Da polícia à política: estudo de candidatos e eleitos à Câmara dos Deputados do Brasil provenientes das forças repressivas do Estado

July 18, 2017 | Autor: Adriano Codato | Categoria: Political Sociology, Political Science, Elites (Political Science), Political Elites
Share Embed


Descrição do Produto

Congreso internacional Elites y liderazgo en tiempos de cambio Universidad de Salamanca

Da polícia à política: estudo de candidatos e eleitos à Câmara dos Deputados do Brasil provenientes das forças repressivas do Estado Fábia Berlatto (UFPR/CESPDH, Brasil) [email protected] Adriano Codato (UFPR/NUSP, Brasil) [email protected]

Salamanca, España 10 y 11 de juño de 2015

Da polícia à política: estudo de candidatos e eleitos à Câmara dos Deputados do Brasil provenientes das forças repressivas do Estado Fábia Berlatto (UFPR/CESPDH) * Adriano Codato (UFPR/NUSP) ** Resumo: Das eleições de 1998 até as de 2014, 972 integrantes das forças policiais e militares se candidataram a deputado federal no Brasil. Do total de postulantes, 17 conquistaram uma cadeira no Parlamento. O objetivo deste paper é investigar os perfis social e político dos integrantes das forças repressivas do Estado que se lançaram na política institucional. Através de estatística descritiva, ressaltamos as especificidades desse grupo. Achados iniciais desta pesquisa mostraram que se a passagem da polícia à política era feita, nos anos 90, através de grandes partidos de direita, atualmente ela se dá via pequenos partidos sem identidade ideológica muito clara.

* Concluiu a Graduação em Ciências Sociais em 2004, a Especialização em Sociologia Política em 2007 e o Mestrado em Sociologia em 2008 na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR. É também professora do curso de Especialização em Sociologia Política da UFPR do módulo “Violência e Cidadania” e integra como pesquisadora o Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) da UFPR (http://www.cespdh.ufpr.br/). Atualmente, realiza estágio no Centre de recherches sociologiques sur le droit et les institutions pénales (CESDIP) (http://www.cesdip.fr/), unidade de pesquisa vinculada ao CNRS, ao ministério da Justiça da França e à Université de Versailles-Saint-Quentin. Seus temas de pesquisa incluem os seguintes assuntos: controle social, violência e cidadania, segurança pública.

** Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 1992, é fundador e editor da Revista de Sociologia e Política (www.scielo.br/rsocp) e um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP) da UFPR. Atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e no Programa de PósGraduação em Políticas Públicas na UFPR. É membro tirular de Flacso Espanha e realiza estágio de pós-doutorado no Centre européen de sociologie et de science politique de la Sorbonne (CESSP-Paris I). Atualmente, dedica-se ao estudo dos processos de recrutamento da classe política brasileira e coordena o Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (http://observatory-elites.org/).

2

Introdução O Relatório sobre a Situação Mundial da Prevenção da Violência apontou que, em 2012, 64 357 mil pessoas foram mortas de maneira violenta no Brasil (vítimas de homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte), uma taxa de 32,4 para cada 100 mil habitantes (Lima & Bueno 2014, p.6). Nossos números, somados à representação midiática de eventos ligados ao tema têm dado o tom do debate público nacional e das consequentes demandas por “mais segurança pública”, expressão que, na prática, quer dizer políticas mais repressivas. Pesquisa realizada pelo IBOPE em 2014, apontou uma adesão massiva (83% dos respondentes) à redução da maioridade penal para os 16 anos1. A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados se engajou nessa proposta já no início da legislatura 2015-2019. A ideia avançou em instâncias que até então não tinha alcançado com forte possibilidade de ser sancionada. O terreno da “segurança pública” é produtivo para a agenda política eleitoral brasileira. Nesse contexto, a experiência profissional dos agentes da segurança pública é um recurso social facilmente instrumentalizável durante as campanhas eleitorais, uma vez que as demandas nesse campo tendem, em geral, para o reforço das formas repressivas de controle social. Durante campanha para deputado federal em 2014, o candidato (eleito) Cabo Sabino deu uma declaração exemplar: “Somos candidatos para melhorar a segurança pública. Temos a experiência e a vivência de policial militar, conhecendo de perto as deficiências, as necessidades das comunidades. Nessa área de segurança, ninguém pode contribuir mais que os policiais”2. Os interesses implicados no engajamento político das categorias sociais de Estado envolvidas com segurança e repressão são diversos. Há a necessidade de debater diretamente com a sociedade os problemas da segurança pública incluindo suas implicações na qualidade de vida e de trabalho dos policiais. Há a atual estrutura organizacional das corporações3 (polícia militar e bombeiros, principalmente), suas diferenças salariais internas e as dificuldades de ascensão na carreira. Há os conflitos nas relações cotidianas de trabalho entre os diferentes níveis hierárquicos entre agentes e delegados nas polícias civis e, destacadamente, entre praças e oficiais nas corporações militares estaduais. Esses fatores estimularam não só o engajamento na política partidária, mas também a construção de associações de classe, a organização de paralizações, a abertura de novos canais de expressão e de relação intra e extra corporação como sites, blogs e contas no Twitter. Ramos e Paiva (2009) em pesquisa sobre a blogosfera policial, contaram aproximadamente 70 blogs policiais em 2009, dos quais 82% foram criados entre 2007 e 2009. Suas entrevistas mostraram que 40% deles acredita que ser blogueiro “é um meio de expressão política” (Ramos & Paiva 2009, p.10)4. Desde as eleições de 1998 até as de 2014, 23.219 indivíduos concorreram à posição de deputado federal no Brasil. Desse total, 972 integrantes das forças repressivas civis e militares se candidataram a essa posição política. Este paper faz uma radiografia social e política desse grupo de candidatos apontando suas transformações ao longo do tempo e especulando sobre suas possíveis causas. IBOPE. 83% da população é a favor da redução da maioridade penal. 17/09/2014. < http://www.ibope.com.br/ptbr/noticias/paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-maioridade-penal.aspx> Acesso em 15 maio 2015. 1

Com campanhas milionárias, líderes de greves da PM no NE tentam eleição. 25/08/2014. Acesso em 12 março 2015. 2

3 A atual estrutura policial brasileira é assim organizada: polícia federal, polícia rodoviária federal e guarda nacional, pertencentes à União; polícia civil, polícia militar e bombeiros militares (as duas últimas são forças auxiliares do Exército e, portanto, são forças militarizadas), pertencem ao nível estadual da administração. Há também a guarda municipal, que pouco à pouco vem recebendo status de polícia no Brasil e cuja composição é de responsabilidade dos municípios. 4 Segundo as autoras, o Sudeste é a região dominante, com o Rio de Janeiro em primeiro lugar, seguido de São Paulo e Minas Gerais. Elas apontam ainda que a blogosfera policial é composta majoritariamente por policiais militares homens, em sua maior parte pertencentes aos estratos mais baixos das instituições policiais, com alta escolarização e mais de 30 anos.

3

Estudos sobre candidatos e eleitos no Brasil têm avançado significativamente nos últimos anos. Tanto disputas municipais como federais têm sido analisadas por cientistas políticos preocupados em determinar o perfil de carreira, os atributos sociais, o potencial econômico e as redes de relações de candidatos e eleitos5. Ao mesmo tempo, subgrupos de candidatos selecionados conforme o sexo, a cor, a idade, o capital escolar, as capacidades de levantar financiamentos para campanhas e as redes associativas que mobilizam, são esquadrinhados6. Todavia, a atenção crescente que a questão da segurança pública tem recebido no Brasil nas últimas três décadas pelo menos (Vasconcelos 2014), não foi acompanhada por pesquisas que investigassem quem são os agentes das polícias e os integrantes das forças armadas que se lançam na política institucional. Uma exceção é a análise de Baird e Pollachi (2014), concentrada na composição e atuação da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. Tradicionalmente, estudos que focalizam ocupações de origem dos parlamentares classificam todos os agentes das forças de segurança e repressão do Estado como “funcionários públicos”, na mesma categoria onde podem entrar professores do ensino público superior, baixo e médio funcionalismo, diretores de bancos estatais, burocratas com posições nas cúpulas do Estado (Rodrigues 2002a). Quando abrem uma exceção, como “militares”. Neste trabalho analisamos os candidatos a deputado federal no Brasil nas últimas cinco eleições cuja origem profissional declarada nos registros de candidatura do Supremo Tribunal Eleitora era: policial civil, policial militar, bombeiro militar e membro das forças armadas (da ativa ou reformado). A percepção convencional sobre esse grupo é que seus integrantes são quase que exclusivamente de direita, se reúnem sob as siglas de diferentes partidos de direita e representam (ou pretendem representar) correntes de opinião autoritárias da sociedade; que suas campanhas mobilizam principalmente temas como redução da maioridade penal, aumento dos efetivos policiais, aprofundamento da repressão violenta ao crime e liberação do porte de armas, além de uma agenda conservadora em questões comportamentais. Um exame dos dados muito agregados não desmente isso. Praticamente 60% se lançaram por partidos de direita, embora estivessem presentes em todos os partidos do espectro ideológico. Propomos aqui uma análise contextual do perfil desse grupo de 972 candidatos, analisando suas opções político-partidárias e suas mudanças ao longo do intervalo 1998-2014. Nosso interesse primordial é compreender e explicar quem são e por que tipo de partidos eles se lançam. E o que isso significa. Na sequência apresentamos o tipo de dados com os quais trabalhamos, as agregações que fizemos e algumas dificuldades que o banco de candidatos e eleitos do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil (TSE) apresenta para análises mais detalhadas. A segunda seção contextualiza o objeto – os “candidatos-policiais” – no âmbito dos estudos de recrutamento da classe política pela Ciência Política e a terceira seção explica o enquadramento legal das candidaturas de militares e policiais no Brasil comparativamente com países da América Latina e Europa. Na quarta seção expõe-se, a partir de estatística descritiva, os dados básicos sobre esse universo de candidatos a deputado federal e propomos uma classificação para dar conta de quatro diferentes candidatos-tipo das forças repressivas. Na última seção separamos as candidaturas por blocos ideológicos e partidários a fim de destacar a ascensão dos pequenos partidos de direita e dos partidos fisiológicos entre 1998 e 2014. Tentamos uma explicação para essa ocorrência com base nas estratégias eleitorais desses partidos, no tipo de plataforma desses candidatos e na visão global sobre a política que eles defendem. Este é, essencialmente, um estudo exploratório dos perfis desse tipo de concorrentes na política nacional.

A literatura aqui é expressiva, em especial depois dos estudos pioneiros de Marenco dos Santos (1997; 2001) e de Rodrigues (Rodrigues 2002b; Rodrigues 2006). A título de exemplo ver: (Power & Mochel 2009; Perissinotto & Bolognesi 2010; Araújo 2011; Coradini 2012; Pereira & Rennó 2013; Codato et al. 2013; Perissinotto & Veiga 2014; Cervi et al. 2015). 5

Ver, entre outros, (Araújo & Borges 2013; Meneguello et al. 2012; Campos & Machado 2015; Llanos & Sánchez 2006; Almeida et al. 2012; Speck & Mancuso 2014). 6

4

I.

Materiais e métodos

Os dados foram coletados e sistematizados pelo Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (NUSP/UFPR) a partir do registro das candidaturas no TSE. Compilamos um banco de dados com 23.219 indivíduos sendo 972 (4,2%) membros das forças de segurança e repressão do Estado brasileiro. Consideramos aqui apenas a ocupação autodeclarada pelos candidatos. Isso impediu que se recuperassem por completo todos os indivíduos pertencentes às forças repressivas do Estado que se alistaram, como os integrantes da polícia federal, por exemplo. Os candidatos vindos das polícias federais, um contingente importante, ficaram de fora deste estudo já que eles invariavelmente se alistam como “funcionário público federal”. Por outro lado, uma vez eleitos, é comum que os candidatos à reeleição passem a se assumir ou a declarar como profissão, na disputa seguinte, o cargo que ocupa no momento do cadastro eleitoral (deputado, vereador, prefeito, etc.). No entanto, não há um padrão nos registros e os policiais/militares podem apresentar-se de diferentes maneiras. Podem, inclusive, mudar sua ocupação principal toda vez que concorre em uma eleição7. Jair Bolsonaro é um caso típico. Em 1998 concorreu a deputado federal pelo PPB-RJ e se alistou como “membro das Forças Armadas”. Já em 2002 declarou-se pertencente ao grupo de políticos profissionais (“senador, deputado e vereador”). Em 2006 optou por apresentar-se às eleições federais, pelo PP-RJ, mas como “militar reformado”. Em 2010 e em 2014 preencheu novamente o registro de candidato do TSE como “político”. Em função dessas oscilações, o candidato somente entrou na base de dados estudada e integrou o universo de 972 policiais/militares se e quando se registrou espontaneamente ou como policial, ou como militar. O tempo necessário para conferir uma a uma as ocupações declaradas dos mais de 23 mil candidatos no intervalo aqui estudado, a fim de verificar se a auto-atribuição não mascarava a ocupação efetiva, nos forçou a manter o corte da autodeclaração profissional. Isso, sem dúvida, cria dificuldades para se contar o número de eleitos, impedindo assim que, nesse momento, se trabalhe com eles. Essa falta certamente subestima o papel desse grupo na política nacional e sua grande visibilidade eleitoral, mas, por outro lado, garante um tratamento uniforme para o universo de candidatos8. Além disso, há uma segunda dificuldade nos assentamentos oficiais. Conforme o próprio registro dos candidatos, o TSE dividiu em 1998 os agentes de segurança do Estado em três grupos: ‘policial civil’, ‘membro das forças armadas da ativa’ (não indicando se pertenciam ao quadro das polícias estaduais) e ‘militar reformado’. A partir de 2002, as ocupações que nos interessam aqui foram ordenadas de maneira mais detalhada em cinco classes diferentes: ‘bombeiro militar’, ‘membro das forças armadas’, ‘militar reformado’, ‘policial civil’ e ‘policial militar’. A fim de padronizar as informações para as cinco eleições e, ao mesmo tempo, manter alguma singularidade no interior desse universo complexo e com grandes diferenças internas entre os seus subgrupos (formas de investidura, ethos, salários, regimes funcionais, etc.), recodificamos as cinco ocupações em apenas duas grandes classes. Unificamos militares aposentados (“reformados”), militares do serviço ativo das três Forças, bombeiros militares e policiais militares em uma única categoria: “militar”. Mantivemos os policiais civis em uma segunda categoria separada: “civis”. Trabalhar com as patentes dos candidatos militares ou com as especialidades profissionais dos policiais civis também se revelou inviável. No caso dos civis, não há qualquer informação se investigador, delegado, agente penitenciário, etc. Para ser preciso, 8 em 108 candidatos se apresentaram como ‘delegado fulano de tal’ (menos do que os treze que incluíram ‘Dr.’ antes dos nomes). No caso dos militares, as 7

Para esses problemas de classificação, ver (Sawicki 1999) e (Codato et al. 2014).

Conforme análise do perfil dos eleitos pelo DIAP, em 2014 22 deputados federais cuja origem são as forças de segurança foram eleitos para a Câmara dos Deputados (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar 2014, p.94) e cinco deles estão na lista dos mais votados. Fraga (DEM-DF), coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, recebeu 10,66% dos votos válidos (alcançou 155.056 votos), o capitão do Exército Jair Bolsonaro (PP), no Rio de Janeiro, com 6,1% dos votos válidos (464.572), os candidatos Delegado Waldir (PSDB) com 9,6% dos votos válidos (274.675), em Goiás; Moroni (DEM), com 6,36% dos votos válidos no Ceará (277.774), e Delegado Eder Mauro (PSD) com 7,8% (265.983), no Pará. Pelo critério de autodeclaração seriam apenas seis os eleitos (Cabo Daciolo, Capitão Fabio Abreu, Fraga, Capitão Augusto, (Delegado) Laerte Bessa, Delegado Waldir). 8

5

patentes, seja das polícias militares, seja das forças armadas, seriam uma informação estratégica para hierarquizar o subgrupo. Essa informação poderia ser extraída dos ‘nomes de urna’ dos candidatos (nomes políticos que são usados nas campanhas e aparecem na máquina de votação). Alguns fizeram questão de se identificar como cabo, capitão, coronel, etc., mas esses são em torno de apenas 30% do grupo. A tabela 1 sumariza o total de candidatos policiais e não policiais por disputa. Tabela 1. Total de candidatos a deputado federal no Brasil entre 1998 e 2014. Candidatos da polícia e não polícia Ano de eleição

Não Candidatos policiais Sim

Total

Total

1998

2002

2006

2010

2014

N

3258

4011

4689

4666

5623

22247

%

96,4%

96,0%

94,9%

95,5%

96,4%

95,8%

N

120

168

254

221

209

972

%

3,6%

4,0%

5,1%

4,5%

3,6%

4,2%

N

3378

4179

4943

4887

5832

23219

% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, a partir do TSE-Brasil

Os dados foram tratados mediante estatística descritiva (frequências e resíduos padronizados). A fim de unificar a linguagem neste trabalho, englobamos todos esses indivíduos na categoria de “membros das forças repressivas do Estado”, integrantes das “polícias” ou, simplificadamente, “policiais”. Esses apelativos são, antes de tudo, uma anotação taquigráfica para um grupo que, como pretendemos mostrar, é bem mais complexo politicamente. II.

Estudos sobre ocupações de origem dos parlamentares

Grosso modo, há três grandes linhas de interpretação para explicar o recrutamento parlamentar em Ciência Política. Uma delas, fortemente apoiada na teoria da escolha racional, destaca o papel cumprido pela ambição do político para progredir na carreira em direção a posições cada vez mais salientes em termos de prestígio e/ou poder (Schlesinger 1966; Black 1972; Fowler & McClure 1990; Fox & Lawless 2005). A outra linha de estudo, vinculada ao neo-institucionalismo, sustenta que regras constitucionais do sistema político ou regras institucionais de uma determinada organização política (parlamentos, partidos, etc.), condicionam o padrão geral de seleção política. As estratégias dos atores são guiadas por tais regras e o tipo de candidato selecionado pelos partidos políticos ou o parlamentar eleito é um produto de sua ação (Norris 2004; Rahat & Hazan 2001; Morgenstern & Siavelis 2008; Norris 1997). A terceira linha possível de interpretação, com forte inspiração na sociologia política, joga a maior parte do peso explicativo para o sucesso ou o insucesso político nas vantagens socialmente derivadas de atributos dos indivíduos. Esses atributos podem ser adstritos (sexo, cor) e/ou adscritos, como nível de formação escolar atingido, tipo de ocupação profissional exercida, o volume de renda obtido ou o capital político acumulado e posto a serviço da conquista de uma posição política (Putnam 1976; Gaxie 1980; Bourdieu 1981). Pode-se dizer que, para a sociologia política, um dos fatores mais importantes na determinação do sucesso dos indivíduos que decidem seguir o caminho da política institucional, tanto nos trabalhos mais clássicos (Weber 1994; Michels 1971), quanto nas investigações posteriores (Matthews 1961; Eulau & Sprague 1964; Czudnowski 1972; Podmore 1977; Miller 1995), é o tipo de ocupação profissional em que eles foram forjados ou exerceram por mais tempo. Certas ocupações como as talking professions (jornalistas, professores, advogados) tenderiam a ser, para utilizar a expressão de Dogan (Dogan 1999), verdadeiros “viveiros de políticos”. 6

Como se sabe, indivíduos são socializados em suas profissões e adquirem determinadas habilidades que podem ser reconvertidas para uso eficiente no universo político. Os casos clássicos, utilizados como exemplos paradigmáticos por Max Weber (1994), são os jornalistas e os advogados liberais. A intimidade dessas talking professions com as mesmas qualidades exigidas e exibidas também na vida política ordinária – a oratória desinibida, a disposição para defender causas, o conhecimento das leis, etc. – dariam a esses profissionais uma vantagem considerável para mover-se nesse universo social restrito e competitivo que é o da política. De acordo com essa perspectiva tradicional, ocupação de origem seria um fator importante (ainda que não exclusivo) para o sucesso na carreira política em geral e, em particular, para o sucesso eleitoral nas democracias modernas. Mas o que dizer de policiais e de militares? Policiais possuem, em geral, pouca ou nenhuma ligação com a política institucional. A polícia civil possui uma série de carreiras diferentes (agente policial, escrivão de polícia, agente penitenciário, investigador, médico legisla, perito criminal), mas somente dos delegados se exige curso superior em Direito. Assim mesmo, sua atividade prática não se concentra em defender causas, nem exige dons de oratória ou capacidade de negociação. Policiais militares9 (PMs) e agentes das forças armadas são, no Brasil, impedidos de filiar-se a partidos políticos. Em função da vida militar – espaços segregados, rotinas características estritas, valores muito específicos – candidatos desse tipo tendem a ter pouca relação com o mundo exterior (com o mundo civil, ou “paisano”) e isso afeta suas capacidades de estabelecer redes de contato fora do universo militar. Ainda assim e apesar dessa afinidade disposicional negativa com a política institucional os números absolutos dessas candidaturas têm aumentado a cada disputa eleitoral (ver Tabela 1). Toda dificuldade torna-se então em como converter um capital de função (Bourdieu 1981, p.19) em capital eleitoral. Caso os candidatos consigam manter formalmente suas vinculações com as instituições de origem, eles têm garantido um ordenado pago pelo Estado. É essa renda regular o que avaliza que eles sejam “economicamente independentes” das rendas que a política possa lhes proporcionar e, portanto, possam lançar-se na disputa com a certeza de que seu sustento não dependerá da vitória na eleição. E é essa renda que permite também que estejam, uma vez asseguradas suas condições de existência, “economicamente disponíveis” (Weber 1994, pp.318–319), isto é, tenham tempo livre para fazer política. Além disso, nesses pequenos mundos podem surgir, como de fato surgem, notoriedades pessoais: comandantes carismáticos, ativistas de causas corporativas, líderes de greves, agenciadores de questões com grande apelo social (“a violência”, “a criminalidade”, “a corrupção”, “a impunidade”, etc.) e paladinos de causas ultraconservadoras. Há todo incentivo institucional para que candidaturas assim prosperem e haja pouca identificação com partidos. Como se verá na seção seguinte, militares não podem militar em partidos políticos. Além disso, o sistema eleitoral brasileiro incentiva disputas em que as campanhas tendem a ser centradas no candidato. Os campeões de voto das polícias são o efeito de todo o personalismo que tende a animar esse sistema10. III.

O quadro legal das candidaturas dos militares e dos policiais civis

A legislação brasileira que trata dos direitos políticos dos militares, mais especificamente o de votar, o de ser votado e o de participar de partido político comporta uma peculiaridade. Diferentemente dos seus vizinhos do continente sul-americano, militares brasileiros da ativa (policiais militares, bombeiros militares e membros do serviço ativo das Forças Armadas) podem concorrer a cargos eletivos e, se possuem mais de dez anos de serviço nas suas respectivas corporações, podem retornar para os seus quadros depois de terminado o mandato político. A exceção são os conscritos, isto é, aqueles que estão prestando serviço

10

Ver a nota 8.

7

militar obrigatório. Esses são inalistáveis (e, portanto, inelegíveis)11. Aqueles que estão nas carreiras militares há menos de dez anos devem, por outro lado, caso sejam oficiais, afastar-se definitivamente (se forem praças, devem apenas solicitar licença)12. Militares brasileiros, quando eleitos para alguma posição política, passam à reserva remunerada das Forças Armadas. Militares da reserva são alistáveis e elegíveis, além de poderem se filiar a agremiações partidárias. Já a militância partidária é proibida a todos os militares da ativa13. Essa contradição – a condição de elegibilidade no Brasil depende de uma filiação partidária (Constituição de 1988, art. 14, § 3º) – é solucionada exigindo-se que os militares da ativa vinculem-se formalmente aos partidos políticos apenas quando forem apontados como candidatos oficialmente pela convenção da legenda – o que faz com que, na prática, concorram a um lugar na lista do partido sem serem formalmente membros do partido. Na Colômbia os militares não podem sequer votar e no Equador eles adquiriram esse direito mais recentemente, em 1998. Peru, Bolívia, Uruguai e Argentina proíbem seus quadros militares de desempenhar função pública eletiva e de participar de partido político, mas permitem que votem (Salgado 2013). Policiais civis não possuem qualquer barreira legal para participar da política institucional. O Quadro 1 resume as disposições de cinco países selecionados da Europa e do Brasil. Quadro 1. Direito de participação dos militares e policiais na política: países selecionados Brasil

Portugal*

Espanha**

França***

Itália****

Alemanha*****

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Na ativa

Não

Não

Não

Não

Inelegibilidade de generais, almirantes e oficiais superiores das forças armadas

Sim

Inativos

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Filiação a partidos

Não (militares); Sim (policiais civis)

-

-

Não

Não

Sim

Alistamento Elegibilidade

Fontes: * Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei nº 14/79, de 16 de maio de 1979). ** Ley Orgánica 5/1985, de 19 de Junio, del régimen electoral general. Versión vigente desde 08/09/2001 hasta 31/03/2015 *** Code électoral. Version consolidée du code au 19 juin 2012. Edition 26 août 2012 **** Direzione Centrale dei Servizi Elettorali, Le leggi elettorali. Elezioni politiche, 2011 (Testo unico delle leggi recanti norme per la elezione della Camera dei deputati) ***** Timur, F. B. Voting Rights for Indonesian Armed Forces (TNI) Personnel: Yes, No or with Reservation? (http://www.fes.or.id/fes/download/201008_TNI%20Voting%20Rights.pdf)

Em relação à Europa, um levantamento das legislações eleitorais de Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha, mostrou que militares inativos não possuem restrição à participação política em nenhum Constituição da República Federativa da Brasil de 1988, artigo 14, parágrafo 2º. Acesso em 11 abr. 2015. Uma hipótese para a origem dessa disposição é “evitar que os comandantes de grandes efetivos militares se elegessem com os votos de seus conscritos (que representam a maioria esmagadora das tropas, principalmente após a [...] instituição do Serviço Militar Obrigatório no Brasil, em 1908)” (Pires & Amorim 2006, p.5). 11

Recurso Especial Eleitoral nº 20.318/2002. “O TSE, na Consulta nº 571 (Resolução nº 20.598/2000), respondeu à indagação sobre o significado da expressão afastar-se da atividade nos seguintes termos: ‘o afastamento do militar de sua atividade, previsto no art. 14, § 8º, I, da Constituição, deverá se processar mediante demissão ou licenciamento ex-officio, na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada’” (Pires & Amorim 2006, p.8). 12

Constituição de 1988, art. 142, § 3º, V apud (Pires & Amorim 2006, p.5). No Brasil, magistrados, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas não podem se inscrever em partidos políticos. 13

8

dos casos. Militares da ativa, no entanto, não são elegíveis, à exceção de dois países: a Itália permite que seus militares de baixo escalão (inelegibilidade de generais, almirantes e oficiais superiores) se candidatem, e a Alemanha não impõe restrições. Aliás, a Alemanha não restringe os direitos políticos de seus militares que podem, inclusive, filiar-se a partidos políticos. Uma exceção à todos os países observados. IV.

As candidaturas das forças repressivas de Estado

Entre 2009 e 2013, ao menos 11.197 civis foram mortos pela polícia brasileira. No mesmo período, 1.770 policiais foram vitimados (Lima & Bueno 2014, p.43). De uma forma geral, os “atos de resistência seguidos de morte”, como são juridicamente nominadas as mortes causadas por policiais, ou as “mortes sob confronto”, como se referem as forças e seus comandos militares e políticos, são aceitos e esperados pela sociedade brasileira. A bem-sucedida candidatura a deputado federal de um Delegado da Polícia Civil do estado do Pará, no Norte do Brasil, é exemplar da relação que a sociedade brasileira mantém com a violência institucionalizada através do trabalho policial. Na ativa há 30 anos e, portanto, já no final da carreira, o delegado Eder Mauro Cardoso Barra não se declarou como policial civil ao Tribunal Superior Eleitoral, mas sim como “servidor público estadual”. Pelos critérios deste trabalho ele não integra a soma total dos casos analisados. Por outro lado, o nome de urna utilizado pelo candidato foi “Delegado Eder Mauro” e todo seu discurso eleitoral pautou-se na experiência profissional que lhe rendeu a alcunha de “xerife do Pará”. Ele foi eleito deputado federal em 2014 com 7,08% dos votos válidos, o mais votado no seu estado. Em sua primeira candidatura ele rendeu ao Partido Social Democrático 265.983 votos, convertendo-se num “puxador de votos”. Seu discurso faz jus à sua alcunha – xerife do Pará – pois resume a essência do pensamento nacional mais radical em relação à segurança pública: “bandido bom é bandido morto”14. O aumento em termos absolutos do número de candidatos cuja origem profissional são as forças de segurança do Estado (ver Tabela 1) se explica também pelo fato de essas categorias se considerarem pouco assistidas politicamente e, no caso dos policiais e bombeiros militares, não partilhares dos direitos civis garantidos constitucionalmente ao restante da população. A percepção, principalmente entre os policiais militares, da não observação de suas demandas “trabalhistas” pelos governos de esquerda da última década no Brasil, do contraste entre o contexto político democrático, muito mais propício para suas plataformas, e o seu cotidiano profissional baseado em rígidos preceitos de hierarquia e disciplina, fez crescer seu protagonismo político de diferentes maneiras. Veremos isso adiante mais detalhadamente quando expusermos os quatro perfis paradigmáticos de candidatos. IV. 1 A dinâmica das candidaturas O Gráfico 1 dá uma ideia exata do aumento progressivo do número de candidatos das forças de segurança do Estado até 2006 e sua acomodação em 2014 ao padrão de 1998.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discursos e Notas Taquigráficas. Sessão: 035.1.55.O. Orador: Delegado Éder Mauro. Data: 18/03/2015. Sumário: Debate sobre a segurança pública no Brasil. Acesso em: 26 abr. 2015. O jingle de campanha do candidato é uma paródia do tema musical do filme Tropa de Elite, sobre a ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da polícia militar do Rio de Janeiro. A letra do jingle de campanha diz: “Eder Mauro chegou pra resolver, agora um deputado federal você vai ter [...]. Chefe de família, grande policial, homem de coragem, defendia o bem do mal. O Pará precisa, o povo sabe e quer, delegado Eder Mauro, homem de fé”. Tropa de Elite (2007). Direção: José Padilha. Gênero: Ação. Estúdio: Zazen Produções. Distribuição: Rio Filmes. 14

9

Gráfico 1. Percentual de candidatos das forças repressivas a deputado federal no Brasil sobre o total de candidatos por eleição, 1998-2014 6,0% 5,0% 5,1% 4,0%

4,5% 4,0%

3,0%

3,6%

3,6%

2,0% 1,0% 0,0% 1998

2002

2006

2010

2014

Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, a partir do TSE-Brasil

Entre 1998 e 2014, o N candidatos a deputado federal nessa categoria cresce quase 90%, passando de 120 para 209. Todavia, em termos percentuais o total de policiais-candidatos é o mesmo no início e no fim dessa série: 3,6%. Há um pico em 2006 (254 candidatos, 5,1% do total) que merece uma explicação mais detalhada. Em 2006 ocorreram as primeiras grandes demonstrações de força do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma organização cuja origem se deu nas prisões do estado de São Paulo nos anos 1990 e que hoje está presente na quase totalidade das instituições penais e na maior parte das zonas urbanas daquele estado. Houve uma série de rebeliões – precisamente em 74 unidades prisionais de São Paulo simultaneamente – comandadas pelo PCC em maio de 2006 e que alcançaram diversos estados brasileiros (Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Bahia). Houve também conflitos, execuções e depredações fora dos presídios resultando em muitas mortes naquele ano. Segundo levantamento feito pelo Laboratório de Análises da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, foram 564 os mortos por arma de fogo entre 12 e 21 de maio de 2006, dentre eles 505 civis 59 agentes públicos. Durante as semanas seguintes foram executados mais 500 civis. Em um mês foram mortas mais de mil pessoas na reação da polícia aos “Ataques do PCC” (Adorno & Salla 2007)15. A semana da ofensiva dessa organização de criminosos teve cobertura diuturna na imprensa e repercutiu em todo o Brasil. Foi um período de grande agitação que mobilizou governos, forças policiais, a mídia e a população dos estados afetados. Análise da cobertura da mídia durante os “ataques do PCC” em 2006 constatou que a palavra mais utilizada pelos jornais impressos do estado de São Paulo foi de “guerra urbana” (Ribeiro 2014). Um dos momentos cruciais da semana foi a interrupção da programação da maior rede de televisão do país (TV Globo) para a divulgação de um vídeo gravado por integrante do PCC em troca da liberação do jornalista Alexandre Calado, que havia sido sequestrado. Ribeiro (2014) defende que as informações divulgadas pela imprensa, ao privilegiar as fontes oficiais, não deram oportunidade de expressão aos líderes do PCC que através de demonstração de força e uso da violência procuravam também chamar a atenção para as condições do sistema carcerário e fazer reivindicações ao poder público. Segundo ela, “tratou-se de uma medida drástica para que seus enunciados fossem escutados”. O evento e sua divulgação espetacular ressaltou a sensação de insegurança cotidiana e elevou o nível de atenção ao tema ao explicitar, entre outras coisas, uma coordenação de ações a partir do sistema Ver Cronologia dos atos de violência no Brasil em 2006. Acesso em: 23 abr. 2015. 15

10

carcerário e o clima de “guerra particular” existente entre agentes públicos de segurança e os integrantes do PCC. Esses acontecimentos possivelmente fizeram aumentar de 4% (2002) para 5,1% (2006) o contingente de candidatos a deputado federal das forças de segurança. Nas eleições seguintes essa taxa baixa progressivamente, mas ainda assim se mantém significativa (3,6% do total de candidatos em 2014)16. Se desagregarmos os dados em duas classes de “polícias”, civil e militar, constatamos o enorme predomínio de militares (PMs, militares da ativa e não, bombeiros). O Gráfico 2 a distribuição desigual entre os dois grupos. Gráfico 2. Percentual de candidatos das forças repressivas (civis e militares) a deputado federal no Brasil, 1998-2014

1998

2002

2006

2010

86,6% 13,4%

14,0%

86,0%

90,9%

militar

9,1%

8,3%

10,0%

90,0%

91,7%

civil

2014

Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, a partir do TSE-Brasil

Houve, nessa série histórica, um máximo de 31 candidatos da polícia civil em 2010, mas, em geral, essa categoria fica em torno dos 10% dos concorrentes a deputado nesse grupo. militar.

Na próxima seção resumimos algumas informações sobre o perfil social dos dois grupos, civil e

IV. 2 Sociografia característica dos candidatos a deputado federal Assim como no campo da política profissional17, as nossas polícias são guetos masculinos. A pesquisa sobre o perfil das instituições de segurança pública no Brasil (Figueiredo & Neme 2013) mostrou que, em 2011, a composição feminina das Polícias Militares e dos Bombeiros era de 7,2% e 7,9%, respectivamente. Na Polícia Civil o efetivo nacional de mulheres era de 25% do total. Os dados mostram que há, nas eleições analisadas, quase 82% de candidatos do sexo masculino (excluído polícias/militares) contra 18% do sexo feminino. É uma proporção maior do que encontramos nos candidatos da polícia civil (90% contra 10%), mas nas instituições militares a diferença entre homens e mulheres candidatas aumenta (96% contra 4%). Para se ter uma dimensão comparativa, a distribuição de candidatos por ocupação nas eleições para deputado federal no Brasil em 2014 foi assim: políticos profissionais: 10,7%; empresários: 9,7%; advogados: 7,4%; comerciantes: 4,1%. 16

A Câmara dos Deputados no Brasil possui 513 cadeiras. Em 1998 apenas 29 mulheres foram eleitas deputadas. Em 2002, 42. Em 2006 foram eleitas 45 mulheres; em 2010, igualmente 45. Em 2014, 51. 17

11

Tabela 2. Dados sociográficos dos candidatos das forças repressivas (civis e militares) a deputado federal, 19982014. Demais Civil e Militar candidatos Civil % Sexo Situação conjugal

Educação

Militar

Média

%

Média

Média

Feminino

10,2%

3,9%

18,3%

Masculino

89,8%

96,1%

81,7%

Casado

65,7%

73,6%

60,7%

Outras situações

34,3%

26,0%

38,6%

Sem informação

0,0%

0,3%

0,7%

Ensino superior *

83,3%

57,5%

56,7%

Sem ensino superior

16,7%

42,2%

Sem informação

0,0%

Idade na data da eleição

47,8 0,5

0,2% 47

46

* (completo ou não) Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, a partir do TSE-Brasil

Os dados nos mostram também que a qualificação universitária entre os candidatos civis é bem maior que a dos militares (83% contra 57%), o que é um retrato fiel das corporações, já que a maioria das carreiras na polícia civil exige curso superior para o ingresso e a ascensão. A distribuição de diplomados ou em vias de se diplomar entre os militares segue o perfil dos candidatos em geral. Sobre a média de idade na data da disputa, o número acompanha o perfil encontrável também nos candidatos de outras origens ocupacionais. Ou seja, quando comparados com os demais candidatos não há grandes diferenças. A seguir apresentamos o perfil de quatro candidatos das forças de segurança do Estado. Dois deles foram eleitos no último pleito e dois têm uma “carreira como candidatos”, mas nunca foram eleitos. IV.3 Perfis paradigmáticos Há, grosso modo, quatro tipos típicos de candidatos das polícias/militares das forças armadas: 1) o paladino ideológico da direita; 2) o representante da corporação; 3) o policial militar de esquerda; e 4) o franco-atirador. Os indivíduos foram selecionados tanto pela sua representatividade para cada um dos tipos quanto pela disponibilidade de informações para a construção de seus perfis. Eles descrevem a relação entre a carreira profissional e política. a) o paladino ideológico da direita Jair Bolsonaro nasceu em 1955 em Campinas, São Paulo. Diplomou-se na Academia Militar das Agulhas Negras em 1977 e, no posto de capitão, liderou uma manifestação de militares em 1986 por melhorias salariais. Naquele evento, Jair Bolsonaro respondeu processo na Justiça Militar depois que foi comprovado o seu plano de explodir bombas em várias unidades militares no estado do Rio de Janeiro. O processo não resultou em expulsão e em 1988 ele se elegeu vereador na cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão. Em 1990 elegeu-se deputado federal pelo mesmo partido, reelegendo-se sucessivamente pelo Partido Progressista Reformador, em 1994, pelo Partido Progressista Brasileiro em 1998 e 2002, passando no ano de 2005 pelo Partido Trabalhista Brasileiro, Partido da Frente Liberal até chegar ao Partido Progressista, sua legenda atual. Suas tomadas de posição frente a temas como racismo, 12

sexismo, homossexualidade, pena de morte, tortura, ditadura militar, etc., o classificam como de extremadireita. Em 2006 e em 2010 ele foi reeleito deputado federal e em 2014, reconduzido ao cargo, ele foi o deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro18. Bolsonaro lista em seu Blog alguns tópicos da sua plataforma ideológica para orientar seus apoiadores: “Meu nome, sem qualquer dúvida, encarna o sentimento daqueles que não suportam mais: o PT e demais partidos de esquerda; a desvalorização das Forças Armadas; [...] o ativismo gay nas escolas; o desarmamento dos cidadãos de bem; [...] a não redução da maioridade penal; [ ...] a política de destruição de valores morais e familiares nas escolas; a ausência da pena de morte, prisão perpétua e trabalhos forçados para presos (ainda que consideradas cláusulas pétreas na Constituição); [...] o Código Penal que não garante punições justas para os criminosos”19. b) o representante da corporação Julio Cesar Gomes dos Santos, o Cabo Julio, nasceu em 1970 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ingressou como soldado na Polícia Militar de Minas Gerais em 1988. Foi promovido a cabo dois anos depois e passou ao Batalhão de Choque. Liderou uma greve na Polícia Militar mineira em 1997. A greve foi desencadeada por um aumento salarial concedido pelo governo do estado aos oficiais da corporação e não estendido aos praças. O evento gerou uma grave crise política no estado, encadeando mobilizações nas PMs em diversos outros estados brasileiros. Cabo Julio tornou-se nacionalmente conhecido. Bacharel em Direito, Bacharel em Teologia, Pós-Graduado em Ciências Penais e mestrando em Direito Público, Cabo Julio foi deputado federal em 1998 pelo PL e reeleito em 2002 pelo PST. Em 2006 concorreu a uma nova reeleição pelo PMDB e ficou na suplência do cargo. Foi vereador por Belo Horizonte eleito nos pleitos seguidos de 2008 e 2012. Em 2014 elegeu-se deputado estadual em Minas Gerais pelo PMDB. Foi condenado a devolver R$ 143.000,00 aos cofres públicos por envolvimento no que ficou conhecido como Escândalo dos Sanguessugas20. O blog oficial do Deputado Cabo Julio possui como cabeçalho a frase de sua campanha “Em Minas, segurança tem nome! Deputado Estadual Cabo Júlio” 21. Seu conteúdo é de matérias policiais e sobre assuntos corporativos compiladas de jornais principalmente de Minas Gerais, além de divulgação de suas proposições na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa de Minas. c) o policial militar de esquerda Sargento Peixoto nasceu em 1968 em Contagem, Minhas Gerais. É 1º sargento da Polícia Militar daquele estado. Foi candidato a deputado federal não eleito por Minas Gerais em 2006 e em 2010. Em 2012 foi candidato a Prefeito de Betim, cidade metalúrgica de 378 mil habitantes da região metropolitana de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, mas também não foi eleito. Todos os pleitos foram disputados pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), partido de extrema-esquerda onde o candidato ocupa o cargo de secretário-geral de seu estado. O Sargento Peixoto defende em suas campanhas e em sua página no Facebook22 as bandeiras do PSOL, como a causa LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis). Lá ele Informações disponíveis em: . Acesso em: 18 de abril de 2015. O capital político de Jair Bolsonaro levou toda a família a ocupar cargos eletivos. A primeira esposa, Rogéria Bolsonaro, foi eleita vereadora no Rio de Janeiro em 1992, o filho Carlos Bolsonaro cumpre o quarto mandato de vereador também pelo Rio de Janeiro, chegando ao cargo ainda aos 17 anos de idade, em 2000. Flávio Bolsonaro está em seu terceiro mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Eduardo Bolsonaro, escrivão da Polícia Federal, foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo em 2014. 18

Ver “Bolsonaro: a cara da direita” (post de 22 maio 2014). Acesso em 18 maio 2015. 19

O Escândalo dos Sanguessugas foi a revelação, em 2006, de um esquema de corrupção de desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias. Disponível em: . Acesso em: 18 de abril de 2015. Ver também: . Acesso em 18 de abril de 2015. E seu verbete . Acesso em 18 de abril de 2015. 20

Ver . Acesso em 18 de abril de 2015. Mais informações sobre o Cabo Julio podem ser encontradas no seu Twitter: https://twitter.com/CaboJulioMG. 21

22

. Acesso em 18 de abril de 2015.

13

informa que, “Pelo PSOL, foi eleito o primeiro deputado federal gay assumido defensor das demandas LGBT no Congresso Nacional, o ex-BBB Jean Wyllys, sendo presidente da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual. Não bastasse isso, foi o partido que colocou, durante sua propaganda política, o primeiro beijo gay em horário nobre da televisão brasileira.”23. Sustenta também a visão econômica do partido “Na atual conjuntura mundial, podemos destacar que o atual sistema capitalista vem dando mostras de sua ineficiência, ineficácia e inoperância para atender as populações (classes) mais pobres” 24. Por outro lado, ele apoia o porte de armas de fogo por civis, o que foi proibido com o Estatuto do Desarmamento, sancionado no Brasil em 2003. Em 17 de maio de 2015 ele compartilhou no seu Facebook a seguinte frase: “Dizer que não precisamos de armas porque temos a polícia é o mesmo que afirmar que não precisamos de extintores porque temos os bombeiros”. d) o franco-atirador O General Souza Pinto nasceu em 1904 na Bahia. Filho de fazendeiros do interior do estado, entrou no Exército com 16 anos de idade e participou das revoluções de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, e Constitucionalista de 1932, quando o estado de São Paulo se insurgiu contra o presidente Vargas. Fez parte também das operações de defesa da costa brasileira durante a 2ª Guerra Mundial. É reformado desde 1954. Depois que ficou viúvo resolveu dedicar-se à política partidária, filou-se ao Partido dos Aposentados da Nação em 1994 sendo um dos fundadores do PAN. General Souza Pinto tenta ser deputado federal desde o ano de sua filiação, mas nunca chegou a ser eleito. Suas candidaturas sempre foram motivo de curiosidade devido à idade avançada. Souza Pinto explicou em entrevista em 2006 o que o levou à política: “Quando entrei no Exército, jurei que defenderia meu país por toda a vida. Eu não posso mais ir para uma frente lutar, mas posso, com a minha palavra, dizer o que está certo e o que está errado”.25 Em outra entrevista, em 2014, já com 101 anos, ele falou: “Eu não perdi a esperança. Quando eu vejo um ventre saliente, eu penso: ‘Ali tem gente e tenho de lutar para que essa criança que vem aí viva num Brasil melhor’”26. V.

Candidaturas por blocos ideológicos: a ascensão dos pequenos partidos

No Brasil, quanto mais à direita no espectro político, maior a adesão às estratégias mais repressivas no campo da segurança pública. Ou seja, mais se é favorável à pena de morte, à redução da maioridade penal, às punições mais duras, prisões perpétuas, etc. “No que diz respeito à distribuição por partido político, os dados revelam que o PMDB (28,6%) é a legenda mais ativa quando o assunto é redução da maioridade penal com seis projetos de emenda constitucional (426, 150, 169, 377, 64 e 179). Em segundo lugar aparecem empatados o PP (171, 301, 531, 582 e 272) e o PTB (386, 68, 133, 167 e 242) com cinco projetos cada um, perfazendo 23,8%. O PFL contabilizou duas propostas (633 e 321), ou seja, 9,5%. PDT (260), PL (91) e PPR (37) apresentaram cada um único projeto, perfazendo 4,8% da quantidade geral de propostas de emendas” (Figueiredo Filho 2014, p.15).

A Tabela 2 mostra que praticamente 60% dos candidatos vindos das polícias se apresentaram para concorrer a uma cadeira na Câmara dos Deputados por partidos à direita no espectro político.

Disponível em: . Acesso em: 27 de abril de 2015. 23

Disponível em: . Acesso em: 27 de abril de 2015. 24

Disponível em: . Acesso em 15 de abril de 2015. 25

26 Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.