DA VIDA MEDIADA PELO POP: representação e reconhecimento da cultura midiática em ficções de Nick Hornby

May 22, 2017 | Autor: T. Pereira Alberto | Categoria: Popular Music Studies, Popular Culture, Dissertations, Nick Hornby
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Comunicação Social

Thiago Pereira Alberto

DA VIDA MEDIADA PELO POP: representação e reconhecimento da cultura midiática em ficções de Nick Hornby

Belo Horizonte 2013

Thiago Pereira Alberto

DA VIDA MEDIADA PELO POP: representação e reconhecimento da cultura midiática em ficções de Nick Hornby

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação stricto sensu em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientador: Márcio de Vasconcellos Serelle Linha de Pesquisa: Sociotécnica

Linguagem

e

Mediação

Bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

Belo Horizonte 2013

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

A334d

Alberto, Thiago Pereira Da vida mediada pelo POP: representação e reconhecimento da cultura midiática em ficções de Nick Hornby / Thiago Pereira Alberto. Belo Horizonte, 2013. 135f.: il. Orientador: Márcio de Vasconcellos Serelle Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 1. Cultura popular. 2. Mídia social. 3. Subjetividade. 4. Hornby Nick, 1957-. I. Serelle, Márcio de Vasconcellos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título. CDU: 659.3:398

Thiago Pereira Alberto

DA VIDA MEDIADA PELO POP: representação e reconhecimento da cultura midiática em ficções de Nick Hornby

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação stricto sensu em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

______________________________________________ Márcio de Vasconcellos Serelle (Orientador) – PUC Minas

_____________________________________________ Eduardo Antônio de Jesus – PUC Minas

____________________________________________ Nísio Antônio Teixeira Ferreira – UFMG

Belo Horizonte, 20 de dezembro de 2013

Às minhas meninas: Maria Clara, Luiza e Sandra (porque eu sou o menino delas)

AGRADECIMENTOS A todos e tantos que contribuíram, apoiaram, criticaram e se interessaram por este trabalho, fica aqui minha gratidão, especialmente: Professor Dr. Márcio Serelle, por, desde sempre, acreditar e inspirar este projeto e tantos outros; pela orientação cuidadosa, rigorosa e, acima de tudo, carinhosa. Aos professores do curso de Mestrado em Comunicação Social da PUC Minas, um abraço de aprendiz a todos eles. Em especial ao professor Eduardo de Jesus, pelas janelas abertas todas. Aos colegas do curso de Mestrado em Comunicação Social da PUC Minas, companheiros de pesquisa e inspiração de leituras e discussões. Especialmente ao parceiro Pedro Vaz, guardião e exemplo e à Giselle Lucena, pelas conversas edificantes. Aos familiares e amigos que acompanharam o sofrimento e os custos deste percurso, com ombro, bons humores e necessárias calibragens etílicas.

“How can anybody learn anything from an artwork when the piece of art only reflects the vanity of the artist and not reality?” Lou Reed

RESUMO

Essa dissertação realizou um estudo a respeito da construção do sujeito inscrito no pop dentro da sociedade contemporânea, por meio da análise de duas obras literárias do escritor britânico Nick Hornby, Alta Fidelidade (1998) e Juliet Nua E Crua (2011), pensando nestas obras como narrativas que implicam, em sua enunciação, o diálogo entre o romance e formas derivadas da cultura midiatizada, como música pop, cinema e séries televisivas. Seu objetivo foi construir uma noção do pop, através de trajeto histórico e analítico, recuperando a origem do termo, a partir de um estudo sobre a arte pop da segunda metade do século XX. A partir disso, alinhavamos a possibilidade de emergência do pop na sociedade contemporânea moldado também por suas interseções com a onipresença da mídia na vida contemporânea, através de análises de algumas noções apresentadas sobre cultura popular e cultura das mídias. Examinamos então, na obra de Hornby, um possível espaço de representação e reconhecimento da ideia do pop e o modo como essa cultura atua no ficcional, em um dos eixos moduladores da subjetividade dos sujeitos contemporâneos. Analisamos os dois romances de Hornby no contexto da literatura atual, nos quais se apresenta uma espécie de tensionamento entre a forma realista de narrativa (o romance) e as referências intertextuais relativas à cultura midiática contemporânea e o pop. A pesquisa propõe como corpus o estudo das duas obras citadas por acreditarmos que ambas expõem, com maior nitidez, em suas narrativas o tema explorado pela pesquisa: examinar, através do literário, a representação e construção de personagens e de subjetividades à luz da presença cotidiana da mídia, sua lógica e formas de interação pelo pop.

PALAVRAS-CHAVE: Pop. Nick Hornby. Mídia.Arte .Literatura

ABSTRACT

This thesis conducted a study regarding the construction of the subject inscribed in the pop in contemporary society, through the analysis of two literary works of the British writer Nick Hornby, High Fidelity (1998) and Juliet Naked (2011), considering these works as narratives involving, in its enunciation, the dialogue between the novel and derived forms of MediaDriven culture, such as pop music, movies and television series. His goal was to build a sense of pop through a historical and analytical path, retrieving the origin of the term, from a study of Pop Art in the second half of the twentieth century. From this, we delineated the possibility of pop emergence in contemporary society also shaped by its intersections with the omnipresence of media in contemporary life, through analysis of some notions presented on popular culture and media culture. Thereby we examine, in Hornby´s work, a possible space of representation and recognition of the ideia of pop and how this culture operates in the fictional field, on one of the modulators axis of the subjectivity of contemporary subject. We analyzed the two novels written by Hornby in the context of the current literature, in which is presented a kind of tension between the realistic narrative form (the novel) and intertextual references related to contemporary media and pop culture. The research proposes as corpus the study of the two mentioned works believing that both expose, more clearly, in their narratives the theme explored by the research: to examine, through the literary, the representation and construction of characters and subjectivities in the light of everyday media presence, its logic and forms of interaction by pop.

KEYWORDS: Pop. Nick Hornby. Media. Art. Literature

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 – Hommage à Chrysler Corp, Richard Hamilton, 1957.........................................29 FIGURA 2 – Natureza Morta n.24, Tom Wesselmann, 1962...................................................31 FIGURA 3 - Posto Standard, Ed Ruscha, 1963........................................................................32 FIGURA 4 - Lucky Strike, Stuart Davis, 1921.........................................................................36 FIGURA 5 – Farmácia, Edward Hopper, 1927........................................................................47 FIGURA 6 - O que torna os lares de hoje em dia tão diferentes, tão atraentes? Richard Hamilton, 1956................................................................51 FIFURA 7 – Five Coke Bottles, Andy Warhol, 1962……………………………………......53

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO – LONGE DE MIM ESSE POP?.............................................................14 2 ARTE POP: INTERVALO ENTRE A VIDA E A ARTE..................................................19 2.1 Americanismo................................................................................................28 2.2 Origens da arte pop........................................................................................34 2.3 Novidade fenomênica e deslocamento filosófico..........................................37 2.4 Realismo, transparência e opacidade: mediações na arte pop.......................44 3 SUBJETIVIDADE POP ATRAVÉS DAS NOVAS CULTURAS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO.............................................................................................................56 3.1 Culturalização do mundo..................................................................... ..........61 3.2 Sontag e as novas possibilidades....................................................................67 3.3 O pop dentro do contexto de uma cultura das mídias e da cultura popular....71 3.4 O pop e a poiésis literária...............................................................................84 3.4.1 Literatura inglesa e Estudos Culturais: um contexto histórico..................86 3.4.2 A poiésis literária como possibilidade de representação e reconhecimento...................................................................................88 4 A SENSIBILIDADE POP NA OBRA DE NICK HORNBY..............................................92 4.1 Literatura pop ou uma dimensão do pop no romance contemporâneo?................95 4.2 Os personagens, os leitores, uma comunidade....................................................103 4.2.1 Analisando o pop através dos romances.................................................107 4.3 Ambiguidade e ironia pop...................................................................................115 5 CONCLUSÃO...................................................................................................................124 6 REFERÊNCIAS.................................................................................................................129

1 INTRODUÇÃO LONGE DE MIM ESTE POP?

“Nada que é pop me é alheio”. A frase é parte de um diálogo imaginário criado pelo escritor espanhol Eloy Fernandes Porta (2011) em seu artigo Afterpop: Dez não-logos sobre literatura e pop e serve para sumarizar a ruptura proposta pelos pop-artistas, de hoje e de ontem. Ficcionalizando uma conversa entre o artista plástico alemão Sigmar Polke (que apresentou nos anos 1960 uma série em colaboração com Gerhard Richter chamada de Realismo Capitalista) e o pensador Theodor Adorno, Porta escreve: “(...) assim, pois, a distinção é bíblica: Adorno, solene, diz: ‘Longe de mim este pop’; Polke risonho admite: ‘Nada que é pop me é alheio’” (2011, p.125). Em dois momentos do romance Alta Fidelidade (1998), um dos objetos escolhidos para esta pesquisa (o outro livro é Juliet Nua e Crua, do mesmo autor) o escritor Nick Hornby usa a expressão “sensibilidade pop” na voz dos personagens criados por ele. No que parece ser mais um mergulho acidental no vasto oceano de citações e referências a elementos da cultura midiática dentro da obra, o termo nos chama à atenção por sugerir e sintetizar em um conceito uma possível subjetividade, uma carga de experiências pautada pela noção de pop. Em entrevista recente à Folha de S.Paulo – motivada pela reedição deste (e de seu livro anterior, Febre De Bola, no Brasil – ele assume: “Eu sabia, quando estava escrevendo, que ele (Alta Fidelidade) teria um impacto, porque conhecia muita gente que era daquele jeito e sabia que aquelas pessoas ainda não tinham sido representadas na ficção” (SALÉM, 2013). Talvez seja devido a essa “sensibilidade pop” que uma grande parcela de leitores respondeu à obra: também como pessoas que ainda não tinham sido representadas daquela forma na literatura, um espaço que, desde sempre, atuou como um amplo campo de representação e reconhecimento. A percepção desse sujeito sensibilizado pelo pop por Hornby é o que nos interessa aqui. Também tomamos como objeto seu livro mais recente Juliet Nua e Crua (2010), por acreditar que, mesmo com a distância temporal entre eles, a noção de “sensibilidade pop” continua inscrita pelo autor para representar o sujeito contemporâneo, através de seus personagens. Hornby escreveu em 31 Canções, livro autobiográfico onde expressa com bastante clareza as bases de seu “pensamento pop”, fartamente utilizado como referência para esta pesquisa: “Adoro a relação que qualquer um tem com a música: porque existe algo em nós que está além do alcance das palavras, algo que frustra e desafia nossas melhores 11

tentativas de botar as coisas para fora” (HORNBY, 2005, p. 109). A julgar pelo restante de sua bibliografia, podemos acreditar que parte de seu desafio como romancista foi justamente o de tentar “botar as coisas pra fora”, pensar a capacidade não apenas da música, mas dos códigos que habitam o pop como linguagem, de nos decifrar. Notamos que, na sociedade atual, debate-se o pop, consome-se o pop e usa-se o pop nas mais variadas instâncias. É tarefa hercúlea se esquivar do pop, ou pelo menos da ideia generalizada que se tem dele. Esse último ponto é, de certa forma, nosso diapasão: qual seria então a natureza do pop, quais são alguns dos critérios possíveis e imaginados para entender o seu farto uso na sociedade contemporânea e como a literatura de Hornby parece espelhar isso com precisão. Uma interpretação comum da ideia de pop na contemporaneidade é a de que ele se refira (unicamente) a algo frívolo, esvaziado de conteúdo ou significações mais profundas ou impassíveis de leituras de maior densidade teórica e conceitual. Visualizando a centralidade explícita que a ideia de pop ocupa na sociedade atual, pensá-lo dessa forma sugere uma possível desconexão com o mundo em que estamos inseridos; onde o termo circula nos espaços mais óbvios e esperados (na música, por exemplo) ou nos círculos mais improváveis e possivelmente sem significado algum. O que seria uma “culinária pop” propagada em cardápios de lanchonetes ou restaurantes, como em um anúncio veiculado pela televisão no exato momento em que escrevo estas linhas? Portanto, entre o que parece absolutamente corriqueiro, soando natural, e autoexplicativo (a música pop) e o que beira o non-sense (um sanduíche pop?), repousa certa falta de definição, que, possivelmente, é o que permite a livre circulação do termo a ponto de, aí sim, esvaziá-lo por completo. Afinal, se tudo pode ser pop, nada pode ser pop. Esta frivolidade frequentemente apontada no pop é bastante discutível. Ele é apolítico? Como, se alguns dos maiores ícones do vestuário pop são personagens marcantes da nossa história, tematizados de formas diversas? 1Mesmo que seja pela via da iconoclastia, do deboche: afinal pop é também ressignificar imagens, “brincar” com conteúdos e buscar prazeres. É remediar2 o mundo que o cria. 1

Parece-me inútil elencar aqui os diversos usos pop nessa seara, mas é impossível agora não se lembrar de uma camiseta de certa Cher Guevara, a boina do revolucionário argentino cobrindo os cachos da cantora e atriz Cher. Ou pensar nas últimas imagens de campanha do presidente norte-americano (inclusive o slogan “Yes We Can”) ou a trajetória biográfica do próprio político, que seguramente será tema de filmes futuramente. Isso sinaliza que evidentemente a política é visualizada pela ótica pop. E, sim, esse movimento pode garantir um pouco além do que risadas do trocadilho esperto na camiseta ou indicações para o Oscar e rendas polpudas nas bilheterias hollywoodianas. 2 A idéia de remediar aqui vem de Jay David Bolter e Richard Grusin Em uma simplificação do conceito(no primeiro capítulo teremos um estudo aprofundado), nos referimos aqui à representação do conteúdo de um meio através de outro meio.

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Esse espírito provocador de bricolagem, de remediação, está presente na arte pop desde sua primeira tela oficialmente conceituada como tal (O que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?, 1956, de Richard Hamilton), o que nos serviu de suspeita de que seria necessária uma análise a respeito do pop nessa seara. No primeiro capítulo, portanto, a intenção é mapear historicamente a trajetória do pop nas artes visuais, através da arte pop. Trata-se de um estudo sobre o movimento, pensando na possibilidade de, através das belasartes, o pop ser avaliado como uma sensibilidade inescapável na nossa sociedade. A clássica leitura moderna, de localizar nitidamente focos de alta e baixa culturas (como se isso, na prática, fosse perfeitamente e simetricamente possível ) parece desbotada hoje se colocada na perspectiva da sociedade corrente, onde a possibilidade de um mundo cosmopolita – culturalmente falando – parece estar em curso. Alguns rastros deixados pela arte pop parecem óbvios para historicizar seu trajeto: o olhar para o ordinário, para as ocorrências comuns do dia a dia e como elas nos modelam; a possibilidade e o diálogo com uma representação realista no campo das produções artísticas e culturais, a necessidade de uma conexão reconhecedora com o presente (o aqui e agora), assumindo a ascensão de uma sociedade produtora e consumidora de produtos culturais massificados. Ainda no final dos anos 1970, Eco declarou

Se quando nasceu, o pop era uma metalinguagem que nos ajudava a compreender a linguagem da sociedade de massas, no momento é somente um aspecto da sociedade e devemos confrontá-lo com outras metalinguagens. Esta é uma dialética fatal e necessária (ECO, 1979, P.21).

Ou seja, quarenta anos depois, se faz necessária uma reflexão do pop acerca dele mesmo (o pop dentro do pop), qual é seu atual status, como ele atua como linguagem e como essa linguagem é discutida, reproduzida e utilizada como um repertório comum nas artes plásticas, na literatura, no cinema, na música pop, entre outros campos de representação e reconhecimento dos sujeitos midiatizados. A centralidade alcançada pela mídia na sociedade, que vai posicionar essa ideia do pop de forma mais incisiva, é um dos motes do segundo capítulo, aliado à mudança de posicionamento que a cultura possui nas sociedades contemporâneas de hoje e a possibilidade de, através de novas experiências, surgir novas sensibilidades. É quando percebemos que a linguagem pop é também uma reza para as “igrejinhas urbanas”, para o que vem da mídia –

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como diria Susan Sontag (1987), grande referência para esta pesquisa. O pop é um ponto de encontro na sociedade em que vivemos. Ele se torna, portanto, uma das marcas de um tempo pós-moderno, contemporâneo, símbolo de uma era da informação. Escapa de categorizações simplistas entre a ideia do que é “bom” ou do que é “ruim, ou "bastardo” ou “autêntico”. Parece preferir apenas “ser”: sua importância ou densidade não se estabelece pela permanência. Para o bem e para o mal, evidentemente. Naturalmente acreditamos que ainda existem focos de “resistência” (necessários e úteis inclusive para a adoção de parâmetros comparativos) “estratos autênticos” (HALL, 2003, p.250) tanto da sala de ópera (a alta cultura) quanto da rusticidade folclórica da cultura popular .Mas fica cada vez mais difícil enxergá-los na profusão de mesclas, híbridos, contatos velozes e instantâneos de diferentes hábitos, tradições e classes em curso na atualidade. A partir daí sugerimos outra questão: é possível, no contexto de uma sociedade fortemente midiatizada (e pensando a mídia como o suporte imprescindível para formatar e tornar viável uma ideia de pop), escaparmos do pop? Avaliando a hegemonia de modos de interação midiatizados como aponta Braga (2006), o termo cultura pop parece representar conteúdo expressivo dentro desse processo: o pop é apresentado como um vocábulo comum na sociedade atual e é aceito como espécie de linguagem, uma espécie de consciência, próprio de círculos especializados, mas cada vez mais inseridos nas discussões cotidianas. Ele passa a atuar como um modelador de realidades, como linguagem no sentido de conjecturar, semioticamente, o que mapeio como meu (como sujeito singular) e o que está fora. Assumimos aqui que a mídia é o grande cimento dessa sociabilidade (do que está lá fora) e que o pop seria um recorte dentro desse grande espaço da vida mediado pela mídia. Uma ótica pop: traduzo-me através dos filmes, livros e discos que conheço e sou interpretado (reconhecido) pelo outro, pois compartilhamos signos comuns de informação. O que nos leva novamente a Eco: O exemplo de Picasso e o quadro de (Gertrude) Stein: o quadro não se parece com o modelo, ao que Picasso responde “Em breve se parecerá”. Começariam a ver Stein através do filtro do quadro, com que as semelhanças se estabeleceriam. Ou seja, a visão de Picasso dos traços da fisionomia de Stein se converteria aos olhos do mundo nos únicos, os verdadeiros, os fundamentais; o resto, a realidade, careceria de sentido (ECO, 1979, p.10)

Essa leitura me remete a uma cena específica de Vanilla Sky (Cameron Crowe, 2001), filme que, aliás, pode ser visto integralmente como uma obra exemplar desse jogo pop. 14

Trata-se de uma refilmagem de um filme espanhol que ficou fora do radar da grande indústria (Abre Los Ojos, Alejandro Amenábar; Mateo Gil, 1997) seguindo padrões hollywoodianos. Toda a película soa como uma tentativa de interpretar o denso filme original sob uma ótica pop: da ideia de metalinguagem associada a tons fragmentados e ao onírico. Em um dos momentos mais marcantes da obra, a tradução do que o protagonista faz de um “amor ideal” nada mais é do que remontar a capa de um disco de Bob Dylan (The Freewheelin' Bob Dylan, Sony/Columbia, 1965), onde o cantor norte-americano aparece abraçado com uma namorada caminhando pelas ruas de Nova Iorque. Não seria justamente essa ideia de representação inicial (como Picasso sugere ao fazer o retrato de Stein) sob a ótica pop (a capa do álbum de Dylan) que posteriormente é reconhecida, aos olhos de alguns (o filme de Crowe), como a imagem real do amor? Os espectadores do filme não podem assumir futuramente essa referência como sendo deles também? São filtros pop: o amor representado numa imagem de um disco pop, “re-representado” em um filme pop, reconhecido pelos espectadores como um código comum para o próprio amor, um exercício de semiologia onde parece estar a possibilidade da metalinguagem pop ao extremo: o diretor assumiu ter usado (segundo sua leitura do que seria a cultura pop), 428 referências a ela no filme. Vanilla Sky se configura como um típico exercício neste sentido: toma, por exemplo, como mote visual uma pintura clássica impressionista de Claude Monet (Seine at Argenteuil, 1873), a transforma em um “Céu de Baunilha”, e monta um caleidoscópio pop. A cena final, a morte do protagonista, apresenta uma série de imagens que formariam a memória objetiva da sua vida-entre fotografias e momentos pessoais, vemos capas de discos, histórias em quadrinhos, shows de rock. Esse exemplo ilustra o que parece ser parte do jogo metalingüístico do pop: modelar a realidade de acordo com uma realidade já moldada nos objetos pop e assumir desavergonhadamente essa condição, induzindo-nos a reconhecer como “formoso o vulgar, através precisamente dos processos que foram arbitrariamente chamados de pop, camp, etc.” (LIPPARD, 1979, p.19). Ou, como aponta Lippard, na concepção de um conceito muito em voga desde a ascensão do pop, buscar o cool é uma necessidade dos tempos. Lippard denominou de cool a própria escolha temática, onde “tudo aquilo que a arte tradicional rejeitavao lixo industrial o banal do cotidiano e do consumo-passa a servir de modelo através de uma eleição profanadora”. (Lippard apud Torres, 2003, p.41). Monet na tela de cinema, um relacionamento amoroso como uma capa de disco: códigos reconhecíveis da linguagem pop. 15

Códigos cool, que singularizam e tentam diferenciar este pop de referências mais densas (difícil discutir a qualidade de um artista como Bob Dylan) com as ocorrências maquinadas pela indústria em nome do pop. É uma forma de dignificá-lo, e na literatura contemporânea, ninguém pratica essa “linguagem pop” como construção do self como Nick Hornby. No caso de Hornby, é através de suas narrativas que ele parece tentar devolver o que nos afeta internamente – a atuação do que vem de fora, nesta cultura midiatizada, sobre nós. O que ele indica é que somos sujeitos inscritos nas coisas que nos cercam, e o que editamos e escolhemos destas coisas como campo de interesse é também parte fundamental do que somos, do que nos molda e constitui. Comunicamo-nos também através de uma linguagem pop, imediata, cotidiana, e criamos campos de referência e de representação a partir do que consumimos e nos identificamos. Destas formas derivadas da cultura da mídia, parecem emergir sujeitos inscritos no pop, que são posteriormente refletidos na própria mídia. Esses sujeitos parecem nitidamente retratados pelo escritor, e o terceiro capítulo, em construção, se pauta na análise narrativa das duas obras escolhidas como recorte de pesquisa, onde avaliaremos, através dos discursos e da construção dos personagens, bastante pontuados pela intertextualidade entre a literatura e uma overdose de referências pop. Em uma frase do personagem Rob Fleming, de Alta Fidelidade (1998), parece estar uma das chaves para entender parte da questão sugerida por Hornby:

O que veio primeiro, a música ou a dor? Eu ouvia música porque estava infeliz? Ou estava infeliz porque ouvia música? Esses discos todos transformam você numa pessoa melancólica? (...) As pessoas mais infelizes que conheço são as que mais gostam de música pop. (HORNBY, 1998, p.28).

A música pop não apenas atua como moduladora da subjetividade do sujeito: parece impossível para Hornby separar seu self do pop. O personagem, dono de uma loja de discos mal sucedida comercialmente, passa boa parte de seu tempo com dois outros funcionários elencando e ranqueando artigos do pop, especialmente da música, em um exercício que mescla memória afetiva, julgamento crítico e irônico, que vai além da ideia de preferência pessoal a respeito de artigos culturais e fomenta a própria construção do seu “eu”, onde o sujeito fala através das escolhas de outros. Em Juliet Nua E Crua, com o personagem Duncan, Hornby parece radicalizar essa proposta, descrevendo-o assim:

Ele era especialista em cinema independente americano dos anos setenta e em romances de Nathaniel West, e estava desenvolvendo uma bela linha nova nos seriados televisivos do HBO (achava que estaria pronto para ensinar The Wire num futuro não muito distante). Por comparação, porém, essas coisas não passavam de

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namoricos. Tucker Crowe (um cantor obscuro de música pop ) era o seu parceiro de vida. Se Crowe morresse (morresse na vida real, ou seja, não apenas criativamente), Duncan seria o primeiro a vestir o luto. (HORNBY, 2010, p.12).

Tanto em Alta Fidelidade quanto em Juliet Nua E Crua os personagens se encontram em uma espécie de voz pop que articula suas ações e particularidades, e através desta, buscam uma espécie de singularização, já que o “seu pop” não é o mesmo de outros. Os caminhos encontrados, em ambos os casos, para buscar essa diferenciação, passam pela visão crítica imbuída nos personagens, como se apenas o conhecimento enciclopédico e o envolvimento profundo com a música pop autorizassem alguém a falar por e em nome dela. No caso de Alta Fidelidade, nota-se que os personagens assumem o papel de guardiões do pop que vale a pena – um comprador deseja um disco de Stevie Wonder e é espantado da loja por supostamente ofender os funcionários com seu “gosto horroroso” (1998, p.52), donos da razão, como se eles realmente fossem os autênticos juízes do gosto, um papel desde sempre assumido pelos críticos culturais. Em Juliet Nua e Crua, um dos momentos de maior intensidade dramática é quando a esposa de Duncan escreve uma resenha sobre um álbum do artista favorito do marido em uma comunidade especializada na Internet e com isso acaba desencadeando uma série de reflexões a respeito da arte e da vida. Essa relação entre reconhecimento dos personagens com o pop e sua representação através do pop é substrato fundamental na composição narrativa de Hornby. Através do suporte do romance – uma forma moderna de se contar histórias – o autor vai trabalhar o tempo todo de olho no presente, uma espécie de atualização do realismo literário do século XIX, sendo o inventário atual as coisas dispostas e disponíveis em uma sociedade onde a mídia e o pop parecem hegemonizar o cenário. E aí a literatura de Hornby parece querer se assumir como um espelho do contemporâneo, tomando esse papel, afirmando que em sua ótica literária não pode ser contrária ao pop e inadaptável aos acontecimentos recorrentes da cultura midiática. Portanto, a tentativa que se faz, nesta dissertação é de sistematizar uma noção do pop, através de um percurso histórico, suas filiações midiáticas e entender de que forma sua presença na obra de Hornby pode apontar uma lógica de um tempo. Porque assim como Hornby parece tentar fazer de suas narrativas uma cartografia para entender o sujeito inscrito e também moldado no pop, talvez possamos acreditar que pesquisar é, de alguma forma, um meio de autoconhecimento, uma tentativa de analisar o que nos cerca e o que nos forma. Neste caso, pretendo pensar o pop não como algo naturalmente 17

dado (como parece ser uma leitura comum), mas mapear e entender os contextos e os discursos que justifiquem sua ocorrência hoje em dia, através de membranas cambiáveis entre a arte, a mídia e o consumo. Renegar o pop como puro entretenimento, efeito da indústria cultural perversa, de uma lógica de mercado ou como uma simples forma de categorizar um gênero musical ou um prato culinário é, de certa forma, assumir que todos somos unicamente fúteis e desprovidos de leituras mais singularizadoras que acreditamos que o pop pode oferecer. Como apontou Hall, a respeito dos produtos provindos pela moderna indústria cultural, só poderíamos ser uns “tolos culturais”, vivendo em um estado permanente de “falsa consciência” (HALL, 2003, p.253) se considerarmos o pop como apenas algo aviltante para nossa formação como sujeitos críticos. E, certamente, diante de todas essas mudanças, se apontam possíveis narradores, sujeitos midiatizados cuja forte identidade com o pop mapeia com alguma precisão artística o nosso tempo. Hornby seguramente é um destes que parecem acreditar no preceito do escritor espanhol Gabino-Alejandro Carriedo, uma sintomática defesa do código do pop em relação a sua conexão arterial com a sociedade de consumo: a de que devemos “ser seriamente frívolos, e não frivolamente sérios”, e reivindicar respeitabilidade, invertendo a ordem crítica de outrora.

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2 ARTE POP: INTERVALO ENTRE A VIDA E A ARTE Os rastros da noção de pop que pretendo encontrar aqui – espécie de linguagem própria, autoconsciência subjetivadora nos sujeitos contemporâneos – espalham-se em estudos a respeito da própria sociedade contemporânea, especificamente na ascensão do que alguns autores apontam como nossa modernidade. Inicialmente, tomo a arte e as modificações pelas quais ela passou para recuperar uma possível condição para a emergência do pop atualmente, pois, os trajetos de certa forma análogos entre a vida e a arte possibilitam um recorte para se entender a presença do pop. Ranciére (2000) sugere relações análogas entre a criação artística do século XX e a política global na presença de paralelos nítidos entre transformações no interior da arte e no interior da sociedade contemporânea: “a arte como forma e autoformação da vida” (2000, p.39). Como aponta Danto (2010, p.17) um trabalho como a “Brillo Box” de Warhol só se tornou viável quando a história de fora (a vida) e de dentro (as teorias a respeito do mundo das artes) “estavam prontas para recebê-la entre seus pares”. A arte pop, portanto, é tomada não apenas como uma presença importante na cronologia das belas-artes; é também uma possível orientação para uma nova sensibilidade na vida da sociedade contemporânea. A divisão aludida de regimes de orientação pode ser um possível ponto de partida para cercar a centralidade do pop hoje e como essa nova orientação foi também construída nas entranhas do mundo das artes, a partir da emergência de um novo regime artístico que serviria como espécie de etapa que substituiria o período apontado como modernidade (a ideia de regime estético suprimiria esta nomenclatura). O autor denomina este regime de estético, ao se referir a “um modo de ser sensível próprio aos produtos da arte” (RANCIÉRE, 2000, p.32) onde se abandonam critérios que possam estabelecer uma visão unificadora e estável do que é arte. O regime estético se contrapõe ao que foi denominado, também por Ranciére, como o regime poético (ou representativo), uma orientação anterior no modo de fazer das artes que seria coerente em relação a uma visão hierárquica de uma sociedade que se desenvolve em condições de normatividade, de correspondências, distinções e gêneros bem traçados e delimitados. Como separa Ranciére (2000, p.31), o poético e o representativo definem “maneiras de fazer e apreciar imitações bem-feitas [...] e organiza essas maneiras de fazer, ver e julgar”. Captam a existência de modelos e propõem certa estabilidade e rigidez no modus operandi da organização social, que consequentemente seria capturada pela ótica artística.

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Já o regime estético tem seus estatutos fincados na suspensão da “hierarquia dos gêneros segundo a dignidade de seus temas” (RANCIÉRE, 2000, p. 32). A arte se singulariza, se desprende, se desobriga de obedecer a determinadas regras específicas. Ela se autonomiza para se fundar em relação à própria narrativa da vida: se possibilita híbrida, fragmentária e não fixa, fundamentalmente, adentra o campo das possibilidades do sensível onde o “... estado estético é pura suspensão, momento em que a forma é experimentada por si mesma” (RANCIÉRE, 2000, p.34). A arte pop e suas consagradas características (a potência do objeto idêntico ao não objeto, o questionamento do modelo abstrato, as pinturas e obras tridimensionais e narrativas, a dignificação de novos temas, o anônimo elevado à categoria de representável, as imagens dos meios de comunicação) podem ser percebidas como proposição de uma nova sensibilidade para o sujeito contemporâneo. A partir de uma renovada identificação da arte, não mais por uma “... distinção no interior das maneiras de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos produtos da arte” (RANCIÉRE, 2000, p.32), em que os artistas pop vão, na verdade, espelhar as novas experiências do sujeito imerso midiaticamente na televisão, no cinema, nos quadrinhos, na publicidade, no consumo. Assumir a presença do comum, do ordinário, do real são alguns dos aspectos que fazem do pop uma possibilidade de representação deste sensível partilhado hoje, e, historicamente, a arte pop atuou como uma possível ignição, enfatizando no campo das artes a uma presença mais forte de elementos pouco assimiláveis antes dela (como os objetos do mundo de consumo), no sentido de questionar um domínio puro da arte, com sua natureza mista, heterogênea. Na tradição anglo-saxônica se convencionou chamar popular art aquilo arterialmente relacionado à cultura de massas, ou seja, produto dos centros de produção que a fabricavam, as indústrias de cinema, de música, de quadrinhos, de publicidade. Mesmo a crítica aristocrática, afiliada à chamada alta cultura, usava o termo, até para acusar que a popular art, de fato, não tinha nada de arte. A pop art surge inteligentemente nesta discussão: é a popular art enquadrada com a seriedade da produção artística. Como exemplifica Eco (1979, p. 24), “os quadrinhos, por exemplo, eram popular art, enquanto a imitação dos quadrinhos feita por Lichtenstein era pop”. O termo pop art foi proposto por dois pensadores ingleses, Leslie Fiedler e Reyner Banham, em 1955, que imaginaram uma “estética do descartável” para destacar o “ponto de encontro entre a arte culta e a comunicação de massa” (CRUZ, 2003, p. 41). A ideia de descartável por eles colocada se refere ao repertório provindo da televisão, do cinema, da música, da publicidade, entre outros mecanismos da sociedade de consumo, de orientação 20

cotidiana e ordinária – elementos de uso social comuns, pouco explorados como temática base no campo da arte até então. O núcleo central destas discussões era o Independent Group, uma reunião de artistas e pensadores ingleses em busca de novos caminhos para a arte produzida no país, uma organização pequena e informal, que se reuniu pela primeira vez, orientados por Reyner Banham, no inverno de 1952. Entre os participantes daquilo que Lawrence Alloway chama de primeira fase da arte pop inglesa (ele vai considerar mais duas fases) estavam nomes como Frank Cordell e Richard Hamilton; artistas em busca do que Alloway avalia como o “paralelo entre a vida e a arte” (1976, p.34), ou seja, capturar pela ótica da produção artística o que acontecia no mundo cotidiano, alinhando-se para pensar e explorar a nova sensibilidade do sujeito da época, moldado pelas manifestações típicas da cultura de massa. Uma das proposições da então batizada Pop Art3, movimento voltado especificamente para o campo das artes plásticas, era a representação simbólica de um presente que parecia ser celebrado constantemente pela propaganda, pelo cinema, pelos quadrinhos, pela mídia em geral, e a partir daí pensar a hiperexposição proporcionada pela sociedade de consumo: algo que, num primeiro momento, pode parecer frívolo, mas que pode ser tratado através de uma ótica mais complexa:

A Arte Pop é por vezes relacionada tanto de maneira jocosa como com argumentos sérios com a comunicação de massas: as referências aos mass media na Arte Pop têm servido de pretexto para identificar completamente a origem com a adaptação. Pretende-se que se conclua que os artistas pop são idênticos às suas fontes. Uma tal concepção é duplamente falsa: na Arte Pop, a imagem encontra-se num contexto completamente novo e esta é uma diferença crucial; além disso, os mass media são mais complexos e menos inertes do que essa maneira de ver pressupõe. (ALLOWAY, apud MCARTHY, 2002, p. 28, grifos meus)

Ou, como definiu Hamilton em seu ensaio “For The Finest Art, Try Pop”, de 1961, “o artista da vida urbana do século XX é inevitavelmente um consumidor de cultura de massa e potencialmente um contribuinte para ela” (HARRISSON e WOOD apud MCCARTHY, 2002, p.26). Interessante pensar na seriedade (como uma defesa) do artista pop, se notar que ele não considerou o deslocamento na frase: será que um consumidor de cultura de massa não seria, por outro lado, um potencial contribuinte para a arte urbana no século XX? Da forma apontada por Hamilton, inferimos que a relação entre arte e mundo de consumo tem de ser mediada por um artista, um sujeito que dispõe de dispositivos críticos e teóricos para traçar

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Da expressão original em inglês; pretendo utilizar no restante do texto a tradução em português Arte Pop.

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um paralelo, até então bastante delicado, e assim envolver um mundo de fronteiras até então bem definidas. Neste primeiro momento, a arte pop problematiza pelo menos duas questões profundas, muitas vezes usando um filtro crítico focado em ironia e provocação. Primeiramente, ao pensar exatamente o fazer artístico em sintonia com o presente de então, com as revoluções sociais, políticas e culturais, em um mundo que se questionava nestas várias esferas, onde estaria a reinvenção e a nova significação das coisas, em um período de contradições inspiradoras. O questionamento de Alloway (apud MCCARTHY, p.30, 2002) – “até que ponto pode estar ligada à sua raiz uma obra de arte e preservar ainda assim sua identidade?” – situa parte do estatuto pop artístico: o fazer da arte a partir de objetos ordinários, tendo a mídia como o grande cimento social da contemporaneidade e adotando sua centralidade como fonte basal de inspiração. O artista pop seleciona, reelabora, resignifica através de suas obras esse movimento complexo na sociedade e com um alto grau de novidade e urgência, sendo inclusive passível de críticas. Esta operação, portanto, estabelece os artistas pop como analisadores de uma civilização invadida pelos objetos de consumo, uma sociedade “fetichista” (Eco, 1979, p.9) estudada por Marx no século XIX e no século posterior por pensadores como Benjamim, Adorno e Baudrillard4. De certa forma, o que Benjamim (1987, p. 170) assinala como a perda da aura através da reprodutibilidade técnica é fazer as “as coisas ficarem mais próximas”, a “irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução”, é materializada em grande parte do acervo da arte pop. Baudrillard (1995), por exemplo, percebe nesse caráter de representação de objetos proposta pela arte pop uma coadunação com uma arte rasa, esvaziada de caráter crítico e subversivo. “Significa o fim da perspectiva, o fim da evocação, o fim do testemunho, o fim do gestual criador – o que não é de menor importância – o fim da subversão do mundo e da maldição da arte” (BAUDRILLARD, 1995 p.121). Como se arte pop fosse apenas uma produtora de objetos, e não criadoras de obras; mera reconhecedora de uma sociedade de consumo que necessita, no campo das artes plásticas, de uma espécie de legitimação estética, pronta para ser consumida e explorada, testemunha de uma lógica do consumo que desfaz o estatuto sublime tradicional da representação artística. Para Baudrillard (1995, p.121), 4

Em obras como “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, de Benjamin; “Sociedade de Consumo” de Baudrillard e “Teoria Crítica” de Adorno.

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rigorosamente, “já não existe o privilégio de essência ou de significação do objeto sobre a imagem”, não existe uma arte a partir do cotidiano. Mas como ele mesmo desenvolve, se a arte pop dá significado ao banal, será que este não deixa de ser exclusivamente banal? Então não é possível pensar que na ideia do banal, do ordinário, do cotidiano repousem significações que expõem as subjetividades do sujeito, e que a arte pop atuaria como um campo de expressão autêntico disso? Como notou Walker (1977), para o artista pop, os objetos que aparentemente não possuíam complexidade, poderiam gerar nos espectadores uma sensação de vazio, expressividade artística nula, aborrecendo-os. Mas, “no entanto, o aborrecimento é presumivelmente apenas uma emoção tão legítima para a arte como qualquer outra. (...) Os artistas pop também exploravam como novidade o valor do tédio” (WALKER, 1977, p.27). O trabalho videográfico de Warhol (e de outros artistas residentes em Nova Iorque na década de 1960) de alguma forma se situava muitas vezes como uma espécie de antípoda ao que era produzido pelo grande centro cinematográfico norte-americano da época, Hollywood, ao buscar, através da visualidade excessiva, a beleza do ordinário e do “real” e do tédio. A exemplo de “Empire” (1964), filme que se resume a oito horas filmando o Empire State Building, um dos símbolos e orgulhos da cidade. Questão ilustrada por uma notória e provocativa declaração5 de Warhol: “as coisas mais belas em Tóquio, Estocolmo e Florença são o McDonalds. Pequim e Moscou não têm coisas belas ainda”, quando utiliza a rede de alimentação símbolo da cultura de massa não apenas como medida de progresso, mas também como parâmetro de beleza. O que não traz algo confortável, reconhecível, é tedioso; portanto assim são Pequim e Moscou, portanto assim não deveria ser a arte pop. Essa ironia de parte dos artistas pop se apresenta como um valor em si, e é questionada por muitos na medida em que sua ambiguidade torna difícil uma compreensão mais óbvia de sua proposta. Clement Greenberg, notável crítico de arte do século XX, também aponta, negativamente, o tédio e o vazio como elemento primordial da arte pop – no sentido da falta de surpresas. Greenberg (2002, p.76 e 77) defende que “...a experiência estética consiste, entre outras coisas, da interação entre expectativa e satisfação [...] Requer-se certo elemento de surpresa para a satisfação estética.” Entre os conceitos em que se ancora o seu corpo crítico (experiência estética, expectativa, satisfação) a surpresa é fundamental, algo que se perdura 5

Do original : The most beautiful thing in Tokyo is McDonald’s./ The most beautiful thing in Stockholm is McDonald’s./ The most beautiful thing in Florence is McDonald’s./Peking and Moscow don’t have anything beautiful yet, em The Philosophy of Andy Warhol:From A to B and Back Again(1975)(Tradução nossa.). A provocação aqui se refere a inexistência de um dos marcos do capitalismo, o Mc Donald´s, em países de orientação política comunista.

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no que ele chama de arte maior, que é renovável; mas que, no que ele chamará de “arte avançada” ou “acadêmica” (onde ele enquadra a arte pop), inexiste. Segundo este autor, o fator surpresa não se faz presente na arte pop, algo muito formulado e programático, “desesperador” na sua motivação de ingressar a qualquer custo na história da arte: “É como se a arte conceitual dissesse: tudo bem, nós vamos virar as costas para vocês, não lhes daremos nenhuma surpresa, e não haverá nenhuma expectativa. Vocês sentirão um tédio tão indiferenciado que ele constituirá por si só uma surpresa.” (GREENBERG, 2002, p.252). O que ele efetivamente aponta é que a arte pop é, dentre outros exemplos de “arte avançada”, mais um a não se preocupar com a questão do gosto, da qualidade estética (segundo ele, os juízes maiores da crítica): intenciona apenas ser, existir, independente do bom ou do ruim. Com isso, vê a arte muito protegida, muito fácil e sempre imediatamente popular, acomodada, de fácil leitura, tornando “consumível sua dificuldade” (GREENBERG, 2002, p28). Ampliaremos a discussão de Greenberg mais à frente. Já Adorno (2002), a partir de seus tratados sobre a Indústria Cultural, questiona a possibilidade de fusão entre os domínios da arte e da cultura de massas. Se no artigo de 1958, “The Art And The Mass Media”, Alloway (apud McCarthy 2002, p.43), chega a escrever que o sentido original da arte pop era ser “uma amável maneira de dizer mass media”, para o filósofo alemão, em seus estudos pós-Segunda Guerra, tal concepção de sociedade de massas era um mecanismo de ilusão, mera mistificação para os sujeitos, parte do processo de reificação dos objetos (onde estes seriam senhores dos homens, uma subversão sádica da busca iluminista) que em seu conjunto formaria a indústria cultural. Mais que do que algo sólido e tocável, conceitua-se como uma ideologia, um modo de pensar onde a sociedade seria controlada através das emissões massivas dos meios de comunicação da época – a propaganda, o rádio, as soup operas norte-americanas, a música e a literatura. Justamente aquilo que serviria de aporte criativo para a arte pop e que Alloway chega a sugerir que se confundem. Para Adorno A nova ideologia tem por objeto o mundo como tal. Ela usa o culto do fato, limitando-se a suspender a má realidade, mediante a representação mais exata possível, no reino dos fatos. Nesta transposição, a própria realidade se torna um sucedâneo do sentido e do direito. Belo é tudo que a câmera reproduz. (ADORNO, 2002, p.46)

A ideia de pop – ou de fazer arte com elementos recorrentes da sociedade de consumo já estava presente anteriormente em outras escolas. Sylvester (2006, p.247) nos lembra de que símbolos e signos da sociedade de consumo e da cultura popular “atraíram artistas de 24

vanguarda (à diferença de intelectuais medianos que se veem como os guardiões da alta cultura) muito antes do advento da cultura coca cola”. Possivelmente, não com o caráter de “movimento” da arte pop, mas algumas possibilidades pioneiras já se espalhavam individualizadas. Um sinal possível para a assunção da ideia do pop, porém em um sentido pejorativo, pode estar na análise crítica de Adorno (2002) a respeito da ideia de “amusement”, diversão. A possibilidade de diálogo entre qualquer manifestação artística e os elementos da cultura de massa (que posteriormente seria um dos grandes motes da arte pop) seria na verdade um conflito danoso para ambos os lados- perde-se a rudeza da arte inferior e a seriedade da arte superior A partir do momento que, pela indústria cultural, a arte passa a dialogar diretamente com o mercado, sendo viabilizada exclusivamente para o consumo, a ideia de diversão ganha também uma avaliação voltada para a ideia de mercantilização, adquirindo certo peso de respeitabilidade, no sentido de ser mais bem vendida e mais aceita como parte natural da ideologia da indústria cultural. “[...] a novidade consiste em que os elementos inconciliáveis da cultura, arte e divertimento, sejam reduzidos a um falso denominador comum, a totalidade da indústria cultural” (ADORNO, 2002, p.29) A diversão (ou distração), que vai reunir as características até então seriam indissociáveis entre a pureza do que eles chamam de arte burguesa (a alta cultura) e os mecanismos de reprodução midiática agindo na sociedade (o cinema, a publicidade, o hit parade musical), são denominados de “arte leve” (2002, p.28)

A arte “leve” como tal, a distração, não é uma forma mórbida e degenerada. Quem a acusa de traição quanto ao ideal de pura expressão, se ilude quanto à sociedade. A pureza da arte burguesa, hispostasiada à condição de reino da liberdade em oposição à práxis material, desde o início foi paga pela exclusão da classe inferior, à causa da qual- a verdadeira universalidade- a arte permanece fiel, mesmo em virtude da liberdade dos fins da falsa universalidade. (ADORNO, 2002, p.28).

Então não seria essa ideia de arte “leve” a transfiguração de elementos da chamada alta cultura em produtos de consumo, travestidos com um verniz artístico, veiculados insistentemente pela mídia da época, o rádio, o cinema, a publicidade?6 Um esvaziamento da potência e pureza da alta cultura, mas legitimada pela indústria cultural como uma arte séria, desapropriada da rudeza característica da cultura popular, a favor de equilibrar com precisão a balança entre a diversão e a sala da elite, guardiã da arte maior?

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“Eis sua glória”, escreveu Adorno, “haver terminado por sintetizar Beethoven com o Cassino de Paris” (2002, p.28) 25

Segundo Adorno (2002, p.29), “ao se aperfeiçoar e ao distinguir o diletantismo, a indústria cultural liquidou os produtos mais grosseiros, embora continuamente cometa gafes oriundas de sua própria respeitabilidade”. Esse processo que poderíamos perceber como uma espécie de “classe-medianização” seria a dinâmica da indústria em relação à alta e baixa cultura: o esvaziamento da primeira, a anulação da excentricidade nata da segunda, em função de uma estandardização cultural, todos têm acesso a tudo; tudo é padronizado para ser de fácil entendimento. Conteúdos efêmeros passam a ser revalidados pela técnica, adequados às demandas e “necessidades” do público, que passa a ter sua felicidade “determinada integralmente pela fabricação de produtos de divertimento”. (ADORNO, 2002, p.31). Ou seja, a visão adorniana em relação à indústria de entretenimento (que ele elenca como pseudo-arte; kitsch; entre outros) era certamente negativa. Não considera a possibilidade de que, a apropriação da arte pelas massas (consumindo ou produzindo), poderia gerar um deslocamento da função social da cultura, em que a tecnicização e a instrumentalização dariam lugar também para o surgimento de uma consciência mais crítica, uma recepção menos passiva, movimento que faz parte do jogo da arte pop – o artista que se assume também como consumidor. Eco (179, p.19), por exemplo, vai em direção exatamente oposta, afirmando que a arte pop atua como um dos aspectos positivos da comunicação de massas, e “com sua ambiguidade, induziu-nos a reconhecer como formoso o vulgar, através precisamente dos processos que foram arbitrariamente chamados de pop, camp, etc.” Mas talvez seja no debate entre Adorno e Walter Benjamin que perceberemos os primeiros sintomas para uma aceitação intelectual das novas condições. A proposição de Benjamin (1985) para uma teoria de obra de arte não-aurática – formas artísticas não únicas, sem poder de transcendência – possibilita uma leitura menos apocalíptica da indústria cultural. Se para Benjamin, a ciência e a técnica dos produtos culturais não estavam necessariamente atadas com a ideia de dominação, e sim como formas de expressão e imaginação, é a partir daí que se compreende uma possível primeira leitura de algo que se transfiguraria, anos mais tarde, na arte pop. Benjamim (1990, p.51) acredita que a reprodução, através da técnica, poderia levar algo do original, e “... sobretudo aproximar a obra do espectador ou do ouvinte”, um argumento que soa menos elitista e aristocrático que o de seus colegas de Frankfurt7. Em alguns momentos ele parece mesmo crente do potencial libertário de produtos da cultura de

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Vide o clássico exemplo sobre o cinema de Chaplin, que segundo Benjamin teria possibilidades críticas e progressistas para as massas; ou, no contrário a leitura adorniana de que um movimento musical com o jazz seria, na verdade “rádio”.

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massa, onde “a técnica fílmica passiva abole radicalmente a recepção passiva com a submissão contemplativa na obra” (BENJAMIM, 1990, p.51). Suas proposições definem, de forma enfática, a possibilidade de uma leitura menos radical e menos escravizadora da indústria cultural. A possibilidade de comunicação defendida por ele, de que “uma mudança de função social da arte ocorreu porque fotografia e filme falaram pela primeira vez à ampla massa, que foi continuamente excluída da cultura burguesa” (BENJAMIM, 1990, p.52), possui paralelos com alguns dos estatutos popartísticos. Reside aí uma possibilidade de discussão que é importante para a ideia do pop: sua presença ou possibilidade positiva, no sentido de ser para todos, de alcance popular; e seu possível aspecto negativo, de ser “hegemônico”, sem dar espaço para outras manifestações culturais. Ao mesmo tempo em que assenta uma busca por singularidade, o pop pode, condicionado pela indústria, atuar unificando, homogeneizando as condições de produção cultural. Lawrence Alloway, em seu ensaio “The Long Front Of Culture” (1959), escreveu que o público que consumia cultura popular era “numericamente denso, mas altamente diversificado” (ALLOWAY apud MCARTHY, 2002, p.9), no sentido, talvez, de mostrar que a leitura de uma “massa” composta unicamente por seres acríticos, meros receptores do que vinha do mercado, era equivocada; ao contrário, o que se tornava possível era justamente filtrar e capturar a diversidade presente na própria sociedade, a presença revalorizada das mulheres, das minorias étnicas e sexuais, entre outros aspectos fundamentais para se entender as mudanças sociais e políticas do mundo pós-guerra e que serviriam de base na mesma Inglaterra para os chamados Estudos Culturais. Um de seus principais autores, Stuart Hall diz a respeito dos produtos provindos pela moderna indústria cultural, que só poderíamos ser uns “tolos culturais”, vivendo em um estado permanente de “falsa consciência” (HALL, 2003, p.253) se considerarmos o pop como apenas algo aviltante para nossa formação como sujeitos críticos. Historicamente, essa ideia do subjugado ou “tolo cultural” não condiz com o contexto e a formação tanto de quem produzia, tanto de quem assistia à arte pop. Como McCarthy (2002) coloca, nos anos subsequentes, a arte pop que tirou parte de sua inspiração da cultura de massa, passou a exigir dos seus admiradores mesmo “um alto grau de conhecimento da história da arte” (MCARTHY, 2002, p. 15). Por parte dos artistas, não se tratava de um mero alinhamento ou transposição de signos de consumo para quadros e galerias: tratava-se de um possível colóquio destes a partir de técnicas aprendidas (e apreendidas) em escolas artísticas anteriores, nas quais boa parte destes artistas estudaram anteriormente; por parte dos 27

espectadores a questão era reconhecer a legibilidade e a intenção proposta pelas obras, já que não se tratavam de meros deslocamentos. Argumentos que coincidem com o olhar crítico de Greenberg ao chamar a arte pop de acadêmica. A proposição não seria apenas deslocar seu material de inspiração, ou seja, sua origem (os mass media) para os meios artísticos (sua adaptação); a tática do Independent Group, por exemplo, era tirar “a cultura pop do domínio da evasão, da pura distração, da descontração e abordá-la com a seriedade com que se discute a arte” (LIPPARD, 1976 p.36). Portanto, podemos acreditar que, sob a capa da autocelebração da cultura de massas, residia um autêntico estudo da arte, questionamentos a respeito da própria arte e do mundo que a cercava, de sua posição em relação à vida, inclusive possíveis ataques inconformados à cultura vigente, de certo modo alinhado com tantos outros movimentos da época. Dos movimentos estudantis da década de 60, passando pela contracultura literária até a explosão da música pop em escala mundial, especialmente em artistas como o inglês Peter Blake. É a partir dessa leitura, que começa a visar a cultura de massa como algo não tão estritamente negativo, que podemos assumir uma ideia mais ampla a respeito da indelével influência desta mesma cultura de massa na formação de novos narradores da sociedade contemporânea.

2.1 Americanismo

As esquinas do imaginário americano parecem muito atmosféricas porque você as criou com base em cenas de filmes, músicas e trechos de livros. E você vive nessa América onírica, construída sob medida a partir de arte, sentimentalismos e emoções, tanto quanto vive na América real. (WARHOL, 2012, p.8)

Quando Lippard (1976, p.9) afirma que “a arte pop é um fenômeno americano que tem como ponto de partida o clichê da grande, indômita e bisonha América”, ela não se refere tanto à marca histórica e cronológica do movimento – que começou oficialmente na Inglaterra, nas discussões do Independent Group. Fala, sim, da grande influência da cultura norte-americana em escala global, e de como ela iria inspirar os pensadores europeus. Inspirar boa parte dos artistas britânicos que usaram os símbolos e marcas dos EUA como matériaprima para seus primeiros trabalhos – tomemos “Hommage à Chrysler Corp” (Richard Hamilton, 1957 – FIG.1), como exemplo desta referência notável dos grandes símbolos norteamericanos (no caso, a indústria automobilística) para os artistas europeus. Seguramente, as sementes iniciais do pop germinaram da comunhão entre a explosão da sociedade de consumo de massa pós-Segunda Guerra, motivado pela ideia de renascimento 28

econômico e welfare state, no final dos anos 1940 e início dos 1950. Deixando para trás a austeridade do período da Grande Depressão nos anos 1930, o período motivou o economista John Kennedy Galbraith a dizer, em 1958, que os Estados Unidos se transformaram em uma sociedade opulenta, onde o grande sonho americano na verdade era motivado não por ideais políticos e sociais, e sim pela capacidade de crescente consumo que a população tinha acesso. Como resume McCarthy (2002), o consumo passa a atuar como uma medida de sucesso financeiro e bem-estar psicológico.

Figura 1: Hommage à Chrysler Corp, Richard Hamilton, 1957

Fonte: Acervo Tate UK

O período marca o início da transição econômica, política e social da Europa para os Estados Unidos, o início da construção da hegemonia mundial norte-americana que iria alcançar seu auge poucas décadas depois. Se essa ideia de americanismo 8, ou seja, a influência social, cultural e religiosa que os Estados Unidos passaram a exercer na modernidade do século XX geraria repulsa em notáveis pensadores europeus, seduziria artistas e outros. Boa parte dos temas da arte pop – tecnologia, automóveis, propaganda, 8

Jameson (1991, p.24) data o período de 1945-1973 como o “século americano” a “estufa, ou campo de cultivo forçado do novo sistema” que se encerraria com as crises de 1973 (a crise do petróleo, o fim do padrão ourointernacional, o começo do fim do comunismo tradicional).

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ficção científica – eram condizentes com a idade e os interesses de seus praticantes, os jovens ingleses do pós-guerra. Alloway explica esse interesse através de uma estética da plenitude, que seria aceitar (e retrabalhar) essa nova carga de informações que vinha do outro lado do Atlântico, percebendo em exemplos de revistas, filmes e até a indústria automobilística estadunidense como sinais de uma nova cultura visual que estava mudando o mundo moderno e desafiando as hierarquias estruturadas do mundo da arte. Toda uma nova geração de artistas de diferentes áreas mantinha com os Estados Unidos uma relação de curiosidade e admiração. Essa admiração possivelmente vem de observar uma sociedade que se apresentava em plena mutação, que corria velozmente em direção a um futuro, que vivia plenamente o presente; ao contrário do forte peso da tradição europeia, tanto socialmente quanto nas artes. É possível que somente nos EUA, a “função corruptora do pop” (Eco, 1979, p.30) poderia operar desavergonhadamente. Essa América onírica a que Warhol se refere, que justificava a existência de uma América real (e vice-versa), com a explosão da cultura teenager, do cinema de Hollywood, do rock nos anos cinquenta permitiu aos artistas pop aplicar seriedade real no mundo da fantasia, trabalhar no paralelo entre vida e arte. Tamanha atração pode estar conectada com a o modo de lidar cotidiano e usual que a sociedade norte-americana adotou em relação à sociedade de consumo e os mass media. Eco (1979, p.14) radicaliza a questão afirmando que, “para o americano, a sociedade de consumo é algo como aquilo que para nós (os europeus) são as árvores, os rios, os prados, ou as vacas – quer dizer, pura natureza”. Uma síntese visual dessa inspeção de Eco seria “Natureza Morta N. 24”, de Tom Wesselmann, 1962 (FIG. 2) onde o artista, fazendo óbvia referência à “Condição Humana”, de Magritte, compõe cigarros, enlatados e outras mercadorias em primeiro plano, deixando de fundo um barco a navegar, assumindo no próprio título da peça os aspectos que compõem o ambiente natural dos Estados Unidos. E então, mesmo considerando que a assunção da cultura de massa contêm algumas das “características mais abusivas e ameaçadoras da nossa cultura” (HENDRICKSON, 2007, p.15), Lichtenstein define de certa forma a ótica norte-americana a respeito do mundo industrial ao qual eles estavam expostos e de como isso não poderia escapar de seu radar artístico: Gostamos de pensar na industrialização como algo desprezível. Eu, na verdade, não sei o que dizer. Há alguma coisa de terrivelmente frágil nesta ideia. Suponho que preferia estar sentado debaixo de uma árvore com um cesto de piquenique, do que debaixo de uma bomba de gás, mas os seus símbolos e banda desenhada são interessantes como temas. Há certas coisas que são vigorosas e vitais na arte

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comercial. Nós usamos essas coisas, mas, na verdade, não somos adeptos da estupidez, do adolescentismo internacional nem do terrorismo. (HENDRICKSON, 2007, p.15

Figura 2: Natureza Morta n.24, Tom Wesselmann, 1962

Fonte: Acervo Nelson-Atikns Museum of Art

Diferentemente do que parece ser a lógica europeia, os norte-americanos parecem ter a ideia de trabalhar com elementos recorrentes do mundo comercial ou de consumo como algo realmente natural. Como lembra Sylvester (2006, p.247), boa parte do acervo da arte pop retrata mais frequentemente “formas de natureza morta do que representações de figuras”. Se pensarmos que as representações de natureza morta aqui se referem às latas de sopa Campbell de Warhol (e não pessoas tomando a sopa), postos de gasolina ou placas de carro (e não pessoas passeando de carro), como em “Posto Standard” (Ed Ruscha, 1963 – FIG. 3), ou “Auto Estrada Americana 1” (Allan D’Arcângelo, 1963) é um argumento que vai de acordo com a realidade vista por Lichtenstein, que troca a grama verde e os piqueniques – os ambientes bucólicos e tranquilos, tão retratados em épocas posteriores anteriores da pintura – por símbolos, marcas, mídias. Enquanto, por exemplo, parte dos artistas do expressionismo abstrato pensava na natureza “como uma metáfora do processo criativo” (MCCARTHY, 31

2002, p.24), os artistas pop se identificavam com objetos e ambientes urbanos, tendo esse tema em primeiro plano, sem se preocupar com discursos abstratos, análogos ou metafóricos.

Figura 3: Posto Standard, Ed Ruscha, 1963

Fonte: Acervo Hood Museum of Art Prova disso é que uma das maiores vedetes dos pop-artistas é a Coca-Cola - e vale aqui a referência adorniana a um dos recursos ideológicos maiores da Indústria Cultural. Seguramente, foi a presença constante da bebida (um dos símbolos maiores da americanização cultural) em obras filiadas a arte pop que inspirou o crítico inglês David Sylvester a escrever um elucidativo artigo em 1963, intitulado “Arte da cultura Coca-Cola”. Como ilustração, temos o refrigerante destacado em “Grande Nu Americano, n 26, de Tom Wesselmann (1962); “Eu Era O Brinquedo De Um Ricaço”, de Edoardo Paolozzi (1947)”; “As Cinco Garrafas de Coca-Cola”, de Andy Warhol (1962)” e “Buffalo II”, de Robert Rauchenberg (1964) e muitas, muitas outras obras. A provocação inicial de Sylvester (2006, p.243) era de que “há tanta cultura numa garrafa de Coca-cola quanto numa garrafa de vinho”, e a partir daí ele se desdobra em uma análise pertinente a respeito da arte pop9. Se a garrafa de vinho representa em parte a “santidade do objeto único”, uma interpretação lógica da aura bejaminiana, significando uma desuniformidade, uma unicidade que garantiria a ela certa durabilidade, a garrafa de CocaCola expõe, exemplarmente, a estética do descartável sugerida por Alloway. Algo urgente, 9

Vale pensar também aqui sobre o procedimento do brasileiro Cildo Meirelles com seu “Projeto Coca-cola” (1970) onde ele gravava, nas garrafas de refrigerantes, informações e opiniões críticas em letras brancas, que ficavam visíveis quando as tais garrafas estavam cheias.

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cotidiano, presente e descartável em alguns goles: arte para não ser guardada; a obra consumível em um mundo de consumo. A cultura coca-cola significa aditivos químicos... Empolgantes autoestradas sem fim ao longo das quais os motoristas bocejam. Significa que o centro de NY é espantosamente belo só porque suas proporções o são, e não por causa de qualquer qualidade de texturas de superfície... Usar máquinas e balcões de autoatendimento... Anúncios de marcas por toda parte, muzak. Uma crença prometéica de que a natureza é conquistável. Significa descartabilidade; significa padronização. (SYLVESTER, 2006, p.244)

Arte pop é, portanto, e ambiguamente, também assumir a beleza no desenvolvimento industrial (uma forma de superar a natureza, o credo prometeico a que se refere Sylvester) e seus desdobramentos midiáticos. Onde a princípio não há estupor estético, passa a ser admirado, a ganhar contornos de belo, agradam a visão, seja pelo conforto de estar diante de linhas, traços, cores reconhecíveis e de fácil entendimento. Ao contrário, por exemplo, de parte da técnica e do repertório de outras escolas das artes plásticas. O uso das histórias em quadrinhos ajuda a ilustrar essa questão: o tipo geométrico de suas linhas e páginas, sua composição de cores são agradáveis neste sentido; é arte facilmente reconhecível, comunicável. É uma escolha essencial na proposta de reconciliar, em parte, o diálogo entre arte e a sociedade de consumo, pelo menos do ponto de vista visual: os gostos dos consumidores, o que eles fazem ordinariamente, resignificados com a aura e o status de arte maiúscula. O estilo das histórias em quadrinhos (comics) converteu- se numa estrutura de tipo geométrico, muito agradável à vista; certos grandes campos de cor, devidos à tinta tipográfica, que ocupam amplos espaços, parecem jogos quase abstratos. Isto é devido a que o objeto foi de certo modo recortado, isolado, de modo que elementos secundários dos quadrinhos tornaram-se elementos fundamentais. (ECO, 1979, p. 12)

A presença maciça, por vezes hegemônica da cultura norte-americana na arte pop, como produção, tema, inspiração, sinaliza, já no início da segunda metade do século XX, uma característica que iria acompanhar a produção cultural de todo o mundo até hoje. Mesmo que mais fragmentada, com possibilidades de hibridismo e com a percepção (e recepção) de outros pólos de produção fora deste eixo, é a cultura norte-americana que vai ditar as regras do pop. Desta cultura, o fluxo principal de informações e consumo mundiais do que percebemos como pop (além do campo das artes plásticas) é o filtro maior, o grande teste, a grande nação dos símbolos e signos do consumo, lugar onde a natureza morta, como compara

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Sylvester, destes mesmos símbolos estão expostas à exaustão – pense na Times Square em Nova Iorque ou em Las Vegas e suas imagens e luzes hiperconcentradas. 2.2- Origens da arte pop Uma questão frequente – e discordante – entre os estudiosos da arte pop é chegar a suas origens, suas filiações, onde ela se situa de acordo com o contexto histórico e sua escala na cronologia da arte moderna, pós-moderna e contemporânea. O que, curiosamente, já acentua certa hibridação, uma marca bastarda que o próprio pop carrega em si. Sylvester (2006) anunciou nos anos sessenta que o alinhamento da arte pop está relacionado a um tédio dos então jovens artistas “em produzir obras sem nenhuma iconografia” (2006, p.247). Ele se refere aqui a uma espécie de figuração reconhecível, algo minimizado com a ascensão do abstratismo. Esse sentimento os teria levado a buscar referências em elementos recorrentes na realidade, relacionados principalmente ao “real” produzido pela mídia. Mas, tecnicamente, de acordo com as escolas anteriores, quem são os prováveis pais da arte pop? Greenberg (2002, p.79) define como caráter fundamental para a legibilidade da obra de arte sua filiação histórica: ela “tem de conservar certo grau de continuidade com a arte anterior, assim como as surpresas na satisfação no interior de uma obra [...] não podem ser inteiramente imprevistas”. Ele aponta duas questões na verdade: o passado que está sempre contido em uma obra do presente e o fato de que sua expectativa estética só é cumprida a partir do reconhecimento de elementos que não sejam inteiramente novos. Só é possível “ler” uma obra a partir de seus antecedentes e tal obra só causa satisfação quando trás em si também novas surpresas. O que ele acusa em relação à arte pop, a partir principalmente da indiferença duchampiana10, é o fato de podermos identificar a surpresa do pop de antemão por se fazer através de seu contato com outras mídias e não com o rompimento das formalidades acadêmicas. O que faz um trabalho ser reconhecido como obra pop artística? Seria apenas a simples alusão à cultura popular ou a sociedade de consumo? Sylvester (2006, p. 250) sugere uma resposta: o que torna um artista um representante da arte pop é “o fato de ele parodiar estilos dos meios de comunicação de massa”. Afinal, os temas e objetos da sociedade de consumo e dos mass media já eram retratados anteriormente por diferentes escolas das belas artes. O que o pop sugere é uma nova sensibilidade, uma nova linguagem, de elementos que 10

Obras como “Roda de Bicicleta” (1913) e “Fonte” (1917) são referenciais do acervo de Duchamp no sentido de capturar sua proposta provocadora e questionadora a respeito do status que objetos adquirem para integrarem o mundo das artes.

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já se apresentavam nos movimentos da arte moderna no início do século XX. Se a arte contemporânea do período transformou-se gradualmente “em um exercício de linguagem, onde esta se dobra sobre si mesma em um jogo de espelhos, criando um efeito metalingüístico” (TORRES, 2003, p. 45). O pop fez do pastiche uma de suas técnicas centrais, metalinguagem critica e irônica focada nos aspectos mais presentes da sociedade de então. Seria uma obra pré-pop, por exemplo, o “Prato de Bolachas”, desenho de 1914 de Pablo Picasso; ou o charuto de madeira colocado sobre uma caixa de fósforos, feito em 1941? A colagem de 1947 de Kurt Schwitters- “Para Kate”- traz imagens de histórias em quadrinhos em destaque. Lippard (1976) nos lembra que Stuart Davis e sua pintura “Lucky Strike” (1921 – FIG. 4) possuíram uma marca pop bastante característica e, posteriormente, encontrado com frequência em muitas obras da arte pop, apresentando a imagem do maço de cigarros como objeto, mas “rearranjada numa moldura cubista estilizada” (LIPPARD, 1976, p.15). McCarthy (2002) explica que os pop-artistas se inspiravam com algumas escolas modernas de artes plásticas anteriores à sua ascensão: do cubismo, herdaram o uso de materiais bi-dimensionais; do futurismo, a concepção da velocidade como caráter indelével da vida moderna (vide a presença do automóvel em diversas obras pop), do Dada, a atitude irreverente e iconoclasta especialmente na aplicação dos ready-mades e o pioneirismo na ideia de perda do caráter de unicidade da arte. Em um ensaio sobre o Dada de 1956, Alloway cunharia um trocadilho entre a palavra e AD/AD, sigla inglesa para advertisement, propaganda. Além do surrealismo, que como o Dada:

(...) utilizou o encontro casual para produzir novos significados surpreendentes, perpetuando ao mesmo tempo a importância do objeto achado, ou objet truvé, como elemento significativo na produção artística. Combinado a essas técnicas havia em grande interesse pela fantasia do desejo, que comparassem fortemente na fascinação pop pelo consumismo (MC CARTHY, 2002, p.17)

Eco (1979), por exemplo, relaciona o gesto da arte pop a um procedimento típico do Dada, que é analisar um objeto comum a partir de seus significados secundários. Por exemplo, o que um maço de cigarros (um símbolo da propaganda comercial, seu significado primário) pode significar quando emoldurado em um quadro e exibido em uma galeria? Tal procedimento torna esse objeto “cheio de significados secundários em prejuízo dos primários, perdendo assim o conteúdo primário para assumir outro mais vasto e genérico no quadro da civilização de consumo.” (ECO, 1979, p.9) O produto isolado, etiquetado e assinado por um 35

artista, como que garantindo que “sim, é uma obra de arte”, cobre-se de novos significados, além do anterior.

Figura 4: Lucky Strike, Stuart Davis, 1921

Fonte: Acervo Moma

O que confirmaria a arte pop como um momento híbrido resultante de duas décadas dominadas pela abstração e, como defende Lippard, herdeira de uma tradição mais abstrata que figurativa. O que ela chama de “suposta carência ou desafetação da sensibilidade” (1976, p.19), o que Alloway chamaria de atitude “cética” e “permissiva” (Alloway apud McCarthy, 2002, p.16) seria a chave para conectar a arte pop com atitude provocativa de Duchamp (e sua indiferença em relação ao resto das artes com “A Fonte Urinol”, de 1917) ou Léger, por exemplo. O interesse destes dois artistas pelo que podemos chamar de temas modernos como autoestradas, grafismos publicitários e objetos pouco familiares no mundo das artes (como nos deslocamentos provocados pelos ready-mades) propõem uma liberdade inédita no que diz 36

respeito a materiais e temas. Como afirmou Léger, (apud LIPPARD, 1976, p.23): “Diariamente, a moderna indústria cria objetos de incontestável valor plástico”. Em “Ballet Mechanique” (1924), Léger de certa forma antecipou algumas técnicas da arte pop, isolando o objeto ou um fragmento do objeto e modificando sua escala, dando a ele uma personalidade diferente, um “veículo de poder lírico e plástico inteiramente novo” (LIPPARD, 1976, p.23), semelhante ao que, por exemplo, Lichtenstein irá fazer com o material de histórias em quadrinhos, pintando-os em escala maior e assim ampliando-os e criando novos sentidos. Léger escreveu em artigo: Não exigirá grandes esforços às massas serem induzidas a sentir e a compreender o novo realismo que tem a sua origem na própria vida moderna, nos incessantes fenômenos da existência, sob o influxo dos objetos manufaturados e geométricos, transpostos para um domínio onde a imaginação e o real se encontram e se entrelaçam. (LÉGER, apud LIPPARD, 1976, p. 22).

A imaginação e o real se entrelaçando, diz Legér; a América onírica e a América real de Warhol, o paralelo e/ou intervalo entre a arte e a vida, como apontam os britânicos do Independent Group Percebe-se que, na arte pop, a questão estava na técnica e na sensibilidade, na proposta de uma nova linguagem, contornar a crença modernista que apostava numa separação demarcada entre a arte a vida. A arte pop respondia a isso através de suas obras: se a vida (o que está fora) era moldada pelo pop, isso deveria ser capturado pelo que está dentro, a subjetividade do artístico.

2.3-Novidade fenomênica e deslocamento filosófico

Ranciére (2000, p.34) compreende que a concepção de um regime estético para as artes é, na verdade, a etapa que elucidaria as novas possibilidades para ela no século passado. E, como ele mesmo assume, é um conceito confuso que permitiu diferentes leituras, inclusive na percepção de que a dita arte moderna defendida por autores como Greenberg seria uma “linha simples de passagem” entre especificidades do modelo (ou escolha) artística entre a representação ou a não representação. Sendo que, para Ranciére, a modernidade seria justamente um conceito empenhado em borrar essas fronteiras, ocultar o próprio sentido da especificidade dos regimes da arte. Ele pontua que um marco dessa questão para alguns pensadores e críticos seria a ideia de que a arte moderna, automaticamente, seria reconhecida como não figurativa. O expressionismo abstrato, portanto, se apresentaria como o veículo ideal para a manutenção desse status não figurativo da arte.

Quando os arautos dessa modernidade viram os lugares onde se exibia este bemcomportado destino da modernidade invadidos por todas espécie de objetos, máquinas e dispositivos não identificados, começaram a denunciar a “tradição do novo”, uma vontade de inovação que reduziria a modernidade artística ao vazio de sua autoproclamação. Mas é o ponto de partida adotado que não convém. O pulo

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para fora da mimeses não é em absoluto uma recusa da figuração. E seu momento inaugural foi com frequência denominado realismo o qual não significa de modo algum a valorização da semelhança, mas a destruição dos limites dentro dos quais ela funcionava. (RANCIÈRE, 2000, p.35)

Por que a questão do posicionamento entre escolas artísticas como realismo figurativo e o expressionismo abstrato é tão essencial para a arte pop? Porque é justamente na “subversão das hierarquias da representação” (RANCIÉRE, 2000, p.35) entre arte e realidade que repousa a grande questão filosófica do pop: o momento em que não é mais possível diferenciar, visualmente, arte e realidade; como essa questão se inscreve no mundo das artes. A questão é o deslocamento de objetos do cotidiano inseridos no contexto artístico - como objetos ordinários, do mundo real, passam a se inscrever no mundo das obras de arte, através do que ele vai balizar como transfiguração, baseada no propósito (aboutness) do artista. Por isso, Warhol e os artistas da pop em geral tornaram qualquer coisa escrita por filósofos sobre arte inútil, ou, na melhor das hipóteses, de importância pontual. Para mim, foi graças ao pop que a arte mostrou qual era a questão propriamente filosófica sobre si mesma, e que consistia no seguinte: o que faz a diferença entre uma obra de arte e algo que não o é se, na verdade ambos se parecem exatamente? (DANTO, 2006, p.138)

Danto (2006, p.124) aponta que esse deslocamento vai abalar os parâmetros solidificados do pensamento e da produção modernista, que seria “a arte definida pelo gosto”, e principalmente, criados essencialmente para pessoas de gosto, sobretudo os críticos. A proposta do informal, insensível e antiestético de um artista como Duchamp, por exemplo, não seria enquadrado exatamente na proposta modernista, mais interessada em “purificar” as artes dos contaminantes da “representação, da ilusão e assemelhados”. (DANTO, 2006, p.125). No modernismo veiculado pelos abstratos, a questão do gosto era definidora na separação para uma arte maior ou menor, assumida por críticos como Clement Greenberg. A concepção de um “melhor gosto, o gosto de elite” (2002, p.79) é a base fundamental de suas investidas críticas a arte por ele denominada “avançada” ou “acadêmica” que, segundo o próprio autor, consistia em ser movida pelo desejo de tornar sem importância a qualidade artística, onde os artistas procuravam um terreno mais seguro, imune ao gosto. Quando Greenberg fala em arte “acadêmica” é se referindo ao que percebe como uma dívida muito grande dos artistas acadêmicos (o pop incluso) em relação às convenções já estabelecidas. O referido autor chama essas filiações de desvios, como caminhos alternativos em tema ou técnica que no final das contas perfazem a mesma estrada percorrida por artistas anteriores. Lichtenstein, por exemplo, se apoia muito em Léger e “não tira nada dele” 38

(GREENBERG, 2002, p.196), enquanto Warhol e Jasper Johns se baseiam no all over de Pollock e quetais, mas de forma extremamente convencional, sinalizando que elaboração da arte acadêmica torna-se mais “uma questão de habilidade do que de criação.” (GREENBERG, 2002, p.199). Eco percebe essa orientação interessante entre a habilidade e a criação Isso significa que o pop deve ser visto, tal como a prática dos happenings e várias outras formas de arte contemporânea, como aquelas em que em vez do “fazer” propuseram o “agir”. Substituem o to make pelo to do e renunciam, em princípio, à validade da obra já terminada, entendendo-a, ao contrário, como gesto suscetível de repetição. (ECO, 1979, p.17) Greenberg acreditava que o caráter qualitativo era intrínseco para se determinar a concepção de uma arte maior. O gosto poderia ser desenvolvido, cultivado com a exposição à arte. E que através de uma espécie de consenso universal do gosto (conseguido através da própria autocrítica dos artistas em relação às convenções, formalismos, etc) seria possível pensar na arte apenas como mérito estético. Mas a tendência de Greenberg era definir as qualidades da obra que admirava por referência a uma tradição especificamente modernista, pois, acreditava e defendia a ideia de canonização das belas artes, regulado pela concepção moderna, na qual aspectos e significados externos são prejudiciais a uma avaliação crítica mais precisa. Com isso, bateria de frente, por exemplo, com autores dos Estudos Culturais que veriam nessa concepção de arte certo purismo elitista, que atravancaria justamente o progresso cultural e social da história. Lembrando que Greenberg, por seu conhecimento e prestígio, foi essencial para divisar o modernismo não apenas como uma característica de obras específicas de arte e sim como um período mais abrangente do curso da história. Nesse sentido, pretendo aproximá-lo de Danto: ambos estão falando de arte no sentido que ela constrói uma narrativa para a sociedade contemporânea, expondo pontos de vista frequentemente opostos. Danto parece enxergar na arte pop uma possibilidade de definir um novo mundo – o que ele chamará de “fim da arte”. Já Greenberg ainda percebe a ótica modernista como modelo ideal e corrente. E em alguns aspectos, a arte pop não poderia ser mais antimoderna, com sua tendência ao que Greenberg chama de mistura de meios; basicamente a conexão indissolúvel da arte pop com outras possibilidades técnicas e temáticas, como, por exemplo, a colagem de fotos de revistas, a inserção de imagens publicitárias ou fotogramas cinematográficos traduzindo, muitas vezes, a mídia em si. É um exemplo claro do que Greenberg (2002, p.246) coloca como o “objetivo de satisfazer a pressão mais fraca do gosto num meio contra uma pressão intensa em outro [...] em seu mecanismo as mais elevadas expectativas do gosto ficam desequilibradas”, isto é, basicamente domesticar o gosto pela arte através de meios de compreensão segura para os incultos. Uma nítida ameaça à cultura elevada, segundo ele justificada pela formação e crescimento de uma classe média desde o início da industrialização.

Tudo estaria certo caso a arte pop tivesse recorrido a um gosto literário de categoria mais elevada, pois não há nada de errado em inserir a literatura num contexto pictórico. Mas a arte pop recorreu a uma categoria óbvia e rebaixada de gosto literário - com as brincadeiras com publicidade, pinups, rótulos de enlatados e coisas do gênero - com a qual é tão fácil brincar. E de qualquer modo, isso sempre acaba nos divertindo. (GREENBERG, 2002, p.246)

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Para Greenberg (2002, p.257), a arte pop atua em outro contexto, que ele chama de “novidade fenomênica”, que não necessariamente se conecta com a novidade artística; mas que é nosso interesse aqui, transpassando a questão estética, do gosto, sem pretender reagir em termos do que é bom ou ruim. As sementes do que seria este novo fenômeno introduzido pela arte pop está em Duchamp.

Duchamp não havia compreendido verdadeiramente o cubismo. Os primeiros “objetos recuperados” que montou. [..] deixam transparecer que ele sequer sabia do que se tratavam as primeiras construções-colagens de Picasso. Uma coisa era divertir-se com as convenções há muito estabelecidas (embora mesmo isso não fosse tão fácil quando se tratava das convenções essenciais da ilusão); outra coisa era “jogar” com as convenções estabelecidas mais recentemente, como os planos embaralhados do cubismo [...] foi por não ter esperança de ser novo e avançado em sua própria arte que ele veio a se posicionar contra arte formal em geral. (GREENBERG, 2002, p. 105)

Ou seja, o que ele parece apontar é que a intencionalidade primeira de Duchamp, que seria modificar o percurso convencional da arte, foi falha no sentido em que ele não conseguiu se liberar de convenções anteriores - pelo contrário, apenas demonstrou que está completamente internalizado por elas – mesmo ignorando, conscientemente ou não, as experiências anteriores de Picasso. O que Duchamp demonstrou foi um extremo academicismo no final das contas, e, talvez motivado por essa frustração, impôs outro tipo de novidade. Orientação e convenções próprias, porém não estéticas, e sim as convenções “da conveniência social, do decoro. A questão passou a ser violá-las” (GREENBERG, 2002, p.106). Seu famoso urinol, portanto, seria uma surpresa e uma provocação temática; não técnica. Analisar Duchamp do ponto de vista do fenômeno, do agir (to do) é aceitável para Greenberg. Mas a outra questão do dadaísta francês, possivelmente sua questão central, era “desafiar e negar o juízo estético, o gosto, as satisfações da arte enquanto arte” (GREENBERG, 2002, p.106), ou seja, questionar as possibilidades do fazer (to make) artístico. As duas questões foram herdadas pelos artistas pop, as quais provavelmente se enquadram no que ele chama de subtradição duchampiana, como uma tentativa de construir uma nova sensibilidade nas artes visuais. Seja deixando de lado o juízo crítico e a posterior qualificação estética, como acredita Greenberg. Ainda assim, Duchamp e sua subtradição demonstraram como nada antes deles, quanto à arte pode ser onipresente, demonstraram todas as coisas que ela pode ser sem deixar de ser arte. E quanto essa arte, ou seja, a experiência estética na verdade,

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tem um status não excepcional e sem mérito. Por essa demonstração, devemos serlhes gratos. Mas isso não torna a demonstração nem um pouco menos entediante. (GREENBERG, 2002, p.106)

Pode-se dizer, portanto, que a grande missão de Greenberg, seguindo a ética modernista, era fazer acreditar que seria possível manter estabelecida uma divisão entre alta e baixa cultura, considerando a mudança de consciência do homem moderno como um jargão, “hiperjornalismo, o jornalismo que sempre afirma que as coisas se transformam com rapidez” (GREENBERG, 2002, p.189). Aspecto que Danto perceberia com nitidez na arte pop. Mas algumas questões nos fazem questionar isso. A primeira, mais evidente, é de que o crítico fala de um lugar bastante estabelecido e parece pouco propenso a sair dele, que é justamente sua crença absoluta nos preceitos da arte moderna; o segundo é que nos parece impossível ignorar que, a partir da segunda metade do século XX, transformações visíveis aconteceram e modificaram não somente o rumo das artes plásticas, mas a sociedade como um todo. O que Danto vai questionar é a ideia de que ainda se faria urgente pensar em uma aparência ou identidade específica de reconhecimento de uma obra de arte, já que esta proposta excluía ou rebaixava muitos representantes da pintura representacional e figurativa. Como Greenberg sugere, se os expressionistas abstratos fizerem uso da figuração, que o façam desde que “as identificações do que elas representam estão apenas secundariamente presentes à nossa consciência.” (Greenberg apud Danto, 2006, p.133). Isso ilustrava uma espécie de batalha conceitual a respeito do futuro das artes: o que seria artisticamente legítimo estava, na verdade, ancorado por uma concepção de que a arte necessitava de uma identidade especial, nesse caso representada e traduzida pela abstração, para que fosse propriamente considerada uma obra de arte. Uma espécie de eleição consagradora de um modelo válido de uma arte elevada. A primeira percepção que Danto (2010, p.16) coloca é que ser uma obra de arte significava que “certos objetos gozavam de toda a sorte de direitos e privilégios de que careciam os objetos comuns – eram respeitados, valorizados, protegidos e contemplados com reverência”. Algumas concepções ou tentativas de Duchamp, posteriormente adotadas pelos artistas pop, encontra estofo filosófico no termo transfiguração, usado por Danto (2006). Trata-se de um conceito religioso, usado pela primeira vez no Evangelho de São Mateus, o primeiro livro apresentado no Novo Testamento. Faz referência a uma noite onde Jesus levara Pedro, Tiago e João para orar em um monte, onde depois de dormirem, os apóstolos acordaram e perceberam que “Ele [Jesus] transfigurou-se diante deles e o seu rosto resplandeceu como o sol; e as suas roupas, porém, tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, como a luz, 41

como nenhum lavadeiro sobre a terra as pode tornar tão brancas.” Com suas vestes e seu rosto iluminados por um foco de luz intenso, Cristo muda de forma, ilumina-se, sai da condição do “comum” para elevar-se á posição de adoração, como um Deus - no caso, o filho Dele. 11 Danto (2006, p.143) adota o termo para explicar o método alcançado pela arte pop em seu surgimento, “no fato de que ela transfigurou coisas ou tipo de coisas que significavam muito para as pessoas, alçando á condição de temas de arte elevada.” Transfigurar signos da cultura popular compreende a ideia de alçar o comum, o ordinário, o cotidiano em arte; considerar os produtos dos meios de comunicação de massa como substrato para a criação e o pensamento acerca da arte. A transfiguração de um lugar-comum é referente ao modo como os objetos mais banais, lugares-comuns, são transfigurados em obras de arte. O que Danto quer primeiramente é entender o que faz, portanto um objeto comum a se transfigurar em objeto de arte – ou seja, a primeira dimensão é filosófica, no sentido de entender o que é arte. Uma primeira condição seria a de que toda obra de arte deve ter um significado, vir de um gesto artístico que transforme o objeto em um “veículo de representação” (DANTO, 2010, p.18). A representação seria a corporificação de um significado, portanto, obras de arte são significados corporificados. O que Duchamp fez, portanto, foi realizar primeiro na história da arte “... o sutil milagre de transformar objetos do lebenswlt cotidiano em obras de arte.” (DANTO, 2010, p.24). Apresentar a possibilidade de alguma fruição estética do “comum”, do “cotidiano”, termos que normalmente não inferem algo qualitativamente no pensamento do autor. Não necessariamente encontrar beleza; mas encontrar significado corporificado em um urinol ou uma pá. Mostrar que a dimensão estética de uma obra não poderia estar atada a algum tipo de formalismo. Como filosofia da arte, as convenções modernistas de Greenberg, por exemplo, seriam inadequadas para dar conta do objetivo maior de se definir o que é arte. Independente de uma caracterização entre “maior” ou “menor”. Essa questão chegou a Danto com a presença da arte pop. A possibilidade de anexar fragmentos da realidade e corporificá-los seria o que os melhores artistas acadêmicos somente podiam aspirar. Se a representação realista, para os abstratos, seria carente de significações estéticas mais ousadas, Danto diz que: 11

Curiosamente, também encontramos o termo “transfiguração” em Benjamin (1991). Descrevendo o que chama de “filosofia do mobiliário”, tão presente na obra de escritores realistas como Flaubert e Balzac, o filósofo alemão diz que “o interior da residência é o refúgio da arte. O colecionador é o verdadeiro habitante desse interior. Assume o papel de transfigurador das coisas.” (1991, p.38) O colecionador retira das coisas o caráter exclusivo de mercadorias, para lhe configurar um valor afetivo, “liberando as coisas de serem úteis” (1991, p. 38).

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(...)há coisas que podemos ver nos espelhos, mas que não podemos ver sem eles – notadamente nós mesmos. Os espelhos, e por extensão, as obras de arte em vez de nos devolverem o que podemos conhecer sem eles, são instrumentos de autoconhecimento. (2010, p. 44).

O que a arte pop fez então foi corporificar nas obras de arte (as latas de sopa, os quadrinhos, os super-heróis) os significados que diziam à sociedade da época o que elas eram. Os significados corporificados através do gesto de um artista em um objeto qualquer são capazes de transfigurá-los em uma obra de valor artístico, capaz de representar algo maior do que um prazer ou uma experiência estética, sem necessariamente deixar de fazê-lo. Mas como ele aponta – lembramos aqui novamente do valor do tédio – é que o comum ou o ordinário, ou mesmo o feio, o plástico, também são viáveis de serem percebidos como, pura e simplesmente, arte. Danto (2006) defende que o aparecimento da arte pop é essencial para se desconstruir essa ótica modernista, mostrando, através de seus objetos de verdade, como as caixas Brillo de Warhol, e não aparências de aparências, que a arte não precisava ter uma linguagem única para ser reconhecida como tal; onde “uma coisa não é mais certa que a outra. Não há mais uma direção única.” (DANTO, 2006, p 139). Tudo poderia (não necessariamente seria, friso) ser arte: se a arte pop mostrou que não seria mais possível distinguir a arte e a realidade apenas visualmente (e foi levada a sério por isso), portanto, não se poderia mais ter exemplos clássicos de arte legítima apenas por estar filiada a esta ou aquela escola, como supunham os modernistas.

2.4- Realismo, transparência e opacidade: mediações na arte pop

Lippard (1976, p.19) defende que a arte pop tem filiações mais nítidas com a postpainterly abstraction de Ellsworth Kelly ou de Kenneth Noland, do que com o realismo contemporâneo, afastando conexões muito próximas entre ela e o realismo de artistas como Edward Hopper e Reginald Marsh. Tecnicamente, o “fazer artístico” entre o artista pop e o realista figurativo parece traçar com clareza essa diferença. Mas ainda assim, é possível perceber na arte pop, mesmo que influenciada pelo expressionismo abstrato, uma conexão fortíssima com a figuração e o realismo, apresentando uma proposta mais compreensível, mais acessível inclusive no sentido de permitir uma fruição maior do público. Como nota Eco (1979, p.18), aí reside a grande diferença entre os vanguardistas do início do século e os 43

artistas pop: a arte pop possibilitou a reconciliação entre a arte de vanguarda e as massas; apresentou uma arte, pelo menos aparentemente, compreensível, “acabando com o divórcio que impedia as grandes massas do público de ir ver certas exposições em que não compreendiam o significado dos quadros”. Ou seja, assimilou, no intervalo entre produção e mídia, o figurativo à arte de massas. A lógica estética de um regime de visibilidade, segundo Ranciére (2000, p.50), permite o surgimento das massas na história, e especificamente, nas novas imagens, “revogando as escalas de grandeza da tradição representativa”. O banal pode se tornar belo desde que “rastro do verdadeiro, se o arrancarmos de sua evidência para dele fazer um hieróglifo, uma figura mitológica ou fantasmagórica” (RANCIÉRE, 2000, p.50). O realismo histórico na literatura é o ponto de ruptura do regime representativo para o estético, e o jogo da arte pop parece passar por alguns procedimentos do gênero: a transparência e a busca por rastros do real não mimético, pré-convencionado. Em relação a seus temas – não à técnica. Não se trata apenas de deslocar o ordinário para a arte; é também visar nesses signos uma possibilidade de construção mitológica de dos signos que nos cercam, a presença das mídias cada vez mais hegemônica no tecido social. Historicamente, os artistas modernos têm uma forte tendência a usar a arte como uma forma de meditação sobre a arte e sobre a relação desta com a realidade. Traçando paralelos, o realismo histórico literário retrata o contexto chamado de cash nexus (acumulação de capital) oriundo das revoluções industriais, e o surgimento de novas personagens no cenário urbano, intensamente retratado pela pioneira literatura realista de Balzac, Hugo e Flaubert, como o capitalista, a adúltera, o mau-caráter. A arte pop apresenta as representações de personagens icônicas da metade do século seguinte, frutos do americanismo – pensemos nos portraits de Jackie Kennedy ou Marylin Monroe assinados por Andy Warhol, ou nas inúmeras citações a Elvis Presley feitas por Peter Blake. De certa forma é a representação de tempos de progresso: primeiramente, no realismo literário, do self-made man; depois, do sujeito feito pela mídia, a persona mediatizada. Como compara McCarthy (2002, p. 58), nas décadas de 1960 e 1970 o “status de Andy Warhol como retratista da moda em Nova York rivalizava com a popularidade dos melhores pintores da sociedade do século XIX”. É perceptível a crença na coisificação dos objetos, das celebridades/imagens vistos como objetos manuseáveis como forma de alcançar uma comunicação mais efetiva, justamente através do afetivo, o que te cerca. A acumulação de informações do cotidiano, do real, contida em diversas obras filiadas à arte pop possibilita uma conexão desta com alguns dos estatutos do realismo histórico do século XIX citados por Brooks (2005). Um deles é 44

especialmente análogo: a ideia de “coisificar” (thing-ism) tratar os objetos do mundo como um inventário essencial para assegurar realidade à narrativa. “Coisificação é o sujeito no contexto de como o mundo é visto. Para o realismo é, quase por definição, algo altamente visual, preocupado em registrar o mundo como ele parece ser” 12 (BROOKS, 2005, p.16). Não é possível representar as pessoas (e o mundo) sem mencionar as “coisas” que elas adquirem para se definirem como sujeitos. Como aponta Bolter et al.(2000, p.22) se a transparência é o cerne da ideia de imediação, a imediação é a lógica do romance realista: quer apagar o mediador e imergir o espectador no espaço transparente criado por ele. As “coisas” que representam o ordinário, o banal, garantem essa sensação de presença e de pertencimento, quando o artista proporciona um espaço “[...] cheio de objetos, para preencher o campo e visão do espectador sem interrupções.” 13. É nesta presença de um inventário do cotidiano, no sentido de transparecer o real, que torna possível traçar filiações entre a arte pop e o realismo figurativo, no caso com sua figura maior, o pintor norte-americano Edward Hopper. Existem visões diferentes a respeito da conexão Hopper (mesmo sua filiação realista é discutível para alguns 14) e arte pop. Como citado acima, Lippard (1976) por exemplo, vê uma separação nítida; já Danto (2006) vê em Hopper uma espécie de link possível para a orientação pós-abstrata que iria de certa forma se consagrar na arte pop. Alguns aspectos específicos da orientação artística de Hopper parecem evidências no sentido de permitir aos artistas pop a busca por esta transparência realista, em oposição a uma possível opacidade vista nas obras do expressionismo abstrato. A presença (ou a luta por esta presença) do trabalho de não abstratos ou realistas como Hopper, gerou polaridades. No campo das artes plásticas, começou com uma espécie de revalorização do realismo no século XX, depois de uma batalha intelectual que durou a primeira metade do século, protagonizada/simbolizada por Hopper. A ideia de futuro da arte pertencia ao expressionismo abstrato, ao desaparecimento da “descrição” que notadamente marcou a pintura nos séculos XVIII e XIX. A virada do século, no contexto das guerras

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Do original: Thing-ism, then, is our subject, in the context of the world looked at. For realism is almost by definition highly visual, concerned with registering what the world looks like. (Tradução Nossa). 13

Do original: Full of objects and should fill the viewer´s field of vision without rupture (Tradução nossa) Renner (2001, p.93), por exemplo, separa Hopper de artistas do chamado “novo realismo” por ele não se limitar á “mera reprodução do real e do visível, não se contenta com a mera representação através da pintura, evidenciando em toda a sua obra que a imagem e a imaginação, a representação e a construção se relacionam diretamente umas com as outras. Só a interação entre os complexos de imagem com bases reais e os olhares que os descodificam fazem surgir aquela realidade que Hopper pinta nos seus quadros.” 14

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mundiais, veio com mudanças de paradigmas com o expressionismo abstrato, e os novos ismos dominando a infra-estrutura institucional do mundo da arte. O expressionismo abstrato representava o “angst”, o gesto dramático nas suas pinceladas, longe da sensibilidade fria representada pelos realistas: não era vista unicamente como um movimento estético, e sim uma inevitabilidade histórica, diante do esgotamento de outras escolas. Não se tratava de apenas abandonar a representação de objetos reconhecíveis; e sim alcançar um suposto patamar superior de elevação histórica e legitimação artística, onde o realismo já não dava mais conta. O intenso fluxo criativo dos “ismos” da época tinha como parâmetro a ser alcançado a originalidade, através da abstração. “Longe de mim esta figuração”, poderia gritar o pintor norte-americano Jackson Pollock. Ou seja, um artista como Hopper sem “nada de especialmente moderno (...) como se virtualmente o século XIX tivesse continuidade, encapsulado no século XX, como se o modernismo, como o conhecemos, jamais tivesse acontecido” (DANTO, 2006, p.131) foi catalogado, em um primeiro momento, como o contrário de tudo que envolvia o movimento moderno. Ao contrário de idealizar um futuro através de previsões ocultas e indecifráveis no tempo presente, como trabalhava em parte a abstração, o realismo de Hopper, em suas obras que dialogam com o imaginário gráfico da época, com seus logos e marcas comerciais, símbolos pintados da civilização urbanos, retratadas, em obras como “Farmácia” (1927) e “Gasolina” (1940), provam que não há uma oposição evidente entre sua primeira carreira como ilustrador de orientação comercial e os seus quadros posteriores. Estes exemplos apresentam muito daquilo que é propagado como padrão de orientação pelo mundo da publicidade e do consumo, substrato básico para os artistas pop, conservando-os, nos lembra Renner (2001, p.87), como “recordação, citação ou valor estético”.

Figura 4: Farmácia, Edward Hopper, 1927

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Fonte: Acervo Museum of Fine Arts

Estas representações da realidade de Hopper são “caracterizadas por uma tensão visível entre os símbolos e os ideais da sociedade de consumo, por um lado, e por outro, as fantasias e ambições individuais neles projectadas pelo observador” (RENNER, 2001, p.87). E talvez seja a falência destes sonhos individuais, resultando numa espécie de vazio e solidão coletivos brilhantemente retratados por Hopper, que resida a beleza intrínseca de sua obra.

A sua transformação individual das imagens da América corresponde exatamente aos mitos e ideias coletivas; por um lado, as suas representações pintadas ultrapassam essa fixação; transformando-se num jogo de signos de um estado da sociedade que perdeu uma experiência do conjunto da realidade. (RENNER, 2001, p.91).

Enquanto os expressionistas abstratos pareciam encontrar sua inspiração nas futuras possibilidades do homem (e da arte, por consequência) através de temas e expressões que frequentemente distorciam o presente, o realismo de Hopper apresentava imagens do aqui e agora, polaroides nítidas do que era encontrado na cotidianidade que encontrariam eco em boa parte da produção pop-artística.

Distancia-se do esforço da sociedade americana do seu tempo para transformar a realidade da experiência em imagens de ilusão. Pelo contrário, consegue entrar diretamente na realidade social e nas condições de vida nas cidades, uma vez que atravessa a superfície das imagens sociais, utopias e padrões de pensamento e

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comportamento que ele produziu no tempo da sua atividade como ilustrador, então em conformidade com as estratégias comerciais. (RENNER, 2001, p.86).

Esse olhar em conformidade com as estratégias comerciais; a solidão entre os símbolos de consumo; a possibilidade de transparência estão nos quadros de Hopper inspirados pela cultura dos Estados Unidos e cimentam uma notável preocupação do artista em perceber o agora urbano, fugaz e inescapável. Segundo Danto (2006) reside aí, em um estágio inicial, uma grande questão da arte pop e a notável mudança filosófica no campo das artes: a necessidade e a valoração de uma arte do presente, capaz de perceber o presente histórico em que se vive, ao contrário de, continuamente, apontar para futuro. Captar a presença do “aqui e agora”.15 No texto de apresentação de “This Is Tomorrow” seminal exposição de arte pop realizada em Londres, em 1956, Lawrence Alloway já procurava traçar fronteiras e diferenciar a exposição das proposições futurísticas regentes como “Uma exposição chamada “This Is Tomorrow”, dedicada às possibilidades de colaboração entre arquitetos, pintores e escultores, pode parecer ser a criação de um programa para o futuro. 16”. Ao mesmo tempo em que criticava explicitamente a necessidade de relegar a arte sempre em uma perspectiva futura, para se tornar autêntica, o agendamento de seus ideais para outro tempo (“A arte moderna iniciante é cheia de teorias preocupadas com a integração de todas as artes, mas com sua realização de ideais programadas para outro tempo” 17), separando com vigor os ideais propostos pela exposição da concepção de que a verdade estaria em um estágio posterior. Era, ao contrário, a defesa do desfrute das vivências e experiências do hoje, a celebração do comum da vida (“Mas o amanhã de ontem não é hoje, e a simbiose ideal entre a arquitetura e a arte não foi alcançada” 18.) 15

“O artista procura a verdade eterna e ignora a eternidade que existe à sua volta. Admira a coluna do templo babilônico e despreza a chaminé da fábrica. Qual é a diferença de linhas? Quando tiver terminado a era da energia obtida a partir do carvão, os vestígios das últimas chaminés altas serão admiradas como hoje se admiram os destroços das colunas de templos... O vapor, tão amaldiçoado pelos escritores, permite-lhes deslocar sua admiração... Em vez de esperar chegar ao golfo de Bengala para ali procurar um tema empolgante, poderiam desenvolver uma curiosidade em relação ao cotidiano que os toca. Um carregador da Gare de l'Est é tão pitoresco quanto um estivador de Colombo... Sair de sua casa como quem chega de longe; descobrir um mundo que é aquele no qual se vive; começar o dia como quem desembarca de Cingapura, como se nunca tivesse visto o capacho diante de sua porta nem o rosto dos vizinhos de seu andar...; eis o que revela a humanidade presente e até então ignorada” (BENJAMIM, 2006 p.481).A ideia de captar a ideia do aqui e agora não é exclusivamente um gesto pop; é fundador da ideia de modernidade. O que se difere, entretanto, é a visada futurística sugerida pelos modernistas, não necessariamente encampada pelos artistas pop. 16 . An exhibition called This is Tomorrow – devoted to the possibilities of collaboration between architects, painters, and sculptors – might appear to be setting up a programme for the future (Tradução nossa) 17 Early modern art is full of theories concerning the integration of all the arts, with realization of the ideals scheduled for another time (Tradução nossa) 18 . But yesterday’s tomorrow is not today-and the ideal of symbiotic art architecture has not been achieved (Tradução nossa)

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Como em Hopper, o impulso da arte pop é contemporâneo, no sentido de que sua temática é o agora, de forma nítida e não idealizada, como pareciam propor os abstratos. Mas se é possível então pensar no pop também filiado à transparência (não no sentido da perspectiva renascentista, mas na escolha de temas realistas), sua técnica tem um caráter pautado pela opacidade e inscreve-se no que Bolter e Grusin (2000) chamam de hipermediação. Com um viés mais sintético e irônico, um realismo “de segunda mão”, já que muitos exemplos de obras pop parecem na verdade, sintetizar signos presentes na cultura de massa; o que seria justamente a lógica da hipermediação: multiplicar os signos da mediação e dessa forma, tentar reproduzir “o rico sensorial da experiência humana” (BOLTER; GRUSIN, 2000, p.33). A técnica de representação hipermediada não busca ser uma janela translúcida para o mundo, “mas uma janela ela mesma, com janelas que se abrem para outras representações ou outras mídias.”

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(BOLTER; GRUSIN, 2000, p.34). A hipermediação se expressa como

multiplicidade: se a lógica da imediação leva alguém ou a apagar ou tornar automática o ato de representação, a lógica da hipermediação reconhece múltiplas formas de representação e as torna visíveis. Onde a imediação sugere um espaço visual transparente, sem vestígios de mediação, a hipermediação oferece um espaço heterogêneo, explicitando a presença dos meios e das mídias onde a representação é concebida. Um exemplo da presença da hipermediação na arte pop está em uma de suas obras pioneiras e mais impactantes, “O que torna os lares de hoje em dia tão diferentes, tão atraentes?” 20 , de Richard Hamilton (1956 – FIG. 5). Espécie de síntese do movimento, a obra acumula numa mesma imagem, através de diferentes técnicas (colagem, fotomontagem) objetos de consumo (comida enlatada, aparelho de som), de desejo (uma mulher seminua, um romance jovem em histórias em quadrinhos) e de sensação, representada pela figura central de um homem exibicionista e moldada fisicamente como um sujeito atraente na era hollywoodiana dos mitos sexuais. Além, claro, de um simbólico pirulito (do inglês, lollypop, vale notar) embalado com a palavra “pop”. Colagem e fotomontagem são técnicas que mostram o fascínio da arte pop com a realidade dos meios de comunicação, na crença de que criar é reorganizar as formas existentes. Como lembram Bolter e Grusin (2000, p.38) na fotomontagem as “formas preexistentes são fotografias, em hipertexto literário são parágrafos de prosa, e em hipermídia 19

Rather as “windowed” itself- with windows that open on to other representations or other media.(Tradução nossa) 20 Just What Is It That Makes Today´s Home So Different, So Appealing? (Hamilton, 1956).

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que podem ser em prosa, gráficos, animações, vídeos e sons”21. Em todos os casos, a obra se completa a partir de meios e mídias que, fora de seu contexto original se recombinam em um espaço que se perfaz múltiplo. A respeito da obra de Hamilton, Bolter e Grusin (2000, p.38) dizem que seu “confuso espaço torna-nos conscientes do processo de construção” 22, ou seja, deixa rastros, é uma obra hipermediada. Ela se torna legível a partir da montagem que o espectador faz de todas as peças distribuídas.

Em todas as suas diversas formas, a lógica da hipermediação expressa a tensão entre um espaço visual mediado e os espaços reais, que estão além de mediação. Lanhan chama isso de “tensão entre olhar para e olhar através”, e ele vê isso como uma característica da arte do século 20, em geral, na representação digital em particular. Um espectador confrontando uma colagem, por exemplo, oscila entre olhar para as manchas de aparência e pintura sobre a superfície de trabalho e olhar através de objectos representados, como se eles ocupassem um espaço real para além da superfície. O que caracteriza a arte moderna é uma insistência para que o espectador continue voltando para a superfície ou, em casos extremos, uma tentativa de manter o espectador na superfície indefinidamente. Na lógica da hipermediação, o artista se esforça para fazer o espectador reconhecer o meio como um meio e deliciar-se com esse reconhecimento. Ela faz isso através da multiplicação de espaços e meios de comunicação e por várias vezes redefinem as relações visuais e conceituais entre espaços mediados – relações que podem variar de simples justaposição a completa absorção.23 ( BOLTER; GRUSIN 2000, p. 41).

Figura 5: O que torna os lares de hoje em dia tão diferentes, tão atraentes? Richard Hamilton, 1956

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In photomontage the preexisting forms are photographs; in literary hypertext they are paragraphs of prose, and in hypermedia they may be prose, graphics, animations, videos and sounds.(Tradução nossa). 22 It´s cluttered space makes us aware of the process of construction. (Tradução nossa) 23 In all its various forms, the logic of hypermediacy expresses the tension between regarding a visual space as mediated and as real space that lays beyond mediation. Lanhan calls this the tension between looking at and looking through, and he sees it as a feature of 20 century art in general and now digital representation in particular. A viewer confronting a collage, for example, oscillates between looking at the patches of appear and paint on the surface of the work and looking through to the depicted objects as if they occupied a real space beyond the surface. What characterizes modern art is an insistence that the viewer keep coming back to the surface or, in extreme cases, an attempt to hold the viewer at the surface indefinitely. In the logic of hypermediacy, the artist strives to make the viewer acknowledge the medium as a medium and to delight in that acknowledgment. She does so by multiplying spaces and media and by repeatedly redefining the visual and conceptual relationships among mediated spaces- relationships that may range from simple juxtaposition to complete absorption. (Tradução nossa.)

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Fonte: Acervo Kunsthalle Tubingen Esse inventário representacional realista hipermediado na arte pop dá mostras de sua extrema conexão com o repertório e a lógica de funcionamento dos meios de comunicação. Portanto, hipermídia e a transparência realista são, na verdade, “manifestações opostas de um mesmo desejo: o desejo de deixar para trás os limites da representação e alcançar o real” (BOLTER; GRUSIN 2000, p.53), sendo que esse real é atingido de acordo com o que o espectador chama de real. Mesmo que esse real se apresente como uma possibilidade fantasmagórica, quimérica. Assumindo o aspecto imediatista e descartabilista da sociedade de consumo, a arte pop vai trabalhar com esse folclore urbano, mitos midiáticos cuja “duração” remete e justifica à famosa frase de Warhol a respeito dos 15 minutos de fama (“No futuro, todos serão mundialmente famosos por quinze minutos”) 24, pela qual ele parecia preconizar a busca desenfreada por um status de “celebrização” midiática instantânea e fugaz. A arte pop de certa forma cultiva e percebe a ficcionalização destes novos heróis, e celebra também objetos, produtos. Acima de tudo, ela parece cultuar o espaço onde tudo isso se traduz e é popularizado: os meios de comunicação. Ela nasce em uma época onde as comunicações em geral ( visual, impresso, etc) bombardeiam o espectador de maneira como nunca havia ocorrido antes na história. Para onde quer que nos voltemos, alguém 24

Expressão tirada de um catálogo do artista, exibido no Moderna Museum em Estocolmo, exposto entre Fevereiro e Março de 1968: “In the future, everyone will be world-famous for 15 minutes” (Tradução do autor)

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está tentando nos dizer algo ou vender alguma coisa por meio de imagens e letreiros. A ênfase no rótulo ou na embalagem e em sua ampliação é uma característica chave da arte pop, vide obras como “Eu Era O Brinquedo De Um Ricaço” (Eduardo Paolozzi, 1947).

Mas outro conceito sugerido por Bolter e Grusin (2000) concatena com mais precisão arte pop e os meios de comunicação, com especial clareza nas obras de Andy Warhol e Roy Lichtenstein. Obras como “Cinco Garrafas De Coca-Cola” (Warhol, 1962 – FIG. 6) ou “Whaam!” (Lichtenstein, 1963) transfiguram, no primeiro caso, um anúncio publicitário, no segundo, histórias em quadrinhos, em obras de arte. O que eles fazem, portanto, é remediação, representar uma mídia em outra. A lógica de remediação sugerida por Bolter e Grusin é semelhante à ideia de mimese, no sentido de que a mimese verdadeira não se faz entre dois objetos produzidos, e sim dois objetos produtores de sentido. Pensemos nisso a partir de um prefixo fundamental (re) para entender o caráter remediado do pop: a partir do momento que se re-apresenta, re-modela, re-visita, re-visa, assume-se a concepção de que uma mídia precisa da outra para ser uma nova mídia: o futuro do presente contém necessariamente o passado.

Figura 6: Five Coke Bottles, Andy Warhol, 1962

Fonte: Adbranch

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O que a arte pop fez, neste sentido, foi expor radicalmente esse concepção de real, em um jogo entre a transparência e a opacidade de representação. Ao mesmo tempo em que trabalham com essa descartabilidade aparente nos meios de comunicação, os artistas pop parecem querer, de alguma forma, eternizar esse momento, como Marylin ou Kennedy estão eternizados pelas serigrafias de Warhol. Como nos lembra Sylvester (2006, p.246), os famosos participam de um ciclo entre surgir e desaparecer que “faz parte de nossa fantasia sobre eles: que sejam descartáveis, sacrificados sazonalmente”. Mas ainda assim existe uma necessidade de alguma durabilidade imagética onde o pop assume o papel de preservá-los (ou pelo menos ativando nossa memória de sua presença) e que essa presença seja renovada, mesmo que seja através de outras figuras midiáticas. Podemos dizer, então, que Warhol possivelmente hoje estaria muito interessado em Lady Gaga, por exemplo, na possibilidade de captar a fugacidade e a permanência da artista como ícone. É um contínuo entre transparência e opacidade; ficção e fato; presença e aparência; passado, futuro e presente. Essa inspiração do pop em relação à fugacidade midiática instalada nos leva a pensar em uma manobra comum da arte: tentar congelar o presente (que cada vez mais velozmente se transformava em passado) como forma de preservar o período. Uma possível grande motivação para isso é a afiada noção de nostalgia do pop. Como aponta Reynolds (2011, p.25) , “nostalgia, no senso moderno, é uma emoção impossível, ou pelo menos incurável: o único remédio seria a viagem ao tempo”25. Concebido no século XVII, o conceito original de nostalgia se refere literalmente a ideia de “saudades de casa” (homesick), uma vontade debilitadora de retornar a terra nativa, depois de longas jornadas militares na Europa. Com o tempo, foi perdendo sua concepção original ligada a geografia, para ganhar um aspecto temporal: uma saudade coletiva de outros tempos. Um aspecto interessante notado na produção da arte pop – com mais clareza na britânica – é certo caráter nostálgico de algumas obras e temas, o que pode soar contraditório em relação a uma possível visão futurista. Mas é essa justaposição de tempos, espaços, mídias que perfazem uma noção do pop. Ampliando, a ideia de revisitar o passado e recapturá-lo no presente é uma característica fundamental do regime estético proposto por Ranciére, desfragmentado, fluído, uma “co-presença de temporalidades heterogêneas” (RANCIÉRE, 2000, p.37) na qual o pop parece bastante conectado. A própria exposição “This Is Tomorrow” na época foi vista por alguns críticos como nostálgica e passadista. Acredito que a nostalgia é um elemento primordial no pop: a memória 25

Nostalgia in the modern sense is an impossible emotion, or at least an incurable one: the only remedy would involve time travel. (Tradução nossa)

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do passado, os ontens de hoje na construção do agora. Todos os posicionamentos de diferentes autores em relação à filiação histórica da arte pop (é herdeira da tradição Dadaísta? Surrealista? Abstrata? Realista?) podem remeter justamente a essa questão, um provável desinteresse em desconstruir completamente o anterior e, em verdade, se pautar pela lembrança de experiências técnicas e temáticas antecedentes, para então assim soar contemporâneo – a grande marca parodística do pop. Segundo McCarthy (2002, p.62), a nostalgia do pop é um olhar cuidadoso, “como uma evidência de que as raízes do movimento do pós-guerra estão nos anos de infância de seus principais praticantes”. Em relação aos temas, percebe-se um tom que resvala o romantismo, no sentido de forçar o espectador a relembrar, sob a ótica do mágico e da reverência, de figuras formadoras do imaginário cultural da sociedade de então: desde as referências às histórias em quadrinhos de temática bélica por Lichtenstein, até o “Super-Homem” (1961), de Mel Ramos. A outra importante discussão suscitada pela arte pop é a questão do gosto, sendo um veículo fundamental, exemplar, quando o valor do modernismo passou a ser questionado. Se, em “Pintura Modernista”, Greenberg mostrou que a razão do modernismo se encontra no “emprego de métodos característicos de uma disciplina para criticar a própria disciplina - não com o intento de subvertê-la, mas de entrincheirá-la mais firmemente em sua área de competência”, diversos autores citados aqui colocam o pop se não como um simples continuísmo, uma adaptação de propostas anteriores. A “inovação significativa” que Greenberg usa como argumento para justificar a inclusão de uma obra ou artista no panteão da história passa pelo artista inovador “conhecer e dominar a convenção que modificava ou abandonava” (2002, p.104). Filosoficamente, isso será argumentado com o que Danto (2005, p. 16) vai assumir como a grande questão da arte pop: “como um objeto adquire o direito de participar, como obra, do mundo da arte?”. Expandindo e questionando a concepção puramente estética e criticada por ser exclusivista – canalizada na crítica modernista de Clement Greenberg – o artista pop parece querer mais do que assumir o gosto pelo banal: ele quer permitir o trivial como fonte indissociável de inspiração. Como provoca Warhol, uma questão de gostar das coisas. Pensar o prazer é chave fundamental para uma autoconsciência pop.

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3 SUBJETIVIDADE POP ATRAVÉS DAS NOVAS CULTURAS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

O estudo da arte pop proposto pelo capítulo anterior nos levou a uma espécie de valorização estética e filosófica da ideia do pop; a possibilidade de uma arte desobrigada de alguns preceitos moldados anteriormente – especificamente através do cânone moderno – como a utilização (e mais do que isso, a necessidade) de elementos da cultura de massa no âmbito das belas artes. Outra famosa declaração de Warhol de alguma forma parece sintetizar o preceito básico da arte pop, com toda a ambiguidade e ironia características do artista norteamericano: “pop é gostar das coisas” (MCARTHY, 2002, p.75). A frase, curta e simplória, a despeito do tom cínico-debochado que podemos inferir da sua emissão (lembremos que a provocação é um típico manejo pop, especialmente vinda do artista norte-americano) nos leva a sumarizar aspectos essenciais ao movimento. As coisas a que ele se refere podem dizer de qualquer coisa, mas que, na verdade, remetem às coisas das quais não seria de bom tom apreciar no ambiente das artes visuais; notadamente coisas pertencentes à cultura de massa. O próprio desprendimento no sentido de chamar esse inventário midiático da contemporaneidade de coisas, ao modo do romance realista do século XVIII, diz muito sobre o tom adotado por ele; são coisas presas e vistas como certas banalidades, naturalizadas, inescapáveis da nossa cotidianidade, portanto como não adotá-las como tema e técnica? Se somos realmente bombardeados por estas informações, por estas coisas, se elas de alguma forma já pertencem ao nosso campo subjetivo (as coisas do “fora” formatam o dentro, e retornam para fora com o filtro artístico), o pop pretende assumi-las como sua marca, fazendo disso um recorte crucial na cronologia das artes visuais, que nos leva até os dias de hoje. Como apontamos anteriormente, o movimento pop é de inclusão, no rumo de abraçar o que antes era ignorado pelas linhagens artísticas anteriores, sem abandonar completamente as estéticas cubistas, abstratas, dadaístas ou realistas. Parece crer que não é possível, no mundo corrente, rezar em uma cartilha única, adotar uma convenção de forma totalitária, escrever de acordo com uma única grande narrativa. Naturalmente, essa postura faz crescer o arsenal crítico de seus julgadores. Simplesmente “gostar” das coisas pode inferir um esvaziamento profundo do “fazer artístico”, a falta de uma posição mais crítica, minuciosa e uma apreciação estética mais depurada. Perigosamente, o encaminhamento do pop nas artes visuais pode contrastar “totalmente com a hipótese inicial que queria ou devia ser uma crítica irônica da sociedade de consumo” (Eco, 1979, p.13) ou, como Baudrillard (1995) apontou, no 55

fim do gesto criativo (e do maldito na arte) e um olhar apenas complacentemente testemunhador de uma sociedade que acelera energeticamente para o vazio.

Uma vez mais, o pop, nascido como jogo sofisticado sobre a cultura de massas, teve de aceitar seu destino, convertendo-se num dos aspectos de tal cultura. Nesse sentido, não se pode mais distinguir da cultura de massas porque a publicidade aceitou as técnicas pop, deixando assim de existir a dialética entre pintura de vanguarda e pintura figurativa de massas como a que podia existir nos tempos do cubismo ou da arte informal. (ECO, 1979, p.19).

Seria a confirmação do que Alloway (apud MCARTHY, 2002, p. 28) talvez exageradamente sugeriu: de que a arte pop seria apenas outra maneira de se dizer cultura de massas. Curiosamente, essa leitura é comumente atualizada em tons críticos para se referir a alguns artistas atuais como Jeff Koons e Damien Hirst que são notadamente influenciados pela arte pop, abalizados como “hiperpop”, “business art”, “capital art” ou “kitsch para as massas”. Artistas que talvez tenham como legado a ambiguidade e adotam isso como mote extremo, onde o apagamento da delimitação das fronteiras entre indústria e arte parece possível. Ab’Sáber (2011, p.4) analisa esta produção como uma “arte oficial, muito feliz”, presa a lógica espetacularista e acrítica do mercado e que evita as grandes questões. Esse apontamento soa como uma atualização de alguns dos argumentos de Greenberg. Não é possível – nem é a intenção – afirmar que a chamada arte contemporânea de hoje seja a transcrição de alguns dos argumentos apontados acima, justificando os ataques. Mas talvez seja importante lembrar que arte pop e as transfigurações sugeridas por ela se referem a um período histórico específico: acreditamos aqui que a arte não possui valor absoluto, varia de acordo com o contexto histórico em que acontece. Ela não chega desacompanhada de notáveis revoluções no mundo de então. Menos do que a valoração estética, é esse contexto histórico, através de algumas reflexões proporcionadas pela arte pop, que nos encaminha a ideia de pop no sujeito contemporâneo. Como Eco (1979) alude, trata-se inclusive de uma manobra de singularização, “a contínua recuperação do vulgar [acionada pela arte pop] como sinal de distinção social.”. Assim pretendemos perceber a arte pop como uma possibilidade de faísca inicial na valoração e concepção da ideia de pop na sociedade contemporânea. Afinal, o uso e posterior reconhecimento dos símbolos, signos, materiais, objetos e temas comuns as sociedade de consumo como possível do “fazer artístico”, possibilitou um importante e notável movimento, dignificando a cultura de massas em um ambiente anteriormente hostil a ela, no caso o das

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artes visuais, e sinalizando uma possível mudança da sociedade contemporânea, a formatação e presença e a crença de uma cultura pop. Reconhecida e reconhecível, essa cultura pop simboliza também uma espécie de mudança hierárquica nos anos 1960 e 1970: enquanto a concepção de “alta cultura”, predominante até o período moderno, se deslocou lentamente no que a crítica de cinema norte-americana Pauline Kael (apud Martél, 2012, p.166) chamou de “minority art”, a cultura de massas passa a atuar e ser percebida de forma quase hegemônica. Deslocam-se lugares: da arte maior se assenta como uma arte da minoria, o que é “melhor” perde este status por falar para poucos; a baixa cultura se dispõe como central na sociedade contemporânea. Passa-se a entender e, fundamentalmente, apreciar, as criações do homem comum, a energia, a intertextualidade, a velocidade própria da cultura de massa. Como sugere Martél (2012, p. 166), Kael, como Bob Dylan, Susan Sontag e Norman Mailer se inscrevem em uma categoria híbrida de intelectuais: os “elitistas populistas” 26, capazes de “combinar a energia de uma arte popular e as possibilidades de uma alta cultura” e transcender as categorias de alta e baixa cultura, residir exatamente no intervalo entre elas. O movimento sinalizado pela arte pop, de tornar o respeitável acessível para todos e o acessível respeitado pelos cultos, parece guiar a produção de boa parte dos agentes culturais desde então. E cabe pensar que posicionamento crítico do pop em relação a essa cultura midiática não é apenas sob o viés irônico que parece marcar a produção pop-artística. A ideia do pop após a década de 1960 iria se referir também à cultura rock, ao hippismo, as drogas e, em geral, “a qualquer manifestação de uma sub-cultura ou do underground” (HUYSSEN, 2002, p.245). Como aponta Huyssen (2002, p.245) o pop se “converteu em sinônimo de um novo estilo de vida da geração mais jovem, um estilo de vida que se rebelava contra a autoridade e aspirava libertar-se das normas impostas pela sociedade”27, o que ele aponta como uma euforia emancipatória. Uma interpretação do pop menos como afirmação de uma sociedade capitalista que celebrava a si mesmo e mais como um mecanismo de protesto e crítica. Segundo Huyssen (2002, p.247), muitos alemães viam a arte pop como denunciadora de uma

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Martél (2012) se refere aqui a uma capacidade de intelectuais em estabelecer uma visada crítica e séria em relação à produtos da sociedade de consumo. Jameson também nota especificamente na arquitetura- o campo maior das críticas implacáveis ao estatuto modernista- uma espécie de “populismo estético”, com “...o apagamento da antiga (característica do alto modernismo) fronteira entre a alta cultura e a chamada cultura de massa ou comercial, e o aparecimento de novos tipos de texto impregnados das formas, categorias e conteúdos da mesma indústria cultural que tinha sido denunciada com tanta veemência por todos os ideólogos do moderno, de Leavis ao New Criticism americano até Adorno e a Escola de Frankfurt. (JAMESON, 2007, p.14) 27 Convertido en sinónimo de un nuevo estilo de vida de la generación más joven, un estilo de vida que se rebelaron contra la autoridad y aspiraba a liberarse de las reglas impuestas por la sociedad. (Tradução nossa.)

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“falta de valores e de critérios na crítica artística, e que pretendia salvar o vazio entre a alta cultura séria e a baixa, frívola” 28. Huyssen define que:

“O realismo do pop, sua proximidade com objetos, imagens e reproduções da vida cotidiana, incentivou um novo debate sobre a relação entre arte e vida cotidiana, imagem e realidade, um debate que encheu as páginas de cultura dos diários e semanários nacionais.” 29 (HUYSSEN, 2002, p.248).

Ou seja, existia uma sensação de liberação, onde o pop formataria uma via de escape nestas noções de alta e baixa cultura e a ideia de arte (consumo e produção) seria expandida para outras esferas, além das torres de marfim ou dos acontecimentos exclusivos dos entendidos e marchands. Pensando nesta nova orientação proposta por Huyssen, será que o pop- com suas conexões rápidas e desavergonhadas - não poderia servir como uma espécie de ponte entre esses dois mundos, no sentido de se assumir como algo bastardo, ou seja, feito de partes a princípio desiguais, mas que, acabam de encontrando e perfazendo algo passível de reflexões mais profundas? Subsistindo com agentes suspeitos, talvez possa se dizer que o kitsch ganha outra roupagem ainda mais banal e desocupada de preocupações estéticas no trash e o pop serve também para revirar o lixo e, ainda assim, tentar resgatar algo de maior valor. Processo no qual entra a marca de possível singularização em que seja possível pensar em um pop mais digno que outro. Apesar da própria natureza nostálgica e cíclica do pop, que permite reavaliações de gosto de tempos em tempos, dificultando de certa forma a tarefa de se montar um cânone próprio. O pop, portanto, vai responder a uma nova sensibilidade, percebida como inescapável hoje. Uma sensibilidade que descodifica uma noção de pop em uma espécie de linguagem, uma autoconsciência, um padrão de subjetividade entre os sujeitos. Uma espécie de continuação da vida por outros meios. Nisso, difere-se na percepção da arte pop, que pretendia ambiguamente capturar o pop em paralelo. O pop, a partir dos anos 60, pode ser assumido como parte ativa da própria vida. Se pudermos pensar então o pop como um repertório variado de elementos da sociedade de consumo, que potencializa uma lógica de subjetivação na contemporaneidade, o 28

Falta de valores y criterios en la crítica artística, y tenía la intención de salvar el vacío entre alta y baja cultura seria frívola. (Tradução nossa.) 29 El realismo del pop, su cercania con los objetos, imágenes y reproducciones de la vida cotidiana, alentó un nuevo debate acerca de la relacíon entre el arte y la vida cotidiana, la imagen y la realidad, un debate que llenó las páginas de cultura de los diários y semanários nacionales. (Tradução nossa.)

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escritor britânico Nick Hornby se firma como um dos narradores mais afinados com nossos tempos. É justamente essa exposição, essa centralidade ocupada pelo pop contemporâneo que vai influenciar boa parte da produção autoral desse escritor, aliada a uma necessidade de narrar o próprio tempo e a tentativa de retratar individualidades a partir de preferências entre os signos comuns oferecidos pela indústria do entretenimento. Como aponta Hornby (2005, p.16), “muito ocasionalmente, canções, livros, filmes e fotografias expressam perfeitamente quem você é. E não fazem isso necessariamente por imagens ou palavras; a associação é muito menos direta e muito mais complicada que isso”. Ele vai fazer uso de uma poiesis disponível, uma produção pública, uma inevitabilidade social que ele captou e esclareceu. E esta produção acaba atuando como possíveis espaços de representação e reconhecimento. James (1993) dá um bom exemplo dessa capacidade da literatura em decodificar a sensibilidade social através da prosa do escritor Charles Bukowski, oferecendo-nos um possível panorama para pensar uma possibilidade de poiesis da contemporaneidade aplicada na literatura.

Uma enunciação resolutamente vulgar, a recusa em construir o verso como uma unidade métrica ou conceitual, e um repertório restrito de atividades banais (beber, vomitar, apostar, mijar) praticadas num terreno similarmente limitado de apartamentos de estuque e ruas que vão da pista de corrida às lojas de bebidas, produziram um modelo plenamente articulado de poiesis disponível para uso geral. Não é nenhum desserviço ao vigor da originalidade de Bukowski e à importância de seu exemplo reconhecer também a postura primária da modalidade que ele emprega é tão difundida que se pode, corretamente, pensar nela como uma produção pública, uma inevitabilidade social que ele captou e esclareceu; assim, podemos redefinir sua realização como sendo, em parte, empresarial, como o ingresso negociado dessa modalidade numa ordem vigente literária que, na época de sua intervenção, constituía-se em termos bem diferentes. E, embora essa postura encarne a alienação que é tão central na experiência moderna como um todo, ainda assim, a contemplação de um ambiente estranho e autodestrutivo, por um narrador alienado e autodesaprovador, revelou-se um meio particularmente útil e apropriado de situar a sensibilidade em Los Angeles, uma cidade que, tipicamente, tem poucas oportunidades de poesia. (JAMES, 1993, p.206-207)

Como Bukowski conduziu seus poemas a partir de uma subjetividade marginal, dos rastros de uma Los Angeles desnutrida de possibilidades e calcificada numa espécie de alienação, no tédio, na imobilidade social, Hornby vai construir seus romances de acordo com uma subjetividade moldada nas interseções entre a vida cotidiana, sociedade de consumo, e os processos de midiatização, representando e reconhecendo o sujeito pop. Como aponta Cruz (2003)

(...) o fenômeno pop pode ser compreendido como uma visão de mundo, uma atitude perante a vida, que engloba todas as artes (a música, a literatura, o teatro, a

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pintura, a escultura e o próprio cinema) e um modus vivendi delimitado historicamente, mas com repercussões até hoje. O pop é um estilo que se propôs como anti-estilo, em uma tentativa de interpretar a modernidade e de inaugurá-la efetivamente no nível comportamental. (CRUZ, 2003, p.46)

Talvez discordemos quando ele delimita historicamente a noção de pop – possivelmente ele se refere imediatamente a uma sensibilidade gerada nos anos 196030, mas que, em nosso espectro, é incorporado e passível de verificação de outras formas até hoje. O nível comportamental ao qual se refere Cruz (2003) também nos inspira a pensar o pop como um produtor de significados, prazeres e identidades e é certamente um dos motes da produção literária de Nick Hornby. Na maior parte de sua obra, é possível capturar elementos da cultura pop como essenciais para a formatação de suas narrativas e personagens. E muito em função disso ele foi laureado por mídia e público a partir dos anos 1990 como um dos maiores representantes de uma possível literatura pop contemporânea. A literatura de Hornby (popular, espirituosa, consumível e juvenil) usualmente rotulada como pop, possui os fundamentos dessa arte, seja na composição do cotidiano narrado pelas referências à cultura midiática tomada como um conjunto de “objetos achados”, usualmente desprezados pela alta cultura; seja pelo seu imediatismo, como ficção de traço hábil oportunamente oferecida ao leitor contemporâneo. (SERELLE, 2009, p.130).

Mas, para contextualizar a literatura de Hornby dentro de nosso estudo, estabelecemos dois eixos importantes para se propor uma noção espessa da ideia de pop: o esmaecimento nas fronteiras entre alta e baixa cultura – o fim da “grande divisão”, como sugere Huyssen (2002) – e a possibilidade de uma cultura pop advinda de conceitos como cultura popular e cultura das mídias, ou seja, novas experiências gerando outras sensibilidades.

3.1 Culturalização do mundo

Parece-nos válido, assim, pensar uma noção basal de cultura, tomando emprestada uma análise antropológica do termo. Particularmente R. Wagner (2010), para quem a cultura é uma forma de compreender o outro, o diferente, mas, para isso, é necessário ao pesquisador inventar uma cultura, um recurso teórico e metodológico que irá fornecer, por meio de observação e aprendizado, uma forma objetiva de conectar a sua própria cultura em relação à cultura estudada. O próprio Wagner vai até a etimologia da palavra para dizer sobre o sentido primário de cultura: sua origem do latim colere, “cultivar”, está relacionado com a ideia de 30

Como ecoa Gilmore (2010, p.10), “quase todos os debates relevantes sobre cultura e política dos últimos quarenta anos foram uma reação ao que se fez nos anos 1960”.

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cultivo do solo, desde então, algo relacionado ao trabalho braçal, a atividade do povo trabalhador. No campo dos Estudos Culturais, Hall (2003, p.253) também se aproxima dessa análise da cultura popular com uma primeira mirada na antropologia, fazendo referência às coisas que o povo faz ou fez, “[...] a cultura, os valores, os costumes e mentalidades (folkways) do povo”. Wagner (2010, p.54) usa o termo “sala de ópera” para designar a ideia do homem culto como um sujeito domesticado, “[...] cultivado como alguém que “tinha cultura”, que desenvolvera seus interesses e feitos segundo padrões sancionados, treinando e criando sua personalidade [...]”, uma série de valores pertencentes a uma elite aristocrática. Ainda segundo Wagner, a noção de cultura vigente durante muito tempo está nos rastros de uma derivação desta ideia da “sala de ópera”, numa uma primeira aplicação metafórica do termo. A partir daí, buscaremos em outros autores a visão da cultura como uma presença ordinária e desapegada dos campos iluminados da ideia de elite, ainda em voga no pensamento modernista, como analisamos anteriormente. Mais à frente, entre os séculos XVIII e XIX, o termo vai ganhar outros contornos, mais próximos das noções contemporâneas (mais abrangentes e menos limitadas às determinadas classes ou formas de produção social), e que de alguma forma vão delinear o que nos interessa aqui, o embate entre alta e baixa cultura É a partir da decomposição desta ideia que talvez seja possível encontrar uma noção do pop – como uma nova sensibilidade dentro de um regime que permita a assunção de novas sensibilidades. E esses novos quadros partem muito do propósito da quebra de barreiras em relação à ideia de cultura. Como apontou Barbero (2009, p.91), a partir dos anos 1960, aconteceu a “irrupção da enzima marginal”, através da percepção e do acolhimento de novas sensibilidades e experiências, onde a lente cultural se amplia aos negros, às mulheres, aos loucos, aos homossexuais, à contracultura, ao terceiro mundo. É uma nova e caleidoscópica noção de cultura popular que vai colocar em crise uma concepção de cultura incapaz de dar conta “das transformações do sentido social; tornando caduca uma arte separada da vida ou uma cultura separada da cotidianidade que vinha conferir e recobrir de espiritualidade o materialismo burguês”. Essa leitura de Barbero é claramente referenciada em Walter Benjamin e seu interesse a respeito de um possível capital cultural provindo da margem. Os Estudos Culturais britânicos e especialmente suas posteriores leituras irão mapear com especial clareza algumas das questões que apontaremos como formatadoras de uma cultura e

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de um sujeito subjetivado pelo pop, de acordo com suas experiências vivenciadas através destas transformações. Essa noção de sensibilidade pautada pela experiência é um registro indelével para formatar a análise de diversas noções de cultura que podem ser notadas na pós-modernidade (como analisada por diversos autores), ou em quaisquer outros termos usados para designar o período que registra as transformações que compreendem a sociedade contemporânea atual31. A leitura dessas transformações que fazemos uso aqui é específica a um ponto que nos interessa: aquilo que Lipovetsky e Serroy (2011) vão chamar de “mundialização da cultura”, a utilização do conceito de cultura para abarcar, sinalizar e ser a chave de entendimento das mudanças que pautam o mundo contemporâneo. Numa chave de leitura crítica marxista é importante notar, Jameson (2007, p.14) aponta algo próximo, no sentido de uma “aculturação do real”, em que percebemos “... uma dilatação imensa de sua esfera (a esfera da mercadoria)... Um salto quântico no que Benjamin ainda denominava a ‘estetização’ da realidade”. Se o modernismo era, de alguma forma, uma espécie de crítica, uma resposta à transformação de um mundo pautado no consumo e na acumulação de mercadorias, o pós-modernismo é “o consumo da própria produção de mercadorias como processo”. Mais do que aceitar, é entender a condição quase impossível de uma cultura não contaminada, despoluída dos processos de mercantilização. Lipovetsky e Serroy (2011) datam o período como uma hiper-modernidade, onde: A cultura que caracteriza a era hipermoderna não é mais o conjunto das normas sociais herdadas do passado e da tradição (a cultura no sentido antropológico), nem mesmo o “pequeno mundo” das artes e das letras (a alta cultura); ela se tornou um setor econômico em plena expansão, a tal ponto considerável que se chega a falar, não sem razão, de “capitalismo cultural”. (LIPOVETSKY E SERROY, 2011, p.69).

A cultura-mundo, para estes autores, designa o sistema econômico cultural do hipercapitalismo globalizado. Essa noção de cultura-mundo seria testemunha do fim das barreiras nítidas entre a alta cultura e o mundo comercial; porque ao mesmo tempo, ela “se empenha em integrar, mais ou menos, os princípios criativos e estéticos da alta cultura” (LIPOVETSKY E SERROY, 2011, p.69. Ou seja: essa nova noção de cultura não se traduz em divisões claras e sim nas possibilidades de diálogo entre as concepções anteriores. A ideia de Lipovetsky e Serroy (2011, p.71), em relação à contemporaneidade, de que “pela primeira 31

Talvez a própria dificuldade de nomear este período dê mostras de sua abrangência e pluralidade.

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vez há uma cultura produzida não mais para uma elite social e intelectual, mas para todo mundo, sem fronteiras de país nem classes” é tátil e visível em diversos exemplos de produtos culturais que ultrapassam as pré-concepções estabelecidas. Hornby (2005), em “31 Canções”, fala sobre uma música que lhe dera uma “agradável bobeira”, e traça um argumento que se encaixa como uma defesa irônica da visão cultural de seu tempo Oh, claro que posso entender o menosprezo das pessoas pela música pop. Sei que uma grande parte dela, quase toda, é lixo sem a menor imaginação, mal escrita, mal produzida, vazia, repetitiva, imatura (embora pelo menos quatro desses adjetivos possam ser usados para descrever os incessantes ataques ao pop que ainda encontramos em revistas e jornais de nível); também sei, acreditem, que Cole Porter era “melhor” que Madonna ou Travis, que a maioria das canções pop é dirigida cinicamente a um público-alvo três décadas mais jovem do que eu. Que a época de ouro foi há trinta e cinco anos e que desde então houve pouquíssima coisa significativa. Só que tem essa canção que ouvi no rádio e comprei o CD e agora tenho que ouvi-la dez ou 15 vezes por dia (...). (HORNBY, 2005, p.26)

Na recusa de uma ancoragem nacional das obras, “a cultura das vanguardas pretendese transgressiva, cosmopolita, tendo em vista o homem novo” (LIPOVETSKY E SERROY, 2011, p.70)32. Hannerz (1994, p.251) aponta interessantes questões sobre a ideia do cosmopolitismo que atua em um mundo onde “a cultura está assinalada por um organismo de diversidade e não por uma repetição de uniformidade”. Ele retoma historicamente a noção de cosmopolita, que vem da sociologia, como a distinção entre o local (aquele que vive sua vida dentro da estrutura da localidade onde vive) e o cosmopolita, que vive no mesmo lugar do local, mas “pensa e vive sua vida dentro da estrutura da nação” (1994, p.251).

A perspectiva do cosmopolita precisa envolver relacionamentos com uma pluralidade de culturas consideradas entidades distintas (E quanto mais, melhor; os cosmopolitas devem ser idealmente raposas e não porcos-espinhos). Porém, além disso, o cosmopolitismo, num sentido mais estrito, inclui uma posição em relação à própria diversidade, em relação à coexistência de culturas na experiência individual. O cosmopolitismo mais autêntico é, acima de tudo, uma orientação, uma vontade de se envolver com o Outro. É uma posição intelectual e estética de abertura para experiências culturais divergentes, uma busca de contrastes em lugar da uniformidade. Familiarizar-se com outras culturas é transformar-se num aficcionado (fã), considerá-las como obras de arte. (HANNERZ, 1994, p.253).

O cosmopolita é aquele que se permite uma sensibilidade transnacional, não presa a determinações territoriais; aquele que pode estar envolvido com uma determinada cultura, mas que não está muito mais envolvido a esta do que a aquela. Portanto, o contexto de uma 32

Tendemos a discordar em alguns aspectos concatenados pelo autor: nem sempre a percepção desta nova cultura chega filtrada pela transgressão, por exemplo. Mas o dado do cosmopolitismo talvez seja fundamental para se entender algumas novas sensibilidades propostas pelo homem moderno, no sentido de que o alcance das possibilidades de influência cultural hoje são transnacionais: a ideia do pop certamente o é.

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cultura-mundo gera “um maior contingente de cosmopolitas em nossa época do que havia em qualquer outra época anterior” (HANNERZ, 1994, p.255). Para explicitar ainda mais a existência do sujeito cosmopolita, ele o contrapõe com o turista. O turista busca o “homeplus” 33, o conforto caseiro acrescido de diferenças encontradas no estrangeiro, ele busca o exotismo comprável e não sensível. Como aponta Hannerz (1994, p.255) este plus “nada tem a ver com sistemas estrangeiros de significado, e tem muito a ver com os fatos da natureza, como as praias lindas (...). Os turistas não são participantes: o turismo, em grande parte é um esporte de espectadores”. Já o contato com o estrangeiro ajuda a elencar características relevantes da estrutura sensível do cosmopolita, onde ele “não negocia com a outra cultura, mas a aceita como um todo” (HANNERZ, 1994, p.254). Os elementos diferentes não são comparados em relação a sua perspectiva de origem, são aceitos na sua totalidade, não individualmente. É uma forma sui generis dele se subordinar apenas parcialmente, condicionalmente, ao estranho: os contrastes entre a sua cultura e a cultura estrangeira não criam para ele algum laço de comprometimento – é mais uma forma de absorção. Como conclui Hannerz (1994, p.254), “ele sempre sabe onde é a saída”. Lipovetsky e Serroy (2011, p.71) apontam que “nos antípodas das vanguardas herméticas e elitistas, a cultura de massa procura oferecer novidades produzidas com a maior acessibilidade possível para a distração da maioria”. A questão talvez seja saber de que forma os sujeitos fazem uso desses produtos, de que forma eles consigam se singularizar e alcancem um pertencimento que os diferenciem de uma generalização. Essa noção de cosmopolitismo, especialmente quando antagonizado com a ideia do “turista”, parece um caminho possível. Outro aspecto marcante dessa mudança de sensibilidade no sujeito contemporâneo é o que Jameson (2007, p.44) pontua como um “enorme fascínio justamente por essa paisagem ‘degradada’ do brega e do kitsch”. Mais do que uma atração pelo que antes era escoado pelo filtro da alta cultura, o que se percebe é a tentativa de dignificar, encontrar valor estético nesta cultura corporificada nas ambiências do consumo e das novas mídias, onde “(...) essas matérias não são apenas “citadas”, como o poderiam fazer um Joyce ou um Mahler, mas são incorporados à sua própria substância”. Um dos recursos típicos da pós-modernidade neste sentido seria o pastiche, que encontrou nas idiossincrasias modernas um campo vasto de inspiração. É tempo de revivals, remakes, reescritas, onde os estilos modernistas se 33

Curiosamente, para ilustrar a idéia de que viagens internacionais não fazem de alguém um cosmopolita, Hannerz toma como exemplo um dos livros favoritos de Nick Hornby, “O turista acidental”, de Anne Tyler, onde o protagonista é um escritor de guias para turistas que querem se sentir em casa em lugares estrangeiros.

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transformam em uma infinidade de códigos pós-modernos. A lógica do “nada se cria, tudo se copia”, retrabalhada, é um diapasão utilizável - dificilmente hoje se acredita no original, talvez em uma mistura original. Os países capitalistas avançados, como Jameson diz, são reinos da “heterogeneidade estilística e discursiva sem norma”. Uma leitura que nos remete novamente a Adorno e sua visão crítica da indústria cultural. A arte apenas como mais um estilo, perdendo sua unidade, seu caráter único, se transformando em algo preso às fórmulas, cuja coerência puramente estética se esgotaria na imitação. Como na leitura de Barbero (2009, p.76), “reduzida à cultura, a arte se fará acessível ao povo como os parques, oferecida ao desfrute de todos, introduzida na vida como um objeto a mais, dessublimado”. Essa profusão anormal de estilos, oriundos também de uma lógica da cultura de massas, surge como uma ameaça “a pesar sobre o espírito e a ‘verdadeira cultura’, transformando e caricaturando obras nobres, reduzindo-as à condição de produtos mercantis entregues aos lazeres do entretenimento”. (LIPOVETSKY E SERROY, 2011, p.72). Mas, ao mesmo tempo, essa produção padronizada e kitsch, interessa a uma nova sensibilidade que busca o prazer, independente de pré-condições. Notamos que Adorno se opunha ao que chamou de arte leve, menor ou ligeira, defendendo a arte séria em nome da verdade. “É preciso demolir o conceito de prazer artístico”, proclama Adorno (apud Barbero, 2009, p.77), “pois, tal, e como o entende a consciência comum (a cultura popular, diríamos nós) o prazer é só um extravio, uma fonte de confusão: quem tem prazer com a experiência é só o homem trivial”. A expressão do pastiche, tão cara à Jameson no sentido de situar a criação pósmoderna, já era observada criticamente por Adorno em sua leitura a respeito da indústria cultural, isto é, uma mistura de sentimento e vulgaridade, que não desafia a massa como faz a arte, mas apenas a excita com a ativação das vivências, do já conhecido, do que não a estranha. Barbero faz uma espécie de “tradução” do pensamento adorniano: E o que não entendem esses críticos é que o estranhamento da arte é a condição básica de sua autonomia. Que todo compromisso com o pastiche – com o kitsch, com a moda – não é mais que uma traição. Claro que a pressão da massa é tanta que até os melhores acabam cedendo, mas “louvar o jazz e o rock n roll em lugar de Beethoven não serve para desmontar a mentira da cultura, mas apenas oferece um pretexto à barbárie e aos interesses da indústria da cultura. Ante a chantagem, a tarefa da verdadeira arte é distanciar-se. É o único caminho possível para uma arte que não queira acabar identificando o homem com sua própria humilhação. (BARBERO, 2009, p.79)

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A reflexão adorniana, portanto, sugere contrapor frente a frente “a imediatez em que se encharca o gozo – puro prazer sensível – e a distância que, sob a forma de dissonância, assume a arte que ainda pode se chamar de tal” (BARBERO, 2009, p.77). Dessa oposição, colocamos a questão do prazer como um dado central para entender o sensível na cultura de massas. Concordamos com a colocação de Barbero (2009, p. 77), de que a questão problemática das dissonâncias adornianas é que elas soam demais como “aristocratismo cultural”. Ainda pelo viés da ironia, Hornby, em “31 Canções”, fala da vantagem em se permitir o prazer versus um possível elitismo cultural: Isso significa que nunca ouvem, ou pelo menos nunca curtem, novas canções, que tudo que assobiam ou cantarolam foi escrito há anos, décadas, séculos? Vocês realmente se negam o prazer de aprender uma melodia (casualmente, um prazer que a geração de vocês seria a primeira a renunciar) por medo de que pareça que não sabem quem é Harold Bloom? Uau. Aposto que vocês são muito divertidos em festas. (HORNBY, 2005, p.24).

3.2 Sontag e as novas sensibilidades

O prazer seguramente é um dado importante para uma das novas sensibilidades sugeridas por Sontag (1987, p.318), o camp, “uma espécie de código pessoal, até mesmo um signo de identificação entre as igrejinhas urbanas (...) uma sensibilidade que, entre outras coisas, transforma o sério em frívolo”. Entre as características sobre o camp enumeradas por ela, estão a ênfase do estilo em detrimento do conteúdo, “coisas que do ponto de vista “sério” são arte ruim ou kitsch” (SONTAG, 1987, p.322). Objetos urbanos, exagero, falta de engajamentos ou solenidades, extravagante, a “arte que se propõe seriamente, mas não pode ser levada totalmente a sério porque é ‘demais’” (SONTAG, 1987, p.328). Como ela aponta, se a busca da cultura erudita é por verdade, beleza e seriedade, o camp vai desprezar a noção de julgamentos absolutos. E vai procurar satisfação estética onde não se espera dar as costas ao eixo bom-ruim do julgamento estético comum e apresenta a arte e a vida através de padrões “diferentes aos da cultura erudita tradicional. Algo é bom não porque está realizado, mas porque revela outra espécie de verdade sobre a condição humana, outra experiência daquilo que é ser humano – em suma outra sensibilidade válida.” (SONTAG, 1987 p.331). É o reconhecimento de uma nova condição, de através do prazer se significar e se individualizar, aceitando e transmutando as condições a que está exposto como uma espécie de resposta aos tempos passados, um retorno envernizado em tons de ironia, sem buscar uma 66

unicidade onde ela parece não mais existir e não se importando muito com a credibilidade diante dos estatutos anteriores. Não sem propósito, ela vai relacionar o camp com o personagem sui generis do modernismo. “Camp é a resposta ao problema de como ser dândi na era da cultura de massa” (SONTAG, 1987, p.333), mas o dândi era excessivamente cultivado, na acepção de “sala de elite” proposta por Wagner. Ele busca os prazeres renegados – e não os prazeres aceitados, mas deslocados temporalmente, as lembranças, os modos e costumes da boa época, como parece ser a premissa do dandismo. O camp seria mais frívolo. Tanto que Sontag (1987, p.336) difere o camp da arte pop, sendo esta última “mais horizontal e mais seca, mais séria, mais distante, em última análise, mais niilista”. E talvez seja isso, esse isolamento do inegável academicismo presente na arte pop, como apontou Greenberg, que aproxime o camp da ideia de pop, fora das artes visuais. Em Uma Cultura, uma nova sensibilidade, de 1965, Sontag, afirma que “a obra de arte está reafirmando sua existência como “objeto” (mesmo como objeto fabricado ou produzido em massa, inspirado nas artes populares) e não como uma expressão pessoal individual” (SONTAG, 1987, p.342). Ela parece em sintonia com a proposição da arte não como uma ocorrência do sagrado/religioso, ou mesmo do profano, já que este “conceito que desaparece quando seu oposto, o “religioso” ou o “sagrado” se torna obsoleto” (SONTAG, 1987, p.341), mas como outra espécie de ocorrência. O que testemunhamos não é tanto um conflito de culturas quanto a criação de um novo tipo de sensibilidade (potencialmente unitário). Essa nova sensibilidade está arraigada, e tem de estar, em nossa experiência, experiências que são novas na história da humanidade – na extrema mobilidade social e física; no abarrotamento do cenário humano (pessoas e mercadorias materiais multiplicando-se a uma velocidade atordoante); na disponibilidade de novas sensações como a velocidade (velocidade física como uma viagem de avião, velocidade das imagens, como no cinema); e na perspectiva pancultural das artes, possível pela reprodução em massa dos objetos de arte. (SONTAG, 1987, p.342).

Uma perspectiva pancultural das artes, possível pela reprodução em massa dos objetos de arte: pontuando nossa experiência, como ela frisa. Não poderia ser este um modelo possível para o sensível sugerido por Ranciére? Talvez, no fundo destas questões colocadas por Sontag, esteja aquilo que Warhol (e boa parte da arte pop) propôs: uma arte que dissesse como nós somos (sujeitos afetados pela lógica de uma sociedade de consumo); a impossibilidade hoje de se ater a um cânone, a uma narrativa única. E uma possível pluralidade reconciliadora, um espectro de novas sensibilidades cognoscíveis, na qual as convenções anteriores passam a ser contestadas como “... aquela entre “arte” e “não arte”; 67

mas também muitas distinções estabelecidas no próprio universo da cultura entre forma e conteúdo, entre o frívolo e o sério e (distinção favorita dos intelectuais) entre cultura “erudita” e “não erudita”” (SONTAG, 1987, p.342). Um caminho que Sontag aponta como referencial nessa mudança é o acolhimento pela arte de meios e mídias antes não reconhecidos; o que ela considera como um apaziguamento do embate entre ciência e arte. A autora (1987, p.344) faz referência, Marshall McLuhan em sua definição para o desenvolvimento do homem como “uma sucessão de atos de extensão tecnológica da capacidade humana, cada qual operando uma mudança radical em nosso ambiente e em nossa maneira de pensar, sentir e avaliar”, ou seja, estaríamos atados às condições que nos cercam, “embora as novas condições sejam consideradas corruptas e degradantes”34. E, para Sontag, apenas alguns artistas possuiriam a capacidade de entender o ambiente de sua época, já que “pessoas mais tímidas preferem aceitar os (...) valores do ambiente anterior como a realidade incessante de seu tempo.” (1987, p.245). Quando Hornby (2005, p. 72) fala sobre sua primeira visita aos Estados Unidos, ainda adolescente, com um encantamento que se enquadra na visão de uma nova natureza pautada às novas condições que cercam o sujeito contemporâneo (assumindo que “teria trocado alegremente toda a herança da Inglaterra – Stonehenge, Stratford, Worldsworth, o palácio de Buckingham, o pacote completo – pela possibilidade de assistir de manhã a programas de auditório na TV”), parece estar apontando uma típica transição de sensibilidades, de mudanças históricas. É nessa linha que Sontag parece traçar a questão das “duas culturas” (seja as dicotomias entre alta e baixa; arte e ciência, erudito ou popular), na qual um conceito passado de cultura é o que acredita na separação entre arte e as (novas) formas da vida social. Ela expõe uma crítica ao entendimento da arte apenas como crítica da vida – sendo esta entendida como a proposição de ideias morais, sociais e políticas – ou seja, presa a um conjunto de préposições, pré-condições, contextos previamente enquadráveis a discussão entre o que é válido e o que não é. Quando Sontag (1987, p.342) diz que o tédio não existe, “é apenas outra designação de certa espécie de frustração” e que as novas linguagens faladas pela arte “interessante do nosso tempo são frustrantes para as sensibilidades da maioria das pessoas instruídas”, nos remete às típicas provocações warholianas, o caráter ambíguo de suas criações, seus filmes de oito estáticas horas de duração, a falta de novidade exposta nas galerias e museus. E possivelmente essa é uma das questões centrais da arte contemporânea e sua dificuldade de 34

Essa corrupção da natureza apontada por McLuhan nos remete às noções de “natureza americana” percebidas por Eco e Lichtenstein, citadas no primeiro capítulo.

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diálogo com o público: a frustração de que “tudo é válido”, de que “tudo é arte”; a noção de “aboutness” (o propósito, o télos) de Danto, em que a intenção do artista define a construção da obra de arte. Essa “nova sensibilidade entende a arte como extensão da vida – sendo esta entendida como a representação de (novos) modos de intensidade.” (SONTAG, 1987, p.345). E nessa nova sensibilidade que ela enumera como experimental baseada na experiência (justamente porque a ciência assim o é), que pode ser percebida como tediosa (que pode ser lida como “apolítica”), que pode ser percebida como escapista, infradidática (que pode ser considerada esvaziada), não faz sentido uma distinção notável entre alta ou baixa cultura. Trata-se, no fim das contas, de uma “(...) comunidade criativa de artistas e cientistas empenhados em programar sensações, não interessados na arte como uma espécie de jornalismo moral. A arte sempre foi mais do que isso, em todo caso.” (SONTAG, 1987, p.348). É, definitivamente, uma noção abrangente e até mesmo otimista. Como a nova sensibilidade exige menos “conteúdo” na arte, e está mais aberta aos prazeres da forma e do estilo, é também menos esnobe e menos moralista – no sentido de que não exige que o prazer na arte esteja necessariamente associado à edificação. Se a arte é entendida como uma forma de disciplina dos sentimentos e uma programação das sensações, o sentimento (ou a sensação) “suscitado por um quadro de Rauschenberg poderá se igualar aquele suscitado por uma canção das Supremes (...) podem ser apreciados como um acontecimento complexo e agradável. São experimentados sem condescendência” (SONTAG, 1987, p.328). Ela sumariza, assim, questão:

É importante compreender que a inclinação que muitos jovens artistas e intelectuais sentem pelas artes populares não é uma nova vulgaridade (como tão frequentemente se critica) ou uma espécie de anti-intelectualismo ou algum tipo de abdicação da cultura. O fato de muitos dos mais importantes pintores americanos, por exemplo, serem admiradores do “novo som” na música popular não é resultado da busca de uma mera diversão ou descontração (...). Reflete uma maneira nova, mais aberta de olhar para o mundo e as coisas do mundo, nosso mundo. Não significa a renúncia de todos os padrões: há uma infinidade de músicas populares idiotas, bem como pinturas, filmes ou música de “vanguarda” inferiores e pretensiosos. A questão é que nesse caso existem novos modelos, novos padrões de beleza, estilo e gosto. A nova sensibilidade é provocadoramente pluralista; voltada ao mesmo tempo para uma torturante seriedade e para o divertimento, a ironia e a nostalgia. E também extremamente consciente do ponto de vista da história; e a voracidade de seus entusiasmos (e da substituição desses entusiasmos) é tremendamente rápida e excitante. Do ponto de vista dessa nova sensibilidade, a beleza de uma máquina ou da solução de um problema matemático, de um quadro de Jasper Johns, de um filme de Jean-Luc Godard e das personalidades e da música dos Beatles é igualmente acessível. (SONTAG, 1987, p.349)

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A sensibilidade seria um gosto, preferências subjetivas que não foram sujeitadas pela soberania da razão, e pensamos em razão aqui como uma racionalidade vigente, um código de conduta geral, uma linha nítida de fronteiras subjugando, por exemplo, alta e baixa cultura. Razão versus experiência Daí vem a separação que a autora faz entre sensibilidade e ideia, sendo que “qualquer sensibilidade que possa se enquadrar num molde de um sistema, ou ser manuseada com os toscos instrumentos da prova, não é mais uma sensibilidade. Ela se solidificou numa ideia (...)” (SONTAG, 1987, p.319). O que pretendemos pontuar como afirmação maior de uma sensibilidade pop é o contato do sujeito contemporâneo com um filtro decididamente não acadêmico, a mídia, seu protagonismo nesse processo, e em como isso se transmuta em um capital cultural popular pensando esta cultura como um intenso campo de possíveis subjetivações no acúmulo de informações vindas de diversas áreas. Esta noção do pop como agente subjetivador parece se fundar muito em função de nosso contato com uma cultura das mídias, quando a mídia se torna mais um idioleto, como afirma Jameson (2007). Possivelmente porque é através dela que teremos contato – e seremos também agentes – com a maior parte das transformações que levaram a sociedade a gerar tantas novas pluralidades.

3.3 O pop dentro do contexto de uma cultura das mídias e da cultura popular There are in fact no masses; there are only ways of seeing people as masses. (WILLIAMS, 1958, p.12)

Walter Benjamin, em vários momentos uma voz discordante em relação a Adorno e Horkheimmer na lógica de pensamento frankfurtiana, mostrou leituras diferentes em relação ao popular na cultura. Como nos lembra Barbero (2009, p.86), ele reconheceu na literatura de Baudelaire, por exemplo, a “expressão de um novo modo de sentir”, fruto de seu interesse pelo marginal, pelo popular, “uma crença que os Horkheimer e Adorno julgam mística: a possibilidade de libertar o passado oprimido”. A chave de entendimento benjaminiana neste caso é pensar o popular na cultura não como uma negação, e, mais do que isso, não como algo dado como negativo, mas como experiência e produção de sentidos. De alguma forma, as leituras expostas aqui a respeito de novas sensibilidades do sujeito contemporâneo tem algum débito com ele. Como veremos especialmente com Fiske (2010), essa leitura permite configurar no sujeito comum possibilidades de resistência – um movimento apontado por alguns vários autores como 70

contradição, onde a aproximação do sujeito com a indústria é justamente o que vai criar pessoalidades baseadas no atrito. E atrito se dá com a aproximação.

O sentido não é algo que cresça como o valor, não é produzido e sim transformado, pois depende do processo de produção. E então a experiência social pode ter duas faces – um obscurecimento e um empobrecimento profundo – mas, ao mesmo tempo, sem perder sua capacidade de crítica e criatividade (...). Porque experimentou isso, Benjamin supôs deslocar-se a tempo de uma experiência burguesa que tinha deixado de ser a única configuradora da realidade. Que o momento em que a mercadoria parecia “realizar-se” por completo era o mesmo em que a realidade social se desagregava começando a estremecer do outro lado, o das massas e seu novo sensorium e seu contraditório sentido. (BARBERO, 2009, p.87)

Mais do que pensar na arte ou na estética, é a experiência a geradora de sensibilidades. Talvez aí esteja a dificuldade adorniana em pensar a “arte leve”; e talvez, esteja justamente na noção de “arte leve” o fundo de uma acepção de pop. O pop seria uma subjetividade pautada por uma série de experiências do sujeito contemporâneo com o que o cerca, como a cultura popular, a cultura midiática, a cultura híbrida e a cultura mundializada e cosmopolita. Como coloca Benjamin (apud Barbero, 2009, p.81), “dentro de grandes espaços históricos de tempo se modificam, junto com toda a experiência das coletividades, o modo e maneira de sua percepção sensorial”. Busca-se então “manifestar as transformações sociais que acharam expressão nessas mudanças da sensibilidade” (BARBERO, 2009, p.81). Era preciso, sem dúvida, uma sensibilidade bem desprendida do etnocentrismo de classe

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– a sensibilidade da

experiência e da aproximação, afastada da torre de marfim –, para afirmar a massa como “motriz de um novo modo positivo de percepção cujos dispositivos estariam na dispersão, na imagem múltipla e na montagem” (BARBERO 2009, p.84). Na subjetividade pop, crítica e prazer não se opõem, conjugam-se 36. A percepção da centralidade midiática atuaria como a materialidade de uma nova sensibilidade. Parece possível pensar que tanto a ideia de “midiatização” proposta por Braga (2006), quanto à proposição próxima sugerida por Kellner (1995), “cultura das mídias”, estará na formatação, disseminação e propagação de certa cultura pop e consequente noção de pop como subjetivador na sociedade contemporânea. Segundo Kellner (2001 p. 70), o discurso contemporâneo sobre o pós-moderno surgiu, primeiramente, na cultura, no pós-guerra, com a assunção de uma nova sensibilidade, na 35

Quando fala em etnocentrismo de classes, Barbero parece opor diretamente Benjamin a Adorno (filiando-se ao primeiro). O último, como ele coloca, acreditava que na era da comunicação de massa, “a arte permanece íntegra precisamente quando não participa da comunicação”. (BARBERO, 2009, p.79) 36 E como sugere James (1993, p.230), a respeito das experiências ou das práticas marginais mais transitórias, elas “podem não apenas ser mercantilizadas, mas reproduzidas em massa, praticamente da noite para o dia, nenhum modo de produção estética pode escapar definitivamente dos circuitos das indústrias da cultura”.

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corrente contrária da abstração e do elitismo que caracterizariam o final do modernismo. Estrategicamente através de imagens e símbolos vindos da mídia, começava a se formatar uma nova linha de pensamento e ação no campo cultural. Kellner chega a um diagnóstico bem abrangente: “a cultura da mídia é a cultura” (2001 p. 185). Como aponta Braga (2006, p. 8), “com a abrangência oferecida pela mídia moderna, os âmbitos de circulação ultrapassam os sub-universos especializados” e o pop, numa primeira etapa, nomeado no campo das artes plásticas, vai ter seu uso bastante consagrado no universo da música, e atualmente simboliza diversas formas de expressão na nossa cultura: do cinema à literatura, passando pelo consagradíssimo uso do termo na música. Primeiramente, para entender a questão da cultura das mídias, Kellner (2001, p.49) traça separações entre as noções de “diferença” (o reconhecimento e tolerância das diferenças, que pautam o discurso pós-moderno) e “antagonismo” (a relação de forças de dominação e contradominação que escrevem o discurso dos Estudos Culturais britânicos). Para ele, “esses estudos situam a cultura num contexto sócio-histórico no qual esta promove dominação ou resistência e critica as formas de cultura que fomentam a subordinação” (KELLNER, 2001, p.53). O ponto crucial no entendimento dos estudos culturais – e que vai diferenciá-los da Escola de Frankfurt, por exemplo – é que as distinções entre cultura superior e inferior são abandonadas, no sentido de valorizar formas culturais midiáticas como a televisão, o cinema e a música popular. A questão é ver a importância da cultura das mídias nos processos de dominação e resistência. O termo “cultura de massa”, como vimos anteriormente com Hall, ganha rejeição por ainda espelhar uma divisão elitista. Para Kellner (2001, p.52), o termo “cultura da mídia” evita embates ideológicos como estes, e chama a atenção para “o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida”, por que:

A distinção entre “cultura” e “comunicações” é arbitrária e rígida, devendo ser desconstruída. Quer tomemos “cultura” como os produtos da cultura superior, quer como os modos de vida, quer como o contexto do comportamento humano, etc., veremos que há íntima ligação com a comunicação. Toda cultura, para se tornar um produto social, portanto “cultura”, serve de mediadora da comunicação e é por esta mediada, sendo, portanto comunicacional por natureza. (KELLNER, 2001, p.53)

E a expressão cultura da mídia afirma com precisão a sociedade contemporânea, no sentido de atestar que a mídia colonizou a cultura, que ela é o grande veículo de propagação e distribuição dela e que os meios de comunicação, de acordo com Kellner, suplantaram ou, 72

como pensa Braga, se constituem hoje num processo em vias de se tornar hegemônico, superando outros modos anteriores de transmissão cultural, como o livro ou a oralidade. Ela é, portanto, “a forma dominante e o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas.” (KELLNER, 2001, p.54). Os textos culturais operados pela mídia transcodificam e articulam imagens, discursos e condições dos sujeitos, justamente porque eles também têm de se encaixar no que Kellner (2001, p.138) chama de “horizonte social”, o campo social das práticas de seu público. Fazem isso através do que ele chama de imagens ressonantes, um “instrumento para trazer à tona efeitos da mídia, onde certas imagens ressoam em nossas experiências e são assimiladas por nossa mente, levando-nos depois a certos pensamentos e ações.” (KELLNER, 2001, p.140). Ou seja, nossas relações com a mídia são inevitavelmente ressonantes, e não podem ou conseguiriam ser apenas dissonantes, como sugere Adorno. O que Kellner parece apontar aqui é que a relação entre sujeito e mídia não é isolada: o sujeito afeta a mídia e é afetado por ela. Essa relação se dá através de produtos midiáticos que superam a relação tempo/espaço e atingem o status de “agente influenciador direto de pensamentos e comportamentos por produzir modelos de sexualidade, estilo ou ação. Tais imagens poderosas são imitadas em todo o mundo e muitas vezes afetam diretamente seu público.” (KELNNER, 2011, p.140). A esse modo de operar ele chama de “popular global”, um mecanismo de alcance abrangente típico dos produtos midiáticos. Uma noção de pop hoje parece perpassar essa ideia: o encontro entre o sujeito cosmopolita (que não “compra” uma nova cultura como um turista em uma feira estrangeira, mas a aceita como parte de um mundo globalizado) com o caráter “popular global” desses agentes midiáticos e de como essa leitura é feita por este sujeito. Como aponta Kellner (2001, p.142), “a cultura veiculada pela mídia divulga imagens poderosas em termos de identificação que podem influenciar o comportamento, criando modelos de ação, moda e estilo”. A partir dessa constatação, percebemos que essa cultura da mídia é apropriada, ressignificada para outras finalidades, inclusive como meio de subjetivação dos sujeitos. O sujeito construído midiaticamente hoje transforma sua sensibilidade a partir desse cenário a que tem contato: a música disponível nas rádios e nas redes, os nichos cinematográficos, a literatura contemporânea, a televisão. E esse contato é descompartimentado. Pois, a música do filme é citada no livro que está disponível para download em alguma rede social, transformada em produtos de consumo. Trata-se de um fluxo de relações complementares, como notamos na própria produção de Hornby, em que, a 73

obra literária, que já é um feixe de referências de produtos da cultura midiática, é adaptada em filme (casos de Alta Fidelidade, Um Grande Garoto e Febre de Bola), peça teatral (o brasileiro Felipe Hirsch montou a peça “A Vida É Cheia De Som E Fúria” inspirado em Alta Fidelidade, além de “Queda Livre”, livre adaptação de “Uma Longa Queda”, outra adpação teatral, assinada por Bernardo Jablonski e Fabiana Valo) e até em usos populares. A propósito, pensamos no uso do “Top Five” dos personagens de Alta Fidelidade, na mania de ranquear produtos culturais e em como essa referência foi utilizada por sites e blogs de entretenimento e até em veículos de jornalismo. Uma mescla de conteúdos e um cardápio de suportes que tornam cada vez mais fragmentadas as categorizações e as submissões a certas identidades culturais e geográficas. Essa fragmentação é certamente característica marcante da ideia de midiatização. A midiatização vai se desenvolver nesse contexto, com a criação de novas tecnologias de informação, para obter maior rapidez de comunicação, maior permanência de mensagens, maior abrangência geográfica e populacional, tornando a produção de mensagens cada vez mais diferidas e difusas, como esclarece Braga (2006) 37. A força da midiatização seria sintoma e causa destas transformações. Sintoma porque ela se amplia e aperfeiçoa com a necessidade do homem de se informar e se informatizar, afinal o jogo do poder passa agora a ser regido pelo conhecimento: ser é saber, vivemos na sociedade da informação. Causa porque essa necessidade de acelerar vai encontrar validação na tecnologização crescente da sociedade, onde a mídia vai buscar a “necessidade de tecnologia por si mesma” (Braga, 2006 p.6) e contribuir, de forma marcante, para esses excessos de informações a que estamos expostos agora. Talvez, por isso, Kellner (2001, p.142) seja cuidadoso ao avaliar a relação entre mídia e sujeito:

Ao avaliarmos os efeitos da cultura da mídia, devemos evitar o extremo de romantizar o público ou de reduzi-lo a uma massa homogênea incapaz de pensar ou agir criticamente. Precisamos compreender uma contradição: a mídia de fato manipula, mas também é manipulada e usada. Os estudos culturais britânicos tentam capturar essa contradição na distinção entre codificação e descodificação, em que os textos da cultura das mídias podem ser codificados das formas mais grosseiras, ideológicas e banais, mas o público pode produzir seus próprios significados e prazeres com esse material. No entanto é um erro exagerar no caráter ativo do público, como fizeram Fiske e outros, e no seu poder contra a cultura da mídia. A 37

É importante frisar que talvez não seja possível pensar a pós-modernidade como uma mudança global de paradigmas em todas as dimensões da sociedade, da mesma forma que, a ideia de hibridização da cultura proposta por Canclini não apaga a possibilidade de existência de uma cultura popular de acordo com os termos propostos por Hall- Jesus Martin Barbero, por exemplo, chama de “modernidade tardia” os fenômenos em andamento na América Latina, contrapondo-se a uma perspectiva abrangente da pós-modernidade).

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mídia é uma força tremendamente poderosa e subestimar seu poder não traz benefícios aos projetos críticos de transformação social. (KELLNER, 2001, p.142)

A ideia de contradição lembrada por Kellner é uma das bases do pensamento de Fiske (2010). A questão é que Fiske, ao pensar cultura popular, tem como interesse maior suas possibilidades semióticas e não sociológicas – ele se apoia em mais centros possíveis de significações, do que em categorias sociais. Não dispensa a relação antagônica entre poder e resistência sugerida pelos Estudos Culturais, acreditando que nesta relação a contradição deve vincular tanto a expressão da dominação quanto a subordinação, tanto poder quanto resistência, mas ele acredita que a riqueza semiótica de diferentes produtos culturais não podem ter um “único e definido significado, e sim atuarem como um banco de pesquisa de sentidos potenciais” 38 (2010, p.4). Um conceito valioso para o pensamento de Fiske é o de “mercadoria”, que para ele apresenta dois tipos de função, material e cultural. A primeira está ligada ao valor de uso que determinada mercadoria possui, suas funções; a segunda as formas de uso que um consumidor pode conotar em uma mercadoria, está preocupada em significados e valores. “Esta diferença de ênfase (em dinheiro ou significados) traz consigo uma diferença correspondente em conceituar o equilíbrio de poder dentro do intercâmbio” 39, nota Fiske (2010, p.9). O sujeito faz isso se assegurando de que consegue produzir uma cultura de significados particulares com os recursos provindos do sistema de mercadorias, conseguindo aplicar sua própria sensibilidade dentro de uma cultura de massas, resignificando-a para um uso prórprio. Fiske chama este processo de “excorporação”. Excorporação é o processo pelo qual o subordinado vai fazer a sua própria cultura se utilizando dos recursos e matérias-primas fornecidas pelo sistema dominante, e isso é fundamental para a cultura popular, pois em uma sociedade industrial estes são os únicos recursos com os quais o subordinado pode fazer as sua própria sub-cultura popular autêntica para fornecer uma alternativa; portanto, a cultura popular é necessariamente a arte de fazer ver com o que está disponível40.(FISKE, 2010, p.13)

Para Fiske (2010), essa é a questão central: pensar a cultura popular hoje significa não apenas constatar as mercadorias culturais que a perfazem, seja o jeans, a música pop, os 38

They cannot have a single defined meaning, but they are a resource bank of potential meanings. (Tradução nossa.) 39 This difference of emphasis (on money or meanings) carries with it a corresponding difference in conceptualizing the balance of power within the exchange. (Tradução nossa.) 40 Excorporation is the process by which the subordinate make their own culture out of the resources and commodities provided by the dominant system, and this is central to popular culture, for in an industrial society the only resources from which the subordinate can make their own sub-authentic folk culture to provide an alternative, and so popular culture is necessarily the art of making do with what is available. (Tradução nossa.)

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programas de TV ou as vitrines de shopping centers, mas a forma com que os sujeitos fazem uso dela. Citando Eco (1986), ela fala de uma “guerrilha semiótica” 41, a habilidade da cultura popular em criar estratégias antidominação de forma produtiva, com o intuito de estabelecer a possibilidade de uma sociedade heterogênea e não estática. A essência desta guerrilha, a cultura popular, está em não ser anulável. Como sugere James (1993, p.221) é “misturar abstrações altamente estilizadas, e até românticas, numa densa goma plástica de cultura pop”. Como atesta Fiske (2010, p.17), “existem subculturas que intransigentemente se recusam em ser subordinadas e em serem incorporadas, que vão seguir elaborando novas formas de rasgar seus jeans” 42. A metáfora dos jeans serve bem ao pensamento fiskeano: trata-se de uma mercadoria-símbolo para as possíveis ressignificações da cultura popular, sendo usados por diversos gêneros, raças, sexos, de qualquer época. James (1993) também parece remontar a transformação da mídia como a nova natureza – assim como propôs Jameson em relação à cultura, e, de certa forma, Kellner em relação à mídia- ao retomar a noção de “dissidência” adorniana, como uma possibilidade crível neste contexto, desde que trabalhada dentro dele: (...) para a nova geração, a mídia é um meio ambiente total, inconsutilmente hegemônico, e que não permite nenhum lugar autônomo, nenhum eixo extramundial em que a alavanca da negação possa ser equilibrada. Essa, a forma local de aparecimento da hegemonia totalizante da sociedade do consumo, impede – ou na falta de qualquer movimento social que afirme o contrário, parece impedir – qualquer dissidência, a não ser a construída a partir de dentro, por uma apropriação e transformação irônicas de seu vocabulário” (JAMES, 1993, p.221)

Trata-se de uma leitura de viés político – mas não estritamente. O fundo dessa questão possivelmente é: o fato de um anúncio “crítico” ser moldado (ou se transformar em algo consumível) de forma aderente ao consumo das massas despotencializa por completo seu significado? O poder crítico citado aqui não é apenas no sentido panfletário ou político; é também pela valorização e também a singularização de um pop que não é igual aos outros, como o rasgo no jeans que o diferencia dos demais. Hornby especifica com muita nitidez essa questão quando faz uma análise de sua carreira. Há alguns anos, comecei a vender um monte de livros, primeiro apenas no Reino Unido, depois também em outros países, e para meu profundo espanto, descobri que de algum modo eu havia me tornado parte do mainstream literário e cultural. 41

Semiotic guerrilla warfare. (Tradução nossa.) The essence of guerrilla warfare, as of popular culture, lies in not being defeatable. Despite nearly two centuries of capitalism, subordinated subcultures exist and intransigently refuse finally to be incorporatedpeople in these subcultures keep devising new ways of tearing their jeans. (Tradução nossa.) 42

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Embora eu não pudesse ver um motivo para alguém se sentir excluído por meu trabalho – não se tratava de algo difícil ou experimental – meus livros ainda me pareciam peculiares e para poucos. Mas, de repente, todo tipo de gente, gente que eu não conhecia, nem gostava ou respeitava, passou a ter opiniões sobre mim e o meu trabalho, que do dia para a noite pareceu ir do novo e original ao lugar-comum e manjado, sem que uma palavra dele houvesse mudado. E dei de cara com um terrível reflexo de mim mesmo e do que fiz, um reflexo de casa de espelhos de parque de diversões, todo esquisitão e distorcido – eu, mas não eu. (HORNBY, 2005, p.20)

Nesta passagem, Hornby nota que o simples fato de ter acessado o mainstream (com boas vendagens e seu nome circulando em meios com os quais não tinha exatamente contato) de alguma forma transformou a visão que as pessoas tinham de sua obra – mesmo que seu trabalho continuasse, basicamente, o mesmo. O pluralismo de sensibilidades existe como reação: é sempre a partir do embate que a cultura popular se recria. Para Fiske, o consenso é apenas uma forma de mascarar e subordinar as diferenças para se manterem exatamente como elas são. É o oposto de uma circulação livre de singularidades – é a vigilância atenta da família, das leis, da política, da indústria ao que ele chama de táticas do dia-a-dia, os mecanismos da cultura popular na guerrilha semiótica. À ideia de uma cultura de massa imposta a um povo impotente e passivo por uma indústria cultural, que produz uma massa passiva de pessoas, “uma aglomeração de indivíduos atomizados separadas de sua posição na estrutura social, destacada e inconscientes de sua consciência de classe, de suas várias alianças sociais e culturais e, assim, totalmente impotentes e indefesos”43(FISKE, 2010, p.17), ele contrapõe as possibilidades dos campos de produção de significados, nas excorporações de sentidos. Basicamente, ele parece inverter o pensamento da teoria crítica, por exemplo:

Para ser transformado em cultura popular, uma mercadoria também deve suportar os interesses das pessoas. A cultura popular não é o consumo, é a cultura, o processo indicativo de geração e circulação de significados e prazeres dentro de um sistema social: cultura, ainda que industrializada, nunca pode ser adequadamente descrita em termos de compra e venda de mercadorias (...). A cultura popular é feita pelo povo, e não produzida pela indústria cultural. Tudo que as indústrias culturais podem fazer é produzir um repertório de textos ou recursos culturais para as diversas formações do povo para usar ou rejeitar no processo contínuo de produção de sua cultura popular44. (FISKE, 2010, p.19). 43

An agglomeration of atomized individuals separated from their position in the social structure, detached from and unaware of their class consciousness, of their various social and cultural allegiances, and thus totally disempowered and helpless. (Tradução nossa.) 44 To be made into popular culture, a commodity must also bear the interests of people. Popular culture is not consumption; it is culture, the active process of generating and circulating meanings and pleasures within a social system: culture, however industrialized, can never be adequately described in terms of the buying and selling of commodities. (…)Popular culture is made by the people, not produced by the culture industry. All the culture industries can do is produce a repertoire of texts or cultural resources for the various formations of the

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As subjetividades são nômades, não são estáveis ou ancoradas a uma determinada linha de dominação. Existe, por exemplo, a busca pelo prazer camp; muitas vezes revelado no que Fiske chama de trickery, a fraude, a trapaça, e também uma astúcia, no jogo de significações produzido pela cultura popular, de certa forma muito próxima da ambiguidade e da ironia sugeridas na arte pop. Barthes (apud Fiske 2010, p.20) usa a mesma expressão, trapaça, para conceber à linguagem uma máscara, ressaltando o caráter arbitrário das palavras para significar uma dada realidade. Como aponta Fiske ( 2010, p.21), a “cultura popular é feita pelo povo na interface entre os produtos das indústrias culturais e da vida cotidiana”45, é fazer o possível com o que o sistema oferece. Barbero (2009, p.90) retoma o pensamento de Edgar Morin, que define a indústria cultural como o conjunto dos “dispositivos de intercâmbio cotidiano entre o real e o imaginário”. É claro que a alienação existe e que formas de vigilância, controle, e homogeneização acontecem, mas, como lembra Barbero (2009, p.90), “converter o processo industrial em si mesmo na operação constitutiva da alienação” seria simplificar demais. São os usos, as experiências, que nos interessam: o processo de tradução individual do bombardeio cotidiano e inescapável midiático que recebemos - uma fonte inesgotável para a multiplicação de sentidos, onde a audiência, tratada como mercadoria, que se transfigura como produtora de subjetividades e prazeres. No contexto da cultura-mundializada (onde a cultura comanda a economia), da pósmodernidade (onde a cultura rege a estética), da cultura das mídias (onde a cultura é a mídia), na ascensão e valoração das novas sensibilidades (onde as várias culturas são aceitas) ou, como Fiske (2010, p.22) resume, nas sociedades capitalistas, “não há uma chamada cultura popular autêntica contra o qual medir a ‘inautenticidade’ da cultura de massa, portanto lamentar a perda da autêntica é um exercício inútil de nostalgia romântica”46. Sobre essa questão da autenticidade, Hornby traça paralelos entre sua carreira e a de um artista que ele admira profundamente, o cantor e compositor norte-americano Bruce Springsteen – notadamente um excelente estudo de caso a respeito de uma trajetória dentro da

people to use or reject in the ongoing process of producing their popular culture. (Tradução nossa.) 45 Popular culture is made by the people at the interface between the products of the cultural industries and everyday life. (Tradução nossa.) 46 Radicalismos a parte, tanto a noção de folk aferido por Hall quanto a “sala de ópera” apontada por Wagner talvez ainda possam classificar alguns recortes da sociedade contemporânea; mas seguramente é uma porção mínima e representativa apenas no sentido de asseguramos que elas figuram entre todas as sensibilidades possíveis em um mundo cujas linhas narrativas são pouco afeitas a classificações estáveis e definitivas e sim fluídas – mesmo com sistemas hegemônicos, não apostaríamos na morte de alguma cultura.

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cultura pop (assim como seu antecessor, Bob Dylan) que não é apenas enxergada sob a ótica da frivolidade. No espaço de uns poucos meses, ele deixou de ser visto como o futuro do rock n´roll para ser visto como um roqueiro de estádio burro, sem graça e patriota fanático, mais uma vez sem que nada de importante houvesse mudado, a não ser o seu índice de popularidade. De qualquer forma, sua firmeza de propósito e a maneira como ele sobreviveu ao assalto à sua noção de identidade me parecem exemplares; às vezes é difícil lembrar que o fato de um monte de gente gostar de você não significa necessariamente que o que você faz não vale absolutamente nada. Na verdade, às vezes pode até indicar o contrário. (HORNBY, 2005, p.21).

Fiske (2010, p.35) atesta que “não pode haver cultura popular dominante, já que a cultura popular é formada sempre em reação a algo, e nunca como parte das forças de dominação”47, no sentido de que, quando objetivada como simples mercadoria, esvaziada de suas resignificações e prazeres antes ocultos, mas agora vendáveis, a cultura popular perde seu sentido – mas trata-se de uma perda momentânea, uma batalha, não a guerra, já que é justamente através da produção de novas mercadorias que novos significados surgem. Acreditamos firmemente que o contrário também é possível: mesmo algo visto como simples mercadoria, pode conter significados mais profundos e reveladores da nossa natureza atual. Ao mesmo tempo, Hornby assume que a busca por um singularidade pop é complexa, dentro de um ambiente onde ela é cooptada incessantemente por outros veículos e formatando associações que parecem despotencializá-la. A música, novamente, é um dos exemplos mais claros deste processo para ele.

Mas é isso que acontece hoje em dia: a música pop está em todo lugar. Se você gosta de uma canção, então é quase certo que alguém que trabalha com anúncios na TV ou com cinema, ou que edita programas de melhores momentos nos esportes, ou produz compilações para hotéis, ou redes de lojas, companhias aéreas ou cafés48 também vai gostar (...) Como é possível amar ou se conectar à uma música que é tão onipresente quanto monóxido de carbono? (HORNBY, 2005, p.140)

E isso, Hornby (2005, p.140) conclui, é o que explica o apreço das novas gerações pelo vocabulário ultrajante e pelas atitudes francamente agressivas e anti-sociais do hip hop: “nem a Starbucks, nem a Body Shop, nem o Hotel Minimalist desejam agredir seus clientes com raps obscenos falando de Uzis e vaginas em uma batida que tenta remover parte do seu 47

There can be no popular dominant culture, for popular culture is formed always in reaction to, and never as part of, the forces of domination. Tradução nossa. 48 Se refere ao que ele chama, ironicamente (e brilhantemente) de “ubiquidade starbuksiana”, em referência à rede de cafés norte-americana.

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crânio”, o que permitiria à juventude contemporânea “se solidarizar com seus artistas favoritos em ambientes reservados” É impossível vender loção de hortelã para os pés com death metal ou gangsta rap obsceno; é impossível usar hardcore eletrônico para entreter passageiros a espera da decolagem do avião. Então é esse o esquema da garotada: eles podem escutar uma coisa que vai fazer seus ouvidos sangrarem e deixar suas almas sombrias e boa sorte para eles.” (HORNBY, 2005, p.141)

Kellner admite que, entre a codificação e a descodificação dos textos oferecidos pela cultura das mídias é possível criar novas redes de sentidos e possibilidades, mas que não seria muito crível apostar na astúcia do popular como uma arma letal na guerrilha semiótica com um dominador tão poderoso quanto a mídia. Entre a visão otimista de Fiske e a cautela de Kellner, reside a constatação de ambos da existência e formatação, na interface, nos intervalos do poder, de novas culturas, novas sensibilidades. A noção de uma cultura pop seria uma delas, uma cultura específica, que vai codificar inclusive novos regimes estéticos vindos da mutação que a arte e a produção cultural sofrem a partir dos efeitos dessa sociedade informatizada e midiatizada que vivemos; uma espécie de leitura e tentativa de compreender o mundo atual através da produção simbólica da cultura das mídias: isso se aproxima de algo que poderemos chamar de cultura pop.

Os significados mediados circulam em textos primários e secundários, através de intertextualidades infindáveis, na paródia e no pastiche, no constante replay e nos intermináveis discursos, na tela e fora dela, em que nós, como produtores e consumidores, agimos e interagimos, urgentemente procurando compreender o mundo, o mundo da mídia, o mundo mediado, o mundo da mediação. (SILVERSTONE, 1999 p. 34)

Pensando com Luhmann (2005), parece plausível utilizar o pop como um suporte genérico, um “lubrificante” “ou catalisador (2005, p. 9), que torna possível diversas formas de comunicação, de manifestações das mais variadas naturezas artísticas”, ou, como acreditamos, as diversas formas do sensível. Ele serviria para englobar certos tipos de conteúdo, de formas expressivas na cultura atual, atuando como “meios de comunicação simbolicamente generalizados” (2005, p. 9). Uma cultura pop se aproxima fundamentalmente das leituras geradas pelo processo de midiatização; enquanto esse se coloca como um organizador geral da sociedade, a cultura pop, como uma experiência, vai se aproximar das questões referentes à 80

cultura das mídias, se aproximando especificamente de certos campos e símbolos de ação cultural: cinema, música, literatura, televisão, artes visuais, a internet. É improvável pensar o pop como algo separável da mídia: ele é moldado, formatado por ela, atuando como uma espécie de subproduto das nossas relações com diversos tipos de mídia. E, na sociedade contemporânea, parece absolutamente improvável pensar em sujeitos não midiatizados, imunes aos processos sociais que não se desenvolvem de acordo com as lógicas da mídia, pois esta “é, se nada mais, cotidiana, uma presença constante em nossa vida diária, enquanto ligamos e desligamos, indo de um espaço, de uma conexão midiática para outra” (SILVERSTONE, 1999, p.20). Não é possível apontar a mídia apenas como um processo histórico específico, de tão presente que ela se faz em nossa cotidianidade.

É no mundo mundano que a mídia opera de maneira mais significativa. Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida diária, para a produção e a manutenção do senso comum. (SILVERSTONE, 1999, p. 20).

Também por isso, trata-se de um processo sem volta, de forma que a mídia opera hoje como uma espécie de “organizador principal da sociedade”, seu processo interacional de referência, como aponta Braga (2006, p. 2). Mais do que modos de organizar e transmitir mensagens, a midiatização se transforma em um padrão para ver as coisas e articular pessoas, é parte fundamental na construção do tecido social. A midiatização hoje não serve apenas como modos de organizar e transmitir mensagens, mas como uma forma de construção da própria sociedade, “são padrões para ver as coisas, para articular pessoas e mais ainda, relacionar sub-universos na sociedade e, por isso mesmo, modos de fazer as coisas através das interações que propiciam” (BRAGA, 2006, p. 6) A cultura pop parece operar da mesma forma, transfigurando os desejos, âmbitos de criação e interação dos sujeitos midiatizados, sem necessariamente corresponder a algo alienante ou meramente devoto à lógica da Indústria Cultural como apontou Adorno (2002), mas que também moldam subjetividades de forma mais individual. Um ótimo exemplo para o que Kellner aponta é sua análise do filme “Slacker” (Richard Linklater, 1990), que mostra, de forma fragmentada, em várias histórias, a princípio sem conexão, um dia na vida de alguns jovens da cidade de Austin, nos Estados Unidos. O termo slacker se refere ao jovem deslocado profissionalmente, sem identificação e acuado pelas convenções formais do

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mercado de trabalho que é saturado pela cultura da mídia e, a partir dela, cria uma espécie de universo paralelo – um subgrupo especializado. Kellner infere que os slackers:

(...) apropriam-se da cultura da mídia para seus próprios fins, transformando artigos derivados de fontes conservadoras em matéria de crítica social e política radical, enquanto utilizam a tecnologia da mídia para suas finalidades (como, obviamente, fazem o diretor Linklater e sua equipe). Os slackers não são produtos passivos dos efeitos da mídia, mas seus participantes ativos, usando-a para produzir significados, prazer e identidade. As onipresentes camisetas muitas vezes têm logotipos ou imagens extraídas da cultura da mídia, enquanto a TV e a música são panos de fundo constantes para os eventos cinematográficos do filme (KELLNER, 2001, p.185).

Ou seja, o pop constrói subjetividades, vem dele boa parte de suas referências imediatas, sua cartografia pessoal para ler a sociedade onde está inserido. Ele é moldado pelo que vê na televisão, pelo que escuta no rádio, pelos filmes a que assiste, pelos sites que frequenta, e devolve toda essa informação de outras maneiras - seja produzindo um novo produto (caso do diretor de “Slacker”), seja escrevendo um artigo acadêmico como esse, seja criando grupos de socialização específicos, baseados em gostos particulares a respeito de um tema pop. Segundo Barbero (2009, p.90-91), Morin “encontra” Freud e sua proposta sobre os mecanismos de identificação e projeção, para pensar os modos como a indústria cultural responde, na era da racionalidade instrumental, à demanda de mitos e heróis. O que se diz aqui é uma cultura que constrói novas soluções para o “sagrado”, para o “clássico”, para os “mitos”. Como sugeriram as remediações da arte pop, com suas multiplicações de signos midiáticos, a mídia é um campo extenso para a mitificação de personagens através de, por exemplo, um processo de celebrização que transmuta a figura famosa em exemplo, em uma referência, em uma resposta “a um vazio não preenchido, a uma demanda coletiva latente, por meios e esperanças que nem o racionalismo na ordem dos saberes nem o progresso na dos haveres têm conseguido extirpar ou satisfazer”. Como sugere James (1993):

Numa época em que a experiência ou a prática marginal mais absolutamente transitórias podem não apenas ser mercantilizadas, mas reproduzidas em massa, praticamente da noite para o dia, nenhum modo de produção estética pode escapar definitivamente dos circuitos das indústrias da cultura, ou mostrar-se à prova dos poderes assimilativos da mídia hegemônica. (JAMES, 1993, p.230)

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Possivelmente é parte da operação do pop atuar como uma “máscara mítica, que foi sobre ela fixada através da fusão da realidade ficcional com a realidade objetiva via meios de comunicação de massa”, como aponta Cruz (2002, p. 201). É esse movimento de identificação e projeção, de reconhecimento e representação que parece estar no cerne de uma subjetividade moldada pelo pop: fala-se através do outro, sendo este outro um exemplar da cultura pop vigente no mundo contemporâneo. A cultura pop, portanto, vai ressignificar boa parte do que está no cotidiano, na mídia, no banal, para fazer parte do processo de entendimento do próprio sujeito, que passa a se comunicar através de citações de filmes, letras de canções, personagens televisivos, jargões veiculados pelas redes sociais da internet 49. Se a midiatização é um processo em vias de se tornar hegemônico, a cultura pop assume uma grande parcela deste sentido de comunicações interacionais, formatando uma espécie de subgrupo atuante na cultura das mídias – assim como poderíamos falar de nichos a respeito de esportes, tecnologias, veículos, entre outros. Torna-se fundamental uma questão: não se trata de grupos fixos, de compartimentações rígidas, e sim de constantes derivações entre uma e outra – elementos típicos da cultura pop associados e mesclados com outros setores da mídia. A literatura vai conseguir capturar esse sujeito “experienciado” pelo pop através de autores como Hornby.

3.4- O pop e a poiésis literária

A literatura provavelmente manteve um apoio precário em nossa cultura porque estamos preparados para aceitar que livros podem ser sui generis: “Dentes Brancos”, de Zadie Smith, por exemplo, não representa nada além de si mesmo. Não está na vanguarda de uma revolução literária nova, jovem, cool, multicultural, etc, e pertence muito firmemente à conhecida tradição narrativa. Mas isso não faz dele uma realização menor nem reduz seu interesse e com certeza não o tornou impopular, nem junto aos críticos, nem junto aos leitores. (HORNBY, 2005, p.83)

Nascido em 1957, em Surrey, nos arredores de Londres, Hornby é assumidamente fruto de uma geração de escritores ingleses que, como definiu seu contemporâneo e também escritor pop britânico Tony Parsons (2005, p. 11), foi completamente afetada pelas discussões a respeito da importância da presença massiva da cultura pop na segunda metade do século passado:

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Curiosamente, é possível perceber inclusive tentativas de institucionalizar a própria cultura pop- já existem espalhados pelos Estados Unidos museus dedicados à música pop ou ao cinema, e seria natural imaginar, por exemplo, aqui no Brasil, um espaço como esse dedicado apenas às nossas telenovelas (vale notar que já aconteceram mostras de arte dedicadas ao assunto)

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Comecei na música e para alguém da minha geração sortuda – bebê quando Elvis vestia 38, criança durante a Beatlemania, adolescente quando Bowie começou a fazer sucesso, jovem durante o movimento punk – a música sempre vai ser importante. Nasci na época certa. Se tivesse nascido dez anos antes ou dez anos depois, sem dúvida nenhuma a esta altura eu estaria implorando para entrar na imprensa automobilística. (PARSONS, 2010, p.11)

Hornby se estabeleceu como professor de inglês e decidiu escrever seus próprios romances no final da década de 80. Segundo ele,

(...) tudo mudou quando li autores como Anne Tyler, Raymond Carver, Richard Ford, e Lorrie Moore,… a voz, o tom, a simplicidade, o humor e a alma... Todas as coisas que eu percebia que pareciam faltar na ficção contemporânea britânica. Foi aí que decidi o que queria fazer (2011a)

Mas é notável na obra de Hornby – assim como em autores que diz que o influenciaram, como a norte-americana Anne Tyler – que essa busca pela “simplicidade”, pelo lado ordinário da vida, entre outras características apontadas por ele, se aproxima da narrativa realista romanesca, estabelecida no século XIX. Esta simplicidade parece se conectar em sua obra no sentido de representar temas e personagens ordinários, do cotidiano, com os quais tanto ele como autor quanto seus supostos leitores pudessem criar conexões e paralelos imediatos, códigos de reconhecimento. No caso de Hornby, é através de suas narrativas que ele parece devolver o que nos afeta internamente, através da atuação do que vem de fora (via cultura midiatizada) sobre nós. O que ele aparentemente indica é que somos sujeitos inscritos nas coisas que nos cercam, e, se verificarmos que o grande cimento social da contemporaneidade é a mídia, o que editamos dela como campo de interesse é também parte fundamental do que somos, do que nos molda e constitui. Esse recorte é uma possibilidade de situar o pop e de como podemos ser reconhecidos (e nos reconhecermos) e sermos representados por ele. Lethem (2012, p. 125) reconhece que estamos “cercados de signos” da cultura pop e midiática e de que é nossa obrigação não “ignorar nenhum deles”, especialmente através da construção literária. Ele ilustra a possibilidade de um estranhamento daqueles que nasceram antes do advento da televisão, por exemplo, que diante da “organização mimética de ícones da cultura pop” poderia pensar que o uso destes ícones na construção de um romance poderia ferir o comprometimento da “seriedade da ficção para fora da esfera platônica, de onde ela nunca deveria ter saído”. Mas como um escritor consegue fugir disso, já que o “mundo hoje é uma casa atravancada de produtos da cultura pop e seus emblemas”, como define Lethem (2012)

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Quaisquer que sejam as acusações de mau gosto ou de violação de marcas registradas que possam ser imputadas à apropriação artística do ambiente midiático em que nadamos, a alternativa- tirar o corpo fora ou sair de fininho rumo a alguma torre de marfim da irrelevância- é muito pior. (LETHEM, 2012, p.125)

A centralidade do pop em nossa cultura hoje é aparente em diversos tentáculos da mídia: seja na música, na televisão, no cinema, na publicidade. E a linguagem pop—imediata, consumível, cotidiana - está nestas mesmas mídias como algo natural, indissociável. Possivelmente porque nos comunicamos através dela, criamos campos de referência e de representação a partir do que consumimos e nos identificamos. Destas formas derivadas da cultura da mídia, parecem emergir sujeitos inscritos no pop, que são posteriormente refletidos na própria mídia, como a obra de Hornby.

3.4.1 Literatura inglesa e Estudos Culturais: um contexto histórico.

Hornby faz parte de um grupo de escritores contemporâneos que viveram, na juventude, uma época de grande efervescência da cultura popular britânica, acompanhando a criação de verdadeiros ícones de várias áreas, do esporte à moda, da música ao cinema pósanos 1960. No campo da literatura, a Inglaterra vivia um período de grandes mudanças, muitas orientadas no sentido de desmontar o cânone literário, expresso no que foi chamado de DWEM (Dead White European Male), os autores clássicos europeus, masculinos e brancos. Como aponta Peter Widdowson (1999), entrava em pauta o projeto pós-colonialista na literatura inglesa, que buscava tanto articular as experiências de colonizados antes sem voz, como explorar hibridações possíveis destes mesmos sujeitos, jogando luz sobre a obra de autores de diferentes raças/etnias e gêneros. Expressivo reflexo desta discussão foram os questionamentos do estudo de “Inglês” (ou “Literatura Inglesa”) já que ela atuava como a disciplina responsável pela manutenção do cânone, pensando este como algo “natural e não dado”, (1999, p.64) e que não representava outras formas de produção textual (como biografias, jornalismo, músicas). O grande veículo de análise destas novas possibilidades foram os autores dos Estudos Culturais, como Raymond Williams e Stuart Hall, que sugeriam os estudos culturais não como “uma nova disciplina, mas uma nova mentalidade” (1999, p.75), onde o foco de interesse estaria não apenas na literatura, mas na interdisciplinaridade entre todas as formas de produção e representação cultural – e centralmente na cultura popular. O texto canônico e seu status se tornam motivo de análises profundas: 85

Historiadores iriam perguntar: por que Rei Lear é leitura essencial para um estudo do início de século XVII na Inglaterra, por que ele é mais importante do que um sermão contemporâneo; o que o torna um trabalho maior comparado à outra peça anônima; quem diz que é, quando, e com que fundamentos? – assim como os sociólogos iriam se perguntar por que a literatura popular de um período, que as pessoas comuns realmente lêem, era de menos importância do que os textos canônicos.50 (WIDDOWSON, 1999, p.70).

No fundo destas mudanças, percebemos a discussão então entre alta e baixa culturas, entre o espetáculo (como possível forma autêntica de cultura, as “salas de ópera”, para lembrar o termo proposto por Roy Wagner (2010) e o simulacro (no caso dos produtos culturais massificados, provindos da mídia, representações de representações), como aponta Santiago (2004); de onde emerge uma centralidade do pop na vida cotidiana contemporânea. Mas como então pensar o pop na literatura51? Como justificar a presença dele nas obras de Hornby e de que forma ele vai atuar como uma lógica de representação dos sujeitos na contemporaneidade? Pensando no embate entre as noções de sério e popular, alta e baixa culturas, protagonizadas por uma espécie de Literatura maiúscula, canonizada versus a abrangência textual que passa a ser analisada pós-1960 pelos Estudos Culturais, Widdowson vai propor traduzir o domínio ocupado pela literatura dentro da produção cultural como o “literário” (1999, p.93), um termo que serviria para entender os “discursos escritos que atuam em nossa sociedade, independentes de validações (nenhuma escrita seria mais literária que outra) e que abarque a diversidade da literatura, uma espécie de “república das letras”52, cuja avaliação de um discurso textual é sempre “provisória, variável e justificada por sua função” 53 (WIDDOWSON,1999, p.96). A concepção para se justificar o “literário” seria então pensar que cada obra possui uma “autoconsciência, que a diferencia de outra, anunciando seu domínio”54 (WIDDOWSON, 1999, p. 96). Sendo o literário assim determinado pela eleição temática feita pelo autor; pela 50

Historians would ask: why is King Lear essential reading for a study of early-seventeenth-century England; why is it more important than a contemporary sermon; what makes it a major work compared to some other anonymous play; who says so, when, and on what grounds?-just as the sociologists would wonder why the popular literature of a period, that which ordinary people actually read, was of less significance than the canonic texts. (Tradução nossa.) 51

É comum Nick Hornby ser catalogado como um autor de “literatura pop”, embora esse seja um termo de difícil precisão acadêmica. Alguns pesquisadores inscrevem obras que subvertem a linguagem através de experimentações. Mas o uso comum se refere à autores diversos como Roberto Drummond, Manuel Puig e Anne Tyler, que carregaram para a literatura aspectos da banalidade cotidiana- sem em nenhum momento tratar isso como banal- fazendo uma espécie de mediação entre os dois mundos, via citação, intertextualidade e outros recursos. Hornby parece se situar nesse grupo. 52 Republic of letters. Tradução nossa. 53 Temporary variable and justified by its function. (Tradução nossa.) 54 A self, that differentiates it from other, announcing its domain. (Tradução nossa.)

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competência de um leitor em reconhecê-la e por seu padrão literário interno (um poema possui sua “poemeza”), caberia então ao autor, ao leitor e à obra trabalharem na mesma chave, através, por exemplo, do que Culler chama de “convenções de leitura” que permitiriam leitores “descriminar, ler e criar sentido de obras literárias” (CULLER apud WIDDOWSON, 1999, p.98). 3.4.2 A poiésis literária como possibilidade de representação e reconhecimento

O que eu quero focar aqui é o fato de que a literatura, mesmo quando pretende ser uma forma de mimese realista, ou cópia da natureza ou representação da realidade, é na verdade "fazer", o que eu tenho chamado de realidades poiéticas. 55 Peter Widdowson (1999, p. 100)

A etimologia da palavra poiésis (do grego poien) nos diz que ela se refere a fabricar ou produzir algo. Maturana e Varela (1995), a partir deste conceito inicial, propõem um novo, a autopoiesis sugerindo que todo ser vivo atuaria como um sistema que se autoproduz de modo ininterrupto. A autopoiesis seria nosso equipamento sensorial, um sistema de reconhecimento do mundo e de reconhecimento de nós mesmos, já que “vivemos com os outros seres vivos, e, portanto, compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos durante as nossas vidas. Por sua vez ele também nos constrói ao longo dessa viagem comum” (MATURANA; VARELA 1995, p. 10). Ou seja, é nosso processo constante de interação, apontado pelos autores como uma dinâmica de dependência entre nosso mundo interno, nossa interpretação (innerwelt) com o externo, o espaço que nos reconhecemos como sujeitos (lebenswelt), de onde concluem que, portanto, “todo fazer é conhecer” (MATURANA E VARELA, 1995, p.70). A autopoiesis atuaria como nosso processo interno de fabricação de conhecimento, a partir das trocas com o mundo exterior, explicitando nossa relação de autonomia (nos construímos internamente, a partir de nós mesmos) e dependência (nos construímos sempre a partir do outro), em um processo de interpretações que se constitui no que podemos chamar de subjetividade. É a relação sujeito/objeto: o que alguns semiólogos exemplificariam como a 55

What I want to focus on here is the fact that literature, even when it purports to be a form of realistic mimesis, in "copying nature" or "representing reality", is actually "making" what I have called poietic realities. (Tradução nossa.)

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pedreza da pedra em que topamos o pé; ou o que Widdowson parece apontar como a “poemeza” de um poema, processos que constituem alguém sempre como sujeito e objeto em relação a algo. Se tomarmos a leitura de Castro (2012) a respeito da poiesis, como “o vigorar da mediação como medida de tudo que é e não é sendo que o vigorar da medida denominou-se em grego logos”. Sendo logos, em uma tradução possível para o português, linguagem, esta atuaria como uma forma de autopoiesis, uma espécie de mediador e organizador do discurso, um sistema de reconhecimento que parece ser percebido por Maturana e Varela como “conduta cultural”, ou a “estabilidade transgeracional de configurações comportamentais adquiridos ontogenicamente na dinâmica comunicativa de um meio social.” (MATURANA; VARELA 1995, p. 215). Será que não poderíamos pensar essa dinâmica comunicativa como um repertório comum, ou, como aponta Raymond Williams (1971, p.63), “um padrão, uma ‘estrutura de sentimento’ de um período no qual podemos experienciar as vivências particulares de todos os elementos na organização geral de uma comunidade, ou seja, sua cultura” 56. Portanto, o fazer literário seria um tipo de trabalho que pode cumprir,

Objetivos societários do tipo mais profundo: não como alimento, abrigo ou ferramentas mas como “reconhecimentos” (marcas novas e confirmadoras) de pessoas e tipo de pessoas em lugares e tipos de lugares e, na verdade, muitas vezes mais ainda que isso, como “reconhecimentos” de uma espécie física em um universo físico compartilhado praticamente, com suas interações maravilhosamente diversas de sentidos, energias e potenciais. Interesse humano tão profundo – nos meios renovados e renováveis de reconhecimento, auto-reconhecimento e identidade-pode ser praticado numa gama muito extensa, das formas mais coletivas às mais individuais” (WILLIAMS, 1992, p.128)

E podemos pensar que o literário assume o papel de representar a “economia do restante da vida” como sugere Henry James, citado por Widowson (1999, p.102), oferecendo um mundo exterior editado, representando-o em algum tipo de direção, no que diz respeito a temas, sujeitos etc. A ficção escolhe um tipo de recorte da vida, portanto, nos oferecendo uma “realidade estilizada perceptível e moldada em desenhos e padrões reconhecíveis”57 (WIDOWSON, 1999, p.102), já que “o grau de realidade de um romance nunca é coisa

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By way of this perception of pattern, we can tap into the "structure of feeling" of a period, and experience "the particular living result of all the element in the general organization" of a community: that is, its culture. (Tradução nossa.) 57 Stylized reality perceived and shaped into recognizable patterns and designs. (Tradução nossa.)

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mensurável, representando apenas a parcela de ilusão que o romancista deseja representar” (ROBERT, 2007, p.18). Ou como aponta Wood:

O artifício consiste na escolha do detalhe. Na vida podemos desviar os olhos e a cabeça, mas na verdade somos como câmeras impotentes. A lente é de grande abertura, e captamos tudo o que aparece. A memória seleciona, mas não do jeito que a narrativa literária seleciona. (WOOD, 2011, p.62)

Ou seja, a autoconsciência do fazer literário que Widdowson aponta na verdade atuaria como uma realidade poiética no sentido de constituir e construir uma troca de informações, de conhecimentos, algo que representa, pela narrativa textual, a condição de nossas vidas cotidianas a partir da representação destas pela literatura - uma linguagem. Ele parece exemplificar muito bem isso quando define que a lógica de representação realista nada mais é que “... encarnar o a-ser-conhecido como cognoscível” 58 (WIDOWSON 1999, p.106) – ou, voltando a Maturana e Varella (1995 p. 35-36), a troca sugerida pelo literário seria a “ação que permita um ser vivo continuar sua existência em um determinado meio ao fazer surgir o seu mundo”. Fazer, portanto é também reconhecer, o que está representado: estamos inscritos através da nossa subjetividade, em algum lugar.

Nossa compreensão do mundo é construída no discurso; somos formados e cúmplices no “contar histórias”. Nossos sistemas de conhecimentos, significações e significados são todas narrativas textuais. É exatamente por isso que a textualização do “real” no “literário” é uma das razões prementes de porque a literatura continua sendo um recurso salutar para nós59. (WIDDOWSON, 1999, p.103).

A literatura atuaria como uma fonte de auto-pesquisa, de auto-conhecimento, auto-consciência, autopoiesis, portanto, cujas possibilidades de representação, estilizadas, oferecem sim um padrão, mas com a “... possibilidade de falar de uma comunidade conhecida, mas que pode ser conhecível em um novo sentido” 60 (WIDDOWSON, 1999, p.105). Será que a ficção hornbyana, portanto, não seria reconhecida no literário primeiramente, por sua inscrição no romance realista, e depois, por sua marca pop (seu pop-ness, sua popeza)? Talvez seja essa “autoconsciência”, como propõe Widdowson, em relação ao pop, que ajude a inscrever tanto autor como a obra e o leitor em um processo de reconhecimento de tema e como ele é representado. O que a literatura de Hornby parece estabelecer através de uma linguagem pop é o que Williams apontaria como “padrões”, Maturana e Varella como “conduta cultural” e Culler como “condições de leitura”. O lebenswelt, o espaço da vida proposto por Hornby em suas obras – a conjunção do que mapeamos como nosso e o que está lá fora, nossos processos de subjetivação – é cimentado pelo pop. O que não dispensa sua produção literária de ser organizada em certas formas genéricas, ou em uma forma de discurso bem demarcada. 58

Embody the to-be-known as knowable. (Tradução nossa.) Our understanding of the world is constructed in discourse, we are trained and complicit in "storytelling". Our systems of knowledge, meanings and meanings are all textual narratives. This is exactly why the textualization of "real" in "literary" is one of the compelling reasons why the literature remains a salutary feature for us (Tradução nossa.) 60 Possibility of speaking of a community known but may be knowable in a new direction. (Tradução nossa) 59

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4 A sensibilidade pop na obra de Nick Hornby

-Que tipo de som vocês curtem?

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-É o tipo de som que você, sabe como é, mencionou. Mas queremos ser um pouco mais experimentais do que isso. Queremos conservar nossa sensibilidade pop, mas superar ela um pouco. (HORNBY, 1998, p.146)

A noção de pop, para os personagens de Hornby, parece se traduzir em uma espécie de autoconsciência, uma sensibilidade, que ajuda a inscrever tanto autor como a obra e o leitor em um processo de reconhecimento. O que a literatura de Hornby parece estabelecer através de uma linguagem pop, é o que Williams (1971) apontaria como “padrões”, Maturana e Varella (1995) como “conduta cultural” e Culler (apud Widdowson, 1999, p.98,) como “condições de leitura”. O lebenswelt, o espaço da vida proposto por Hornby em suas obras, a conjunção do que mapeamos como nosso e o que está lá fora, nosso processo de subjetivação, é cimentado pelo pop. A ideia de uma sensibilidade pop, um conceito que pretendemos analisar aqui como pertencente ao sujeito contemporâneo e explicitado na obra de Hornby através de seus romances, aparece discreta e naturalmente em sua obra, como neste diálogo entre os personagens Rob Fleming e Barry, de Alta Fidelidade (1998), que trouxemos como epígrafe deste capítulo. Tamanha discrição nos revela a possibilidade de o próprio autor acreditar que a ideia de uma sensibilidade pop seja algo natural, dado, facilmente inteligível, já que não existe nenhuma referência explicativa para o termo no conjunto de sua obra analisada aqui. Mas percebemos que é justamente o pop o ponto de conexão entre os romances do autor, as referências múltiplas à cultura cotidiana e midiática, que, alimentam a noção de uma sensibilidade própria. Talvez sem intencionalidade, consideramos que o próprio autor foi bastante feliz na escolha do termo – pois ele parece capturar com exatidão o motivo central de sua produção literária e não ficcional. Segundo Williams (2007, p.367), os primeiros usos da palavra sensibility, ainda no século XV, estavam relacionados com sensação física, percepção sensorial, uma reação corpórea. A partir do século seguinte, o significado se moveu para designar um sentimento “terno” ou “refinado”. Esse deslocamento, como aponta o autor, tratava-se, essencialmente, “de uma generalização social de certas qualidades pessoais ou, em outras palavras, uma apropriação pessoal de certas qualidades sociais”. A pessoa de sensibilidade, portanto, era a pessoa cultivada – o colere a que se refere Wagner (2010) – uma formação que inclui gosto e “(...) em nível diverso, crítica e cultura, em um dos seus usos, derivado de cultivo” (WILLIAMS, 2007, p.367). Como remonta Williams, através de uma distinção entre subjetivo (as coisas são em si mesmas, do sentido de sujeito como substância) e objetivo (como as coisas se apresentam à consciência).

(...) o que deve realmente procurar é o sentido reforçado de objetivo como factual, imparcial (neutro) e, portanto, confiável, distinto do sentido de subjetivo – baseado em impressões e não em fatos, e, portanto, influenciado por sentimentos pessoais e relativamente não confiáveis. (WILLIAMS, 2007, p.390)

Ou seja: a noção de subjetivo se relaciona com o sujeito e suas experiências particulares, não como algo cuja percepção ou julgamento alcance um status generalizado, 91

cristalizado no contexto de uma sociedade; algo objetivo é factual, imparcial ou neutro, como tenta especificar Williams (2007). Sensibilidade aparece aqui, portanto, como uma possível tradução das experiências internas, únicas, a formação de uma autoconsciência, o self.

No desenvolvimento subseqüente de uma crítica, baseada em distinções entre razão e emoção, sensibilidade foi a palavra geral de predileção para referir-se a uma área de resposta e juízo humanos que não podia ser reduzida ao emocional ou ao emotivo. O que T.S Eliot chamou de dissociação de sensibilidade, na década de 1920, era a suposta disjunção entre “pensamento” e “sentimento”. Sensibilidade tornou-se uma palavra aparentemente unificadora, e, de um modo geral, passou de um tipo de resposta para um uso equivalente à formação de uma mente específica: toda atividade, todo um modo de perceber e reagir, que não se podia reduzir seja a “pensamento”, seja a “sentimento”. “Experiência, em seus sentidos disponíveis de algo ativo e algo formado, assumiu o mesmo nível de generalidade.” (WILLIAMS, 2007, p. 369)

Como Taylor aponta, “a arte do século XX tornou-se mais interior, tendendo a explorar, e até a celebrar, a subjetividade” (TAYLOR, 1989, p.583), em contraponto à relação anterior dos artistas românticos, mais voltados para uma espécie de conexão simbólica com o natural, para a ligação entre homem e natureza. Essa entrada no “fluxo da consciência” determinou ambientes artísticos como o Expressionismo Abstrato. Mas, assim como Jameson (2006) havia pontuado, ao mesmo tempo existe uma reação, uma “descentração do sujeito” (TAYLOR, 1989, p.583), que desloca o centro da arte não para o sujeito, mas para a linguagem, que “chega a dissolver o self tal como usualmente concebido a favor de uma nova constelação”. Um impulso antissubjetivista, no sentido anterior, de reação internalizante ao desenvolvimento da sociedade industrial, onde vários autores e artistas modernistas protestam contra um mundo dominado “pela tecnologia, pela padronização, pela decadência da comunidade, pela sociedade de massa e pela vulgarização” (TAYLOR, 1989, p.584). Se pudermos acreditar que os indivíduos são integrados a contextos sociais e culturais, se temos a certeza, como ele exemplifica na fala de Munsterberg, “de que nada pode existir fora do gigantesco mecanismo de causas e efeitos; a necessidade move as emoções em minha mente” (TAYLOR, 1989, p.587), outra noção de self surge de acordo com as mudanças do mundo exterior:

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A mudança deveu-se em parte ao prodigioso desenvolvimento da sociedade industrial. Numa sociedade urbanizada, tecnológica, a natureza é marginalizada. Já não há camponeses vivendo em simbiose com ela. As paisagens pintadas por Constable estão sendo obliteradas. As máquinas e um ambiente humano projetado para lidar com massas anônimas dominam nosso mundo (...). Nossa compreensão é moldada por outra mudança, especialmente importante na segunda metade do século XIX. Trata-se do progresso de uma visão de mundo científica e mecanicista que já não se baseava simplesmente na mecânica, mas afirmava englobar também as ciências da vida. (TAYLOR, 1989, p.584)

Dialogando com Sontag (1987), percebemos que essa noção é a que ela apontou como a ruptura entre duas culturas, após o advento da revolução industrial, a “artístico-literária” e a “científica”, quando a capacidade de dominar cada uma dessas culturas seria completamente diferente. A cultura artístico-literária é entendida como uma cultura geral, que se destina ao homem enquanto homem. Como definida por Ortega y Gasset, é aquela que um homem possui quando esquece tudo que leu, no sentido de que o conhecimento já está de certa maneira entronizado em si, é natural, uma forma “automática” de lidar com o mundo. Já a cultura científica, ao contrário é uma cultura para especialistas.

Embora a cultura artístico-literária vise a interiorização, a ingestão – em outras palavras, o cultivo – a cultura científica visa o acúmulo e a exteriorização em instrumentos complexos para a solução de problemas e técnicas específicas de domínio. (SONTAG, 1987, p.339)

Essa é uma das bases para o que Taylor aponta como a desconstrução de um self unitário, uma ideia baseada na interioridade onde “o fato de que o mundo vivido, o mundo como tal vivenciado, conhecido e transmutado na sensibilidade e na consciência, não poderia ser assimilado pela máquina que supostamente a tudo abrangia” (TAYLOR, 1989, p.588); onde deveríamos recuperar a experiência vivida que havia sido “bloqueada pelo aparato mecanicista reinante”, onde nossa “atenção é desviada das coisas em si para aquilo que elas realizam para nós”. O que testemunhamos, portanto, não é tanto um conflito de culturas quanto a criação de um novo tipo de sensibilidade, que, como acredita Sontag (1987, p.341), é uma sensibilidade “potencialmente unitária”, radicada em nossas experiências, “como a extrema mobilidade social e física; na disponibilidade de novas sensações como a velocidade (velocidade física, como uma viagem de avião; velocidade das imagens, como no cinema).”. E, pensando na perspectiva artística, nossa capacidade de vivenciar amplamente estas novas 93

experiências seria também possível pela reprodução em massa dos objetos de arte, afinal trata-se de algo inescapável. Essa virada para dentro, para a subjetividade, vai nos levar de fato a uma experiência fragmentária, que põe em questão nossas noções de identidade. “A libertação da experiência pode parecer exigir nossa saída do círculo da identidade única, unitária, e que nos abramos ao fluxo que leva para além do alcance do controle ou da integração” (TAYLOR, 1989, p.591). Para Taylor, não existe uma unidade a priori, assim como não existe uma distância intransponível entre agente e mundo. Essa, inclusive, seria a base para o que ele chama de “certas doutrinas em voga, vindas de Paris” (TAYLOR, 1989, p.595), fazendo referência crítica ao estruturalismo de Foucault e Derrida: enquanto estes propõem o deslocamento do self para o “fluxo de consciência, para novas formas de unidade, para a linguagem concebida numa variante de maneiras – em certa altura até mesmo como uma estrutura” (1989, p.595), Taylor afirma que a descentração não é alternativa à interioridade, e sim seu complemento.

4.1 Literatura pop ou uma dimensão do pop no romance contemporâneo?

Como se pode descrever o modo como as pessoas nascidas antes de 1940 dizem a palavra “pop”? Eu venho escutando a debochada explosão monossilábica dos meus pais- cabeça para a frente, expressão idiota no rosto (porque os fãs de música pop são idiotas) durante o tempo que levam para cuspir fora a palavra - há bem mais de duas décadas. (HORNBY, 1998, p.47)

O episódio narrado nesta passagem de Alta Fidelidade (1998), onde o protagonista Rob Fleming expõe o gap geracional entre si e sua família, sintetiza de alguma forma o caminho traçado pelo termo pop, como expomos nos primeiros capítulos. Recuperando Lethem (2012, p.123), pop é também acreditar que os objetos que nos cercam possuem determinada intensidade, mesmo que banalizados pela utilização cotidiana. É nos manter em contato com a matéria de que, em parte, é feita o mundo. Ler o “presente frívolo” (LETHEM, 2012, p.124), como julgam os pais de Fleming, parece parte da missão assumida por Hornby em suas obras, e este trecho em especial soa provocativo e sintomático, uma espécie de autoanálise do próprio fazer literário do romancista britânico. Lethem sintetiza esse sentimento de certa forma: 94

Nasci sob a égide incoerente de produtos, textos e imagens, o ambiente cultural e comercial que, ao mesmo tempo, complementamos e encobrimos o mundo natural. Já não posso reivindicá-lo como meu mais do que as florestas e calçadas do mundo, embora seja de fato um habitante dele, e seu eu quiser ter uma chance como artista e cidadão, provavelmente é melhor que seja possível que me seja permitido nomeá-lo de algum modo. (LETHEM, 2012, p.124).

Quando Lethem (2012) faz referência a encobrir e complementar o “mundo natural”, nos remete à leitura feita por Eco (1979), citada no primeiro capítulo e mesmo à tentativa de Lichtenstein ou Wesselmann de tentar capturar a nova natureza, o mundo das coisas que o cercam, em contraponto com as escolas anteriores, em suas obras. Essa noção de self, construído com as experiências exteriores, é fundamental para se pensar uma sensibilidade cultivada no pop, essa recolhida, essa “virada para dentro”, que é também marcada pela nossa dissolução nas coisas do mundo. É mesmo importante pensar a respeito do pop na contemporaneidade, já que ele não parece assumir o mesmo papel e espaço que ocupou no início dos anos 1960. Como aponta Huyssen (2002, p.245), o pop daquela década se “converteu em sinônimo de um novo estilo de vida da geração mais jovem, um estilo de vida que se rebelava contra a autoridade e aspirava libertar-se das normas impostas pela sociedade” 61, o que pode ser sumarizado como uma “euforia emancipatória”. Seria, no entender desse teórico, uma interpretação do pop menos como afirmação de uma sociedade capitalista que celebrava a si mesma e mais como um mecanismo de protesto e crítica. De acordo com Huyssen (2002, p.247), muitos alemães viam a arte pop como denunciadora de uma “falta de valores e de critérios na crítica artística, e que pretendia salvar o vazio entre a alta cultura séria e a baixa, frívola” 62. Huyssen define que:

O realismo do pop, sua proximidade com objetos, imagens e reproduções da vida cotidiana, incentivou um novo debate sobre a relação entre arte e vida cotidiana, imagem e realidade, um debate que encheu as páginas de cultura dos diários e semanários nacionais. 63 (HUYSSEN, 2002, p.248). 61

Es sinônimo de un estilo de vida de las nuevas generaciones, un estilo de vida que se rebeló contra la autoridad y aspiraba a liberarse de las reglas impuestas por la sociedad. (Tradução nossa) 62 Falta de valores y criterios en la crítica artística, y tenía la intención de salvar el vacío entre alta y baja cultura seria frívola. (Tradução nossa) 63 El realismo del pop, su cercanía con los objetos, imágenes y reproducciones de la vida cotidiana, alentó un nuevo debate acerca de la relación entre el arte y la vida cotidiana, la imagen y la realidad, un debate que llenó las páginas de cultura de los diarios y semanarios nacionales. (Tradução nossa)

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Parecia existir uma sensação de libertação, onde o pop formataria uma via de escape entre as noções de alta e baixa cultura e a ideia de arte (consumo e produção) seria expandida para outras esferas, além das torres de marfim ou dos acontecimentos exclusivos dos entendidos e marchands. Ou seja: se a ideia de uma literatura pop anterior poderia apontar certas conexões contraculturais, já que a concepção de pop após a década de sessenta iria se referir também à cultura rock, ao hippismo, às drogas e, em geral, “a qualquer manifestação de uma sub-cultura ou do underground” 64 (HUYSSEN, 2002, p.245). Beatriz Sarlo (1997) traça com alguma exatidão este trajeto percorrido pelo pop, no sentido de migrar de uma expressão genuinamente underground para um uso simbólico mais comum. Este uso cotidiano, integrado, não se encontra plenamente esvaziado de sentido, mas deslocado para o centro de um outro jogo, onde a ideia de pop está estilhaçada em diversos e novos usos, como nos apontou Fiske (2009). Como Sarlo (1997) lembra, quando o underground se enamora dos meios de massa, “percorre um caminho que poucos hoje impugnariam, e abre portas que, na verdade, desde os anos sessenta o pop já tinha deixado abertas. Abre-as, contudo, diante de um público jovem que, certamente, não passou pelos escândalos mundanos e estéticos do pop” (SARLO, 1997, p.98). Esse público jovem pode se referir, na contemporaneidade, a um sujeito já arterialmente conectado/ consumido/ moldado pelas revoluções propostas pelo pop sessentista. O que não significa que esse pop está despotencializado. Talvez ele esteja apenas no centro de outra história. Hoje podemos sim perceber que o pop atua de forma mais centralizada, perdeu muito deste caráter marginal supracitado, se localizando em uma posição que alguns autores, como Martel (2012), chamariam de mainstream, uma espécie de fluxo principal de localização da cultura de massas. A obra de Hornby então pode ser percebida como uma tentativa de localizar alguns desses usos do pop atual, onde a cultura midiática e mundializada de hoje atua não apenas como elemento narrativo, mas de certa forma, como um personagem de suas histórias e contribui, como afirma Serelle (2009, p.134) “para a percepção de uma ótica midiática onipresente, global, que atua como moduladora das subjetividades e das interações entre os sujeitos”. É comum Nick Hornby ser catalogado como um autor de “literatura pop”, embora esse seja um termo de difícil precisão acadêmica. Alguns pesquisadores inscrevem no gênero obras 64

Cualquier manifestación de una subcultura y lo subterráneo. (Tradução nossa)

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que subvertem a linguagem por meio de experimentações, em um espectro pouco preciso, que inclui obras de autores tão diferentes quanto John Updike e William Burroughs. Mas o uso comum do termo também se refere a autores diversos (como Roberto Drummond, Manuel Puig e Anne Tyler) que carregaram para a literatura aspectos da banalidade cotidiana – sem, em nenhum momento, tratar isso como banal – fazendo uma espécie de mediação entre os dois mundos, via citação, intertextualidade e outros recursos. Hornby parece se situar nesse grupo. Sua obra, como aponta Serelle (2013) pode ser dividida, grosso modo, em sua prosa ensaística e em sua prosa romanesca. “Sobre a prosa, Hornby se diz ‘não interessado em linguagem’, isto é, não afeito a experimentações literárias como as de corte modernista”, separa. O que de alguma forma posiciona-o como um romancista realista.

Ele talha seu romance como se fosse, na metáfora dele, uma janela transparente e simples, por meio da qual os leitores alcançam os personagens. Seu projeto é, nesse sentido, realista, pois, para falar com Peter Gay, trata-se de erguer, em diálogo com a cotidianidade e os costumes, um espelho (sempre distorcido, é claro) das pequenas criaturas e seus mundos modulados pelo pop. Esses compõem a outra vertente da literatura de Hornby, em que temos, além de ‘Alta Fidelidade’, ‘Um Grande Garoto’, e outros livros”. (SERELLE apud PEREIRA, 2013, p.6)

Cruz (2003) questiona se é possível pensar a literatura pop a partir da década de 1960 como uma leitura das experiências com o pop no campo das artes plásticas, através de uma transposição “(...) da linguagem visual iconográfica para a linguagem verbal, ressaltando-se a antiga relação entre a literatura e as artes plásticas na qual se moldou a estética tradicional para a classificação dos movimentos estilísticos da arte ocidental” (2003 p.44). Justificando essa possibilidade, ele alinha apropriações possíveis que a literatura pop fez da arte pop: a temática, a técnica, os mitos e a linguagem.

Assim veremos como a literatura pop se utiliza dos mitos urbanos criados e difundidos pela mídia para investigar o interior da estrutura capitalista e revelar suas intenções de monopólio, poder e controle através da indústria cultural, estabelecendo a sua análise e crítica da modernidade a partir da Revolução Industrial. Ao mesmo tempo em que questiona a tradição artística, a literatura pop propõe um novo modelo estético e desestrutura as formas da narrativa tradicional. (CRUZ, 2003, p. 35)

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Traçando paralelos, é possível perceber, com nitidez, na obra de Hornby, pelo menos três dessas questões apontadas por Cruz (2003) como sinalizadoras de uma literatura pop. A temática, focada em elementos da cultura de entretenimento como a música, o cinema, a TV etc.; a técnica de narrar através de, por exemplo, a superposição de imagens e colagens; e os mitos, referentes ao que Cruz aponta como “mitos urbanos criados e difundidos pela mídia” (2003 p.35), que nos remete ao “(...) folclore urbano que é a cultura massificada” (CANDIDO apud SANTIAGO, 2007, p.127). O último ponto de convergência entre arte pop e literatura pop seria a linguagem, que, como Cruz (2003) situa, seria marcada pela “(...) a insubordinação às regras, a busca de novas formas, o discurso do sonho e do inconsciente, a carnavalização” (2003 p.45). Ou seja, Cruz parece atentar que uma linguagem pop seria possível ao se submeter às possibilidades de desconstruções textuais típicas, por exemplo, das teorias literárias estruturalistas, bakhtinianas ou pós-modernistas, que prezam pela opacidade textual, onde a linguagem pop exige uma distorção, um tensionamento no/do próprio texto. Essa definição parece ir de acordo com o que Lethem (2012, p.124) aponta em relação aos aspectos cosmopolitas e globalizados do mundo contemporâneo. Em um mundo pautado por remediações, recortes, onde a malha de imagens e informações é tecida a partir de sobreposições e colagens e, ainda assim, se apresenta como uma normalidade, a busca pela opacidade de linguagem se torna cada vez mais árdua.

Hoje, quando podemos comer Tex-Mex com hashi enquanto ouvimos reggae e assistimos a uma retransmissão da queda do Muro de Berlim no You Tube – ou seja, quando praticamente qualquer coisa se apresenta como familiar – não é de admirar que algumas das mais ambiciosas obras da atualidade sejam uma tentativa de fazer o familiar soar estranho. (LETHEM, 2012, p.124)

Mas Hornby garante não estar “particularmente interessado na linguagem” (2006, p.4), ou seja, ele parece pensar a linguagem transitivamente, pelo “o que” ela descreve, e não no “como” se descreve. Sua obra se inscreve na chave do romance, mas sem maiores tentativas de desordenar as possibilidades de escrita como sugerem outras possíveis teorias literárias, aplicadas especialmente no pós-modernismo. Não parece interessar ao autor a opacidade na produção de textos e sentidos, e sim uma tentativa de transparência realista.

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Uma parte de mim preferiria ter se apaixonado por Updike, Keroauc ou DeLillo por alguém do sexo masculino, pelo menos, talvez alguém um pouquinho mais opaco e, com certeza, que usasse mais palavrões e embora eu tenha admirado esses escritores em várias fases da minha vida, admiração é uma coisa muito diferente do tipo de transparência de que estou falando. (HORNBY, 2005, p.17)

Talvez esteja aí o ponto de tensionamento entre uma literatura pop aos moldes do que sugere Cruz (a partir de obras literárias dos anos 60 e 70) e o que percebemos na obra de Hornby: sua ficção reivindica um tipo de transparência que o filiaria ao gênero de romance realista, onde, como define Robert, “a verdade do romance não reside em outra coisa senão em um aumento de seu poder de ilusão” (2007 p.27); de onde o romance (e não a linguagem) sobrevive do “como-se” embora queira justamente fazê-lo esquecer, através de artificialidades que se parecem naturais. E a ideia de realismo em Hornby é embalada em fartas referências pop, como se a sua centralidade na vida cotidiana contemporânea fosse indispensável para construir essa noção exata do que é real. Se ambas as possibilidades de escrita pop estão situadas “depois da grande divisão”65, para usar a expressão de Huyssen, em Hornby é perceptível uma outra dimensão do pop, que evidentemente não se filia à opacidade de linguagem apontada por Cruz (2003): a dos filmes, séries televisivas, canções que são, via de regra, transparentes, imediatas e consumíveis – ser descartável, consumível não é algo pejorativo, necessariamente, mas uma forma de maturidade pop. Essa dimensão tanto antecede a pop art como a procede, talvez, após a valorização destes objetos no campo das artes plásticas, de forma menos envergonhada pelo seu caráter imediato – ainda que a vontade de separação entre alta e baixa cultura persista em determinadas óticas (e possivelmente a literária é uma delas). Desse ponto de vista, Hornby é transparente, filia-se ao romanesco, aos costumes, ao ordinário midiático de seu tempo, à cultura dessa segunda (que também foi a primeira) dimensão do pop. Refletindo-a e constituindo-a, Hornby se insere através de sua popeza, apontando, aqui e ali, uma aresta, um desconforto, e que também pode ser notada, como citado, em um auto retrato irônico de sua ficção. É a partir desta autoconsciência, portanto, que ele cria então uma condição de leitura no qual seus personagens dialogam com o leitor de acordo com alguns padrões estabelecidos pelo pop. A navegação mais completa pelos romances de Hornby passa por entender que a 65

“Después de La gran division” (2002) é o título do livro de Andreas Huyssen e seu conceito central, onde ele teoriza sobre a separação entre alta e baixa cultura no século XX e seu possível marco para uma separação entre o modernismo e o pós-modernismo.

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obsessão que alguém cultiva por determinada peça cultural (um livro, um filme, um músico), vai além da fruição estética, e tal obsessão, na verdade, molda o sujeito. Através do romance – uma forma moderna de se contar histórias – o autor vai trabalhar o tempo todo de olho no presente, uma espécie de atualização do realismo literário do século XIX, sendo o inventário atual constituído pelas coisas dispostas e disponíveis em uma sociedade onde a mídia e o pop parecem hegemonizar o cenário. A acumulação de informações da qual a linguagem pop se forma possibilita uma conexão com alguns dos estatutos do Realismo Literário do século XIX, apontados por Brooks (2005). Um deles é especialmente análogo: a ideia de “coisificar” (thing-ism) tratar os objetos do mundo como um inventário essencial para assegurar realidade à narrativa (BROOKS, 2005 p.16), já que o autor aponta que não é possível representar as pessoas (e o mundo) sem mencionar as “coisas” que elas adquirem para se definirem como sujeitos. E a literatura de Hornby assume o diálogo mais imediato com o contemporâneo, afirmando que sua ótica literária não pode ser contrária ao pop e inadaptável aos acontecimentos recorrentes da cultura midiática. Em grande parte de sua obra, o pop atua não apenas como um elemento casual que aparece furtivamente como descrição de um ou outro personagem, funcionando genericamente como indicações de consumo. O pop, para Hornby, atua, antes, como a grande temática e técnica em seus livros, na overdose de citações intertextuais e metáforas provindas de canções, citações de filmes etc. A partir desta estrutura, ele cria então uma condição de leitura onde seus personagens dialogam com o leitor de acordo com alguns padrões estabelecidos pelo pop. Dificilmente, o leitor vai compreender profundamente personagens como Rob Fleming (Alta Fidelidade, 1998) ou Duncan (Juliet Nua e Crua, 2010) sem estar familiarizado com a cartografia montada para a composição desses personagens. Como aponta Santiago (2004):

(...) os próprios artistas estão investindo a sua imaginação criadora em novos e outros campos, isto é, estão descobrindo novos modos de ler uma produção cultural que não se manifesta pela escrita, como a indicar que existe na disseminação massificada de simulacros um universo a ser investigado para que se tenha uma visão do mundo que finquem seu pé na atualidade. Eles estão como que a dizer aos seus leitores: vejam como eu tive de aperfeiçoar outras formas de leitura para ser contemporâneo, porque vocês não tentam também? Há que se ter menos preconceito para com as formas pop de produção artística. (SANTIAGO, 2004, p.130).

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Santiago (2004) traça paralelos sobre a literatura e a cultura de massas, recuperando a leitura benjaminiana a respeito do cinema lembrando que, sob esta lógica, se “o filme não exterioriza o tempo e o gosto contemporâneos e não mantêm um diálogo imediato e eficaz com os espectadores, está fadado ao fracasso ou à inexistência” (2004, p.113), como forma de ratificar a força do consumo atual. Mas o que interessa aqui não é o pop apenas como potência de consumo, e sim como ele está ligado a uma ideia de “tempo presente”, de algo que “(...) independente de qualquer especificidade discursiva fosse entregue ao consumidor contemporâneo na sua contemporaneidade” (2004, p.115). É possível, portanto, de alguma forma alinhar o pensamento de Hornby com este estatuto. Ele narra o aqui e agora, é esse o seu foco, que se traduz inclusive nas descrições de seus romances.

(...) pareceu óbvio que a cultura pop era uma parte importante de nossas vidas, e que deveria existir algum tipo de reflexão sobre ela nos livros que lemos. Eu nunca entendi o porquê das pessoas não descreverem ou apenas mencionarem os programas de TV que elas estavam assistindo. Eu sempre suspeitei que fosse algo que tem a ver com ter um olho na posteridade. (HORNBY, 2011b).

A fala de Hornby a respeito dos “livros que lemos” é importante, pois, se analisarmos que a forma do romance opera com a percepção de ser uma narrativa que serve para dar sentido a uma experiência fundadora de uma interioridade, Hornby também atua com essa orientação, e não parece ocasional sua defesa (supracitada no capítulo anterior) à uma obra como Dentes Brancos, de Zadie Smith66, que, segundo ele, não está na vanguarda ou a serviço de uma revolução literária, mas solidamente ancorado “numa tradição narrativa familiar” (HORNBY, 2005, p.83), e que nem por isso perde sua potência, não faz dele uma “realização menor, nem reduz seu interesse e com certeza não o tornou impopular nem junto aos leitores, nem junto aos críticos” (HORNBY, 2005, p.83). As convenções do romance exigem do público “menos que a maioria das convenções literárias”, como aponta Watts (1990, p.32). Portanto, o romance, como forma cultural inicialmente considerada vulgar, popular, rebaixada e para o consumo, proporciona ao leitor uma sensação mais imediata de correspondência entre vida cotidiana e arte. inaugura tanto uma narrativa voltada para o imediato como para uma singularidade. Taylor (1989, p.591) 66

Zadie Smith devolveu os elogios ao escritor, dizendo que “Hornby levou o romance inglês de volta a suas raízes perdidas. Nos ajudou a lembrar que nem todos os livros precisam falar dos quinhentos anos de história pós-colonial, [...] podem falar da alma de um homem, sua casa e como ele vive nela, das ruas por onde anda e das pessoas que ama”. (SMITH, 2004)

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assinala que ele é conformador de uma “nova consciência” nas artes, que proporciona o igualitarismo, tornando digno de representação as dimensões banais e corriqueiras da vida e das pessoas comuns – o início do regime que Ranciére (2000) denomina como “estético”, que rompe com o “mimético”, onde os gêneros eram escalonados de acordo com a posição do herói, a tragédia para a dimensão heroica da vida; a comédia para as personagens de classe mais baixa.

Recentemente fui atacado nos jornais por dois escritores “fabulistas”, pelo que pude entender, devido ao caráter corriqueiro dos mundos em que retrato. Para mim, a resposta óbvia é que é muito bom escrever sobre elfos, dragões e deusas que saem das profundezas da terra e toda essa conversa. Quem não conseguiria fazer isso e torná-la algo vívido? (Legível é claro, é um outro papo...) Mas escrever sobre pubs e cantores e compositores batalhadores bem, isso é dureza. Não acontece nada. Não acontece nada e, mesmo assim, tenho que persuadi-lo de algum modo de que alguma coisa está acontecendo em algum lugar nos corações e mentes de meus personagens, embora eles possam apenas estar sentados bebendo cerveja e fazendo piadas sobre Peter Frampton (HORNBY, 2005, p.103)

Nesse narrar, em detalhes, a vida de pessoas até então invisíveis para arte – ou visíveis apenas na chave do cômico – inaugura-se um gesto de representação do particular e da singularidade. Para Watt (1990, p. 14) “o romance é a forma literária que reflete mais plenamente essa reorientação individualista e inovadora”. O romance faz uso do nome próprio, talha sua personagem como tipos humanos genéricos e faz com que esses seres ficcionais sejam narrados justamente para tentar compreender e expressar sua identidade particular em um dado tempo e lugar por meio da experiência cotidiana. Como define Taylor (1989, p.588), como lidar com “o fato de o mundo vivido, o mundo tal como vivenciado, conhecido e transmutado na sensibilidade e na consciência, não podia ser assimilado pela máquina que supostamente a tudo abrangia”? Enquanto os românticos originais voltaram-se para a natureza e o sentimento puro, o fazer artístico e literário do início do século XX gerou o que Taylor aponta como uma “articulação do self e uma articulação do mundo”. É diante também dessas circunstâncias que a ideia da identidade única se desfaz, através da libertação da experiência, “onde nos abramos ao fluxo que leva para além do controle ou da integração” (TAYLOR, 1989, p.588). Dando voz à D.H. Lawrence, nossa individualidade não é mais que “uma coesão acidental no fluxo do tempo”.

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O impulso subjetivista é ter consciência das dualidades inescapáveis e das distâncias instransponíveis entre agente (o interior) e o mundo exterior. É essa virada reflexiva que vai abarcar uma visão conciliadora com o mundo lá fora. Taylor (1989) usa o termo “poesia pública” para citar obras que exigiram um afastamento da metafísica e uma aproximação das coisas cotidianas e das experiências comuns da vida. O sujeito constitui sua subjetividade neste choque: ele supostamente encontra tudo fora dele. Essa “interioridade”, no caso dos romances de Hornby, é distribuída nos produtos pop, é ali que ele se situa no mundo. E, como veremos, chega a duvidar disso - um jogo irônico e ambíguo, onde se constrói uma perspectiva onde se tem muita pouca certeza de que sua interioridade, pois ela parece ser composta e facilmente distinguida nas canções, séries televisivas, celebridades.

4.2 Os personagens, os leitores, uma comunidade

“Por um momento, como que por mágica a magia pop em que a conexão de certos fatos sociais com certos sons cria símbolos irresistíveis da transformação da realidade social a voz funcionou como um novo tipo de discurso livre. Inúmeras novas gargantas disseram inúmeras coisas novas. Você não podia ligar o rádio sem ser surpreendido, você mal podia se virar.” (MARCUS, 2009, p.3) 67

Primeiramente, o que nos parece nítido é que a ideia de construir seus personagens visando o pop como um dispositivo de identidade pouco valeria se ele não fosse um bom escritor. Hornby lança mão de um interesse comum, extraliterário, entre seus leitores, para, a partir disso, criar uma espécie de “comunidade” de interesses comuns, com os pés bem fincados na atualidade. Se Flaubert, grande referência do realismo romântico buscava uma espécie de objetividade oculta, onde o “efeito no espectador deve ser uma espécie de assombro: ‘Como surgiu tudo isso? ’” (WOODS, 2011, p.48), em Hornby o vislumbre do leitor passa por outra grandeza: “Eu conheço tudo isso”.

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For a time, as if by magic the pop magic in which the connection of certain social facts with certain sounds creates irresistible symbols of the transformation of social reality- that voice worked as a new kind of free speech. In countless new throats it said countless new things. You couldn’t turn on the radio without being surprised; you could hardly turn around. (Tradução nossa)

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Nick Hornby chamou a atenção da mídia e dos leitores a partir de 1992, quando publicou sua primeira obra, Febre de Bola (Fever Pitch, traduzida para o Brasil em 1998). Como o título indica, o livro se baseia em outra grande paixão do escritor, o futebol. Mais especificamente, trata do amor de Hornby pelo clube britânico Arsenal. Ele recupera sua história pessoal com o desenvolvimento competitivo da equipe, tendo como “final feliz” o bicampeonato da Premier League, o mais importante título da Inglaterra, conquistado em 1989 e 199068. Alta Fidelidade foi editado em 1995, na Inglaterra, ganhando versão nacional em 1998, assim como seu terceiro romance, Um Grande Garoto (About A Boy editado aqui em 2000), que narra a relação entre um balzaquiano que vive da herança do pai (compositor de um hit natalino) e um garoto de 12 anos, filho de mãe solteira. Em 2002 ele organizou o livro de contos Falando com o Anjo (Speaking With The Angel) onde também escreveu uma impagável história, “Jesus Mamilo”, talvez sua obra mais ousada e expositiva da relação entre alta e baixa cultura que permeia seus temas. Em Como ser Legal (How To Be Good), lançado em 2001, ele lança mão, pela primeira vez, de uma protagonista feminina, uma médica de meia idade em crise. Uma Longa Queda (A Long Way Down), de 2005, é um de seus romances mais densos, onde o autor narra o encontro de quatro suicidas em uma noite de ano novo, em Londres, alinhando suas perspectivas limitadas de existência. Depois de várias obras focadas em sujeitos de meia-idade, em Slam (2008) ele dá voz a um adolescente que descobre que será pai, uma de nossas obras favoritas de Hornby. 31 Canções (31 Songs), já citada anteriormente, foi lançada em 2003 e é uma espécie de coletânea onde o escritor elege algumas de suas canções favoritas como mote para explicitar a relação do pop com a interioridade do sujeito, relacionando análises de artistas como Led Zeppelin, Rufus Wainright e Gregory Isaacs com temas “grandes” como religião, maturidade, paternidade, política. Seu último romance publicado é Juliet Naked, de 2009, editado aqui em 2011 com o título meio despropositado de Juliet Nua e Crua. Em toda a bibliografia de Hornby, em maiores ou menores doses, podemos perceber esta inegável linha temática: a noção de sujeitos modulados pela cultura pop. O amor pelo esporte, em tons mitológicos, exposto pelo próprio escritor em Febre de Bola, é, de certa 68

“Febre de Bola” ganhou duas versões cinematográficas. A primeira, com roteiro do próprio Hornby, é uma produção britânica de 1997, dirigida por David Evans. A segunda, bem menos inspirada, é “Amor em Jogo”, dirigido por Bobby Farrelly e Peter Farrelly, de 2005. “Um Grande Garoto” foi adaptado para o cinema em 2001, dirigida por Peter Weitz e Chris Weitz. Trata-se de uma versão francamente divertida e fiel, com o o ator britânico Hugh Grant assumindo o papel do protagonista 104

forma, revisitado no personagem Sam, de Slam, apaixonado por skate. Seu altar particular, seu oráculo, é um pôster do skatista Tony Hawks, pendurado em seu quarto. O que por sua vez é também uma relação muito similar à que Duncan, de Juliet Nua e Crua, mantêm com o cantor Tucker Crowe. Os dilemas típicos da adolescência também são vividos pelo personagem Marcus Brewer, o jovem de Um Grande Garoto, filho de pais separados, tímido, introspectivo e desajeitado, que encontra um filtro para sua agressividade guardada em discos de rap obscenos. Sua mãe é a suicida Fiona, assim como os personagens centrais de Uma Longa Queda. O garoto acaba encontrando abrigo e uma espécie de referencial em Will Freeman. Basicamente uma versão classe média alta dos personagens masculinos de Alta Fidelidade, Freeman é um solteiro convicto (o sobrenome, “Homem Livre”, em tradução simples, entrega a característica central do personagem, é um recurso típico do romance realista), beirando os quarenta anos, que sobrevive basicamente da herança deixada pelo pai e passa os dias vendo televisão. É um sujeito absolutamente infantilizado, uma composição comum nos personagens masculinos hornbyanos (e vale lembrar que, em Slam, o tema central é justamente o amadurecimento precoce, um contraponto) como veremos nas duas obras escolhidas para a análise. Alta Fidelidade é centrado no personagem Rob Fleming, balzaquiano, dono de uma loja de discos, que acaba de ser largado pela namorada, a advogada Laura. Esse é mote para ele tecer uma espécie de reavaliação de sua vida particular, amorosa e profissional. Ele “divide” suas agruras com os dois funcionários (Barry e Dick) que trabalham com ele na Championship Vinyl. Divide, entre aspas, porque as possibilidades de comunicação entre eles são mínimas, mediadas por rankings que fazem de produtos da cultura pop. Durante a obra, ele é confrontado de diversas formas: pela família, pela ex-namorada, e por si mesmo, que questionam constantemente sua ótica de mundo, contrapondo a visão “tradicional” familiar, ou “séria” da ex-namorada advogada, com o aspecto de “entretenimento” julgado por eles, na constituição de Fleming como sujeito. Através de um Top Cinco de ex-relacionamentos, ele volta ao passado, buscando uma a uma, para tentar entender o que deu errado. Ainda hoje é a obra mais influente de Hornby, até por seus desdobramentos em outras searas midiáticas. Alta Fidelidade, a despeito de figurar em listas (uma ironia involuntária) como 1001 Livros que Você Deve Ler Antes de Morrer, pode ser chamado de romance geracional. Obras

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que retratam, como atesta Marcelo Costa, editor do site de cultura pop Scream & Yell, um dos mais importantes do Brasil,

Um grupo de pessoas em uma determinada época, neste caso, o decantado fim das lojas de discos (que, no fim, não acabaram, e estão cada vez mais vivas), a valorização de certa honestidade em artistas, a elevação de listas ‘top alguma coisa’ à categoria de arte, O que você consome diz muito sobre quem você é, e Nick Hornby percebeu isso naquele momento olhando homens que se recusam a envelhecer como manda o figurino. (COSTA, apud PEREIRA, 2013, p.6)

Alta Fidelidade ganhou uma bem-sucedida versão cinematográfica em 2000, dirigida por Stephen Frears, com John Cusack assumindo o papel de Rob Fleming que, aliás, ganha outro nome (Rob Gordon) no filme. A película também levou a história para os EUA, diferentemente do livro, que se passa em Londres. A obra ganhou, ainda, adaptação para o teatro no Brasil. Dirigida por Felipe Hirsch, A Vida É Cheia de Som e Fúria, e trouxe o ator Guilherme Webber no papel do protagonista. Juliet Nua e Crua retoma a ideia de centralizar um personagem absolutamente modulado pela cultura pop, já que Duncan é uma espécie de Rob Fleming mais “hermético”, como aponta a crítica de Lev Grossman (2009)69. O romance se desenvolve em uma cidade litorânea e ordinária no interior da Inglaterra, Gooleness. Duncan, casado com a museologista Annie, recebe um CD chamado Juliet, Naked, que seria um álbum raro de seu artista favorito, Tucker Crowe, que há anos está longe do radar midiático. O álbum acaba gerando uma série de acontecimentos subsequentes, que levam inclusive Annie e Duncan se separarem, e ela, através de uma troca de e-mails, passa a se relacionar com o então “desaparecido” Crowe. Com a convivência, ela percebe estar diante de um sujeito problemático, como tantos somos (especialmente em relação a seus filhos), apesar de genuinamente talentoso. O desfecho dramático se dá com o encontro dos três.

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Lev Grossman conclui que "este é um romance sobre pessoas que desperdiçaram enormes pedaços de suas vidas - Duncan em estéreis críticas de rock herméticas (ele é como o futuro do pior cenário possível de Rob Fleming de High Fidelity); Annie em um romance de mortos e um trabalho sem fim;e Crowe se tornou um recluso emburrado criativamente árido Eles estão tentando fazer o melhor do que restou, mas o que sobrou não é tão grande “Juliet, Naked” é um livro mais sombrio do que “Uma Longa Queda”, e este era a respeito de quatro pessoas que tentam se matar. " (GROSSMAN, 2009)

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4.2.1 Analisando o pop através dos romances

Porque os pressupostos culturais recebidos são preposições hegemônicas sobre a forma como mundo supostamente deve trabalhar – construções ideológicas percebidas e vividas como fatos naturais. O rompimento do meio pop abriu portas para o reino da vida cotidiana: o meio onde, deslocamento para o trabalho, fazendo trabalho em casa ou na fábrica ou no escritório ou no shopping, ir ao cinema, tendo conversas, não tendo conversas, ou confeccionando listas do que fazer, as pessoas realmente viviam. (MARCUS, 2009, p.3)70

Talvez a maneira mais fácil de decifrar Hornby seja citar frases de seus livros. Como aponta Woods (2011, p.97) sobre a confecção de um personagem nos romances, as pessoas são “como a casa dos outros: só conhecemos dela aquilo que se limita com a nossa. Podemos saber muitas coisas sobre um personagem pela maneira como ele fala e com quem fala – como ele lida com o mundo”. Nesta frase do personagem Rob Fleming, de Alta Fidelidade (1998), parece estar uma das chaves para entender parte da questão sugerida por Hornby:

O que veio primeiro, a música ou a dor? Eu ouvia música porque estava infeliz? Ou estava infeliz porque ouvia música? Esses discos todos transformam você numa pessoa melancólica? (...) As pessoas mais infelizes que conheço são as que mais gostam de música pop.(HORNBY, 1998, p.28).

Hornby é um dos autores contemporâneos que conseguiram, em uma vasta coleção de personagens, alcançar uma espécie de consciência pop, para usar a noção sugerida anteriormente por Widdowson (1999) a respeito da consciência do e no fazer literário, de muitos leitores, dos anos 1990 para cá. Sujeito pouco afeito a aparições e ao circo midiático, curiosamente, é através de extratos dessa mesma seara midiática, em um recorte que chamamos aqui de cultura pop, que ele encontrou sua marca autoral, o ritmo de seus romances e ensaios. A construção do sensível (especialmente o masculino, apesar de uma marcante galeria de personagens femininos) no autor britânico é modulada por lições aprendidas nos discos de pop e rock, na paixão pelo clube de futebol, nos personagens 70

Because received cultural assumptions are hegemonic prepositions about the way world is supposed to workideological constructs perceived and experienced as natural facts- the breach in the pop milieu opened into the realm of everyday life: the milieu where, commuting to work, doing onde´s job in the home or the factory or the office or the mall, going to the movies, having conversations, not having conversations, or makings lists of what to do next, people actually lived. (Tradução nossa.)

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clássicos do cinema, nos diálogos sagazes das séries de televisão. Christian Schwartz, tradutor das novas edições de Alta Fidelidade e Febre de Bola, atesta isso

Acho que os livros – muito particularmente os dois reeditados – criam em torno de si comunidades de leitores que, no meu modo de ver, nem são leitores assíduos de literatura. Até lêem, aqui e ali, algum romance na vida – mas, com Hornby, vale mais o interesse temático por música pop e/ou futebol. Acho que a chave é a linguagem: ao mesmo tempo em que original, é próxima do leitor; ainda que claramente romanesca, ‘conversa’ com cinema e teatro (SCHWARTZ apud. PEREIRA, 2013, p.6)

Trata-se de uma espécie de linguagem universal - no sentido de cosmopolita, que atravessa fronteiras culturais particulares, própria de um mundo que se conecta, através da mídia, a um cardápio muito similar de produtos culturais. A ideia de uma comunidade de leitores faz muito sentido em relação à obra de Hornby, especialmente no caso de Alta Fidelidade (1998), que traz, em seu próprio enredo, a composição de uma espécie de confraria de aficionados pelo pop. O personagem principal do livro, o trintão Rob Fleming, dono de uma loja de discos pouco badalada, acaba de terminar um relacionamento com Laura, o que se torna um mote para ele analisar, através de uma overdose de referências à cultura pop, o estado da sua vida como um todo. Junto com seus dois empregados na loja, passa o dia a ranquear (os “Top Cinco”) músicas, filmes, livros e relacionamentos que importaram em suas trajetórias. A música pop atua como moduladora da subjetividade do personagem: parece impossível para ele separar seu self do pop. Fleming passa boa parte de seu tempo com dois outros funcionários elencando e ranqueando artigos do pop, especialmente da música, em um exercício que mescla memória afetiva, julgamento crítico e irônico, que vai além da ideia de preferência pessoal a respeito de artigos culturais e fomenta a própria construção do seu “eu”, onde o sujeito fala através de outros. Em Juliet Nua e Crua, com o personagem Duncan Mitchel, Hornby parece radicalizar essa proposta, descrevendo-o assim:

Ele era especialista em cinema independente americano dos anos setenta e em romances de Nathaniel West, e estava desenvolvendo uma bela linha nova nos seriados televisivos do HBO (achava que estaria pronto para ensinar The Wire num futuro não muito distante). Por comparação, porém, essas coisas não passavam de namoricos. Tucker Crowe era o seu parceiro de vida. Se Crowe morresse (morresse na vida real, ou seja, não apenas criativamente), Duncan seria o primeiro a vestir o luto. (HORNBY, 2010, p.12)

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Tanto em Alta Fidelidade quanto em Juliet Nua e Crua o sujeito se reconhece e é representado por outros, uma espécie de voz pop que articula suas ações e particularidades, e através desta voz, busca uma espécie de singularização, já que o seu pop não é o mesmo de outros. Os caminhos encontrados, em ambos os casos, para buscar essa diferenciação, passam pela visão crítica imbuída nos personagens, como se apenas o conhecimento enciclopédico e o envolvimento profundo com a música pop autorizasse alguém a falar por e em nome dela. No caso de Alta Fidelidade, nota-se que os personagens assumem o papel de guardiões do pop que “vale a pena” – um comprador deseja um disco de Stevie Wonder e é espantado da loja por supostamente ofender os funcionários com seu “gosto horroroso” (HORNBY, 1998, p.52) como se eles realmente fossem os autênticos juízes do gosto, um papel desde sempre assumido pelos críticos culturais. Essa passagem de Juliet Nua e Crua joga luz sobre esta leitura:

De alguma forma, Juliet Nua e Crua lhe dera ideias sobre arte, trabalho, seu relacionamento, o relacionamento de Tucker, o apelo misterioso do obscuro, homens e música, o valor do coro numa canção, o propósito da harmonia a necessidade da ambição. Toda vez que ela terminava um parágrafo, o próximo aparecia à sua frente de maneira espontânea, exibindo uma estranha incoerência com o último. Annie finalmente decidiu que um dia tentaria escrever sobre algumas daquelas coisas, mas isso não poderia ser ali, nem naquele momento; ela queria que o ensaio fosse sobre os dois discos, com a imensurável e inquestionável superioridade de um sobre o outro. E talvez sobre o porque as pessoas (ele) ouviam essas coisas e o que isso dizia sobre elas. E talvez... Não. Já era o bastante. (HORNBY, 2011, p.47)

Essa passagem acima de Juliet Nua e Crua é um dos momentos de maior intensidade dramática: Annie, esposa de Duncan, escreve uma resenha sobre um álbum do artista favorito do marido, para uma comunidade especializada na Internet, e percebe que, de alguma forma, tal álbum lhe dera “ideias sobre arte, trabalho, seu relacionamento, o relacionamento de Tucker, o apelo misterioso do obscuro, homens e música, o valor do coro em uma canção, o propósito da harmonia e a necessidade de ambição.” (HORNBY, 2010, p.47). Elencam-se critérios relativos a uma possível crítica musical (harmonia, coros) com a percepção nítida de que a análise da música, na realidade, a leva a pensar em sua própria subjetividade (o obscuro, a ambição). Essa relação entre reconhecimento dos personagens com o pop, e sua representação através do pop, é substrato fundamental na composição narrativa de Hornby: sua literatura é farta de exemplos nesse sentido. A julgar pelo restante de sua bibliografia, podemos acreditar 109

que parte de seu desafio como romancista foi justamente o de tentar “botar as coisas pra fora”, pensar a capacidade não apenas da música, mas do cinema, das séries televisivas e da literatura de nos decodificar, de forma verbal, textual, imagética, através de uma linguagem pop. Portanto, a literatura de Hornby parece querer se assumir como um espelho do contemporâneo, tomando esse papel afirmando que em sua ótica literária não pode ser contrária ao pop e inadaptável aos acontecimentos recorrentes da cultura midiática. Em um dos “instantâneos”, que Sarlo (1997) usa para mapear a variedade disponível de tipos artísticos contemporâneos, ela ficcionaliza alguns sujeitos; tipos possíveis de se representar as diversas possibilidades de subjetivações mediadas pelo pop. Algumas características elencadas em seus personagens têm paralelos nos sujeitos representados por Hornby. Diz de um sujeito que “leu histórias em quadrinhos e viu televisão durante toda a sua infância. Lembra-se de todos os jingles, todos os episódios dos seriados americanos e sabe de cor falas de telenovelas que os próprios roteiristas esqueceram”, e que isso também seria substrato suficiente para a produção de uma obra artística, afinal ela hoje

(...) cruza e interpõe faixas bem diferentes: cultura de massa, grandes tradições estéticas, culturas populares, a linguagem mais próxima do cotidiano, a tensão poética, dimensões subjetivas e privadas, paixões públicas. Aí estão todas as pegadas, evidentes ou secretas, de experiências que todos compartilhamos, mas que, por alguma razão, só alguns homens e mulheres transformam em matéria de objeto estético. Assim transformadas, permitem um conhecimento e um reconhecimento de condições comuns; são o que somos, mas de maneira mais tensa, mais precisa, mais nítida e também mais ambígua. Uma distância (que é a forma estética) possibilita ver mais. Ninguém é obrigado a viver a situação em que a arte nos coloca. Entretanto, por princípio, ninguém está dela excluído. (SARLO, 1997, p.126)

Mas, como, ela mesma justifica, esses instantâneos tratam de somatizar características encontráveis por aí, em nome da “diversidade da espécie humana” (SARLO, 1997, p.127). E uma qualidade elencada por ela para este suposto artista contemporâneo nos possibilita uma conexão interessante (e discordante, no nosso ver) com um lado importante na obra de Hornby, expresso em seus personagens: o lado crítico. Se o sujeito moldado por Sarlo (1997, p.127) “de música popular, pouca coisa desconhece, e não tem qualquer preconceito quanto a uma hierarquia de gêneros, canções ou intérpretes: gosta dos melhores e dos piores”, os personagens de Hornby têm um traço singularizante, de posicionar suas preferências de modo bastante nítido. Portanto a noção de crítica, presente na etimologia da palavra sensibilidade

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feita por Williams nos interessa para mapear uma característica fundamental dos personagens de Hornby nas obras analisadas. Rob Fleming, de Alta Fidelidade, passa a maior parte de seus dias acompanhado de dois funcionários (Barry e Dick), em uma loja ausente de clientela. Eles compensam a falta de compradores (que, quando aparecem, são sempre “com óculos de John Lennon, jaquetas de couro e braçadas de sacolas de compras quadradas” (HORNBY, 1998, p.39)) gastando o tempo com intermináveis discussões a respeito de gostos pessoais - geralmente ligadas a produtos da cultura pop, como discos, filmes, séries e livros. Um dos passatempos favoritos é, como dissemos, listar preferências, em um movimento que batizam de Top Cinco, um ranking onde classificam suas predileções em determinado assunto. Aliás, a descrição que Rob faz de si mesmo, logo no início do romance, já contem um Top Cinco:

Eu sou o que? Médio. Um peso médio. Não o cara mais esperto do mundo, mas seguramente não o mais tapado: li livros como “A Insustentável Leveza do Ser” e “O Amor nos Tempos do Cólera”, e os compreendi, eu acho (eram sobre garotas, certo?), mas não gostei muito deles; meus favoritos, os cinco melhores livros de todos os tempo são “The Big Sleep”, de Raymond Chandler, “Red Dragon”, de Thomas Harris, “Sweet Soul Music”, de Peter Guralnick, “The Hitchhiker´s Guide to the Galaxy”, de Douglas Adams e, não sei, algo de William Gibson ou de Kurt Vonnegut. (HORNBY, 1998, p.30)

Como ele mesmo indica, trata-se de um sujeito ordinário, sem maiores habilidades ou dons especiais. Seu foco de interesse quase exclusivo são elementos da cultura midiática, que o rodeiam e são sua fonte de renda, como os discos. No final da obra, quando questionado pela namorada sobre as profissões ideais, faz um Top Cinco onde a única possibilidade viável (todas as outras são devaneios, impossibilidades como produtor de discos da década de 1960 ou jornalista musical dos anos 1970) é arquitetura – em quinto lugar, naturalmente – e ele não se mostra motivado a colocar em prática. Mas, definitivamente, ele é esse sujeito sensível na chave do cultivo, como remonta Williams (2007): trata-se de um grande colecionador de discos e um profundo conhecedor de cultura pop e é a partir de elementos dela que credita sua possível singularidade, como segue se descrevendo.

Minha genialidade se puder chamá-la assim, é combinar toda essa carga de medianidade numa estrutura compacta única. Eu diria que há milhões como eu, mas não há, na realidade: muitos caras têm gosto musical impecável, mas não lêem,

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muitos caras lêem, mas são gordos demais, muitos caras são simpáticos ao feminismo, mas têm barbas idiotas, muitos caras têm um senso de humor como o Woody Allen, mas se parecem com Woody Allen. (HORNBY, 1998, p.31)

O lado crítico também é muito presente em Rob e em seus comparsas, como no expansivo Barry. A primeira fala de Barry no romance (“Tudo em cima pessoal? Ei, Dick, que música é essa, cara? Isso é uma bosta” (HORNBY, 1998, p.42)) dá mostras disso. Barry se adequa à ideia do personagem flat sugerido por Forester (apud Woods, 2011, p.117), o tipo de figura dramática que “recebe um único atributo essencial, repetido de modo inalterável em todas as aparições no romance”, geralmente de caráter cômico e/ou caricatural. Já Dick, mais fechado, mais ambíguo, sensível, usa a cultura pop como saída para sua introspecção. É assim que Fleming descreve o tímido rapaz:

Na verdade, se eu fosse confessar algo de natureza remotamente pessoal – que eu tinha uma mãe e um pai, digamos, ou que quando mais jovem eu havia frequentado a escola – acho que ele iria só corar, gaguejar e perguntar se eu tinha ouvido o novo álbum do Lemonheads. (HORNBY, 1998, p. 40)

Se não exatamente de forma acadêmica, substanciosa ou formal, já que no geral o que fazem é enumeração, existe esse senso crítico como espécie de marca diferenciadora, como se a noção de pop pertencente a eles fosse diferente (e melhor) que os demais. Ao mesmo tempo que se veem na obra hornbyana mecanismos de argumentação crítica em relação à ideia de indústria cultural, ela parece também se filiar, se assumir como fruto desta, mesmo que a partir disso possa moldar um retrato geracional muitas vezes irônico, especialmente nos personagens adultos, mas “eternamente jovens” e viciados em cultura pop de suas obras

Personagem central de Juliet Nua e Crua (2011), Duncan possui paralelos (de proximidade e oposição) interessantes em relação às figuras representadas em Alta Fidelidade. Morador de uma cidade inglesa nortista, ele está cercado por um ambiente comum, ordinário, onde as grandes glórias estavam no passado, quando um tubarão encalhou na praia e os Rolling Stones tocaram em um cinema local, em 1964. “Goolness não era uma cidade sofisticada. Não havia cinema de arte, não havia comunidade gay, não havia nem uma filial da livraria Waterstone´s” (HORNBY, 2011, p.13), como é descrito na obra.

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Mas se, em Alta Fidelidade, os personagens estavam em um dos mais notórios centros de produção cultural do mundo, Londres, a despeito de suas rotinas cotidianas, em Juliet Nua e Crua , Hornby desloca a ação para uma cidade pequena, provinciana, mas que se mantém conectada com o resto do mundo através da internet e do próprio pop. É a rede, através de fóruns de discussão, das trocas de email, de sites como a Wikipédia (Hornby chega a “inventar” uma página deste site no romance), que proporciona o contato pop de Goolness com o resto do mundo. E que, de alguma forma, reflete o caráter cosmopolita, a possibilidade da construção de uma sensibilidade pop independer de fronteiras ou delimitações geográficas. Assim como os personagens de Alta Fidelidade, Duncan, parece se acomodar a isso – são as personagens centrais femininas que se incomodam (Laura em Alta Fidelidade e Annie em Juliet Nua e Crua) com seu status corrente. E ao mesmo tempo em que ele se apresenta como uma versão mais bem sucedida dos personagens de Alta Fidelidade (trata-se de um sujeito bem resolvido financeiramente falando, por exemplo) parece levar às raias do exagero essa noção de marca singular do pop. As coceiras existenciais que encontram abrigo em obras pop são muito próximas entre os protagonistas dos dois romances.

Certa vez, sentado à piscina do hotel na costa Amalfi, Duncan viu alguém que lia o mesmo livro que ele, uma biografia relativamente obscura de certo músico de blues ou soul. Algumas pessoas (a maioria, talvez) achariam isso uma coincidência interessante estranha que valia um sorriso ou um olá, talvez até mesmo um drinque e uma eventual troca de endereços de email; Duncan foi direto para o quarto, guardou o tal livro e pegou um diferente, só para evitar que o outro leitor quisesse falar com ele (HORNBY, 2011, p.28)

Em um diálogo entre o casal, Duncan amplifica essa busca por singularidade, já que assume desconfiar da opinião da “maioria das pessoas”, tentando se distinguir dos “outros”: “Ah, a maioria das pessoas. Nós todos sabemos o que a maioria das pessoas pensa sobre tudo. A sabedoria da porra das multidões. Jesus. A maioria das pessoas preferiria comprar um disco feito por um anão dançante de um reality show da TV” (HORNBY, 2011, p.37). Um trecho divertido que também dá mostras desta busca, é quando, em um bar, Anne encontra dois dançarinos de “soul nortista”. Ela percebe que, na verdade, o gênero pelo qual os rapazes se identificam é muito próximo com o tradicional soul norte-americano, popularizado pela gravadora Tamla-Motown. Eles discordam com os argumentos que de que “a maior parte das

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coisas de Tamla é famosa demais, sabe? (...) Não é rara o bastante. A coisa precisa ser rara.” (HORNBY, 2011, p.145). A questão se materializa em uma espécie de obsessão que ele mantém com um cantor e compositor norte-americano relativamente obscuro, Tucker Crowe. Ele era como outras poucas pessoas que “não haviam esquecido Tucker, que transformavam as canções dele em hinos que encerravam um tipo de orientação profundamente útil para praticamente tudo” (HORNBY, 2011, p. 109). Ele se define como “tuckercêntrico”, onde, como a esposa define, Tucker era seu marido (e ela conformada, “deveria ter se tornado a amante”). Para deixar visível esta relação, o romance se inicia com o casal em viagem pelos Estados Unidos, em busca de uma espécie de “arqueologia” do cantor, buscando os lugares que habitam a biografia e as canções de Tucker Crowe. Em San Francisco, a missão de Duncan é visitar a casa onde a musa inspiradora do mais famoso álbum de Crowe (“Juliet”) viveu. Essa busca é uma radicalização da ideia do turista e do cosmopolita pop; da dimensão mitológica que um produto pop pode causar. Annie, entediada, tem outros planos, que soam como uma discreta dicotomia entre alta e baixa cultura.

Tomando café da manhã no hotel barato e sórdido no centro comercial de San Francisco, Annie leu o Chronicle e decidiu que não queria ver a cerca viva que ocultava o gramado frontal da casa de Julie Beatty em Berckley. Havia muitas outras coisas fazer na área da baía. Ela queria ver Haight-Ashbury, comprar um livro na City Lights, visitar Alcatraz e atravessar a Golden Gate. No Museu de Arte Moderna, na mesma rua, havia uma exposição de arte da Costa Oeste no pós-guerra. Ela estava feliz por terem sido atraídos por Tucker para a Califórnia, mas não queria passar a manhã vendo os vizinhos de Julie decidindo se sua segurança estava ameaçada por eles. (HORNBY, 2011, p.14).

Outro lado exposto desta sensibilidade pop dos personagens é a crença nos mitos gerados por ela. A relação de Fleming com seus discos prediletos expõe, de alguma forma, que ali estão os sujeitos que ele gostaria de ser: heróis congelados em discos de vinis, a possibilidade que ele teria de se deslocar de uma existência ordinária para algo tão grandioso quanto a música produzida naqueles artefatos. Ele chega a falar em um sentido de identidade:

Hoje à noite, porém, estou a fim de algo diferente, de modo que tento lembrar-me da ordem em que os comprei: dessa forma espero escrever minha própria autobiografia, sem ter que fazer algo como empunhar uma caneta. Tiro os discos das prateleiras

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empilho-os pelo chão da sala toda, procuro Revolver, e sigo a partir daí, e quando termino estou inundado por um sentimento de identidade, porque isto, afinal, é quem eu sou. Gosto de poder ver como fui de Deep Purple a Howling Wolf em vinte e cinco movimentos (...). (HORNBY, 1998, p.53)

Duncan atravessa uma espécie de epifania, diante de um pôster antigo de seu ídolo, onde não conseguia se livrar do sentimento de que “estava vivendo a vida de outra pessoa, uma vida que era muito mais agradável do que a sua própria vinha sendo ultimamente, mas que não lhe servia, nem se encaixava nele” (HORNBY, 2011, p.102). Duncan, em certo momento, reconhece em referências pop aquilo que lhe faltava como sujeito, a paixão. Ele valorizava a paixão em sua música, seus livros, e seus programas de TV: Tucker Crowe era passional, e Tony Soprano também. “Mais tarde, Duncan se perguntou se ‘Juliet, Nua’ mexera de alguma forma com ele... fazendo com que acordasse, sacudindo alguma parte dele que ficara entorpecida” (HORNBY, 2011, p.84) E quando finalmente ele se percebe em contato com a paixão (quando se sente atraído por uma colega de trabalho), expõe seu encantamento pela originalidade dela (e do sentimento que acabara de descobrir) da seguinte forma: “Quer dizer, existe um monte de aspectos em que, sabe como é, você é diferente de um seriado de TV americano sobre a classe baixa de Baltimore” (HORNBY, 2011, p.86). Ou seja: ela possuía um “enredo”, uma classe de “personagens”, uma “trilha sonora” que despertaria paixão nele, assim como uma boa série televisiva. Ela causaria um impacto passional em Duncan comparável a uma grande obra pop: transfiguraria o banal.

4.3 Ambiguidade e ironia pop

Bem, eu gostaria que a minha vida fosse como uma canção do Bruce Springsteen. Pelo menos uma vez. Sei que não nasci para correr, sei que Seven Sisters Road não tem nada a ver com Thunder Road, mas os sentimentos não podem ser tão diferentes assim, podem? (HORNBY, 1998, p.133)

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Como percebemos, o romance moderno é uma escolha precisa feita por Hornby para mapear, literariamente, o mundo contemporâneo, mediado pelo pop. Com Alta Fidelidade e Juliet Nua e Crua, notamos que a escolha de Hornby pela linhagem realista do gênero se pauta por aquilo que Woods (2011, p.74) chama de momento típico do fazer literário, “um realismo que é artificial, mas que parece natural”. Não se percebe um tensionamento da linguagem (é difícil se comportar como um poeta lírico ou pós-moderno no romance, porque é necessário escrever através de outras pessoas) busca-se uma clareza narrativa que, naturalmente, facilita o encontro dos leitores em busca dos temas propostos pelo autor. Mesmo os registros vulgares, típicos de obras de maior radicalidade (onde a descrição do sexo é feita de forma menos apudorada, como uma forma de estender os limites temáticos e até linguageiros), como cenas de sexo, são – britanicamente, diríamos – substituídos por um atalho pop, como nesta passagem de Alta Fidelidade onde Fleming narra uma noite de relação casual:

E aí eu vou ao banheiro, e lavo os dentes; e aí volto; e aí fazemos amor; e aí conversamos um pouco; e aí apagamos a luz, e é isso. Não vou entrar nos outros detalhes todos no quem-fez-o-que-com-quem. Conhece “Behind Closed Doors” de Charlie Rich? É uma de minhas canções prediletas. (HORNBY, 1998, p.110)

Vale dizer que, antes dessa passagem, que narra (ou esconde) o ato em si, o escritor dá voz a Fleming em várias páginas, onde ele, em longo monólogo, descreve as dificuldades de se falar de sexo na cultura britânica. É uma mostra de que, interessado no que se diz e não em como se diz, Hornby não atua como um estilista do texto, e sim uma “estilista da renúncia”, como sugere Woods (2011 p.164) onde a riqueza de seu texto está no seu controle, e não na explosão verborrágica. Esse controle da linguagem é recurso típico dos romancistas realistas, mais calcado na ideia de reportagem realista, onde o foco é mais o registro do conteúdo, e menos o tensionamento da forma Mas, como no fazer jornalístico, a subjetividade se materializa na escolha destes detalhes, e são exatamente as escolhas de Hornby que nos trouxeram a essa pesquisa. Afinal, um romance e uma reportagem são tentativas de capturar uma porção editada da vida cotidiana. Mas esses gêneros não se furtam também de alguns jogos de linguagem, como a intertextualidade e a metáfora. No caso do primeiro, percebemos em excesso em ambos os romances, através de citações diretas de letras de canções, diálogos cinematográficos, 116

resenhas de discos, páginas da internet. Já o uso das metáforas para falarmos com Harvey (1992), um recurso tipicamente moderno, em contraponto à metonímia, típica dos pósmodernistas nos abre uma janela interessante de análise. Se acreditarmos, como Woods (2011, p.175) que, “toda metáfora ou símile é uma pequena explosão de ficção dentro da ficção maior do conto ou do romance”, podemos mesurar, através delas, o que esses dois romances de Hornby parecem dizer em relação ao pop, o posicionamento do escritor, como ele inscreve sua visão de mundo em torno dos personagens e do enredo das obras escolhidas aqui. Se a metáfora é a construção de novos sentidos a partir de uma palavra, uma expressão com a meta de sugerir uma comparação com outro conceito ou objeto e facilitar a sua compreensão, ela também porta novas possibilidades de ficção. A partir do momento em que pensamos as canções, citações de séries, diálogos cinematográficos como também ficções, a utilização que Hornby faz delas, dentro de seus romances atuam com metáforas para algo maior, para esse reflexo da realidade que chamamos também de pop. E assim também não é boa parte dos elementos que podemos elencar como formativos da ideia do pop? Quando um quadro de Warhol expõe a face de Elvis, previamente fotografada, estamos ali diante de duas ficções: o significado prévio daquela imagem (o rosto de Elvis simbolizando a cultura pop, a sociedade de consumo norte-americana), e a ficção criada posteriormente pelo artista, se você é o que você consome, esse rosto é também o que somos. Como apontou Eco (1979), o pop como uma metalinguagem que nos dava a direção para entender a linguagem da sociedade de massas. Quando Hornby tece seus romances através de uma overdose de citações, estamos dispostos ali a compreender uma série de ficções. Não seria o pop isso, basicamente metáforas para a nossa cultura popular midiatizada, consumível? Portanto, não é de estranhar o fato de Hornby comover uma comunidade de leitores, que se familiarizam não apenas com o pop, mas com o uso que se faz dele. O pop na literatura de Hornby é o “rasgo no jeans” a que se referia Fiske (2010). É o seu uso que o diferencia dos demais. E se os clichês são metáforas “sem brilho, mortas” (WOOD, 2011, p.176), muitas vezes o que se percebe nos romances de Hornby é a separação destes dois campos, uma tentativa de fugir das obviedades. A canção de Stevie Wonder, que gerou a expulsão do cliente da loja de discos de Rob Fleming, é na verdade uma metáfora morta, é um clichê, portanto é uma forma de separar, o cliente “subjugado” pelo pop dos vendedores singularizados por ele. É como se dissesse: “Aqui essa ideia de pop não se vende, não se compra, não se usa”. Nas 117

palavras de Barry, “aquilo” (a canção de Wonder) é uma “merda sentimental e brega (...). A gente parece o tipo de loja que vende uma porra de “I Just Called To Say I Love You”, hein?” (HORNBY, 1998, p.51). Se entre eles já existia uma desconfiança do grau de envolvimento e profundidade com o pop, uma pessoa de fora era facilmente julgada. Em um momento Top Cinco no que ranqueiam as melhores primeiras faixas do primeiro lado de discos, Fleming elenca nomes como The Clash, Nirvana, e Marvin Gaye, para indignação de Barry

Você não conseguiu fazê-la mais óbvia que isso? E os Beatles? E os Rolling Stones? E porra do... a porra do... Beethoven? Faixa um - lado um da Quinta Sinfonia? Você “devia ser proibido de ser dono de uma loja de discos”. E então discutimos se ele é um obscurantista esnobe - o Fire Engines que aparece na lista de Barry é realmente melhor do que Marvin Gaye, que não aparece? - ou se sou um bundão medíocre velho e chato. (HORNBY, 1998, p.125)

Duncan, de Juliet Nua e Crua é aficionado não por alguém como Dylan, Springsteen ou Lou Reed. O roqueiro criado por Hornby mantêm as características – a aura? – desses nomes consagrados, mas ainda assim não foi desgastado pelo tempo, pelo uso comum, pela hiperexposição midiática. Sua trajetória é envolta de mistério, de unicidade. Ao contrário: Tucker Crowe, para seus seguidores, é a vitória do pop, no sentido de que manteve sua autenticidade, seu caráter único, sua obra-prima intocável, não maculou sua carreira. De certa forma, é isso que conduz à louvação obstinada de seu pequeno, mas fiel, séquito de admiradores. Duncan inclusive duvidava que alguns de seus colegas admiradores de Crowe tivessem o mesmo grau de “entendimento” do ethos artístico do músico que ele.

(...) a maturidade emocional para apreciar a excitante perfeição de Juliet (que na sua visão era uma coleção de canções mais enigmática, mais profunda e mais completamente concebida do que a supervalorizada Blood On The Tracks; nem seria capaz de citar suas influências: Dylan e Leonard Cohen, claro, mas também Dylan Thomas, Johnny Cash, Gram Parsons, Shelley, o Livro de Jó, Camus, Pinter Beckett e Dolly Parsons no início. Mas as pessoas que não compreendiam tudo isso talvez olhassem para eles e decidissem, erroneamente, que eles eram similares sob certo aspecto. (HORNBY, 2011, p.21)

Mas, como apontamos anteriormente, Hornby parece guardar sua voz mais contestadora para as personagens femininas centrais nas duas obras. Woods (2011, p. 58) chama isso de “tensão básica do romance”, onde se estabelece a dúvida: “quem está 118

escrevendo essas coisas, o romancista ou o personagem?”. Outro exercício possível de se enxergar o “narrador” Hornby se assumindo, de alguma forma, em um de seus personagens, está novamente em um trecho em que Anne (curiosamente, uma das personagens mais sagazes de seus romances) diz em um email que já lera “ficção o suficiente para saber que são os detalhes que fazem uma história parecer real, e quem quer que tenha tido o trabalho de inventar tudo isso merece uma resposta mesmo assim” (HORNBY, 2011, p.78)

Se Annie ainda fosse professora, tocaria e confrontaria os dois discos para os alunos do último ano, a fim de eles entenderem que arte era fingimento. Claro que Tucker Crowe estava sofrendo quando escreveu Juliet, mas ele não podia simplesmente entrar num estúdio e começar a uivar. Pareceria maluco e patético. Ele tinha que acalmar a raiva, amansá-la e moldá-la para que fosse contida em canções compactas. (HORNBY, 2011, p.31)

É em Laura, de Alta Fidelidade, e especialmente, Annie, de Juliet Nua e Crua que percebemos o tom de ambiguidade que ele adota ao subscrever o pop. Ao longo dos dois romances uma questão fica nítida: as mulheres são mais maduras, mais centradas e menos infantilizadas. Ou seja: a obsessão dos personagens masculinos pelo pop sugere também uma evidente falta de conexão com o mundo das responsabilidades, alocado para a fase adulta da vida. E inclusive essa marca singular do pop passa a ser questionada por elas, como Laura, namorada de Fleming. Em uma discussão entre qual de dois artistas seriam melhores (o soulman Solomon Burke ou o folk singer Art Garfunkel), ela diz:

(...) e se me perguntassem qual dos dois era melhor eu indicaria Solomon Burke. Ele é autêntico, negro e legendário, e todo esse tipo de coisa. Mas eu gosto de “Bright Eyes”. Acho que tem uma melodia bonita e, fora isso, o resto na verdade não me importa. Há tantas outras coisas com que me preocupar. Sei que estou parecendo sua mãe, mas eles são apenas discos pop, e se um é melhor que o outro, quem se importa na verdade, além de você, Barry e Dick? (HORNBY, 1998, p.214)

Reside aí um momento chave neste olhar pop de Hornby. É quando ele nos questiona se a interioridade moldada nas obras pop dá conta realmente de quem somos. Como nos lembra Serelle (2013, p.?), o maior mérito da obra de Hornby está também nos momentos em que o pop falha, pois, “evidentemente, em uma canção de Bruce Springsteen ou em um ‘top Five’, não estão todas as escolhas possíveis e demandadas pela vida adulta, ainda que o 119

narrador não se dê, a princípio, conta disso”. Como Rob Fleming assume, em Alta Fidelidade: “Não é nenhuma surpresa o fato de sermos tão confusos, não é? Somos como Tom Hanks em ‘Big’. Pequenos garotos e garotas presos em corpos adultos, e forçados a lidar com isso.” (HORNBY, 1998, p 199). Hornby nos lembra (e talvez lembre a si mesmo também) que, apesar de todas as possibilidades de subjetivação propostas pela cultura pop, ela é também a dos tipos infantilizados, estacionados, imóveis pela mitologia proporcionada por estes signos.

Esses tipos infantilizados – “estacionados”, “congelados” ou “petrificados” na adolescência (...) nada mais é que uma forma de adiar a morte. Em face dela, na cena do funeral do pai de Laura, Rob Fleming parece compreender pela primeira vez sua recusa em estabelecer qualquer vínculo mais duradouro (...). A vida mediada pelo pop é então sustentada, no presente, em sua cadeia infinita de consumo, como contraponto à finitude. Nesse sentido, Alta fidelidade, a guisa de um bildungsroman, narra a crise da personagem e indica sua passagem, não para fora da cultura midiática, essa onipresente, mas em direção à uma maturidade conscientemente mais irônica – logo, menos coeva (SERELLE, 2009, p.129)

O próprio Fleming, em dado momento parece cair em contradição e repreende o colega Barry, que resolve montar uma banda e tocar rock n´roll: “Barry, você já tem mais de trinta anos. Você tem a obrigação, perante si mesmo e seus amigos e sua mãe e seu pai, de não cantar num grupo chamado Sonic Death Monkey” (HORNBY, 1998, p.245). De certa forma, ela está soando e confirmando a constatação dos seus pais, de que o pop seria algo imaturo, incompatível com um adulto. Essa questão, da desconfiança do pop como agente de subjetivação é veementemente ilustrada em Juliet Nua e Crua, na personagem feminina central, Annie. Em um dado momento, ela perde o interesse e a paciência por esta obsessão do marido e começa a desconfiar que essa dimensão grandiosa que ele aplica ao pop é apenas uma forma de compensar ou disfarçar um vazio de outras questões mais substanciais da vida. Nesta constatação, a personagem parece assumir uma espécie de voz interior do próprio Hornby, que parece jogar ali algumas questões que permeiam uma parcela significativa de seus personagens: uma delas parece ser a percepção ou até a provocação de que sim o pop (mas não qualquer pop, percebemos nas buscas por diferenciações de seus protagonistas) ocupa hoje um papel que já pertenceu a outros dispositivos culturais, pertencentes à chamada “alta cultura”.

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Podemos perceber isso inclusive no fato, colocado de forma discreta, de que a personagem Annie trabalha em um museu, e se vê às voltas durante todo o romance com uma exposição impossível de se montar, um evento que pretende recuperar o passado cultural da cidade. Mas “tudo que ela e Duncan conseguiram enxergar ali era falta de cultura, e ninguém pode colocar falta de cultura em um museu.” (HORNBY, 2011, p.127). Mas, uma vez constatado isso, o escritor parece expor em Annie uma voz questionadora:

Sempre pensara que o interesse apaixonado dele por música, filmes e livros mostrava inteligência, mas claro que aquilo não indicava nada disso, se constantemente ele entendia tudo errado. Por que ele estava ensinando aprendizes de encanadores e futuros recepcionistas de hotel a assistir à televisão americana se era tão esperto? Por que escrevia milhares de palavras para websites obscuros que ninguém lia? E por que estava tão convencido de que um cantor, a que ninguém jamais dera muita atenção, era um gênio capaz de rivalizar com Dylan e Keats?. (HORNBY, 2011, p.44).

A escolha de análise destas duas obras específicas, dentro da bibliografia hornbyana, não é acidental. Percebemos que existe uma espécie de diálogo interno entre suas narrativas, sua composição de personagens, e especificamente, na leitura do pop que Hornby parece fazer. A distância temporal com que elas foram publicadas inclusive nos permite aferir isso. Tanto Alta Fidelidade quanto Juliet Nua e Crua colecionam personagens semelhantes: de um lado, homens incapazes de dar conta de sua própria vida, homens que não se desvinculam em hora alguma do pop, homens que mitologizam ídolos midiáticos para encontrar uma espécie de brilho em suas próprias condições. Em diversos momentos de Alta Fidelidade, Hornby parece, por exemplo, expor sua opinião crítica a respeito de Barry, sujeito bronco, impaciente e cheio de razão. Barry, claramente favorecendo a possibilidade de um personagem em dúvida, inadequado, sensível, como Dick, um personagem complexo o suficiente para se aventurar fora dos padrões estabelecidos por Barry. É ele quem (e novamente o feminino aparece como diapasão da maturidade) consegue uma namorada que não necessariamente está

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atada às convicções de gosto do trio71. As mulheres são a verve crítica, bem resolvidas e questionadoras, em maior ou menor medida, deste molde adotado pelas figuras masculinas. Laura, de Alta Fidelidade, questiona essa opção. Numa discussão com o namorado Fleming, já como desfecho final (e feliz) da relação dos dois, eles retomam o porquê de estarem juntos, e discutem para onde irão dali para frente

-Você era DJ e eu achei você bacana, eu não tinha namorado e queria ter um. -Então você não estava nem um pouco interessada na música? -Bem, sim, um pouco. Na época, mais do que estou agora. Só que isso é da vida, não é? -Mas, veja bem... Isso é tudo que sou. Não há mais nada. Se perdeu o interesse nisso, você perdeu o interesse em tudo. Qual é o sentido de nós dois? -Você realmente acredita nisso? -Sim. Olhe para mim. Olhe para o apartamento. O que mais tem lá, fora os discos, CDs e fitas? - E você gosta que seja assim? (HORNBY, 1998, p.215)

Pensando nestas duas vozes – especialmente espaçadas temporalmente –, torna-se irresistível traçar um caminho que a própria sensibilidade pop de Hornby percorreu. Em Alta Fidelidade, percebemos um narrador que espalha e louva a paixão pelo pop em seus personagens. O livro tem um final “feliz”, onde Laura produz uma festa para Fleming celebrar sua paixão pelo pop (ou seja, sua paixão por si mesmo, pelo que ele é) onde eles remontam o cenário que os fez ficarem juntos, o clube noturno onde Fleming costumava discotecar. No recinto, “ (...) há uma atmosfera de festa autêntica, um clima de celebração tipo aproveitaenquanto-é-tempo genuíno.” (HORNBY, 1998, p.258). O uso da palavra genuíno nos parece

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Pensando na época, e trabalhando hornbyanamente, me atrevo a dizer que Barry foi inspirado em artistas como o Oasis, prepotentes e representantes de uma cultura “lad” típicamente britânica, um louvor a atitudes grosseiras, claramente machistas, bastante perceptíveis (e muito populares, vale dizer) nos famosos hooligans, os torcedores de futebol. Já Dick seria a personificação de uma postura contrária adotada no mesmo período, de grupos mais singulares como o Belle And Sebastian. Mais tarde isso seria amplificado em bandas como Coldplay, Travis, Keane etc. É o pop sensível, menos masculinizado e agressivo, de tons francamente femininos. Vale ressaltar que essa sensibilidade não é um característica exclusiva do feminino, apesar de comumente ser lida como tal, em romances, músicas, séries televisivas. É uma noção construída culturalmente do feminino, que me parece pertinente em relação às personagens femininas dos romances analisados.

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simbólico aqui, no contexto de uma singularização pop, assim como a referência a festejar “enquanto é tempo” sinaliza que, Fleming sabe, um dia estes homens terão de crescer. Já o desfecho de Juliet Nua e Crua se dá com uma série de acontecimentos: um deles é a tão aguardada exposição no museu na cidade, recolhendo restos do passado glorioso de Gooleness. A presença de Tucker Crowe no evento inspira Annie a ironizar a situação, parafraseando a notória declaração de Andy Warhol.

Certa vez Annie ouvira dizer que, no futuro, todo mundo seria famoso para quinze pessoas. Em Gooleness, onde Tucker Crowe dormia no quarto de hóspedes, e Gav e Barnesy eram convidados para inaugurar uma exposição, o futuro já chegara. (HORNBY, 2011, p.247)

Em Juliet Nua e Crua percebemos o que parece ser um narrador em crise, desconfiado o suficiente desta potencia pop para montar um final enigmático, lacunar e que, ao contrário da volta às origens proposto em Alta Fidelidade, sugere mudanças, olha para o futuro. Coincidentemente contrapondo um lugar desgastado (“É assim que fala a Inglaterra, e ela não suportava mais ouvir aquilo” (HORNBY, 2011, p.267)) para uma possibilidade de ir para um lugar melhor nos Estados Unidos, como notamos, desde a arte pop, uma obsessão dos britânicos. Sua noção parece ter se modificado. Annie dispensa o mito em torno de Tucker Crowe para conhecer o homem por trás daquela idolatria toda: a terceira pessoa, “Tucker Crowe, recluso semi-lendário, criador do maior e mais romântico álbum de ruptura já gravado” (HORNBY, 2011, p.213) e ao mesmo tempo um sujeito em crise consigo mesmo e com as representações que fizeram de si. Como se dissesse: “Ele é feito como nós”. Como uma obra pop: ordinária, cotidiana, dessublimada, mas ainda assim passível de admiração e, porque não? valoração artística. É essa voz que está sintetizada em Duncan, já no final do romance.

E embora você possa pensar que nós somos... somos esquisitos como pessoas, nós não somos, necessariamente, os piores juízes do mundo. Nós lemos, assistimos a filmes, pensamos e eu provavelmente estraguei as coisas com a resenha idiota que fiz de Nua e Crua, que foi escrita no momento errado e por motivos errados. Mas o álbum original... Você chega mesmo a saber como ele era denso? Eu ainda não o destrinchei inteiramente, acho que não, mesmo depois de todo esse tempo. Não finjo que entendo o que aquelas canções significaram para você, mas são as formas de expressão que você escolheu, as alusões, as referências musicais. É isso que torna o álbum uma obra de arte. Na minha opinião... (HORNBY, 2011, p.239)

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Mas, já no epílogo, temos uma nova troca de impressões críticas sobre o novo álbum de Tucker Crowe, chamado “Então, onde estava eu?”, depois de anos sem gravar nada. Duncan e seus colegas trocam mensagens no grupo virtual, e se mostram completamente insatisfeitos com o que dizem ser um trabalho solar, positivo, ou seja, “uma grande tragédia”, concluindo que o álbum deveria se chamar “a felicidade é veneno”. Um deles chega a assumir que “ansiara por um novo álbum de Tucker Crowe praticamente todo dia por vinte anos, e agora eu fico desejando que ele tivesse continuado recluso.” (HORNBY, 2011, p.269). Uma única opinião é discordante, e a transcrevemos aqui:

Oi galera! Sou marinheira de primeira viagem, ou o que quer que vocês chamem isso na internet! Eu e meu marido vimos recentemente o álbum “Então, onde estava eu?” de Tucker Crowe, e ficamos absolutamente apaixonados por ele! Encontramos um outro chamado “Juliet”, mas é um pouco deprê para o nosso gosto! Será que vocês poderiam recomendar outros discos dele, para que possamos apreciar? (HORNBY, 2011, p.269)

Trata-se de uma novata que é respondida com uma mensagem desaprovadora (“Meu Deus!”). Nessa troca de mensagens final, Hornby parece sintetizar algumas das questões colocadas no romance. Os fãs de Crowe, em especial Duncan, não aceitam aquele “novo” artista, que reapareceu depois de anos: feliz e bem-resolvido. Esse artista é “fácil”, é consumível por qualquer um, inclusive para “marinheiros de primeira viagem”. O que vale é o disco “deprê” do artista obscuro. E talvez seja neste momento, que a tal “vitória” do pop é contestada por Hornby. A aura de seriedade que perpassa a obra de Crowe - e em qualquer obra pop - é no mínimo problemática, pois vai justamente contra seu aspecto imediatista, rasteiro, de fácil consumo, cuja maturidade é, como vimos em Hornby, a despretensão. E a valorização de uma obra “despretensiosa”, leve vem do comentário de uma pessoa que está casada, dividindo as suas reações com relação ao álbum com seu marido. Está, além de qualquer reação profunda com a obra, apenas a consumindo. “Juliet”, que gerou tamanha devoção de Duncan, também causou sua separação, sua infelicidade, especialmente a partir de discussões sobre aquela obra com sua esposa Annie. O que sobrou para ele, depois de toda a densidade aludida e celebrada anteriormente, foi debater a obra de Crowe em redes virtuais, com colegas que ele mesmo suspeita de que sejam 124

realmente autênticos. A inversão de valores é, de certa forma, estonteante: o pop pode me subjetivar, mas não por completo: a “maturidade” está em entender que o pop é apenas um dos vetores de significação para a interioridade do sujeito. E assim Hornby não deixa respostas fáceis no final de um livro aparentemente consumível: essa ambiguidade é um dos maiores méritos de uma boa obra pop.

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5 CONCLUSÃO Estou falando de entender ou pelo menos sentir que entendo cada decisão artística, cada impulso, a alma do trabalho bem como a de seu criador. “Isso sou eu”, foi o que tive vontade de dizer ao ler o suntuoso, triste e adorável romance de Anne Tyler. “Não sou um personagem, não sou como a autora, não passei pelas experiências sobre as quais ela escreve. Mas, mesmo assim, é como me sinto por dentro. É assim que teria vontade de soar, se encontrasse uma voz (Nick Hornby)

Pensamos o pop como uma espécie de interpretação da cultura contemporânea, que poderia se situar na interseção entre o que Fiske (2009) analisou a respeito da cultura popular e o que Kelnner (1995) dimensionou como a cultura das mídias. Mas, para além de uma conceituação exata, que nunca foi o propósito desta pesquisa, interessou-nos observar o pop como linguagem, como possibilidade de subjetivação, a partir de uma sensibilidade moldada através das experiências que o sujeito contemporâneo tem em relação ao mundo que o circunda. Essa centralidade que determinamos ao pop se relaciona com a percepção que artistas capturaram em suas obras no ambiente das artes plásticas na segunda metade do século XX; está justificada pelos estudos da mídia e sua onipresença no tecido social contemporâneo; e se reflete de forma nítida na produção literária de um autor como Nick Hornby. Temos, portanto, arte, mídia e literatura atuando como reflexo da vida, capturando o presente, e produzindo ou espelhando estruturas autopoieticas. Uma obra filiada à arte pop, transfigurando o banal, os usos diferenciados dos objetos de consumo e a escrita consumível de Hornby são questões que parecem se alinhar. Seja pela urgência de um relato da realidade, seja pela ambiguidade por vezes irônica, por vezes densa, essas noções em caleidoscópio formatam uma possível ótica pop. E essa ótica se apresenta como uma cartografia necessária para se entender o que somos (e como o somos) no aqui e agora. Sintetizando uma das mais conhecidas frases tiradas de Alta Fidelidade, em um primeiro momento de análise, Hornby diz que o que importa é o que você gosta e não o que (ou como) você é. Livros, discos, filmes, essas são as coisas que importam. Trata-se de uma possibilidade radical de existência, bastante afiliada com o pensamento dos artistas pop no campo das artes visuais: você é o que você consome. É essa vida, também pautada pelo consumo, que é retratada fartamente por Hornby. Como escritor ficcional, Hornby parece buscar o que Woods (2010, p.210) chama de vida animada, lifeness, “a vida na página, a vida que ganha uma nova vida graças a mais elevada capacidade artística”. E a vida que Hornby espelha é mediada pelo pop, e, nesse sentido, ele avança, como um comentarista social, buscando em sua trajetória literária traduzir 126

o sujeito contemporâneo, ficcionalizando o cotidiano e dimensionando uma possível sensibilidade pop através de seus enredos, seus personagens, seus diálogos. Como dissemos, o romance de Hornby pretende-se, ao modo realista, uma janela transparente, que dê a ver o mundo contemporâneo, em sua ordinariedade que, como, já havia proposto a arte pop cinquentista e sessentista, não pode ser descrita e compreendida sem os artefatos da cultura midiática, e é a partir desta cultura, hegemonicamente instaurada no mundo de hoje, que recolhemos uma noção possível do pop. O que ele faz, portanto, é dar voz a este contexto, em suas possibilidades e contradições. Como propõe, hoje, também Lethem (2012, p. 124), se Dickens utilizava-se dos signos de seu tempo, “referências tópicas, comerciais e condizentes com sua época”, o romancista atual deve necessariamente lidar com esse mundo que é “uma casa atravancada de produtos da cultura pop e de seus emblemas”. Nisso, o thingsm, de que fala Brooks (2005), ainda não foi superado. Hornby maneja sua literatura como um instrumento de lembrança de uma possível consciência coletiva, de coisas, produtos, objetos disponíveis no mundo de consumo. Esses objetos pop não são, contudo, simples ornamentos ou supérfluos para se atingir um efeito de real, mas expressões na e da cultura que perfazem esses atravessamentos entre uma interioridade pretendida e sua dissolução afetiva no cosmopolitismo. A experiência do pop, capturada em canções, filmes, conteúdos midiáticos, gera uma sensibilidade, subjetiva o sujeito. E assim como a canção pop, o gênero do romance realista parece ideal ao autor no diálogo com a sociedade contemporânea midiatizada através de um recorte específico. Se “a arte escolhe e molda”, mesmo respeitando a “verdade e a veracidade”, como sugere Wood (2011, p.205) a respeito da descrição realista, a proposta desta pesquisa foi também entender como Hornby examina a atuação do pop hoje através dos “detalhes tipicamente triviais” (WOOD, 2011, p.198). Esses detalhes podem ser percebidos, no caso de Hornby, nas referências à mídia que atuam como chaves de entendimento de sua obra, indo além da “ordem mimética” (WOOD, 2011, p.200), a simples representação da realidade. O papel do pop na escrita hornbyana vai além de assegurar um contato próximo com a realidade que vivemos. Ele não apenas a descreve: de certa forma, a vida modulada pelo pop é seu tema central. A literatura, instância narrativa que tem se colocado, tradicionalmente, como externa ao campo midiático, mas que, no momento, passa também, em alguns casos, a midiatizar-se ou a incorporar o midiático como matéria candente, configura-se como espaço que permite essa aproximação de uma realidade, sem se confundir com ela, desvelando, assim, nuanças da vida midiatizada. (SERELLE, 2009, p.134).

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Portanto, a proposta da pesquisa não foi validar as qualidades literárias (ou a ausência delas) na obra do escritor, a questão foi pensar em como, de que forma, , e sim pensar nas formas como suas narrativas trazem realidades à mente. A partir disso, analisar a e na capacidade de representação destas realidades em seus romances, na produção de um discurso através do diálogo entre uma forma moderna (o romance realista) e produtos e manifestações linguageiras contemporâneos constituintes do pop. É significativo que, em um de seus textos ensaísticos sobre a canção pop (a análise que ele faz sobre a canção “Smoke”, de Ben Folds Five, em 31 Canções), Hornby recupere o argumento que a compara ao próprio romance, no sentido em que ambos – a canção e o romance – já teriam alcançado sua forma ideal. O autor reivindica, assim, um olhar atento para aquilo que é simples e sofisticado, podendo se desenvolver no interior de formas já estáveis na cultura – que, acreditamos, é o caso da própria ficção de Hornby. E, como sinalizamos no início desta pesquisa, o pop está também estabilizado em nossa cultura, nos parece algo já entronizado em nossa sociedade. Justamente por isso nos propomos a buscar uma noção, através de seus usos. Porque, concordamos com Hornby, através dos personagens de Alta Fidelidade, que estes objetos espalhados cotidianamente pelo mundo, dão conta de quem somos, do que somos: modelam e modulam uma sensibilidade particular. Nossas escolhas também definem o que somos. E, embora Hornby não conceitue essa sensibilidade pop, ele discorre freqüentemente sobre ela, na condição de amálgama, forma de pertencimento. O pop nos molda e nos diferencia, pois há nele comunidades de gostos e valores. Mas também nos sutura, ainda que momentaneamente e ainda que resistamos a isso. Em uma bela passagem de “31 Canções” (2005), onde ele se debruça sobre o hit “I´m Like a Bird”, da cantora Nelly Furtado, Hornby ilustra com precisão esse reconhecimento do pop como descartável, porém com capacidade de nos soldar:

Seja como for, um dia desses eu estava sentado na sala de espera de um médico, quando, de repente, quatro garotinhas afro-caribenhas que aguardavam pacientemente enquanto sua mãe consultava engataram na canção de Nelly Furtado. Elas sabiam a letra com exatidão, faziam uns passos de dança e cantavam com enorme entusiasmo e prazer e gostei que tivéssemos algo em comum temporariamente; senti como se todos nós vivêssemos no mesmo mundo e isso não é algo que aconteça com muita freqüência. (HORNBY, 2005, p.25)

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O que nos chama a atenção, entretanto, é a trajetória que o escritor traçou no sentido de vetorizar essa percepção do pop. Após o reconhecimento e a representação desta centralidade do pop, em Alta Fidelidade, ele estabeleceu, como mostramos a partir da análise de sua bibliografia, uma narrativa particular, com uma assinatura forte e de temáticas interligadas. Mas ele parece chegar a Juliet Nua e Crua se questionando: Qual seria o “uso” adequado das canções, filmes e livros que tanto perfazem nossa consciência? Se existe certa complacência, até mesmo uma espécie de celebração, em relação ao imaturo Rob Gordon, protagonista da obra de 1998, o que percebemos no romance de 2011 é um tom bem mais sombrio, questionador, diante da relação dos personagens com o pop, especialmente com Duncan. Não parece coincidência que, se contrapormos parte das críticas literárias que encontramos a respeito das duas obras, encontraremos um tom festivo em relação ao primeiro, como que saudando um autor que fale de forma positiva da cultura pop; já Juliet Naked foi recebido com certa dose de estranhamento, como se perguntassem: “O que foi feito daquele autor pop?”. Hornby parece responder, se questionando na obra, o que foi feito de nós, que depositamos todas as nossas expectativas de futuro ao ritmo de uma grande canção, no enredo de um filme bem feito, no episódio mais divertido da melhor série televisiva. Existe um reconhecimento da precariedade da vida mediada pelo pop, uma insatisfação latente. E historicamente, como apontamos, essa ambiguidade, esse caráter duvidoso presente nas obras pop, nos deixa irresistivelmente tentados a filiar a obra de Hornby como um objeto pop em si: denso, potente, pleno de significações abertas, “disfarçada” em um romance facilmente transposto para (e pela) indústria cinematográfica hollywoodiana, por exemplo, mas que guarda em si o fator trickery, apontado por Fiske (2010), a capacidade de significação que vai além das leituras fáceis ou aparentes. Como notamos, com Huyssen (2002) a ideia de pop foi recebida de formas diferentes, impossibilitando um fechamento exato de sua condição. Culpe-se a isso, talvez o profundo caráter ambíguo das produções que recebem essa chancela , como aponta Serelle (2009, p.133) “afinal, de que modo interpretar, se como crítica ou conciliação, essa aproximação com o imaginário e os objetos do cotidiano de uma cultura de massa?” Permitindo-nos um paralelo talvez grosseiro, os dois romances poderiam ser analisados numa chave próxima ao que vemos nas obras pioneiras da arte pop: algo que, a partir de uma primeira aparência afirmativa, celebratória, pode revelar aspectos importantes e críticos do meio em que estamos inseridos, na nossa relação de dependência com a mitologia

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tanto da arte quanto do consumo. E concluirmos, surpresos, de que o pop não dá conta de tudo. Tomando estas duas obras como um arco analítico de sua literatura, percebemos que está traçada uma linha de pensamento que, até agora, deixa nítida a noção de pop percebida pelo autor. Se, no primeiro romance, ele situa e defende a possibilidade de analisar o frívolo com seriedade, no segundo ele parece desconfiar da seriedade frívola com que alguns personagens se entregam ao jogo pop. Ele parece, através de seus personagens, dizer-nos que o pop é uma linguagem possível, mas não pode ser única. Como assume em uma passagem de 31 Canções, “talvez a descartabilidade seja um sinal da maturidade pop, um reconhecimento de suas próprias limitações, em vez do contrário”. (HORNBY, 2005, p.25) O que ele parece tensionar, especialmente com Juliet Nua e Crua, é que este repertório de signos da cultura midiática pode sim acompanhar a maturidade dos sujeitos, se a notarmos como mais uma possibilidade de significação. O tom desiludido que marca o romance parece atentar para uma nova questão: será que o que importa é mesmo do que gostamos, e não realmente que somos? Trata-se de uma inversão do pensamento que permeia os protagonistas de Alta Fidelidade. Depois de revelar em suas narrativas, que o caráter (apontado muitas vezes como efêmero) do pop parece buscar certa permanência, atuando como uma espécie de linguagem, um sistema de reconhecimento do mundo, ele parece desconfiar desta possibilidade de completude. A ideia de maturidade é uma questão que ronda permanentemente os personagens das duas obras. Natural, portanto, que Hornby sinalize também esta maturidade pop, uma consciência de que esta sensibilidade pop não dá conta de tudo, não garante uma completude ao sujeito, como se sinalizasse que há vida além dele: seja através de um relacionamento estável, de um trabalho de melhor remuneração, na crença em alguma figura religiosa. O sinal de “maturidade” pop está em percebê-lo como algo cotidiano e instransponível, porém está também em entender que este não pode ser o nosso único sistema de reconhecimento; é construir uma relação estável dentro dessa mediação que o pop faz entre sujeito e vida. A representação deste embate em seu último romance parece sinalizar uma próxima obra: o que naturalmente serviria de inspiração para próximos capítulos.

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