DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL – BREVES NOTAS

June 6, 2017 | Autor: F. Rodrigues | Categoria: Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional
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DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL – BREVES NOTAS[1]



Francisco Lisboa Rodrigues[2]


1. Introdução

O presente trabalho tem por escopo principal apresentar
algumas notas introdutórias ao instituto da reclamação constitucional,
explorando com mais evidência sua natureza jurídica. De origem pretoriana,
tem ocupado papel ainda tímido na experiência jurídica brasileira, apesar
de ter recebido um impulso eficacional após a edição da Emenda
Constitucional nº. 45/2004.
A experiência dos Tribunais brasileiros, sejam os
Superiores ou não, tem demonstrado que o instituto da reclamação ainda se
apresenta como um desconhecido por aqueles que operam o direito,
notadamente dos causídicos que exercem atividades forenses na defesa de
interesses e direitos de seus constituintes.
Essa realidade também é fruto da pouca ou nenhuma
utilização prática que alguns atribuem à reclamação, o que se nos apresenta
como um engano falacioso. A reclamação, prevista na Constituição Federal e
nos Regimentos Internos dos Tribunais, embora não sendo sucedâneo de nenhum
recurso, pode ser um instrumento eficaz e rápido para a proteção de
interesses e direitos tutelados judicialmente quando se verificar, em
decisões jurisdicionais, flagrante desrespeito à competência ou às decisões
erga omnes e vinculantes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça, especialmente.




2. Origem e conceito

Historicamente, a Reclamação tem origem pretoriana.
Conforme a narração de Pontes de Miranda (1974, p. 387), o instituto teve
origem na Justiça do Distrito Federal, e mais tarde incorporada pelo
Supremo Tribunal Federal, "para quando houvesse subversão patente da
hierarquia judicial, portanto em casos especialíssimos de desrespeito a
julgado seu em que se tivesse de aguardar ação rescisória (Min. Orosimbo
Nonato), ou revisão criminal".
Durante boa parte do século XX, a Reclamação foi admitida
sob o influxo da teoria dos poderes implícitos, e sob a influência da
Suprema Corte dos Estados Unidos, em virtude do caso Mac Culloch vs.
Maryland, relatado pelo Chief Justice John Marshall (Pacheco, 2002, p.
603). A partir desse célebre caso, há nítida influência no Brasil da
doutrina dos poderes implícitos.[3] Ainda com Pacheco (1989, p. 19-32),


A primeira fase vai desde a criação do STF até 1957,
quando foi a medida incluída no Regimento Interno daquela
Corte de Justiça.
Foi marcada, principalmente, pela influência: a) do
princípio de poderes implícitos, proclamado e reconhecido
pela Corte norte-americana; b) do Direito Romano, em que
se admitia a suplicatio, a partir da cognitio extra
ordine; do nosso Direito antigo, em que se contemplava o
agravo de ordenação não guardada, conforme Ordenações
Filipinas, Livro III, tít. XX, § 46, e Livro I, tit. V, §
4.º; e do agravo por dano irreparável do Regulamento 737,
de 25.11.1850; c) do direito de organização judiciária dos
Estados, que incluía a correição parcial, principalmente
pela do antigo Distrito Federal; d) do mandado de
segurança contra atos de autoridade judicial, a partir de
1934; e) do atentado contra ato judiciário.


José da Silva Pacheco (1989, p. 19-32) acrescenta, ainda,
três outras fases: inserção da reclamação no RISTF definitivamente em 1980
(arts. 156 ao 162), a prevalência dos arts. 156 a 162, do RISTF e, a fase
atual, após a edição da Constituição Federal de 1988, prevista nos arts.
102, I, "l", e 105, I, "f", esta a primeira previsão expressa. A
multinfluência recebida pela reclamação antes de ser inserida no nosso
sistema constitucional não permite indicar sua origem exata no direito
comparado.[4] Podem ser identificadas semelhantes providências nos Estados
Unidos (writ of certiorari), sendo que em boa parte dos países seu efeito
prático surge da eficácia erga omnes e do efeito vinculante das decisões em
controle de constitucionalidade.
No Brasil, como ressalta Gilmar Mendes, na apreciação da
Reclamação 5470/PA, publicada no Informativo 496, do STF,


Como é sabido, a reclamação, para preservar a competência
do Supremo Tribunal Federal ou garantir a autoridade de
suas decisões, é fruto de criação pretoriana. Afirmava-se
que ela decorreria da ideia dos implied powers deferidos
ao Tribunal. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar
essa doutrina para a solução de problemas operacionais
diversos. A falta de contornos definidos sobre o instituto
da reclamação fez, portanto, com que a sua constituição
inicial repousasse sobre a teoria dos poderes implícitos.


Em 1957, aprovou-se a incorporação da Reclamação no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
A Constituição Federal de 1967, que autorizou o STF a
estabelecer a disciplina processual dos feitos sob sua
competência, conferindo força de lei federal às
disposições do Regimento Interno sobre seus processos,
acabou por legitimar definitivamente o instituto da
reclamação, agora fundamentada em dispositivo
constitucional.
Com o advento da Carta de 1988, o instituto adquiriu,
finalmente, status de competência constitucional (art.
102, I, "l"). A Constituição consignou, ainda, o cabimento
da reclamação perante o Superior Tribunal de Justiça (art.
105, I, "f"), igualmente destinada à preservação da
competência da Corte e à garantia da autoridade das
decisões por ela exaradas.


José da Silva Pacheco (1989, p. 19-32), indica quatro
fases históricas na evolução da reclamação. A primeira fase iria da sua
criação pelo Supremo Tribunal Federal até o ano de 1957 quando é inserida
no Regimento Interno do STF.
Esta fase


Foi marcada, principalmente, pela influência: a) do
princípio de poderes implícitos, proclamado e reconhecido
pela Corte norte-americana; b) do Direito Romano, em que
se admitia a suplicatio, a partir da cognitio extra
ordine; do nosso Direito antigo, em que se contemplava o
agravo de ordenação não guardada, conforme Ordenações
Filipinas, Livro III, tít. XX, § 46, e Livro I, tit. V, §
4.º; e do agravo por dano irreparável do Regulamento 737,
de 25.11.1850; c) do direito de organização judiciária dos
Estados, que incluía a correição parcial, principalmente
pela do antigo Distrito Federal; d) do mandado de
segurança contra atos de autoridade judicial, a partir de
1934; e) do atentado contra ato judiciário.


A primeira fase foi caracterizada pelo debate acerca da
admissibilidade ou não da reclamação e envolveu, inclusive, os Ministros do
STF. Dentre eles, encontrava-se Hannemann Guimarães que pugnava


pelo descabimento da reclamação: a) por não ser prevista
no RISTF (LGL\1980\17); b) por não ser idêntica à
correição, que, como processo administrativo, limita-se a
corrigir irregularidades processuais por abuso ou por
ilegalidade das autoridades judiciárias ou dos
funcionários do cartório; c) por não se equiparar ao
mandado de segurança, que pressupõe decisão judicial de
que não caiba recurso; d) porque para anular a sentença há
a ação rescisória.


A segunda fase vai da inserção no RISTF até o período
autoritário de elaboração de projetos de constituição. A Constituição de
1946 estabeleceu a competência do STF para a construção de seu próprio
Regimento Interno. Após debates entre os Ministros, a reclamação foi
"regulada, constando dos arts. 156-162 do aprovado em 1980."
Relativamente à terceira fase, aduz José da Silva Pacheco
no trabalho já indicado:


Esta fase pode ser chamada de fase brasiliense do STF, em
que os projetos de Constituição do período autoritário de
1964 em diante passavam pelos gabinetes para receber
sugestões e cada um colocava aquelas que lhe parecessem
mais oportunas e, depois de alinhadas pelo Ministro da
Justiça, seguiam para a aprovação do Congresso.
Inseriu-se, pois, no art. 115, parágrafo único, "c", da CF
de 1967; depois, no art. 120, parágrafo único, "c", da EC
1/69 e, posteriormente, com a EC 7, de 13.4.77, no art.
119, I, "o", sobre a avocatória, e no § 3.º, "c",
autorização para que o RISTF (LGL\1980\17) estabelecesse
"o processo e o julgamento dos feitos de sua competência
originária ou recursal e da arguição de relevância da
questão federal".


Saliente-se que nesta fase houve rejeição para a
institucionalização da reclamação e outros Tribunais, como foi o caso do
extinto Tribunal Federal de Recursos (Repr. 1.092-DF).
A quarta e última fase é a atual. A reclamação está
prevista no art. 102, inciso I, alínea "l", da Carta Política, nos
seguintes termos:


Art. 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia de autoridade de suas decisões;


Desta forma, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em
contornos nítidos, o instrumento da reclamação como meio adequado à
preservação de competência do Pretório Excelso, bem como para o resguardo e
respeito às suas decisões.
No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal temos,
também, a disciplinação do instituto. É o que podemos observar da leitura
do art. 156, litteris:


Art. 156 – Art. 156. Caberá reclamação do Procurador-Geral
da República, ou do interessado na causa, para preservar a
competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas
decisões

O procedimento da reclamação consta dos art. 156 a 162, do
RISTF.

3. Natureza jurídica




Desduvidosamente, quando o tema é reclamação
constitucional, é de bom alvitre que se diga que não há entendimento
pacífico quanto à sua natureza jurídica. Muitos foram e são os debates
nesse sentido, pelo que podemos apresentar várias manifestações
doutrinárias.
Consequentemente, temos a reclamação como ação (Pontes de
Miranda), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos e Alcides de
Mendonça Lima), remédio incomum (Orozimbo Nonato), incidente processual
(Moniz de Aragão), medida de direito processual constitucional (José
Frederico Marques) e medida processual de caráter excepcional (Djacir
Falcão).[5]
Sem a pretensão de esgotar o tema, lançaremos algumas
considerações a respeito da natureza jurídica da reclamação. Embora se
reconheça o valor das várias posições apresentadas, todas com fundamentos
consistentes, temos que a mesma se apresenta com os contornos de uma
verdadeira actio.[6]
Joé da Silva Pacheco (2008, p. 554), não titubeia ao
afirmar que " no reexame a que ora procedemos, não encontramos motivo ou
argumento para modificar o que antes afirmamos, a reclamação não é recuso,
mas ação." Antes de chegar a tal conclusão, Pacheco realiza um inventário
das correntes de pensamento existentes. Para os fins deste breve estudo,
seguiremos, nas próximas linhas, o caminho trilhado por Leonardo L. Morato
em obra específica sobre o tema.
A princípio, a reclamação foi confundida com a correição
parcial, com a natureza de medida administrativa (MORATO, 2007, p. 85). Com
o passar do tempo e a evolução do instituto, as semelhanças com a correição
foram se distanciando. De medida administrativa foi se aproximando de
medida de caráter contencioso, a exigir lide, conflito de interesses.
Contra a natureza administrativa da reclamação pesa o fato
de a decisão final proferida estar sujeito a recurso, ser possível a
concessão de liminar, conforme disciplina da Lei nº. 8.038/1990. Tal
disciplina confirma o fato da natureza judicial da reclamação. Este o
posicionamento de Marcelo Dantas (2000, p. 438-438).
Acercando-se das feições de medida de natureza judicial,
cumpre resolver a questão se se trata de jurisdição voluntária ou
contenciosa. Na verdade, a discussão gira em torno da questão sobre a
ocorrência ou não de atividade jurisdicional (MORATO, 2007, p. 89). O
problema foi resolvido, no nosso sentir, pelo art. 14, I, da Lei nº.
8.038/1990:


Art. 14 - Ao despachar a reclamação, o relator: (Vide Lei n
º 13.105, de 2015)
I - requisitará informações da autoridade a quem for
imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no
prazo de dez dias;
(...).


Cuida o dispositivo da formação de contraditório, devendo o
relator da reclamação preservar pelo due processo of law (ver art. 157, do
RISTF). Instaura-se, portanto, um processo no qual a autoridade apontada
como desrespeitadora do art. 102, I, l, da CF, de 1988, deverá demonstrar
que não houve a apontada violação. Não perduram dúvidas, assim, sobre a
feição de jurisdição contenciosa da reclamação.
Outra versão sobre a natureza da reclamação advoga
constituir-se a mesma em processo objetivo.[7] Significa dizer que não há
litígio, lide, partes no sentido de posições antagônicas. No processo
objetivo, a lide é objetiva, já que não se refere a conflito de interesses
nos moldes liberais. Não há de se falar de revelia. O processo objetivo
pode se desenvolver com a atuação de uma das partes, apenas, sem que ocorra
a extinção do mesmo. Já a reclamação é de natureza contenciosa, este o
ponto principal de distanciamento entre os dois institutos.
Defender a natureza de sucedâneo recursal é outra
modalidade de abordagem da reclamação. Neste caso, a reclamação se
posicionaria como recurso inexistente com a vocação de afastar lesões
ocorridas em processo decorrentes de atos de que não caiba recurso (LEONEL,
2011, p. 155). Esta corrente olvida que os pressupostos recursais não se
fazem presentes quando se trata de reclamação que possui objeto próprio.
Distanciando-se da sede doutrinária e se acercando da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem-se que a reclamação é
decorrente do direito de petição.[8] Em recente julgamento, o Supremo
Tribunal Federal ratificou posicionamento que considera a reclamação
inserida no contexto do direito de petição (ADI 2480-PB). Na ADI 2212-CE,
restou consolidado na ementa:


"(…) A natureza jurídica da reclamação não é a de um
recurso, de uma ação e nem de um incidente processual.
Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição
previsto no art. 5.º, XXXIV, da CF. Em consequência, a sua
adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não
implica em invasão da competência privativa da União para
legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF/1988.
2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no
âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no
caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho
tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação
processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a
parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação
da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante
de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal
local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados membros,
além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está
em consonância com o princípio da efetividade das decisões
judiciais."


Com esteio nos referidos julgados, podemos afirmar que,
para o Supremo Tribunal Federal, a reclamação constitucional é um
procedimento ligado ao direito de petição, que pode ser previsto pelos
Tribunais de Justiça estaduais (não pode ser criado por regimento interno),
desde que previsto na respectiva Constituição. O fundamento para tal
conclusão está na teoria dos poderes implícitos, princípio da simetria e na
necessária efetividade das decisões judiciais. Quanto aos demais tribunais
superiores, apenas lei em sentido formal poderia criá-la, da mesma forma
que para os Tribunais Regionais Federais (MAGALHÃES, 2012).
Nesse passo, diremos que reclamação é o instrumento de
extração constitucional destinado a viabilizar a preservação da competência
ou autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal.[9] Tal conceito
também á aplicável aos casos previstos nos Regimentos Internos dos demais
Tribunais (os estaduais somente poderão prever reclamação se inserida nas
respectivas constituições).


4. Objetivo.


Constata-se, até pela simples leitura do art. 102, inciso
I, alínea "l", da Constituição Federal em vigor, que o objetivo da
reclamação é, na consideração da hierarquia judiciária, manter incólumes os
pronunciamentos vinculantes e de eficácia erga omnes do Pretório Excelso,
assim como a preservação de sua competência.


5. Legitimidade ativa.


O problema pode ser resumido da seguinte forma: em sendo a
reclamação instituto apto à preservação da competência do STF e da
autoridade de suas decisões, serão legitimados à instauração desse processo
somente os arrolados no art. 102, inciso I, alínea "a", da CF de 88? Em
outras palavras, a legitimidade para a reclamação se restringe aos
legitimados para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade
(art. 103, § 4°, CF/88) e da ação direta de inconstitucionalidade (art.
103, incisos I a IX, CF/88)?
Cremos que se assim se verificar estaremos diante de um
instituto, no mínimo, curioso. Se por um lado resguarda o ente público, já
que este poderá utiliza-lo, de imediato, quando atingido em seus
interesses, por outro deixa ao sabor dos penosos e lentos processos
judiciais as demais entidades públicas que, como ocorre, sequer têm
legitimidade para a demanda de constitucionalidade ou inconstitucionalidade
diretas.
Se uma das características da reclamação é sua celeridade
processual, visto a proteção imperiosa do interesse público em jogo a
exigir o afastamento imediato da situação de risco, não podemos anuir ao
pensamento dos que defendem que a reclamação tem como legitimados ativos as
pessoas arroladas no art. 103, da CF/88, numerus clausus. Pensar desta
forma é desconsiderar a relevância do instituto para a defesa do interesse
público.


6. Hipóteses de cabimento.


Já foi visto reiteradamente que o instituto ora em aplauso
tem cabimento quando há inobservância do comando de uma decisão da Corte
Constitucional brasileira vinculante e erga omens em sede de ação
declaratória de constitucionalidade ou de ação direta de
inconstitucionalidade, inclusive as contidas em liminar deferida nas ações
cautelares desses processos acessórias.
Neste ponto vem â tona um outro pressuposto, de índole
processual, que podemos chamar de pressuposto negativo da reclamação, que é
a inexistência de coisa julgada no que pertine à decisão que se pretende
combater. Ou melhor, da decisão do órgão jurisdicional que se enquadra numa
das previsões do art. 102, inciso I, alínea "l", da Constituição Federal de
1988, deve ter sido interposto o recurso adequado, relacionado na
normalística adjetiva civil ou penal, com o objetivo precípuo de impedir
seu trânsito em julgado.
A justificativa para tal procedimento da parte ou
interessado que agita a reclamação é de límpido entendimento. Caso a
decisão rechaçada tenha transitado em julgado, haverá impedimento para sua
modificação, sob pena de se cometer um atentado ao instituto da coisa
julgada, hoje içado a dogma constitucional (art. 5°, inciso XXXVI, CF/88).
Particularmente, temos acompanhado alguns processos de
reclamação, dentre os quais se destaca o referente ao descumprimento da
decisão, proferida em sede de liminar, mas com efeito vinculante e eficácia
erga omnes, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 4, e que tem por
objetivo ver declarada constitucional, pelo Supremo, a Lei n° 9.494/97.
A Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, determina, em
seu art. 1º, litteris:


"Art. 1° - Aplica-se à tutela antecipada, prevista nos
arts. 273 e 461, do Código de Processo Civil, , o disposto
nos arts. 5º e seu parágrafo e 7º da Lei nº 4.348, de26 de
junho de 1964, no art. 1º e seu parágrafo quarto da Lei nº
5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da
Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992."


Após vários debates doutrinários e manifestações
jurisprudenciais acerca da constitucionalidade ou não do dispositivo supra,
restou reconhecida pelo Pretório Excelso, como ressaltado, em provimento
cautelar requerido na ADC Nº 4-DF, sua constitucionalidade, por expressiva
maioria, cuja decisão ficou assim sumulada na Ata de Julgamento do
Plenário:


"O Tribunal, por votação majoritária, deferiu, em parte, o
pedido de medida cautelar, para suspender, com eficácia ex
nunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação,
a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela
antecipada, contra a Fazenda Pública, que tenha como
pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade
do art. 1º, da Lei nº 9.494, de 10/09/97, sustando, ainda,
com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões
antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda
Pública, vencidos, em parte, o Ministro Néri da Silveira,
que deferia a medida cautelar em menor extensão, e,
integralmente, os Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio,
que a indeferiam."

Posteriormente, sobre o conteúdo desse pronunciamento da
Suprema Corte, o Ministro Celso de Mello, então Presidente, assim se
expressou na Petição nº 1.402-5/MS, apresentada pela União:


"...b) inibe a prolação, por qualquer Juiz ou Tribunal, de
ato decisório sobre o pedido de antecipação de tutela que,
aduzido contra a Fazenda Pública, tenha por pressuposto a
questão específica da constitucionalidade, ou não, da norma
inscrita no art. 1º, da Lei nº 9.494/97;(...); e) suspende
a execução de atos futuros, relativos a prestações
pecuniárias de trato sucessivo, emergentes de decisões
antecipatórias que precederam o julgamento, pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal, do pedido de medida cautelar
formulado na ADC Nº 4-DF."


No específico caso do cabimento ou não de Reclamação em
face de decisão proferida em desrespeito ao preceito contido no julgado da
Corte Suprema, o Ministro Celso de Mello, no julgamento acima citado,
observou, verbis:

"Cabe advertir, por necessário, que o eventual
descumprimento, por Juízes ou Tribunais, da decisão
plenária do Supremo Tribunal Federal, quando proferida com
efeito vinculante (CF, art. 102, § 2º), justificará a
utilização do instrumento constitucional da reclamação,
mesmo tratando-se de julgamento referente a pedido de
medida cautelar em sede de ação declaratória de
constitucionalidade. É que o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, ao deferir o pedido de medida cautelar na ADC Nº 4-
DF, expressamente atribuiu, à sua decisão, eficácia
vinculante e subordinante, com todas as conseqüências
judiciais daí decorrentes, inclusive aquelas de natureza
processual concernentes ao emprego do instituto da
reclamação. Não se pode ignorar, neste ponto, que uma das
funções processuais da reclamação consiste, precisamente,
em garantir a autoridade das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, consoante tem sido enfatizado
pela jurisprudência desta Corte (Rcl. Nº 644-PI, Rel. Min.
Celso de Mello).
Esse instrumento formal de tutela, "que nasceu de uma
construção pretoriana" (RTJ 112/504), busca, em essência,
fazer prevalecer, no plano da hierarquia judiciária, o
efetivo respeito aos pronunciamentos jurisdicionais
emanados desta Suprema Corte, resguardando, desse modo, a
integridade e a eficácia subordinante dos comandos que
delas emergem (RTJ 149/355, Rel. Min. Celso de Mello).
(...)
Vê-se, portanto, que o interesse público – mesmo
reconhecida a prejudicialidade deste pedido – não ficará
comprometido e nem se exporá a qualquer situação de risco,
precisamente em virtude da possibilidade da imediata
utilização, pela entidade estatal, quando for o caso, do
instrumento constitucional da reclamação."


Infelizmente, temos observado que alguns magistrados ainda
insistem em deferir pedidos de liminar da antecipação dos efeitos da
tutela, em ações ordinárias, versando acerca dos temas cujo deferimento de
liminar é vedado por lei, ferindo de morte a decisão do Supremo na ADC n°
4, retromencionada. Tal postura, enseja, sem qualquer resquício de dúvida,
a propositura de reclamação para a preservação da autoridade da decisão do
Guardião da Constituição.
E é o que temos feito, com inabalável certeza de sucesso.
Um outro caso, esse mais delicado quanto aos seus
fundamentos, ocorre quando, em ações judiciais, normalmente ordinárias, o
autor, em sua exordial, ou o réu, em sua peça de defesa, requerem, para
resguardo de suas respectivas pretensões, seja declarada a
inconstitucionalidade de determinado normativo federal ou estadual em face
da Carta Política.
Um pedido assim formulado veicula um equívoco
incontornável. É que o tema sobre a possível inconstitucionalidade de uma
norma federal ou estadual, relativamente à Constituição Federal, jamais
pode ser tratado sob a forma de pedido principal, alternativo, sucessivo,
etc. A boa técnica processual nos orienta no sentido de que referido ponto
deve ser exposto como causa petendi, como fundamento jurídico que
alicerçará o pedido.[10]
O equívoco aqui destacado é muito comum na prática forense,
principalmente nas ações envolvendo matéria tributária e direito de
servidores públicos.
Ora, um pedido assim formulado e acatado judicialmente,
mesmo que somente quanto ao processo anterior à decisão definitiva, esbarra
num óbice intransponível, qual seja a usurpação de competência do Supremo
Tribunal Federal, conforme previsão insculpida no art. 102, inciso I,
alínea "a", da CF/88.
Processando um feito com esse pedido o órgão do Judiciário
estará malferindo a competência originária da Suprema Corte para a
apreciação e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade. E não
se diga que, no caso ora sob comento, tratar-se-ia de controle difuso, por
via de exceção, e que, portanto, estaria o órgão judicial autorizado pela
mesma Constituição a efetiva-lo. Como já mencionado, para os casos de
controle difuso, por via de exceção, o pedido não pode ser o de declaração
de inconstitucionalidade, sendo a inconstitucionalidade apontada, pelo
autor ou réu, causa de pedir e não pedido. E a razão é simples. A ação em
que se requer a declaração de inconstitucionalidade de normativo federal ou
estadual perante à Carta Magna é a ADIN e não outra.
Em ocorrendo tal fato, não resta outro caminho senão o de
propor reclamação perante o Supremo para que seja preservada sua
competência para o processo e julgamento de ações diretas de
inconstitucionalidade.


7. Conclusão.

Ao término deste modesto texto, podemos concluir que a
reclamação constitucional, por se inserir na esfera do direito de petição,
caracterizando-se coo verdadeira ação, apresenta-se como instrumento seguro
ao resguardo do direito da parte autora interessada quando a decisão
impugnada viole regras de competência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, p. ex., ou a autoridade de suas decisões.
Processo de natureza subjetiva, a reclamação
constitucional possui campo fértil à sua utilização assim como à
compreensão de seus contornos.

8. Referências bibliográficas

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STORY, Joseph. Comentaries on the Constitution of the United States, v. I,
§§ 424-426, Boston, 1891.
-----------------------
[1] Texto originariamente publicado em: RODRIGUES, Francisco Lisboa; CUNHA,
Jànio Pereira da. Pautas constitucionais contemporâneas. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, vol. II, 2015, p. 85-98. Portanto, antes da entrada em
vigor do Novo Código de Processo civil.
[2] Procurador do Município de Fortaleza, Mestre e Doutor em Direito
Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Pós-Doutorando pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor de Direito
Constitucional e de Direito Processual Constitucional da FAC e FANOR.
[3] Pode-se dizer que a teoria dos poderes implícitos decorrência do fato
de a constituição prever uma competência e objetivos expressos a
determinado órgão e, consequentemente, de forma implícita, outorgar poderes
para a adoção dos mecanismos necessários ao cumprimento de suas obrigações,
restrito às possíveis vedações constitucionais. Segundo Madison, no
Federalista, n. XLIV, "desde que um fim é reconhecido necessário, os meios
são permitidos, todas as vezes que é atribuída uma competência geral para
fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes
necessários para realizá-la" (cf. Joseph Story, Comentaries on the
Constitution of the United States, v. I, §§ 424-426, Boston, 1891).
[4] Em texto específico sobe a reclamação no Direito Comparado, Marcelo
Navarro Ribeiro Dantas, recorda o ensinamento de Marc Ancel: "a ausência,
pelo menos aparente, (nos ordenamentos jurídicos estrangeiros) de uma
instituição diretamente correspondente (à que se está tomando como
referência) (...), não significa necessariamente uma lacuna de tal
legislação estudada, e ela não conduz forçosamente a uma divergência
fundamental das soluções positivas na prática." (in Reclamação
constitucional. (orgs. Pedro Henrique Pedrosa Nogueira e Eduardo José da
Fonseca Costa. Salvador: Editora Juspodivm, 2013).
[5] RTJ, 112:504. "Reclamação – Natureza jurídica – Alegado desrespeito a
autoridade de decisão emanada do STF – Inocorrência – Improcedência. – A
reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê – Ação (Pontes
de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, t. V/384),
recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548;
Alcides de Mendonca Lima, O Poder Judiciário e a Nova Constituição, 1989.
p. 80), remédio incomum (Orosimbo Nonato, apud Cordeiro de Mello, O
processo no Supremo Tribunal Federal. vol. 1/280), incidente processual
(Moniz de Aragão, A correição parcial. p. 110. 1969), medida de Direito
Processual Constitucional (José Frederico Marques, Manual de direito
processual civil. vol 3. 2.ª parte. p. 199. item n. 653. 9. ed. Saraiva,
1987) ou medida processual de caráter excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ
112/518-522) - configura, modernamente, instrumento de extração
constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ
112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de
ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da
autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l, CF e
do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, f, CF) (…)."
[6] Abaixo, veremos a posição do Supremo Tribunal Federal, que considera a
reclamação como inserida no âmbito do direito de petição. Tal posição não
invalida a natureza de ação constitucional.
[7] Pode-se considerar que a origem do processo objetivo, o processo em que
as partes são meramente formais e que se busca de uma decisão cujos efeitos
terão como escopo a defesa da Administração, remonta ao direito
administrativo. Eduado Garcia de Enterria (1992, p. 86), em estudo sobre as
origens da justiça administrativa francesa trata da concepção de processo
objetivo, afirma: Esa articulación fue la gran obra historica del Consejo
de Estado francés, com gran invención del excés de pouvoir, que puede
considerarse formado a comienzos de este siglo (LAFERRIÈRE aún no lo
comprendía en 1889 y lo estimaba "un cierto relajamento de la doctrina
jurídica"). Esse recurso de exceso de poder o de anulación, considerado
como um recurso objetivo o de la legalidade, sin partes propiamente dichas
(el "interés" que há de alegar el recurrente sería un "simple requisito de
seriedad" para poner en marcha los poderes de oficio del juez
administrativo, él mismo parte de la Administración), un verdaderu
"processo al acto" y no de tutela de derechos, puramente declarativo, cuyas
consecuencias sólo a la Administración tocaría extraer(...)

[8] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012 p.
612, afirmam: A Constituição assegura o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder
(art. 5º, XXXIV, a, da CF/88) e o direito à obtenção de certidões em
repartições públicas, para a defesa de direitos e esclarecimento de
situações de interesse pessoal (art. 5°, XXXIV, b, da CF/88). No conceito
de petição há de se compreender a reclamação dirigida à autoridade
competente para que reveja ou eventualmente corrija determinada medida, a
reclamação dirigida à autoridade superior com o objetivo idêntico, o
expediente dirigido à autoridade sobre a conduta de um subordinado, como
também qualquer pedido ou reclamação relativa ao exercício ou à atuação do
Poder Público. Trata-se de um direito assegurado a brasileiros ou
estrangeiros, que se presta tanto à defesa de direitos individuais contra
eventuais abusos, como também para a defesa de interesse geral e coletivo.
[9] RCL 511/9-PB, Relator Ministro Celso de Mello, DJU 24/10/1994.
[10] Sobre o tema, ver excelente monografia de Rodrigo Lopes Lourenço –
Controle da constitucionalidade à luz da jurisprudência do STF – Rio de
Janeiro: Editora Forense, 1998.
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