Da teoria à política: a perspectiva pós-colonial nos estudos de relações internacionais e direito internacional

July 12, 2017 | Autor: Joao Roriz | Categoria: Post-Colonialism, Direito Internacional, Relações Internacionais, TWAIL
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5º Encontro Nacional da ABRI

Área temática: Teoria das Relações Internacionais

Da teoria à política: a perspectiva pós-colonial nos estudos de relações internacionais e direito internacional

George Rodrigo Bandeira Galindo – Universidade de Brasília João Henrique Ribeiro Roriz – Universidade Federal de Goiás

Belo Horizonte, MG 29 a 31 de julho de 2015

Resumo Este trabalho trata, de forma sumária, os principais aportes do pós-colonialismo nas relações internacionais e no direito internacional. São apresentados os principais temas, problemas tratados, referências conceituais e agendas políticas que os estudos pós-coloniais tiveram nessas duas áreas, assim como seu impacto. Destaca-se um movimento específico do direito internacional, denominado Third World Approaches to International Law (TWAIL). A principal intuição do trabalho é que a influência de um pensamento pós-colonial (ainda que não necessariamente pós-colonialista) é mais duradoura no direito internacional, ainda que tenha ficado obscurecida por certo tempo também nesse campo e estar longe de constituir-se parte da mainstream. O estudo convida o/a leitor/a brasileiro/a a se engajar nos debates a partir do pós-colonialismo, ainda pouco trabalhado na academia brasileira.

1. INTRODUÇÃO A expressão “pós-colonialismo” pode indicar o momento histórico posterior ao processo de descolonização que ocorre na segunda metade do século XX principalmente na Ásia e na África. No entanto, seu uso neste trabalho se refere ao construto teorético-político desenvolvido por pensadores a partir do final da década de 1970 e início da de 1980. As perspectivas pós-coloniais1 foram difundidas a partir dos estudos literários e culturais, através de acadêmicos de países pobres que estavam em universidades no ocidente, principalmente nos EUA e Reino Unido. Sua interlocução transdisciplinar e crítica à própria produção do conhecimento facilitou seu impacto em uma variedade de áreas, como antropologia, história, geografia e política, dentre outras. Figuram dentre suas principais referências pensadores como Edward Saïd, Homi Bhabha, Gayatri Spivak, Stuart Hall e Paul Gilroy. Suas influências são diversas. Por um lado, certas perspectivas pós-coloniais se acercam de debates pós-estruturalistas avançados por franceses como Michel Foucault, Jacques Lacan e Jacques Derrida (MIGNOLO, 2010), ainda que haja uma acusação de insuficiência ao programa político dessa tradição e um chamado à necessidade de engajamento acadêmico enquanto projeto emancipatório (e.g., GILROY, 1993). Há também um resgate na literatura pós-colonial de pensadores, ativistas e artistas de lugares periféricos, como o psicanalista argelino Franz Fanon, o poeta também argelino Aimé Césaire e o professor tunisiano-judeu Albert Memmi. Por fim, cabe destacar outros movimentos que têm afinidades com o pós-colonialismo, como o Grupo de Estudos Subalternos, formado no sul asiático e que tem como seu expoente Ranajit Guha e Spivak, e os chamados estudos culturais, perspectiva desenvolvida principalmente em universidades britânicas a partir do trabalho de Stuart Hall. A diversidade dos antecedentes intelectuais do pós-colonialismo dificulta sua definição enquanto perspectiva teórica singular. De fato, para Sérgio Costa (2006: 83), tais estudos “não constituem propriamente uma matriz teórica única”, ainda que tenham como característica comum “o esforço de esboçar, pelo método da desconstrução dos essencialismos, uma referência epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade”. A crítica à modernidade é, assim, compartilhada pelos estudos pós-coloniais. Vários escritos dessa perspectiva se esforçam em localizar os lugares e os contextos de 1

Utiliza-se neste trabalho a denominação “pós-colonialismo”, ainda que se reconheça que seu uso mais rigoroso requereria seu emprego no plural, a fim de indicar a diversidade de perspectivas, tradições e abordagens comportadas na expressão. É importante ressaltar também que se considera a distinção entre a perspectiva póscolonial e aquelas que se denominam “decoloniais”. Como explica Mignolo, a decolonialidade (sem “s”, para se diferenciar do movimento histórico pela descolonização) tem fontes distintas daquelas do pós-colonialismo. Dentre suas fontes estariam: “desde a marca descolonial implícita na Nueva Crónica y Buen Gobierno de Guamán Poma de Ayala; no tratado político de Ottobah Cugoano; no ativismo e crítica decolonial de Mahatma Ghandi; na fratura do Marxismo em seu encontro com o legado colonial nos Andes, no trabalho de José Carlos Mariátegui; na política radical, o giro epistemológico de Amilcar Cabral, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Rigoberta Menchú, Gloria Anzaldúa, entre outros” (MIGNOLO, 2010: 14-15).

produção do conhecimento – em especial os projetos políticos que tais conhecimentos tentam avançar – a fim de despir referenciais epistemológicos de espaços e tempos que são construídos como centros e, por consequência, outros que são postos nas margens. Enquanto tais centros são postos como medida das coisas, como critérios comparativos de processos e experiências, aqueles nas margens permanecem em um referencial de desigualdade, subjugados em uma relação de poder. Os estudos pós-coloniais ressaltam essa “diferença colonial” (MIGNOLO, 2003) e pretendem desenvolver um ferramental metodológico e teórico que não seja enviesado para o centro e que possa oferecer novas formas de pensar sobre técnicas de poder que constrangem a autodeterminação (BHABHA, 1994). É importante destacar o uso do prefixo “pós” na perspectiva em apreço. Entende-se que o prefixo não indica um marco temporal definido, como um tempo histórico posterior ao colonialismo, como se este estivesse superado. Pelo contrário, os estudos pós-coloniais se ocupam das ininterrupções da relação colonial na contemporaneidade. Spivak (1990: 166) deixa claro o vínculo entre momentos históricos: “nós vivemos em um mundo pós-colonial, neocolonizado”. A perspectiva pós-colonial é, para Bhabha (1994: 6), “uma lembrança salutar das persistentes relações ‘neocoloniais’ dentro da ‘nova’ ordem mundial e da divisão multinacional do trabalho”. Privilegiando as continuidades às rupturas, os estudos póscoloniais tratam a história a partir do presente, no rastro dos escritos foucaultianos. Este artigo trata do pós-colonialismo em duas áreas específicas: relações internacionais e direito internacional. Ombreadas em uma mesma narrativa, sem pretender, no entanto, estabelecer critérios comparativos, é possível observar elementos comuns, opções temáticas, referenciais teóricos, assim como suas particularidades e lugares que ocupam em suas respectivas áreas de conhecimento. Após essa introdução, apresenta-se a perspectiva pós-colonial vis-à-vis a área de estudos de relações internacionais. A parte seguinte se ocupa de um movimento específico do pós-colonialismo no direito internacional, autodenominado Third World Approaches to International Law (TWAIL).

2. O PÓS-COLONIALISMO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA PERSPECTIVA AINDA MARGINAL?

O discurso canônico de relações internacionais, ao narrar sua própria história, enfatiza os chamados “grande debates” como processo de formação da disciplina. Tais debates seriam momentos em que perspectivas contrastantes duelariam sobre aspectos constitutivos da área, sobre questões ontológicas, metodológicas e epistemológicas2 – e, 2

Nas explicações de Nogueira e Messari (2005), o “primeiro grande debate” teria caráter ontológico e se daria entre as perspectivas realista e liberal, sendo que a primeira pretensamente analisaria o mundo “como ele é” a

nesse processo, acabariam formatando relações internacionais enquanto uma área própria do conhecimento. Esta autoimagem construída contribui para conferir um sentimento de “evolução” à área, como se cada um dos debates fosse cronologicamente superado até se chegar a um formato desejável. Nesse processo de contornos, não apenas questões epistemológicas e metodológicas seriam definidas, mas também certas perspectivas teóricas seriam aceitas em detrimento de outras. Em seu discurso de posse, em 1988, como presidente da International Studies Association, a principal organização acadêmica da área nos Estados Unidos, Robert O. Keohane (1988) buscou organizar a área e, principalmente, responder aos primeiros ataques advindos de perspectivas até então estranhas às relações internacionais, como as perspectivas críticas, pós-estruturalistas, construtivistas e feministas. Era um momento crucial de definição do mainstream teórico da área. Em sua opinião, havia dois grupos de pesquisa antagônicos. De um lado, aqueles com um programa de pesquisa definido, com hipóteses e métodos científicos, denominados por ele como “racionalistas” por sua concepção de atores racionais. Nele seriam incluídas as perspectivas mais tradicionais da área, as realistas e as liberais. Noutro grupo estariam os “reflexivistas”, alcunhados assim por sua ênfase em um ferramental interpretativo, na importância dos “significados intersubjetivos” e nos discursos. Os autores daquelas perspectivas novas, críticas ao racionalismo e ao positivismo, estariam todos incluídos nessa segunda categoria, para Keohane (1988). Para ele, essa perspectiva lentava questões importantes, mas não teria rigor suficiente e a capacidade de fundamentar seus trabalhos em empiria a fim de conduzir uma agenda de pesquisa propositiva. Em seu prognóstico, até que esses autores tenham “delineado um programa de pesquisa e tenham mostrado em estudos específicos que podem iluminar questões importantes na política mundial, eles permanecerão às margens da área [de relações internacionais], largamente invisíveis para a preponderância de pesquisadores empíricos, cuja maioria aceita explícita ou implicitamente uma ou outra versão de premissas racionalistas” (KEOHANE, 1988: 362). É revelador, particularmente para os propósitos deste texto, que mesmo entre aquelas perspectivas “menos científicas” elencadas (e menosprezadas) por Keohane, sequer figure o pós-colonialismo. A ausência do pós-colonialismo na autoimagem da disciplina é reforçada por uma busca breve em manuais de teoria da área. De quatro manuais de referência verificados, dois apresentam capítulos específicos sobre o pós-colonialismo. Rita Abrahamsen (in fim de garantir sobrevivência aos Estados enquanto a segunda teria um caráter programático de construção da paz a partir de um devir possível. O segundo envolveria questões metodológicas a partir da influência do behaviorismo nas ciências sociais. Por sua vez, o terceiro debate (ou “debate interparadigmático”) se ocuparia da epistemologia da área e envolveria as correntes realista, liberal e marxista. O quarto debate (se se contabiliza o terceiro, que por vezes não é considerado um “debate” propriamente dito), por fim, seria aquele trazido por perspectivas pós-positivistas e/ou críticas ao racionalismo que influenciaram as ciências sociais principalmente nos anos 1980, como perspectivas críticas, feministas, pós-estruturalistas e uma mais própria à área de relações internacionais, o construtivismo.

GRIFFITHS, 2007: 111), reconhece que relações internacionais “continua sendo uma disciplina do Ocidente rico” e que o pós-colonialismo ainda é “marginal” entre as teorias da área, apesar de recentemente ter auxiliado o sul a se tornar mais visível e a expor as fundações ocidentocêntricas das abordagens tradicionais. Por sua vez, Grovogui (in DUNNE, KURKI e SMITH, 2013) conclama um viés programático, com um chamamento à produção de novas formas de se fazer política, diferenciando o pós-colonialismo de perspectivas pós-modernas. A perspectiva pós-colonial não é tratada em capítulos específicos em outros dois manuais de teoria.3 Dois manuais escritos por pesquisadores do Brasil retratam a perspectiva, ainda que não tenha o mesmo destaque de outras teorias. Para Jatobá (2013: 124), “além de ser relativamente recente na disciplina” de relações internacionais, o pós-colonialismo “ainda é uma abordagem marginal”. Nogueira e Messari (2005: 222) são ainda mais incisivos no lugar do pós-colonialismo em relações internacionais: “enquanto o feminismo é citado em algumas revisões da literatura relevante de Relações Internacionais, nem isso o pós-colonialismo tem conseguido”.4 Em duas obras que ambicionam nomear os principais teóricos de relações internacionais, tanto de outros tempos quanto atuais, não há nenhum autor do póscolonialismo. O livro “The Future of International Relations: Masters in the Making” objetiva apresentar uma nova geração de teóricos de relações internacionais, principalmente aqueles que buscavam reformular a disciplina ou apresentavam questionamentos estruturais a ela (NEUMANN e WÆVER, 1997). Em outro estudo do gênero, chamado “Fifty Key Thinkers in International Relations”, Griffiths, Roach e Solomon (2009) elencam os cinquenta pensadores mais influentes da área. Teóricos de distintas escolas de relações internacionais têm suas biografias intelectuais apresentadas, e são agrupados nas seguintes perspectivas: realismo, liberalismo, construtivismo, teoria crítica, pós-modernismo, feminismo, ética internacional e sociologia histórica. Não há, na primeira (1999) ou na segunda edição (2009) qualquer menção ao pós-colonialismo ou aos seus autores. A omissão ao pós-colonialismo nessas grandes narrativas, nesses esforços de sistematização, reforça o argumento de que a perspectiva teórica encontrou pouca receptividade nos locais de produção intelectual considerados centrais. Em uma pesquisa de 2014 com estudiosos de trinta países sobre aspectos gerais da área, a pergunta sobre o uso de teorias de relações internacionais não continha sequer no rol de alternativas a opção 3

Há apenas uma menção ao pós-colonialismo no volume organizado por Burchill e Linklater (2005), dentro do capítulo sobre marxismo. Tampouco há um capítulo específico sobre essa corrente no prestigiado “Oxford Handbook of International Relations”; neste livro, Blaney e Inayatullah (in REUS-SMIT e SNIDAL, 2010) apresentam certa bibliografia de estudos pós-coloniais, dentre outras perspectivas teóricas originárias do sul em um capítulo intitulado “International Relations from Below”. 4 É justo com esses autores ressaltar seu reconhecimento que as perspectivas pós-coloniais podem “forçar uma transformação dos padrões discursivos e políticos inspirados nas experiências ‘ocidentais’, dando lugar a novas concepções sobre relações internacionais” (JATOBÁ, 2013, p. 125), ou mesmo mostrar que “o Ocidente tem sido autocentrado e pouco universalista, o que representa uma outra contribuição de peso à disciplina” (NOGUEIRA e MESSARI, 2005, p. 222).

do pós-colonialismo.5 Na lista dos vinte autores considerados mais influentes da área todos são considerados pensadores das teorias mainstream de relações internacionais6 (TRIP, 2014). Isso não representa, obviamente, um diagnóstico sobre o estado da arte do póscolonialismo na área de relações internacionais. Outras hipóteses não tratadas aqui poderiam indicar, por exemplo, as especificidades dos locais e dos autores que produziram tais estudos em contraposição à produção intelectual em lugares considerados periféricos, ou mesmo outras limitações e lacunas das próprias obras citadas ao desconsiderar trabalhos de outras perspectivas teóricas ou produzidos em lugares considerados periféricos. De qualquer forma, importa para este estudo as possibilidades de maior relevância que o pós-colonialismo pode apresentar aos estudos de relações internacionais. Os escritos pós-coloniais na área de relações internacionais que influenciam mais a área datam de meados da década de 1990. Até antes disso as duas áreas “passam como navios durante a noite” (DARBY e PAOLINI, 1994), i.e., elas tinham rumos próprios e largamente se ignoravam. Nos últimos anos, uma literatura crescente tem oferecido estudos que enfrentam os tradicionalismos teóricos e metodológicos de relações internacionais. Não obstante opiniões extremas de que “relações internacionais pós-coloniais é um oxímoro – uma contradição em termos”, pois “para descolonizar [as relações internacionais] é necessário desescolarizar-se da disciplina em suas manifestações atuais: para se lembrar das [relações internacionais], é preciso esquecê-las” (KRISHNA, 2001:407), grande parte dos escritos pós-coloniais de relações internacionais continua conclamando sua “descolonização”. Dos vários temas abordados pelos estudos pós-coloniais nas relações internacionais, destacam-se três aqui: (i) a vinculação entre conhecimento e poder, (ii) a necessidade de revistar a história, e (iii) outras categorias analíticas não tratadas ou subestimadas pelas perspectivas tradicionais. O primeiro é largamente influenciado pela perspectiva pósestruturalista de autoreferência na produção do conhecimento que se reafirma e se retroalimenta de forma contínua, sempre a partir de um lugar. Uma referência central sobre o tema é a obra Orientalismo (1979) de Edward Saïd. Considerada um dos textos fundadores do pós-colonialismo, o livro se ocupa de como o conhecimento e o poder definiram a construção das noções de “oriente/oriental” e da própria noção de 5

As respostas à pergunta sobre qual perspectiva teórica melhor descreve a abordagem do entrevistado foram: construtivismo (23.13%), realismo (18.7%), liberalismo (12.11%), escola inglesa (4.28%), marxismo (4.02%), feminismo (1.84%), outras (11.02%) e “eu não uso análise de paradigmas” (26.73%) (A expressão “paradigma” é largamente utilizada em relações internacionais como sinônimo de “teoria”). Mesmo se se considera os 11% que responderam “outras”, nesta categoria estariam incluídas perspectivas como teoria crítica, pós-modernismo e feminismo (TRIP, 2014). 6 São eles, na ordem citada de influência: Alexander Wendt; Robert O. Keohane; Kenneth Waltz; John J. Mearsheimer; Joseph S. Nye Jr; Samuel P. Huntington; Barry Buzan; James Fearon; Stephen M. Walt; e, Martha Finnemore (TRIP, 2914).

“ocidente/ocidental” através de definições binárias como eu/outro e familiar/estranho. Para o pensador palestino, o orientalismo seria “uma disciplina sistemática pela qual a cultura europeia conseguia administrar – e até mesmo produzir – o oriente política, sociológica, militar, ideológica, científica e imaginativamente durante o período pós-Iluminista” (SAÏD, 1979: 3). A capacidade de definir o outro e estabelecer suas próprias características como critério de avaliação é uma forma de poder. Estudos que discutem a relação conhecimento e poder oferecem possibilidades tanto de identificação de pressupostos e projetos políticos como de resistência a discursos dominantes de representação através da criação de narrativas alternativas ou “contranarrativas”. Alguns escritos do professor guineano Siba N’Zatioula Grovogui partem dessa preocupação. Em seu primeiro livro, Sovereigns, Quasi Sovereigns and Africans (1996), o autor reavalia a produção do “conhecimento internacional” a respeito do “não ocidental”, do “passado”, do “presente” e da “sociedade internacional”, em especial a partir da presença de discursos como “raça” e “autodeterminação” no direito internacional e no processo de descolonização africano. Sua segunda obra, Beyond Eurocentrism and Anarchy (2006: ix), entendida como continuação da primeira, oferece uma crítica ao eurocentrismo e ao ocidentalismo, especificamente ao “postulado que a Europa é a proprietária exclusiva da ciência legítima, das instituições e moral universal e dos cânones intelectuais indispensáveis”. A relação entre poder e conhecimento se estende para escritos mais específicos do autor. Um deles se ocupa de como a esquerda francesa instou intelectuais africanos a rejeitar radicalismos políticos e discursos disruptivos (como a paródia e o sarcasmo) e a buscar nos textos canônicos franceses “regimes de verdade” (GROVOGUI in CHOWDHRY e NAIR, 2002). Em outro, ele resgata ideias do Orientalismo de Saïd para mostrar como discurso político ocidental sobre o outro está presente na chamada “guerra ao terror”, uma guerra contra “terroristas pré-determinados que têm crenças e inclinações ‘identificadas’”, mas graças à sua ilegitimidade ou ausência de causa justa, as “sociedades civilizadas (as ‘vítimas’) têm direito de combater violentamente o terrorismo e, sim, matar os terroristas com todos os meios necessários – agora nós entendemos, independentemente de normas e convenções internacionais” (GROVOGUI in DUNNE, KURKI e SMITH, 2013: 254). Se a produção de conhecimento denota poder, a história se torna um campo de batalha para o pós-colonialismo. Parte relevante dos estudos pós-coloniais de relações internacionais avança o argumento da necessidade de se rever o “mito fundador de Vestfália” (INAYATULLAH e BLANEY, 2004) e de resgatar o momento do imperialismo (PAOLINI, 1999). Entende-se que os arquitetos da autoconstrução das relações internacionais não somente ignoraram o contexto imperial das origens modernas da disciplina, mas como conscientemente alocaram a herança da área nos cânones do

pensamento europeu, da Grécia antiga ao iluminismo, passando por Tucídides, Maquiavel, Bodin, Grotius, Hobbes, Rousseau, Kant e Hegel, dentre outros (JONES, 2006). Seu processo de formação desassociou convenientemente a formação intelectual europeia do imperialismo europeu. O momento de fundação da área é revelador: o discurso habitual localiza na Universidade de Aberystwyth, em 1919, a primeira cadeira da área, no momento do entreguerras. Entretanto, o contexto colonial, que marca grande parte da geopolítica mundial da época, é largamente ignorado. Como consequência, a disciplina de relações internacionais seria caracterizada por uma orientação estatista, além de “excessivamente ocidental em sensibilidade e orientação” (PAOLINI, 1999: 30). O processo de “descolonizar as relações internacionais” passaria, assim, necessariamente pela história e pela constatação que grande parte das relações foram – e continuam sendo – marcadas pela experiência do colonialismo e do imperialismo, e não por uma suposta “expansão da sociedade internacional” como defendido pela visão tradicional da disciplina (JONES, 2006). Por fim, outras categorias analíticas são oferecidas pelo pós-colonialismo. Inayatullah e Blaney (2004), por exemplo, destacam a insuficiência nos estudos de relações internacionais da noção de diferenças culturais, e buscam um novo fundamento para a área. Sob a influência de pensadores como Ashis Nandy, dentre outros, os autores entendem que tradicionalmente os estudos de relações internacionais não exploram (ou o fazem minimamente) a qualidade das interações culturais que formatam os (e são formatadas pelos) processos e estruturas cambiantes do sistema internacional. Os propósitos de sua obra incluiriam uma explicação do fracasso da área, em um mundo pós-colonial, de enfrentar o problema das diferenças culturais para então começar a re-imaginar a área enquanto um lugar privilegiado para se entender a relação de totalidades com suas partes e da semelhança com a diferença. Outras categorias que poderiam oferecer elementos explicativos aos estudos de relações internacionais são a de “raça” e de “racismo”, segundo Anievas, Manchanda e Shilliam (2014). Para os editores de uma obra coletiva sobre o tema, questões de raça e racismo têm sido marginalizadas nos estudos da área, mas de fato fazem parte do seu nascimento. Em seu entendimento, relações internacionais foi fundada como “uma ciência política designada para resolver os dilemas postos pela construção de impérios e administração colonial encarados pelas potências brancas do ocidente que se expandiam para e ocupavam os chamados os ‘lugares desertos da terra’, como se chamava o sul global” (ANIEVAS, MANCHANDA e SHILLIAM, 2014: 2).7

3. O PÓS-COLONIALISMO NO DIREITO INTERNACIONAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS THIRD WORLD APPROACHES TO INTERNATIONAL LAW 7

Destaca-se também o número 4, volume 26 de 2001 da revista Alternatives: Global, Local, Political, com o tema “Raça nas Relações Internacionais”.

O direito internacional foi um palco privilegiado para a resistência dos Estados recém-saídos da condição colonial. É bem sabido que, ao alcançarem independência formal, Estados do chamado terceiro mundo procuraram articular uma visão diferenciada do direito internacional. Os jusinternacionalistas ligados ao terceiro-mundo ajudaram a moldar tal visão e mantê-la em evidência nos círculos acadêmicos da época. Os estudos que buscam refazer o contexto do período convergem no sentido de afirmar que a estratégia terceiro-mundista, ao menos no que se refere especificamente ao direito internacional, era de engajamento e não de rejeição ao direito internacional (v.g. BEDJAOUI, 2013). Tal engajamento, no entanto, era matizado por um profundo senso prático de mudança das normas jurídicas internacionais então vigentes. Daí porque já na década de 1970 se percebia uma perspectiva bem articulada do terceiro mundo com relação a temas clássicos do direito internacional, como, para tomar apenas alguns exemplos, fontes, soberania, direito do mar ou direito internacional econômico. Nesse sentido, foram os Estados do terceiro mundo os atores que mais insistiram na necessidade de reconhecimento da obrigatoriedade das resoluções da Assembleia Geral da ONU, órgão em que, já na década de 1970, possuíam maioria comparativamente aos Estados desenvolvidos. Pretendiam, então, que tais resoluções fossem reconhecidas como fontes formais de direito internacional. No campo da soberania, Estados do terceiro mundo insistiram na ampliação da noção de soberania sobre os recursos naturais encontráveis em seus territórios ou em espaços assim equiparados. O direito do mar foi um dos temas de maior predileção dos Estados de terceiro mundo, tanto no que se refere à defesa de ampliação de áreas sob a jurisdição do Estado nacional – como a zona econômica exclusiva e a plataforma continental – quanto no que tange à criação de organizações internacionais para regular e gerenciar recursos considerados como pertencentes à própria humanidade, o que era o caso da noção de patrimônio comum da humanidade aplicada aos fundos marinhos. A ideia de consagração de uma nova ordem econômica internacional também dominou o vocabulário dos Estados terceiro-mundistas, o que abrangia temas sensíveis como a transferência obrigatória de tecnologia, o fortalecimento de instituições internacionais para corrigir disparidades de desenvolvimento ou a regulação mais forte dos investimentos internacionais (SNYDER e SATHIRATHAI, 1987). Essa agenda, conquanto ampla e ensejadora de uma forte mobilização, foi em grande parte fracassada ou obscurecida em virtude de desenvolvimentos no cenário internacional da década de 1980, como o fortalecimento do discurso neoliberal em matéria econômica e o fim da guerra fria, com a consequente derrocada do socialismo real. No final da década de 1990, no entanto, um discurso terceiro-mundista começa a ressurgir no direito internacional. Por estímulo direto de autores ligados a correntes pós-

modernas da disciplina, como o americano David Kennedy, da Universidade de Harvard, foi organizado o primeiro encontro de professores e pesquisadores ligados ou simpatizantes à tradição terceiro-mundista no direito internacional. O evento, datado de 1997, sediado na Universidade de Harvard e intitulado “New Approaches to Third World Legal Studies”, foi a primeira tentativa consistente de reunir vários especialistas sob uma mesma bandeira, depois do discurso terceiro-mundista perder muito de seu fôlego (GATHII, 2011). Os acadêmicos presentes no evento da Universidade de Harvard produziram um documento final que buscava aclarar uma espécie de plataforma comum para o movimento intelectual recém-inaugurado (ou restabelecido). Nele figuravam ideias que marcariam os futuros estudos e, ao mesmo tempo, demarcaria uma fronteira entre a nova e a antiga geração de acadêmicos terceiro-mundistas (MICKELSON, 2008). Três dessas ideias chamam a atenção: (a) a responsabilidade do jurista internacionalista na marginalização e na dominação de indivíduos (na maior parte situados dentro do terceiro-mundo) por outros indivíduos (na maior parte situados fora do terceiro-mundo); (b) um compromisso de estabelecer uma crítica ao direito internacional vigente com base na história do direito internacional, especialmente no que essa história se relaciona com o passado de dominação colonial; (c) a necessidade de democratizar o direito internacional levando especialmente em conta os interesses dos povos do terceiro mundo. Essas três ideias mostram os caminhos que influenciaram definitivamente aquilo que passou a ser chamado de Third World Approaches to International Law, especialmente após o jusinternacionalista indiano, B.S. Chimni, escrever o manifesto do movimento que passou a ser assim denominado (CHIMNI, 2006). Os estudos posteriores das TWAIL passaram a avançar em grande parte uma metalinguagem sobre o direito internacional. De maneira diferente de seus antecessores terceiro-mundistas, o jusinternacionalista era visto, agora, como parte significativa dos problemas que afetam o terceiro mundo. Uma estratégia de rejeição ao conhecimento prevalecente na área (mainstream) se fixou, de modo que o engajamento com as normas e as instituições jurídicas internacionais existentes passou a ser visto com grande desconfiança. Antes de promover qualquer alteração no direito internacional positivo, seria essencial se concentrar em como sensibilizar o jurista internacionalista para as privações que sofrem os povos e indivíduos do terceiro mundo. De maneira geral, ainda quando alguns autores ligados às TWAIL se preocupam com a alteração de normas e instituições internacionais, se devotam com mais afinco à questão relativa às bases epistemológicas para promover essa alteração. É o caso, por exemplo, de Balakrishnan Rajagopal, que, ao atribuir grande confiança aos movimentos sociais para a alteração do direito internacional, dedica boa parte dos seus esforços a entender o porquê de as correntes majoritárias no

direito internacional serem tão refratárias a admitir como atores (sujeitos de direito internacional) entes não estatais (RAJAGOPAL, 2003). A centralidade da história dos estudos ligados às TWAIL tem especialmente a ver com a influência que a obra de Antony Anghie exerceu no movimento. Anghie acredita que o direito internacional é, ele mesmo, produto do encontro colonial. A hierarquização das relações sociais pode ser encontrada inclusive entre os fundadores da disciplina – os mesmos que, especialmente após a década de 1980, também são considerados os precursores dos direitos humanos. A obra de Francisco de Vitória é eleita por Anghie para mostrar como o colonialismo está inescapavelmente ligado ao direito internacional (ANGHIE, 2005). Os escritos de Anghie contribuíram significativamente para que muitos TWAILers criassem um profundo ceticismo em relação a qualquer tentativa de mudança na estrutura do direito internacional, uma vez que ele é parte essencial do problema do colonialismo.8 Nesse ponto, também as TWAIL se diferenciam da geração pretérita. Boa parte do engajamento da primeira literatura terceiro-mundista no direito internacional se dava pelo fato de que, por meio da história, aqueles jusinternacionalistas conseguiam perceber que um animus que existiu na Europa para criar um direito entre diferentes nações também se deu em outros contextos geográficos, como a Ásia ou a África. O direito internacional europeu, portanto, tinha muito em comum com outros “direitos internacionais” que existiram no tempo, alguns mesmo paralelamente ao direito internacional europeu. Inversamente, a ênfase das TWAIL na história leva a uma leitura diferente: aquela de que o diálogo entre as diferentes ordens jurídicas internacionais era inexistente ou irrelevante, pois o direito internacional oprimiu e continua a oprimir, em virtude de sua própria lógica interna, o não-europeu e as normas jurídicas por ele criadas. A ideia de que se faz necessária a democratização do direito internacional leva adiante um termo muito em voga na década de 1990, mas que comporta uma série de ambiguidades. As TWAIL também foram influenciadas por esse vocabulário. B.S. Chimni algumas vezes o mencionou com uma conotação que parece significar um processo de mudança de instituições internacionais – inclusive e especialmente instituições financeiras internacionais – e respeito a direitos humanos. Chimni é um dos poucos que parece ainda querer levar adiante um projeto de mudança de tal monta com o nome de democratização (CHIMNI, 2004). De todo modo, ainda que os estudos contemporâneos sobre as TWAIL não demonstrem mais um grande entusiasmo pela ideia de democratizar o direito internacional, ele conduz à ideia de engajamento e mudança. Assim, o apelo por democratização radicaliza um conflito presente em muitos TWAILers: a crítica epistemológica e um projeto 8

Tal ceticismo também pode ser encontrado em escritos simpatizantes do terceiro-mundismo no direito internacional publicados poucos anos antes do citado encontro de Harvard. Eles parecem ter também contribuído para moldar essa postura de descrença em relação ao direito internacional. Sobre esses escritos, ver GATHII, 1998.

prático-institucional; a visão de que a linguagem do direito internacional é excludente e a consciência de que não é possível abrir mão de uma agenda vigorosa prática de mudança. Esse é o processo de aproximação e afastamento que os TWAILers conduzem em relação à primeira geração de juristas terceiro-mundistas. As três principais ideias do evento de Harvard coincidem com as poucas definições já propostas sobre TWAIL. Chama bastante a atenção o fato de terem sido poucos os esforços analíticos para definir exatamente o que são ou o que pretendem as TWAIL. Isso certamente se deve ao fato de que muitos dos simpatizantes do movimento se veem como uma “rede descentralizada de acadêmicos que compartilham compromissos comuns em suas preocupações acerca do terceiro mundo” (GATHII, 2011: 27). A falta de uma definição mais precisa tem gerado críticas às TWAIL por não constituírem uma teoria própria no direito internacional ou por não trazerem um método diferenciado para a disciplina, convertendo-se, portanto, apenas em uma sensibilidade ou um interesse por uma realidade determinada: o terceiro mundo (CORTEN, 2013: 359-366). Até mesmo TWAILers têm mostrado certo desconforto com a vagueza de objetivos e definições (MICKELSON, 2013). Para Makau Mutua, as TWAIL buscam: (1) “entender, desconstruir e desvelar os usos do direito internacional como um meio para a criação e perpetuação de uma hierarquia racializada de normas e instituições internacionais que subordinam não europeus a europeus; (2) construir e apresentar um sistema jurídico alternativo para a governança internacional; (3) erradicar, por meio do estudo detalhado, de políticas públicas e da política, as condições de subdesenvolvimento no terceiro mundo” (MUTUA, 2000: 31). Ainda que nessa definição apareçam elementos estranhos ao documento final do encontro de Harvard, como a ideia de “hierarquia racializada”, ela abarca a crítica epistemológica – com recurso à história – e a necessidade de engajamento – ainda que com enorme desconfiança em relação ao sistema internacional – para a alteração do direito internacional. De maneira mais abstrata, a definição de Chimni é construída de maneira similar, caracterizando as TWAIL como uma “perspectiva avançada por um grupo de especialistas que comungam a aspiração comum mínima de olhar a história, a estrutura e o processo do direito internacional e das instituições sob o ponto de vista dos povos do terceiro mundo, em especial de seus grupos pobres e marginais” (CHIMNI, 2007: 200). Uma crítica que paira sobre o próprio nome do movimento é aquela referente à insistência na utilização do termo terceiro mundo. A justificativa na sua utilização normalmente tem circundado a ideia de uma experiência comum de opressão e sujeição de determinados povos e indivíduos em relação a outros. O terceiro mundo, nesse sentido, se justificaria historicamente para situar uma realidade determinada (CHIMNI, 2006; MICKELSON, 1998; OKAFOR, 2005; MUTUA, 2000). Tais explicações, no entanto, não têm

sido suficientemente satisfatórias, o que deixa constantemente em aberto a questão acerca da denominação do movimento (GALINDO, 2013). De todo modo, ainda que pairem dúvidas sobre os exatos objetivos e a definição das TWAIL, é inegável que o movimento tem angariado um número significativo de simpatizantes e participantes – ainda que eles se vejam como um movimento descentralizado. Várias importantes revistas especializadas já devotaram números específicos sobre a TWAIL e encontros têm se multiplicado, com uma ampla participação de professores e pesquisadores de diferentes partes do mundo.9 O último desses encontros ocorreu na cidade do Cairo, com uma presença maciça de jovens professores e pesquisadores, algo bastante indicativo da vitalidade do movimento.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este paper buscou fazer uma apresentação, ainda que sumária, dos principais aportes do pós-colonialismo tanto nas relações internacionais como no direito internacional. Desde já, é possível perceber que a influência de um pensamento pós-colonial (ainda que não necessariamente pós-colonialista) é mais duradoura no direito internacional, ainda que tenha ficado obscurecida por certo tempo também nesse campo e estar longe de constituir-se parte da mainstream. Diversos pontos em comum sobressaem. Tanto nas Relações Internacionais como no Direito Internacional, abordagens que pressupõem o binômio conhecimento/poder têm sido significativamente cultivadas. As relações internacionais e o direito internacional são espaços que pouca ou nenhuma visibilidade dão às pretensões de indivíduos e grupos encontráveis em países pobres, contribuindo, em verdade, para a sua opressão. E tal marginalização é diretamente responsável por acadêmicos que adotam tal perspectiva terem pouca penetração na mainstream de ambas as áreas. A ênfase na história é outra marca notável em comum do pós-colonialismo nas Relações Internacionais e no Direito Internacional. Tal ênfase ainda se baseia no binômio conhecimento/poder, mas o estende para a dimensão “tempo” a fim de perceber que o presente e o passado estão constantemente se conectando para produzir e reproduzir hierarquias coloniais, em desfavor, evidentemente, de uma grande parte dos indivíduos do globo terrestre. Assim, as narrativas tradicionais da “evolução” das relações internacionais e do direito internacional são epistemologicamente enviesadas e produzem relações assimétricas de poder. Por exemplo, a ideia de que o sistema internacional é anárquico pode significar apenas um modelo, reforçado por narrativas pretensamente convincentes, de 9

Para um panorama dos encontros, com bibliografia de estudos ligados às TWAIL, ver o estudo, ainda que desatualizado, de GATHII, 2011.

manutenção do status quo. Ou a ideia de comunidade internacional no seu conjunto, no direito internacional, que reforça um sentido histórico de progresso de uma estrutura societária para uma outra, comunitária, pretende ver a unidade do sistema jurídico internacional, quando ele é profundamente fragmentado não apenas por sistemas especializados, mas pela gritante desigualdade (inclusive jurídica) entre indivíduos e Estados. Quanto às diferenças, uma agenda de reforma do sistema internacional ainda é bastante tímida no âmbito das Relações Internacionais, algo que pode ser encontrado entre os jusinternacionalistas terceiro-mundistas – não sem algumas ambiguidades. Também é possível perceber que as TWAIL despertam um interesse maior no campo do direito internacional do que os estudos pós-coloniais nas Relações Internacionais, ainda que, como já afirmado, isso não signifique que as primeiras integrem o mainstream daquela disciplina jurídica. Este paper almeja despertar entre acadêmicos brasileiros de relações internacionais e de direito internacional um interesse maior pelo pós-colonialismo. O Brasil – até mesmo por suas contradições internas – é um palco privilegiado para o estudo e a aplicação de ideias pós-colonialistas. O passo seguinte a ser dado é fazer com que relações internacionais e direito internacional, com base em tais ideias, consigam dialogar. Diálogos nesse sentido têm sido, de maneira geral, restritos à perspectiva liberal (v.g. SLAUGHTER BURLEY, 1993) e algumas perspectivas construtivistas (v.g. KRATOCHWIL, 2014). Sem dúvida, esse é um árduo campo de estudos, porém premente. É um corolário necessário de todo o conhecimento que se encontra aberto permanentemente à crítica. E a crítica será sempre necessária em um mundo em que tantas privações, especialmente de ordem material, são sentidas por tantas pessoas simultaneamente, em tantas partes do globo.

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