DA PIEDADE À PERVERSIDADE: Resenha da Obra “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”, de Jean-Jacques Rousseau

July 6, 2017 | Autor: T. Oliveira Januário | Categoria: Jean-Jacques Rousseau
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS MESTRADO EM DIREITO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DESENVOLVIMENTO FILOSOFIA, MULTIDISCIPLINARIDADE E RESPONSABILIDADE PROFESSOR HAROLDO REIMER DISCENTE THALES OLIVEIRA JANUÁRIO

DA PIEDADE À PERVERSIDADE: Resenha da Obra “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”, de Jean-Jacques Rousseau

GOIÂNIA 2014

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Em 1754, Jean-Jacques Rousseau já era um pensador bastante famoso por toda Europa em razão da premiação concedida pela Academia de Dijon em 1750 ao seu “Discurso sobre as Ciências e as Artes”, obra em que se propunha a responder se o restabelecimento das ciências e das artes alcançado pela modernidade contribuiu para purificar os costumes da sociedade. Mas eis que em razão de um outro desafio novamente proposto pela Academia de Dijon em 1754, o que explica o ano inicialmente referenciado, Rousseau escreveu aquele que foi chamado de “Segundo Discurso” – em razão da intitulação dada ao “Discurso sobre as Ciências e as Artes” que seria o “Primeiro Discurso” – o “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”, em que disserta acerca do questionamento de se tal desigualdade seria autorizada pelo Direito Natural. A obra é estruturalmente dividida em Primeira Parte e Segunda Parte, contando ainda com Dedicatória, Prefácio e Notas, tudo isto distribuído em 203 páginas. A obra é dedicada à Genebra, a cidade em que o autor se radicou, e a mesma em que anos depois suas obras foram queimadas em praça pública. Rousseau, mais uma vez, como em vários outros momentos em diversas obras, mostra-se um grande patriota, comparando e traçando uma estreita relação entre Genebra e aquilo que considerara um ideal de Estado. Diz que, mesmo sem ter nascido dentro dos muros que limitam a cidade, escolhera viver nela em razão de ser esta aquela que “de todos os povos o que me parece possuir as maiores vantagens dela [a sociedade humana] e de ter melhor prevenido seus abusos” (pág. 12). No prefácio da obra o autor deixa claro aquilo que considera o maior desafio para o conhecimento humano, o próprio homem. Todo o conhecimento acumulado pelo homem estaria o levando cada vez mais para longe de sua essência natural, o que é lamentado pelo autor que considera tal elemento o mais importante a ser estudado. Começa-se então a esboçar qual seria a origem da desigualdade entre os homens, diz-se que ao sair de seu estado de natureza o homem não o fez com todos os indivíduos de uma só vez, mas gradativamente de forma que enquanto uns aperfeiçoavam-se e ganhavam novas características, outros permaneciam como estavam, e este fato fazia com que houvesse entre eles diferenças, desigualdades.

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Todavia, ainda assim faz-se difícil definir a origem das referidas diferenças uma vez que não conhecemos o homem natural como realmente é. Antes de adentrar a Primeira Parte, o autor trata de esclarecer que em sua concepção existem duas formas de desigualdade entre os homens, a natural e a moral ou política. Sendo a própria natureza a fonte da primeira, não se pode contestá-la. A segunda, contudo, a emergir sujeitou a primeira e fez que c seus preceitos valessem sobre os da desigualdade natural, a obra visa explanar como isso ocorreu. Rousseau começa por caracterizar o homem natural como um animal mais fraco que os demais, menos ágil que muitos, mas o mais privilegiado de todos, sua longa explanação acerca das razões de tal condição incluem a capacidade de que este tem de imitar o instinto dos demais e aproveitar-se do que há de melhor em cada, e que mesmo recebendo o mandamento da natureza sua metafísica lhe permite aceitar ou rejeitar em detrimento de outra ação, conforme entenda lhe ser mais conveniente. Ainda na Primeira Parte, o autor ilustra as diferenças entre o homem natural e o homem social. O primeiro consegue encontrar em si a autossuficiência, sendo capaz de realizar suas necessidades e desprovido de grandes paixões, entregandose plenamente a sua existência atual, sem qualquer ideia de futuro. O segundo, resultado de grandes e diversas experiências e riscos, passado um tortuoso período de desenvolvimento da linguagem, elemento que auxilia a pensar, desenvolveu a moralidade, conceitos de bem e mal, considerou virtudes e vícios, e tornou-se aquilo que hoje é. Rousseau preceituava que, diferentemente daquilo que dizia Hobbes que o homem natural por não conhecer a bondade era mal por natureza, o homem não precisava do raciocínio para fazer o que se devia. A natureza lhe provia de piedade, e isso era o suficiente pra que fizesse a si mesmo seu próprio bem causando o mínimo de mal possível aos demais. E essa piedade foi o que garantiu a existência do gênero humano até que pudesse se elevar de tal modo que se encontra, sem ela os próprios homens seriam responsáveis por sua aniquilação.

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“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil” (pág. 91). Com essa celebre e muito reproduzida ideia Rousseau inicia a Segunda Parte de seu discurso. Nesta, o autor cuida de ressaltar todos os males causados pelos atos representados por esta metáfora e como se chegou ao atual estado da existência do homem. Buscando unicamente o bem estar, o homem se viu obrigado a buscar assistência dos demais indivíduos em determinadas ocasiões, e diante da concorrência entre eles, se viu necessitado de desenvolver sua cautela. Das reuniões dos homens, machos e fêmeas, em uma mesma habitação comum e com uma prole em comum, foi surgido o sentimento do amor. Posto isto, o homem se viu possibilitado a buscar novas comodidades, sendo esse pensamento a primeira fonte dos seus males. Das comodidades providenciadas surge o ócio, que gerou por sua vez a vaidade, a vergonha e a inveja, não querendo nenhum individuo ser sujeito a tais sentimentos, surgiram os deveres de civilidade. As comodidades, inicialmente puras em si, foram transformadas em simbolismos, coisas de valor não tão elevado passaram a representar grandes riquezas que só podiam assim ser se o possuidor delas possuísse o poder de persuadir os demais de que assim tal coisa era. A ambição pelas riquezas fez com que o homem, que em seu estado de natureza tinha piedade do seu semelhante, admitisse subjugar aos demais para obtê-la. Todo o processo de desenvolvimento da humanidade foi então alavancado pela vontade de subjugar, sem assim ainda não o fosse, ou permanecer nessa condição, se já o fosse. Rousseau não conclui se o Direito Natural autoriza a desigualdade entre os homens. Contudo, mostra que o homem não é um bom selvagem em seu estado de natureza que a sociedade corrompeu, mas sim um ser que ignorava a maldade – como também a bondade –, e tornou-se um ser capaz de praticá-la (a maldade) em prol de coisas não tão valorosas em relação ao que se poderia obter se não as praticasse, o que seja, a felicidade comum.

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REFERÊNCIAS ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens. [S.l.]: Ridendo Castigat Mores, 2001. Versão digital disponível em: Acessado em: 22/09/2014.

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