. A maior parte do tempo, Deusdete passa lendo as cartas da irmã, sem interagir com os outros detentos nem se envolver no sistema interno por eles criado. Ele sairia de lá aos 48 anos, porém, o destino trágico encontra os amigos dentro do Carandiru: Zico, em uma alucinação devida ao consumo de crack, pega uma panela de água fervente e a despeja em Deusdete, que estava deitado, dormindo em sua cama, matando-o.
1.2.2 Zico
Imagem de Zico interpretado por Wagner Moura obtida na web.
Traficante e viciado, Zico comprava maconha em Pernambuco antes de ser preso. Foi criado pela mãe de Deusdete e Francineide depois que sua mãe foi embora de casa e não voltou mais. Zico sempre cuidou do amigo como se fosse, de fato, um irmão mais velho, inclusive salvando-o uma vez no rio, onde Deusdete quase morreu afogado. Guardava sentimentos por Francineide, de quem sempre perguntava, mas nunca chegou a se declarar. No Carandiru, reencontrou o amigo de infância, a quem deu abrigo em sua cela. Traficava dentro do presídio
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também e passou a consumir crack, que lhe dava freqüentes alucinações. Comprava as drogas de Majestade para revender. Ezequiel, um de seus “clientes”, estava em dívida com ele. Zico, então, resolveu pedir a Nego Preto autorização para matá- lo. No entanto, Zico não teve coragem de fazê-lo, alegando que só lhe restavam dois anos para sair. Isto fez com que Zico virasse motivo de chacota no presídio. Em uma de suas alucinações, pensando estar sendo perseguido, ameaça Deusdete com uma faca. Em outra, pega uma panela com água fervente e a despeja em cima do amigo, enquanto ele dormia, ocasionando em sua morte. Após este fato, uma “comitiva” é reunida para decidir o que será feito a respeito. Em uma cilada, Zico é encurralado e encapuzado, e recebe diversas facadas de vários detentos e, conseqüentemente, morre.
1.2.3 Majestade
Imagem de Majestade interpretado por Ailton Graça obtida na web.
Josué dos Santos, um homem negro conhecido como Majestade, roubava carros importados e vendia-os no Paraguai. Foi sentenciado a 16 anos no Carandiru, mas conseguiu reduzi- los para 10 anos. No presídio, virou traficante. Com jeito de malandro, simpático e sorridente, um dia, ao esconder drogas dentro do vaso sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo, mordeu- lhe o crânio. Depois, foi à enfer maria, onde foi atendido por Lula. Majestade tinha duas mulheres, as quais conheceu antes de ser preso. A primeira, Dalva, uma jovem branca e loira, estava noiva quando o conheceu. Ela assistia à partida de futebol do noivo, quando Majestade aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho de cada cor. Quando o noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para o lado, afugentando o noivo de Dalva. Ele diz a ela que o espere em casa no dia seguinte com a
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família, pois ele lhe pedirá em casamento. Na casa de Dalva, Majestade encontra o preconceito da família e o pai dela proíbe o casamento, porém, Majestade saca a arma novamente e os faz refém na sala de jantar. Ele anuncia que eles vão se casar de qualquer jeito e “rouba” Dalva. Um dia, em um bar, com Dalva, Majestade vê a mulata Rosirene (que estava consumindo drogas) e se interessa por ela. Ele larga Dalva dançando sozinha e vai falar com Rosirene. Diz que a levará para a praia no domingo e que pegasse seu biquíni, quando Dalva chega para ver o que acontece. As duas discutem e Majestade vai embora com Dalva. Ele se dividia entre as duas durante a semana: sua casa com Dalva e um quartinho que alugou perto da antiga rodoviária para se encontrar com Rosirene, que era prostituta. Teve três filhos com Dalva e um com Rosirene. Entretanto, a vida boa de Majestade acaba em um dia de visita, quando não consegue evitar o encontro de suas duas mulheres. Elas, então, o forçam a decidir com qual das duas ele quer ficar.
1.2.4 Sem Chance
Imagem de Sem Chance interpretado por Gero Camilo obtida na web.
Matias, mais conhecido pela frase com a qual termina a maioria de suas falas: “sem chance”, é um ladrão escolado, que se destaca por sua boa argumentação e sua fala distintamente superior à dos demais detentos. Sem Chance se torna ajudante do Médico na enfermaria, coletando sangue dos detentos para o teste de HIV. Em uma destas coletas, Sem Chance se mostra particularmente interessado em um paciente: é Lady Di, um travesti delicado e de presença marcante. Os dois iniciam um romance e Sem Chance resolve fazer o exame de HIV também. Ao receberem o resultado, apreensivos, hesitam em abrir o envelope, mas quando o fazem, descobrem que ambos não têm o vírus e resolvem se casar. No entanto, antes de se casarem, Sem Chance fica sabendo que ganhará sua liberdade e fica triste em ter que deixar Lady Di sozinho no presídio. Eles decidem se casar mesmo assim e esperam até o dia de visita para
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pedir a benção dos pais de Lady Di, que não lhes concedem, pois não aceitam a vida que o filho vive. A “comunidade” interna de gays e travestis organiza o casamento dos dois, com direito a música (Ave Maria, cantada por um dos detentos), vestido de noiva e alianças. Prestes a sair do presídio, Sem Chance sonha em montar seu próprio consultório com o que aprendeu com o Médico.
1.2.5 Lady Di
Imagem de Lady Di interpretado por Rodrigo Santoro obtida na web.
O travesti com nome de celebridade, Lady Di, entra no consultório improvisado do Médico dentro do Carandiru para descobrir se tem o vírus do HIV, confessando haver tido por volta de 2 mil parceiros sexuais. Ele também admite fumar maconha de vez em quando. Na consulta, o Médico lhe informa que o silicone que ele tem nos seios não é apropriado para aquele uso, mas Lady explica que este foi o único que seu dinheiro pôde comprar. Quem retira seu sangue para o exame é Sem Chance, com quem Lady logo inicia um romance. Os pais de Lady Di não aceitam a vida que o filho escolheu, insistindo que o nome dele é Dirceu. Dos dois, a mãe é a mais flexível, tentando, inclusive, convencer o marido de que a felicidade do filho é o mais importante. Mesmo assim, Seu Antônio continua irredutível. Lady Di vive seu conto de fadas dentro do presídio, onde se “casa” vestid o de noiva com Sem Chance.
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1.2.6 Nego Preto
Imagem de Nego Preto interpretado por Ivan de Almeida obtida na web.
Chefe da Cozinha Geral, Nego Preto, como Moacir é conhecido, é uma espécie de juiz das desavenças internas. Por ele, passa decisões como negociação de dívida e autorização para matar alguém lá dentro. Preso por assassinato, tem ainda mais uns anos para ganhar sua liberdade. Quando solto, praticava assaltos com os comparsas Escovão e Gordo. Após um destes assaltos, a uma joalheria, que havia ocorrido bem, “sem nenhum tiro”, houve uma desavença entre os assaltantes, que culminaria na prisão de dois deles. Na hora da divisão das jóias, Nego Preto desconfia que Escovão esconde uma arma na mão sob o paletó e o mata. Imediatamente, Gordo saca a arma e aponta para Nego Preto, revelando que o plano era ele matá- lo para fazer a partilha somente com Escovão, mas Gordo não tem coragem de atirar. Eles carregam o corpo de Escovão até o córrego e o jogam lá. A polícia chega até Gordo, que, com medo, acaba entregando o comparsa pelo assassinato. Os dois são presos e levados para a Casa de Detenção de São Paulo, onde Gordo morre a facadas ao entalar em um túnel por onde vários detentos estavam fugindo. Tempos depois, Nego Preto é surpreendido ao ver seu filho no Carandiru, agora como um dos detentos.
1.2.7 Seu Chico
Imagem de Seu Chico interpretado por Milton Gonçalves obtida na web.
Pouco se sabe sobre Seu Chico, um senhor negro, apaixonado por balões, que há anos vive no Carandiru. Pai de 18 filhos, tem uma história comovente de como o crime pode
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desestruturar uma família. Vive isolado dos demais detentos e nunca recebe visitas. Não se sabe qual ou quais crimes cometeu, somente que está na dependência do juiz para ganhar sua liberdade. Após haver falado com sua filha ao telefone, em uma conversa com Seu Pires, diretor do presídio, Seu Chico pede que lhe fosse concedida uma autorização para que sua filha caçula, que resolveu visitá- lo, pois estava esquecendo do seu rosto, pudesse ir vê - lo fora do horário de visita para que ela não tivesse contato com os outros detentos. Entretanto, Seu Pires nega o pedido, alegando que, se abrisse exceção para um, teria de abrir para todos. Mais tarde, vê -se que Seu Pires resolveu ceder: Seu Chico espera no meio do pátio, embaixo de uma tenda, com um piquenique preparado, fora do horário de visitação. Porém, a filha do velho não aparece. Desolado, ao perceber que havia um guarda vigiando, agride um dos carcereiros e é levado à solitária por 30 dias. Seu Chico parece se culpar pela situação familiar que se encontra, usando a solitária como autopunição. A filha de Seu Chico, finalmente, vai visitá-lo. Seu Pires, como prometido, deixa que os dois se encontrem fora do horário de visitas e, inclusive, ordena que deixem-no ficar com ela além do tempo permitido para visitação. Seu Chico ganha sua liberdade antes do famoso massacre.
1.2.8 Ezequiel
Imagem de Ezequiel interpretado por Lázaro Ramos obtida na web.
Ezequiel, um detento viciado em crack e apaixonado por surfe, vive em dívida no presídio por conta do vício, tendo já se desfeito de quase todos os seus bens. Sua última dívida, adquirida com Zico, quase resulta em sua morte. Ezequiel tenta saldar sua dívida com sua prancha de surfe e ainda pede que Zico lhe venda outra pedra de crack fiado. Zico o expulsa de sua cela, agredindo-o. No dia de visita, Ezequiel diz a Nego Preto que quer pagar sua dívida e pede autorização para que sua irmã tenha relações sexuais com outros detentos para conseguir dinheiro. Com um olhar de desaprovação, Nego Preto lhe diz que faça o que achar melhor. Como
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ele não paga a dívida, Zico pede autorização a Nego Preto para matá-lo, mas acaba desistindo. Como punição, Nego Preto ordena que Ezequiel pegue suas coisas e se mude para o Amarelo (setor daqueles jurados de morte). Com a morte de Zico, Ezequiel é procurado por Majestade para que assumisse a culpa. Ezequiel não resiste à proposta de ter uma cela só para ele, com roupa lavada e drogas para consumir, mesmo tendo apenas dois anos para ganhar a sua liberdade. Com o crime, pegaria mais uns 20 anos, mas os argumentos de Majestade – que dois ou vinte anos não fariam diferença para alguém com AIDS, como Ezequiel – foram mais que suficientes para convencê- lo. Ezequiel não chega a desfrutar dos privilégios: é morto por um policial no massacre.
1.2.9 Peixeira
Imagem de Peixeira interpretado por Milhem Cortaz obtida na web.
Assassino profissional, Peixeira é confrontado por Lula, que quer acertar as contas do assassinato de seu pai, que ocorreu na sua frente e da sua mãe. Nego Preto chega para resolver a desavença. O matador de aluguel, então, explica ao jovem e inexperiente ladrão que fora sua própria mãe que encomendou o assassinato de seu pai. Lula, sofrendo e inconformado com a verdade, desiste de matar Peixeira. Peixeira sempre foi convicto de sua posição como um assassino frio e sem remorso pelas vítimas, mas a reviravolta em sua vida chegaria dentro do Carandiru. Em um dia de visitas, observa, curioso, a pequena igreja evangélica improvisada dentro do presídio, onde o pastor prega. Envolvido na emboscada para matar Zico, em vingança pela morte de Deusdete, Peixeira é quem deveria dar a facada final, que mataria Zico de uma vez. No entanto, ao olhar em seus olhos, ele hesita e não consegue matá-lo. A partir daí, Peixeira começa a se sentir culpado pelas outras mortes que tem no histórico. Ele, inclusive, sonha que Zico volta para assombrá- lo, com as feridas das facadas em aberto e sangrando bastante, junto com Deusdete que está com o rosto coberto pela touca de meia de seda do Zico e chora muito. Quando Zico o abraça, as facadas de
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seu corpo passam para o corpo de Peixeira que começa a sangrar. Depois deste sonho, ele vai até o consultório improvisado do Médico e pergunta a ele como saber se algué m está ficando demente e quer saber se existe remédio para culpa. Desorientado e confuso, sai ao pátio, na chuva. Avista novamente a pequena igreja evangélica, onde está havendo um culto. Ao perceber o desespero de Peixeira, o pastor pára o culto e chama sua atenção, questionando- lhe se quer aceitar Jesus. Peixeira, então, se ajoelha e se converte, chorando.
1.2.10 Médico
Imagem do Médico interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos obtida na web.
O Médico chega na Casa de Detenção de São Paulo para realizar um trabalho de prevenção à AIDS, que já está em situação de pré-epidemia no presídio. Seu Pires, o diretor, o acompanha pelas instalações, lhe mostrando o lugar. Chegam a uma ala onde está tendo uma desavença, que logo é resolvida por seu futuro paciente estressado: Nego Preto, que lhe dá as boas-vindas. O Médico começa a atender em um consultório improvisado dentro do presídio e tem Sem Chance, um dos detentos, como seu ajudante na enfermaria. Lula também faz pequenas operações lá. Aos poucos, vai conhecendo os detentos e suas histórias, e é exposto a doenças como tuberculose, sarna e AIDS. Com o tempo, ganha a confiança daqueles que atende e circula livremente pelo presídio. Uma noite, no entanto, um guarda noturno não o reconhece e ele quase teve de passar a noite lá dentro. É convidado para dar o chute inicial na partida da final do campeonato de futebol do presídio, acontecimento muito importante e celebrado pelos detentos.
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Expostas as personagens, pode-se resumir estas informações no seguinte quadro:
TABELA 23 – PERSONAGENS PRINCIPAIS Personagem
Características
Características
físicas
psicológicas
História Jovem da periferia, que luta
Aparência de aproximadamente 20 anos, branco, Deusdete
magro, tem cabelos curtos e
Recluso e tímido,
para não entrar na vida de
resiste em se
crimes. É preso após
envolver com os
assassinar os agressores da
demais detentos e,
irmã Francineide. Na prisão,
freqüentemente,
encontra o amigo de infância
aparece lendo na cela. Zico, que acaba assassinando-
negros.
o com uma panela de água fervente.
Aparência de no
Zico
Criado pela mãe de Deusdete,
máximo 30 anos,
Inquieto e hiperativo,
branco, tem
devido ao constante
cabelos curtos,
consumo de crack.
geralmente
Inseguro, demonstra-
ocultos por uma
se piedoso com um
touca de meia de
devedor.
seda.
se envolveu com o crime cedo. Viciado em crack, que o leva a matar o amigo de infância durante uma alucinação. É morto a facadas por vários presos.
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Conhece sua primeira mulher,
Majestade
Malandro com
Dalva, numa partida de
Aparência de 40 e
gingado, orgulhoso
futebol, onde o noivo dela
poucos anos,
de seu poder e por
joga. Foge com ela e a pede
negro, de cabelos
desfrutar do amor de
em casamento, mas seus pais
curtos e um
suas duas mulheres.
não aceitam por ele ser negro.
pouco acima do
Carismático, sempre
Casado com Dalva, conhece
peso.
conta vantagem em
Rosirene, uma prostituta, com
suas histórias.
quem também constitui família.
Aparência de 30 e poucos anos, branco, magro, Sem Chance
baixinho, tem cabelos curtos e encaracolado s.
Ajudante do Médico na Uma espécie de
enfermaria, que se encanta
“filósofo”, é um
pelo travesti Lady Di, com
detento escolado, de
quem se “casa” dentro do
boa argumentação e
presídio. Sonha em abrir o
sonhador.
próprio consultório médico quando ganhar sua liberdade.
Lady Di
Aparência de 20 e
Sonhador e delicado.
poucos anos,
Sua carência se
Travesti que teve mais de 2
branco, travesti,
demonstrava pelos
mil parceiros, tinha
alto, de cabelos
vários
problemas com seus pais, que
negros em estilo
relacionamentos que
não aceitavam a vida que
chanel e de
teve. Realizou-se
escolheu. No Carandiru, se
presença
quando encontrou o
“casa” com Sem Chance.
marcante.
amor.
136
Um líder, assumindo Aparência de 50 e poucos anos, Nego Preto
negro, de bigodes, de cabelos curtos
papel de juiz interno. É, antes de tudo, um pacificador, desenvolvendo, por
e negros.
conta disso, estresse.
Traído pelos comparsas, foi preso por assassinato e se tornou o chefe da Cozinha Geral no Carandiru. Tudo que ocorre lá dentro deve passar por ele e deve ter sua autorização.
Aparência de
Seu Chico
Apaixonado por balões, pai
aproximadamente
Calmo e reservado,
de 18 filhos, mas nenhum vai
60 anos, negro,
era um senhor triste e
visitá-lo. Já cumpriu parte da
tem cabelos
solitário pela
sentença e está na
curtos e
distância da família,
dependência do juiz dar sua
encaracolados,
que não o visitava.
liberdade. Vive isolado dos
acima do peso.
demais detentos. Por conta de uma dívida,
Aparência de 20 e poucos anos, Ezequiel
negro, magro, tem cabelos curtos descoloridos.
Ingênuo e submisso,
quase acaba morto. Sem
vive à mercê dos
perspectiva por conta da
outros detentos por
doença e para ganhar
conta de seu vício em
privilégios, acaba assumindo
crack.
a autoria de um assassinato
Tem AIDS.
que não cometeu. Assassino destemido
Peixeira
Aparência de 30 e
e frio. Tem uma
poucos anos,
reviravolta no
forte, com corpo
presídio, passando a
malhado e
se sentir culpado
tatuado. Careca,
pelos crimes,
geralmente, usa
chegando a se
touca de lã.
converter ao
Matador de aluguel, encontra o filho de uma de suas vítimas que quer vingança no presídio. Depois de não
evangelismo.
conseguir matar um detento, começa a se sentir culpado pelas outras mortes. No fim, acaba entrando em uma igreja evangélica dentro do Carandiru e se converte.
137
Calmo e paciente, é
Médico
Aparência de 40 e
preocupado com o
poucos anos,
bem-estar dos
branco, de
pacientes
cabelos castanhos
independente dos
e curtos, magro.
crimes que haviam cometido.
Médico que foi ao presídio para tratar os detentos e tomar providências contra a pré-epidemia de AIDS. Ganhou a confiança dos detentos, que lhe contavam suas histórias e lhe pediam conselhos.
2. A origem das personagens principais Agora que já se conhecem as personagens principais de Carandiru, suas características físicas, psicológicas e histórias, pode-se partir em busca de suas origens na obra literária, que podem ser uma ou múltiplas origens.
2.1. Deusdete Como mencionado anteriormente, Deusdete é a personage m mais jovem da obra cinematográfica. No livro, como visto, poucas personagens jovens foram encontradas (menos de 1%). As características físicas de Deusdete provavelmente têm origem na personagem literária Gersinho, cuja idade é de 19 anos. Pela imagem, pode-se ver que a aparência de Deusdete não é mais que isso. Esta é a única correspondência explícita entre estas duas personagens.
Gersinho, portador do vírus da AIDS, dezenove anos, assaltante primário aceito no pavilhão porque um ladrão que o viu nascer, e que talvez tenha sido namorado de sua mãe, convidou-o para morar em seu xadrez, diz que aprendeu muito com a convivência: (VARELLA, 2005, p. 33)
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Já a história de Deusdete teve origem na personagem homônima. O Deusdete da obra literária também tem uma irmã chamada Francineide, que foi atacada por dois molestadores. Uma noite, Francineide, irmã do meio de Deusdete, na volta da padaria, foi molestada por dois marginais da vila. Um disse que queria chupar o sexo dela; ofendida, ela o mandou chupar a mãe, vagabundo. Apanhou, chegou em casa com o vestido rasgado e a boca inchada. Ao ver a irmã naquele estado, Deusdete correu para a Delegacia. Esperou mais de duas horas para ouvir o escrivão dizer que ficaria louco se registrasse todas as queixas de agressão da vila. (VARELLA, 2005, p. 198-199)
No filme, esta cena está dividida. Primeiramente, Francineide aparece desesperada após a agressão, e é quando Deusdete a confronta e descobre o ocorrido: DEUSDETE Que é que foi? Conta aí! O que foi que aconteceu? FRANCINEIDE Era dois... me agarraro... levantaro meu vestido... um disse que queria me chupá... eu mandei ele chupá a mãe... DEUSDETE O que eles fizero? FRANCINEIDE Me batero... DEUSDETE E daí? Que mais?! FRANCINEIDE Eu saí correndo, Deusdete. Saí correndo! Eu te juro! Não aconteceu nada!
Depois, há a cena em que Deusdete vai atrás de Zico, seu amigo de infância, para que este lhe arranje uma arma. No livro, Deusdete não recorre ao seu amigo de infância, no caso, Mané de Baixo, mas a qualquer um na vila que lhe pudesse vender um revólver. Porém, é nesta cena no filme que ele conta que foi à polícia e consegue a arma com a qual cometerá os homicídios: DEUSDETE Zico. ZICO Pô Deusdete, você aqui?!
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DEUSDETE É que eu tenho um assunto aí... ZICO (para os comparsas) Dá licença. ZICO (CONT'D) Como é que tá a mãe? DEUSDETE Problema não é com ela não... Uns caras azararo a Francineide... ZICO O que que fizero com ela? DEUSDETE Ela disse que nada. Mas eu fui na delegacia dá parte. ZICO Delegacia, Deusdete?! Tu acha que polícia vai resolvê isso aí? DEUSDETE O pior é que os cara ficaro sabendo e agora tão atrás de mim. ZICO Deixa comigo que eu dô um jeito neles. DEUSDETE Não Zico. Do teu jeito não. Eu... só preciso de uma arma... que é pra me defendê.
O procedimento adotado pelo irmão de Francineide, no geral, foi o mesmo: denunciou a agressão à polícia, depois, quando foi jurado de morte, arranjou uma arma para se defender. No entanto, Deusdete é encontrado pelos agressores; ele os mata quando é abordado e ameaçado com barras de ferro. Esta cena manteve-se igual em ambas as obras: Uma semana após o incidente, no ônibus, um vizinho o avisou de que os agressores souberam da ida dele à delegacia e queriam pegá-lo. Deusdete pediu adiantamento na firma e saiu pela vila atrás de um revólver. Não demorou para encontrar. Apesar da arma, mudou de itinerário. Não adiantou, eles o acharam na volta da escola, sozinho, por uma rua escura. - Aonde pensa que vai o estudante dedo -duro? - Não quero briga. Deixa eu ir para casa. - Você vai para a casa da mamãe, veado, só que antes a gente vai te fazer uns carinhos, que nem nós fez para a tua irmãzinha. O primeiro que se aproximou tinha uma barra de ferro na mão. Abusado, não percebeu que Deusdete havia sacado o revólver. Tomou dois tiros e caiu
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morto. O companheiro saiu correndo com a faca. Deusdete atirou, errou e seguiu no encalço. Três, quatro esquinas depois o fugitivo entrou num bar. Deusdete esperou agachado atrás do muro de uma casa em frente, até que o inimigo saiu, olhou ao redor desconfiado e cruzou a rua bem na direção em que ele se encontrava. Levou as três ultimas balas do tambor, para espanto do gordo de bermuda e do barbudo que jogavam sinuca no alpendre do botequim e mais tarde testemunharam contra ele, no julgamento. (VARELLA, 2005, p. 199)
No filme, há o seguinte diálogo nesta cena: RAPAZ 1 Aonde pensa que vai o dedo duro? DEUSDETE Não quero briga. Deix'eu ir pra casa. RAPAZ 2 Você vai sim, mas antes, a gente vai te fazê uns carinho, que nem feiz na tua irmãzinha.
Ao ser preso, Deusdete é levado para a Casa de Detenção de São Paulo. Na película, vê -se o rapaz chegando, desconfiado, procurando uma cela. Quando Zico o encontra, o acolhe em sua cela, dando- lhe uma cama:
DEUSDETE Pagá pra dormi?! Tô preso, meu! PEIXEIRA Lá fora tu mora de graça? EZEQUIEL Se quisé ficá, dorme aí no chão. ZICO Deusdete não vai pro chão não. Ele já tem onde morá. (para Deusdete) Pô Deusdete, bem que eu disse... Acabou fazendo o que não devia.
Na obra literária, pouco se sabe sobre a chegada de Deusdete ao presídio. Apenas é mencionado brevemente que o amigo de infância o acolhe.
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Quando Deusdete chegou na Detenção foi acolhido por Mané de Baixo , proprietário de um xadrez no pavilhão Cinco, cumprindo oito anos e seis meses por roubo de carga e formação de quadrilha. (VARELLA, 2005, p. 199)
O destino trágico de sua personagem também é compartilhado pela personagem literária: Deusdete é morto no presídio. Seu amigo de infância (Zico, no filme e Mané de Baixo, no livro) despeja- lhe água fervente enquanto Deusdete dormia em sua cama. No livro, a ação é justificada pela humilhação sentida por Mané de Baixo quando Deusdete não permite que ele consuma drogas dentro da cela. De madrugada, enquanto o companheiro de infância dormia, encheu um tacho com cinco litros de água, uma lata de óleo, um quilo de sal e acendeu o fogareiro. Quando a mistura levantou fervura, despejou-a em cima do outro. Deusdete morreu na enfermaria do Pavilhão Quatro nas primeiras horas da manhã. (VARELLA, 2005, p. 200)
Na película, entretanto, este ocorrido é justificado pelo vício de Zico, que mata o amigo em um momento de alucinação causada pelo crack. Neste caso, a personagem dominante é a mesma que deu origem ao nome da personagem na película. Sendo assim, tem-se Deusdete como a personagem literária dominante e Gersinho apenas como personagem de apoio, pois nada de sua história serviu de base para a personagem cinematográfica. Talvez se possa considerar o fato de que Gersinho fora acolhido no presídio por alguém que o conheceu antes de ser preso e fazia parte de seu círculo social fora do Carandiru, assim como ocorre na história de Deusdete. Porém, esta ligação entre as personagens não fica clara, pois tratam-se de situações e relações diferentes (Gersinho – ex-namorado da mãe; Deusdete – amigo de infância).
2.2 Zico Zico era traficante de maconha antes de ser preso. Comprava a droga em Pernambuco. No livro, há duas personagens que compartilham esta história: Juscelino e Ôrra Meu. A origem da propriedade perde-se no passado, quando os recursos da Casa começaram a minguar e a manutenção das celas ficou por conta dos próprios detentos, como explica Juscelino, um mineiro de sorriso encantador que
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comprava maconha no sertão de Pernambuco e voltava de ônibus-leito com a droga na mochila: (VARELLA, 2005, p. 36) (…) como observou Ôrra Meu, um faxina de pescoço longo como os de Modigliani e sotaque italianado característico do bairro da Mooca, preso num caminhão de lenha que trazia maconha de Pernambuco para um armazém da Vila Matilde: (VARELLA, 2005, p. 284)
O passado de Zico com relação a seus crimes não foi muito explorado, da mesma forma que os crimes de Juscelino e Ôrra Meu apenas foram mencionados e suas histórias não ganharam destaque. Na obra cinematográfica, a parte mais desenvolvida da história de Zico foi seu relacionamento com o amigo de infância, Deusdete:
ZICO (OFF) Um dia, minha mãe não voltô mais pra casa. Fiquei só. Esperei, esperei, até que ele e a irmã, Francineide, chegaram e me levaram pra morá com eles. Crescemo junto.
Esta história, desde a infância até sua morte, é vivida por Mané de Baixo na obra literária. Embora não tenha sido mencionado que Mané de Baixo tenha sido abandonado pela mãe e ido morar com a família de Deusdete, é mencionado que passaram a infância juntos e não se desgrudavam até seus 14 anos.
Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos, quando Mané de Baixo arranjou emprego num ferro-velho e saiu da escola. (VARELLA, 2005, p. 198)
No presídio, Zico era traficante de crack. Um dos detentos, que era seu “cliente”, havia comprado droga fiado com ele e não o pagava. Zico resolve pedir a Nego Preto autorização para matá- lo. Entretanto, acaba por não fazê- lo, pois não queria aumentar sua sentença. Este episódio fez Zico virar motivo de chacota no presídio.
MAJESTADE (para Zico) Aí, quem num tem palavra, num pode trabalhá pra mim. NEGO PRETO Pede pra matá o cara e depois muda as idéia!?
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ZICO Ô Nego! Mais dois ano e eu tô livre... achei melhor deixá quieto e acertá ele na rua.
Um caso muito semelhante ocorre com a sua personagem homônima no livro. Zico, personagem literária, pede a Bolacha, que seria como um juiz interno, assim como Nego Preto, autorização para matar um detento que havia estuprado sua irmã. Mas, assim como a personagem cinematográfica, ele vira motivo de chacota quando resolve não matá- lo, pois estava prestes a conseguir entrar no regime semi-aberto. Bolacha na presença de testemunhas: - Zico, qual é a tua, meu? Está esperando o que para resolver o caso daquele pilantra? - Bolacha, sucedeu-se que subiu meu recurso para a Colônia e eu achei melhor deixar quieto por enquanto e acertar ele na rua. - Ô, Zico, agora você me desapontou! Pede para matar o cara, traz prova do estupro e depois muda as idéias. Arruma tuas coisas e atravessa para o Cinco, que o Nove ficou pequeno para você. Você não é do Crime, meu. Você é um cômico. (VARELLA, 2005, p. 102)
Além de traficar, Zico também consumia crack, o que lhe causava freqüentes alucinações. Em uma delas, mata o amigo de infância com uma panela com água fervente enquanto ele dormia. Após este ocorrido, o qual não havia sido autorizado pelos “juízes” internos, foi organizada uma “comitiva” para decidir qual providência seria tomada.
FUINHA Ó Nego, eu sei que quando eu fui visitá o Zico, o Deusdete não dexô que a gente fumasse lá. BAIANO Isso num é motivo pra mata na covardia! LULA Me deu o maior medo, ó! Í dormi e acordá queimado?! Tá louco! DETENTO LOCUTOR E matô sem assuntá com nóis! Qualé? DADÁ Quem mandô se metê na vida do outro? MAJESTADE (para Dadá)
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Eram amigo da infância. Se você tivesse um amigo aqui prá te aconselhá, você ia fazê isso com ele? DADÁ Problema deles, ó! NEGO PRETO Tá enganado. Agora é problema nosso.
No livro, esta negociação sobre o destino de Mané de Baixo (que matou Deusdete), que envolveu mais de quarenta pessoas, é apenas mencionada, mas não se sabe quem fez parte desta “comitiva”.
Ao meio-dia, os companheiros revoltados reuniram-se com a Faxina do Cinco, num “debate”, como eles dizem, que envolveu mais de quarenta pessoas. (VARELLA, 2005, p. 200)
Como conseqüência, Zico é emboscado e atacado por diversos detentos, que o matam a facadas. Isto também ocorre com Mané de Baixo, que é emboscado e, depois, é mencionado que seu corpo, morto, estava todo esfaqueado.
Resolveram que um grupo aguardaria nas imediações da entrada do pavilhão e outro bloquearia a escada no primeiro andar. Quando Mané entrou, o grupo de baixo subiu atrás. (VARELLA, 2005, p. 200) Os corpos eram de Deusdete e Mané de Baixo, criados na mesma vizinhança, amigos inseparáveis até os catorze anos... (…) O outro, de camiseta do Baú da Felicidade, estava todo esfaqueado. (VARELLA, 2005, p. 198)
Não foi possível verificar nenhuma personagem com correspondência física semelhante a Zico. Mané de Baixo é a personagem dominante, Zico, a secundária e Juscelino e Ôrra Meu, personagens de apoio. Aqui, tem-se a origem do nome em uma personagem secundária, que também
teve
cinematográfica.
participação
significativa
na
composição
da
história
da
personagem
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2.3 Majestade Majestade era um negro com jeito de malandro, simpático e sorridente. De nome verdadeiro Josué dos Santos, traficava no Carandiru. No livro, encontram-se duas personagens que deram origem à imagem de Majestade: Kenedi Baptista dos Santos, conhecido como Zé da Casa Verde, e Charuto. Zé da Casa Verde era um homem negro, com jeito de malandro; Charuto tinha sorriso alvo e dentição perfeita, era malandro no jeito de andar, falar e olhar.
Esse tal de Charuto tinha sorriso alvo e dentição perfeita, raridade no ambiente. Malandro completo no andar, falar e olhar, assaltante incorrigível, estava condenado a dezesseis anos, nesta segunda passagem pela cadeia. (VARELLA, 2005, p.260)
Seu nome era Kenedi Baptista dos Santos, porém todos o conheciam como Zé da Casa Verde. As gírias, o cantado da fala paulista, o jeito de parar com o corpo jogado para trás, a disposição permanente para gozar os companheiros, tudo nele recendia malandragem. (VARELLA, 2005, p.226)
Estas duas personagens também deram origem à história cinematográfica de Majestade, em momentos diferentes. Majestade, em uma ação que parecia ser- lhe comum, esconder drogas dentro do vaso sanitário de sua cela, foi mordido por um rato. Para conseguir que o animal largasse seu dedo, teve de morder- lhe o crânio. Na enfermaria, Lula o atendeu e lhe costurou o dedo.
MAJESTADE Ai caralho! Puta que pariu! Larga! Larga! Ai, ai... larga desgraçado! Ai, ai... (OFF) Bati ele na parede mais de deiz veiz! O demônio num largava! SEM CHANCE E aí, morreu? MAJESTADE Ai cacete... Morreu nada! Mas eu segurei ele firme e cravei os dente na mente do infeliz. Depois escovei a boca e já era.
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No livro, o mesmo ocorre com a personagem Charuto, entretanto, as circunstâncias são outras: ele levou uma mordida de rato ao desentupir um esgoto que sempre entupia no pavilhão Dois. Puxou a mão, no reflexo; veio junto o rato pendurado no dedo indicador, mordendo fixo. Era preto, enorme: - Pensei até que fosse um cachorrinho desses de madame. No desespero, a mão desenhou um círculo no ar e bateu o rato contra o cimento, mas a pega estava tão firme que não soltou. Infernizado com a dor que até choque dava, o rato travado no osso, Charuto levantou o braço o mais alto que pode e despencou o animal no chão; com toda força. - Só aí, com perdão da palavra, foi que o desgraçado largou. Ficou esperneando as patinhas para cima. - Morreu? - Que nada, doutor, o bicho é o demônio! Foi então que Charuto, cego de ódio, agarrou o inimigo com as duas mãos, segurou-lhe a boca para não levar outra mordida e vingou-se: - Cravei os dentes na mente do infeliz. Mordi duro, até ele parar de debater. Depois escovei os dentes, e já era. (VARELLA, 2005, p. 259)
Majestade tinha duas mulheres: uma branca e uma negra, assim como Zé da Casa Verde. Sua primeira mulher, Dalva, era uma jovem de pele bem branca e loira. Zé era casado com Valda, que tinha a pele branca como a neve. Ela assistia à partida de futebol do noivo, quando Majestade aparece em seu carro e diz que se casará com ela e que terão um filho de cada cor. Quando o noivo aparece para saber o que ocorre, Majestade saca a arma e atira para o lado, afugentando o noivo de Dalva.
MAJESTADE (CONT'D) Tu acredita em amor à primeira vista? DALVA Quê?! MAJESTADE Vem comigo... vou te pedi em casamento pros teus pais. DALVA Sai fora! Tu nunca me viu! MAJESTADE Tá errada! DALVA Tô errada?! Você nem me conhece! MAJESTADE Conheço sim. Sei que tu gosta de calabreza... Sei que fica linda num vestido de florzinha... e sei que tu merece mais do que esse perna de pau aí... DALVA Meu noivo? MAJESTADE Noivo?! Isso é atraso de vida.
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MAJESTADE (CONT'D) Olha só que beleza de mistura! Vam'tê um filho de cada cor. Te espero no carro... DALVA Você falou sério? MAJESTADE Como nunca na vida.
A história do romance de Zé da Casa Verde com Valda é muito semelhante à de Majestade e Dalva, apenas mudando a circunstância do primeiro encontro dos dois. No livro, Zé conhece sua primeira mulher em um baile, uns dias antes da partida de futebol do namorado (ou noivo, não é especificado qual o grau do relacionamento deles) dela. No filme, este primeiro encontro acontece na própria partida.
Zé era casado com duas mulheres, Valda e Maria Luísa: - A Valda tem pele branca como a neve. É de uma família de bem, em Santana, que nunca aceitou o nosso romance por causa da minha cor. Os dois se conheceram num baile, ela ainda virgem, dançando com um rapaz no qual Zé não sentiu firmeza. No domingo seguinte, enquanto o rival disputava uma partida na várzea, Zé aproximou-se dela, na beirada do campo: - Levanta e vem comigo, que eu vou te pedir em casamento para os teus pais. -Você nem me conhece! Ele falou dela no baile, da pele alva que contrastava com o preto da sua e dos filhos misturados que nasceriam lindos, cada um numa cor. Falou e foi esperála no fusca, que havia acabado de equipar com dinheiro roubado. A espera não foi longa. Ela apareceu na janela do carro: -Você falou sério? - Como nunca na vida. (VARELLA, 2005, p. 227)
Ao ver que conquistou Dalva, Majestade diz a ela que o espere em casa no dia seguinte com a família, pois ele lhe pedirá em casamento.
MAJESTADE Tu viu?! Tu viu, né? Se fosse amor que ele sentia, não tinha fugido! Qualé? Deixá roubá a mulher! MAJESTADE (CONT'D) Amanhã, às oito, reúne tua família que eu vou te pedir em casamento.
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A mesma situação pode ser vista com Zé da Casa Verde, na obra literária. Zé, persuasivo, virou-se para a amada: - Amanhã, às oito, reúne teus pais e tuas irmãs que eu venho te pedir em casamento. Esquece esse cara, se ele gostasse de você, enfrentava o perigo. (VARELLA, 2005, p. 227-228)
Ambas as personagens, ao encontrar o preconceito da família da noiva, sacam suas armas outra vez em resposta à proibição do casamento pelo pai dela, fazendo-os de refém e “roubando” a futura esposa. No livro: No dia seguinte, às oito, a reação da família foi a pior possível. Apesar do fusca envenenado e de se apresentar como trabalhador, filho de uma família exemplar, proprietária de um imóvel com escritura lavrada no cartório da Casa Verde, o pai da mo ça disse que preferia a filha morta do que casada com um negro malandro daqueles. Com a persistência obstinada do Zé, os ânimos se exaltaram, o pai referindo-se à cor dele com desrespeito crescente. Quando foi chamado de negrinho insolente, Zé perdeu a paciência. Subiu na mesa, puxou o revólver, gritou que matava o primeiro que reagisse: - Tranquei todo mundo no banheiro e levei o meu amor comigo, a minha mão preta no algodão da mão dela. (VARELLA, 2005, p. 228)
No filme, há o seguinte diálogo entre Majestade e Seu Sidney, pai de Dalva:
SEU SIDNEY Vou falá uma vez só: prefiro minha filha morta do que casada c'um negro malandro. MAJESTADE Ai o senhor me ofende... O senhor mal me conhece. SEU SIDNEY Conheço o suficiente pra saber que não passa de um preto vagabundo! MAJESTADE Olha seu Sidiney... SEU SIDNEY Não olho nada! (para Dalva) Minha filha, você não é mais menina pra cair na conversa de preto! MAJESTADE Cala a boca! Todo mundo pro banheiro!
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MAJESTADE (CONT'D) Vai, vai logo! Vai entrando! Dá um tchau pro teu pessoal que vai demorá pre'les botarem o olho em ti! SEU SIDNEY Filha, pensa bem: cê vai fazê essa besteira? MAJESTADE (OFF) Casei foi ali mesmo. Levei meu amor comigo; a minha mão preta no algodão da mão dela...
Grande parte da história de Majestade, personagem cinematográfico, tem origem na história de Zé da Casa Verde. O nome da primeira mulher de um é o inverso silábico do nome da mulher do outro: Dalva e Valda. Já a história deles com suas segundas mulheres é diferente, inclusive o nome delas: Majestade casa-se com Rosirene e Zé da Casa Verde, com Maria Luísa. Majestade conhece Rosirene, uma prostituta, em um bar, onde havia ido com Dalva. A mulata, que estava consumindo drogas, chama a atenção de Majestade que vai falar com ela e lhe diz para pegar o biquíni, pois a levará para a praia no domingo. Quando Dalva chega, as duas discutem e Majestade leva Dalva embora.
MAJESTADE (para Rosirene) A morena não samba? ROSIRENE Não sou macaco pra ficar pulando à toa... MAJESTADE Quer um motivo pra pulá? ROSIRENE Acho quem quem tá a fim de pulá e você... a cerca. MAJESTADE Olha aí, vô deixá minha esposa e as criança em casa. Pega teu biquíni que eu volto pra te buscá. A gente vai passá o domingo na praia. Dalva se aproxima. DALVA Essa nega aí sabe que tu tem dona?
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MAJESTADE Qué isso, Dalva? Tava indo no banheiro! DALVA (pondo a mão sobre a braguilha da calça de Majestade) E isso aqui, tá assim por quê? ROSIRENE Parece que alguém não tá cuidando bem dele. DALVA Vê o que cê fala, sua nega fedida! (empurrando Rosirene) Acho bom saí de perto do meu homem ou tu vai se dá mal! Rosirene revida. As mulheres trocam tapas e puxões de cabelo. MAJESTADE Pára, Dalva! Pára com isso!
Já Maria Luísa, segunda mulher de Zé da Casa Verde, que também era negra, era passista. Embora não fique explicito onde se conheceram, é provável que tenha sido na quadra da Império da Casa Verde, escola da qual era passista. O encontro com a primeira mulher de Zé, Valda, aconteceu na avenida, no Carnaval.
Viveram na maior felicidade até ele conhecer Maria Luísa, passista da Império da Casa Verde: - A bateria pegando pesado e ela dançando na frente, de vestidinho curto e um sorriso que iluminava a quadra inteira. Parecia uma deusa de ébano. No carnaval, na concentração da escola, minutos antes do desfile, ele de guerreiro xangô, Maria Luísa de biquíni com lantejoula, ninguém sabe de onde, surgiram Valda e a irmã mais nova do Zé, solidária com a cunhada, e se engalfinharam com a rival. Ele outra vez perdeu a paciência e puxou o revólver: - Dei uma coronhada na cabeça de cada uma, mandei as três para casa e sambei sozinho na avenida. (VARELLA, 2005, p. 228)
Como já mencionado, a segunda mulher de Majestade era prostituta e não queria lagar a profissão. Ele não se opunha, contanto que não fizesse programa com nenhum amigo dele. Um dia, ao esperá- la no ponto onde se prostituía, Majestade descobre que Rosirene está saindo com um de seus amigos, Farofa. Ao confrontá-la, fica sabendo que os dois, além de estarem saindo juntos, estão fazendo planos para irem para Miami.
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MAJESTADE Tu não desiste dessa vida, né? Já não te falei que eu te banco? ROSIRENE Sempre ganhei meu dinheiro. MAJESTADE E tu sabe quem é esse cara que tu tava? ROSIRENE O que você está fazendo aqui? Hoje não é o dia da Branquinha? MAJESTADE Não desvia o assunto! Tu sabe quem é ele? ROSIRENE Sei! E daí? MAJESTADE Eu não te disse: "Se quisé se virá, se vira. Só não dá pra amigo meu que eu te quebro o pescoço!" ROSIRENE Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!? Tu é um pé de chinelo. E mais, ele ainda me disse que, quando separá da esposa, vai se muda comigo pra Miami! Ó, qué sabê? Tô indo! MAJESTADE Vai para onde? ROSIRENE Miami meu amor! Miami! (…) MAJESTADE Vê se pode doutor, dando pra amigo meu e ainda os dois fazendo plano!
Esta mesma situação pode ser encontrada no livro, porém, com outra personagem: Charuto. Ele era assaltante e ela, prostituta. Rosirene, personagem literária, também o traiu com um amigo dele, fazendo planos juntos para ir para Ponta Porã.
- Estava na Estação da Luz se virando. Sabe, elas viciam e não querem sair dali. Eu não podia fazer nada. Quer dar? É com ela mesmo. A única coisa que eu falava era: só não dá para amigo meu, que eu te quebro o pescoço. (…)
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Uma noite, trombaram na Boca do Lixo e Rosirene confessou estar namorando um amigo dele, Mato Grosso, o dono das pedras, e que os dois tinham planos de mudar para Ponta Porã. -Veja só, dando para amigo meu e ainda os dois fazendo plano! (VARELLA, 2005, p. 264)
Charuto não se dividia entre duas mulheres como Majestade. Ele havia largado a primeira (Rosane) para ficar com Rosirene. Já Majestade levava dois casamentos ao mesmo tempo, assim como Zé da Casa Verde. Ambos se dividiam entre as duas mulheres e tiveram filhos com elas: Majestade teve três com Dalva e um com Rosirene; Zé da Casa Verde teve três filhos com Maria Luísa e quatro com Valda. Entretanto, em um dia de visita, eles não conseguiram evitar o encontro de suas duas mulheres, que os fizeram escolher com qual queriam ficar.
ROSIRENE Me beija na boca! MAJESTADE Pô, meu amor, hoje não vai dá! É que a caldera estorô e o homem qué o conserto pronto até o fim do dia. ROSIRENE Ô Josué, nem na rua tu nunca trabalhô. Vai me convencê que na cadeia resolveu regenerá? Tu tá é co'aquela branquela vagabunda! MAJESTADE Qué isso, meu amor!? Juro que não! ROSIRENE Então vamo vê! (…) ROSIRENE Falei que cê tava co'a vagabunda. DALVA A vagabunda agora sô eu?! MAJESTADE (para Rosirene) Bom... já que você veio agora num tem mais volta pra trás. Hoje, nós três vamô tê que entrá num entendimento. MAJESTADE (CONT'D) Rosirene, a Dalva não é vagabunda não, viu? Trabalha na fábrica de roupa, cria nossos filho com o maior carinho. São filho meu, pô.
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(para Dalva) E você também, já disse que a Rosirene não vale nada. Também num'é verdade. Se não fosse a cara dela descolá uns baratos e trazê aqui pra eu fazê um dinheiro, ia faltá comida no prato de todos nóis. DALVA Se você gosta d'eu e dela é problema teu. MAJESTADE Iiii... ROSIRENE É. Cê vai é decidi agora com qual das duas qué ficá! DALVA Isso mesmo! MAJESTADE Pô! Assim, cês vão parti meu coração no meio.
No livro, pode-se ver Zé da Casa Verde na mesma situação vivida por Majestade na obra cinematográfica: Pediu licença a Valda, correu para a sala das caldeiras, ao lado, e se lambuzou de graxa. Encontrou a mulata na porta, sorridente de saudades. Beijou-a com cerimônia para não esbarrar as mãos sujas nela e explicou: - Meu amor, que bom que você veio, mas, infelizmente, não vou poder te receber porque estou trabalhando num conserto, devido que a caldeira estourou e o homem quer tudo pronto até o final que acabar a visita. - Zé, você está é com aquela vagabunda. Nem na rua tu nunca trabalhou, vai me convencer que na cadeia, dia de domingo, é que resolveu regenerar? (…) - Você vai decidir agora com qual de nós duas quer ficar – insurgiu-se Maria Luisa, com o que concordou imediatamente a Valda. Ele ficou desconsolado: - Assim vocês vão partir meu coração no meio. (VARELLA, 2005, p. 229230)
Portanto, tem-se Zé da Casa Verde como personagem dominante de Majestade, com quem compartilha quase sua história inteira e, inclusive, seu físico e jeito de ser e se comportar, e Charuto como personagem secundária, que também tem significativa contribuição para a história de Majestade e seu jeito de se comportar. A personagem literária Majestade apenas deu origem ao nome de sua personagem homônima cinematográfica, não contribuindo de nenhuma outra forma para sua formação.
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2.4 Sem Chance Matias, que ganhou o apelido de Sem Chance, pois era com essa frase que terminava quase todas as suas falas, era um homem baixinho e franzino, com habilidades em medicina, que se tornou enfermeiro auxiliar do Médico na obra cinematográfica. De fala distintamente escolada e boa argumentação, filosofava pelo presídio. Na obra literária, há também uma personagem chamada Sem-Chance (que só se difere pelo acréscimo do hífen), que também era franzino e ganhou o apelido exatamente pelo mesmo motivo, demonstrando a origem do nome da personagem cinematográfica.
Ainda no escuro, acendem-se as luzes dos barracos, em silêncio, para respeitar o sono alheio, como explica o Sem-Chance, um mulato franzino que ganhou o apelido de tanto repetir essas palavras no final das frases: (VARELLA, 2005, p. 44)
Ouve-se, muitas vezes, na película, a personagem dizendo a frase “sem chance”.
SEM CHANCE Desculpa, doutor, eu sô contra pena de morte, mas sou a favor no caso de estrupo. Pra mim é sem chance.
(…)
SEM CHANCE Cê vê, você trabalhando na noite, dois mil home aqui dentro... limpinha. E eu, todo certinho, ó... sem chance.
Na obra literária, também pode-se ler diversas vezes a personagem utilizando esta frase no final de suas falas. - Tem que ser na manha. Se acordar cedinho, todo mundo dormindo, se for urinar no boi e der descarga ou fazer qualquer zuadinha, o senhor tem que mudar de xadrez. Acordar vagabundo, é sem chance. (VARELLA, 2005, p. 44) Ainda assim, para desespero da malandragem, como admite pesarosamente o Sem-Chance: - Tem sempre um cagüeta na fita, doutor. É sem chance. (VARELLA, 2005, p. 113)
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Sem-Chance também deu origem às características de sua personagem homônima na película. Ambos eram escolados:
Sem-Chance, ladrão escolado, fala da esperteza do “Ricardão”, nome atribuído ao amante da mulher de quem está na cadeia: - Se na visita não tiver respeito, doutor, elas vão ficar com medo de voltar... (VARELLA, 2005, p. 62)
Agora, quanto à história de Sem Chance, apenas parte dela teve sua origem nas histórias das personagens da obra literária. Assim como Sem Chance, que era o principal enfermeiro do Médico no filme, Edelso era o primeiro enfermeiro de Drauzio e o que mais tinha habilidades para lidar com a medicina. Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro, Edelso... (VARELLA , 2005, p. 80) De todos os presos que passaram pela enfermaria, Edelso era o que tinha mais jeito para medicina. (…) Agradável no trato, dentes preservados, roupa cuidada, destoava naquele ambiente de homens pobres e corpos marcados pela violência. (VARELLA, 2005, p. 205)
A história de Sem Chance com o travesti Lady Di, que se casam dentro do presídio, não ocorre no livro. No entanto, uma promessa que Sem Chance faz no filme durante seu casamento com Lady Di também é feita no livro por Edelso, em situaç ão diferente: montar um consultório quando ganhasse a liberdade, para praticar o que haviam aprendido na enfermaria do presídio.
SEM CHANCE O meu brinde é ao nosso doutor, pois com a medicina que aprendi com esse homem, vô é montá um consultório e cuidá dos meus paciente... esperando por você, minha Lady, pra gente vivê nossa própria família.
Na obra literária, Edelso fora transferido da enfermaria, que ficava no pavilhão Dois, pois descobriram que ele estava em uma lista de devedores, indo para o Sete. Mas, em um encontro com Drauzio , Edelso contou os planos que tinha para quando estivesse livre.
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Fazia até planos para quando cantasse a liberdade: - Vou parar com esse negócio de carro, desmanche, Paraguai, que é sem futuro. Com a medicina que aprendi com o senhor, não vejo a hora de montar consultório num lugarzinho simples e viver tranqüilo cuidando dos meus pacientes. (VARELLA, 2005, p. 207-208)
Assim, as personagens do livro que deram origem a Sem Chance foram Edelso e SemChance. Edelso pode ser cons iderada a personagem dominante, pois foi a origem da história de Sem Chance (ou, pelo menos, de toda história presente no livro pertencente a Sem Chance) e Sem-Chance, a secundária, que deu origem à sua aparência física e seu nome.
2.5 Lady Di Única personagem principal travesti na película, Lady Di pode ser considerado um mosaico dos travestis presentes na obra literária. Lady Di era um travesti delicado, que, freqüentemente, quando nervoso, era visto com as mãos na boa, como se roesse unha. Quando sentava, cruzava a perna, como as mulheres geralmente fazem. Tinha silicone nos seios. Estas características podem ser vistas em duas personagens literárias, ambas travestis: Raimundo da Silva, conhecido como Loreta, e Pérola Byington.
No início, com os travestis, meu problema era a identidade. Sentava-se frente à mesa um homem de seios; e gestos delicados em cuja ficha eu lia Raimundo da Silva, mas que todos chamavam de Loreta. (VARELLA, 2005, p. 155) A meu lado, um rapaz franzino de Sapopemba, conhecido como Pérola Byington, pernas cruzadas feito mulher e com a mão desmunhecada, roendo as unhas o tempo todo, fez o seguinte comentário: (VARELLA, 2005, p. 279)
Outro travesti com seios, chamado Sheila, deu origem a uma passagem de Lady Di no filme. Ao se cons ultar com o Médico para descobrir se tinha o vírus do HIV, Lady Di confessou haver tido por volta de 2 mil parceiros sexuais. Quando recebeu o resultado, ele descobre que não está infectado.
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LADY DI Eu conheço essa missa, doutor. Nunca precisei de transfusão de sangue e não boto nada na veia, droga pra mim é só um baseadinho que eu fumo de vez em quando, assim pra vê televisão e pra namorar. MÉDICO E parceiros, quantos? LADY DI Ah, uns 2000. (…) MÉDICO É, Lady, acho mesmo que tá na hora de você saber se tá doente. (…) LADY DI Não! Positivo é justamente a maldita no sangue! Tem que dá negativo. HIV-Negativo. Vou abrir primeiro que o meu caso é mais pior mesmo. LADY DI (CONT'D) Tô limpa! Tô limpa!
O mesmo ocorre com Sheila na obra literária.
Seios enormes, blusa com no acima do umbigo, Sheila confessava na presença de testemunhas mais de mil parceiros sexuais na Casa de Detenção no decorrer do ano anterior a pesquisa. (…). Ela era HIV-negativa... (VARELLA, 2005, p. 65)
Embora nenhuma festa de casamento tenha sido mencionada na obra literária, como ocorre na película, na qual Lady Di e Sem Chance se casam, há a menção de duas personagens travestis que se apaixonam e têm um relacionamento amoroso com outros detentos. Elas são Margô Suely e Leidi Dai. Margô Suely recebeu regalias por sua exclusividade ao ladrão com quem se relacionava, mas foi largado por ele depois de adquirir uma doença íntima.
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Quando veio transferida para o Carandiru, conheceu um ladrão e se apaixonou. Ele foi franco com ela: - Se quiser ser minha, é o seguinte: só minha, entendeu? Te ponho num barraco, dou conforto, mas não vai tirar eu, não. Manter mulher de cadeia custa o olho da cara. Tirou eu, já era.. (VARELLA, 2005, p. 213)
O ladrão, então, o substituiu por Leidi Dai, que afirmava ter casado com o “ex- marido” de Margô. Chocada com a ousadia da intrusa, Margô ordenou: - Tira a minha meia já e sai da minha cama, sua vaca! - Que é isso? Casei com o teu ex-marido. Estou naonde que me pertence, bofe velha. (VARELLA, 2005, p. 215)
No entanto, não fica claro se este “casamento” é apenas uma espécie de contrato de exclusividade. Nenhuma cerimônia é descrita no livro. Como pôde-se perceber, não há personagem dominante de origem para Lady Di. Suas características físicas podem ser vistas em Raimundo da Silva (Loreta) e em Sheila. Seu jeito de ser, em Raimundo da Silva (Loreta) e Pérola Byington. E uma parte de sua história, de certa forma, pode ter tido sua origem em Margô Suely e Leidi Dai. Já o nome da personagem teve origem em Leidi Dai, com alteração ortográfica, passando a ser escrito como o nome da famosa princesa britânica.
2.6 Nego Preto No filme, Nego Preto era o chefe da Cozinha Geral, ele comandava os outros detentos que ali trabalhavam e nenhuma decisão era tomada sem que fosse consultado.
NEGO PRETO Ainda tá faltando a faca da minha cozinha! Quem pegô, vô dá uma chance: ou devolve ou morre um preso por dia! (…)
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MÉDICO Então o chefe da cozinha tá doente?! NEGO PRETO Doutor, quem tem chefe é índio.
Na obra literária, quem assumia o papel de comandante da Cozinha Geral era Seu Chico. Embora ele trabalhasse na marcenaria, as decisões sobre a Cozinha Geral somente eram tomadas após consultar- lhe. A dinâmica dessas conversas secretas respeitava o ritual descrito nas consultas que a malandragem fazia ao ex-marinheiro: os encarregados da cozinha aguardavam de seu Chico a permissão para se aproximar, falavam em voz baixa, ouviam seus conselhos e retiravam-se. Estava claro que, da marcenaria, seu Chico comandava a Cozinha Geral. (VA RELLA, 2005, p. 222)
Nego Preto também é uma espécie de juiz das desavenças internas. É ele quem decide coisas como negociação de dívida, escavação de túneis e autorização para matar alguém lá dentro.
MÉDICO Dorme bem? NEGO PRETO Difícil... a cabeça não pára. É um que qué acertá uma bronca da rua, outro qué cobrá uma dívida, outro qué cavá um túnel... e assim vai o dia inteiro. MÉDICO E o juiz aí ainda tem muita cadeia pra tirar? NEGO PRETO Tem mais uns anos. (…) NEGO PRETO E essa dor? MÉDICO Olha Nego Preto, teu problema é stress, doença de executivo.
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Na obra literária, a personagem Bolacha é uma das que tem essa função de “juiz” interno. O estresse causado por essa responsabilidade de decidir o destino de alguém também é compartilhado por Nego Preto e Bolacha.
Na enfermaria, atendi dois deles com sintomas visíveis de estresse, como se fossem altos executivos de multinacional ou, como prefere dizer o Bolacha, como se fossem juizes de direito: - Já acordo cheio de problema: é o cara que quer acertar uma bronca da rua, um que precisa matar o pilantra, cavar um túnel, cobrar divida, o outro que ouviu uma palavra mal colocada, e vai assim até a tranca. Precisa apaziguar tanta zica, doutor, que pareço pai de família, só acalmo de noite, depois que todos fora m para a cama. Na verdade, nas fases mais agitadas do pavilhão, nem na cama Bolacha tinha sossego: - No silêncio da noite, a mente trabalha solitária porque a decisão final é minha e dela depende a sorte de um ser humano. Sou o juiz do pavilhão. (VARELLA, 2005, p. 104)
Em uma dessas negociações sobre vida ou morte, Zico pede a Nego Preto que o autorize a matar Ezequiel, que está em dívida com ele. Nego Preto, então, como bom juiz, tenta ponderar a situação.
ZICO Nego, tô com um problema prá gente debatê. NEGO PRETO O problema tem nome? ZICO Ezequiel. Diz que vai pagá, não paga e pede mais fiado. Chega no meu barraco, sobe a vóis... Qualé?! NEGO PRETO E tu? ZICO Eu? Se não recebo, não tenho como pagar o Majestade. Nego, quero permissão pra matá esse pilantra. Se eu deixo por isso mesmo, perco o respeito co's companheiro. NEGO PRETO Calma. Vou mandá dizê ao Ezequiel que ele arrume o teu dinheiro com a família. Se ele não pagar, aí você tá liberado.
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Essa situação teve origem na história de Bolacha, um dos detentos que decidiam sobre o que se podia ou não fazer no presídio. No livro, também é Zico quem pede autorização para Bolacha. Uma vez, Zico, com fama de bandidão na Vila Guaram, reconheceu a fisionomia de um recém-chegado no pavilhão Nove e foi conversar com o encarregado-geral, um negro de lábios grossos conhecido como Bolacha, ladrão de longa carreira: - Quero pedir licença para dar uma lição nesse pilantra. É estuprador, abusou da amiga da minha irmã, lá na vila! (VARELLA, 2005, p. 101)
As características físicas de Nego Preto, que era negro, provavelmente tiveram sua origem em Bolacha e em sua personagem homônima, Nego-Preto (diferindo apenas pelo acréscimo do hífen). A personagem literária também servia como um juiz interno e era respeitado pelos dema is detentos. Nesse momento, veio pela galeria um rapaz escuro e parou a um metro da rodinha. Sua aproximação foi precedida pelo silêncio dos outros: - Não acredito que vocês estão debatendo um problema desses na presença do médico. Onde nós estamos? A interferência dele acabou com a discussão. Um a um, os debatedores se dispersaram. No final do ambulatório mandei chamar o rapaz que acabou com a briga. Nego-Preto a seu dispor, disse ele. Pedi-lhe que interviesse para evitar violência contra o Arnaldo. Respo ndeu que eu podia ficar tranqüilo, a situação já estava resolvida. Depois disso, sempre aparecia para conversar, contava casos da cadeia e falava das preocupações com a família, principalmente com o filho mais velho, adolescente sem juízo, que não obedecia à mãe. (VARELLA, 2005, p. 252253)
No fim do filme, pode-se ver o filho de Nego Preto aparecendo no Carandiru, agora como detento, e encontrando seu pai. Esta seria uma conseqüência da preocupação sentida pela personagem literária homônima. Antes de ser preso, Nego Preto assaltava junto com seus comparsas Escovão e Gordo. Após seu último assalto, que foi a uma joalheria em um shopping, Nego Preto seria preso devido a uma desavença na hora da partilha dos bens. MÉDICO E cê entrou aqui por quê? NEGO PRETO Legítima defesa.
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MÉDICO Agora isso dá cadeia? NEGO PRETO No meu caso deu. Veja a minha história, doutor. Era natal, sininho tocando, neve nas vitrine! Combinamo eu, o Escovão e o Gordo de fazê uma joalheria num shopping. Foi um assalto bonito, num demo um tiro. Problema foi depois...
O mesmo ocorre no livro, onde sua personagem homônima Nego-Preto é assaltante e acaba preso após uma desavença na hora da divisão das jóias.
A prisão de Nego-Preto ocorreu após uma sucessão de acontecimentos a partir de um as salto a uma joalheria da Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo: (VARELLA, 2005, p. 253)
No momento da partilha, Escovão vai ao banheiro e, quando volta, está com uma mão encoberta pelo paletó. Nego Preto desconfia que ele esconde uma arma na mão e o mata. Gordo, então saca sua arma e a aponta para Nego Preto. Ele revela que havia planejado com Escovão matá- lo para ficarem com a parte dele da partilha. Porém, Gordo não tem coragem de matá- lo. No entanto, quando Nego Preto vai verificar a mão de Esco vão, percebe que ele estava desarmado.
NEGO PRETO Seu vacilão de merda! No meio da partilha tu me aparece de mão coberta?! NEGO PRETO (CONT'D) Ele morreu por culpa dele. NEGO PRETO (CONT'D) Que porra é essa? GORDO Tu matô ele no afobo mesmo... mas o combinado era eu te acertá, pra nóis ficá com a tua parte. NEGO PRETO Então atira... (pausa)
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...atira logo! GORDO Num consigo, porra. NEGO PRETO Me dá teu ferro.
(…)
NEGO PRETO Pô doutor, traição por crocodilage é a coisa mais feia. É um Judas que age assim, é a pessoa que guspiu na cara de Jesus!
No livro, esta passagem provavelmente teve sua origem em uma mistura de situações vividas por duas personagens: Nego -Preto e Valente. Como mencionado, Nego-Preto, personagem literária, era assaltante e havia feito um roubo a uma joalheria. Quando ele foi fazer a divisão das jóias com seus comparsas, Escovão e Marlon, percebeu que Escovão levava a mão no revólver. Acreditando que Escovão estava com a intenção de matá-lo, rapidamente, atira nele. Marlon, então, revela que o plano era matar NegoPreto para dividirem as jóias entre eles dois.
No barraco, mal começou a partilha, Nego-Preto teve uma surpresa desagradável: - Nesse intuito, que eu estou de cabisbaixo, olho de esguelha e, quem diria, ó, o Escovão está com a mão no revólver do cinto! Só que estava meio desesperado, olhando para a direita e para esquerda, onde que eu se aproveitei deste pequeno descuido e sapequei ele. Questão de sobrevivência, se não sapeco, sapecado seria eu. Foram três tiros. Escovão não teve tempo para revidar; do jeito que estava, ficou. Imediatamente, Nego-Preto voltou a arma para o peito de Marlon: - Ele podia estar de piolhagem com o Escovão ou, então, tomar a liberdade de discordar da minha atitude. Nem uma, nem outra; Marlon permaneceu estático, com os olhos assustados. Então, Nego-Preto quis saber: - Por que você ficou quietinho enquanto eu dei os tiros nele? - Porque ele já tinha me ligado, que ia te matar para dividir a parte de você. A resposta deixou Nego-Preto perplexo: - Pô, você sabia que o cara ia apertar eu e ficar com todo esses baratos aí, sendo que nos três estamos igual na fita e se um vai para a cadeia os outros dois vão junto! Você podia ter evitado este acontecimento lastimável, ter dialogado com ele para ele não tomar uma atitude feia dessas. (VARELLA, 2005, p. 253-254)
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Embora todo o resto da história sobre o assalto tenha mais relação com Nego-Preto, esta passagem em especial sobre a divisão do que roubaram na joalheria teve origem em situação vivida pela personagem literária Valente. A descrição do ocorrido é bem mais semelhante à situação vivida por Valente. Valente conta que sua sétima vítima foi assassinada em uma partilha após um assalto. Um de seus comparsas resolveu ir ao banheiro e voltou com a mão encoberta por uma jaqueta. Neste caso, tratava-se de dinheiro e não de jóias.
A sétima ocorreu na divisão de 30 mil dólares roubados em companhia de dois parceiros. Estavam repartindo o dinheiro quando um deles teve a má idéia de ir ao banheiro: - Fiquei esperto, porque olho de ladrão cresce mais do que devia. Quando o comparsa saiu do banheiro, trazia a jaqueta de couro no braço, cobrindo parcialmente a mão direita. Valente não hesitou: - Catei o revólver da mesa e dei três tiros nele. Desperdício, o primeiro acertou bem no meio das vistas. O outro companheiro se assustou: - Você está louco, matou o cara! - Ele ia atirar em mim. Foram até o corpo, levantaram a jaqueta e verificaram que o morto não tinha nada nas mãos, o revólver permanecia na cinta. Paciência, o amigo consolou: - Morreu por culpa dele próprio: a mesa cheia de dinheiro e ele aparece assim, por detrás, ainda com a mão encoberta! Infelizmente, ele vacilou. (VARELLA, 2005, p. 276)
No final do filme, quando a polícia invade o Carandiru, Nego Preto e seu filho estão abraçados, em sua cela. Quando um soldado entra em sua cela, eles estão sentados na cama e assustados. O soldado não os mata, mas arranca uma correntinha que Nego Preto tem no pescoço, como punição pelos roubos que ele havia cometido.
SOLDADO 4 (arrancando uma correntinha de ouro de Nego Preto) Aí ladrão, vê se é bom fazê isso com os outro...
Esta parte da história de Nego Preto tem origem na história de Chico Heliópolis, no livro: sua correntinha de ouro é roubada por um policial dentro do presídio, durante a invasão que culminou no massacre.
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Quietinho, preocupado apenas em preservar a vida, Chico Heliópolis, ladrão da favela de mesmo nome, perdeu corrente de ouro e a santa protetora que ganhou da madrinha na primeira comunhão: - O PM abaixou do meu lado: vê se é bom fazer isso com os outros, seu vagabundo, e arrancou a correntinha do meu pescoço. (VARELLA, 2005, p. 292)
Portanto, pode-se notar várias origens para a história de Nego Preto. Seu Chico, NegoPreto, Bolacha, Chico Heliópolis e Valente contribuíram para a história da personagem cinematográfica. As características físicas originaram de Nego-Preto e Bolacha, e as psicológicas, somente de Bolacha. Assim, temos Nego-Preto como personagem dominante, Bolacha como secundária e Seu Chico, Chico Heliópolis e Valente como personagens de apoio.
2.7 Seu Chico Quase nada se sabe sobre o passado de Seu Chico. É, provavelmente, a personagem que menos conversa com o Médico sobre sua vida, embora demonstre ser um senhor sábio. Vive isolado dos demais detentos e usa isso como estratégia de sobrevivência dentro do presídio. Nunca recebe visitas. MÉDICO Seu Chico, e o senhor tá aqui por quê? SEU CHICO Doutor, o senhor querer ouvir outra mentira? Aqui dentro ninguém é culpado. O senhor ainda não percebeu isso? MÉDICO E ainda fica muito por aqui? SEU CHICO Já passei da idade de ganhá a liberdade, mas tô na mão do juiz. Ah, doutor, não vejo a hora... A melhor coisa na cadeia é sair dela! MÉDICO E deixar os amigos, Seu Chico? SEU CHICO Amigos? Eu não quero amigo preso!
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SEU CHICO Eu acabo essa conversa com o senhor, fecho a porta e pronto. Aqui dentro a gente tem que andá é sozinho. No máximo , acompanhado de Deus.
Na obra literária, a personagem Seu Jeremias é a que deu origem a esta maneira de se comportar de Seu Chico. Ele é conhecido no presídio por estar lá já há muitos anos, mas usa a solidão como estratégia de sobrevivência. Seu Jeremias também não gosta de falar sobre seu passado.
Seu Jeremias é daqueles homens que jogaram uma pá de cal sobre o passado. Nunca tive coragem de perguntar-lhe a respeito da vida no crime; ele tampouco deu tal liberdade. (VARELLA, 2005, p. 244) Para ele, solidão é estratégia de sobrevivência: - Posso morrer de doença, mas assassinado na cadeia, não. Acabo a conversa com o senhor, vou direto para o xadrez e fecho a porta. Não confio em ninguém e não tenho amigo nenhum; amigo preso, eu não quero; que é isso! Muitos me conhecem, estou aqui há tantos anos; opa, opa, vou passando. Na cadeia, tem que andar sozinho, e Deus. Isto aqui, é pisar em casca de ovo! (VA RELLA, 2005, p. 245)
Seu Chico era pai de 18 filhos, mas nenhum ia visitá- lo. Até que, um dia, recebe um telefonema de uma de suas filhas, ela diz que quer visitá- lo, pois não se lembra mais de seu rosto.
SEU PIRES Eu não sabia que cê tinha família, velho. SEU CHICO Eu achava também que tinha perdido ela. Todo uma vida preso, mesmo assim eu criei dezoito filho e nenhum deles pisô numa delegacia. Essa menina é minha caçula. Ela disse que não se lembra mais do meu rosto e decidiu vim me visitá. Eu queria que o senhor autorizasse eu encontrá co'ela fora do dia da visita . Não quero filho meu no meio da malandragem... SEU PIRES Assim, o senhor me complica. E se os outros sete mil me pedem a mesma coisa?
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Na obra literária, é sua personagem homônima que vive a situação de haver sido abandonado pela mulher e sente falta dos filhos, mas não os quer ver ligados ao crime.
Foi abandonado pela mulher, ingrata, filha de família que não presta, responsável pela entrada dele no mundo do crime, segundo sua opinião. Cumpre quinze anos de uma pena de 44. Sofre saudades dos filhos mas se conforma, acha até bom não virem para não freqüentar o ambiente da cadeia. (VARELLA, 2005, p. 217)
No entanto, é Seu Jeremias que tem dezoito filhos na obra literária.
Seu Jeremias fugiu da seca na Bahia nos anos 40 e desembarcou na Estação da Luz, recém-casado; ela com um lencinho na cabeça, morta de frio, e ele com os pertences do casal na mala de papelão. Tiveram dezoito filhos, que lhes deram 32 netos e sete bisnetos. (VARELLA, 2005, p. 243)
Um dia, Seu Chico agride um dos carcereiros, após haver esperado a visita dos filhos, que não apareceram. Ele, então, é levado para solitária, onde passa 30 dias. Ao sair, recebe a visita do Médico.
SEU CHICO Precis a não, doutor. Tantos ano preso, a mente aprende a dominá o corpo.
Seu Jeremias, personagem literária, é quem compartilha deste episódio com Seu Chico. Também pode-se perceber, que as características físicas de Seu Chico (negro e idoso) têm origem em Seu Jeremias. Seu Jeremias desentendeu-se com um funcionário e pegou trinta dias na Isolada. Fui visitá-lo com o Waldemar Gonçalves. Pelo guichê da cela escura, mal pude discernir suas feições de negro velho e a carapinha grisalha. Quando saiu, veio agradecer a visita. Estava magro e tinha os olhos tristes. Sua figura, no entanto, transmitia uma força de caráter que lembrava meu pai. - Para quem passou um mês na tranca brava, o senhor até que está bem. - Tantos anos preso, doutor, a mente aprende a dominar o corpo. (VARELLA, 2005, p. 243)
Sendo assim, pode-se encontrar as origens da personagem Seu Chico em sua personagem homônima e em Seu Jeremias. Como personagem dominante, tem-se Seu Jeremias e, como secundária, Seu Chico, que também deu origem ao nome da personagem cinematográfica.
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2.8 Ezequiel Ezequiel era apaixonado por surfe e viciado em crack. Era um jovem adulto, magro, negro, com cabelos descoloridos. As características físicas de Ezequiel provavelmente tiveram origem em Sarará, única personagem negra com cabelos loiros.
Uma vez tentei reunir alguns líderes da malandragem para lhes propor a adoção de tal medida. Fui desanimado pelo Sarará, um negro loiro com muitas passagens pela Casa: - Não tem chance de dar certo, doutor. O viciado fica devendo 20 reais e entrega a televisão por esse preço. Dá muito lucro. (VARELLA, 2005, p. 139)
Por conta do vício, vive em dívida no Carandiru. Como quase nada lhe restou, tenta comprar drogas fiado de Zico, com quem já tem dívida.
ZICO Como é que é? Veio acertá tua dívida? EZEQUIEL Pô, mano, no momento, Ezequiel tá meio prejudicado. Aí ele pensô: "pô, o Zico é chegado, vai aceitá a prancha de garantia pela dívida". Aí, o Ezequiel pode fiar mais uma pedrinha de crack. ZICO Pensô errado. (…) Paga o que tu deve!
Com a morte de Zico, esfaqueado por vários detentos, Majestade procura Ezequiel, que era devedor de Zico, para que ele assumisse a culpa. Majestade lhe faz uma proposta que lhe foi irrecusável: uma cela só para ele, com roupa lavada e drogas para consumir. Ezequiel logo se desinteressa pela liberdade que viria em dois anos, pois estava com AIDS e sem dinheiro.
MAJESTADE Ô Ezequiel, tu não acha que aquele sem vergonha do Zico é o culpado pela tua desgraça?
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EZEQUIEL Acho, mas a vida do Ezequiel sempre foi cheia de desgraça. MAJESTADE E não foi o Zico que fez o Ezequiel oferecê a irmã pra pagá droga? EZEQUIEL Foi. Fazê o quê? MAJESTADE (mostrando a faca) Parece esquecido. Tu já fez. Ezequiel furô o Zico. Mais de trinta furo. EZEQUIEL Ô Majestade, só falta dois ano pro Ezequiel saí. Se eu fizé isso, vou amarrá vinte. MAJESTADE Dois anos, vinte anos. Que diferença faz pro Ezequiel? Tá com AIDS. Pelo menos, tu vai tê uma cela só pra ti, roupa lavada e, é claro, pedra pra fumá.
No livro, Alfinete é quem assume a culpa por um assassinato cometido por seis detentos, no qual não estava envolvido, para saldar sua dívida com um traficante. Enquanto, no filme, Ezequiel devia para Zico, que foi assassinado, no livro, Alfinete assume a culpa por um assassinato cometido pelo seu credor e mais outros detentos. Ele também recebeu privilégios por isso.
No pavilhão, usuário contumaz, consumiu 60 reais alé m de suas posses. Um dia, o credor chamou-o no xadrez: - Alfinete, já faz uns dias que você me deve. Vai pagar quando? - Neste momento, estou justamente sem condições, devido que a minha mãe não veio na visita, porque se encontra no hospital com a minha irmã que tomou um tiro no peito, na mesma fita em que o meu cunhado foi chacinado... O outro o interrompeu: - Alfinete, é o seguinte: no final da tarde, vai aparecer um finado na rua Dez do quarto andar. Você desce para a Carceragem e se apresenta. Diz que o cara ofendeu a senhora tua mãe que está no hospital, cuidando da filha viúva. Alfinete assumiu a autoria do crime, na verdade cometido por seis detentos... (…) - Para mim não faltava nada, que os companheiros levavam comida, baseado para fumar e até pinga para criar coragem de encarar a quentinha. (VARELLA, 2005, p. 149)
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Ezequiel, personagem cinematográfica, teve em Sarará a origem de suas características físicas. Sua história é compartilhada por Alfinete no livro e seu nome vem da personagem Ezequiel dos Santos, que não contribui com nada além do nome. Portanto, tem-se Alfinete como personagem dominante e Sarará como personagem de apoio.
2.9 Peixeira O matador de aluguel Peixeira é, das personagens principais, provavelmente, a com menos correspondência na obra literária. Não há personagem com mesmo nome ou nome similar e nem semelhança física. Também não é mencionado nenhum assassino profissional. No entanto, a parte mais comovente da história de Peixeira teve origem na personagem literária Valente. Peixeira, um dia, começa a duvidar de sua vida como matador de aluguel e começa a sentir remorso por suas vítimas. Em um dia de chuva, desorientado, sai ao pátio, onde avista uma pequena igreja evangélica. Ele se aproxima, confuso, e chega à igreja no meio do culto. O pastor percebe o recém-chegado e lhe convida a aceitar a vida religiosa para si. Chorando, ele se ajoelha e concorda.
PASTOR (para Peixeira) Entra, irmão. Entra. Vem. Você sabia que o Senhor tem um plano pra você? Essa é a tua casa. PASTOR (CONT'D) Você está perdido, irmão. Você não sabe, mas foi Ele quem te trouxe aqui. PEIXEIRA Ele quem, pastor? PASTOR Jesus! PASTOR (CONT'D) Ele sabe que você não dorme se não faz um mal a alguém, que você perde o sono quando não consegue fazer alguém tropeçar. Não tem sido assim todo os dias, irmão?
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Vamos, não tem sido assim todos os seus dias? PEIXEIRA Foi, pastor. Foi sim. Tem tanto sangue comigo, pastor. PASTOR Vamos, irmão, dobra o joelho. Vamos, d obre o joelho. Você quer aceitar Jesus? Vamos! Você quer aceitar Jesus? Você quer aceitar Jesus? Vamos, irmão! Você quer aceitar Jesus? Quem aqui já aceitou Jesus? TODA A AUDIÊNCIA Eu! PASTOR (CONT'D) Aleluia, senhor! Aleluia! TODA A AUDIÊNCIA Aleluia! Aleluia! Aleluia! PEIXEIRA Aleluia, senhor.
Na obra literária, Valente chega até a igreja para se abrigar da chuva e, ao ouvir o culto, resolveu entrar. Sentiu que ouvia palavras divinas e se arrependeu de seus crimes.
Então, veio um dia de chuva. Para se abrigar, ele encostou na parede junto à igreja, no térreo do Nove e, sem querer, ouviu a pregação do pastor: - A Bíblia diz em Isaías capítulo 9, verso 6, que Jesus Cristo é o Conselheiro, é o Deus forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz. Você que vive na vida errada, Deus tem um plano para você. Venha hoje para Jesus, que amanhã pode ser tarde. Não importa se é bandido, quantos matou, Jesus Cristo faz questão de perdoar você com todos os teus pecados, te tirar das trevas e operar uma obra na sua vida. Valente chegou um pouco para dentro. Sentiu que o Espírito Santo de Deus falava pela boca do pastor: - Quem quer aceitar Jesus? Quem quer levanta a mão! As veias do pescoço do pregador saltaram e os olhos cuspiram fogo. Valente achou que a fisionomia estava desfigurada pelo Espírito Santo de Nosso Senhor. Sentiu um punhal frio penetrar-lhe a carne. Levantou o braço: - Dobra o joelho, irmão! Valente obedeceu e caiu no choro: -Arrependi dos crimes, da raparigagem e das maldades. Chorei feito nenê no colo da mãe. Quando levantou, estava desanuviado. Sentiu o perdão do Senhor pousar em sua fronte. (VARELLA, 2005, p. 277-278)
A única origem da personagem Peixeira é Valente, embora as características físicas e psicológicas e nem toda a história de Valente tenha dado origem a Peixeira, nenhuma outra
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personagem teve algo em comum que pudesse ser identificado como sua origem. Também não houve origem para seu nome na obra literária.
2.10 Médico O Médico, que não tem nome e é identificado simplesmente como Médico na obra cinematográfica, chega à Casa de Detenção de São Paulo para tratar os detentos e alertá-los sobre o perigo da AIDS. O Médico, chamado de doutor pelos detentos e pelos funcionários, atende em um consultório improvisado, onde colhe sangue para os testes de HIV com a ajuda de dois detentos. Sem Chance é seu enfermeiro e Lula faz pequenas operações. Ao chegar ao presídio, Seu Pires, o diretor, lhe mostra o local e expõe a situação do presídio, enquanto o Médico lhe explica qual trabalho planeja fazer.
MÉDICO Seu Pires, esse pessoal faz o quê o dia todo aqui? SEU PIRES Esses aí ficam zanzando o dia inteiro. Acham que estão ocupados, mas não vão a lugar nenhum. Doutor, são sete mil homens na cadeia. Só aqui neste pavilhão são 1800. MÉDICO Seu Pires, se eles entenderem como é que se pega AIDS pra mim já é um adianto. Eles pegam a doença é aqui dentro, depois transam com a mulher, namorada... daí a epidemia não pára mais. SEU PIRES Quem vai ouvir seus conselhos, doutor, é o malandro de verdade. Aquele que quer sair inteiro daqui, pra assaltar de novo lá fora. Essa é a vida dele. MÉDICO Que seja. Mas agora eles estão é vivendo n o foco da doença, Seu Pires. Estão presos aqui. SEU PIRES Presos? São os donos da cadeia, doutor. Isso aqui só não explode por que eles não querem.
Na obra literária, o narrador é quem vai até o presídio conhecido como Carandiru para tratar e alertar os detentos sobre a AIDS, que se encontrava em fase de pré-epidemia na Casa.
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Uma manhã de inverno, subi até o quinto andar do pavilhão Quatro para acertar os detalhes com o dr. Mário Mustaro, o chefe do serviço médico da Casa, por coincidência meu ex-professor de bioquímica na faculdade. Falamos da burocracia interna, das patologias mais prevalentes e conheci meu primeiro enfermeiro... (VARELLA, 2005, p.80)
Em um determinado momento, no filme, o Médico se encontra em uma situação delicada: o porteiro noturno não o reconhece e ele fica apreensivo com a possibilidade de ter de passar a noite dentro do Carandiru. PORTEIRO NOTURNO Quem é você? MÉDICO Sou o médico, tava na enfermaria coletando sangue, pode perguntar aí... PORTEIRO NOTURNO Epa! Querer dizer pra quem eu tenho que perguntar. Eu vou ligar lá no plantão. Espera aí. Se ninguém te conhecer, cê fica aí, hein, malandro. (…) PORTEIRO NOTURNO Não me leva a mal, doutor. A cara deles é fugir e a minha é não deixar.
Esta mesma situação é vivida pelo narrador na obra literária. Em ambas as obras, o malentendido é desfeito e ele é liberado para sair do presídio.
Saí do pavilhão, cruzei a Divinéia e bati no portão que leva à portaria. Através da janelinha, o porteiro da noite me mediu de alto a baixo. - Quem é você? - Sou médico, estava atendendo no Quatro. Encarou-me outra vez, demoradamente, depois abaixou o olhar na direção da minha calça: - É o seguinte: eu vou falar com o plantão, e se ninguém te conhecer, você fica. - Sou médico, pode perguntar para o funcionário que me abriu a gaiola do Quatro. - Não é você que vai me dizer para quem eu devo perguntar. Espera aí. Desconfiado, olhou fixo nos meus olhos e saiu sem pressa na direção da Ratoeira. (…) No final dei sorte, o porteiro voltou com um funcionário que me conhecia e se desculpou: - Não leva a mal, doutor, são 7 mil aí dentro. A minha cara é desconfiar! (VARELLA, 2005, p. 88-89)
174
No final do filme, após o massacre, o Médico relata sua experiência com os detentos, vistos, por ele, simplesmente como seres humanos que precisam de atendimento médico. Ele deixa claro que seu papel ali não era julgar.
MÉDICO (OFF) No final dos anos 80, um trabalho de prevenção à AIDS entre a população carcerária me levou à Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. MÉDICO (OFF) Ali dentro, ouvi estórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e, na convivência, penetrei alguns mistérios da vida no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico.
Curiosamente, este mesmo relato é feito pelo narrador (Drauzio Varella) no começo do livro, na Introdução, e em um capítulo da primeira parte da obra literária (o livro foi dividido em três partes, separadas pelas fotos). Porém, pode-se perceber que a informação passada é a mesma, apesar de feita em momento diferente.
Duas semanas depois, procurei o dr. Manoel Schechtman, responsável pelo departamento médico do sistema prisional, e me ofereci para fazer um trabalho voluntário de prevenção à AIDS. (…) O trabalho começou em 1989 e dura até hoje. (…) fizemos pesquisas epidemiológicas sobre a prevalência do HIV, organizamos palestras, gravamos vídeos, editamos a revista em quadrinhos O Vira Lata (…), e atendi doentes. Com os anos, ganhei confiança e pude andar com liberdade pela cadeia. Ouvi histórias, fiz amizades verdadeiras, aprendi medicina e muitas outras coisas. Na convivência, penetrei alguns mistérios da vida no cárcere, inacessíveis se eu não fosse médico. (VARELLA, 2005, p. 9-10)
A última fala do filme, que também é do Médico, faz menção à sua sensação ao ouvir o barulho do portão de entrada, que lhe trazia lembranças dos filmes de prisão.
MÉDICO (OFF) Ainda hoje, quando o portão de ferro bate às minhas costas, sinto um aperto na garganta, igual ao daquelas matinês no Cine Rialto, onde eu assistia eletrizado os filmes de cadeia em branco e preto.
175
A forma como a obra cinematográfica é terminada é igual a como a obra literária começa: o Médico/Narrador remetendo-se aos filmes de cadeia da infância. Tem-se uma inversão total: a última informação do filme tem origem na primeira informação do livro.
Quando eu era pequeno, assistia eletrizado àqueles filmes de cadeia em branco e preto. Os prisioneiros vestiam uniforme e planejavam fugas de tirar o fôlego na cadeira do cinema. Em 1989, vinte anos depois de formado médico cancerologista, fui gravar um vídeo sobre AIDS na enfermaria da Penitenciária do Estado, construção projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo nos anos 20, no complexo do Carandiru, em São Paulo. Quando entrei e a porta pesada bateu atrás de mim, senti um aperto na garganta igual ao das matinês do cine Rialto, no Brás. (VARELLA, 2005, p.9)
Como no livro Drauzio Varella se coloca no papel de narrador, ao invés de uma personagem fictícia, uma vez que se trata de um relato de sua experiência e não de uma obra de ficção, pode-se encontrar a origem do Médico, personagem cinematográfica, no próp rio Drauzio , ao relatar sua vivência na Casa de Detenção de São Paulo. Portanto, tem-se o Narrador (Drauzio Varella) como personagem dominante e única de origem do Médico.
176
Por fim, pode-se sintetizar estes dados da seguinte maneira:
TABELA 24 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS Personagem
Características
Características
físicas
psicológicas
História
Personagens de origem
Jovem da periferia, que luta para não Recluso e tímido,
Deusdete
Aparência de
resiste em se
aproximadamente
envolver com os
20 anos, branco,
demais detentos e,
magro, tem
freqüentemente,
cabelos curtos e
aparece lendo na
negros.
cela.
entrar na vida de crimes. É preso após assassinar os agressores da irmã Francineide. Na
Deusdete, Gersinho.
prisão, encontra o amigo de infância Zico, que acaba assassinando-o com uma panela de água fervente. Criado pela mãe de
Zico
Aparência de no
Inquieto e
máximo 30 anos,
hiperativo, devido
branco, tem
ao constante
cabelos curtos, geralmente
consumo de crack. Inseguro,
ocultos por uma
demonstra-se
touca de meia de
piedoso com um
seda.
devedor.
Deusdete, se envolveu com o crime cedo. Viciado em crack, que o leva a matar o amigo de infância durante uma alucinação. É morto a facadas por vários presos.
Zico, Mané de Baixo, Juscelino, Ôrra Meu.
177
Conhece sua primeira mulher, Malandro com gingado, Aparência de 40 e poucos anos, Majestade
negro, de cabelos
orgulhoso de seu poder e por desfrutar do amor de suas duas
curtos e um pouco acima do peso.
mulheres. Carismático, sempre conta vantagem em suas histórias.
Dalva, numa partida de futebol, onde o noivo dela
Majestade,
joga. Foge com ela
Kenedi
e a pede em
Baptista dos
casamento, mas
Santos,
seus pais não
conhecido
aceitam por ele ser
como Zé da
negro. Casado com
Casa Verde,
Dalva, conhece
Charuto.
Rosirene, uma prostituta, com quem também constitui família. Ajudante do Médico na enfermaria, que se
Sem Chance
Aparência de 30
Uma espécie de
encanta pelo
e poucos anos,
“filósofo”, é um
travesti Lady Di,
branco, magro,
detento escolado,
com quem se
Sem-Chance,
baixinho, tem
de boa
“casa” dentro do
Edelso.
cabelos curtos e
argumentação e
presídio. Sonha em
encaracolados.
sonhador.
abrir o próprio consultório médico quando ganhar sua liberdade.
178
Sonhador e
Travesti que teve
Aparência de 20
delicado. Sua
mais de 2 mil
e poucos anos,
carência se
parceiros, tinha
branco, travesti,
demonstrava pelos
problemas com
alto, de cabelos
vários
seus pais, que não
negros em estilo
relacionamentos
aceitavam a vida
chanel e de
que teve.
que escolheu. No
presença
Realizou-se
Carandiru, se
marcante.
quando encontrou
“casa” com Sem
o amor.
Chance.
Lady Di
Sheila, Leidi Dai, Raimundo da Silva, conhecido como Loreta, Pérola Byington, Margô Suely.
Traído pelos Um líder,
Nego Preto
Aparência de 50
assumindo papel
e poucos anos,
de juiz interno. É,
negro, de
antes de tudo, um
bigodes, de
pacificador,
cabelos curtos e
desenvolvendo,
negros.
por conta disso, estresse.
comparsas, foi preso por assassinato e se
Nego-Preto,
tornou o chefe da
Bolacha, Seu
Cozinha Geral no
Chico, Chico
Carandiru. Tudo
Heliópolis,
que ocorre lá
Valente.
dentro deve passar por ele e deve ter sua autorização.
179
Apaixonado por balões, é pai de 18
Seu Chico
Aparência de
Calmo e
filhos, mas nenhum
aproximadamente
reservado, era um
vai visitá- lo. Já
60 anos, negro,
senhor triste e
cumpriu parte da
tem cabelos
solitário pela
sentença e está na
curtos e
distância da
dependência do
encaracolados,
família, que não o
juiz dar sua
acima do peso.
visitava.
liberdade. Vive
Seu Chico, Seu Jeremias.
isolado dos demais detentos. Por conta de uma dívida, quase acaba Aparência de 20 e poucos anos, negro, magro, Ezequiel
tem cabelos curtos descoloridos. Tem AIDS.
Ingênuo e submisso, vive à mercê dos outros detentos por conta de seu vício de crack.
morto. Sem perspectiva por conta da doença e para ganhar privilégios, acaba assumindo a autoria de um assassinato que não cometeu.
Ezequiel dos Santos, Alfinete, Sarará.
180
Matador de aluguel, encontra o filho de uma de Assassino
suas vítimas que
destemido e frio.
quer vingança no
Tem uma
presídio. Depois de
reviravolta no
não conseguir
presídio, passando
matar um detento,
a se sentir culpado
começa a se sentir
pelos crimes,
culpado pelas
chegando a se
outras mortes. No
converter ao
fim, acaba entrando
evangelismo.
em uma igreja
Aparência de 30 e poucos anos, forte, com corpo Peixeira
malhado e tatuado. Careca, geralmente, usa touca de lã.
Valente
evangélica dentro do Carandiru e se converte. Médico que foi ao presídio para tratar
Médico
Calmo e paciente,
os detentos e tomar
Aparência de 40
é preocupado com
providências contra
e poucos anos,
o bem-estar dos
a pré-epidemia de
Narrador
branco, de
pacientes
AIDS. Ganhou a
(Drauzio
cabelos castanhos
independente dos
confiança dos
Varella)
e curtos, magro.
crimes que
detentos, que lhe
haviam cometido.
contavam suas histórias e lhe pediam conselhos.
181
Esta tabela pode ser subdividida em quatro partes, de acordo com os seguintes critérios:
1. Origem das personagens pelas características físicas;
TABELA 25 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS Personagem Deusdete
Características físicas Aparência de aproximadamente 20 anos,
Personagem de origem Gersinho
branco, magro, tem cabelos curtos e negros. Aparência de no máximo 30 anos, branco, Zico
tem cabelos curtos, geralmente ocultos por
-
uma touca de meia de seda. Charuto e Kenedi Majestade
Aparência de 40 e poucos anos, negro, de
Baptista dos Santos,
cabelos curtos e um pouco acima do peso.
conhecido como Zé da Casa Verde.
Aparência de 30 e poucos anos, branco, Sem Chance
magro, baixinho, tem cabelos curtos e
Sem-Chance
encaracolados.
Lady Di
Nego Preto
Aparência de 20 e poucos anos, branco,
Sheila e Raimundo da
travesti, alto, de cabelos negros em estilo
Silva, conhecido como
chanel e de presença marcante.
Loreta.
Aparência de 50 e poucos anos, negro, de
Negro-Preto e Bolacha.
bigodes, de cabelos curtos e negros. Aparência de aproximadamente 60 anos, Seu Chico
negro, tem cabelos curtos e encaracolados,
Seu Jeremias
acima do peso. Aparência de 20 e poucos anos, negro, Ezequiel
magro, tem cabelos curtos descoloridos. Tem AIDS.
Sarará
182
Aparência de 30 e poucos anos, forte, com Peixeira
-
corpo malhado e tatuado. Careca, geralmente, usa touca de lã.
Médico
Aparência de 40 e poucos anos, branco, de
-
cabelos castanhos e curtos, magro.
2. Origem das personagens pelas características psicológicas;
TABELA 26 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELAS CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS Personagem
Características psicológicas
Personagens de origem
Recluso e tímido, resiste em se envolver Deusdete
com os demais detentos e, freqüentemente,
-
aparece lendo na cela. Inquieto e hiperativo, devido ao constante Zico
consumo de crack. Inseguro, demonstra-se
Mané de Baixo
piedoso com um devedor.
Majestade
Sem Chance
Malandro com gingado, orgulhoso de seu
Kenedi Baptista dos
poder e por desfrutar do amor de suas duas
Santos, conhecido como
mulheres. Carismático, sempre conta
Zé da Casa Verde e
vantagem em suas histórias.
Charuto
Uma espécie de “filósofo”, é um detento
-
escolado, de boa argumentação e sonhador. Sonhador e delicado. Sua carência se Lady Di
demonstrava pelos vários relacionamentos que teve. Realizou-se quando encontrou o amor.
Pérola Byington e Raimundo da Silva, conhecido como Loreta.
183
Um líder, assumindo papel de juiz interno. Nego Preto
É, antes de tudo, um pacificador,
Bolacha
desenvolvendo, por conta disso, estresse. Calmo e reservado, era um senhor triste e Seu Chico
solitário pela distância da família, que não o
Seu Jeremias
visitava. Ingênuo e submisso, vive à mercê dos Ezequiel
outros detentos por conta de seu vício de
Alfinete
crack. Assassino destemido e frio. Tem uma reviravolta no presídio, passando a se sentir Peixeira
culpado pelos crimes, chegando a se
Valente
converter ao evangelismo. Calmo e paciente, é preocupado com o bemMédico
estar dos pacientes independente dos crimes
Narrador
que haviam cometido.
3. Origem das personagens por suas histórias.
TABELA 27 – ORIGEM DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS PELA HISTÓRIA Personagem
História
Personagens de origem
Jovem da periferia, que luta para não entrar na vida de crimes. É preso após assassinar Deusdete
os agressores da irmã Francineide. Na prisão, encontra o a migo de infância Zico, que acaba assassinando-o com uma panela de água fervente.
Deusdete
184
Criado pela mãe de Deusdete, se envolveu com o crime cedo. Viciado em crack, que o Zico
leva a matar o amigo de infância durante uma alucinação. É morto a facadas por
Zico, Mané de Baixo, Juscelino e Ôrra Meu.
vários presos. Conhece sua primeira mulher, Dalva, numa partida de futebol, onde o noivo dela joga. Foge com ela e a pede em casamento, mas Majestade
seus pais não aceitam por ele ser negro.
Kenedi Baptista dos Santos, conhecido como Zé da Casa Verde e
Casado com Dalva, conhece Rosirene, uma prostituta, com quem também constitui
Charuto.
família. Ajudante do Médico na enfermaria, que se encanta pelo travesti Lady Di, com quem se Sem Chance
“casa” dentro do presídio. Sonha em abrir o
Sem-Chance e Edelso.
próprio consultório médico quando ganhar sua liberdade. Travesti que teve mais de 2 mil parceiros, Lady Di
tinha problemas com seus pais, que não
Leidi Dai, Sheila e
aceitavam a vida que escolheu. No
Margô Suely.
Carandiru, se “casa” com Sem Chance. Traído pelos comparsas, foi preso por
Nego Preto
assassinato e se tornou o chefe da Cozinha
Nego-Preto, Seu Chico,
Geral no Carandiru. Tudo que ocorre lá
Bolacha, Valente e Chico
dentro deve passar por ele e deve ter sua
Heliópolis.
autorização. Apaixonado por balões, é pai de 18 filhos, mas nenhum vai visitá-lo. Já cumpriu parte Seu Chico
da sentença e está na dependência do juiz dar sua liberdade. Vive isolado dos demais detentos.
Seu Chico e Seu Jeremias.
185
Por conta de uma dívida, quase acaba morto. Sem perspectiva por conta da doença Ezequiel
Alfinete
e para ganhar privilégios, acaba assumindo a autoria de um assassinato que não cometeu. Matador de aluguel, encontra o filho de uma de suas vítimas que quer vingança no presídio. Depois de não conseguir matar um
Peixeira
Valente
detento, começa a se sentir culpado pelas outras mortes. No fim, acaba entrando em uma igreja evangélica dentro do Carandiru e se converte. Médico que foi ao presídio para tratar os detentos e tomar providências contra a pré-
Médico
epidemia de AIDS. Ganhou a confiança dos
Narrador
detentos, que lhe contavam suas histórias e lhe pediam conselhos.
4. Origem dos nomes das personagens.
TABELA 28 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS Personagem
Personagens de origem
Deusdete
Deusdete
Zico
Zico
Majestade
Majestade
Sem Chance
Sem-Chance
Lady Di
Leidi Dai
Nego Preto
Nego-Preto
186
Seu Chico
Seu Chico
Ezequiel
Ezequiel dos Santos
Peixeira
-
Médico
-
3. As personagens secundárias Mais do que personagens de apoio ou preenchimento da história e das ações, há certas personagens no enredo de Carandiru que dão sustentação e são de grande importância para as personagens principais, sem que ocupem lugar central nas ações.
3.1 NÚCLEO SEU PIRES Seu Pires
Imagem de Seu Pires interpretado por Antonio Grassi obtida na web.
Um homem calmo, assim era Seu Pires, o diretor da Casa de Detenção. Negociava com os detentos, como quando Seu Chico quis ver a filha fora do horário de visitas. Consciente de que teria que ser maleável para comandar um presídio com mais de 7 mil homens, deixa claro que está disposto a ajudar aqueles que respeitam a disciplina. O bom relacionamento do diretor com os detentos pode ser visto em vários momentos: Seu Pires sentado na barbearia do presídio enquanto o detento Barba faz a sua barba; ao acompanhar Se u Chico à solitária, nota-se um olhar entristecido do diretor, que comenta ao velho que ele mesmo havia procurado aquela situação ao agredir um guarda; seu bom coração é revelado ao atender o pedido de Seu Chico, dando- lhe, inclusive, mais tempo que o permitido
187
com sua filha. Durante a rebelião, é Seu Pires quem negocia com os detentos, que pedem que ele os salve, para que não haja invasão.
TABELA 29 – ORIGEM DE SEU PIRES Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem Na opinião do dr. Walter, que
Chegou a diretor-
Dr. Walter
começou ainda menino como
geral do presídio.
SEU PIRES
carcereiro, formou-se advogado e
Começou como
Presos? São os donos da
chegou a diretor-geral do
cadeia, doutor. Isso aqui só
presídio, para resolver o
não explode por que eles não
problema seria preciso transferir
querem.
todos os detentos, fechar a cadeia
carcereiro e depois se formou advogado.
e começar de novo: (VARELLA, 2005, p. 36)
Dr. Pedrosa
(andando sozinho com o
Pouco depois apareceu o dr.
Médico pelo presídio)
Pedrosa, diretor-geral do
Diretor- geral do
MÉDICO
presídio que, na época, andava
presídio, que
Seu Pires, esse povo não toma
sozinho pela cadeia inteira,
sol nunca? Isso aqui é um
prática que posteriormente cairia
mofo!
em desuso:
SEU PIRES
- Tudo bem, doutor? Na saída,
Alguém aí quer tomar um sol?
passa na minha sala para
Dar uma volta no pátio?
tomar um café. (VARELLA,
Respirar um ar puro?
2005, p. 279)
caminhava sozinho pelo presídio.
188
Dias depois seu Chico o procurou em tom grave:
Seu Pires
SEU CHICO
- Seu Pires, quero pedir um favor
Eu queria que o senhor
que faço questão de jamais
autorizasse eu encontrá co'ela
esquecer.
fora do dia da visita . Não
(…)
Diretor do
quero filho meu no meio da
- Queria que o senhor me
Pavilhão Oito, de
malandragem...
autorizasse a encontrar com eles lá fora, no coreto da Divinéia.
cabelos grisalhos. SEU PIRES
Não quero meus filhos dentro de
Assim, o senhor me complica.
uma cadeia.
E se os outros sete mil me
- Assim o senhor me complica.
pedem a mesma coisa?
Imagina se os outros 7 mil me pedem a mesma coisa. (VARELLA, 2005 p. 224)
3.2 NÚCLEO MAJESTADE Dalva
Rosirene
Imagens de Dalva interpretada por Maria Luísa Mendonça e de Rosirene interpretada por Aída Leiner obtidas na web.
Dalva, uma mulher loira, de pele bem branca, estava noiva quando conheceu Majestade em uma partida de futebol, na qual seu noivo jogava. Majestade a aborda, perguntando se ela acredita em amor à primeira vista e diz que se casará com ela. Dalva argumenta que ele nem a conhece, Majestade, então, começa a descrevê- la. Quando o noivo dela chega para ver o que está acontecendo, Majestade manda-o embora, mas ele tenta arrastar Dalva junto. Vendo que não se livrará dele facilmente, Majestade saca a arma e atira para o lado, o noivo sai correndo. Assim,
189
Majestade convence Dalva de que seu noivo não a ama de verdade e lhe diz para reunir a família no dia seguinte, pois a pedirá em casamento. No dia seguinte, na casa de Dalva, Majestade é confrontado pelo pai da noiva, que, por preconceito, não permite que eles se casem. Diante desta situação, percebendo que não receberá apoio para o casamento, ele saca a arma e ordena a todos que se juntem na sala de jantar; ele anuncia que se casará com Dalva de qualquer jeito. Os dois fogem. Um dia, já casados, Majestade e Dalva vão a um bar, onde dançam ao som do samba ao vivo. Lá, Majestade avista Rosirene, uma negra esbelta, por quem se encanta. Ele deixa Dalva dançando sozinha e vai conversar com Rosirene, que está consumindo drogas. Ele lhe diz para pegar o biquíni, pois vai levá- la à praia no domingo . Dalva chega para saber o que ocorre e começa a discutir com Rosirene, xingando-a. Majestade a leva embora. Ele conta ao Médico que dividia a semana entre as duas. Alugou um quartinho perto da antiga rodoviária para se encontrar com Rosirene, que era prostituta e não queria largar a profissão. Um dia, Majestade vê Rosirene saindo de um carro. Ela havia feito um programa com Farofa, amigo de Majestade. Furioso, ele a confronta, alegando que poderia sair com quem quisesse, menos com amigos dele. Ela revela que os dois estão fazendo planos para ir para Miami. Com raiva, Majestade sai correndo atrás dela com uma tocha na mão. Mesmo após ser preso, Majestade continua com a vida dupla, até que, em um dia de visitas, as duas mulheres dele aparecem. Ele tenta, mas não consegue evitar o encontro das duas, que dizem a ele que deve decidir com qual das duas quer ficar. Majestade tem três filhos com Dalva e um com Rosirene.
190
TABELA 30 – ORIGEM DE DALVA Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem A outra mulher
Rosane
de Charuto,
MAJESTADE
viciada em
(indicando uma das alianças)
crack. Mãe de
Essa daqui é da Dalva, minha
seu primeiro
princesa!
Agora, o grande eu não sei, porque ele vive com a Rosane, minha outra mulher... (VARELLA, 2005, p. 261)
filho. MAJESTADE Vem comigo... vou te pedi em casamento pros teus pais. DALVA Sai fora! Tu nunca me viu!
De pele branca
MAJESTADE
como a neve, é
Tá errada!
de uma família de bem, em Valda
DALVA Tô errada?! Você nem me conhece! MAJESTADE
Santana, que
Conheço sim. Sei que tu gosta de
nunca aceitou
calabreza... Sei que fica linda num
seu romance
vestido de florzinha...
com Zé da
(…) MAJESTADE (CONT'D)
Casa Verde por
Olha só que beleza de mistura!
ele ser negro.
Vam'tê um filho de cada cor. Te espero no carro... DALVA Você falou sério? MAJESTADE Como nunca na vida.
(…) Zé aproximou-se dela, na beirada do campo: - Levanta e vem comigo, que eu vou te pedir em casamento para os teus pais. -Você nem me conhece! Ele falou dela no baile, da pele alva que contrastava com o preto da sua e dos filhos misturados que nasceriam lindos, cada um numa cor. (…) Ela apareceu na janela do carro: -Você falou sério? - Como nunca na vida. (VARELLA, 2005, p. 227)
191
TABELA 31 – ORIGEM DE ROSIRENE Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem MAJESTADE Tu sabe quem é ele? ROSIRENE Sei! E daí?
Mulher de
MAJESTADE
Charuto,
Eu não te disse: "Se quisé se virá,
Uma noite, trombaram na Boca
se vira. Só não dá pra amigo meu
do Lixo e Rosirene confessou
que eu te quebro o pescoço!"
estar namorando um amigo dele,
lábios finos,
ROSIRENE
Mato Grosso, o dono das pedras,
nariz
Amigo teu, o Farofa?! Majestade!!?
e que os dois tinham planos de
empinado,
Tu é um pé de chinelo. E mais, ele
mudar para Ponta Porã.
ainda me disse que, quando separá
-Veja só, dando para amigo meu
da esposa, vai se muda comigo pra
e ainda os dois fazendo plano!
Miami! Ó, qué sabê? Tô indo!
(VARELLA, 2005, p. 264)
negra de
Rosirene
bunda de escola de samba.
(…) MAJESTADE Vê se pode doutor, dando pra amigo meu e ainda os dois fazendo plano!
Passista da
- Meu amor, que bom que você
Império da
veio, mas, infelizmente, não vou
Casa Verde. Um sorriso
Maria Luisa
MAJESTADE
poder te receber porque estou
Pô, meu amor, hoje não vai dá! É
trabalhando num conserto,
que a caldera estorô e o homem qué
devido que a caldeira estourou e
que
o conserto pronto até o fim do dia.
o homem quer tudo pronto até o
iluminava a
ROSIRENE
final que acabar a visita.
quadra
Ô Josué, nem na rua tu nunca
- Zé, você está é com aquela
inteira,
trabalhô. Vai me convencê que
vagabunda. Nem na rua tu nunca
na cadeia resolveu regenerá? Tu tá
trabalhou, vai me convencer que
é co'aquela branquela vagabunda!
na cadeia, dia de domingo, é que
parecia uma deusa de
resolveu regenerar?
ébano.
(VARELLA, 2005, p. 229)
192
3.3 NÚCLEO CLAUDIOMIRO
Dina
Claudiomiro
Antônio Carlos
Célia
Imagens de Dina interpretada por Leona Cavalli, de Claudiomiro interpretado por Ricardo Blat, de Antônio Carlos interpretado por Floriano Peixoto e de Célia interpretada por Vanessa Gerbelli obtidas na web.
Antônio Carlos e Claudiomiro eram amigos antes de serem presos. Juntos, assaltavam carros- fortes com uma quadrilha. A amizade terminou quando Antônio Carlos tentou alertar Claudiomiro sobre a traição de sua esposa, Dina. Antônio Carlos a tinha visto aos beijos com o amante, um policial. Dina argumentou que Antônio Carlos sempre fo ra apaixonado por ela e só estava dizendo isso para separá- los. Ela convence o marido e sua amiga Célia também, que é esposa de Antônio Carlos. No entanto, Célia volta atrás e apóia o marido. Depois desta desavença, Dina pede a Claudiomiro que deixe a vida de crime para que o filho deles possa ter uma vida normal. Ao ir ao banco para retirar suas economias, Claudiomiro é abordado por dois policiais à paisana, mas consegue matá- los com uma arma que tinha no cofre. Ele então percebe que se tratava de uma cilada que a esposa armara com o amant e. Ao voltar para o carro, Claudiomiro mata a esposa na frente do filho, que ainda era pequeno. Ele é preso, e Antônio Carlos e Célia adotam seu filho. Antônio Carlos resolveu continuar assaltando carros- fortes, mas, no primeiro assalto sem Claudiomiro, fo i preso. No presídio, reencontra o antigo comparsa, que estava em fase terminal de tuberculose. Dispostos a esquecerem o passado, Antônio Carlos cuida do amigo enfermo. Quase sem fôlego, Claudiomiro pergunta ao Médico se criança pequena lembra de tudo. Quando o Médico responde que não, ele dá seu último suspiro, nos braços do amigo.
193
TABELA 32 – ORIGEM DE DINA Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem DINA Ô Célia, o Antonio Carlos é viado? CÉLIA
Conversaram em pé, na sala:
Que pergunta, Dina!
- Dina, o Antônio Carlos é
DINA
veado?
Desculpa, mas ele inventô pro
- Que pergunta, Marli!
Miguel, que o
Miro que eu tô saindo com um
- Desculpa, mas ele veio para o
entregou ao
polícia.
Miguel com uma história que
amante policial.
ANTONIO CARLOS
eu saio com um polícia, que
Inventô o caralho! Te vi
nunca existiu. Veio com tudo,
enganchada no cara; vi você
para destruir meu casamento.
mordê a orelha dele, pôrra!
(VARELLA, 2005, p. 188)
Esposa de Marli
DINA Tá vendo? Qué destruí meu casamento.
194
TABELA 33 – ORIGEM DE CLAUDIOMIRO Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem ANTONIO CARLOS
Assaltante de
Claudiomiro
(para Claudiomiro)
Claudiomiro diz que a
banco e carro-
Toma o remédio, mano.
informação precisa é
forte, corpo forte,
(…)
fundamental: a que horas passa
com três
MÉDICO (CONT'D)
o carro-forte, quantos mil no
E lá fora, ele fazia o quê?
cofre do banco, o número de
ANTONIO CARLOS
guardas, todos os detalhes.
A gente fazia assalto de carro-
Para isso, valia-se dos próprios
mulher grávida e
forte. Planejavamo tudo só nóis
vigilantes das emp resas de
o menino
dois. Cinco, seis meses pegando
segurança, com cautela:
pequeno.
informação, fazendo amizade até
(VARELLA, 2005, p. 192)
cicatrizes. Tinha 35 anos, deixou a
com a família dos segurança.
Assaltava com o
Miguel
CLAUDIOMIRO
- Você é puta, sem-vergonha.
Te dei conforto, carinho e
Larguei da mãe dos meus
amizade e você paga desse jeito.
filhos, te dei conforto, carinho
Sem vergonha...
e amizade e você pagou com a
DINA
moeda da traição. Estou
parceiro, Antônio
Do que cê tá falando?!
sabendo do polícia que você
Carlos. Foi traído
CLAUDIOMIRO
encontra no motel atrás do
pela mulher com
Tô sabendo do polícia que tu
posto de gasolina na Raposo
um policial.
encontra, enquanto o trôxa aqui
Tavares, faz mais de um ano,
arrisca a pele pra recheá o teu
enquanto o trouxa aqui
guarda-roupa. Pega tua mala e
arrisca a pele para rechear teu
some! Nem teu filho, tu vai tê
guarda-roupa. (VARELLA,
direito de vê!
2005, p. 186)
195
TABELA 34 – ORIGEM DE ANTÔNIO CARLOS Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
ANTONIO CARLOS
- Ganha dinheiro nesse negócio de
origem Assaltante de
Claudiomiro
A gente fazia assalto de
banco e carro-forte?
banco e carro-
carro-forte. Planejavamo
- Ganha, mas o dinheiro só vale a
forte, corpo
tudo só nóis dois. Cinco,
metade, às vezes até menos.
forte, com três
seis meses pegando
A esta frase enigmática seguiu-se
cicatrizes.
informação, fazendo
uma conversa sobre a profissão
amizade até com a família
dele:
dos segurança.
- Precisa muita disciplina, doutor.
deixou a mulher
MÉDICO
Deu oito da noite, eu me recolho.
grávida e o
E isso dá dinheiro?
Não fico em bar, boate, porque a
menino
ANTONIO CARLOS
polícia pode me pegar de bobeira
Dá muito, doutor, mas o
numa batida qualquer. (VARELLA,
dinheiro só vale metade.
2005, p. 192)
Tinha 35 anos,
pequeno.
Antônio Carlos chamou-a de ANTONIO CARLOS Mentirosa! Mente diabólica.
Parceiro de Antônio Carlos
Se não fosse o respeito pelo
Miguel. Foi ele
Miro, arrebentava a tua cara
quem contou a
agora!
Miguel que sua
Claudiomiro, você não
mulher o traía.
acreditou nessa pilantra, acreditou? Quantas fita a gente armou junto?!
mentirosa, disse que não fosse o respeito pelo amigo arrebentava a cara dela. Xingou-a de mente diabólica. (…) Antônio Carlos virou-se para o amigo: - Miguel, você não acreditou nessa pilantra, acreditou? A gente tem quatro anos de parceria e nunca partiu de mim qualquer crocodilagem. (VARELLA, 2005, p. 187)
196
TABELA 35 – ORIGEM DE CÉLIA Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem Quando Antônio Carlos entrou em casa, Dina cravou-lhe as unhas no
Esposa de Antônio Carlos,
CÉLIA
rosto:
Sem vergonha! Nunca me
- Ordinário, sem-vergonha,
que tinha o
enganô; sempre sube que
sempre falei que você tinha
cabelo oxigenado
você tinha uma coisa por ela.
um quê por ela. Mas você dizia
e era muito
Nem mulher de amigo você
que eu era louca. Nem mulher de
respeita mais, cachorro!
amigo você respeita mais,
Dina
ciumenta.
cachorro? (VARELLA, 2005, p. 188)
3.4 NÚCLEO DEUSDETE
Francineide
Catarina
Imagem de Francineide interpretado por Júlia Ianina capturada do DVD. Imagem de Catarina interpretada por Sabrina Greve obtida na web.
Deusdete, jovem criado na periferia, cresceu ao lado da irmã Francineide e do amigo Zico, cuja mãe fugiu de casa. Zico cuidava dele como um irmão mais velho faria, e ele, por sua vez, cuidava de Francineide. Uma noite, Francineide chega em casa chorando, com olhar de assustada, e se tranca no banheiro. Deusdete vai acudir a irmã e descobre que ela fora agredida por dois homens, que
197
levantaram a sua saia. Ele denuncia os agressores da irmã à polícia, mas eles descobrem e querem matá- lo. Ele, então, vai atrás de Zico, que guarda sentimentos por Francineide, para que lhe arranje uma arma para se defender, embora não tivesse intenção de usá-la. Uma noite, os agressores de Francineide o encontram e o ameaçam com barras de ferro, mas Deusdete saca a arma e mata um deles; o outro foge. Deusdete o persegue e consegue matá- lo também. No presídio, Deusdete sempre recebe cartas da irmã. Sua mãe e Francineide também o visitam com freqüência. Em uma destas visitas, Francineide leva uma amiga para apresentar a Deusdete: é Catarina, jovem também criada na periferia, que acredita que ganhará status ao namorar um presidiário e ficará mais protegida onde mora. Ela não se importa quando Deusdete a lembra que só sairá do Carandiru com 48 anos, e diz que voltará a visitá- lo.
TABELA 36 – ORIGEM DE FRANCINEIDE Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem DEUSDETE (CONT'D) Que é que foi? Conta aí! O que foi que aconteceu?
Irmã do meio de Deusdete que foi Francineide
FRANCINEIDE
Uma noite, Francineide, irmã
Era dois... me agarraro... levantaro
do meio de Deusdete, na
meu vestido... um disse que queria
volta da padaria, foi
me chupá... eu mandei ele chupá a
molestada por dois marginais
mãe...
da vila. Um disse que queria
molestada por
DEUSDETE
chupar o sexo dela; ofendida,
dois homens na
O que eles fizero?
ela o mandou chupar a mãe ,
vila onde morava
FRANCINEIDE
vagabundo. Apanhou,
Me batero...
chegou em casa com o
DEUSDETE
vestido rasgado e a boca
E daí? Que mais?
inchada. (VARELLA, 2005,
FRANCINEIDE
p. 198)
com o irmão.
Eu saí correndo, Deusdete. Saí correndo! Eu te juro! Não aconteceu nada!
198
TABELA 37 – ORIGEM DE CATARINA Personagem literária de
Descrição
Passagem no filme
Passagem no livro
origem CATARINA Tá vendo, Franci, é um homem assim que eu quero. Diz aí: cê acha que o Deusdete vai gostá de mim?
Vizinha de
FRANCINEIDE
Zilá, magrinha,
Ah, isso é com vocês.
tímida, que
Fran
MÃE DE DEUSDETE Fica mais fácil pra ele se tiver um
podia ter no
amor esperando aqui fora.
máximo 20
DONA GRAÇA
anos. Foi ao
A senhora tá certa. Mas só com
presídio para ser apresentada a Roberval.
muito amor no coração uma mulher suporta essa vida. CATARINA (para Francineide)
Ao lado, Fran, o rosto na penumbra projetada pelo poste de luz, concordava com a cabeça, mas pretendia passar a noite ali decidida a conhecer o tal de Roberval, um mulherengo de bigode, sócio do marido de Zilá no negócio de assaltar carga. (VARELLA, 2005 p. 55)
O que ele disse quando tu conto que eu vinha? FRANCINEIDE Que se você quisesse vim, que visse.
Como pôde-se perceber na análise das personagens principais, nem sempre a personagem que deu origem ao nome é a mesma que deu origem às outras características vistas no filme. O mesmo ocorreu com as personagens secundárias: algumas personagens literárias apenas “emprestaram” o nome a elas. Com intuito de comparação, a seguir, serão apresentadas as origens dos nomes das personagens secundárias cinematográficas.
199
TABELA 38 – ORIGEM DOS NOMES DAS PERSONAGENS SECUNDÁRIAS Personagem
Personagens de origem
Seu Pires
Seu Pires
Dalva*
-
Rosirene
Rosirene
Dina
Dina
Claudiomiro
Claudiomiro
Antônio Carlos
Antônio Carlos
Célia
-
Francineide
Francineide
Catarina
-
* Embora Dalva seja uma inversão silábica do nome de uma de suas personagens de origem, Valda, esta informação não foi levada em consideração para esta classificação, pois a relação entre os nomes não é explícita.
200
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi de interesse deste estudo verificar as semelhanças entre as personagens literárias de Estação Carandiru e as personagens cinematográficas de Carandiru. Para tanto, teve como principal objetivo buscar as origens das personagens do filme – físicas, psicológicas e de suas correspondentes histórias – na obra em que foi baseada: o livro. Com o intuito de encontrar qual ou quais foram as personagens literárias de origem das personagens cinematográficas, primeiramente, foi necessário fazer um levantamento de todas elas no livro e no filme. Chegou-se aos seguintes dados: 206 personagens literárias e 50 cinematográficas, uma redução para menos de 25% na transposição da obra literária para o cinema. A partir daí, levantou-se a seguinte questão a respeito desta diminuição no quadro de personagens: houve eliminações, acréscimos, fusões – seja de traços característicos e/ou de ações – na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para a obra cinematográfica Carandiru, de Hector Babenco, quanto aos aspectos construtivos das personagens neste diálogo entre mídias? O primeiro aspecto a se notar é a questão levantada no capítulo II com relação ao grau de adaptação de uma obra. Logo nos créditos iniciais – e também na capa do DVD –, há a seguinte informação: “Baseado no livro Estação Carandiru de Drauzio Varella”. A partir deste dado, pode-se esperar uma obra que não se propõe a ser uma reprodutora literal de sua fonte. Pode-se esperar variações significativas, mas a obra original deve ser claramente reconhecida nesta nova, e não apenas fazer referência a ela. Como percebido, houve uma grande variação na fonte das personagens – ora fundidas, ora desmembradas –, entretanto, as situações apresentadas no livro e as características das personagens literárias estavam, em sua maioria, presentes na obra cinematográfica. A hipótese proposta para este estudo foi comprovada após a coleta de dados. A seguinte hipótese havia sido sugerida: na transposição da obra literária Estação Carandiru, de Drauzio Varella, para o cinema, houve fusão de personagens literárias, que se deu por suas características, resultando em uma única personagem cinematográfica. Ela é verdadeira, pois pôde-se notar, como dito, uma fusão de personagens que apresentavam características semelhantes, como é o caso de Seu Chico, que teve origem na fusão de Seu Chico e Seu Jeremias (ambos eram id osos) e
201
Lady Di, que teve origem na fusão de cinco personagens (todos eram travestis). Entretanto, esta não foi a única forma de origem das personagens cinematográficas. De fato, pôde-se perceber que a maior parte das origens das personagens cinematográficas vem de fusões de personagens literárias (ex: Majestade é uma fusão entre Zé da Casa Verde e Charuto). Mas também foram encontradas personagens literárias que foram desmembradas, dando origem a mais de uma personagem (como é o caso de Valente, que deu or igem a Peixeira e a Nego Preto; e Seu Chico, que deu origem a Seu Chico e a Nego Preto, por exemplo). Houve personagens que foram eliminadas totalmente, não dando origem a nenhuma outra no filme. Entretanto, das personagens analisadas, não foi encontrada nenhuma que foi acrescentada, ou seja, que tenha sido totalmente inventada para o roteiro cinematográfico. Foi visto que as personagens representavam um grupo, um conjunto de personagens que possuíam as mesmas características físicas, psicológicas ou estava m inseridas no mesmo grupo social. Há histórias que se repetem na obra literária: há personagens que compartilham dos mesmos problemas, situações e/ou dramas familiares. Estas histórias foram representadas no filme a partir de uma personagem, que poderia ser chamada de personagem- grupo. Assim, foram averiguados os seguintes casos de personagens- grupo: Seu Chico, que representa os detentos idosos e aqueles que foram abandonados pela família por conta de seus crimes; Ezequiel, que representa aqueles que perderam tudo para o vício; Zico, que representa aqueles que matam aqueles que amam por causa das drogas; Deusdete, que representa aqueles que são levados a cometer crimes para se defender e defender a honra da própria família; Majestade, que representa aqueles que cometem adultério e levam vida dupla; Nego Preto, que representa aqueles que são traídos pelos amigos; Peixeira, que representa aqueles que se arrependem de seus crimes e encontram conforto na religião; Sem Chance, que representa aqueles que, depois de presos, descobrem algum talento e percebem que podem fazer algo de bom; Lady Di, que representa aqueles que acreditam no amor; Seu Pires, que representa todos os funcionários do Carandiru que realmente entendiam como a Casa funcionava; Claudiomiro, que representa aqueles que foram traídos pelas mulheres; Antônio Carlos, que representa aqueles que colocam a amizade acima de tudo; Dina, que representa aquelas que traem os maridos e agem apenas em benefício próprio; Célia, que representa aquelas que compreendem e apóiam o marido apesar de seus crimes; Rosirene, que representa aquelas que levam drogas para os maridos na cadeia; Dalva, que representa aquelas que são vítimas do preconceito da própria família; Francineide, que representa
202
aquelas criadas na periferia que se tornam vítimas do crime; Catarina, que representa a ingenuidade daquelas que acreditam na segurança de namorar um detento; e o Médico, que representa aqueles que querem melhorar a vida dos detentos e são deparados com uma situação pior do que imaginam. Para que fosse possível chegar a uma resposta para a questão colocada, antes, foi necessário categorizar estas personagens para se obter um resultado mais amplo e ter uma idéia do quadro geral de alterações, para, em seguida, partir em busca de dados mais detalhados. Dez categorias foram consideradas para a análise tanto do filme quanto do livro: 1) idade, 2) sexo, 3) situação, 4) forma como eram conhecidas pelas demais personagens, 5) raça, 6) dependência às drogas, 7) enfermidade, 8) crime cometido, 9) função dentro do presídio, 10) relação com as personagens em situação de cárcere. Houve uma subdivisão destas categorias, sendo consideradas todas as personagens para a classificação apenas das categorias 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Para as categorias 7, 8 e 9 apenas as personagens em situação de cárcere foram consideradas. As demais personagens foram consideradas apenas para a última tabela. Encontrou-se uma diminuição percentual no número de personagens em situação de cárcere e, conseqüentemente, um aumento daqueles em liberdade no filme com relação ao livro. Também diminuiu a quantidade percentual de personagens conhecidas pelo nome, mas estas ainda continuaram a ser a maioria. A maior diferença, no entanto, foi quanto às personagens cujos nomes e/ou apelidos não puderam ser identificados, que passaram de 14,5% na obra literária, para 28% na cinematográfica. É interessante notar a quantidade de apelidos e suas origens (Sem-Chance, pela frase que sempre repetia; Mil e Um, pela falta dos dentes incisivos na arcada superior ; Coça-Coça, por pedir para uma prostituta passar as unhas em suas costas; etc.). Há uma fonte rica aqui para um possível estudo sobre apelidos. Não foram encontradas diferenças significativas quanto à quantidade de homens, mulheres e crianças, nem de jovens e adultos, embora proporcionalmente haja mais homens adultos no livro com relação às demais personagens. Tampouco houve grande disparidade entre as obras quanto à quantidade de dependentes de drogas, à droga mais consumida (crack), à quantid ade de enfermos e à doença mais recorrente (AIDS). A categoria de personagens em situação de cárcere que possuem função também apresentou resultados bem similares em ambas as obras.
203
Todavia, a maior disparidade está na raça das personagens: 7,3% de negros e 2,4% de brancos na obra literária, e 36% de negros e 62% brancos na cinematográfica. Isto pode ser explicado pelo fato de a obra cinematográfica ser essencialmente visual. No livro, são necessárias descrições da aparência física das personagens, e, neste caso, há poucas com relação ao número total de personagens. Há de se notar que a quantidade percentual de brancos é bem maior no filme. Também pôde-se verificar que o tipo de crime mais cometido foi diferente em ambas as obras: assalto (39,6%) no livro e assassinato (cerca de 26%) no filme. Houve também um aumento significativo de crimes não identificados, passando de 34,2% no livro para 52% no filme. Outra grande diferença notada é com relação às personagens em liberdade. A maioria era de funcionários na obra literária, no entanto, na obra cinematográfica, foi verificado que a maioria era de parentes. Isto pode ser explicado provavelmente por se tratar de um filme classificado sob o gênero drama. Se a intenção fosse manter o estilo e proposta do livro, que foi classificado como livro-reportagem, ter-se- ia um documentário e não um drama. Embora tenha havido cenas que muito lembravam um documentário (ao final do filme, alguns detentos sobreviventes ao massacre dão depoimentos para a câmera), a maior parte do filme é composta por dramas familiares. A única cena documental encontrada no filme é a da implosão da Casa de Detenção de São Paulo. A Casa de Detenção de São Paulo, que era o maior presídio da América Latina e ficou conhecido pelo nome de Carandiru, inaugurado na década de 1920, só foi desativado em setembro de 2002. Três de seus pavilhões foram implodidos em dezembro de 2002. A penitenciária feminina foi mantida. Como se pôde perceber, os principais núcleos se mantiveram presentes na obra cinematográfica, reunidos e representados por uma única personagem, uma decisão benéfica para ambas as obras, pois houve a manutenção dos principais temas abordados na obra literária, fazendo com que esta adaptação se tornasse não apenas mais uma maneira de contar aquelas histórias em um suporte diferente, mas também um meio que possibilita a chegada destas histórias a outros públicos. É a combinação entre cultura e economia; a combinação entre duas indústrias para trazer um novo produto, que possui não apenas um valor cultural, como também um valor econômico significativo.
204
Pode-se, então, perceber a importância da economia criativa e de suas indústrias criativas, que, além do valor econômico agregado dos bens que produz, ainda traz benefícios culturais, principalmente quando as indústrias criativas, através de um processo simbiótico, se juntam para trazer em um único produto riqueza cultural.
205
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