DANÇA CONTEMPORÂNEA: ESTÉTICA HEGEMÔNICA E HOMOGÊNEA

June 8, 2017 | Autor: A. Marques de Alm... | Categoria: Pesquisa, Teoria Da Dança, Dança, Dança Contemporânea, Trabalhos Academicos, Pesquisas
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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015

DANÇA CONTEMPORÂNEA: ESTÉTICA HEGEMÔNICA E HOMOGÊNEA Arthur Marques de Almeida Neto (UFPB/ PUC-SP)i RESUMO: Há traços na estética de processos e configurações artísticas da chamada "dança contemporânea” brasileira que têm encontrado estabilidade e se replicado. A premissa entende a dança como um sistema e, em uma perspectiva evolucionista, admite-se a ideia de que a afirmativa é explicada, justamente, porque é dado a qualquer sistema ou rede viva a necessidade de permanência. Entretanto, a operação de replicação ou reprodução de aspectos estéticos nessa linguagem artística parece ser agenciada por outros fatores que não apenas os determinantes evolutivos. A hipótese que essa pesquisa - em andamento - aventa para explicar o fenômeno da recorrência de elementos estéticos em trabalhos artísticos caracterizados como dança contemporânea, não desconsiderando o processo evolutivo, mas, para além dele, é que há dispositivos de poder que atuam no sentido de propagar essa vertente na dança como uma estética hegemônica, configurando similaridades em produções artísticas em dança que se nomeiam por "contemporâneas". PALAVRAS-CHAVE: Dança contemporânea. Biopolítica. Poder. Hegemonia.

CONTEMPORARY DANCE: HEGEMONIC AND HOMOGENEOUS AESTHETICS ABSTRACT: There are traces the aesthetic processes and artistic settings of the "contemporary dance" Brazil who have found stability and replicated. The premise understands dance as a system, and an evolutionary perspective, it is assumed the idea that the statement is explained precisely because it is given to any system or network alive the need to stay. However, the replication operation or reproduction of aesthetics that artistic language seems to be brokered by factors other than just the evolutionary determinants The hypothesis that this research - in progress - aim to explain the phenomenon of recurrence of aesthetic elements in artwork featured as contemporary dance, not disregarding the evolutionary process, but beyond it, is that there are power devices that act to propagate this aspect in dance as a hegemonic aesthetics, setting similarities in artistic productions in dance that are appointed by “contemporary”. KEYWORDS: Contemporary dance. Biopolitics. Power. Hegemony.

1 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 O presente artigo propõe que há certas regularidades estéticas nos processos e configurações artísticas na chamada "dança contemporânea” no Brasil que têm encontrado estabilidade e se replicado1. Entende-se a dança contemporânea como um sistema dinâmico e, em uma perspectiva evolucionista, admite-se que a estabilidade de traços estéticos acontece, justamente, porque é dado a qualquer sistema ou rede viva a necessidade de permanência. Entretanto, a operação corrente de replicação de aspectos estéticos dentro dessa linguagem artística parece ser agenciada por outros fatores que não apenas os determinantes evolutivos. A hipótese que se aventa para explicar o fenômeno na dança contemporânea da ocorrência de elementos ou aspectos estéticos que se repetem em trabalhos artísticos em todo o Brasil, processo esse não restrito a lugares específicos, é que há dispositivos de poder que atuam no sentido de propagar e estimular uma estética hegemônica da dança contemporânea, homogeneizando ou, em outras palavras, configurando similaridades ou recorrências em produções artísticas em dança que se nomeiam ou se reconhecem como

“contemporâneas”. Esse processo

hegemônico e homogeneizante resulta em biopolíticas2 contundentes, desde que a ação restritiva e reguladora que ele acarreta tem influências diretas no corpo que dança e nas produções artísticas. Dança como sistema Alguns pesquisadores em dança já a trataram, relacionaram ou a analisaram como um sistema através da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), a exemplo de Cleide Martins (1999). Os estudos que conectam a linguagem artística da dança com a TGS remetem ao trabalho do Prof. Dr. Jorge Albuquerque Vieira (2006), que se destacou como professor da PUC - SP e da Faculdade Angel Vianna (RJ), na qual continua atuando. 1 Replicar é repetir uma informação, ato sujeito, entretanto, às habituais transformações da informação original, diferente da noção de “cópia”. Essa noção de “replicação" está relacionada à Teoria do Meme, de Richard Dawkins (1979), que será tratada adiante. 2 De maneira sintética, biopolítica remete à ação do poder no corpo e as consequências políticas dessa ação. O conceito remete à extensa obra do filósofo francês Michel Foucault e, no presente estudo, ao trabalho do Prof. Dr. José Luiz Aidar Prado (2013), para onde os dispositivos comunicacionais são os agentes da ação do poder no corpo.

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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 Vieira (2006) discute a arte por um viés sistêmico. Ele defende que a arte é um tipo de conhecimento e trata-se de uma estratégia evolutiva e adaptativa da espécie humana; toma por base o pensamento de Mario Bunge (1979) apud Vieira (2000), para onde a TGS é uma forte candidata a uma Ontologia Científica, “[…] uma proposta que permitiria uma maior eficiência no tratamento das ciências a partir de suas raízes ontológicas” (VIEIRA, 2000, p. 11). Sinteticamente, Vieira (2000, p. 14) propõe que “[…] o conceito de sistema, em sua fundamentação ontológica, possa a vir lidar com sistemas de alta complexidade, onde Arte, Filosofia e Ciência mesclam-se, como em muitos sistemas culturais”. Os estudos de Vieira (2000) parecem ter encontrado, ao longo dos anos, muita ressonância. Prova disto, são os trabalhos científicos e artísticos que foram gerados a partir de suas proposições. Martins (1999) parte, por exemplo, do pressuposto de que a realidade é formada por sistemas, e que a dança pode ser vista como um sistema complexo, formada pelos subsistemas movimento e corpo+cultura. Ela explica que […] dentro do sistema dança, um corpo que dança recebe essas informações do sistema dança, que já está carregado de informações do mundo, informações estas que passam a ser internalizadas pelo corpo que dança. Esse corpo que dança manda informações para o sistema dança, que as manda para o mundo. Todo o tempo as trocas são permanentes entre o interno e o externo e é a isso que se chama de co-evolução. (MARTINS, 1999, p. 29).

O processo de internalizações de informações pelo corpo, e ele entendido como parte de um ambiente co-evolutivo onde ocorrem trocas incessantes de informações entre o externo e o interno, consiste em um pensamento que encontra lugar na Teoria Corpomídia, de Katz e Greiner (2005). O corpo entendido como mídia de si mesmo está sujeito às trocas de informação com o ambiente, em um processo co-evolutivo que não considera a ideia de corpo como recipiente, mas como algo que se apronta nesse processo. O trabalho da Profa. Dra. Helena Katz, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP e crítica de dança, também repercutiu nos estudos do corpo e da dança. Juntamente com a Profa. Dra. Christine Greiner, ela lança a teoria Corpomídia (KATZ e GREINER, 2005), a qual 3 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 desponta como uma importante contribuição para as pesquisas em dança. A teoria Corpomídia considera intrínseca a relação entre cultura e ambiente, atando ao viés evolutivo e sistêmico estudos do corpo, do movimento e da cognição, indisciplinarmente, com base em teorias da cultura, comunicação, semiótica, percepção e neurociências. Como uma premissa da teoria, o corpo, em movimento, é considerado matriz do processo de comunicação. Segundo as autoras, O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a ideia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação. (GREINER e KATZ, 2005, p. 131).

A teoria Corpomídia interessa na discussão presente. O entendimento de corpo que realiza trocas constantes com o ambiente, em um processo co-evolutivo, no qual as informações trocadas entre ambiente e corpo constituem um e outro, reciprocamente, é norteadora para entender como dispositivos de poder constróem suas relações com o corpo. Dança como meme: replicação e imitação como pressuposto evolutivo Desde a década de 1990, inúmeros foram os trabalhos acadêmicos e também artísticos que tiveram origem nos estudos do corpo e da dança com um pensamento sistêmico e evolutivo, considerando a teoria Corpomídia. Esta pesquisa também está embasada nesse viés teórico, desde que não há como desconsiderar a imensa literatura já produzida no campo de estudos do corpo e da dança. Assim, é pertinente discutir como aspectos políticos e de poder se infligem nas produções em dança, para além do comportamento já esperado ou determinante dos sistemas evolutivos e culturais, levando em conta o conceito de meme, forjado pelo etólogo, biólogo evolutivo e escritor Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, no seu livro O gene egoísta, publicado em 1976. O meme funciona como a unidade de transmissão

cultural,

uma

unidade

de

imitação

ou

replicação,

que

tem

funcionamento similar aos genes. Um meme é como um vírus e, de acordo com Katz (2005, p. 54): "Nós hospedamos e reproduzimos esses ‘parasitas informacionais’ 4 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 mediante toda a nossa produção cultural: artes, religiões, artefatos, tecnologias, tudo”. Uma definição sintética de meme pode ser “uma entidade capaz de ser transmitida de um cérebro para outro” (DAWKINS, 1979, p. 125). A passagem de um meme de um cérebro para outro ou sua transmissão está sujeita à mistura ou mutação contínua, desde que nada garante que uma ideia ou meme, quando passada de um cérebro para outro, permaneça com suas características primordiais. Daniel Dennett, no artigo intitulado The evolution of culture (2011), vai explicar a ideia de Dawkins assim como Katz (2006): a de que se pode pensar a propagação de itens culturais - ou memes - como vírus. Para Dennett (2011, p. 7, tradução nossa), Dawkins aponta que nós podemos pensar em itens culturais, memes, como parasitas também. De fato, eles são mais como um simples vírus do que como um verme. Memes são supostamente análogos aos genes, as entidades replicantes da mídia cultura, mas eles também têm veículos ou fenótipos; eles não são tão nús quanto os genes. Eles são como vírus.

Nesse aspecto, a propagação deles se dá como uma contaminação. O meme é basicamente feito de informação, que pode ser carregada em qualquer meio físico e, dentro dos exemplos que podem ser citados para a evolução e transmissão cultural, certamente os casos mais comuns são as inovações - que obviamente trazem benefícios diretos ou indiretos para os hospedeiros (DENNETT, 2011, p. 8 9). Sobre a propagação dos memes, vale considerar que “[…] no domínio dos memes, o último beneficiário em termos dos quais os cálculos finais de custobenefício devem se aplicar, é o próprio meme, não seus portadores” (DENNETT, 2011, p. 7). Como seres humanos, somos entidades culturais (DENNETT, 2011, p. 6). O ser humano é, em si mesmo, corpo/produto de negociação de informações que chegam e se cruzam com as informações que já estão no corpo. A compreensão da relação entre corpo e ambiente - natureza e cultura - está explícita no conceito do meme de Dawkins. Katz (2005, p. 54) explica que é necessário entender a relação entre genes e artefatos proposta por Dawkins para compreender como se processa a conexão entre algo que está dentro do corpo com

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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 algo que está fora. O corpo de um organismo e os artefatos que ele produz ou utiliza são resultados de um acordo entre os seus genes e o ambiente. Pode-se dizer que […] a grande novidade desta formulação reside na vinculação atada entre evolução humana e evolução tecnológica. Nós coevoluímos com os nossos artefatos. Genes que não conseguem produzir artefatos que atendam a essa realidade não sobrevivem. (KATZ, 2005, p. 54).

A produção cultural, dessa maneira, contribui na reprodução e hospedagem de memes. A dança, como um sistema cultural complexo e dinâmico, não opera de forma diferente. Importa entender, na perspectiva evolutiva que se apresenta, a ideia da permanência da dança contemporânea como um meme. Em se tratando de dança contemporânea, defende-se que a replicação de seus memes é assegurada pelo pressuposto co-evolutivo e sistêmico. A recorrência de aspectos técnicoestéticos na dança contemporânea resulta em efeitos hegemônicos e homogêneos, que, por sua vez, têm origem: Na própria ação evolutiva da dança, na situação glocal e, para além desses elementos, na ação auxiliar e não menos importante dos dispositivos de poder. Dança contemporânea: considerações sobre o termo A dança contemporânea tem conseguido, através de várias produções,

reverberar e estabilizar alguns traços estéticos. A evolução biológica e cultural nos termos do meme de Dawkins compreende a transformação e a estabilização. A chamada dança contemporânea é um meme que se replica e produz traços que, no processo evolutivo, estabilizam-se, a fim de permanecerem como uma estética reconhecível. Apesar das atualizações estéticas sofridas na dança contemporânea, é possível reconhecer, ainda hoje, memes da dança pós-moderna americana do Judson Theater (NADAI, 2009, p. 3). Na dança contemporânea brasileira, a recorrência de aspectos estéticos entre produções realizadas em diferentes lugares não é difícil de perceber. Este fenômeno pode ser confundido com plágio. Entretanto, adere-se ao pressuposto evolutivo e a teoria do meme de Dawkins para explicar esse efeito de repetição de elementos estéticos na dança contemporânea brasileira: a permanência dela como sistema é definida pela estabilização de aspectos estéticos que, gradativamente, a definem. 6 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 A definição ou categorização de trabalhos em dança contemporânea é algo passível de discussão, tanto no meio artístico da dança quanto no acadêmico. Jussara Janning Xavier, em O que é a dança contemporânea? (2011), propõe um olhar para a dança contemporânea na ordem do acontecimento, embasada, principalmente, no pensamento de Agamben e Deleuze e Guatarri. A autora diz que […] a contemporaneidade na dança diz respeito a uma atitude, um modo de percepção e existência, não limitada a uma produção técnica inovadora no tempo histórico presente. Tal entendimento nos permite a aproximação com realizações de dança datadas no passado, mas que continuam contemporâneas hoje, porque percebidas como acontecimentos. (XAVIER, 2011, p. 38).

Ana Maria de São José (2011) faz sua contribuição. A autora parte […] da hipótese de que existe uma variedade de significados e concepções conceituais para o termo dança contemporânea, pois identificamos como um campo de conhecimento, amplo, aberto, vivo, pleno de infinitas possibilidades de criação artística e, de processos em constante construção e transformação. (SÃO JOSÉ, 2011, p. 2).

Nessa acepção, o termo abarcaria uma infinidade de realizações. Discorda-se da autora, desde que não são infinitas as possibilidades de criação artística em dança contemporânea. Mas, concorda-se, entretanto, que o campo da dança contemporânea não é um território onde tudo se encaixa, sem parâmetros. Ainda segundo São José (2011), o termo dança contemporânea teria sido criado em 1926, por críticos da época, sendo utilizado na França, no Brasil e na dança pós-moderna nos Estados Unidos. Cabe, então, um breve comentário sobre o uso do termo no contexto americano. Na década de 1930, Martha Graham (1894 - 1991), uma das principais precursoras do movimento da Dança Moderna Americana, foi chamada de moderna pelo crítico de dança John Martin. A qualificação a irritou, desde que a coreógrafa defendia que sua dança era contemporânea: sua preocupação era dançar os problemas de seu tempo, em uma busca identitária pelo que seria uma dança verdadeiramente americana. Ainda, a escola fundada por Graham é chamada de Martha Graham School of Contemporary Dance (ALMEIDA NETO, 2009). Este fato pode ter algum impacto na (confusa) ideia que os artistas americanos fazem a respeito de dança contemporânea, tendo em vista a matéria 7 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 Modern Vs. Contemporary, de Victoria Looseleaf, publicada na Dance Magazine, em dezembro de 2012 (http://www.dancemagazine.com/issues/december-2012/Modernvs-Contemporary). A percepção confusa sobre dança contemporânea como acontece nos Estados Unidos é análoga à situação que ocorre no Brasil, mas talvez orquestrada por outras razões que não as mesmas do contexto americano. Ainda sobre esse item, questiona-se também a premissa de que na dança contemporânea não haja um modelo ou padrão de corpo ou movimento. Isto talvez tenha validade como uma utopia e pressuposto filosófico a ser (per)seguido; entretanto, o que se observa na dança contemporânea, no Brasil, é o que se defende aqui: a estabilização de padrões e/ou modelos, sejam eles de corpo, movimento ou mesmo das escolhas nos aspectos técnicos e/ou estéticos, além de uma sistematização ou acordo tácito de uma lógica da dança contemporânea. Diante do exposto, nota-se que tratar danças contemporâneas pelo termo dança contemporânea é complicado, desde que se concorda com São José (2011, p. 10) no sentido de que a dança contemporânea não existe, sendo impossível definir um único conceito para a multiplicidade de produtos. Admite-se que a contribuição de Xavier (2011) corrobora para um entendimento mais efetivo de um fenômeno dinâmico, ao invés de se assumir uma postura complacente e até confusa perante o termo, como se observa nos comentários de artistas americanos na matéria de Looseleaf (2012) para a Dance Magazine. Assume-se, então, o entendimento de dança contemporânea como um fenômeno dinâmico, e, nesse viés, cabe presumir o comportamento instável e complexo, próprio dessa organização. Para além da compreensão da dança contemporânea como sistema e como um fenômeno dinâmico e evolutivo, considera-se a atuação de dispositivos de poder. Esses dispositivos governam o desejo: auxiliam na ressonância de aspectos estéticos de produções artísticas em dança contemporânea, acionando nos produtores

de

dança

contemporânea

o

desejo

de:

identificação

como

artistas/produtores conectados com uma dança de vanguarda; de estarem na mira dos eventos, projetos de subvenção e/ou editais, desejo este gerado pela economia da dança, e de estarem na rede, cedendo às convocativas mediáticas que reverberam o meme dança contemporânea, identificados como produtores dessa 8 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 dança e, consequentemente, sujeitos à visibilidade mediática para fins de permanência e, ainda, para se beneficiarem da economia da dança. Por último, estes dispositivos de poder de identificação, econômicos e comunicacionais, definem relações hierárquicas na arte da dança, sob o suporte do biopoder,

que

atua

de

forma

hegemônica

e

homogeneizante,

excluindo,

paulatinamente, a contribuição de produções artísticas locais para o fomento da complexidade através das suas especificidades estéticas. O corpomídia (GREINER e KATZ, 2005) que dança resolve essas questões, construindo maneiras de lidar com o biopoder, muitas vezes, cedendo ao seu apelo, não desconsiderando a relação com o ambiente que o pressupõe como existência. (In)conclusões que geram questões O temor e a necessidade de pertencimento geram aspectos interessantes para se pensar a replicação de elementos ou aspectos estéticos nas produções em dança contemporânea, desde o movimento dançado a escolhas de elementos cênicos. A recorrência de padrões na dança contemporânea se distancia, aqui, da noção de plágio. O plágio é uma cópia de algo: é uma resolução de um produto artístico através da cópia de outro produto já existente. A noção de cópia por plágio, distancia-se, portanto, da noção de replicação ou imitação na perspectiva do meme de Dawkins (1979), uma vez que o processo de imitação é a base da evolução cultural, entretanto, o copiar nunca é um fazer igual. Parecendo concordar com Dawkins (1979), Adriana Bittencourt Machado, em sua tese intitulada O papel das imagens nos processos de comunicação: ações do corpo, ações no corpo (2007, p. 37), explica que […] uma ação do corpo não pode ser copiada, pode ser apenas refeita, dado o acordo permanente entre informações sempre comprometidas em rede e que incidem como representações e interpretações respectivamente.

A afirmação de Machado (2007) parece corroborar com o entendimento de corpomídia, onde o corpo, ao assimilar uma informação, a negocia com outras préexistentes, e isso incorre em duas possibilidades: a fixação ou a substituição de padrões por outros novos. Assim, para o corpomídia não há mera cópia de um 9 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 movimento. A possibilidade de cópia, para o corpomídia, está descartada - mas não se desconsidera uma intenção de imitação de um trabalho. Entretanto, o desejo de pertencimento e o temor da exclusão gerenciados pelos dispositivos de biopoder convocam a dança contemporânea como modelo a ser (per)seguido, indo de encontro ao aspecto do corpomídia único, incapaz de copiar um movimento. A eleição de um modelo para uma dança ideal, seja ela qual for, flui para a construção biopolítica de uma estética artística hegemônica que homogeneíza corpos, gestos e soluções estéticas, restringindo a ação criativa, comprometendo a diversidade. A permanência da dança contemporânea através da reverberação de seus memes poderia ser aceita naturalmente, desde que faz parte do processo evolutivo; entretanto, quando se dá a atuação de dispositivos de poder que privilegiam a dança contemporânea em detrimento de outras danças, levanta-se a discussão necessária sobre a biopolítica que rege esses dispositivos. Referências: ALMEIDA NETO, Arthur Marques. Appalachian Spring: política e poder na dança. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos Pós-graduados em Dança da Universidade Federal da Bahia. 2009. 120 fl. DENNETT, Daniel. The evolution of culture. In: BROCKMAN, John. (Ed.). Culture: leading scientists explore societies, art, power, and technology. New York/ London/ Toronto/ Sidney/ New Delhi/ Auckland: Harper Perennial, 2011. P. 1 - 25. DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1979. GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. 2a. Ed. São Paulo: Annablume, 2005. KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: Helena Katz, 2005. KATZ, Helena; GREINER, Christine. Por uma teoria do corpomídia. In: GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. 2a. ed. São Paulo: Annablume, 2005. P. 125 - 133. LOOSELEAF, Victoria. Modern vs. contemporary. In: Dance magazine. December, 2012. Disponível em: . Acesso em: 15 de abr.2015. 10 IV Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - ANDA 2015 http://www.portalanda.org.br/anais ISSN 2238-1112

ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança (e)m Política – Junho/2015 MACHADO, Adriana Bittencourt. O papel das imagens nos processos de comunicação: ações do corpo, ações no corpo. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica. Orientação: Profa. Dra. Helena Tânia Katz. São Paulo: 2007. 117 p. MARTINS, Cleide. A improvisação em dança: um processo sistêmico e evolutivo. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1999. 107 fls. NADAI, Carolina Camargo. Dança design. In: O mosaico. Rev. Pesquisa em Artes/FAP, Curitiba, n. 2, p.1-14, jul./dez. 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 abr.2015. VIEIRA, Jorge Albuquerque. Teoria do conhecimento e arte: formas de conhecimento, arte e ciência. Uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Jorge Vieira, 2006. ____. Organização e sistemas. In: Informática na educação: teoria e prática. Periódico do programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, do Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação-CINTED, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, V. 3, n. 1, p. 11 - 24, setembro, 2000. XAVIER, Jussara Janning. O que é a dança contemporânea?. In: O teatro transcende. Departamento de Artes – CCE da FURB. ISSN 2236-6644. Blumenau, v. 16, n. 01, p. 35 - 48, 2011. i Doutorando em Comunicação e Semiótica/ PUC-SP. Mestre em Dança/ UFBA. Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança/ UFBA. Licenciado em Dança/ Faculdade Angel Vianna (RJ). Professor Assistente do Depto. de Artes Cênicas/ CCTA UFPB. [email protected].

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