Das Alternativas à Modernidade, ou modernidades alternativas: a tradição, a críticas e as representações da Modernidade em Friedrich Nietzsche.

June 30, 2017 | Autor: S. Povaluk | Categoria: Friedrich Nietzsche, Filosofía contemporánea, Modernidade, Historia Contemporánea
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC

RELATÓRIO FINAL

DAS ALTERNATIVAS À MODERNIDADE, OU MODERNIDADES ALTERNATIVAS: A TRADIÇÃO, A CRÍTICAS E AS REPRESENTAÇÕES DA MODERNIDADE EM FRIEDRICH NIETZSCHE. ALEXANDRO NEUNDORF

CURITIBA 2015

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SAVIUS MIGUEL POVALUK

ALEXANDRO NEUNDORF LICENCIATURA EM HISTÓRIA – ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES BOLSA PIBIC/PIBITI – PUCPR

DAS ALTERNATIVAS À MODERNIDADE, OU MODERNIDADES ALTERNATIVAS: A TRADIÇÃO, A CRÍTICAS E AS REPRESENTAÇÕES DA MODERNIDADE EM FRIEDRICH NIETZSCHE.

Relatório Final apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e órgãos de fomento, sob orientação do Prof. Alexandro Neundorf

CURITIBA 2015

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SUMÁRIO RESUMO ......................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................

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2 OBJETIVO ..............................................................................................

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3 MATERIAIS E MÉTODO .........................................................................

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4 RESULTADOS ........................................................................................

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5 DISCUSSÃO .............................................................................................

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5.1 A modernidade e seus conceitos ...........................................................

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5.2 A Modernidade e sua evolução na História.............................................

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5.3 Como é possível conceituar a Modernidade? .........................................

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5.4 Das alternativas nitzscheanas à Modernidade........................................

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6 CONCLUSÃO ..........................................................................................

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REFERÊNCIAS ............................................................................................

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RESUMO A Era Moderna proporcionou grandes transformações nos mais variados campos: científico, político, tecnológico, artístico, cultural e principalmente filosófico. Compreender a Modernidade em suas diversas facetas e seus processos nos permite também observar o caminho percorrido até o período contemporâneo. Em meio a este cenário, o filósofo Friedrich Nietzsche além de pertencente ao período, irá exercer um papel de destaque ao romper com o pensamento vigente e tecer profundas críticas em determinadas características da Modernidade. O principal objetivo do trabalho é analisar como o autor em tela trabalhou com o tema modernidade: ora como crítico partícipe do fenômeno, ora como proponente de alternativas, ora como fomentador de uma tradição anterior à modernidade. Em um sentido mais específico, os objetivos recaem através das representações que Nietzsche produziu e operou acerca da própria modernidade e dos processos de modernização, principalmente no século XIX, em um período entre 1850 e 1900. Foi realizado um levantamento de fontes primárias do autor, além de referencias bibliográficas; assim como um estudo do contexto histórico em que o autor estava inserido, bem como os conceitos e facetas da modernidade. Posteriormente foi realizada uma análise crítica da produção filosófica de Friedrich Nietzsche com embasamento dos próprios conceitos de modernidade. Podemos visualizar que o filósofo exercia profundas críticas negativas ao comportamento e a mentalidade do ser humano no período moderno, mantendo-se contrário não só à modernidade, mas também a Antiguidade Clássica, já que este havia proporcionado o pensamento vigente. A crítica do autor em relação à modernidade vinha de encontro com o pensamento vigente acerca da moral e principalmente da razão que influenciava diretamente o pensamento da época, os quais eram resquícios “adaptados” do passado clássico. Diante deste quadro, apontava não só uma modernidade, mas também os tempos vindouros, alternativos, onde este novo homem seria o responsável por promover, através de seus próprios valores, nas relações entre iguais, ser de uma nova cultura, totalmente contrária ao que ele denunciava em suas críticas.

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Relatório Final - PIBIC

1. INTRODUÇÃO Este trabalho foi fruto de uma investigação acerca da fortuna crítica do filósofo Friedrich Nietzsche referente à Modernidade. Assim, com o fim da Idade Média, temos o início da chamada Era Moderna. Como um processo de extensas modificações, nas mais variadas facetas da vida humana, a modernidade consolidase com a Revolução Industrial e com a firmação do capitalismo, abrindo frente, a partir de então, para variadas propostas reflexivas e de crítica. Neste quadro, verificamos a emergência de propostas vinculadas à progressão da modernidade e dos processos de modernização, além de propostas críticas ao fenômeno e propostas paralelas e alternativas. Desde o século XIX, e especialmente a partir de sua segunda metade, além da progressão do fenômeno da modernidade, assistia-se igualmente a um processo de modernização, principalmente, das grandes metrópoles e capitais: ampliação das relações capitalistas de trabalho, aliado a um projeto de racionalização de todas as esferas da vivência humana; a modernidade “como difusão dos produtos da atividade racional, científica, tecnológica, administrativa”, “é una e é diversa. Una, enquanto matriz civilizadora; diversa, em sua configuração histórica. Industrialização, urbanização, tecnologia, racionalização são rastros que penetram em todas as modernidades”1. A discussão sobre o tema da modernidade (e também da modernização) é amplo e pluridisciplinar, abrangendo áreas de estudos tão distintas como a arquitetura, a literatura, as artes plásticas, o planejamento urbano, a filosofia e a história, etc. É neste quadro que se insere o filosofo Friedrich Nietzsche, que também operou de maneiras plurais com relação ao fenômeno da modernidade e suas linhas de força modernizadoras. Nietzsche, pelo próprio contexto em que viveu, na Alemanha recém unificada, integrou-se à uma abordagem paralela e alternativa da modernidade. Ou então, em uma crítica total da modernidade.

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ORTIZ, Renato. Introdução. In: Modernidad y Espacio: Benjamín en París. Buenos Aires: Editorial Norma, 2000, p. 09, tradução livre.

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2. OBJETIVOS O objetivo principal deste projeto busca a compreensão de como o autor em tela operou com relação à modernidade, ora como crítico partícipe do fenômeno, ora como proponente de alternativas, ora como fomentador de uma tradição anterior à modernidade. Em um sentido mais específico, os objetivos recaem nas representaçoes que Nietzsche produziu e operou acerca da modernidade e dos processos de modernização, principalmente no século XIX, em um período entre 1850 e 1900.

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3. MATERIAIS E MÉTODO O resultado final deste estudo foi um reflexo do próprio projeto de pesquisa, pois serviu como subsídio e norteador. Assim, numa primeira etapa foram revistas as ideias do projeto de forma branda, para que fossem definidos o ponto de partida e os passos seguintes. Em seguida, iniciou-se o estudo sobre os conceitos norteadores deste trabalho: a biografia do personagem retratado, o contexto histórico em que o mesmo está inserido além de uma breve apresentação das principais obras da personagem que serão utilizadas; e por último, uma investigação referente o conceito de modernidade. Para a construção da biografia da personagem, foram utilizados dois principais livros. O primeiro, intitulado Compreender Nietzsche, do autor Jean Lefranc; o qual traz de maneira clara para o leitor, um texto introdutório à personalidade e pensamentos marcantes deste filósofo bem como sua biografia. Além disso, neste livro, o autor expõe os principais pontos que Nietzsche desenvolve sua crítica, além de comentar os mesmos em uma linguagem de fácil compreensão. Já o segundo livro, tem como título As Ideias de Nietzsche. De maneira semelhante à Lefranc, o autor faz uma análise das principais proposições filosóficas da personagem, mesclando a biografia com a evolução de sua fortuna crítica. Posteriormente a investigação da biografia da personagem, passamos a estudar de maneira branda a contextualização histórica da Alemanha no período, pois foi neste país que Nietzsche viveu a maior parte de sua vida, além de se tratar também alvo das críticas do filósofo. Então, nesta etapa, foram utilizadas as seguintes obras: Historia da Alemanha moderna de 1800 aos dias de hoje. Nesta obra, o autor apresenta uma narrativa concentrada na emergência da Alemanha como estado nacional a partir da sua condição fragmentada no inicio do século XIX e nas décadas posteriores a 1945. Comenta sobre as tendências políticas, econômicas, sociais e culturais para fornecer um relato abrangente das complexidades que envolvem o tema. Paralelamente, também se utilizou do livro intitulado História da Alemanha, do autor J. Droz. Nesta obra, o autor analisa as origens dos diferentes movimentos que

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lutaram pela unidade alemã em suas variadas perspectivas: sociais, econômicas e políticas, bem como os motivos internos e externos que levaram ao fracasso. Neste momento, também se fez necessária a busca sobre fontes primarias e secundárias, as quais servirão de subsídio para verificar as proposições acerca do tema, principalmente no que se refere à mentalidade do filósofo em questão. Tais fontes são: as obras escritas por Nietzsche – todas elas traduzidas do idioma Alemão para Português – cartas enviadas por ele para amigos e familiares; assim como fontes secundárias: livros, artigos, teses, etc. Assim, inicialmente verifica-se que

duas

obras

da

personagem

apresentam-se

como

cruciais

para

o

desenvolvimento deste trabalho: “Para além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro”, publicado em 1886; e “Crepúsculo dos Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo”, publicado em 1888. Na primeira obra, Nietzsche expõe sua hipótese de interpretação global da existência com base na perspectiva fornecida pelo conceito de vontade de poder. É também voltada à apresentação dos novos valores da moral, entendida como instrumento de superação das limitações impostas pela civilização judaico-cristã – apontando aqui uma arguta crítica à modernidade e suas consequências. Desta forma, Nietzsche afirma a necessidade de que, no eterno retorno da vida e da história humana, os homens se ergam, aceitando a própria finitude, ultrapassando a própria condição e vivendo soberanamente no gozo e na dor da própria verdade. Contra os fracos, os humildes, os dignos de dó, ele afirma o ideal dos superhomens, dos quais dependeria o futuro da humanidade. Já a segunda obra citada, trata-se de uma síntese introdutória de toda a sua obra até então: a crítica a todo o tipo de idolatria está patente do início ao fim deste livro. Uma batalha contra os "Deuses", as ilusões antigas e novas do Ocidente: a moral cristã, os grandes equívocos da filosofia, as idéias e tendências modernas e seus mentores. De tão variados e abrangentes, tais críticas compõem um mosaico dos temas e atitudes do autor: Nietzsche dá aqui sequência ao seu projeto e execução do filosofar a golpes de martelo, como ele mesmo expressa no subtítulo dessa sua obra. Tais golpes são dirigidos, em particular, aos conceitos de razão e moralidade preponderantes nas doutrinas filosóficas dos vários pensadores que o antecederam

e

seus

compatriotas

e/ou

contemporâneos

Kant,

Hegel

e

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Schopenhauer. O Crepúsculo dos Ídolos é nada mais, nada menos que a declaração de guerra de Nietzsche contra conceitos filosóficos e valores morais, sendo os primeiros, instrumentos ineficientes ou falsos para compreensão e norteamento da humanidade e, os segundos, elementos aviltantes da natureza. Para melhor compreensão do tema em questão, se fez necessário um estudo sobre o período de tempo conhecido como Modernidade - pois estando Nietzsche inserido nesse período, ele será moldado pelo mesmo.

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4. RESULTADOS Conforme os estudos, a crítica de Nietzsche data de todo o período histórico conhecido por Idade Moderna. Por conta disso, se faz necessário uma breve explanação sobre o período. Segundo Matos: Ousadia seria pretender definir a Modernidade num conceito definitivo. Não há lugar para essa pretensão. Nietzsche é o viés pelo qual se deseja ver a Modernidade. Está claro, porém, que a sua filosofia não é a única. (...) É de Kant a definição clássica da Modernidade. Para ele, nela o homem chega à sua maioridade, deixando-se guiar pela razão e rompendo com as tradições e dogmas que determinavam sua vida até então. (MATOS, 2001. p. 136)

A passagem da Modernidade coincide com a chegada de novos modelos, de ser humano e de sociedade. O efeito das revoluções industrial e democrática acabou transformando o “liberalismo” na atitude filosófica dominante nas sociedades modernas. A Modernidade, porém, no dizer de muitos, está em crise. “As crises históricas determinam as mudanças históricas, e estas acontecem quando muda radicalmente a estrutura da vida”.

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Tal questão é relevante para a filosofia uma vez

que “o desenvolvimento da história, e particularmente das crises históricas, cabe à filosofia, seja pelo que esta dá à história, seja pelo que recebe dela própria”.3 Nietzsche irá optar por estabelecer uma critica radical a Modernidade, nesse sentido, segundo Habermas: (...) com o ingresso de Nietzsche no discurso da modernidade, a argumentação altera se pela base. Inicialmente a razão fora concebida como autoconhecimento conciliador, depois como apropriação libertadora e, finalmente, como recordação compensatória, para que pudesse aparecer como equivalente do poder unificador da religião e superar as bipartições da modernidade a partir das suas próprias forças motrizes. Fracassou, por três vezes, a tentativa de talhar o conceito de razão à medida do programa de um iluminismo em si mesmo dialético. Nesta constelação, Nietzsche só tem uma alternativa: ou submete mais uma vez a razão centrada no sujeito a uma crítica imanente ou abandona o programa na sua globalidade. (HABERMAS, 1990, p. 91)

Sobre um de seus livros, Para Além do Bem e do Mal, Nietzsche declara que: Este livro é, em todo, o essencial, uma crítica da modernidade, não excluídas as ciências modernas, mesmo a política moderna, juntamente 2

CALDERA, A.S. Filosofia e Crise: pela filosofia latino-americana. Trad. dos Reis, O. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 14. 3 Idem, p. 17.

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com indicações de um tipo antipático o menos possível, um tipo nobre, que diz sim. (...) Todas as coisas de que a época se orgulha são percebidas como contrárias a esse tipo, como más maneiras quase, por exemplo a famosa “objetividade”, a “compaixão pelo sofredor”, o “sentido histórico”, com sua submissão pelo gosto alheio, com seu arrastar-se ante os petis faits, a cientificidade. (NIETZSCHE, 1987. p. 136, § 2)

O pensamento de Nietzsche deve ser entendido e situado, historicamente, em seu contexto – a crise do fim do século XIX. Pode-se perceber que ele olhará a Modernidade segundo as suas características negativas. Segundo Matos: Identifica, ao que parece, a Modernidade como uma época histórica cuja principal característica é a negação da vida, pela imposição de valores morais que reduzem o homem a mero animal gregário. Reserva, a si, a tarefa de analisar as “idéias modernas”. Nelas identifica e denuncia um procedimento marcado pelo ressentimento, uma tendência moderna a aplainar as diferenças individuais das pessoas por uma imposição uniformizadora, e ataca o reino do animal de rebanho (MATOS, 2001. p. 139)

Nietzsche irá criticar um dos pais da filosofia moderna, Immanuel Kant, partindo do pressuposto que: Para Nietzsche, Kant, assim como todos os demais filósofos que se ocuparam da moral, se equivoca já no ponto de partida: ele preocupou-se tão somente com a fundamentação da moral. Segundo ele, tais tentativas de fundamentação moral não passam de um esforço, ingênuo e carente de autocrítica, de justificação filosófica da moral vigente, uma vez que o que os filósofos denominavam de ‘fundamentação da moral’, exigindo-a de si, era apenas, vista à luz adequada, uma forma erudita de ingênua fé na moral dominante, um novo modo de expressá-la, e portanto um fato no interior de uma determinada moralidade (CARVALHO & SOUZA, 2011. p. 254,)

Na filosofia de Nietzsche, segundo a Modernidade, destacam-se os aspectos doentios, resultantes da moral cristã (ARALDI, 2011, p. 1). Podemos observar essas criticas em algumas obras, como em “O crepúsculo dos ídolos”, na qual Nietzsche critica a Modernidade como sendo uma época em que os homens perderam os instintos que deram origem às instituições.

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5. DISCUSSÃO 5.1 A modernidade e seus conceitos

Segundo o dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, podemos definir modernidade como “Estado ou qualidade do que é moderno, coisa nova ou recente. MODERNICE, MODERNISMO”4. Além das definições da linguagem e devido as suas limitações, dois conceitos são de suma importância para entendermos o período em questão, são elas: A idéia de progresso, que faz com que o novo seja considerado melhor ou mais avançado do que o antigo; e a valorização do individuo, ou da subjetividade como lugar da certeza e da verdade, e origem dos valores, em oposição à tradição isto é, ao saber adquirido, às instituições, à autoridade externa. (MARCONDES, 2004, p. 140).

Com a chegada dos chamados “Tempos Modernos”, o homem torna-se sujeito de sua própria razão e o centro de suas indagações. Temos aqui o início do período da razão, fundamentados pelo Renascimento e pelo Iluminismo: A modernidade é a época em que a alma se retira do mundo das coisas e recolhe-se no mundo dos homens, bem como a época em que os homens se acreditam suficientemente fortes e poderosos, qual um novo, qual um novo Prometeu, se não para elevarem-se contra a divindade e se imporem aos deuses, ao menos para prescindirem de sua proteção e dispensarem seus serviços. (DOMINGUES, 1991, p.32)

O Movimento conhecido como “Iluminismo”, grande expoente da época moderno, depositou uma enorme confiança na razão a ponto de o século XVII ser conhecido e propagado como “Século das Luzes”. A razão teria chegado a um estágio eufórico e popular, de modo a ser o novo rosto de toda uma geração. Immanuel Kant, ao tentar dar uma resposta ao o que é o esclarecimento (Was is Aufklärung?) define o mesmo como uma saída do homem para a sua maioridade. Afirma Kant sobre o esclarecimento, “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado” (KANT, 1974, p.100), e continua: “fazer uso de seu

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Disponível em . Acesso em: 29 mai 2015.

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entendimento sem a direção de outro indivíduo” (KANT, 1974, p.100). Com o seu ousado “Sapere Aude”, Kant abrirá as portas para inúmeros filósofos e suas teses. Com tantas indagações sobre o homem, o seu lugar, o seu papel, entre tantos outros temas, inaugura-se também a cultura do narcisismo. A Era Moderna vai ficando cada vez mais egoísta e fechada em si. Uma sombra de apatia tomou a sociedade que acompanhou a morte das ideologias e “a morte de Deus” - prevista por Nietzsche. Deus está morto. Nós o matamos. Deus permanece morto. E fomos nós que o matamos. Como nos consolar, nós, os assassinos dos assassinos? Aquilo que o mundo possuía até agora de mais sagrado e de mais poderoso perdeu seu sangue sob nossos punhais. Quem limpará esse sangue de nossas mãos? Que água instral poderá jamais nos purificar? (NIETZSCHE, 2002)

A modernidade se apresenta como um terreno fértil e infértil; é visto que à medida que a época tentou se distanciar de suas raízes feudais, ela acabou entrando em conflito com seus “modernismos”.

5.2 A Modernidade e sua evolução na História

A Idade Moderna trouxe consigo inúmeras novidades em quesitos de sociedade, forma de governo, administração, etc. É claro que não se torna possível uma época de desgarrar completamente da outra, sendo possível observamos traços medievais em alguns costumes. Podemos apontar como “filhos” da modernidade, o Absolutismo, o Renascimento e o Iluminismo – bem como outros fenômenos. Como Absolutismo temos: (...) uma forma de governo em que o monarca exerce o seu poder sem depender de outros poderes. Entretanto, é interessante destacar que o absolutismo se difere de algumas formas de poder, e por conta disso não deve ser confundido com elas e vice-versa. (BATISTA, p. 4, 2013).

Com o crescimento do poder real e de sua corte, o seu papel na sociedade foi ficando cada vez mais evidenciado; o modelo de rei absolutista transparecia poder – algo estimado por um grande número de monarcas -. Um reinado absolutista abria 9

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margem para diversas manifestações, de cunho positivo e negativo, podemos apontar como uma das maiores manifestações a Revolução Francesa e seu Iluminismo. Outro fator que abriu portas para um novo período foi o Renascimento, podemos conceber o mesmo como: O Renascimento marca o início da Idade Moderna. O desenvolvimento comercial e a agitada atividade cultural no Ocidente, sobretudo, no século XV, faz surgir o movimento intelectual centrado no Homem. Essa mudança de mentalidade pode ser percebida nos humanistas, os quais buscaram na Antiguidade recuperar a cultura greco-romana, a qual representava - para eles - o ideário perfeito de civilização. Decerto que, em princípio, foi um movimento elitista, formado por um grupo de intelectuais ricos ou financiado por outros de posses elevadas. Entretanto, tal movimento irá ecoar pelo Ocidente e reverberará em todas as áreas da vida humana: cultural, econômica, política, social e religiosa. (GIOVANAZZI, p. 7, 2014)

Sobre o Renascimento e sua transição, faz-se importante destacar que: Do Renascimento em diante, o processo de transformação social-político e econômico foi gradual. Aos poucos, o feudalismo abre espaço para o capitalismo, que altera as relações de produção e, consequentemente, as de trabalho. O homem desse tempo não se vê mais como um sujeito dependente da Igreja, a qual precisa se reinventar. Surge o câmbio, a moeda passa a ser introduzida em nível internacional, o escambo diminui, as cidades – lentamente – começam a crescer e mudam-se as relações com os campos. Todos querem ser modernos e visam ao futuro. Esses grupos sociais percebem que o progresso está no presente, rejeitam o passado das trevas e buscam na Antiguidade respostas às velhas questões que se relacionam à vida, à morte, à beleza, à religiosidade, entre outras. (GIOVANAZZI, p. 9, 2014)

O Renascimento trouxe novos ares e saberes para a civilização da Idade Moderna, saberes esses que culminariam no movimento filosófico e social conhecido como Iluminismo É certo que o Renascimento, acontecimento histórico que possibilitou a ressurreição da filosofia não mais como serva da religião, restabeleceu e retomou o tema da autonomia da razão oriunda dos gregos e permitiu, com Galileu, Descartes e Bacon, o desabrochar da ciência baseada em procedimentos empírico-racionais. Esse desenvolvimento da ciência levou a conhecer separando os objetos do conhecimento uns dos outros e do sujeito que conhece. Em suma, eliminando a complexidade. (MORIN, p. 1, 2005)

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Com os resquícios da sociedade medieval e suas próprias características, a Idade Moderna iria formar um novo estilo de sociedade que influenciaria de modo total os anos que a seguiam. A formação dos estados, o sentimento de nacionalidade, as guerras por território, entre outros, tiveram como denominador comum um passado repleto de astúcia e novidades estrondosas. 5.3 Como é possível conceituar a Modernidade?

Segundo Silva e Silva (2010, p. 297) “a ideia de Modernidade surge, segundo Jacques Le Goff, quando há um sentimento de ruptura com o passado. Nesse sentido, um dos primeiros pensadores a utilizar a ideia de modernidade foi Charles Baudelaire.” No entanto, Berman (1986, p. 9) apresenta uma conceituação ambígua quando diz que “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.” Contudo, o que podemos evidenciar da Idade Moderna é seu caráter estruturador e a sua vontade de construir uma ponte que ligasse seu gene à posteridade.

5.4 Das alternativas nitzscheanas à Modernidade

Além de suas densas críticas a Modernidade, o filósofo também irá apontar algumas características, de certa forma, positivas, dentre elas “a saúde e a pureza crescente da vida nas cidades, uma melhor nutrição, o serviço militar obrigatório com guerras efetivas e o predomínio da fisiologia sobre a teologia, a moral, a economia e a política” (ARALDI, 2011. p.04) Com o conceito de “Grande Saúde”, Nitzsche irá trabalhar com a: condição de possibilidade de um novo ideal, um ideal prodigioso, tentador, pleno de perigos, para o qual o mais elevado, aquilo em que o povo

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encontra naturalmente sua medida de valor, já não significaria senão perigo, declínio, rebaixamento. O filósofo aspira um tipo que seja capaz de, em um tempo vindouro, fazer diferentes ensaios, experimentar outras formas de valorar, criar novas “tábuas de valores”, que não mais expressem um profundo mal-estar com os processos efetivos. (CARVALHO & SOUZA, p. 260, 2011)

Esse conceito será presente em seus escritos, com a obra A Gaia Ciência: Nós, os novos, sem nome, de difícil compreensão, nós, rebentos prematuros de um futuro ainda não provado, nós necessitamos, para um novo fim, também de um novo meio, ou seja, de uma nova saúde, mais forte[,] alerta alegre[,] firme[,] audaz[,] que todas as saúdes até agora. Aquele cuja alma anseia haver experimentado o inteiro compasso dos valores e desejos até hoje existentes e haver navegado as praias todas desse “Mediterrâneo” ideal, aquele que quer, mediante as aventuras da vivência mais sua, saber como sente um descobridor e conquistador do ideal, e também um artista, um santo, um legislador, um sábio, um erudito, um devoto, um adivinho, um divino excêntrico de outrora: para isso necessita mais e antes de tudo uma coisa, a grande saúde – aquela que não apenas se tem, mas constantemente se adquire e é preciso adquirir, pois sempre de novo se abandona e é preciso abandonar (GC, 382).

Essa ideia está vinculada a sua concepção de um Super Homem. Segundo esse conceito, Nietzsche irá começar a delinear o que seriam os traços de um ideal completamente inverso ao que foi vigente na modernidade. O super homem, é ser de uma nova cultura e não de uma nova espécie (biologicamente falando), essa cultura, todavia, seria superior em tudo o que lembra à moderna. Ele traduz uma nova forma de pensar, sentir e avaliar: O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amarse, no homem, é ser transição e um ocaso. Amo os que não sabem viver senão no ocaso, porque estão a caminho do outro lado [...] Amo aquele que prodigaliza a sua alma, não quer que lhe agradeçam e nada devolve: pois é sempre dadivoso e não quer conservar-se [...] Amo aquele que atira palavras de ouro precedendo seus atos e, ainda assim, cumpre sempre mais do que promete: pois quer o seu ocaso. Amo aquele que justifica os seres futuros e redime os passados: porque quer perecer dos presentes. [...] Amo aquele cuja alma é tão transbordante, que se esquece de si mesmo e que todas as coisas estão nele: assim, todas as coisas tornam-se o seu ocaso. Amo aquele cujo espírito e coração são livres: assim, nele, a cabeça é apenas uma víscera do coração, mas o coração o arrasta para o ocaso (ZA, Prólogo, 4).

Seguindo essa linha de pensamento, a ideia de super-homem implica uma relação entre iguais: “companheiros, procura o criador, e não cadáveres; nem, tampouco, rebanhos e crentes. Participantes na criação, procura o criador, que escrevam novos valores em novas tábuas [...] Que tem ele a ver com rebanhos, pastores e cadáveres! ” (ZA, Prólogo, 9). 12

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6. CONCLUSÃO Observando as várias facetas acerca da Era moderna e as transformações por ela proporcionadas, podemos inferir que tais mudanças afetaram Friedrich Nietzsche de maneira profunda. Talvez a principal característica da modernidade que o filósofo destacava, era a que o homem moderno havia perdido seu significado, apontando que o mesmo estava em declínio, e para isso, Nietzsche ressalta que o ponto principal era a questão da razão. Nesse sentido, quando o filósofo faz sua crítica a razão, ele estará também contestando como o homem moderno, que agora dotado da capacidade de reflexão, havia abdicado do valor da vida, deixando-se guiar pela moral cristã, a qual havia sido deturpada pelo próprio homem moderno. Criticando não só como a razão - embora a mesma pudesse proporcionar ao homem moderno a faculdade de visualizar-se como objeto pertencente à sociedade e também como capaz de exercer transformações à mesma - mas principalmente a moral, a qual segundo ele era representada pelos filósofos de seu tempo e também da Antiguidade Clássica, haviam constatado o sentido da moral de forma errada e superficial, e por isso, todos os valores da modernidade eram falhos. A partir de toda sua revisão acerca da moral, dos valores da sociedade desde a Antiguidade Clássica e principalmente na Era Moderna, Nietzsche se mostra pessimista e até mesmo decepcionado com os “resultados” por ele constatado, e, mediante toda sua crítica, ele se julga como um “divisor de águas” dotado da missão de apontar todas estas falhas, e principalmente o comportamento do ser humano, para que o mesmo não seja apenas um ser que abdicou de seus instintos, valores morais, e nesse sentido, transformar-se em super-homens, apontando assim, o que seriam os traços de um ideal completamente inverso ao que foi vigente na modernidade. Portanto, Friedrich Nietzsche rejeita tudo o que era vigente até então, e assim propondo uma nova alternativa para a modernidade e também os tempos vindouros, baseando-se principalmente em que o homem deveria constituir de uma própria moral.

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