DA UNIVERSIDADE MODERNA E CIÊNCIA CONVENCIONAL À SUA SUPERAÇÃO: NOTAS PARA UMA CRÍTICA DA CIÊNCIA

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DA UNIVERSIDADE MODERNA E CIÊNCIA CONVENCIONAL À SUA SUPERAÇÃO: NOTAS PARA UMA CRÍTICA DA CIÊNCIA

DE LA UNIVERSIDAD MODERNA Y CIENCIA CONVECIONAL PARA SU SUPERACIÓN: NOTAS PARA UNA CRÍTICA DE LA CIENCIA

FROM THE MODERN UNIVERSITY AND CONVENTIONAL SCIENCE TO ITS SUPERATION: NOTES FOR A CRITIC OF SCIENCE Thiago CANETTIERI1

RESUMO: O presente artigo apresenta uma reflexão crítica em torno da produção da ciência aos moldes convencionais próprios do estatuto moderno que marca a formação do pensamento científico e da universidade sob os signos do positivismo. Essa forma de conhecimento se tornou, desde o século XVII a unica forma válida e que passou a regular todas as instâncias da vida já que era tida como técnica livre de ideologias e, portanto, neutra. Todavia, a reflexão crítica sobre a ciência realizada por vários autores contemporâneos demonstram seu caráter político que subjaz sua produção convencional. De frente a estas inquietações a pergunta de qual seria o estatuto da crítica da universidade moderna e da ciência convencional se faz necessária, não apenas para entender o meio que estamos, enquanto pesquisadores e acadêmicos, mas, em especial, para pensar a sua superação. Palavras-chave: Ciência convencional; Crítica da ciência; Ideologia RESUMEN: Este artículo presenta una reflexión crítica sobre la producción de la ciencia para sus propios moldes de estado modernas convencionales que marca la formación del pensamiento científico y la universidad bajo los signos del positivismo. Esta forma de conocimiento se ha convertido, desde el siglo XVII, la única manera válida y comenzó a regular todos los aspectos de la vida, ya que fue visto como libre de ideologías, técnica y por lo tanto neutral. Sin embargo, la reflexión crítica sobre la ciencia llevada a cabo por muchos autores contemporáneos demuestran su carácter político que subyace en su producción convencional. Frente a estas preocupaciones la cuestión de cuál sería el estado crítico de la universidad moderna y la ciencia convencional es necesario, no sólo para comprender el medio que nosotros, como investigadores y académicos, pero en particular a pensar en su superación. Palabras clave: La ciencia convencional; Crítica de la Ciencia; ideologia ABSTRACT: This article presents a critical reflection on the production of science to their own conventional modern status molds which marks the formation of scientific thought and 1

Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador do Indisciplinar (EA/UFMG). E-mail: [email protected] TERCEIRO INCLUÍDO ISSN 2237-079X NUPEAT–IESA–UFG, v.5, n.2, Jul./Dez., 2015, p.36-48, Artigo 99

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the university under the signs of positivism. This form of knowledge has become, since the seventeenth century the only valid way and began to regulate all spheres of life as it was seen as free of ideologies, technical and thus neutral. However, the critical reflection on the science carried out by many contemporary authors demonstrate your political character that underlies its conventional production. Facing these concerns the question of what would be the critical status of the modern university and conventional science is necessary, not only to understand the medium that we as researchers and academics, but in particular to think about its overcoming. Key-words: Conventional science; Critique of Science; Ideology

INTRODUÇÃO A universidade moderna, sob a referência do positivismo, foi durante muito tempo – mais do que o desejado, inclusive – concebido como algo superior, produzindo a ciência de um modo convencional. Únicos portadores do verdadeiro conhecimento, os cientistas eram aqueles que o detinham, e dele recebiam poder – Foucault (1979) irá falar do saber-poder para designar esse processo na alvorada da modernidade.

Tomada como única forma de

conhecimento válida (LATOUR, 2001), e, embora tenha passado por uma vitalizadora revisão de tais concepções paradigmáticas (em especial baseada em estudos da sociologia e antropologia) que passa a garantir e reconhecer destaque a outras formas de conhecimento, ainda hoje é frequente essa postura. O subtítulo da obra de Latour (2001) é paradigmático: como seguir engenheiros e cientistas pelo mundo. Assim, revela-se o estatuto de conhecimento tido como único, capaz de resolver os problemas do mundo através da técnica. Assim, essa reflexão é, antes, uma crítica sobre o processo e o resultado de trabalho nas ciências. A ciência não pode deixar, nunca de ser autocrítica e de determinar sua função social. Deve reconhecer seu papel essencialmente engajado na realidade, ou de sua perpetuação ou de sua superação. Nesse sentido, refletir sobre a forma que o conhecimento científico é produzido deve ser um imperativo para entender a produção do conhecimento contemporânea e elaborar sua crítica. Diversos autores dedicaram à essa tarefa, entre eles Foucault (1979); Latour (1992); Deleuze (1988); Jamenson (2011); Hissa (2013). Assim, é necessário pensar a universidade moderna e a ciência convencional para que possamos dar conta de imaginar sua superação.

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De frente a estas inquietações a pergunta de qual seria o estatuto da crítica da universidade moderna e da ciência convencional se faz necessária, não apenas para entender o meio que estamos, enquanto pesquisadores e acadêmicos, mas, em especial, para pensar a sua superação. UNIVERSIDADE MODERNA E CIÊNCIA CONVENCIONAL O capitalismo se desenvolve a partir da modernidade e cria (e é criado), numa complexa dialética, os ideais modernos que vem a sustenta-lo. Dentre eles, foco na universidade moderna. Instituição do conhecimento científico-convencional, torna-se um lugar central na consolidação do capitalismo. Como discute Foucault (2003), nas universidades modernas passam a ser gestadas e pensadas as novas formas de controle político (embora encoberto pelo discurso técnico e neutro) – são nelas que desenvolvem o pensamento técnico que vai passar a ordenar a vida, através da política do Estado. Nasce daí a ideia de biopolítica. Essa universidade moderna, organizada a partir do positivismo e de seus arautos como Francis Bacon, Augusto Comte, Rene Descartes entre outros, tenta se alçar a uma posição de superioridade como forma de poder (FOUCAULT, 1979). A análise do saber-poder parece indicar para o estabelecimento das lutas travadas entre os saberes sujeitados e os discursos dominantes. As ciências, diz Deleuze (1988, p. 82), não podem ser separadas das relações de poder que as “tornam possíveis e que suscitam saberes mais ou menos capazes de atravessar um limiar epistemológico ou de formar um conhecimento.” O poder, considerado abstratamente, não vê e não fala, entretanto faz ver e falar. A determinação de um corpus de frases e de textos para se extrair enunciados só pode ser feita designando os focos de poder dos quais esse corpus depende. De forma que “se as relações de poder implicam as relações de saber, estas, em compensação, supõe aquelas” (DELEUZE, 1988, p. 89-90). O paradigma da modernidade ocidental carrega consigo a consolidação de uma razão moderna. Uma razão que, estando calcada no positivismo e no empirismo, preza como correto e acertado a objetividade, imparcialidade e neutralidade da ciência convencional 2. Assim, dizem seus defensores, alcançariam o rigor científico o objetivo do conhecimento produzido por essa instituição.3 Como afirma Souza Santos (1988) esse modelo de racionalidade que 2

Rene Descartes afirmava que só é ciência o que é passível de ser abordado matematicamente o que implica em uma total eliminação do sujeito na produção da ciência, se reduzindo aos números estéreis. 3 “Pegas no alvo com as tuas duas mãos e atiras o seu centro contra a lâmina da flecha. Eis a exatidão científica” (TAVARES, 2006, p.17) TERCEIRO INCLUÍDO ISSN 2237-079X NUPEAT–IESA–UFG, v.5, n.2, Jul./Dez., 2015, p.36-48, Artigo 99

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nasce com a ciência moderna e convencional é derivado da revolução científica do século XVI desenvolvida no domínio das ciências naturais e que alcança as também as ciências sociais. Essa forma de „fazer‟ ciência, que reproduz “fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas” (SOUZA SANTOS, 1988, p.3) do que seria conhecimento científico e não científico se impõe como um modelo global e totalitário, subsumindo toda as formas de racionalidade a apenas uma: a científica. Dessa forma, negam os sentimentos que o sujeito que faz a ciência possui. Neste sentido, pergunta-se Tavares (2006, p.18) “Uma ciência que não investiga os sentimentos serve para quê? Serve ao homem?”. A ciência moderna e convencional, destituída de sujeitos serve, pois, a “toda parte do homem que não é sentimento”. A separação abrupta entre sentimento e conhecimento se faz exatamente como estratégia de acumulação: criar uma percepção de mundo técnica, em que as questões, podem ser resolvidas de forma asujeitada e distante dos sentimentos e das escolhas – portanto, distante da ética em nome de um certo “rigor científico”. Esse rigor científico significaria então uma despolitização da ciência. Neste paradigma a ciência deve ser neutra das paixões e da política pois assim alcançaria a verdade com rigor e precisão. Assim, a posição científica dominante no mundo moderno força uma falsa neutralidade. Baseado no cientificismo ou, no que ficou conhecido depois de Lacan (apud ZIZEK, 2009) como, “discurso da universidade”: a ciência convencional se propõem neutra, embora carregue consigo pesada carga ideológica entranhada em suas concepções e suas práticas. Nesse sentido, esclarece Slavoj Zizek (2009): “The university discourse is enunciated from the position of “neutral” knowledge; it addresses the remainder of the real turning it into the subject ($). The truth of the university discourse, hidden beneath the bar, of course, is power.” Assim, a prática desta ciência pode ser imposta a partir de sua “falsa neutralidade”, embora uma análise detalhada revele o papel ativo desde os aparatos estatais até as crenças ideológicas que sustentam a “neutralidade” deste mecanismo. Nesse sentido, “tal neutralidade é mais metafísica que a metafísica” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.31) Assim, com o projeto moderno e capitalista emergente no ocidente se estruturou um

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universo de sentido que passou a mediar e organizar, simbolicamente, a experiência subjetiva dos indivíduos. À isso Zizek (2009), apoiado nas ideias lacanianas, chamou de Grande-Outro. Designa, portanto, alguma coisa que recorta a realidade e dá sentido à ela. Esse Grande-Outro que nasce do projeto moderno impõem uma determinada forma intersubjetiva de relacionar com a ciência que, apesar do discurso sobre si mesma como neutra, não pode o ser. A ciência que se diz neutra, na verdade, é a ciência do Grande Outro, que é estruturada a partir das ideias dominantes e, por óbvio, não é neutra. Sobre isso, deve-se lembrar da síntese de Marx e Engels (2009): As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. [...] As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes.

Por isso, ao olhar para a ciência convencional encontramos a competição, o ritmo acelerado e a despolitização, tão presente. Imposta pelas relações capitalistas, o que passa a organizar a forma de se perceber a ciência e a produção do conhecimento são os ideais que sustentam o capitalismo. Ou, como afirmavam Adorno e Horkheimer (2006), a ciência moderna é totalitária. “O pensar reifica-se num processo automático e autônomo, emulando a máquina que ele próprio produz para que ela possa finalmente substituí-lo. O esclarecimento pôs de lado a exigência clássica de pensar o pensamento porque ela desviaria do imperativo de comandar a práxis.” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.33)

Dessa forma o ritmo da circulação de capital, ao incidir sobre a ciência, a subjuga à seu próprio tempo (e acaba com o tempo do cultivo da ideia (HISSA, 2013)). Como aponta Foucault (2003) a universidade moderna passa a ser submetida ao mercado e ao capital e a ciência passa a se tornar uma estratégia de acumulação (SOUZA SANTOS, 2004). Assim, é impossível falar de uma universidade e ciência neutras. A universidade moderna é um lugar político, mesmo que seu discurso seja da neutralidade científica. É um lugar político porque passa a ser local de uma reprodução de uma ideologia que, simultaneamente, são estruturantes e estruturadas pelo funcionamento do capitalismo. DE QUEM FAZ A CIÊNCIA ATÉ A CIÊNCIA PARA QUEM? PERGUNTAS FUNDAMENTAIS Quem faz a ciência? A resposta óbvia: os cientistas. No entanto, a literatura científica é, frequentemente, calcada em uma linguagem fria e impessoal. O marcador gramatical típico

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dessa posição é o uso da voz passiva ou o uso da terceira pessoa. Esse tipo de estruturação da oração serve, em primeiro lugar, para ocultar os responsáveis pela ação e parece excluir os pesquisadores da arena da construção do conhecimento. Como se o conhecimento partisse de uma autopoiésis, quase que metafisicamente. A voz passiva e a terceira pessoa nas frases contribuem para criar a impressão de um conhecimento neutro e universal. No limite, uma ciência produzida sem sujeitos. No entanto o que significa uma ciência produzida sem sujeitos? Como a intuição deve levar a crer, isso é impossível. Ciência é um ato, e como todo ato é preciso um sujeito. No entanto, com a impessoalidade construída no texto quem “diz” é o “Grande-Outro”, ou seja, essa cadeia de sentido externamente colocada através de uma dimensão ideológica que garante o ordenamento simbólico da experiência social que é a ciência. A impessoalidade, ao contrário do discurso construída de si própria, é uma construção ideológica. Conforme apontado por Teixeira (2009), o uso da linguagem está direcionado e limitado por alguma espécie de ordenação representativa que garante o sentido comunicacional, já que este está inserido na arena simbólica. Da leitura psicanalítica construída por Lacan (1995) é de onde pode emergir este entendimento, em especial, a partir da ideia de significante-mestre. No caso da ciência, a ideologia moderna, atua como gesto normativo do significante-mestre que garante o laço entre linguagem e referente em um ordenamento representativo que os significados derivam. A prescrição normativa do mestre (moderno e capitalista) passa a atribuir a ciência como um texto ideológico que garante sua própria reprodução. Como observara Foucault (2001), no lugar de falar da origem (Ursprung) do conhecimento, Nietzsche preferia falar de uma Erfidung, ou seja, de um artifício ou invenção do conhecimento, estabelecendo a sua própria existência como condicionada por um jogo de relações sociais. Nesse sentido, as condições ideológicas determinadas pelas relações de poder seriam fonte e não entrave ao conhecimento. “Todo discurso depende, para se constituir, de sua conformação a algum tipo de exercício do poder, e isso também se aplica ao discurso do intelectual” (TEIXEIRA, 2009, p.165). Da garantia de sentido que o discurso científico se sustenta passa-se a uma outra dimensão. A manutenção de um certo universo simbólico que transcende os muros da universidade e serve como exercício de poder. Por isso faz sentido falar do discurso científico

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ser de um grande-outro, já que passa por um suposto-saber que oblatiza o sujeito dando lugar para o significante-mestre atribuir os sentidos da fala. E quais são esses sentidos? Aqueles que sustentam nossa ordem simbólica. Nesse sentido que devemos ler a afirmação de Hissa (2013, p.25): “A recusa do eu transforma-se em rejeição do outro (HISSA, 2013, p.25). Ora, a recusa que a ciência faz do eu, como se fosse tornar mais neutra e mais objetiva por conta disso, significa em rejeitar também aquele outro, distanciando-se do que Souza Santos (2004) chama de Ecologia de Saberes. Esse, talvez, seja o retrato do funcionamento do modo de vida (para além de modo de produção) do capitalismo: recusar o eu, em nome do sistema (Zizek (2012) inclusive contrapõem a figura do capitalista como sujeito egoísta, na verdade, afirma o autor, o capitalista está disposto a sacrificar-se para o funcionamento do sistema) e, com isso, rejeitar o outro, fato este recorrente ainda fora da universidade. Portanto, a pergunta que deve ser feita, já que não existe „eu‟ ou „outro‟ na ciência convencional, é: Ciência para quem? A resposta só pode ser uma: ciência para uma certa ordem hegemônica. E portanto, é necessário refletir sobre as implicações políticas dessa posição da universidade moderna e da ciência convencional. PENSAR A POLÍTICA NA CIÊNCIA Cada trabalho acadêmico, por mais que defenda a neutralidade cientifica, reflete a posição ideológica-política-social do autor. É necessário esse reconhecimento tal como diversos filósofos, sociólogos e antropólogos do conhecimento vêm apresentando (FOUCAULT, 1979; DELEUZE, 1988; LATOUR, 1992; ZIZEK, 2012; HISSA, 2013). Uma ciência neutra e distante é tão abstrata e irreal nos mesmos termos que essa ciência julga evitar (alguns, até mesmo, a combater) e, “[...] regride à mitologia da qual nunca soube escapar” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.34). Como o psicanalista francês Jacques Lacan uma vez disse em um de seus seminários: “A política não é inconsciente, mas o inconsciente é política.” (apud ZIZEK, 2012, p.26) Assim, deixou-se claro que a ciência deve ser, por extensão, uma atividade política, conscientemente ou, ainda pior, de forma inconsciente, pois torna a política do Grande-Outro. É nessa perspectiva, que se pode compreender a integração da política, e assim se torna possível vislumbrar a série de processos que ocorrem na sociabilidade capitalista dentro do

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contexto da produção do conhecimento nas universidade, buscando destacar as várias (e constituintes da própria realidade) tensões e conflitos existentes. Como afirma Slavoj Zizek (2012, p.34) “Não há fenômenos ideológicos, culturais, econômicos, etc. que não estejam contaminados pela luta política.” Ou ainda, Donna Haraway (1995, p.11) para quem “A Ciência é um texto contestável e um campo de poder [político]”. Para ilustrar essa concepção marxista o próprio Zizek (2012) apropria-se da teoria psicanalítica lacaniana, retomando o conceito ex-timo. O termo contrapõe (e integra) o prefixo ex (de exterior) com o sufixo timo (de intimo), assim representa o que há de mais íntimo e, não obstante, lhe é exterior. Dessa forma é que se deve entender a política como um ex-timo. Ela é, ao mesmo, especifica em si mesma e exterior à ela própria. Assim, Zizek (2012) é necessário cortar esse “nó górdio” da ideologia, em que a política é colocada como uma instância separada (e distante) da realidade social cotidiana. Deve-se reconhecer a responsabilidade ético-política da ciência (e dos cientistas) em confrontar a violência constitutiva do capitalismo global de hoje e sua naturalização (e anonimização). Neste sentido é necessário reconhecer que o sujeito que pesquisa se insere no mundo. Como aponta Hissa (2013, p.20): “A experimentação do mundo precede a razão. Adiante, mais do que isso: A razão é feita de experimentação do mundo e o pensamento é feito do sentir”. Com isso é possível reconhecer que a posição do sujeito importa no trabalho de pesquisa já que sua percepção não acontece fora do tecido social-político. Qualquer tentativa de neutralidade científica (como aquela defendida pelo positivismo e a ciência moderna como um todo) possuiu uma impossibilidade estrutural. “Existe uma dificuldade, na pesquisa trabalhada pela ciência moderna, inerente à inevitabilidade da inserção política e cultural dos sujeitos no mundo. Não compreendemos o mundo como ele é. Não existe o mundo tal como ele é. Em primeiro lugar, porque o mundo é a leitura que temos dele, e tal leitura é tributária da inserção cultural dos sujeitos nas sociedades e coletividades. Em segundo lugar, porque a leitura que temos do mundo é a leitura de nós mesmos no mundo” (HISSA, 2013, p.35)

Assumindo esse caráter político de uma pesquisa, por extensão, alcança-se o papel do pesquisador, que também é político. O pesquisador não é (impossível não ser) um ser isolado, dentro do laboratório. É um ser social e político: “Na sua maioria, os sujeitos do conhecimento acreditam que podem, por exemplo, se despir da sua própria história, da sua condição de sujeitos afetados pelo mundo, e que podem se desvencilhar do contexto no qual

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estão inseridos para que, assim, construam o discurso da ciência” (HISSA, 2013, p.20-21). A ciência só pode ser feita a partir da realidade percebida pelo sujeito. No entanto, como aponta Zizek (2012) a realidade é percebida a partir de um recorte realizado pela ordem simbólica dominante. Eis portanto o papel da ideologia. O quadro que emoldura o que observa-se da realidade é, ele próprio ideológico. Portanto, não seria errado designar a percepção como a ideologia ao quadrado. E, por conseguinte, a produção da ciência estaria submetida a essa mesma estrutura. Nesse mesmo sentido o sociólogo e antropólogo da ciência, Bruno Latour (1992) se dedicou à compreensão desse fenômeno. O autor afirma que existe, pairando sobre os cientistas, uma “facultad misteriosa” que poucos compreendem. Partindo de uma analogia da caixa preta dos circuitos eletroeletrônicos – “[...] usan la expresión cuand una parte de un artefacto o un conjunto de órdenes es demasiado complejo. En su lugar dibujan uma cajita, acerca de la cual no necesitan conocer más que las entradas (inputs) y salidas (outputs)” (LATOUR, 1992, p.12). De tal maneira muita das pesquisas são feitas da mesma forma, apenas considerando as entradas e as saídas sem uma reflexão mais aprofundada sobre o que é o pesquisar. Essa reflexão leva-nos, como sugere Latour (1992), a abrir – ao menos uma fresta -, na caixa negra de Pandora das pesquisas (embora esteja escrito: Perigo! Não abrir.). Para o autor é fundamentalmente diferente “a ciência em projeto de elaboração” e a “ciência acabada”. Em geral os pesquisadores estão em contato com a sociedade (e até mesmo outros pesquisadores) com produtos prontos, textos acabados com um ponto final que, de fato, pouco representam do todo no qual é desenvolvido à pesquisa. Ao passo que a “ciência em projeto de elaboração”, Bruno Latour (1992) considera não apenas o ato da pesquisa em si, mas todo o processo que gravita em torno dele (o financiamento, a filiação ideológicapolítica, as fontes de dados, e etc.). Como é descrito por Lefebvre (2009, p.132), no passado – “[...] not-so-distant past [...]” – e ainda hoje “[...] the political was viewed as an obstacle to rationality and scientific procedure”. No entanto, o esforço de determinados autores (e dessa pesquisa, de forma modesta) de recuperar essa discussão e inserir ciência e política no mesmo contexto vem ganhando espaço no cenário acadêmico.

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QUE FAZER? Frente a crítica construída até aqui, e, encarando a necessidade de um movimento revolucionário para os rumos da ciência e da universidade, é imperioso repetir a pergunta leninista. O mesmo esforço foi realizado, de maneira mais pormenorizada do que encontrado aqui, por Souza Santos (2004). No entanto, repetir a pergunta não implica em, necessariamente, apresentar uma resposta pronta e acabada (e nem essa foi a intenção de Souza Santos (2004)). Na verdade, as proposições que aqui se seguem são apenas reflexões parciais e ainda iniciais que pretendem apontar um dos caminhos à se seguir rumo a superação da ciência convencional. A distinção entre os projetos filosóficos marxista e hegeliano não está apenas na dialética do espírito e a dialética materialista; mas também na potência revolucionária, de mudança, que existe na filosofia de Marx (1982). Como o próprio autor afirma em sua famosa última tese a Feuerbach: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.” Mas este mesmo conteúdo revolucionário é possível encontrar em Foucault (1985, p.4) para quem a filosofia deveria ser "como um instrumento, uma tática, um coquetel Molotov, fogos de artifício a serem carbonizados depois do uso", em Deleuze (1988), Sartre (1989, p.20) que afirmava: “O escritor „engajado‟ sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar”, ou em Boaventura de Souza Santos (2004) e, ainda, no Brasil destacamos Milton Santos (2000) para quem fazia questão de ressaltar que o papel do intelectual é criar um incomodo na sociedade ou, a partir das reflexões críticas sobre a ciência moderna de Hissa (2013). É a partir dessa indignação, da crítica à universidade moderna e ciência convencional, desta negatividade, que poderá ser possível levar a cabo um processo de transformação, não apenas da forma de se produzir o conhecimento, mas das práticas sociais. Cabe reconhecer e assumir uma posição política dos pesquisadores. Diversos autores já destacaram a impossibilidade de uma neutralidade do conhecimento científico - “it is impossible to put ourselves outisde history and politics” (HARVEY, 2001, p.4). Dessa maneira, deve-se lembrar de que a pesquisa “It’s not a commentary on social life but rather an invervention” (GREGORY, 1994, p.79). Concordo com Hissa e Marques (2005) sobre a necessidade de um desapego a algumas tradições (que foram ou são confortos) para o exercício da construção da pesquisa. A

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pesquisa, na indisciplina, pode se fortalecer como saber da crítica e crítica do saber, capaz de avançar na produção do conhecimento em termos mais específicos que meramente volume de artigos e comunicações publicadas. Assim, poderia afirmar que falta rebeldia e indisciplina na produção da ciência. Os modelos da ciência convencional (das metodologias às estruturas de pensamento) já tão sedimentados dentro da universidade acabam servindo de barreiras para que ocorra essa superação. Dessa forma, é imperioso ser desobediente quanto à esses modelos. O psicólogo Erich Fromm (1984) esclarece: "En verdad, la libertad y la capacidad de desobediencia son inseparables; de ahí que cualquier sistema social, político y religioso que proclame la libertad pero reprima la desobediencia, no puede ser sincero". Assim como a liberdade dos homens veio, na mitologia grega, com Prometeu roubando o fogo dos deuses, na superação da ciência convencional será necessário desobedecer alguns pressupostos defendidos pela universidade moderna.

PARA NÃO CONCLUIR, APONTAMENTOS DE UM HORIZONTE Da crítica à ciência convencional deve emergir, de um movimento propriamente dialético, a ciência não-convencional, enquanto modo de produzir conhecimento de maneira diferente do prescrito pelo estatuto do conhecimento moderno. Da ciência convencional, enquanto uma ciência de negação da criatividade, do sujeito, da política para uma ciência nãoconvencional, a negação da negação. Assim, pode-se dizer que a ciência não convencional envolve um movimento duplo. Implode porque nasce na negação, da crítica da ciência convencional e explode porque extravasa os muros da ciência convencional. Essa ciência não-convencional, para fins didáticos, podemos alocar alguns dimensões que são capazes de começar a pensar nas possibilidades de superação da ciência modernaconvencional sem ser exaustivo sobre elas que parte dos escritos de Hissa (2013); Tavares (2006) e Souza Santos (2004): 1) Uma ciência criativa, que seja capaz de criar coisas novas e, não apenas, reproduzir padrões estabelecidos; 2) Uma ciência com sujeito, destacando a nota de Hissa (2013, p.37) que afirma: “Podemos dizer que a interpretação dos significados do mundo é, também, a interpretação acerca de nós mesmos tal como nos inserimos, política e

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culturalmente, no mundo”, e, assim reconhece sujeitos que produzem saberes4; 3) Uma ciência aberta, que se coloque para além dos muros da universidade e aprenda como fazer com o outro, como se tem tentando fazer algumas linhas marginais desde o operáismo (CAVA, 2012) até uma certa antropologia crítica contemporânea (VIVEIROS DE CASTRO, 2014); 4) Uma ciência revolucionária, que, orientada pela décima primeira tese à Feuerbach de Marx (1982) possa, não apenas interpretar o mundo mas se colocar, ativamente, para muda-lo. A ciência então abrange mais do que as páginas dos artigos publicados, mais do que os dados analisados ou os modelos aplicados. A ciência é, antes, uma aventura repleta de tensões, indefinições e caminhos, alguns abertos e já trilhados, outros (talvez a maioria deles) ainda por abrir. De forma especialmente geográfica, a pesquisa é um mapa. São inventados; são desmanchados; são reconstruídos. Podemos, com ele, dizer onde estivemos, onde estamos e onde estaremos.

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Com sagaz ironia, Tavares (2006, p.46) comenta: “Quem defende a objectividade em ciência anula-se como sujeito e orgulha-se disso – considera tal indispensável para o método. Porém, há pessoas que não acreditam em ciência feita por objetos” TERCEIRO INCLUÍDO ISSN 2237-079X NUPEAT–IESA–UFG, v.5, n.2, Jul./Dez., 2015, p.36-48, Artigo 99

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