Dalila Pereira da Costa - curto ensaio sobre os \"Salmos\" de Stefan Dias

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Um curto ensaio sobre o livro de poesia “Salmos” de Stefan Dias (a.k.a. Slobodan R Stojanovic)

Dalila Pereira da Costa:

A Busca da Imortalidade

Há nos Salmos, como uma progressão conducente a uma meta, como numa Demanda. E onde começo se une ao fim. Desde os primeiros poemas, se apresentando os dados necessários para o atingimento dessa meta: por uma revolução interior, a única revolução verdadeira, porque fecunda, para transformação deste mundo, num novo mundo. Obra demiúrgica, cabendo aqui aos poetas, e ainda a seus leitores, como segundos seus criadores. A poesia surgindo nos nossos dias, como a forma em que muito preferentemente se manifesta a religião: tudo assim se aclarando, sua função sendo de religar o homem ao divino. Assim, só pela religião assumida, poderá vir essa revolução. Desde este mundo do quotidiano, de ódio, de juízes infames e carnificinas de crianças, cidades ensanguentadas, onde se esqueceu de suas doces cantigas, de todo o sofrimento – os poetas declaram: “nós, os filhos de ternura”, iniciaremos a luta contra o ódio, o demoníaco, por essa força do amor, sublimada; e “o termo da tradição não será ódio”. Assim também dissera João Guimarães Rosa, no Grande Sertão: “Deus é definitivamente; o demo é o contrário Dele”. “o Diabo vige mas não rege”. Nesta caminhada urgirá ver a morte em toda sua verdade: “Expressão da liberdade pode ser a morte”. Porque sua vitória maior é a abolição do tempo, tal “mar que dissolve o desmedido tempo”. Assim como anunciou o Anjo do Apocalipse. Aqui estará o fim da história e do seu sofrimento. E na longa caminhada, se unirá começo e fim; para além do tempo, por essa “mudança que sofrem os elos do nascimento”. Eis a suprema proposta ontológica e escatológica presente nestes Salmos. Abolição do tempo, devir terreno, que se vai tentar em dimensão pessoal, na corrente das gerações; e na corrente mais lata da história da humanidade. Assim primeiro, o poeta é consciente de sua pertença a uma herança de mães e mães incontáveis, mas onde nessa corrente, “fileira infinita / de reflexos femininos”, a memoria falhará fatalmente no longínquo passado, só podendo recuar e reconhecer até à penúltima dessas mães. Tão difícil é vislumbrar no destino da noite escura que se fecha no seu mistério. Nessa luta contra o olvido, crescendo no devir, o poeta vai usar uma força augusta: a memória; e esta ainda na forma sublimada, como anamnese. Agora, não mais nos limites duma história genealógica pessoal no tempo, mas na amplitude da história da humanidade, criando esses fantásticos Ecos da Antiguidade.

Stefan Dias, fascinado por essa força e nela confiante, dá-nos esses vários e vivos fragmentos dessa história, em lampejos súbitos, arrancados do abismo negro do olvido. Lembra-se. E nesse passado longínquo da humanidade mediterrânea, entre fenícios e cartagineses, para além da lógica e razão absolutilisada de Descartes, nessa anamnese e através da poesia, se dá uma ressurreição desses homens e seus errares sobre terras e mares; que só estavam esquecidos, mas não mortos para sempre. E aqui se evocará assim o percurso idêntico de Giambattista Vico. Porque “cada dia traz no reverso a sua própria memória”. Mas que necessita uma luta corpo a corpo, contra aquele que “resguarda / as verdadeiras respostas / em sua impiedosa sombra”. E nessa luta, tal como para o filósofo italiano, se vai mais longe que o poder da história, com essa subtilíssima luz da poesia. Porque o desejo do poeta será redimir o efémero, pertença do devir terreno. Por isso este seu livro se fecha pelos Salmos de Guilgamech, o herói sumério que surge na epopeia dos babilónios descendo ao fundo do oceano, e que sob o ensino do sages Utnapichtim, o único homem salvo do dilúvio, vai em busca da erva com espinhos que dá a vida, infinitamente. Mas aqui, o herói é mais prudente do que o sumério no seu acto falhado; sabendo que, nesta busca do Ser, do Absoluto, existindo no inacessível fundo de seu Mistério, quem busca é o mortal, o ser, no qual se dá a reintegração, como salvação. A meta, proposta no começo, foi atingida: unindo os contrários, na conjunctium oppositorum, foi realizado o acto supremo de reintegração do ser: sua salvação. Stefan Dias, “Absorveu o delírio do Sol (...) os corvos sinistros (...). Ao absorver a luz / e a sombra / espremeu o viço / de sua vida (...)”.

Dalila Pereira da Costa Porto, 23 – IV – 1998.

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