DAS LÁGRIMAS DAS COISAS: ESTUDO SOBRE O CONCEITO DE NATUREZA EM MAX HORKHEIMER

May 27, 2017 | Autor: Maurício Chiarello | Categoria: Critical Theory, Philosophy of Science, Max Horkheimer
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DAS LÁGRIMAS

DAS

COISAS

Estudo sobre o conceito de natureza em Max Horkheimer

APRESENTAÇÃO Todos temos as nossas questões. E não me refiro a questões quaisquer, mas àquelas que nos obsedam, aquelas que são como um nervo exposto que sequer ousamos tocar, muito embora todo nosso ser esteja à mercê de se sua força secreta de irradiação. São as que nos concernem no mais fundo. Duas palavras nos tomam para serem enunciadas, e a vida inteira nos levam na formulação de uma resposta, afinal insatisfatória. Não admira que nos embaracem tanto em público. Como fazer entender que uma ferida assim tão singela e banal possa ser a chaga que nos consome? Lá se vão quase sete anos desde que iniciei a redação deste estudo. Sobre a obra de Max Horkheimer? Sim, certamente. Mas também sobre uma outra questão, a questão da ciência moderna, ou melhor, do valor da atividade científica e do progresso tecnológico em geral no mundo atual. Para uma humanidade que mais do que nunca se entrega à ciência e à técnica sem pô-las absolutamente em questão, como que presa de um sortilégio, haveria questão mais premente e cruciante que esta? Para mim, uma inquietação já antiga que só fez se agudizar de lá para cá. Hoje, aliás, vejo com clareza o quão intensamente esta interpretação da obra de Max Horkheimer que levei a termo gravitou em torno desta problemática. Já me disseram que a originalidade e o mérito deste estudo (se ele tem de fato algum) está no fato de consagrar-se específica e integralmente à obra de Horkheimer, uma obra que, em nossa terra, tem ficado na sombra da de outros pensadores do grupo de Frankfurt. Tanto isto me parece justo quanto, de tão devotado ao espírito e à letra dos textos, hoje ele se me afigura um trabalho demasiado acadêmico, talvez. Mas uma coisa não exclui a outra. Pois se de fato me entreguei de corpo e alma ao estudo rigoroso desta obra, foi obcecado pela questão da ciência moderna, e isto porque a obra de Horkheimer me pareceu, desde o princípio, extraordinariamente instigante neste sentido. Cabe indagar, aliás, o quanto o próprio Horkheimer não se debateu com esta questão ao longo da vida, o quanto sua obra não se desdobra na tentativa de alcançar uma formulação adequada para as preocupações e inquietações que nutria a este respeito. O contraste manifesto entre os escritos da primeira fase e os tardios, a propósito, chama desde logo nossa atenção. Não depositam os escritos iniciais uma ostensiva confiança na feição materialista do positivismo científico, no seu potencial emancipador porquanto desbaratador de idealismos e ideologias, assim como na promessa nela encerrada de reordenação social? Mas depois, nos escritos tardios, o olhar lançado à racionalidade científica mostra-se atravessado e carregado de desconfiança, como se ela abrigasse em si

mesma algo de perverso, porquanto entrelaçada de forma inextricável e irremediável com as relações sócio-econômicas de dominação vigentes. Tal contradição, aparente ou não, intrigou-me desde o princípio, incitando-me ao trabalho de interpretação. Mais não direi, porém. Esta é uma apresentação, e as apresentações devem ser breves, sob pena de aborrecer logo de início. Não me desagrada que ela tenha assumido um tom pessoal e algo confessional. De outro modo, penso eu, não haveria como apontar para aquelas inquietações profundas, primitivas, que nos habitam e nos levam a escrever, para aquilo que era vida e estremecimento, e acabou petrificado em obra - esta máscara mortuária de sua pulsão de concepção, como certa vez escreveu Walter Benjamin, coberta de adornos e filigranas em que já não mais se descobre facilmente a motivação primeira. Concedam-me apenas mais um pequenino comentário antes de encerrar. Ao leitor curioso, talvez intrigue o título algo barroco a encimar um estudo sobre o conceito de natureza. Ao curioso, pois, digo desde logo que tal título evoca uma outra e antiga inquietação minha, aparentada à primeira. Pois estive sempre a me perguntar, num mundo que mais do que nunca toma a ciência como a única forma legítima de conhecimento, o que foi feito (e o que é feito) da dor e do sofrimento no conhecimento das coisas da natureza, de rerum natura. Não será que esta natureza feito coisa, empedernida como objeto, padeça contudo de modo inconcebível, chorando um pranto imperceptível porquanto inexprimível, a que faltam lágrimas? Mas eu dizia que já era tempo de encerrar esta apresentação. Para conclui-la, então, digo enfim o que deveria talvez ter dito desde o princípio, embora seja o mais circunstancial. Porque este estudo resulta, ademais, de uma dissertação de mestrado concluída em 1995 junto ao Departamento de Filosofia da Unicamp. De lá para cá, reformulei e aprimorei várias passagens do texto, revisei e remeti todas as citações da obra de Max Horkheimer para a edição da Gesammelt Schriften em 18 volumes e reescrevi integralmente a introdução. Com muito gosto, reitero agora com todas as letras os agradecimentos que na ocasião tive oportunidade de externar. Ao professor Marcos Lutz Müller, muito especialmente, pelas preciosas indicações, pelas análises criteriosas, mas, sobretudo, pela rara maestria com que soube unir, ao ofício de orientador, humanidade e generosidade. Aos membros da banca examinadora, pela leitura atenta, pela apreciação cuidadosa e pelas sugestões não menos valiosas. Em particular, sou grato à professora Maria Lúcia Cacciola, a quem devo uma melhor compreensão da doutrina de Schopenhauer na sua relação com a filosofia de Horkheimer, e ao professor Oswaldo Giacóia, pela análise conscienciosa que descobriu, no espírito da letra do Horkheimer tardio, um Nietzsche para mim insuspeito. Agradeço também a todos do Departamento de Filosofia e da Secretaria de Pós-Graduação que direta ou indiretamente favoreceram o trabalho de pesquisa, assim como ao CNPq e à FAPESP pelas bolsas de estudo que me foram concedidas.

Ribeirão Preto, outubro de 2001.

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