Das políticas públicas para a agricultura à consolidação do agronegócio: uma análise a partir dos sistemas de crédito e de financiamento brasileiros

May 29, 2017 | Autor: J. Gonçalves de C... | Categoria: Políticas Públicas, Desenvolvimento Rural, Agronegócios
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Das políticas públicas para a agricultura à consolidação do agronegócio: uma análise a partir dos sistemas de crédito e de financiamento brasileiros

Sebastião Ferreira da Cunha 1 Joelson Gonçalves de Carvalho 2

Resumo: As alterações pelas quais passou a produção agropecuária no Brasil, derivadas da Revolução Verde, encontraram respaldo financeiro, político e institucional no estado. A partir de meados da década de 1960, as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural passaram a ter, sob o signo do aumento da produtividade, um caráter seletivo, concentrador e desigual. Em síntese, houve uma ratificação do modelo de desenvolvimento rural baseado na produção monocultora de commodities, notadamente destinada ao mercado internacional, que se transmutou de um genérico Complexo Agroindustrial a um modelo denominado de Agronegócio. Nesse sentido, este artigo busca fazer uma análise crítica sobre a consolidação do agronegócio a partir das políticas públicas de crédito e de financiamento, com o intuito de demonstrar que o desenvolvimento rural no Brasil atual é uma implicação direta do viés de mercado, sumariamente ratificado pelo estado. Realizamos também um esforço de síntese de modo a demonstrar que este processo não é pacífico e encontra resiliências e resistências sociais que se cristalizam em projetos alternativos de desenvolvimento, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que, pelo menos desde 2002, no governo Lula, ganhou maior abrangência, capilaridade e importância estratégia para a agricultura camponesa. Em suma, contrapor os limites e as possibilidades dos modelos de desenvolvimento rural no Brasil a partir do incentivo financeiro e creditício oferecido pelo estado é o objetivo central deste trabalho.

1

Professor e pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Professor e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Introdução

Partirmos da ideia de que o sistema de crédito e financiamento das atividades rurais no Brasil foi determinante para a materialização de uma estrutura agrária concentradora não apenas do ponto de vista de sua estrutura como também do ponto de vista das políticas públicas. Isto, por sua vez, constituiu um modelo que, mantendo o latifúndio monocultor, transcendeu dos complexos agroindustriais ao modelo de agronegócio, fortemente ancorado nos interesses privados associados à valorização financeira. Nesse sentido, este artigo, para além desta introdução e das considerações finais, está dividido em seis tópicos. No primeiro tópico nosso foco é apresentar, em caráter de contextualização histórica, a política de crédito agrícola inaugurada no contexto da recuperação da crise de 1929 e início do processo de industrialização brasileira e que se estende até a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). O segundo tópico explora as contradições do SNCR, notadamente sua seletividade e concentração, sendo o estado o único fomentador de crédito, inclusive a taxas de juros reais negativas, o que, por seu turno, contribuiu sobremaneira para a montagem de um modelo agrícola pautado, pelo menos em tese, na produtividade do setor. O terceiro tópico remete à consolidação dos complexos agroindustriais, em um contexto de forte crise econômica, entretanto, com significativos avanços para o setor agrícola decorrente da utilização de máquinas, insumos, e, entre outros, adubação química que garantiram um processo de “modernização” agrícola e verticalização da produção, sustentada mesmo que em partes, por capital público. No quarto tópico, nosso foco recai na reestruturação do padrão de acumulação da agricultura rumo à consolidação do agronegócio em um contexto marcado por políticas neoliberais que, longe de arrefecer as desigualdades socioeconômicas presentes no campo, acabaram por aprofundar o já elevado grau de concentração tanto da terra quanto do capital. O quinto e último tópico tem seu foco no aumento da importância da agricultura familiar e seu sistema próprio de financiamento, o Pronaf, que, de mera retórica propagandística do governo federal na era Fernando Henrique Cardoso, passou a ser a principal fonte de financiamento dos agricultores familiares no Brasil atualmente.

1 – Antecedentes históricos: a política de crédito agrícola no período 1937/67

O período do pós 2ª guerra até o fim dos anos 1950 é marcado pelo processo de substituição de importações, quando o estado brasileiro investia na industrialização do País. Mas é, também, a época em que o crédito oficial rural passa a ser institucionalizado, dando origem ao que viria a ser a estrutura de financiamento para o setor até os anos 1980. Podemos dizer que este período se inicia em 1937, com a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI), do Banco do Brasil, e vai até a metade dos anos 1960, quando da criação do SNCR. É fato que é a partir da criação da Carteira que se tem a primeira iniciativa de institucionalização do crédito agrícola, bem como é a partir dela que o estado passa a ser o principal agente nessa modalidade de crédito. A criação da CREAI apareceu como tentativa de pôr em prática as determinações da Lei 454, criada no segundo governo Vargas, e que tinha como objetivo gerar estímulos para dar condições aos produtores de comprarem máquinas, equipamentos e insumos, num intuito maior de modernização da agricultura. A CREAI inaugura uma fase na qual o estado passa a ser o principal fomentador de recursos, característica que permanece até a década de 1980. Segundo Garcia Munhoz, a criação da CREAI teria “constituído o passo decisivo para a formulação e consolidação de uma política de assistência creditícia ao setor rural na qual se lastrearia no futuro a política agrícola do país" (Munhoz, 1982:20). Paralelamente à Carteira, foi lançado em 1943, com a criação da Comissão de Financiamento da Produção (CFP), o Programa de Preços Mínimos em que os agricultores podiam vender seus produtos ao mercado ou então negociar com o governo pelo preço mínimo, que realiza, então, uma Aquisição do Governo Federal (AGF). Os primeiros preços mínimos foram fixados dois anos depois para serem aplicados na colheita de 1946 a arroz, feijão, milho, amendoim, soja e semente de girassol. Apesar do reduzido número de produtos – que se ampliaria posteriormente – este programa garantia um preço, como o próprio nome diz, mínimo para os produtos à época da colheita. No início da década de 1950 ocorreram substanciais modificações na regulamentação da CREAI. Foram criadas linhas de financiamento visando a conservação, transporte e armazenamento da produção – com a intenção de proteger o produtor da ação do intermediário por ocasião das colheitas –, ampliação de prazos de financiamento para a

construção de escolas em propriedades rurais, introdução de empréstimos para investimentos; condições especiais para os pequenos produtores – estabeleceu-se diferentes linhas de financiamento à cooperativas para, dentre outros objetivos, conceder adiantamentos a seus associados por conta de produtos colhidos e entregues à venda, e para a compra de insumos agrícolas; e, dentre outros pontos, ligados inclusive ao financiamento industrial, foram criados empréstimos fundiários com vistas à formação de pequenas propriedades. Já em fins da década de 1950, os recursos tornaram-se cada vez mais escassos, o que, juntamente com a aceleração da inflação, viria a agravar a situação da Carteira, e que, associados a exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI), causaram a necessidade de promoção de ajustes internos. Em síntese, podemos dizer que antes de 1937 grande parte do crédito agrícola tinha sua origem no capital mercantil. O processo de crédito se dava através do comprometimento do pagamento do empréstimo como parcela da produção à época da safra e com a penhora de terras. Através da CREAI os agricultores não precisavam mais colocar suas terras em penhora. A garantia dos empréstimos poderia se dar através da colheita futura e/ou com máquinas e equipamentos, o que acabou por estimular os arrendamentos, inclusive. O Banco do Brasil, através da CREAI, tornou-se a principal instituição financeira a operar com crédito agrícola. Alguns bancos estaduais também operavam, mas sem ter a mesma importância do primeiro. Os bancos privados não se interessaram em operar com este tipo de crédito. Apesar da CREAI ter criado condições de plantio, investimento e, enfim, "modernidade" para alguns agricultores, ela não atingiu grande parcela dos produtores agrícolas nacionais. Segundo Paim (1957:85): Em 1952, 546 municípios brasileiros desconheciam qualquer modalidade de crédito agrícola. Não dispunham de recursos de crédito agrícola 80% dos municípios paraenses, 18,7% dos paulistas, 40% dos paranaenses, 43% dos catarinenses. Somente em 168 municípios brasileiros funcionavam naquele ano cooperativas de crédito. O Banco do Brasil só aparecia como principal entidade financiadora em 45% do total de 1874 municípios existentes naquele ano. Dois aspectos são notórios nas análises a posteriori sobre a CREAI: a modernização e o incremento das exportações. Nenhum destes objetivos foi alcançado em sua totalidade. A modernização ocorrida se deu de forma seletiva e restrita a poucos produtores. Segundo Paim (1957:56), sobre as técnicas de produção no ano de 1952:

A enxada é o instrumento de trabalho predominante na quase totalidade dos municípios e somente em 222 deles a Comissão Nacional de Política Agrária encontrou o arado como o instrumento básico, embora, na maioria dos casos, de tração animal. Quanto à meação, é a modalidade de parceria mais comum em 1.280 municípios, enquanto em 1.294 o arrendamento da terra se faz por contratos verbais e por prazos raramente superiores a dois anos. Se a CREAI representou a institucionalização do crédito rural e a introdução do estado como seu principal fomentador, a partir de 65/67, com a criação do SNCR, o estado passou a ser o único fomentador de recursos para a agricultura e para o setor rural como um todo, por um longo período. Período esse caracterizado por um grande volume de crédito e por altas taxas de subsídios, particularmente na década de 1970.

2 - Seletividade e concentração: o Sistema Nacional de Crédito Rural

O SNCR é, sem dúvida, peculiar para a agricultura brasileira e marcou um novo período para o crédito no setor agrícola. Ele foi criado como sendo parte das reformas implementadas pelo Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), de 1964 a 1966, quando do golpe civil-militar de 1964, época da criação do Banco Central do Brasil, que passou a deter o poder de emissão de moeda. Sua criação se processou juntamente com a reforma do Sistema Financeiro Nacional. O SNCR foi criado num ambiente em que se desencadeava a industrialização na agricultura brasileira, o que pode ser percebido na própria lei que o institucionalizou, ao resumir seus objetivos nos seguintes itens: 1) estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; 2) favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização dos produtos agropecuários; 3) possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; e 4) incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada defesa do solo 3. 3

Lei nº 4.829, de 05.11.65, artigo 3º.

O uso de insumos e implementos avançados traria aumento do produto e da produtividade para o setor e para o País. Mas isto só poderia se dar com incentivos financeiros para o setor agrícola através de uma forte intervenção no setor com vistas a alterar a estrutura de produção, o que acabou por delinear a forma de atuação dos governos militares. O estado foi, no SNCR, o único fomentador de crédito. As instituições financeiras públicas e privadas atuavam apenas repassando os fundos públicos. Desses, o Banco do Brasil foi o órgão que mais executou o repasse. Os recursos, à época, eram abundantes e provinham, basicamente, de duas fontes: do Tesouro Nacional e de exigibilidades sobre os depósitos à vista. Segundo boletins do Banco Central do Brasil, são diversas as fontes que provém os recursos para o SNCR. Entre estas, entretanto, duas foram responsáveis por aproximadamente 90% do total: a resolução nº 69 e o Fundo Geral para a Agricultura e a Indústria (FUNAGRI), até o início dos anos 1980. A Resolução 69 estipulava que os bancos deviam aplicar 15% dos depósitos à vista em crédito rural, sob pena de recolhimento compulsório em favor da autoridade monetária (Banco Central), caso aquele percentual não fosse atingido. A remuneração do diferencial não atingido seria remunerada a juros mais baixos. Esses depósitos ficaram conhecidos como exigibilidades. A outra principal fonte, o FUNAGRI, repassaria aos bancos recursos obtidos nas mais variadas fontes pelo governo, com o propósito específico de financiar atividades agropecuárias. Este repasse era realizado a taxas que asseguravam aos agentes financeiros favorecidos, em quaisquer circunstâncias, ganhos mínimos de 5% a.a. Dentro dessa fonte, uma das mais importantes formas de obtenção de recursos, senão a mais importante, era aquela advinda da conta movimento junto ao Banco Central do Brasil. Até 1979, a taxa de juros no crédito agrícola era fixada, em termos nominais, em 15% a.a. para o crédito de custeio, com valores mais baixos ainda para compras de fertilizantes e alguns outros insumos. O crédito de investimento era concedido à taxa de juros em torno de 17%, no entanto, cerca de ¼ desses empréstimos para investimento era distribuído a taxas mais baixas em programas especiais, dirigidos a regiões ou atividades

específicas. O crédito de comercialização, usado principalmente para estocagem da safra no Programa de Preços Mínimos, era concedido à taxa de juros de cerca de 16%. Após 1979, a taxa de juros passou a ser parcialmente ajustada de acordo com um coeficiente aplicado à correção monetária. A fórmula foi concebida para fornecer um mecanismo para a redução gradual dos subsídios, mas, na prática, o coeficiente aplicado à correção monetária permaneceu fixo em 0,4. Além do mais, muitos dos programas especiais ficaram isentos dessa indexação. O efeito global em 1980, quando a inflação ultrapassou 100%, foi que o teto da taxa de juros para o crédito agrícola ficou em 36% e a taxa de subsídio aumentou. Nas palavras de Delgado (1985:80), [...] os limites concedidos por finalidade e as taxas reais negativas, além de outras condições favoráveis de financiamento (prazos e carências elásticas), constituem-se no principal mecanismo de articulação pelo Estado dos interesses agroindustriais. Por meio dessa política expansionista, cresceu rapidamente a demanda por insumos modernos, criando-se, assim, o espaço de mercado para consolidação do chamado Complexo Agroindustrial. O gráfico 1 ilustra bem que, apesar de o governo cobrar juros dos produtores, o que observamos à época é que essas taxas de juros ficavam abaixo do patamar inflacionário. O período em que houve maior diferença entre a taxa nominal de juros e a inflação vai de 1974 a 1981, chegando à incrível taxa real de juros, negativa, de 37,7% em 1980. Até 1973, devido à baixa taxa de inflação (abaixo de 21%), a subvenção aos produtores era pequena quando observamos a taxa real de juros. Mas, a partir de 1974, quando ocorre um aumento na taxa inflacionária, e mantendo-se a mesma taxa de juros para os financiamentos, verifica-se um incremento nas transferências para os agricultores beneficiários do crédito rural oficial.

Gráfico 1 - Comparativo entre taxas de juros de créditos agrícolas e taxa de inflação (1969 - 1981) 100 80

60 40 20

Em porcentagem

120

0 1969

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

Taxa Nominal de Juros

1977

1978

1979

1980

1981

Taxa de Inflação

Fonte: Delgado (1985), apud Carvalho (2011:24).

Não bastasse a transferência real de recursos públicos para o setor agrícola, grande parte do crédito foi concedida a produtores que possuíam grandes áreas. Os pequenos produtores, que demonstraram uma maior relação entre participação no produto final e participação nos empréstimos oficiais, detiveram uma pequena atenção e parcela dos empréstimos totais, conforme ilustra a tabela 01. Tabela 01 – Comparações entre o valor do financiamento com o valor da produção e com a área, em diferentes estratos de área (1970 e 1975) Financiamento Financiamento Área do estabelecimento (ha) Valor da produção (%) Área de Lavoura (Cr$) 1970 1975 1970 1975 Menos de 10 5 6 38 200 10 a menos de 100 13 19 87 631 100 a menos de 1.000 23 35 182 1.256 1.000 a menos de 10.000 24 42 255 1.654 10.000 e mais 36 75 840 3.143 Fonte: Fundação IBGE, Censos Agropecuários de 1970 e 1975 (dados primários), apud Guedes Pinto (1981:22).

Como resultado desses dados percebe-se que os grandes produtores, seja pela relação entre valores monetários do financiamento por hectare, seja pelo produto obtido em relação ao financiamento contratado, foram mais contemplados, ou fizeram mais uso dos incentivos oferecidos pelo governo através dos subsídios em forma de transferências

indiretas (taxa real de juros). Poderíamos dizer que os ganhos obtidos com as transferências para o setor agrícola e, mais precisamente, para os grandes produtores, produziriam uma maior oferta de produtos e que acabariam trazendo uma redução dos preços, ou que estes ganhos acima do nível de ganhos da economia atrairiam novos produtores, o que viria a trazer uma equiparação ou redução no nível dos ganhos, o que notoriamente não ocorreu. Fica evidente pelos dados e argumentos apresentados o papel do financiamento enquanto estratégia pública na consolidação dos complexos agroindustriais. O crédito de custeio era centrado em recursos para insumos modernos, tais como fertilizantes, defensivos, sementes, entre outros componentes da agricultura e da pecuária. Além destes, também medicamentos, mudas, rações e concentrados. No período analisado, o crédito de custeio sempre foi o maior destino dos recursos, representando, em alguns anos, mais de 50% do total do volume destinado ao crédito rural. Pela característica moderna e seu elevado grau de industrialização, estes insumos foram fundamentais para a consolidação das relações intersetoriais entre agricultura e indústria, com clara predominância da indústria sobre a agricultura. Ao considerar as indústrias a montante (química, mecânica, rações e produtos veterinários) e a jusante (produtos alimentares, destilação de álcool, óleos vegetais e essências, fumo, madeiras e mobiliário em geral, couros e peles, bebidas, papel e papelão e parcialmente o setor têxtil), nota-se um crescimento expressivo do ramo a montante, entre 1970 e 1975, passando de 2,4% do Valor da Transformação Industrial (VTI) do total das indústrias de transformação, para 4,0%. Contudo, comparativamente, mesmo em crescimento, a participação relativa dos ramos a montante foi bem inferior que a jusante que, para 1975, detinha 24,68% do VTI das indústrias de transformação como um todo. Observados os ramos e sub-ramos industriais apresentados por Delgado (1985), percebe-se o movimento de integração da agroindústria com as correntes do comércio internacional. Ramos como destilação de álcool e óleos vegetais e essências, assim como os ramos de papel e papelão, cresceram mais que o conjunto da indústria de transformação. O crédito de investimentos estava alicerçado na compra de máquinas e equipamentos para toda a agropecuária. A compra de veículos, tratores e implementos agrícolas foram os principais destinos dos recursos da agricultura, já na pecuária, tem destaque o uso de recursos para a compra de animais. Os volumes de recursos destinados

para proteção do solo, irrigação e construção de açudes sempre foram residuais no período (Delgado, 1985). A perda de importância do crédito para investimento frente ao de custeio, notadamente entre 1976 e 1980, ilustra uma mudança no direcionamento do processo de modernização da agricultura. Mudanças capitaneadas por máquinas e implementos agrícolas passaram a dar lugar à modernização via insumos, defensivos e fertilizantes. O crédito de comercialização era composto pela Garantia de Preços Mínimos e por recursos para beneficiamento. Segundo Delgado (1985), a priorização para a agroindústria era tão patente que a participação dela nos financiamentos concedidos foi 64,8% nas safras de 1977/78, aumentando para 72,7%, em 1978/79, reduzindo-se para 69,2% na safra seguinte (1979/80), queda essa pouco representativa no período como um todo. As cooperativas de produtores rurais, por exemplo, não foram superiores a 23% no período. Ainda sobre o SNCR, um fator bastante negligenciado na literatura foi o uso inadequado e indiscriminado de adubos, fertilizantes etc., e a inadequação dos insumos e das máquinas usadas na agricultura brasileira, além das sementes utilizadas para o plantio não serem próprias para receber os insumos utilizados. Somente com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) é que, com estudos dirigidos para escolha das melhores e mais apropriadas sementes, se avançou neste sentido. Talvez até por isso, com a maturação dos estudos, quando da queda do volume de crédito oficial na década de 1980, não se tenha observado queda na produção agrícola. Pelo contrário, houve crescimento da produção e, principalmente, da produtividade 4. Outro fator eventual causador destes resultados da produção pode ser relacionado à falta de assistência técnica aos produtores, o que acabou resultando em uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes por conta da “onda modernizante”. O próprio Banco do Brasil, responsável pelo repasse de mais de 70% dos recursos destinados ao financiamento da agricultura, reconheceu, em documento elaborado pela sua Consultoria Técnica do Banco do Brasil para a Agricultura, que:

4

Uma abordagem mais detalhada está contida em Munhoz (1981) e Guedes Pinto (1981).

o acesso fácil ao dinheiro barato contribui para exacerbar a demanda de fatores relativamente escassos e, em consequência, elevar os custos de produção”, e que “a falta de análise do solo e de um mínimo de orientação técnica para o uso adequado de adubos, corretivos e defensivos; a pressão da política de marketing da indústria diretamente beneficiada com a venda de máquinas e implementos agrícolas e insumos modernos, em quantidades e características nem sempre convenientes aos produtos, e a inadequação da relação capital-trabalho às disponibilidades regionais de mão-deobra, têm onerado excessivamente o custo privado e social da produção (Guedes Pinto, 1981:72). Obviamente, o movimento de modernização da agricultura não deve ser analisado descolado dos movimentos gerais da economia nacional e internacional e, assim, também foi duramente afetado pelos choques de liquidez, com as crises do petróleo, sendo a última (1979) um divisor de águas para iniciar uma década de crescimento pífio ao ponto de ser chamada de perdida. O modelo agrícola baseado na elevada produtividade foi incentivado pelo governo federal durante a década de 1980. E foi no modelo de financiamento que o governo ratificou essa matriz agrícola, desconsiderando, portanto, o fato de ser a questão agrária brasileira marcada pela desigualdade de acesso à terra e, por consequência, a financiamentos. 3 – A consolidação dos complexos agroindustriais em um contexto de crise

Em termos históricos, pode-se dizer que os complexos agroindustriais são resultado de um processo que começou com a crise dos modelos rurais tradicionais e na estruturação de algo novo, mais moderno e dinâmico: o complexo cafeeiro paulista. A forma como o sistema, denominado por Cano (2007) como “complexo cafeeiro”, organizou-se política e economicamente propiciou tanto a garantia de melhor lucratividade quanto a sua própria superação, dirigindo-se para um modelo mais capitalista no campo, no qual o Departamento de Bens de Produção, mesmo que ainda não desse a tônica do desenvolvimento, ganhou expressiva importância. A utilização de máquinas pesadas, insumos específicos, adubação química e consequente aumento da produtividade, são características dessa modernização agrícola mais conhecida como Revolução Verde (Graziano da Silva, 1993). Revolução essa que foi de grande valia para a consolidação dos grandes complexos agroindustriais (CAI’s),

incapazes, diga-se, de amenizar a pobreza rural, agravando sobremodo as discrepâncias da estrutura agrária nacional. É explícito hoje que a modernização conservadora não alterou o padrão de crescimento da agricultura brasileira, marcado pela expansão extensiva. O crédito rural subsidiado permitiu uma expansão desproporcional da produção agropecuária, além de infraestrutura de suporte e apoio, expansão esta que se adequou convenientemente aos interesses mais imediatos, tanto do governo quanto dos grandes produtores, e que, contudo, gerou um crescimento de fôlego curto que, a partir dos anos 1980, mostrou seus limites e explicitou seus impasses (Szmrecsámyi e Ramos, 1997:242). Em suma, o processo de modernização da agricultura impactou pesadamente o modo de produção rural, tanto em termos de incremento tecnológico quanto em quantidade de trabalhadores necessários. A redução da participação do emprego agrícola foi patente. Em 1970, quando a população urbana já tinha ultrapassado a população rural em números absolutos e em taxa de crescimento, a PEA agrícola era de 44,3% da PEA total; em 1980 já havia se reduzido para 29,3%, terminando a década perdida com 22,9% (Graziano da Silva, 1997). Desde o surgimento e consolidação dos Complexos Agroindustriais, o processo de modernização foi altamente excludente de determinados grupos sociais e regiões econômicas (Kageyama et ali, 1990; Delgado, 1985). As políticas públicas voltadas para um modelo produtivista que privilegiou a formação de cadeias complexas tiveram como consequência três características complementares entre si: a primeira foi a verticalização da produção

agrícola,

voltada

à

consolidação

de

complexos

agroindustriais

internacionalizados; a segunda foi a formação de nichos regionais de especialização produtiva; e a terceira foi o elevado grau de concentração tanto da terra quanto do capital. Ademais, é interessante ressaltar que houve uma notória transferência de responsabilidade dos empréstimos agrícolas, do estado para a iniciativa privada, refere à inserção mais ativa das agroindústrias como ofertadoras de crédito. Com a queda do volume de recursos oficiais diante de um contexto de crise com redução da importância do SNCR, as agroindústrias foram assumindo papel importante na concessão de crédito. Sejam elas empresas de fertilizantes, defensivos, sementes, máquinas, tratores ou de processamento de commodities, o que interessava era dar condições aos produtores de comprarem seus produtos. Alguns empréstimos eram (e ainda são) realizados através de

convênios com os bancos, em que algumas indústrias correm atrás do funding da operação, recorrendo às suas matrizes no exterior. Esta estrutura de crédito é frágil por conta de sua instabilidade. A fragilidade dessa forma de crédito está na dependência em relação ao capital externo e sua relação direta com a política cambial, controlada sobremaneira pelas forças de mercado não apenas no Brasil, mas também em boa parte da América Latina. 4 – Crise, neoliberalismo e reestruturação do padrão de acumulação na agricultura: o agronegócio Em termos gerais, a década de 1980, conhecida como “década perdida”, foi marcada pelos esforços do governo em manter o crescimento econômico e pagar a dívida externa. Essa tentativa de compatibilidade não demorou a se mostrar um fracasso, o que, por seu turno, marcou-a pelo abandono da alavancagem da dinâmica da economia, tendo o estado como principal agente. As fontes de recursos se esgotaram paulatinamente. Em geral, esta década foi marcada pela persistente retração econômica. A resposta brasileira para anos de recessão e crise foi o alinhamento às políticas neoliberais, já em voga no continente sulamericano no início dos anos 1990. A adoção de políticas neoliberais trouxe à realidade brasileira um duro golpe: o agravamento dos problemas estruturais nacionais, a exemplo da concentração de renda e da propriedade. Este quadro de agravamento se deu concomitante com a redução das possibilidades de ação estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional. É fato que, com a opção pelo neoliberalismo, ocorreram alterações na capacidade de ação estatal e isto, por seu turno, acarretou rebatimentos sociais significativos que, para o que nos interessa, podem ser expressos no agravamento da realidade agrária, no aumento de ocupações de áreas rurais por famílias sem-terra e, infelizmente, no aumento da violência no campo. Mesmo com a intensificação da luta pela reforma agrária, não houve uma redução significativa da concentração fundiária entre 1985 e 2006, conforme podemos observar na tabela 2.

Tabela 2 – Índice de Gini da distribuição da posse de terra no Brasil Ano 1985 1995 2006 Gini 0,858 0,857 0,856 Fonte: Hoffmann e Ney (2010).

Em que pese a diminuição da concentração da terra em alguns estados e municípios, a concentração na distribuição de terras permaneceu praticamente inalterada nos últimos 20 anos. O comportamento do índice de Gini, desde 1985, demonstra bem a elevada concentração da posse da terra no Brasil que, para os anos observados, sempre esteve acima de 0,850. Tornou-se perene a expropriação, a expulsão e o desemprego, que continuam se configurando como elementos centrais da questão agrária nacional com rebatimentos sociais significativos. No Brasil, o ajuste estrutural neoliberal impôs uma abertura comercial que fragilizou a produção interna, uma desregulamentação do mercado financeiro que favoreceu os capitais especulativos em detrimento do capital produtivo e, entre outras coisas, um processo de privatização que acabou por desnacionalizar antigas empresas estatais. Para o que nos interessa, reforçamos que as especificidades do caso brasileiro, quando o desenvolvimento da agricultura superou a fase dos complexos agroindustriais, avançando para uma fase, na qual o capital financeiro passa a ser decisivo no processo de acumulação de capital na agricultura, processo este que entendemos como agronegócio. Ou seja, estamos apresentando o agronegócio como resultado de uma associação entre o grande capital agroindustrial, a grande propriedade e o capital financeiro. A modernização da agricultura, ligada a importantes cadeias do agronegócio internacional, aumentou a vulnerabilidade da produção agropecuária nacional às determinações externas, colocando o Brasil, mais uma vez, como exportador de commodities de baixo valor agregado, especialmente grãos, carnes e minérios. Não é nosso foco neste trabalho, mas é importante ter em mente que este período é marcado pela política de estabilização monetária no bojo do Plano Real que, em sua engenharia financeira, valeu-se da elevação dos juros como parte do processo de combate à inflação. Isto acabou por comprometer os produtores rurais que tomaram empréstimos, afetando mais os pequenos e médios produtores.

Outro fator de agravamento da realidade dos produtores rurais menos estruturados foi a facilidade de importação de gêneros agrícolas, dente eles inclusive alguns produtos subsidiados pelos seus países de origem. A ideia era a de pressionar os preços para baixo, contudo, isto enfraqueceu bastante os produtores rurais, especialmente os que produziam feijão, milho, soja, algodão, batata, laranja, arroz, café, bovinos, suínos e frangos (Graziano da Silva, 1998: 251). A contribuição do governo para a estruturação do agronegócio no Brasil foi notória. Segundo Delgado (2010:94) o governo adotou como prioridade o investimento em infraestrutura territorial com “eixos de desenvolvimento” que, na verdade, foram corredores de exportação para facilitar o escoamento da produção rumo aos mercados externos; também direcionou a EMBRAPA, a operar em perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio. Além disso, ainda diminuiu o controle sobre áreas devolutas e trabalhou com políticas cambiais de modo funcional ao interesse do agronegócio. Evidentemente, são muito importantes as inovações no modo de produção do setor agrícola no Brasil. Contudo, longe de arrefecer as desigualdades socioeconômicas presentes no campo, tais inovações acabaram por aprofundar o já elevado grau de concentração tanto da terra quanto do capital, além de negar emprego e avançar no histórico processo de esvaziamento do campo. Desde 1995, mais de 1,3 milhão de pessoas abandonaram as atividades rurais. Analisando-se desde 1985, tem-se um número mais expressivo ainda: 6,8 milhões de trabalhadores ou uma redução de quase 30% do pessoal ocupado.

5 – Do arremedo à possibilidade: a agricultura familiar e o Pronaf

O Pronaf é, talvez, a maior expressão do incentivo governamental à agricultura nos últimas décadas. O Programa nasceu e se inseriu dentro de uma concepção/opção de desenvolvimento neoliberalizante de mercado. Em agosto de 1995 o governo brasileiro lançou o Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PLANAF), seguindo orientação do Banco Mundial, e este se transformou, em 28 de junho de 1996, no Pronaf criado para dar condições, pelo menos retoricamente, de financiamento à agricultura

familiar de produzir e manter a sua posição de grande fornecedora de alimentos, tendo também como objetivos indiretos, diminuir o êxodo rural, modernizar a agricultura etc. O governo dividiu a agricultura familiar em três segmentos: a agricultura familiar consolidada, com 1,5 milhão de estabelecimentos; a em transição, com 2,5 milhões de estabelecimentos e a periférica, também com 2,5 milhões de estabelecimentos (Vilela, 1997:09). O critério fundamental de diferenciação era a renda bruta do estabelecimento proveniente exclusivamente da agricultura. Os estabelecimentos periféricos se caracterizam mais fortemente por locais de moradia e subsistência de uma mão de obra desempregada ou subempregada do que por uma unidade produtiva, contrariamente às outras duas. Desses três segmentos, o Pronaf adotou como prioritário para atendimento a agricultura familiar de transição, tendo como justificativa as necessidades de não deixá-la se tornar periférica e de viabilizar sua consolidação. Como os estabelecimentos com até dois empregados permanentes foram incluídos como possíveis beneficiários e, dada a prioridade para o segmento em transição, a participação daquele segmento, o periférico – talvez o que mais necessite de auxílio governamental –, que também possui 2,5 milhões de estabelecimentos, como o segmento em transição, e um milhão a mais que o consolidado, ficou ainda mais prejudicado. No bojo da timidez do Pronaf, outra iniciativa (também anacrônica) governamental foi a criação do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA), instrumento de incentivo dos assentados no processo de reforma agrária. Este programa tinha o objetivo de propiciar assistência creditícia a agricultores beneficiados com a política de reforma agrária mediante financiamento de projetos para estruturação da capacidade produtiva do assentado e para aproveitamento econômico das áreas de assentamento pelo INCRA. A óbvia não prioridade da reforma agrária do governo neoliberal de então inviabilizou o programa, que foi extinto em 1999 e substituído pelo Pronaf, o que, por seu turno, contribuiu para a perenidade, mesmo com poucos recursos, do financiamento da agricultura familiar. Existem no Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, 4.366.267 estabelecimentos classificados como de agricultura familiar, o que representa 84,36% do total dos estabelecimentos brasileiros. É bem verdade que eles são difíceis de tipificar, já que alguns são caracterizados por empreendedores com relativo sucesso em suas atividades

e outros com elevado grau de carência econômica e social. O fato é que estes 84% de estabelecimentos ocupavam uma área de 80,10 milhões de hectares, ou seja, 24% da área total dos estabelecimentos agropecuários, do que se deriva uma área média de 18,34 ha, bem diferente da dos não familiares, de 313,3 ha (IBGE, 2009). A agricultura familiar é também a que mais ocupa a mão de obra, com 12,3 milhões de pessoas, ou 74,4% de todo o pessoal ocupado na atividade agropecuária, sendo que, destes, 90% tinham laços de parentesco com o responsável pelo estabelecimento. Outro importante fator a se destacar é que do todo o pessoal ocupado na agricultura familiar, 81%, ou, em valores absolutos, 8,9 milhões de pessoas residiam na propriedade (IBGE, 2009). Infelizmente, a realidade do crédito para a agricultura familiar ainda está distante do ideal;

nada menos que 82% destes estabelecimentos agropecuários, ou seja,

aproximadamente 3,5 dos 4,3 milhões encontrados em 2006 não obtiveram financiamento por diferentes motivos. Chama a atenção o fato de que 72% dos estabelecimentos familiares não recorreram ao financiamento por “não precisar” ou por “medo de contrair dívidas”. O próprio IBGE, diante destes resultados, sugeriu que este tema deve merecer futuras análises (IBGE, 2009). Soma-se a isto o fato de 1/3 destes estabelecimentos declarar que não obtiveram receita em 2006. Ou seja, aproximadamente, 31% dos estabelecimentos rurais classificados como de agricultura familiar não obtiveram nenhuma renda da atividade agropecuária neste ano. Nos demais estabelecimentos (69%), a receita média é de R$ 14 mil ao ano, valor muito próximo do encontrado, se observar a produção, independente da venda, que foi de R$ 13,96 mil. É fato que existem diversos problemas inerentes ao financiamento, à comercialização da produção e, entre outros, ao acesso a mercados locais para a agricultura familiar. No plano institucional, existem ações, mais ou menos eficazes, para alavancar a agricultura familiar no Brasil, entretanto, elencamos apenas o Pronaf, por conta dos objetivos aqui estabelecidos, que é o programa que financia projetos (individuais ou coletivos), que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. As condições de acesso ao Pronaf, incluindo as formas de pagamento, foram elaboradas para serem de fácil acesso, inclusive aos agricultores mais necessitados. Por isso, apresenta as taxas de juros mais baixas para os financiamentos rurais.

O Pronaf, como o próprio nome indica, visa fortalecer as atividades produtivas geradoras de renda para a agricultura familiar. Com taxas subsidiadas, apresenta linhas de crédito mais adequadas à realidade dos agricultores familiares. Para ter acesso ao Pronaf, é necessário, dentre outras características, que o proprietário trabalhe na terra, em áreas inferiores a quatro módulos rurais, explorados com mão de obra predominantemente familiar. É indubitavelmente uma importante política pública voltada para a agricultura familiar, entretanto, o que temos hoje em termos de recursos, ao alcance do programa, entre outras conquistas, foi resultado de um longo processo. No ano de sua implantação, em 1995, os créditos eram concedidos a uma taxa de 16% ao ano. No ano seguinte, os juros foram reduzidos para 12% ano. Em 1997, houve a inclusão de novos beneficiários, como pescadores artesanais, aquicultores e seringueiros extrativistas e uma nova redução da taxa de juros para 6,5% ao ano e criação de novas linhas. Contudo, como alertava Graziano da Silva (1998:251), nesse período, o valor liberado, segundo seus dados, foi de R$ 350 milhões, e, se dividido pelo público potencial naquele ano, daria menos de R$ 120,00 por ano para cada família de agricultores rurais, para a aquisição de máquinas, equipamentos, melhorias em infraestrutura, compra de mudas e animais etc. Isto ajuda a demonstrar as limitações do programa. A redução da taxa de juros continuou nos anos seguintes. Também foram constantes os aumentos do volume de crédito concedido, conforme o gráfico 2, além da ampliação das possibilidades dos usos dos recursos e o prazo de carência.

Fonte – Dieese (2011:211).

No ano de 2012, segundo Anuário Estatístico do Crédito Rural, o Pronaf negociou 1.823.210 contratos em suas diversas modalidades e disponibilizou mais de 16 bilhões de reais em créditos. Percebe-se, pelos dados do volume e diversificação de produção, capacidade de reter mão de obra e também pelo aumento do volume de crédito recebido que a agricultura familiar tem um potencial maior do que tem apresentado no Brasil e o Pronaf pode contribuir ainda mais com a redução do êxodo rural e com a diminuição da agricultura de subsistência ainda bastante presente no país. Representa, portanto, se bem articulada, uma via para se contrapor à tendência apresentada, desde os anos oitenta, de transferência para a lógica do mercado, particularmente, para o viés liberalista das relações entre sistema financeiro e agronegócio.

Considerações finais O sistema de crédito e de financiamento agrícola, por sua relevância, traduz-se em elemento essencial para pensarmos políticas de longo prazo de desenvolvimento de um país. No caso brasileiro, desde sua consolidação, particularmente através do SNCR, fortalecemos, inicialmente, a consolidação dos Complexos Agroindustriais e das relações próprias do agronegócio, reforçando o caráter concentrador da propriedade agrária, incentivando a monocultura, que é parte constituinte da estrutura do agronegócio, sinalização aguda do estado brasileiro de se desresponsabilizar pelo financiamento agrícola e de transferir para o mercado, notadamente com preferência para a consolidação das commodities. Como contraponto a esta tendência, o Pronaf representa uma tentativa clara de incentivar o fortalecimento do pequeno produtor e estimular a manutenção da pequena propriedade, ainda que com resultados tímidos. O que se percebe é que o enfrentamento destas questões passa, necessariamente, por uma reavaliação das opções tomadas como políticas públicas brasileiras de incentivo e estruturação do sistema de financiamento e de crédito da agricultura.

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