Dano moral e enriquecimento ilícito sob a ótica da economia

August 7, 2017 | Autor: Vitor Guglinski | Categoria: Direito Civil, Direito Do Consumidor, Responsabilidade Civil, Dano Moral
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DANO MORAL E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO SOB A ÓTICA DA ECONOMIA



Quando se fala em processos envolvendo pedidos de compensação
por danos morais, muitas decisões judiciais, como sabido no ambiente
forense, impingem condenações verdadeiramente irrisórias, atribuindo
valores inexpressivos em relação aos fatos apurados na via judicial.


O principal argumento de grande parcela dos magistrados ao
decidir ancora-se na proibição do enriquecimento ilícito e na existência de
uma "indústria" do dano moral, instalada após a consagração desse tipo de
reparação civil na CF/88, e potencializada com o advento do Código de
Defesa do Consumidor.


Em excelente artigo intitulado "A propósito do Dano Moral",
EDSON NELSON UBALDO - Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Cataria, nos brinda com algumas ponderações significativas sobre a
atividade empresarial no Brasil, registrando:


"Os maiores responsáveis pelos sofrimentos infligidos
às pessoas, em especial os grandes conglomerados
financeiros e comerciais, passaram a disseminar a
idéia de que a busca pela reparação de danos morais se
transformara em 'indústria' de ganhos fáceis. Essa
suposta verdade contaminou parte da magistratura. Não
só reforçou o argumento dos juízes mais conservadores,
que por razões ideológicas, inclusive de fundo
religioso, nunca viram com bons olhos o novo instituto
jurídico, como também serviu de freio aos mais
liberais, cujas sentenças passaram a ser reformadas
para diminuir os valores fixados. A avalancha de ações
reparatórias é o argumento mais usado para 'comprovar'
que o dano moral se transformou em 'indústria'. Nada
mais falso. O elevado número de pleitos mostra
exatamente o contrário, ou seja: a) o consumidor
brasileiro, antes desamparado e agora protegido pelo
CDC, tomou consciência de seus direitos, ao invés de
'queixar-se ao bispo', como antes lhe sugeriam bancos
e lojas, agora queixa-se ao juiz; b) os responsáveis
por produtos e serviços ainda não se convenceram de
que os tempos mudaram e continuam a violar
descaradamente os direitos da cidadania. Portanto, o
que de fato existe é a "indústria" do desrespeito, a
busca do lucro fácil, a sensação de que vale a pena
continuar enganando o povo, porque o percentual dos
reclamantes é ínfimo, os processos são lentos e o
resultado final, ainda que favorável ao consumidor,
sai muito mais barato do que investir na melhoria dos
produtos e dos serviços."[1]


O autor em referência ainda enfatiza a questão em torno do que
seja enriquecimento ilícito, dizendo não haver um significado exato do
verbo enriquecer, o qual é avaliado conforme o entendimento de cada
magistrado, havendo, ainda, uma confusão entre a pequena melhoria de vida
da vítima, proporcionada pela indenização, com o temido enriquecimento sem
causa, "como se algumas poucas dezenas ou mesmo centenas de salários
pudessem enriquecer alguém", no seu dizer.


Sobre a palavra rico, o dicionário Michaelis nos dá sua
definição:


rico
ri.co
adj (gót reiks) 1 Que possui muitos bens de fortuna;
que tem riquezas. 2 Que aufere grandes rendimentos. 3
Fértil, produtivo. 4 Custoso, magnífico, opulento,
precioso. 5 Brilhante, esplêndido, faustoso,
magnificente. 6 Que importa grandes vantagens
materiais ou riquezas. 7 Contente, feliz, satisfeito.
8 fam Muito querido. 9 Diz-se da língua fecunda em
vocábulos e locuções. sm Homem que possui muitos
haveres. Aum: ricaço, ricalhaço, ricalhão, ricalhaz.
Ser rico como um Creso: ser opulentíssimo.
Contudo, para o Direito tal definição não soluciona o problema,
na medida em que o enriquecimento há de ser observado levando-se em conta
fatores socioculturais.


Com preciosas informações prestadas via e-mail pelo advogado
Fábio Resinente, a quem exteriorizo meus sinceros agradecimentos, obtive
acesso a um artigo publicado pelo financenter LOUIS FRANKENBERG, cujo
título é "Quem pode ser considerado rico no Brasil?", em que o autor
discorre sobre alguns aspectos que procuram definir o indivíduo considerado
rico em nosso país, destacando um estudo que considera ser o primeiro a
tratar séria e substancialmente do assunto. O resultado desse estudo foi o
Atlas da Exclusão sócia – Os ricos no Brasill, organizado pelo economista
MARCIO POCHMANN, com a ajuda de outros 16 especialistas, e tendo como base
dados do IBGE, relativos ao censo do ano de 2000, comparado ao de 1980,
além de informações colhidas junto ao INSS e à Receita Federal.


No estudo em referência, o insigne economista destaca que o
censo de 2000 concluiu haver cerca de 1.162.000 famílias ricas no Brasil,
representando 2,4% do total de aproximadamente 48.416.000 famílias
existentes, sendo a média de ganhos dessas famílias calculada em R$
10.982,00 mensais, e sem esquecer que esses dados significam que uma
parcela deste grupo de 2,4% da população ganha acima e outro a abaixo deste
valor médio.


FRANKENBERG, então, suscita algumas dúvidas sobre a afirmação
feita no estudo de POCHMANN, in verbis:




"A primeira dúvida que coloco em relação aos dados
coletados e sua interpretação é afirmar que quem ganha
R$10.982,00 mensais não pode apenas por este único
fato ser considerado rico. Pode isso sim, estar
ganhando muito mais em relação às 97,6% restantes
famílias do Brasil.


Assumindo que a família é constituída de 4 pessoas
(casal mais dois filhos) e que somente uma delas
recebe esta remuneração bruta mensalmente e de que 20%
irá para o imposto de renda ( sem falar de outras
deduções como INSS, etc), a família de fato recebe em
mãos R$ 8.785,00.


Esta família certamente pagará em média R$ 1.500,00 de
instrução para seus filhos estudando em escola
particular, terá um seguro saúde no valor R$ 500,00
mensais e gastará ainda em alimentação, habitação,
transporte, etc. (…)


O ponto que desejo realçar é que com o citado ganho
mensal, provavelmente não sobra nada para investir e
portanto formar uma reserva e muito menos ter a
possibilidade de investir na aquisição de um imóvel
para a própria moradia, mesmo pagando suavemente algum
empréstimo imobiliário!


Em virtude das colocações acima, questiono a afirmação
de ser considerada rica, a família que ganha R$ 10.982
mensais."[2]




Pois bem. Dentro da esfera envolvendo as indenizações por dano
moral, como se pode falar em enriquecimento ilícito, tendo em vista a
concessão de indenizações pífias, e até mesmo moralmente ofensivas a
vítimas de dano moral?
Apenas estabelecendo um parâmetro para os fins deste estudo,
vamos considerar que o valor médio apurado no estudo do Prof. Pochmann é
padrão de riqueza. É necessário que o cidadão aufira mensalmente, e durante
toda a sua vida, a quantia de R$ 10.982,00, para que o mesmo seja
considerado rico, em que pese os economistas considerarem absurda esta
afirmativa de que quem percebe o valor acima é considerado rico, ainda mais
por se tratar de renda bruta!
Como, então, se falar em enriquecimento nos casos envolvendo
ofensa moral?! Seria necessária uma indenização astronômica para que se
pudesse falar em enriquecimento!
Transportando a questão do ilícito às raias da atividade
empresarial, os mais atentos perceberão que os conceitos podem mudar.
Do ponto de vista do positivismo, nosso ordenamento jurídico
considera lícita a atividade empresarial e, consequentemente, o lucro.
Isto, registre-se, do ponto de vista do direito objetivamente posto. Mas, a
atividade empresarial no Brasil é ética?
Recorrendo ao irretocável escólio de JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF,
penso seja indispensável colacionar alguns apontamentos deste emérito
humanista em relação à ética da atividade empresarial, enumerando 12
atributos necessários para que uma empresa seja considerada ética, dizendo:

"Como fruto de uma profunda reflexão, que me acompanha
de longa data, proponho doze condições que me parecem
devam ser exigidas para que uma empresa conquiste o
galardão ético:
1 – que a empresa saiba respeitar e valorizar seus
empregados, tratando-os com dignidade, justiça,
proporcionando a eles oportunidade de crescimento,
entendendo que os empregados são colaboradores, e não
subordinados e serviçais;
2 – que a empresa saiba valorizar e respeitar seus
dirigentes, gerentes, ocupantes de cargos de chefia,
confiando e enaltecendo seu esforço;
3 – que as chefias exerçam seu papel democraticamente,
com delicadeza, e não de forma autoritária; que os
chefes saibam elogiar e estimular os auxiliares; que
emitam instruções operacionais claras e de fácil
compreensão; que compreendam que o diálogo favorece um
ambiente feliz na empresa, fator que contribui até
mesmo para maior produtividade; que diretores e chefes
entendam que direção e chefia são missões, e não
privilégios, pois, em última análise, todos somos
credores de consideração e compreensão;
4 – que o empregado, a que se atribui alguma falta,
tenha sempre o direito de se explicar e de se
defender;
5 – que a empresa crie e mantenha canais de
comunicação dos empregados com as chefias, de modo que
os empregados possam apresentar postulações, reclamar,
sugerir;
6 – que a empresa saiba respeitar o meio ambiente
repudiando toda e qualquer agressão ambiental;
7 – que a empresa não sonegue impostos mas, pelo
contrário, compreenda que pagar impostos é uma
obrigação social, pois só através da coleta dos
impostos pode o Estado cumprir seus deveres para com o
povo;
8 – que a empresa saiba exigir do Poder Público a
utilização correta dos impostos para que o erário
sirva ao bem comum;
9 – que a empresa rejeite qualquer forma direta ou
indireta de corromper funcionários, agentes de
autoridade ou dirigentes políticos com a finalidade de
desviá-los de seus deveres para proveito da empresa;
10 – que a empresa respeite a privacidade do
empregado, pois a privacidade é sagrada; que jamais um
empregado seja repreendido em público e de forma a ser
humilhado;
11 – que a empresa respeite os direitos do consumidor,
que esteja sempre pronta para atender reclamações
decorrentes de mau serviço ou defeitos em mercadorias
e que as falhas encontradas sejam prontamente
reconhecidas e corrigidas;
12 – que a empresa, como um todo, englobando
empresários, dirigentes, trabalhadores, sinta-se parte
de alguma coisa que é superior à empresa: a Pátria, a
comunhão nacional, o sentimento de que todos fazemos
parte de uma sinfonia universal, de uma caminhada da
Civilização e da Cultura, na construção de um mundo
melhor."
Atentando-se para os itens nº 11 e 12 e tendo em vista as
considerações do eminente jurista capixaba, pode-se falar que no Brasil a
quantidade de empresas que prezam a ética é considerável? À vista do
exposto, a resposta nos parece negativa, mormente se levarmos em conta o
que nos informa o Des. UBALDO, anteriormente citado:
"Se as indústrias fabricarem produtos de qualidade e
cumprirem espontaneamente a garantia de imediata
substituição ou reparação em caso de defeitos, se os
comerciantes agirem com honestidade e respeito, se os
bancos deixarem de impor taxas abusivas e inscrever no
SERASA os nomes de pessoas que nada devem, se as
administradoras de cartões de crédito deixarem de
cobrar juros astronômicos, se as seguradoras pagarem
os sinistros a tempo e modo, se os planos de saúde
deixarem de opor indevida resistência ao tratamento de
seus contribuintes, se, enfim, todos os prestadores de
serviços cumprirem à risca o que contrataram, é óbvio
que o consumidor não terá margem para buscar reparação
na Justiça."
Destarte, considerando-se as informações em tela, o argumento do
enriquecimento ilícito é demasiadamente frágil para justificar as baixas
indenizações fixadas nas decisões judiciais em nosso país, sendo que
algumas, ressalvadas aquelas que efetivamente procuram compensar a dor do
indivíduo, ao invés de repararem a ofensa, são capazes de ofender ainda
mais a vítima dizendo, verdadeira e subliminarmente, que a honra humana
nada vale aos olhos da Justiça.








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[1] O Judiciário – Jornal mensal da Associação dos Magistrados Catarinenses
– ano IV – nº 38 – junho/2009. Disponível em: www.amc.org.br
[2] Disponível em:
www.administradores.com.br/noticias/quem_pode_ser_considerado_rico_no_brasil
/485/
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