DATALUTA: questão agrária e coletivo de pensamento

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Descrição do Produto

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

NERA Universidade Estadual Paulista

Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária

Programa de Pós-Graduação em Geografia FCT/Unesp - Presidente Prudente

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DATALUTA: questão agrária e coletivo de pensamento

debater com seus pares. Este é o sentido do debate paradigmático. Como o leitor verá neste livro, há muitas diferenças que compõem o coletivo, pois esta é sua identidade. E estas diferenças não são amenas, são confrontantes que geram constante conflitualidade nos grupos de pesquisa. Esta é geradora de conhecimentos novos que nos possibilitaram propor conceitos e ensaios teóricos. Ao pensar um banco de dados há mais de três décadas, sequer imaginava algo parecido com esta trajetória. Este livro é, portanto, somente um trecho. Mas é nos trechos que observamos a paisagem dos territórios materiais e imateriais. Nossos textos são contribuições e esperamos receber de nossos leitores o retorno de modo a alimentar o debate paradigmático. Bernardo Mançano Fernandes Unesp/Nera

DATALUTA:

questão agrária e coletivo de pensamento Organizadores

Janaina Francisca de Souza Campos Vinha Estevan Leopoldo de Freitas Coca Bernardo Mançano Fernandes

Foi o empenho da Rede Dataluta, constituída por um coletivo de pensamento envolvendo atualmente nove grupos de pesquisa no estudo de diversos temas e/ou categorias da questão agrária brasileira, que forjou a concretização desta publicação. A Rede começou em 2005 a partir de uma reunião entre o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, campus de Presidente Prudente, e do Laboratório de Geografia Agrária (Lagea) da Universidade Federal de Uberlândia. Nos anos seguintes, outros grupos foram convidados e passaram a integrar a Rede: o Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (Geolutas) do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – campus de Marechal Rondon; o Núcleo de Estudos Agrários (Neag) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; o Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Biodiversidade do Pantanal (Geca) da Universidade Federal de Mato Grosso; o Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos (Laberur) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Sergipe; o Observatório dos Conflitos do Campo (Occa) da Universidade Federal do Espírito Santo; o Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato (Getec), da Universidade Federal da Paraíba; e o Laboratório de Estudos Territoriais (Labet), do campus de Três Lagoas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A construção de um coletivo de pensamento não significa consensos. Constitui-se em diversidades, em que cada pesquisador é livre para construir seu pensamento e

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JANAINA FRANCISCA DE SOUZA CAMPOS VINHA, ESTEVAN LEOPOLDO DE FREITAS COCA BERNARDO MANÇANO FERNANDES (ORGANIZADORES)

DATALUTA: QUESTÃO AGRÁRIA E COLETIVO DE PENSAMENTO

1ª edição Outras Expressões São Paulo – 2014

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Copyright © Outras Expressões 2014 Revisão: Dulcinéia Pavan e Juliano Carlos Bilda Projeto gráfico: Krits Estúdio Diagramação: Zap Design Impressão: Cromosete Tiragem: 1000 exemplares A coleção Geo­­grafia em Movimento tem Conselho Editorial indicado pela coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geo­­grafia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente. Por essa razão, suas publicações podem se diferenciar da linha editorial da Editora Expressão Popular. Conselho Editorial: Antonio Thomaz Junior Bernardo Mançano Fernandes Eliseu Savério Sposito (presidente) João Lima Sant’Anna Neto Maria Angélica de Oliveira Magrini Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora.

1ª edição: novembro de 2014

OUTRAS EXPRESSÕES Rua Abolição, 201 – Bela Vista CEP 01319-010 – São Paulo – SP Fone: (11) 3522-7516 / 4063-4189 / 3105-9500 editora.expressaopopular.com.br [email protected] www.facebook.com/ed.expressaopopular

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SUMÁRIO

Breve histórico da construção do coletivo de pensamento Rede Dataluta.............................................................7 Prefácio...................................................................................................................13 1. DEBATE PARADIGMÁTICO Paradigma da questão agrária e paradigma do capitalismo agrário..............17 Munir Jorge Felício – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

2. MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS A contribuição da abordagem socioterritorial à pesquisa geográfica sobre os movimentos sociais.......................................... 39 Nelson Rodrigo Pedon – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Lara Cardoso Dalperio – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

3. LUTA PELA TERRA Ocupações de terra no Brasil, São Paulo e Pontal Do Paranapanema (1988-2011)................................................................69 José Sobreiro Filho – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Hellen C. Gomes Mesquita da Silva – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Camila Ferracini Origuéla – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

A luta pela terra no Rio Grande do Sul: Novos Territórios versus Espaços tradicionais.................................................101 Rosa Maria Vieira Medeiros – UFRS/Neag Michele Lindner – UFRS/Neag Douglas Machado Robl – UFRS/Neag Fernando Dreissig de Moraes – UFRS/Neag

Pelas ruas, campos, cidades e avenidas: Ações e manifestações dos Movimentos Socioterritoriais do campo no Brasil (2000-2011).............. 117 Carlos Alberto Feliciano – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Danilo Valentin Pereira – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

4. REFORMA AGRÁRIA A atualidade da reforma agrária brasileira: diversidade das políticas de obtenção de terras, dos camponeses e tipos de assentamentos rurais..... 145 Estevan Leopoldo de Freitas Coca – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Rafael de Oliveira Coelho dos Santos – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Herivelto Fernandes Rocha – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

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A geografia da reforma agrária e reforma agrária de mercado no nordeste brasileiro (1998 – 2006)...................................................................167 Eraldo da Silva Ramos Filho – UFS/Laberur

Reforma Agrária e ações dos movimentos socioterritoriais do campo em Minas Gerais: 25 anos de lutas e resistências.............................191 João Cleps Júnior – UFU/Lagea Ricardo Luis de Freitas – UFU/Lagea Fabiana Borges Victor – UFU/Lagea

5. DATALUTA JORNAL O estudo da questão agrária brasileira: contribuições do dataluta jornal....................................................................... 217 Janaina Francisca de Souza Campos – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera Tiago Egídio Avanço Cubas – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

6. ESTRUTURA FUNDIÁRIA Estrangeirização das terras: algumas notas sobre o caso do Brasil e da Paraíba..........................................235 Emilia de Rodat Fernandes Moreira – UFPB/Getec Flávia Bonolo – UFPB/Getec Ivan Targino – UFPB/Getec

Atlas da questão agrária brasileira................................................................... 251 Eduardo Paulon Girardi – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

DATALUTA: BANCO DE DADOS DA LUTA PELA TERRA RELATÓRIO BRASIL 2012 Introdução.............................................................................................................. 297 Metodologia........................................................................................................... 299 Referências – Rede Dataluta............................................................................... 341 Posfácio.................................................................................................................... 355

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BREVE HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO COLETIVO DE PENSAMENTO REDE DATALUTA

Com a publicação deste livro apresentamos um trecho recente da jornada que começou entre 1988 e 1990, quando fazia as pesquisas de campo de meu mestrado, estudando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST na luta pela terra e pela reforma agrária no estado de São Paulo. A dificuldade de acesso aos dados sobre assentamentos rurais levou-me a iniciar um projeto para sistematizar e organizar os dados de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e dos institutos de terras estaduais. Durante a pesquisa de campo, eu registrei os dados de ocupações de terras e, ao mesmo tempo, pelo dever do ofício, pesquisava o tema diariamente nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Imparcial (da cidade de Presidente Prudente). Quando confrontei os dados de ocupações que levantei em campo e nos jornais com os dados correspondentes publicados anualmente no Caderno Conflitos no Campo Brasil pela Comissão Pastoral da Terra – CPT, observei que algumas ocupações não estavam registradas no Caderno da CPT. Através de projetos de iniciação científica de alunos do curso de graduação em Geografia da UNESP, campus de Presidente Prudente, continuamos as pesquisas diárias de ocupações nos referidos jornais que eram sistematizadas anualmente e aferidos junto aos dados de ocupações da CPT, compreendendo município, nome da área ocupada, número de famílias, data da ocupação e movimento socioterritorial. Além de utilizar os dados nas análises em nossos trabalhos, também passamos a socializá-los para outros pesquisadores. Em 1998, fundei o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA, pois o que seria a minha sala de trabalho já havia se transformado em um pequeno laboratório de pesquisa, com três turnos de trabalho, em que meus orientandos dividiam seus tempos em um minúsculo espaço para a realização de

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Bernardo Mançano Fernandes

nossas pesquisas. Foi assim que, entre 1991 e 1998 nasceu o DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra. Em 1994, quando comecei as pesquisas de meu doutorado, já contava com um banco de dados para fazer uma análise nacional das ações do MST. A elaboração do primeiro Relatório DATALUTA aconteceu em 1999, com dados de 1998. Foram dez anos de trabalhos de pesquisa desde a ideia até a publicação do primeiro relatório. Foi o germinar da semente do que viria a ser a REDE DATALUTA com publicação anual de dados referentes às categorias essenciais da questão agrária brasileira, superando a dificuldade de acesso aos dados sistematizados sobre ocupações e assentamentos e incluindo novos temas. Em 2000, fui convidado pela CPT para assessorar na criação do DATACPT – o Banco de Dados da CPT, que desde 1985 tem realizado o mais amplo trabalho de levantamento de dados de conflitos no campo brasileiro, possuindo o mais importante banco de dados e documentos dobre o tema no Brasil. Entre 2004 a 2009 passamos a confrontar os dados de ocupações da CPT e do DATALUTA com os dados da Ouvidoria Agrária Nacional – OAN e observamos que uma parte dos dados era igual, outra parte somente a CPT havia registrado, outra parte somente o DATALUTA havia registrado e outra parte somente a OAN havia registrado. Ou seja, os esforços individuais não conseguiam registrar o montante dos dados que só é possível com o trabalho conjunto. Nos nossos relatórios apresentávamos os resultados das confrontações dos dados de ocupações registrados pelas três organizações. Sabíamos que eles não representavam a totalidade, pois a cada ano descobríamos dados de anos anteriores que não haviam sido registrados, o que nos convenceu de que esforço das três organizações não conseguiam cobrir todas as ocupações de terra que aconteciam no Brasil, mas estávamos convencidos que os nossos esforços era a aproximação possível. Nestes quinze anos do DATALUTA (vinte e cinco se consideramos o período de germinação), ampliamos nossas análises da questão agrária construindo ensaios teóricos sobre espacialização da luta pela terra; tipologias de assentamentos; o conceito de reforma agrária; os conceitos de movimento social, socioespacial e socioterritorial; paradigma da questão agrária e paradigma do capitalismo agrário, propondo o debate paradigmático na criação de um estilo de pensamento, dentro do nosso coletivo de pensamento, composto por pesquisadores de todos os níveis: professores doutores, alunos de

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Breve histórico da construção do coletivo de pensamento REDE DATALUTA

pós-graduação e de graduação. Foi nesse entretanto que vimos nascer novos temas. Em 2004 passamos a registrar os movimentos socioterritoriais a partir dos dados de ocupações. Iniciamos nossas análises sobre a estrutura fundiária a partir dos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR. Em 2010, começamos a pesquisar manifestações do campo confrontando com dados da CPT. E em 2012 iniciamos as pesquisas sobre estrangeirização da terra, ampliando nossas pesquisas para a escala internacional. Neste período, mantivemos acordo de cooperação internacional com o Doctorado en Estudios Sociales Agrarios (DESA) da Universidad Nacional de Córdoba – Argentina que tem entre diversos objetivos a criação do DATALUTA – Argentina. Este propósito igualmente é mantido com professores do departamento de Ciencias Sociales da Universidad de La República Oriental de Uruguay. Entre 2004 e 2007, também assessorei a Pastoral de la Tierra Interdiocesana na Guatemala, que implantou um banco de dados sobre os conflitos por terra. Mantemos contatos com organizações na Colômbia, Equador, Bolívia e Paraguai sobre as possibilidades de criação de bancos de dados sobre a questão agrária nestes países. A partir dos dados do DATALUTA, os artigos deste livro analisam esses temas ou categorias. Os dados são apenas referencias que contribuem para as análises dos movimentos das realidades. A organização dos dados em mapas, pranchas, gráficos, quadros e tabelas permite iniciar as análises, mas é apenas uma parte do processo. É evidente que para análises mais aprofundadas são necessárias leituras diversas, que são qualificadas com trabalho de campo e se propositivas, contribuem ainda mais para a compreen­ são e transformação da realidade. O DATALUTA tem sido uma fonte para diversos tipos de textos como demonstrado no capítulo que contém a relação de trabalhos acadêmicos. Os capítulos do livro mostram a diversidade temática. O debate paradigmático abre o livro porque esta propositura teórica e metodológica está sendo formada nesses quinze anos, tendo o DATALUTA como um suporte. Toda pesquisa é mais qualificada quando trabalha com diversidade de recursos e atividades, como dados, trabalho de campo, entrevistas, questionários, fotos, documentos etc. O debate paradigmático é um ensaio teórico que contribui para analisar os temas relacionados com a questão agrária e ao capitalismo agrário. Movimento socioterritorial é um conceito que estamos construindo há mais de uma década e o capítulo 2 mostra uma parte

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desta história. A luta pela terra e pela reforma agrária são os temas dos capítulos três ao oito. Analisadas em diferentes escalas e contextos, as ocupações, manifestações, assentamentos, movimentos socioterritoriais e os tipos de reforma agrária são analisados em artigos que foram escritos a partir de monografias, dissertações e teses. O capítulo nove discute a metodologia do DATALUTA JORNAL, um acervo com diversos procedimentos utilizados no DATALUTA. No capítulo 10 temos uma das primeiras amostra dos estudos a estrangeirização da terra no Brasil com destaque para a Paraíba. O Atlas da Questão Agrária é fruto de uma tese de doutorado na construção de uma proposta teórica e metodológica da cartografia geográfica crítica. Com base no DATALUTA, apresentamos uma leitura geográfica da questão agrária brasileira. E como um dos frutos do coletivo de pesquisadores da REDE DATALUTA apresentamos o relatório DATALUTA BRASIL 2013, com os dados até 2012. E por fim, uma mostra da produção intelectual desde o começo do processo de germinação até a publicação deste livro. Queremos alertar o leitor que por motivos técnicos do processo de publicação, os mapas encontra-se reunidos em uma parte do livro. Apresentamos o coletivo de pesquisadores que têm construindo um estilo de pensamento sobre a questão agrária brasileira como o leitor observará neste livro. Foi o empenho da Rede DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra, constituída por nove grupos de pesquisa no estudo de diversos temas e/ou categorias da questão agrária brasileira que possibilitou esta publicação. A Rede começou em 2005 a partir de uma reunião entre o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA, vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente e o Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA – da Universidade Federal de Uberlândia. Nos anos seguintes outros grupos foram convidados e se coligaram. Além do NERA e LAGEA, a Rede é formada pelo Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade – GEOLUTAS do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – campus de Marechal Rondon, pelo Núcleo de Estudos Agrários – NEAG do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pelo Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Biodiversidade do Pantanal – GECA da Universidade Federal de Mato Grosso, pelo Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos – LABERUR do Departamento de Geografia da Universida-

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de Federal do Sergipe, pelo Observatório dos Conflitos do Campo – OCCA da Universidade Federal do Espírito Santo, pelo Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato – GETEC, da Universidade Federal da Paraíba e pelo Laboratório de Estudos Territoriais – LABET, do campus de Três Lagoas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Em torno de uma centena de pessoas passaram pelos grupos de pesquisa nesses anos formando-se como pesquisadores. Também agradecemos suas inestimáveis colaborações. O esforço de criar o banco de dados e mantê-lo propicia a leitura constante da conjuntura agrária através de uma reflexão sobre a realidade, essencial para a formação intelectual. É o passar das pessoas­ pela REDE que a faz. Um exemplo desse fazer-se é o Boletim DATALUTA, onde publicamos mensalmente as análises dos grupos de pesquisas e de pesquisadores convidados. Em 2009, o DATALUTA tornou-se um projeto de pesquisa da Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial com sede na cidade de São Paulo. A Cátedra é um acordo de cooperação entre a UNESP e a UNESCO para a realização de pesquisas, publicações e formação superior. Já realizamos sete encontros nacionais que possibilitam o debate teórico e metodológico de nossas pesquisas. A construção de um coletivo de pensamento não significa consensos. Constitui-se em diversidades, em que cada pesquisador é livre para construir seu pensamento e debater com seus pares. Este é o sentido do debate paradigmático. Como o leitor verá neste livro, há muitas diferenças que compõem o coletivo, pois esta é sua identidade. E estas diferenças não são amenas, são confrontantes que geram constate conflitualidade nos grupos de pesquisa. Esta é geradora de conhecimentos novos, que nos possibilitaram propor conceitos e ensaios teóricos. Ao pensar um banco de dados há mais de três décadas, sequer imaginava algo parecido com esta trajetória. Este livro é, portanto, somente um trecho. Mas é nos trechos que observamos a paisagem dos territórios materiais e imateriais. Nossos textos são contribuições e esperamos receber de nossos leitores o retorno de modo a alimentar o debate paradigmático. Boa leitura Bernardo Mançano Fernandes – UNESP/NERA

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PREFÁCIO

Uma das coisas mais importantes para a construção da democracia é o processo de ordenamento territorial, que determina o acesso à terra. Os Estados modernos foram originados pela conquista territorial, e, no processo de descolonização, muitos países realizaram guerras e acordos para definição das fronteiras internas e externas. As disputas territoriais continuam em alguns países, como no Brasil, ou estão latentes em outros, mas são sempre presentes. Podemos observar como a questão do acesso à terra e à moradia é intrínseco à relação campo-cidade, que ora interage, ora confronta, ou os megaprojetos de exploração dos recursos naturais, que provocam processos de desterritorialização. O desenvolvimento tem sido entendido como uma transição do modo de vida rural para o urbano. E, assim, a modernização e o desenvolvimento expropriam os pequenos agricultores, produzindo um exército de sem-terra nas cidades. Em nome de um modelo de desenvolvimento, mantêm-se a concentração da terra e a marginalização dos pobres rurais e urbanos, que são vítimas da modernização conservadora do agronegócio. Nas últimas décadas, essa população tem se destacado por suas lutas pela terra e pelo território. Talvez em nenhum outro país essas lutas tornaram-se mais evidentes do que no Brasil. E uma das razões são as constantes pesquisas realizadas por diferentes instituições, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), através dos estudos realizadas pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera). O Brasil tem um dos níveis mais desiguais de propriedade da terra do mundo. O Relatório Dataluta 2013 mostra que 1,7% dos proprietários controlam 52% das propriedades rurais do país. Essa desigualdade é a fonte de uma série de outras, porque a propriedade da terra tem sido – e ainda é – a principal fonte de ri-

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Wendy Wolford

queza, de poder político e status econômico. Até recentemente, as mobilizações para protestar contra estas desigualdades e exigir o acesso à terra foram violentamente reprimidas. Dos movimentos milenaristas às mobilizações atuais, há uma longa história de organização e de protestos, embora os níveis de desigualdade, de pobreza e de violência rural permaneçam elevados. Nos últimos trinta anos, no entanto, os protestos em grande parte invisibilizados destacam-se no cenário nacional e internacional. Para melhor compreender este fato, basta ver a enorme energia dos sujeitos do campo, como os sem-terra, os sindicalistas, os membros de igrejas progressistas, os pequenos agricultores, que se uniram para construir a democracia na qual sejam protagonistas, lutando por direitos, mudando a sociedade. Esta mobilização começou a aparecer nos anos finais da ditadura militar e consolidou-se com a redemocratização. Em 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi criado, e na década seguinte se tornou o maior movimento socioterritorial da história do país. A organização, a visibilidade e a importância deste movimento impactou as economias emergentes por ter parecido anacrônico para alguns, mas para aqueles que conhecem a história da terra não houve surpresa. Apesar da importância da terra na história, ainda há muito para se conhecer. Aspectos fundamentais acerca do acesso, posse e uso da terra são pouco conhecidos. A estrutura fundiária brasileira ainda é uma incógnita para os mais dedicados estudiosos. O sistema de cadastro rural é um enorme desafio para os pesquisadores que procuram interpretá-lo através de estudos em diferentes escalas. Essa situação não é acidental. O sistema latifundiário sempre foi cúmplice do processo de irregularidades que o criou. Também, os dados sobre ocupações de terras, assentamentos, movimentos e manifestações são difíceis de encontrar. Os números de ocupações de terra e assentamentos são disputados nos meios de comunicação, governos e pesquisadores, que os interpretam omitindo as variáveis que interessam. E é por isso que o presente livro é tão importante: porque representa o mais recente estudo, em três décadas de trabalho, feito por um coletivo de pesquisadores que tem se dedicado a documentar, compreender e defender a luta pela terra, e que por isso se chama Dataluta: questão agrária e coletivo de pensamento. Este esforço é liderado pelo geógrafo Bernardo Mançano Fernandes que criou um banco de dados que é uma fonte importante na elaboração de estudos sobre o campo no Brasil. A continuação deste esforço se dá pelo

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Prefácio

Boletim Dataluta, que traz informações mensais atualizadas e precisas sobre a luta pela terra. Os estudiosos da luta pela terra e suas manifestações sabem que os dados são difíceis de encontrar. E, quando se encontra, é difícil de deci­frá-los, sempre limitados em alcance geográfico ou histórico e geralmente em contradição com a realidade em diferentes escalas. Os conflitos, em geral, são tratados como epifenômeno, em vez de serem vistos como fundamental para as transformações agrárias. Este livro ajuda a corrigir isso. Ele pode ser lido juntamente com as publicações regulares do Boletim Dataluta, em que os autores sintetizam e analisam os dados e os apresentam em forma de textos, gráficos e mapas. Os capítulos mostram a importância da compreensão da mobilização e da luta pela terra. Eles constroem uma estrutura intelectual para o estudo do território como tem sido apresentada por Fernandes em várias publicações – em que o território é material e imaterial, como expressão simbólica e cultural de um projeto de classe que está sendo moldado por múltiplas configurações territoriais em diversos lugares e a todo momento. Em suma, este livro é indispensável para estudiosos da questão agrária e, especialmente, para os estudiosos questão agrária no Brasil. Wendy Wolford Cornell University 29 de outubro de 2013

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1. DEBATE PARADIGMÁTICO

PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA E PARADIGMA DO CAPITALISMO AGRÁRIO Munir Jorge Felício – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

INTRODUÇÃO

Este estudo faz parte do debate atual sobre a questão agrária, cuja complexidade possibilita debater as leituras construídas pelos dois paradigmas: o da questão agrária (PQA) e o do capitalismo agrário (PCA). Para distinguir-se a questão agrária do paradigma da questão agrária, é importante lembrar que a primeira consiste no problema estrutural engendrado pelo avanço do capitalismo na agricultura, em cujo centro dos debates está a relação entre o capital e o campesinato, enquanto que o paradigma da questão agrária consiste numa referência teórica para se compreender o desenvolvimento do capitalismo na agricultura a partir da questão agrária como questão estrutural, refletindo sobre os diferentes fins e recriações do campesinato. O paradigma do capitalismo agrário consiste numa referência teórica que compreende o desenvolvimento do capitalismo na agricultura, a partir da questão agrária como questão conjuntural, refletindo sobre as interligações entre o agronegócio e a agricultura familiar, como partes do mesmo projeto para desenvolver a agricultura. A construção do debate paradigmático analisando estes dois paradigmas foi realizada no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – Nera, e tornou-se uma das referências para as pesquisas e estudos do Dataluta – Banco de Dados da Luta pela Terra. Alguns dos estudos desta construção teórica são: Fernandes, 2004; Felício, 2006a; Fernandes, 20081; 1

Embora este artigo tenha sido publicado em 2008, foi escrito em 2004 após debate com pensadores do paradigma do capitalismo agrário no Lincoln Institute of Land Policy e na Harvard University, como o autor notifica na primeira nota de rodapé.

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Munir Jorge Felício

Felício e Fernandes, 2010; Campos e Fernandes, 2011; Fernandes, Welch, Gonçalves, 2011 e 2012. Nosso método de reflexão por meio do debate paradigmático e nossa metodologia de pesquisa aplicada através do projeto Dataluta nos possibilitam acompanhar a conjuntura da questão agrária no Brasil. As categorias e os conceitos essenciais da questão agrária e do capitalismo agrário são discutidos a partir desta metodologia, demonstrando a imprescindibilidade do debate paradigmático como condição indispensável para construir significados aos novos e velhos elementos das relações entre o capital e o campesinato. A GÊNESE DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA

O paradigma da questão agrária surge na segunda metade do século XIX através das obras seminais de Marx (1984), Kautsky (1986), Lenin (1985) e Rosa Luxemburgo (1985). As temáticas nelas analisadas, tais como o fim do campesinato, a proletarização, a renda fundiária, entre outras, são imprescindíveis para o estudo do avanço do capitalismo na agricultura. Com base nesses autores e nas temáticas estudadas por eles é possível conhecer os principais impactos que ocorreram no início da industrialização da agricultura. À medida que avançou a industrialização da agricultura, o campesinato foi sendo esmagado e perdendo o domínio do seu território e sua autonomia relativa. O modo camponês de fazer agricultura a organizava a partir das aldeias, e a consolidava na propriedade comunitária do solo, desenvolvendo a cultura dos três campos, num sistema tendente à autossuficiência, como descreve Kautsky: O modo de produção medieval estava perfeitamente adaptado às necessidades de uma cooperativa de indivíduos de mesmo nível, tendo todos o mesmo gênero de vida e produzindo para o próprio uso (...). Agora surgia, todavia, um mercado caracterizado por necessidades variáveis; desenvolvia-se, assim, a desigualdade entre os companheiros da mesma aldeia (...) (Kautsky, 1986, p. 32-33).

Esse processo de transformação das relações feudais de produção foi distinguindo gradativamente a propriedade parcelária da propriedade individual, e inicia a dissolução da pequena indústria doméstica camponesa com

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o desenvolvimento da indústria urbana capitalista. A indústria e o comércio foram os dois pilares fundamentais por meio dos quais o capital se instalou na agricultura com a imposição de sua lógica de acumulação e, é a partir desse marco histórico que ele pretende instituir o assalariamento, sua relação social característica. Ao estudar a convivência da grande com a pequena propriedade, Kautsky procurou entender como acontece essa convivência, quando o capital quer tornar insustentáveis outras formas de produção que não seja a capitalista e outras formas de propriedade que não seja a privada. Nas suas análises, Kautsky parte do princípio de que “não se deve focalizar a agricultura como entidade isolada e desligada do mecanismo integral da produção social” (Kautsky, 1986, p. 15). O capital, para se apoderar da agricultura e revolucioná-la, tende a destruir antigas formas de produção e implantar a agricultura moderna. A implantação da agricultura moderna na Rússia desenvolveu-se de forma lenta devido às instituições sociais e econômicas feudais, como constatou Lenin (1985) na sua obra O desenvolvimento do capitalismo na Rússia – o processo de formação do mercado interno para a grande indústria. O capitalismo que se desenvolveu na Rússia é aquele que ficou conhecido como via prussiana, que acontece pela separação da economia camponesa em relação à economia senhorial. Do trabalho manual e da técnica primitiva ao trabalho intelectual e às transformações tecnológicas, “o capitalismo cria necessariamente a mobilidade da população que era desnecessária aos sistemas anteriores de economia social (...)” (Lenin, 1985, p. 373). Como o capital não fica adstrito às relações capitalistas de produção, mas reproduz também nas relações não capitalistas de produção, estas chamaram a atenção de Rosa Luxemburgo (1985). Ela entende que o capital, para expandir sua acumulação, engendra e reproduz relações não capitalistas de produção visando formar um novo capital-dinheiro. “A produção capitalista não é uma produção voltada para fins de consumo, mas para a produção de valor” (Luxemburgo, 1985, p. 14). Chayanov (1974), ao analisar a organização da unidade econômica camponesa (UEC) na Rússia, no início dos anos 1900, em que 90% da população compunha as unidades de exploração agrícola puramente familiar, tomou como chave do problema teórico a confrontação entre duas hipóteses: ou aceitar o conceito fictício da dupla natureza do camponês, no qual

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estão justapostas duas personalidades: o empresário e o proletário, ou o conceito de unidade econômica familiar, cuja motivação de trabalho é análoga à do sistema de empreita. Para Chayanov não existe terceira possibilidade. Ele escolheu a segunda, na qual a mão de obra é familiar. Para Shanin (1983) a expansão do capitalismo não foi suficiente para promover o desaparecimento do campesinato, mesmo que ele redefina antigas relações, subordinando-as à reprodução e acumulação do capital. Ao estudar a Rússia, no período pré e pós-revolucionário (1910-1925), constata que, nessa expansão, o campesinato não desapareceu completamente e nem permaneceu como antes. Para Shanin o fato principal dessa história é que “o desenvolvimento prognosticado da estrutura de classes, assim como o da resposta política do campesinato não ocorreram” (Shanin, p. 18). Isto é, o camponês pobre não lutou contra o camponês rico e nem o campesinato enfrentou a nobreza russa como era previsto por várias teorias. Essas incongruên­cias serão refletidas por Shanin tomando como referência esse importante período da história russa. O DESENVOLVIMENTO DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

Esses autores com suas obras, conceitos e temáticas influenciaram e influenciam a leitura da questão agrária no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Leitura marcada por diferentes compreensões do campesinato e do avanço do capitalismo na agricultura brasileira e, por isso, emergiram novos conceitos e novas temáticas nas obras de Prado Júnior (1979); Guimarães (1977); Andrade (1964); Valverde (1964) e Martins (1979). A temática estudada por Prado Júnior (1989) e Guimarães (1977) versava sobre a evolução da agricultura na sociedade capitalista no Brasil. Prado Júnior explica que não houve feudalismo no desenvolvimento econômico brasileiro, uma vez que O antigo sistema colonial, fundado naquilo que se convencionou chamar de o pacto colonial, e que representa o exclusivismo do comércio das colônias para as respectivas metrópoles, entra em declínio. Prende-se isto a uma transformação econômica profunda: o aparecimento do capitalismo industrial em substituição ao antigo e decadente capitalismo comercial (Prado Júnior, 1989, p. 123. Grifo do autor).

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Para Guimarães (1977) a metrópole transporta para a colônia o modo de produção feudal no qual o monopólio dos meios de produção está no monopólio da terra: A ordem feudal vigente na sociedade portuguesa de 1500 tinha sua base interna no monopólio territorial. E como a terra era, então, indiscutivelmente, o principal e mais importante dos meios de produção, a classe que possuía sobre ela o domínio absoluto estava habilitada a sobrepor às demais classes o seu poderio (...). Quando a metrópole decidiu lançar-se na empresa colonial, não lhe restava outra alternativa política senão a de transplantar para a América portuguesa o modo de produção dominante além-mar (Guimarães, 1977, p. 43).

Para demonstrar a dependência e a atrelagem do campesinato, Valverde (1964) demonstra o interesse mercantil das indústrias americanas, europeias e japonesas em se abastecer com matérias-primas fartas e baratas. A cera de carnaúba extraída dos estados do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte “é vendida para Fortaleza e Natal, de onde é exportada para os Estados Unidos, Europa e Japão” (Valverde, 1964, p. 340). O capital apropriou-se do trabalho familiar camponês mantendo-o atrelado num sistema de exploração e dependência. Dentro desse sistema ressalta a precarização das condições laborais que afetam o bem-estar e a saúde da família camponesa. A subordinação do trabalho familiar camponês, inclusive com a exploração do trabalho infantil deve-se à coleta comercial da borracha, do babaçu e da cera de carnaúba. Andrade (1964) estuda a resistência camponesa e suas estratégias diante do avanço do capital ao verificar que as famílias camponesas decidiram se organizar para lutar por alimentos na luta contra a estrutura fundiária concentradora de terra, uma vez que, “não é possível modificar as bases de um sistema de organização econômica e social senão mediante métodos revolucionários” (Andrade, 1964, p. 244). A resistência camponesa propaga-se a partir de 1950 com as Ligas Camponesas as quais “em 1960 já possuíram associados em 26 municípios pernambucanos da Mata, do Sertão e Agreste, alastrou-se rapidamente pela Paraíba onde surgiram grandes núcleos...” (Andrade, 1964, p. 248). Outros dois conceitos elucidam os conflitos agrários: a agricultura camponesa e a agricultura capitalista. A grilagem de terra no Brasil e a luta pela reforma agrária são duas temáticas que perpassam várias obras e são tratadas de diferentes perspectivas. 21

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Ao analisar o regime de colonato nas fazendas de café Martins (1979) estuda a metamorfose da renda capitalizada e as formas de sujeição do trabalho na grande lavoura e constata que o capital é um processo que engendra e reproduz relação não capitalista de produção. E explica que “o capitalismo, na sua expansão, não só define antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a essa reprodução” (Martins, 1979, p. 1920). Para ele, “não era o fazendeiro quem pagava ao trabalhador pela formação do cafezal. Era o trabalhador quem pagava com cafezal ao fazendeiro o direito de usar as mesmas terras na produção de alimento durante a fase da formação” (Martins, 1979, p. 74). Por essas razões Martins conclui que “a produção capitalista de relações não capitalistas de produção expressa não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada das contradições do capitalismo” (Martins, 1979, p. 21). Ele demonstrará também as contradições do capitalismo ao discutir as origens e a formação do campesinato (Martins, 1995) e ressalta que a tendência do capital é a de subordinar todos os ramos e setores da produção, no campo e na cidade, na agricultura e na indústria. No capítulo V desta obra, estuda a sujeição da renda da terra ao capital e o novo sentido da luta pela reforma agrária. Nesse capítulo ele explica que a expansão do capitalismo no campo assim como na cidade depende, em princípio, da separação entre o capital e o trabalho. Assim, “a apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho que nela se dá, o trabalho agrícola, se torne subordinado ao capital” (Martins, 1995, p. 162). A subordinação do campesinato pela empresa capitalista é explicada assim por Martins a partir dos pequenos agricultores do Sul do Brasil: Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra e nela trabalha sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o da sua família, ao mesmo tempo que cresce a sua dependência em relação ao capital, o que temos não é a sujeição formal do trabalho ao capital. O que essa relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa hoje claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade, quanto em relação à propriedade familiar, de tipo camponês (Martins, 1995, p. 175. Os itálicos estão no original).

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Esse raciocínio de Martins explica a histórica concentração fundiária no Brasil como condição para a sujeição da renda da terra ao capital. A luta pela terra e pela reforma agrária é a luta contra o capital que os camponeses têm levado adiante. Como os camponeses produzem os seus próprios meios de subsistência, têm condições de suportar melhor os confrontos com latifundiários, pois a luta pela terra é a luta pela sobrevivência. O problema para os camponeses não é a produtividade, mas a sobrevivência. Oliveira (1981) trata das relações entre a agricultura e a indústria no Brasil discutindo a ação do capital monopolista e a produção no campo. Salienta que seu estudo faz parte de um debate teórico “num momento histórico marcado pela luta dos trabalhadores da cidade e do campo contra o capitalismo monopolista” (Oliveira, 1981, p. 5). Como pesquisador assume sua posição nesse debate sabendo que ele sofre alterações à medida que avança a luta dos trabalhadores, pois, “essa luta ao avançar, coloca-nos diante da necessidade urgente de pensar (para transformar) o futuro, e consequentemente encontrar o caminho (de preferência o mais curto) rumo a outra ordem social, no mínimo mais justa que a atual” (Oliveira, 1981, p. 5). Oliveira (1981) entende que a expansão do modo capitalista de produção no campo se dá primeiro e fundamentalmente pela sujeição da renda da terra ao capital, quer comprando a terra para explorar ou vender, quer subordinando a produção de tipo camponês. Explica que a expansão do capital se faz de forma desigual e contraditória. “É assim o que ocorre com a chamada ‘modernização conservadora’” (Oliveira, 1981, p. 11) constituindo-se numa contraproposta à tese defendida por José Graziano da Silva na obra de 1981 intitulada: A modernização dolorosa. A compreensão de Oliveira (1981) está noutra direção. Ele entende a produção camponesa atrelada ao capitalismo monopolista que a subordina num processo de sujeição da agricultura à indústria, provocando transformações abrangentes com a integração horizontal exercida pelas multinacionais: A avicultura é sem sombra de dúvida o setor que tem apresentado nos últimos anos, transformações violentas. Desenvolvida ao sabor do capital comercial, que se incumbia de transacioná-la nas grandes cidades, a avicultura hoje é um apêndice da chamada integração horizontal exercida pelas multinacionais de ração (Sadia, Ralston Purina, Cargill, Central Soja etc.) que fornecem “gratuitamente” ao proprietário dos galpões (que representam os maiores investimentos no setor, hoje

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subsidiado pelo Banco do Brasil) o pintainho e a ração além de outros tipos de assistência. O produtor cuida da criação e depois entrega os frangos (geralmente 60 dias após) a essas indústrias que lhes dá 10% do preço de mercado do frango (Oliveira, 1981, p. 35).

A atrelagem da avicultura na indústria implica na subordinação, submissão e dependência dos camponeses produtores sem deixar nenhuma alternativa com a qual pudessem se livrar. Para os camponeses não há escolha, ou produz para a indústria nas condições exigidas por ela ou ficarão isolados do processo produtivo. Soares (1992), a partir de um estudo sobre as obras de Lenin, defende a hipótese de que o processo de divisão social do trabalho é fomentador do desenvolvimento rural e urbano. No capitalismo a essência do processo de aumento simultâneo da produtividade rural e do mercado encontra-se na concorrência entre os produtores de mercadorias e na divisão social e técnica do trabalho. Por isso enfatiza que No processo de formação de uma economia capitalista, a “descamponização” é o mecanismo básico da criação do mercado para o capitalismo. (...) Estudando o caso da Rússia, esse autor (Lenin) mostra como a decomposição do campesinato e sua transformação em proletariado e em burguesia rurais criava o mercado para o capitalismo que estava desenvolvendo-se. (...) A concorrência entre os produtores independentes, que transforma a economia mercantil em economia capitalista, cria o mercado para a produção capitalista ao produzir o enriquecimento da minoria e a ruína da massa, ao produzir a burguesia e o proletariado rurais (Soares, 1992, 139-140).

Soares (1992) entende que a agricultura é um campo para a aplicação de capital e instrumento de rebaixamento do custo de reprodução da força de trabalho e, consequentemente, de elevação da taxa geral de lucro. Assim, a expansão do mercado no capitalismo é obtida com o aprofundamento da divisão social do trabalho e, por essa razão, da necessária eliminação do campesinato. Entendemos, através das contribuições de Andrade (1964), Valverde (1964), Martins (1995), Oliveira (1981) e Soares (1992), que a questão agrária no capitalismo é estrutural e só pode ser superada com a destruição do sistema capitalista. Por conseguinte, a única saída para esses sujeitos, quer

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como camponeses quer como assalariados, é a luta contra o capital, numa perspectiva revolucionária de transformação da sociedade. A potencialidade desse paradigma em interpretar o desenvolvimento do capitalismo na agricultura foi expressa, por exemplo, nos debates (Felício, 2006; 2006a), nas publicações (Feliciano, 2006), nos eventos e nas organizações dos movimentos camponeses de forma “quase” hegemônica até o início da década de 1990. Hoje ele vive um tempo de refluxo (Porto-Gonçalves e Alentejano, 2010), mas permanece questionando através de suas interpretações e embates no campo de construção de projetos concorrentes de reordenação social. É o que demonstra a Coleção História Social do Campesinato, coletânea com mais de uma centena de textos analisando o campesinato brasileiro desde o período colonial até o início do século XXI, organizados em cinco tomos com dois volumes cada. Motta e Zarth (2008) organizaram os dois volumes que tratam das formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. São textos que analisam o campesinato do período colonial até os primeiros trinta anos da história republicana. Welch, Malagodi, Cavalcanti e Wanderley (2009) também em dois volumes abordam as leituras e as interpretações clássicas do campesinato no período de 1960 a 1970. Fernandes, Medeiros e Paulilo (2009) tratam das lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas; num primeiro volume analisam o campesinato como sujeito político nas décadas de 1950 a 1980, e no segundo, analisam a diversidade das formas das lutas no campo. Neves e Silva (2008) abordam os processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil, sendo um primeiro volume com textos que tratam das formas tuteladas de condição camponesa e um segundo, das formas dirigidas de constituição do campesinato. Godoy, Menezes e Marin (2008) organizaram também dois volumes que analisam as diversidades do campesinato: expressões e categorias: no primeiro, os textos tratam das construções identitárias e sociabilidade e, no segundo, das estratégias de reprodução social. CARACTERÍSTICAS, COMPONENTES E PROPOSIÇÕES DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA

Os teóricos do paradigma da questão agrária elegeram para construir suas análises os recursos do método do materialismo histórico dialético e,

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por isso, enfatizam os diferentes tipos de fim e de recriação do campesinato. O campesinato desaparecerá pelos processos de diferenciação, proletarização ou expropriação dos camponeses como entende Lenin (1980), ou pela sujeição ao Estado socialista como entende Kautsky (1986)? O campesinato não desaparecerá, pois, o avanço do capitalismo se dá de forma desigual e contraditória como sustenta Oliveira (1991, p. 20) afirmando que “o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica, (...) destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar camponês. Ao contrário, ele, o capital, o cria e recria (...)”. Um tipo de recriação do campesinato se dá pela compra, venda ou arrendamento da terra, ou pela subordinação da produção de tipo camponês (Oliveira, 1981). Martins (1979) enfatiza que o capital, além de não expandir de forma absoluta o trabalho assalariado, constitui-se num processo que “engendra e reproduz relações não capitalistas de produção” (Martins, 1979, p. 3, 19-20 e 85). Desta forma, entendemos que a recriação do campesinato, como contradição do capitalismo, é uma necessidade do capital como forma de reprodução ampliada, como esclarece Luxemburgo (1985) e, é assim explicado por Martins: “a produção capitalista de relações não capitalistas de produção expressa, não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada das contradições do capitalismo” (Martins, 1979, p. 21). Outro tipo de recriação do campesinato é explicado por Fernandes (1996, 2000, 2001) através da luta pela terra, como materialização da luta de classes, principalmente com as ocupações que os movimentos camponeses espalharam pelo território brasileiro, pois, “a luta pela terra é uma luta constante contra o capital. É a luta contra a expropriação e contra a exploração. (...) A ocupação é, portanto, uma forma de materialização da luta de classes” (Fernandes, 2000, p. 280). A recampesinização configura um tipo de recriação do campesinato em que a ênfase se concentra no jeito camponês de fazer agricultura, como explica Ploeg (2008); ou, então, pelo polimorfismo perverso na interpretação de Bartra (2007); ou, pelo conjunto de práticas e valores como condição de retorno à terra estudados por Marques (2004), ou ainda, pelas interações entre ação coletiva e ação pública e os valores de reciprocidade enaltecidos no estudo de Sabourin (2009). Nas proposições dos teóricos do paradigma da questão agrária como Ploeg, por exemplo, a perspectiva com relação ao campesinato é de que o

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protagonismo se manifesta nas suas práticas e resistências, como bem descreve Chayanov (1974): “A resistência se encontra em uma vasta gama de práticas heterogêneas, e cada vez mais interligadas, através das quais o campesinato se constitui como distintamente diferente” (Ploeg, 2008, p. 289. Os itálicos são do autor). O protagonismo do campesinato é reconhecido por Mazoyer e Roudart (1998) ao explicar que “os primeiros sistemas de cultura e de criação de animais apareceram na época neolítica, há menos de dez mil, nalgumas regiões pouco numerosas e relativamente pouco extensas do planeta” (Mazoyer e Roudart, 1998, p. 14). Portanto, as práticas heterogêneas que servem para armar a resistência camponesa hoje, proporcionando o processo de recampesinização, são resultado de uma herança agrária com raízes na época neolítica. Neste sentido, com raízes mais profundas historicamente, se comparadas ao capitalismo, e que hoje se constituem no jeito camponês de fazer agricultura. A perspectiva do campesinato na ótica dos teóricos do paradigma da questão agrária é do protagonismo propositivo do camponês, pois os problemas criados para o campesinato dentro do capitalismo não têm solução. Trata-se de uma questão agrária estrutural cujo limite é a superação do próprio sistema capitalista. Isso dentro do capitalismo é impossível. Sendo assim, ou o campesinato luta contra o capital e constrói o seu futuro, ou se une a ele perdendo sua identidade e sua autonomia. Neste raciocínio, o futuro de um coincide com o futuro do outro. Por isso os métodos revolucionários fazem parte da perspectiva camponesa, pois como explica Andrade: “não é possível modificar as bases de um sistema de organização econômica e social senão mediante métodos revolucionários” (Andrade, 1964, p. 244). A histórica luta pela terra, como explica o autor, é presença constante no Brasil desde a época colonial, quando o latifúndio se estruturava pelo regime sesmarial em que a concessão de terras era feita pelo Estado às famílias de prestígios palacianos; com isso, “formou-se a pequena nobreza dos cafezais” (Andrade, 1964, p. 189). Diante dessa estrutura fundiária extremamente concentrada, ergue-se a resistência camponesa, pois para Andrade, assim como para os teóricos do paradigma da questão agrária, não há saída para os problemas criados por essa estrutura. A questão agrária é estrutural e o limite é a sua superação, e isso é impossível no capitalismo, por isso a única alternativa para o campesinato consiste na luta contra o capital, como explicita Martins, “já não há como

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separar o que o próprio capitalismo unificou: a terra e o capital; já não há como fazer para que a luta pela terra não seja uma luta contra o capital, contra a expropriação e a exploração que estão na sua essência” (Martins, 1995, p. 177). Portanto, para os teóricos do paradigma da questão agrária a escolha do campesinato está entre lutar contra o capital ou ser asfixiado por ele, pela subalternidade e pela expropriação. Assim, o campesinato é compreendido como parte do capital, “de modo que a subalternidade e a expropriação aparecem como uma suposta ineficácia do campesinato e não como intensa exploração do agronegócio” (Fernandes, 2008, p. 9). A GÊNESE DO PARADIGMA DO CAPITALISMO AGRÁRIO

O paradigma do capitalismo agrário surge na segunda metade do século XX através das obras de Mendras (1984) e Lamarche (1993 e 1998). Os estudos de Mendras (1984) se desenvolvem na direção da metamorfose do campesinato em que o camponês se transforma em agricultor moderno e esse em agente econômico. Ele compreende o desaparecimento da civilização milenar francesa constituída pelo campesinato, que se formou há dez séculos, desde a Idade Média, num sistema agrícola marcado pelo equilíbrio e pelo alto grau de aperfeiçoamento. Esse sistema sucumbiu diante do desenvolvimento do capitalismo na agricultura francesa pelo processo de transformação do camponês que se tecnificou e se transformou em produtor de mercadoria. Desta forma, o campesinato deixa de ser um modo de vida, incorpora tecnologia e é integrado no mercado. Diante dessas constatações questiona Mendras: “Et que será um monde sans pausans?” (Mendras, 1984, p. 363). O que será do mundo sem os camponeses? O que será da França sem os camponeses? Tendo o desenvolvimento agrário inglês por modelo teórico, Mendras entende que a segunda revolução agrícola transformou todas as estruturas tradicionais do campesinato francês. Desta forma, ele enfatiza que “a agricultura, a seu modo, industrializa-se e o campesinato francês está destruído com 150 anos de atraso, pela civilização assim chamada industrial” (Mendras, 1984, p. 15). Ao analisar as mudanças e as inovações dentro das sociedades camponesas, Mendras (1984) reutiliza as contribuições de Chayanov (1974) através das quais, a economia camponesa consiste num sistema econômico em que a terra, o trabalho e os meios de produção se articulam em função do

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processo do desenvolvimento familiar. Numa economia capitalista, explica Mendras ao estudar as particularidades do mundo rural francês, a força de trabalho pode ser definida objetivamente sob a forma de capital variável – como entende Chayanov (1974) – e em combinação com certa quantidade de capital constante ambos são aplicados objetivando o lucro. A economia camponesa possui outra lógica, pois o produto do trabalho gerado pela família é a única categoria possível de ingresso econômico, e por não estar presente o fenômeno social do salário, a categoria capitalista do lucro também não está presente. Lamarche (1993, 1998) coordenou pesquisa internacional sobre a agricultura familiar na França, Canadá, Brasil e Polônia no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Analisa o desenvolvimento do campesinato nesses países e, numa perspectiva evolucionista, mostra a transformação gradual de um modelo original num modelo ideal. O modelo original é o camponês ou de subsistência, estruturado em bases essencialmente familiares marcadas pela conservação e crescimento do patrimônio familiar, porém sem assegurar o desenvolvimento das unidades produtivas. O modelo ideal ou integrado é o produtivista, capaz de transformar as unidades produtivas altamente integradas ao mercado, por incorporarem os principais avanços tecnológicos. Entre as características comuns dessas duas obras destacamos a desintegração do campesinato provocada pela industrialização da agricultura via incorporação de tecnologias e a integração do produtor ao mercado. Para Mendras, a industrialização da agricultura eliminou o campesinato francês, e para Lamarche (1993, 1998), os diferentes graus de integração ao mercado, como principal referência, explicam e justificam a transformação do camponês em agricultor familiar. O DESENVOLVIMENTO DO PARADIGMA DO CAPITALISMO AGRÁRIO NO BRASIL

Nesta parte, queremos estudar as contribuições dos teóricos do paradigma do capitalismo agrário no Brasil no contexto da reprodução do capital na agricultura. Entendemos, com Neves (1995, 2007), que o conceito agricultor familiar era desconhecido no contexto nacional de produção acadêmica em torno das atividades agropecuárias até o final da década de 1980. Ele aparece pela primeira vez em 1992 na tese de doutoramento de Ricardo

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Abramovay denominada “De camponeses a agricultores familiares: paradigmas do capitalismo agrário em questão” publicada com o título Paradigmas do capitalismo agrário em questão. Para Abramovay, a agricultura familiar é a principal forma social do progresso técnico no campo que se desenvolveu, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, e é a principal produtora de alimentos e fibras das nações mais desenvolvidas. A integração ao mercado, a capacidade de incorporar os principais avanços técnicos e a capacidade de responder às políticas governamentais são características da agricultura familiar distinguindo-a da agricultura camponesa. Assim explica Abramovay: O ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar contemporânea é exatamente aquele que vai asfixiar o camponês, obrigá-lo a se despojar de suas características constitutivas, minar as bases objetivas e simbólicas de sua reprodução social. Aí reside então a utilidade da uma definição precisa e específica de camponês. Sem ela é impossível entender o paradoxo de um sistema econômico que, ao mesmo tempo em que aniquila irremediavelmente a produção camponesa, ergue a agricultura familiar como sua principal base social de desenvolvimento (Abramovay, 1998, p. 131).

Segundo esse autor, o camponês possui racionalidade econômica incompleta e é parcial sua inserção em mercados incompletos, pois “o capitalismo é, por definição, avesso a qualquer tipo de sociedade e de culturas parciais” (Abramovay, 1998, p. 129) e, por essa razão, o futuro do camponês consiste em se metamorfosear em agricultor familiar. “Aquilo que era antes de tudo um modo de vida converte-se numa profissão, numa forma de trabalho” (Abramovay, 1998, p. 127). Ao projetar o desenvolvimento do capitalismo tomando como referência as realidades das nações capitalistas, o campesinato está condenado inexoravelmente, segundo Abramovay, ao desaparecimento porque ele é representante de “grupos sociais de transição entre sociedades primitivas e o universo urbano” (Abramovay, 1998, p. 102). Entre os teóricos do paradigma do capitalismo agrário destacamos as contribuições de Veiga pelo importante resgate histórico do desenvolvimento agrícola. Veiga (1991) entende que a agricultura moderna surgiu nos séculos XVIII e XIX, num intenso processo de mudanças tecnológicas, sociais e econômicas. A tendência dessas mudanças era integrar cada vez mais o

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campesinato ao mercado, transformando-o num produtor de mercadorias. Nesse contexto mundial, Veiga (1991) ressalta o predomínio da agricultura familiar nos Estados Unidos, Europa, Leste Asiático, Egito e México, afirmando que “foi a agricultura familiar que acabou se afirmando em todos os países do chamado Primeiro Mundo, inclusive no berço do belo high-farming” (Veiga, 1991, p. 188). Fortalecer a forma familiar de produção na agricultura constitui objetivo estratégico, segundo Veiga (1991), para transformar as unidades camponesas em estabelecimentos familiares. Ao tentar explicar o que distingue camponês de agricultor familiar o autor indica duas grandes diferenças: o grau de integração aos mercados e a própria limitação desses mercados. E explica que “os camponeses frequentemente se retiram do mercado, sem por isso deixarem de ser camponeses. Os agricultores familiares operam em mercados de produtos e fatores completamente desenvolvidos” (Veiga, 1991, p. 191). Graziano da Silva (1999), ao analisar o desenvolvimento agrário brasileiro, destaca as mudanças do padrão tecnológico na agricultura, partindo do princípio de que a terra se constitui num elemento importante do próprio capital. Para ele, o sentido fundamental do desenvolvimento do capitalismo no campo é a própria industrialização da agricultura, “o significado do desenvolvimento das forças produtivas no campo não é outro senão o de transformar a terra, de uma dádiva da natureza, num elemento do próprio capital, produto das relações sociais de produção” (Graziano da Silva, 1981, p. 45). Por entender que o campesinato está inserido no capitalismo como parte dele mesmo, pois o capital também acumula o excedente da produção camponesa, numa estrutura produtiva a que ela se encontra atrelada, Graziano defende a hipótese de que não há nenhuma alternativa ao camponês, a não ser contribuir com a reprodução do capital, com sua produção ou com sua força de trabalho. Por isso, A política tecnológica para o setor de pequenos produtores camponeses emerge como um elemento-chave no contexto da transformação dinâmica desse setor, no sentido de destruir, manter e elevar a economia camponesa a um patamar mais alto de integração com a economia global. Em outras palavras, a política tecnológica apresenta-se como de alta relevância no direcionamento dos processos de diferenciação

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e de decomposição do setor camponês em sentido ascendente e descendente, isto é, na direção de um processo de proletarização ou de capitalização (Graziano da Silva, 1999, p. 137-138).

Wanderley (2001), ao estudar as raízes históricas do campesinato brasileiro, elege a agricultura familiar como o novo produtor moderno que é capaz de adaptar-se às novas exigências tecnológicas e sociais. Para Wanderley, nas sociedades modernas, multiplicam-se outras formas de agricultura familiar, não camponesas. Elas “tentam adaptar-se a esse novo contexto de reprodução, transformando-se interna e externamente em um agente da agricultura moderna” (Wanderley, 2001, p. 33). Dentre as transformações ressalta a autora a integração e a subordinação à racionalidade moderna em que o “agricultor se profissionaliza; o mundo rural perde seus contornos de sociedade parcial e se integra plenamente à sociedade nacional” (Wanderley, 2001, p. 35). A continuidade entre campesinato e agricultura familiar fundamenta-se sobre a relação que ambas mantêm entre a propriedade, o trabalho e a família, por isso afirma Wanderley que “a agricultura camponesa tradicional vem a ser uma das formas sociais de agricultura familiar” (Wanderley, 2001, p. 23). Para ela, o campesinato é historicamente predominante nas sociedades tradicionais e se constitui de grupos sociais que estão em transição entre a tribo primitiva e a sociedade industrial. Hespanhol (2000) entende que as expansões de formas capitalistas de produção no campo levaram parcela considerável dos produtores à expropriação de seus meios de produção, excluindo-os do circuito produtivo. Isso provocou uma grande diversidade de unidades produtivas que, não obstante as enormes diferenças de ordem econômica, social, cultural e política que as caracterizam, apresentam em comum o fato de terem a terra, o trabalho e a família vinculados. Contribuíram favoravelmente para a mudança de perspectiva em relação à produção familiar, as análises de âmbito internacional e as de cunho regional ou local que, abordando sob diferentes matizes teórico-metodológicos, possibilitaram um melhor entendimento dessa categoria de produtores. No cerne de suas discussões, há a refutação do conceito de camponês – por ter perdido o poder explicativo –, substituído pelo de agricultor familiar, pois “as categorias de análise até então utilizadas para caracterizarem essas unidades de produção (...) perderam seu poder explicativo, favorecendo

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a emergência de novas concepções teóricas, consubstanciadas na categoria agricultura familiar” (Hespanhol, 2000, p. 2). Todavia, há uma contradição entre o referencial teórico e as constatações de base empírica. O referencial teórico agrupou teorias que defendem a transformação do camponês em agricultor familiar como única possibilidade de futuro por ser este um produtor moderno totalmente integrado ao mercado, racionalizando ao máximo sua produção. Porém, as informações de base empírica demonstraram não ser isso o que ocorre na realidade vivida pelos agricultores familiares, visto que: (...) com o agravamento dos problemas enfrentados por esses produtores (exaustão dos solos, baixa produtividade das culturas, baixos preços para os produtos agrícolas, dificuldades de acesso ao crédito rural etc.) associados à intensificação da concentração fundiária, resultante da expansão das áreas de pastagens, levaram a descapitalização crescente dessas explorações familiares, resultando numa menor capacidade de absorção da força de trabalho e consequente expulsão de um expressivo contingente populacional (Hespanhol, 2000, p. 322).

Desta forma, há um desencontro entre as concepções defendidas pelo referencial teórico e as constatações empíricas, pois a realidade mostra que não houve a inserção do agricultor familiar no mercado como produtor moderno, visto que ele foi expulso do circuito produtivo pela descapitalização, como também foi expropriado dos seus meios de produção. De acordo com Abramovay (1998), Veiga (1991), Graziano da Silva (1999), Wanderley (2001) e Hespanhol (2000) a questão agrária no capitalismo é conjuntural. Ou seja, o problema não estaria no sistema capitalista, mas sim no camponês. Por conseguinte, o único futuro seria este deixar de ser camponês transformando-se em agricultor familiar e como tal ser integrado ao mercado, contribuindo e participando da reprodução do capital. CARACTERÍSTICAS, COMPONENTES E PROPOSIÇÕES DO PARADIGMA DO CAPITALISMO AGRÁRIO

Os teóricos do paradigma do capitalismo agrário elegeram o método positivista para construir suas análises por entenderem que, por meio dos recursos deste método, é possível demonstrar que não há questão agrária no capitalismo. Para esses teóricos, o sistema capitalista é suficiente para

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solucionar todos os problemas, inclusive o problema que emerge com o camponês. A solução consiste em integrá-lo por meio das políticas públicas, as quais propiciam sua transformação com o processo de tecnificação, metamorfoseando-o em agricultor familiar. Ele deixa de ser produtor de subsistência para se transformar em produtor moderno e deste em agente econômico. Segundo Veiga a análise histórica demonstra “a consolidação da agricultura familiar durante a intensificação do capitalismo industrial americano, europeu, japonês etc.” (Veiga, 1991, p. 189), e que a diferença entre camponês e agricultor familiar está no grau de integração aos mercados em que “os agricultores operam em mercados de produtos e fatores completamente desenvolvidos” (Veiga, 1991, p. 191). O campesinato constitui uma sociedade parcial provida de uma cultura parcial e, se encontra a “meio caminho” entre a “barbárie e a civilização” (Mendras, 1984, p. 13). A cultura tradicional e o modo de vida de pequenas comunidades rurais, a vida da aldeia, os laços comunitários da vida camponesa, o mutirão e a reciprocidade proporcionam apenas “a integração parcial a mercados incompletos”, pois, “nada mais distante da definição do modo de vida camponês que uma racionalidade fundamentalmente econômica” (Abramovay, 1998, p. 115. Itálicos do autor). “As sociedades camponesas são incompatíveis com o ambiente econômico onde imperam relações claramente mercantis” (p. 117). A incompatibilidade entre o campesinato e o capitalismo exige a metamorfose do camponês em agricultor familiar. “Aquilo que era antes de tudo um modo de vida converte-se numa profissão, numa forma de trabalho. O mercado adquire a fisionomia impessoal com que se apresenta aos produtores numa sociedade capitalista” (Abramovay, 1998, p. 127). Como forma de negar o protagonismo do campesinato, os teóricos do paradigma do capitalismo agrário procuram diferenciar camponês do agricultor familiar como afirma Abramovay: “uma agricultura familiar, altamente integrada ao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder às políticas governamentais não pode ser nem de longe caracterizada como camponesa” (Abramovay, 1998, p. 22. Itálico do autor). O camponês numa economia capitalista só pode ser coadjuvante dada sua integração parcial a mercados incompletos. “As sociedades camponesas são incompatíveis com o ambiente econômico onde imperam relações claramente mercantis” (Abramovay, 1998, p. 117).

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Justificando que o termo camponês é de origem política pela associação às reivindicações da esquerda latino-americana, e que junto com a palavra campesinato, foram “incorporadas, ainda que indevidamente, ao nosso discurso político e ao trato da questão agrária” (Martins, 2004, p. 45), os teóricos do paradigma do capitalismo agrário procuram negar o protagonismo do campesinato atribuindo-lhe a pecha de atrasado, estorvo ou resquício feudal. Por isso foram e continuam sendo meros coadjuvantes por ocupar um lugar secundário e subalterno na agricultura brasileira historicamente marcada por privilegiar a grande propriedade e nela desenvolver a monocultura exportadora (Fernandes, Gonçalves, Welch, 2011 e 2012). Submissão, isolamento, pobreza, precariedade, agricultura itinerante, cultivadores pobres livres, autoconsumo, agricultura de subsistência são os elementos utilizados por Wanderley (2001, p. 36-55) para compreender o campesinato no Brasil. Essa forma de agricultura tem “que se adaptar às exigências da agricultura moderna, essa forma de agricultura guarda ainda muito dos seus traços camponeses, (...)” (Wanderley, 2001, p. 52)2. CONCLUSÃO

A complexidade da questão agrária advém do seu centro, onde se desenvolvem as relações entre o capital e o campesinato. O campesinato se desenvolve no capital sem fazer parte dele e o capital se desenvolve hegemonicamente sem conhecer limitações. Estas perspectivas distintas demonstram a multidimensionalidade da questão agrária, o que justifica a proposta deste estudo e a imprescindibilidade do debate paradigmático pelo confronto das interpretações, como condição de estudo dessa área de pesquisa. O confronto interpretativo entre as diversas leituras dos paradigmas contribui na compreensão e na forma de desvendar os vários métodos de análise, os distintos referenciais teóricos, as ideologias, as intencionalidades e as opções políticas presentes nas teses sustentadas pelos pesquisadores. Construir-se-ão as análises a respeito do debate entre os dois paradigmas o da questão agrária e do capitalismo agrário por não se encontrarem elementos na realidade empírica e na academia para um terceiro.

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Ver o artigo: O camponês, um trabalhador para o capital. Wanderley, M. N. B. 2009, p. 71-136.

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2. MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS

A CONTRIBUIÇÃO DA ABORDAGEM SOCIOTERRITORIAL À PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS Nelson Rodrigo P edon – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

L ar a C ardoso Dalperio – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

INTRODUÇÃO

A crescente importância analítica dos conceitos de referência espacial vem acompanhando as mudanças ocorridas na realidade. O espaço, categoria tradicionalmente tomada como objeto de reflexão do pensamento geográfico, constitui um importante instrumento analítico da dinâmica e dos processos sociais. Entendido como espaço da ação humana, é nele que os conflitos entre os homens se condensam dando forma e conteúdo ao território. A partir da década de 1980, diversas experiências de resistência aos processos de exclusão e subordinação passaram a interessar aos pesquisadores da ciência do espaço. As mobilizações populares, organizadas na forma dos movimentos sociais, foram aos poucos sendo inseridas no conjunto dos temas adotados pela Geografia. Antes desse período, os movimentos sociais estiveram ausentes da agenda de pesquisa dos geógrafos, nas décadas de 1960 e 1970, as exceções foram os trabalhos precursores de Andrade (1964) e de Castro (1967), que enfocaram a ação das Ligas Camponesas no contexto de pobreza e concentração fundiária do Nordeste brasileiro. Os estudos que começaram a ser executados a partir da década de 1980 se alinhavam, teoricamente, ao marxismo ou à suas releituras. As interpretações partiam de uma visão mais geral sobre o desenvolvimento das relações

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de produção capitalistas sobre o espaço e suas consequências catastróficas para a existência da classe trabalhadora. Em seu conjunto, a principal característica dos primeiros estudos foi a adoção de referenciais teóricos estrangeiros à Geografia, fato que se explica pela lacuna existente na produção geográfica sobre a temática dos movimentos sociais. A proposta da Geografia Crítica representou, a um só tempo, uma renovação dos quadros explicativos que embasavam os estudos sobre a relação dos homens com seu espaço tendo como referencial basilar o materialismo histórico dialético, e uma ampliação da perspectiva geográfica, a qual passou a lançar seus olhos a temáticas antes atribuídas, como objeto de investigação, a outras ciências ou, que eram simplesmente ignoradas, sem muitas justificativas. OS PRECURSORES: A ÊNFASE NAS LIGAS CAMPONESAS

No Brasil, o interesse dos geógrafos pelos movimentos sociais, enquanto temática a ser pesquisada e teorizada, acompanhou o processo de renovação da Geografia na passagem da década de 1970 a 1980. Antes disso, dois importantes autores nordestinos foram os primeiros a apontarem em suas obras a presença de movimentos sociais no Brasil: Manuel Correia de Andrade que publica, em 1964, o livro A terra e o homem no Nordeste, no qual realiza uma análise dos problemas do Nordeste brasileiro a partir da apropriação do solo, elaborando, inclusive, uma regionalização com base no processo de colonização da região; sua conclusão é a de que esta ocupação se deu em função do desenvolvimento do capitalismo comercial, e Josué de Castro1 que publica, em 1965, o livro Sete palmos de terra e um caixão: ensaio sobre o Nordeste uma área explosiva2, no qual introduz o estudo dos movimentos sociais do Nordeste explorando a ação das Ligas Camponesas, surgidas na Zona da Mata pernambucana na década de 1950. Esse livro, assim como boa parte da obra de Josué de Castro, tem um caráter de denúncia da situação de sujeição do homem e da terra a um modelo de desenvolvimento baseado na grande propriedade e submisso aos interesses internacionais.

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Josué de Castro não era geógrafo de formação, todavia parte considerável de suas pesquisas, pelo menos a que acabou sendo a mais conhecida dos leitores em geral, se deu no campo no pensamento geográfico. 2 Utilizamos a 2ª edição, de 1967.

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Os autores apontam que, como consequência da falta de reforma agrária no país e da submissão dos interesses nacionais aos ditames estrangeiros, tem-se um aprofundamento das tensões sociais no campo e a consequente organização social com o objetivo de reivindicar mudanças no quadro agrário brasileiro. Assim, esboçam um pouco da sensibilidade que os geógrafos possuíam acerca do problema, ao mesmo tempo em que demonstram um campo temático possível de estudos para os demais pesquisadores. Como efeito do momento em que os trabalhos foram escritos, os autores apresentam aquele que era o mais importante movimento social brasileiro: as Ligas Camponesas. No caso de Andrade (1964), os problemas sociais são abordados juntamente com as questões da apropriação da terra, sendo que esse viés social não foi entendido por muitos pesquisadores da época, uma vez que a Geografia brasileira ainda estava comprometida com a escola tradicional francesa. O autor considera as Ligas Camponesas como formas embrionárias de organização popular que veem, nas medidas implementadas pelo Estado, soluções pouco eficazes, já que beneficiam apenas um pequeno número de pessoas, enquanto a “maioria absoluta dos camponeses continuaria a vegetar” (Andrade, 1964, p. 244). Acerca da espacialização e alcance das Ligas, Andrade (1964) aponta que mesmo nos municípios que não possuíam núcleos havia uma relativa influência. Julião teria afirmado que, ainda que de forma desordenada, a organização havia crescido a tal ponto que, em toda da Zona da Mata e em boa parte do semiárido do Nordeste, não havia um camponês que já não fosse potencialmente da Liga. E que, em qualquer estado nordestino, mesmo onde a Liga não havia sido fundada, era comum um camponês injustiçado dizer para o capataz ou para o patrão: “graças a Jesus Cristo a ‘Liga’ vai chegar. Será nossa liberdade” (Andrade, 1964, p. 249). Josué de Castro (1967), num tom de denúncia mais visível do que o de Andrade (1964), buscou desvendar os liames da condição de pobreza da população nordestina. Se Andrade sustenta o viés histórico da colonização brasileira como processo produtor de desigualdades da região nordestina, Josué de Castro reforça a ideia de que a estrutura agrária concentradora mantida por uma elite tradicional organiza aquele espaço com o objetivo de manter seus privilégios e os interesses do capital estrangeiro. O autor dirige suas críticas para aqueles que buscam fazer da seca a principal causa da pobreza e fome nordestina. Para ele “(...) mais do que a seca, o que acarreta esse

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estado de coisas é o pauperismo generalizado, a proletarização do sertanejo, sua produtividade mínima, insuficiente (Castro, 1967, p. 169-170) (...). O latifúndio é o responsável pela paisagem defunta, impregnada da presença constante da morte” (Castro, 1967, p. 41). No capítulo 1, “A reivindicação dos mortos”, Castro (1967) mostra como as Ligas Camponesas surgiram como uma entidade civil de ajuda mútua na qual a principal finalidade era dar aos camponeses um funeral decente, uma vez que eram enterrados em caixões doados pela prefeitura ou, muitas vezes, enrolados em redes. Com a denominação inicial “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco”, que visava defender os direitos dos mortos, as Ligas Camponesas foram se transformando aos poucos num movimento que passou a lutar pelos direitos dos camponeses vivos. O texto de Castro é repleto de metáforas que são utilizadas para denotar os valores e as opiniões do autor frente ao problema tratado, visto que seu livro preserva o tom de denúncia do retrato socioespacial do Nordeste, ao mesmo tempo em que aponta as Ligas como o aceno de uma consciência nascente e que pode se desenvolver rumo à revolução. Diferentemente de Andrade, Josué de Castro tem a revolução no horizonte. Possivelmente a “frustração” deve ter dado lugar à “utopia”, já que seu livro foi publicado no ano do golpe militar, ocorrendo pouco depois a diluição das Ligas. Sua análise não é menos científica nem menos detalhada do que a de Andrade, pelo contrário, o autor busca nas relações sociais e na cultura os elementos que estruturam a paisagem morta do Nordeste, ao mesmo tempo em que mistura seus juízos de valor com os dados e informações que fazem das Ligas Camponesas algo de novo nessa paisagem. Assim como Andrade, Josué de Castro também tem a História como elemento explicativo. Para ambos, a sujeição do Brasil, primeiro ao imperialismo europeu e depois ao imperialismo norte-americano, foi responsável por manter grande parte da população na miséria. Os trabalhos de Manuel Correia de Andrade e Josué de Castro marcam, de forma precursora, a “pré-história” dos estudos sobre movimentos sociais na Geografia brasileira. Representantes de uma visão avançada e bem embasada dos problemas brasileiros, os geógrafos fizeram apontamentos que hoje fazem parte dos estudos sobre movimentos sociais. Questões relativas à espacialização dos movimentos e sua interação com outros setores da sociedade; à ação dos mediadores, sua agenda política (esclarecedora dos objetivos e da ideologia dos movimentos), e sua relação com a estrutura

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socioeconômica da sociedade (constituída num devir histórico conflituoso que marca a constituição do território brasileiro), demonstram uma perspectiva de totalidade que se desenvolverá na década de 1980 com a ampliação desses estudos na Geografia. ESTUDOS PIONEIROS: A VALORIZAÇÃO DA TEMÁTICA

É no contexto das transformações políticas e sociais vividas pela sociedade brasileira a partir do final da década de 1970, que ocorre a inserção de ideias relativas à valorização das ações políticas mais amplas no campo da pesquisa geográfica. Tal inserção foi baseada na incorporação do marxismo e na adoção de sua orientação metodológica, o materialismo histórico e dialético. A parca teorização e a supervalorização das pesquisas pautadas em procedimentos tradicionais passaram a sofrer severas críticas nesse momento. O descontentamento com a pouca reflexão em relação à própria prática científica, assim como ao engajamento ideológico e social do geógrafo passaram a estar na pauta de debates. Os trabalhos que inauguraram os estudos sobre movimentos sociais após os agitos da crise e renovação da Geografia brasileira na década de 1980 têm como referencial teórico autores estrangeiros e de outras disciplinas. São na sua maioria sociólogos, a exemplo dos brasileiros: José A. Moysés, José de S. Martins, Maria da Glória Gohn e Ana Clara T. Ribeiro, e europeus como Manuel Castells, Jean Lojkine, entre outros. A Geografia brasileira passa, então, a abordar questões antes deixadas de lado, tais como: a) o papel e comprometimento do Estado com os agentes hegemônicos do capital; b) a questão da neutralidade do conhecimento científico, sobretudo a partir do conhecimento geográfico ensinado nas escolas; c) o caráter político da degradação ambiental e a crescente artificialização da natureza pelo trabalho social; d) a subsunção das relações sociais comunitárias pelas relações capitalistas, entre outros. Do ponto de vista teórico, os geógrafos passaram a ver sua ciência como uma importante ferramenta para o desvendamento das máscaras que cobriam as ações das classes sociais, tal como propusera o texto de Ruy Moreira, A Geografia serve para desvendar máscaras sociais, de 1980. O levantamento do material bibliográfico utilizado para a fundamentação da reflexão que ora se realiza, pautou-se na relevância que os periódicos possuem no interior de nossa disciplina, por agregar textos que sintetizaram

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as tendências teóricas e temáticas do momento. Os artigos de periódicos são importantes por representarem o estágio inicial das pesquisas e suas tendências teórico-metodológicas, já que os livros só são publicados depois que as ideias já estão mais bem definidas. De acordo com nossas pesquisas realizadas em alguns dos principais periódicos, constata-se que não houve estudos que elegessem os movimentos sociais como objeto principal nas décadas de 1960 e 1970, nem a divulgação de pesquisas. Os periódicos examinados referentes a este período foram: o Boletim Paulista de Geografia (BPG), organizado pela Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), e a Revista Brasileira de Geografia, organizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram consultados somente os artigos associados à temática socioeconômica, sendo descartados aqueles que tratavam estritamente de questões ambientais ou físicas. Nas duas revistas, no período em questão, não houve nenhum artigo publicado sobre movimentos sociais. Os temas predominantes são: processo de urbanização; funções regionais e zonas de influência; projeção espacial de cidades em área de influência; regiões polarizadas e homogêneas; estudo de centros industriais; definição estatística de regiões agrícolas; metodologia para tipologia em agricultura; dimensões de diferenciação de cidades; padrões de utilização da terra; localidades centrais; classificações espaciais e regionalização; análise regional e planejamento econômico; correntes migratórias e crescimento urbano; desenvolvimento agrícola; desigualdade de renda; agricultura e capital; mapeamento de informações geográficas; distribuição de densidades demográficas; aglomerações urbanas; epistemologia e Nova Geografia; delimitação de centros urbanos; desequilíbrios regionais; redes de localidades centrais; modernização agrícola e cartografia. De 1970 a 1980, toda agitação do contexto de abertura política brasileira havia gerado um otimismo naqueles setores da sociedade que almejavam mudanças políticas e sociais. No campo teórico, surgiram os primeiros ensaios no sentido de se desenvolver um novo modelo explicativo que pudesse interpretar as especificidades das mobilizações emergentes e que, ao mesmo tempo, permitisse um entendimento ampliado do sindicalismo nascente. O movimento sindical e o conjunto das ações coletivas que ocorriam, principalmente nas metrópoles, foram analisados a partir do paradigma marxista clássico das lutas de classe e da relação classe-Estado. Não obstante a essa influência marxista, os quadros explicativos que surgiram ampliaram

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as perspectivas para além das análises da inserção dos sujeitos no sistema de produção, apontando as potencialidades geradoras da transformação a partir da inserção dos setores mobilizados na esfera da reprodução social. Este é o caso dos estudos acerca das associações de moradores. A produção geográfica naquele momento foi marcada pelas seguintes características3: – uma marcante segmentação da base de referência empírica das pesquisas e das teorizações: o urbano e o rural. Mesmo com o afloramento de um conjunto diverso de mobilizações sociais, a tendência à segmentação levou às especializações temáticas, ancoradas em recortes paradigmáticos próprios; – na década de 1980, nas pesquisas sobre movimentos sociais urbanos foram predominantes, principalmente os estudos de casos. A escala nas análises coincide com a base de referência territorial (recorte), suas reivindicações estão voltadas quase que exclusivamente para o Estado; – as pesquisas sobre movimentos sociais rurais são marcadas por um alto grau de generalidade, alguns estudos ignoram as especificidades dos casos, que, quase sempre, acabavam reduzidos ou enquadrados num modelo paradigmático único e hegemônico no interior do debate acadêmico, e – por último, destaca-se a ausência de construções teórico-conceituais que permitissem inserir os movimentos sociais no quadro analítico específico da Geografia. Na década de 1980 e primeira metade da década de 1990, não houve uma postura mais propositiva do ponto de vista teórico-conceitual. A exceção fica por conta da crítica um pouco mais profunda realizada por Marcelo Lopes de Souza, em sua dissertação de mestrado, em 1988, que resultou numa abordagem mais complexa dos movimentos sociais no que se refere ao aspecto conceitual, como por exemplo, a distinção entre movimentos sociais e ativismos, formulada por ele. A respeito da produção geográfica publicada em periódicos nas décadas de 1980 e 1990, selecionamos revistas, todas de 3

Na década de 1980, tem-se início a publicação de livros que abordam especificamente os movimentos sociais, parte deles são resultados de pesquisas elaboradas junto a programas de pós-graduação, como os estudos de Viana (1980), Bernardes (1983), Moreira (1984), Kahil (1985), Silva (1987), Mitzubuti (1986), Rodrigues (1988) e Souza (1988) ou, como no caso de Andrade (1986) e Oliveira (1988), resultado das reflexões acumuladas ao longo da experiência acadêmica e militante dos autores.

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veiculação nacional; o Boletim Paulista de Geografia (BPG), o Boletim de Geo­grafia Teorética (BGT), o Boletim Goiano de Geografia (BGG), o Caderno Prudentino de Geografia (CPG) e a revista Terra Livre (TL). Acreditamos que esses periódicos representem as tendências teóricas e temáticas da Geografia brasileira na década de 1980. Nos quatro primeiros periódicos, a presença de trabalhos sobre movimentos sociais se deu associada a alguma ocasião específica e/ou de maneira esporádica e isolada no interior de edições voltadas para outras temáticas, como por exemplo, o número 42 do BGT, de 1992, voltado para a publicação dos trabalhos apresentados no II Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Esta edição publicou um conjunto de artigos voltados exclusivamente para a temática dos movimentos sociais urbanos, discutidos na mesa redonda “Cidades e movimentos sociais”. Muitos autores destes artigos haviam concluído seus trabalhos de Pós-Graduação no final da década de 1980, a exemplo de Silva (1987)4 e Rodrigues (1988). Nos textos, de maneira geral, predominou uma visão ampla sobre os problemas resultantes da ação dos agentes capitalistas no processo de mercantilização do espaço urbano, das intervenções estatais (privilegiando as classes dominantes) e a ação dos movimentos sociais concebidos como resposta às desigualdades geradas no âmbito desse processo. Ainda com relação ao BGT, os números 49 e 50, de 1995, trouxeram um conjunto de artigos resultantes dos trabalhos apresentados no XII Encontro Nacional de Geografia Agrária, em que figuram textos como o de Roberto Maria Batista de Figueiredo, intitulado: “Conflitos de terra na área de influência do Projeto Ferro-Carajás em Parauapebas (PA)” (p. 639-646) e o de Mirian Claudia Lourenço Simonetti, intitulado: “A luta pela terra como luta socioambiental” (p. 495-508). O Boletim Goiano de Geografia (n. 9-10), de 1990, é um bom exemplo de publicação que não obteve uma ampla divulgação. No texto de título: “Associação das vítimas do Césio 137: identidade e diversidade de um movimento social”, suas autoras, Clyce Louise Wiederhecker e Elza Guedes Chaves, buscaram relacionar o acidente com o césio 137, ocorrido em Goiâ­ 4

Esta referência diz respeito à tese de José Borzachiello da Silva, Movimentos sociais populares em Fortaleza – uma abordagem geográfica, defendida na USP, em 1987. Todavia, utilizamos a tese publicada na forma de livro, intitulado Os incomodados não se retiram: uma análise dos movimentos sociais em Fortaleza. Fortaleza: Multiraf, 1992.

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nia em 1987, a problemas de ordem conjuntural e estrutural como, por exemplo, o processo de militarização do uso da energia nuclear no país, que vigorava naquele momento e o processo de segregação socioespacial, reflexo da mercantilização do espaço urbano na sociedade capitalista. Duas conclusões ficam evidentes: a desvalorização da área afetada e a edificação, no imaginário da população, de uma concepção estigmatizada do fato ocorrido e do espaço onde ocorreu. As autoras apresentam uma visão ampla da forma como o acidente marcou a população, focando, inclusive, sua dimensão subjetiva, ao demarcar as condições que levaram os atingidos a se organizar na forma de um movimento social: a Associação das Vítimas do Césio 137. Os objetivos da associação eram: a) garantir os direitos dos atingidos, b) a busca por informações confiáveis e c) consolidar uma identidade entre as vítimas. Esse artigo é um importante exemplo de estudo sobre movimentos sociais que não obteve uma ampla divulgação, talvez, porque não teve como veículo um periódico de circulação nacional, mas que nem por isso manteve-se isolado do movimento geral de desenvolvimento da temática. Todas as características da forma de tratamento dispensada aos movimentos sociais por geógrafos na década de 1980 estão presentes nesse artigo. Por exemplo: a utilização de referenciais teóricos estrangeiros à geografia (cabe lembrar que Elza Guedes Chaves é formada em sociologia), a inserção da mobilização estudada no campo dos movimentos sociais urbanos, a ausência de propostas teóricas e conceituais, a visão classista da produção do espaço, o problema da base social do movimento e de sua constituição, enfim, todos podem ser considerados como questões comuns aos estudos pioneiros dos movimentos sociais da geografia nacional na década de 1980. No período analisado, o BPG foi o responsável pelas primeiras publicações sobre movimentos sociais num periódico específico de Geografia. O número 57, de 1980, traz um texto de Myrna T. Rego Viana intitulado “Algumas reflexões sobre a luta pela terra nas cidades”. Talvez esse seja o primeiro artigo sobre movimentos sociais escrito por uma geógrafa publicado em periódicos de Geografia no país. Este texto também é publicado no livro organizado por Ruy Moreira: Geografia: teoria e crítica; o saber posto em questão, do mesmo ano, livro que também traz o artigo “Movimentos sociais urbanos: algumas reflexões”, da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro. Nesse texto, Viana (1980) tem como ponto de partida uma análise do diferencial do desenvolvimento urbano nos países do Terceiro Mundo, que

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se baseou no intenso movimento migratório das populações rurais para as cidades em busca de melhores condições de vida, mas que, via de regra, acabam por engrossar as fileiras dos subempregados ou desempregados, já que a economia da cidade não suporta o excesso de contingente. O processo migratório é provocado, sobretudo, pela expansão do capitalismo no campo, pela má distribuição de renda nacional (baixa renda) e peloo arrocho salarial; nesse contexto, a falta de moradia intensifica ainda mais a situação de marginalização das populações obrigando-as a adotarem medidas específicas na luta pela terra. As ocupações (a autora utiliza o termo invasão) urbanas constituem-se em apenas um dos exemplos das alternativas utilizadas. A autora trabalha, também, com a noção de exército de reserva, que diz respeito àquele contingente que, devido à intensificação da acumulação de capital, fica de fora do processo produtivo, sendo desprezado pelo capital industrial. Como se vê, ela parte de uma visão estrutural da exclusão de grande contingente populacional devido ao avanço do capitalismo sobre territórios onde antes vigoravam relações que permitiam a permanência das pessoas e das condições necessárias para a manutenção da vida. O Boletim Paulista de Geografia n. 60, publicado em 1984, traz um texto que trata mais detalhadamente do tema movimentos sociais. Ele trata, de forma similar a Viana (1980) e Ribeiro (1980), das consequências da expansão do capital, mas agora no campo brasileiro, manifestado pelo crescente nível de exploração do trabalhador rural. O mesmo exemplar traz um texto de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, intitulado: “‘Aos trabalhadores nem o bagaço’ ou a revolta dos trabalhadores dos canaviais e dos laranjais”5, em que aborda a contradição capital-trabalho nos canaviais e laranjais no interior de São Paulo. Nesse embate, o autor destaca uma manifestação de resistência que ocorreu na forma de uma greve no município de Guariba, na ocasião em que os usineiros da região de Ribeirão Preto alteraram o sistema de corte da cana de cinco para sete ruas, aumentando consideravelmente a jornada de trabalho dos cortadores, sem o respectivo reajuste salarial. No BPG n. 62, publicado em 1985, tem-se a publicação de dois importantes artigos, sendo que um deles trata mais diretamente dos problemas relacionados aos movimentos sociais numa perspectiva teórica. Seus autores 5

Texto também apresentado no IV Congresso Brasileiro de Geógrafos em 1984, ocorrido em São Paulo.

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não são geógrafos, mas sociólogos: L. A. Machado Silva e Ana Clara T. Ribeiro (1985)6. O segundo texto, de Samira Peduti Kahil, intitulado, “A Luta dos posseiros em Lagoa São Paulo: a dialética da construção/destruição do território para o trabalho livre” resulta de sua dissertação de mestrado de mesmo nome, orientada por Ariovaldo U. de Oliveira. O texto de Kahil (1985) aborda o embate histórico entre os posseiros na Reserva da Lagoa São Paulo no município de Presidente Epitácio (SP). Tal reserva, assim como a Reserva Florestal Morro do Diabo e a Reserva do Pontal do Paranapanema, foram criadas na década de 1940. Kahil (1985) aponta que, ao longo do povoamento da região do Pontal, posseiros e sitiantes foram expulsos das terras pelos grileiros recém-chegados. No entanto, num momento posterior, esses ex-posseiros e sitiantes voltaram às áreas como trabalhadores das fazendas, na condição de arrendatários e, durante as décadas de 1960 e 1970, esses sujeitos tornaram-se novamente posseiros, formando as glebas no interior das fazendas e intensificando o processo de lutas. A relevância do trabalho de Kahil (1985) reside no fato dela ter sido uma pioneira no tratamento de movimentos sociais e, também, na adoção de um referencial marxista para a análise desse objeto. Se o movimento de resistência dos posseiros não constitui um movimento social camponês da mesma estrutura e alcance dos movimentos atuais, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outros, é porque ele surge num contexto socioespacial localizado, contudo, é representativo do conflito entre classes basilares da sociedade capitalista. Para a autora, o caso estudado por ela “evidencia os mecanismos de expropriação da terra, exploração e subordinação do trabalho pelo capital, mecanismos estes que interferem na construção, pelos posseiros, de um território para o trabalho livre” (Kahil, 1985, p. 119). Esses mecanismos vão além da simples expulsão do camponês de seu território porque tem como objetivo a sujeição desses sujeitos ao comando do processo de acumulação de capital implementado pelos grileiros.

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Vale lembrar que no 4° ENG – Encontro Nacional de Geógrafos, realizado no Rio de Janeiro em 1980, Ana Clara T. Ribeiro apresentou um trabalho com o título “Movimentos sociais urbanos – algumas reflexões”, o que demonstra a marcante presença da socióloga no campo da Geografia brasileira.

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O CPG, ao longo das décadas de 1980 e 1990, publicou de forma esporádica alguns artigos que abordaram os movimentos sociais. Mas foi na edição 19/20, de 1997, que o trabalho de Jean Yves Martin, “A geograficidade dos movimentos sociais” é publicado, contendo os apontamentos iniciais de sua formulação sobre movimentos socioespaciais. Neste texto, a espacialização é compreendida como um processo complexo de produção e criação de espaços, assim como, das relações que estabelecem seus limites. Constitui um movimento concreto de ação e reprodução de relações sociais no campo e na cidade, e combinam as múltiplas dimensões da vida social. A transformação do espaço é ao mesmo tempo transformação da realidade, e como tal, não é apenas de caráter material, mas abrange mudanças nas ordens dos valores, práticas e culturas nos/dos lugares. O espaço é transformado em território por meio das transformações nas relações sociais. A espacialização não compreende apenas a apropriação de determinadas porções do campo e da cidade, mas, envolve a instauração de novas formas de uso; novas formas de relação entre sociedade e natureza; novas formas de organização social e novos projetos de uso de um espaço que se torna, assim, território. Para o autor, os movimentos socioespaciais seriam formas de mobilização social. Sua espacialidade está vinculada à sua capacidade de gerir determinadas demandas no âmbito de um determinado espaço, sem buscar introduzir nenhum elemento novo, seja material ou imaterial. Um movimento socioterritorial, por outro lado, é uma organização que tem como objetivo criar as capacidades de introduzir novas formas de apropriação e uso dos territórios. Seu objetivo é a instauração de uma nova territorialidade. Mesmo limitadas e/ou estritamente localizadas, essas novas territorialidades implicam em transformações nas relações sociais e na configuração dos lugares. Na constituição do território, o espaço é apropriado de forma a fazer dele o espaço da ação. Este espaço é formado por seus participantes, líderes e mediadores, todos eles, sujeitos da ação política que tem na sua territorialidade a legitimação de sua ação. Essas ideias iniciais ganharam uma formulação mais complexa a partir dos trabalhos de Bernardo Mançano Fernandes, na segunda metade da década de 1990, como veremos mais à frente. Na segunda metade da década de 1980, a Geografia nacional passou a contar com aquele que passaria a ser um dos grandes representantes de sua produção científica, se não o maior: a revista Terra Livre. Periódico que ajudou a sedimentar os estudos geográficos acerca dos movimentos sociais por

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meio de sua circulação nacional e por ser editado pela AGB, maior entidade representativa dos geógrafos brasileiros. Os artigos publicados sobre o tema atingiram uma maior quantidade de leitores, o que explica a relevância que os movimentos sociais passaram a ter durante a década de 1990. No plano prático, aos poucos, os movimentos sociais passaram a ser concebidos como agentes de transformação do espaço no interior do quadro de conflitos sociais contemporâneos. No plano teórico, esta relevância caminhou rumo a uma maior acuidade no tratamento conceitual dispensado aos movimentos sociais, com propostas de abordagens bastante significativas e consubstanciadas na realidade. Melo e Silva (2007) mostram o quanto os movimentos sociais constituíram-se numa temática tímida no campo das pesquisas, tanto na Geo­ grafia quanto na sociologia. As autoras realizaram uma pesquisa nos artigos publicados pela Terra Livre e pela revista Tempo Social, organizada pelo Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). O período compreendido pela pesquisa inicia-se no ano de publicação dos primeiros números das revistas, 1986 para a Terra Livre e 1989 para a Tempo Social, até 2005. Os dois periódicos representam, nos termos das autoras, as sínteses de pensamentos das duas ciências. Segundo elas, os movimentos sociais, tomados como tema, tiveram pouca presença se comparados com artigos de outras temáticas e afirmam que, na Geografia brasileira, a revista Terra Livre vem sendo um dos importantes espaços nos quais os geógrafos expõem suas conclusões a respeito dos movimentos sociais, com destaque para os estudos acerca dos movimentos sociais que atuam no campo, vinculados com a temática da reforma agrária. Esta é uma importante constatação, pois, de fato, os movimentos sociais estão diretamente relacionados às pesquisas sobre o campo brasileiro, numa inversão com relação ao início das pesquisas realizadas na década de 1980, na qual predominaram os estudos acerca dos movimentos sociais associados ao espaço urbano. Os temas urbanos compreenderam a 6,8% dos artigos publicados. Percentual superior aos 4,7% dos temas rurais, contudo, os movimentos sociais aparecem vinculados mais à temática rural, enquanto que na temática urbana, as questões correntes são: segregação, metropolização e urbanização brasileira. Dos estudos realizados na temática rural, os movimentos sociais correspondem a 31%. Este fato pode ser explicado por diversos fatores: um deles é a

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grande expressividade que os movimentos camponeses ganharam no cenário nacional nas décadas de 1990 e 2000, especialmente a partir do espaço amplo que o MST conquistou no quadro dos conflitos sociais no país. Outro fator se deve à estreita relação dos movimentos sociais com outros temas pertinentes à problemática rural, a exemplo do desenvolvimento rural e da reforma agrária. O número 4 da revista foi publicado em 1988, com o título: “Geografia e lutas sociais”. Esse título nos leva a concluir que sua proposta era realizar uma discussão vertical sobre o tema que ainda se encontrava em situação de emergência na Geografia, o que, na nossa concepção, não foi concretizado, já que, dos sete artigos trazidos pela revista, somente dois trataram mais diretamente de experiências de lutas sociais. Os demais temas são: ensino, ecodesenvolvimento, espaço brasileiro e relação espaço/tempo. O destaque fica por conta do texto de Nelson Rego, intitulado “A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem-Terra”. O número 6 da revista, publicado em 1989, com o título de “Território e cidadania: da luta pela terra ao direito à vida”, apresenta dois artigos que tratam especificamente sobre movimentos sociais: um deles dá enfoque à luta histórica, ocorrida no estado de Goiás, entre as décadas de 1959 e 1960, que ficou conhecida como O movimento camponês de Trombas e Formoso; o outro, intitulado de O Movimento Sem Terra de Sumaré: espaço de conscientização e de luta pela posse de terra, chama nossa atenção por se tratar de um evento mais próximo do ponto de vista histórico. Seu autor, Luiz Carlos Tarelho, realiza uma reflexão da experiência popular ocorrida no final do ano de 1983, na cidade de Sumaré, situada na região de Campinas (SP), expondo a ação do grupo de trabalhadores que passou a se autodenominar de “Os sem terra de Sumaré”. As ocupações realizadas pelos trabalhadores são interpretadas como forma de conquista da terra, meio pelo qual os trabalhadores buscaram superar a situação de miséria e de exclusão social imputadas pela lógica excludente do capitalismo. O autor destaca o papel dessa experiên­cia como exemplo para outras ações de ocupação, surgindo, a partir dela, um número maior de movimentos camponeses. A ABORDAGEM SOCIOTERRITORIAL

De 1990 a 2002, período a que correspondem os números 7 a 18, os movimentos sociais pouco apareceram como tema de artigos publicados pela revista Terra Livre. Na edição de número 15, de 2000, é publicado o artigo

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“Movimento social como categoria geográfica”, de Bernardo Mançano Fernandes, texto considerado por nós como inovador no tratamento dado aos movimentos sociais, justamente por dar o primeiro passo em direção a uma teorização autenticamente geográfica ao tema. Neste artigo, estão sintetizados os pressupostos e as hipóteses defendidas em trabalhos anteriores, como em Fernandes (1996) e Fernandes (1999a). Os trabalhos citados, em conjunto, constituem a base teórica e argumentativa dos conceitos de movimento socioespacial e socioterritorial. A tese defendida pelo autor é a de que um movimento social pode se compor, enquanto movimento socioespacial, se no processo de sua constituição ele se inscrever nas estruturas espaciais já existentes, sem, necessariamente, colocá-las em questão. As ocupações de terras que agrupam famílias de várias partes do país rompem com o localismo e com os interesses que dificultam a ampliação da luta dos trabalhadores, dessa forma, podem ser considerados como movimento socioterritorial. Esta manifestação realiza a combinação de dois processos diferentes, mas que são indissociáveis no desenvolvimento da participação política: a espacialização e a territorialização. Numa visão integradora de seus aspectos organizacionais e de seus projetos, o autor aponta que os movimentos socioespaciais não colocam em questão os recortes político-administrativos impostos pela política institucional. Para eles, espaço e recorte espacial são sinônimos, não ultrapassando os aspectos funcionais em suas propostas. Em oposição, os movimentos socioterritoriais atuam de maneira a viabilizarem práticas alternativas de apropriação do espaço, práticas estas que rompem com as escalas impostas pelos usos estritamente capitalistas e pelos recortes institucionais. A luta local se vincula com a luta nacional no processo de territorialização. Tradicionalmente, a Geografia adota o território como uma de suas preocupações basilares. Nessa perspectiva, o território assume um significado vinculado à projeção espacial do poder, diferente das instituições governamentais, que o tem como um instrumental estratégico e normativo. Nesse campo institucional, o enfoque territorial tem embasado propostas concretas de intervenção do Estado, a exemplo do programa Ligações Entre Ações de Desenvolvimento das Economias Rurais (Leader), na União Europeia, e o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Brasil (MDA). Nesses programas institucionais, o território é entendido como

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uma unidade de observação, atuação e gestão do planejamento estatal, portanto, o concebem no sentido da governança. Nos dias de hoje, o território é entendido não apenas como limite político administrativo ou como um instrumento normativo, mas como espaço efetivamente usado pela sociedade e suas instituições. O uso do espaço pela sociedade implica na demarcação e no estabelecimento do comando no interior da área demarcada. Ao usar o espaço, a sociedade produz território e há, por consequência, uma relação entre o espaço e o território. No campo analítico, o espaço tem um significado amplo e complexo e constitui uma das referências fundadoras da ciência geográfica. Já o território é mais específico e pode ser considerado como o espaço usado pela sociedade, tanto do ponto de vista da apreensão intelectual, como conceito analítico, como uma expressão concreta das ações humanas. O território está relacionado diretamente com a ideia de poder no seu sentido amplo. De tal modo que o território pode ser compreendido pelas relações de poder que se estabelecem sobre o espaço, e entre os sujeitos que o ocupam e utilizam. Há uma multiplicidade de poderes que afeta de diversos modos e intensidades de qualquer ação planejada, por exemplo: na concepção de território predominante nos órgãos governamentais, há uma valorização dos processos econômicos em detrimento de outras dimensões, como a cultural, a simbólica, a política e a ecológica. Essa concepção é unidimensional, pois mesmo quando enfoca os processos políticos, isso é feito de forma a limitar o social a uma definição de território como unidade geográfica delimitada, quase sempre como espaço de governança. Entendido como multidimensional, o território abarca a complexidade da ação humana, mesmo quando se enfatiza o poder, pois, mesmo aí, se deve levar em conta que o poder é uma manifestação das relações sociais em toda sua amplitude. O território é uma totalidade em que se manifestam as contradições produzidas pela sociedade, ao mesmo tempo em que pode agir como condicionador dessas contradições. Cada instituição, organização ou sujeito, constrói seu conteúdo no interior de limites, seja de um bairro, de um assentamento rural ou de uma nação. Sua delimitação é uma relação com a alteridade. A ação das instituições, organizações ou sujeitos na construção de seus territórios se originam e impactam diferentes níveis da vida social. A escala de uma ação e seu impacto está relacionada com a constituição de um plano de ordenação, que é projetado sobre a dinâmica dos objetos

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e das ações. O estabelecimento desse plano de ordenação marca o quadro conflituoso de nossa sociedade. Até mesmo a mediação entre essas escalas é alvo de embates, sendo comum o confronto entre sujeitos mobilizados numa escala local com interlocutores situados em escalas mais amplas. A dimensão da história no contexto da territorialização – dimensão espaço-temporalidade – se realiza na prática cotidiana dos grupos que estabelecem vínculos com os de dentro e os de fora, os “nós” e os “outros”. Nesse processo, há a identificação dos elementos do “seu” espaço produzido em “seu” processo histórico. Na abordagem socioterritorial, o movimento socioterritorial não existe nem a priori nem a posteriori à constituição do território, já que é no movimento de sua constituição e nas permanentes transformações que vão ocorrendo ao longo da história que se define sua existência. A consciência da igualdade dos membros de um movimento está fortemente relacionada com o sentimento da partilha do território. Nestes espaços a comunicação dá lugar à constituição de uma identidade, o reconhecimento de si no outro (igualdade). Não cabe nessa discussão discorrermos de maneira mais detalhada sobre a lógica de produção das representações sociais, todavia, podemos tomar por evidente o fato de que as representações estão, necessariamente, radicadas no espaço e nos processos nos quais o indivíduo desenvolve uma territorialidade. A territorialidade, ao mesmo tempo em que expressa a luta pela manutenção da identidade, representa uma forma específica de ordenação territorial. Uma coisa está imbricada na outra de forma a dar unidade aos contrários que dão movimento ao processo da formação das identidades territoriais. O fato de um indivíduo estar num determinado lugar em um determinado tempo faz com este mesmo indivíduo participe de redes de sociabilidade que lhe permitem construir seus referenciais com os quais ordena o mundo. O território tem, nestes termos, uma dimensão política intrínseca. Tem a dimensão do poder no centro de sua constituição. Nesse complexo processo de constituição, os fatores culturais e simbólicos se imbricam de tal forma com os fatores políticos que sua disjunção só é possível mediante a prática analítica. Em seu status ontológico essas relações se dão por meio de uma sinergia que, no campo da atuação dos atores, o território passa a ser o elemento de identidade, ou seja, firma as particularidades de um grupo ou indivíduo com seu espaço de vivência e de ação política. Assim, o movimento socioterritorial pode ser compreendido como

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uma relação política. É uma relação entre grupos sociais mediada pelo espaço territorializado. À medida que o movimento ocupa um espaço, ele constitui a sua imagem junto à sociedade. A partir do momento em que o indivíduo ou grupo o representa para si, também o faz para os outros. Como espaço da ação, o território passa a ser a mediação entre dois indivíduos ou grupos. É uma relação triangular, pois a relação com o território é uma relação mediadora da relação entre os sujeitos sociais. OS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS NO CAMPO BRASILEIRO DE 2000 A 2011

Ao longo de décadas, os movimentos socioterritoriais se articulam para lutar e garantir o acesso a terra. O Estado somente realiza ações e políticas para o campo em resposta às pressões exercidas pelos movimentos, por exemplo: ocupações de terras e manifestações do campo, e se utiliza de vários mecanismos para conter a luta dos movimentos socioterritoriais, como o uso da violência, da criminalização das suas ações através de leis e de medidas provisórias, e consequentemente, de prisões. Mesmo com essa conjuntura desfavorável, os movimentos socioterritoriais constroem espaços e territórios e, por sua vez, criam suas territorialidades frente ao grande capital, neste caso, o agronegócio. Conceituamos movimento socioterritorial como aquele que tem o território como trunfo, sendo essencial para a sua existência. Ou seja, esses movimentos “(...) dizem respeito ao conjunto de mobilizações populares que, além da conquista do território, têm sua existência condicionada à manutenção de sua territorialidade” (Pedon, 2009, p. 227). Diante deste quadro é que analisaremos a atuação dos movimentos que realizaram ocupações de terras no Brasil, entre 2000 e 2011. No período que compreende os anos de 2000 a 2011, foi registrada pelo Dataluta (2012), a atuação de 114 movimentos socioterritoriais em ocupações de terras no Brasil, com destaque para: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e os Movimentos Indígenas. O quadro 1 apresenta os movimentos socioterritoriais no Brasil, por ano, no período estudado. Observamos a diversidade de movimentos que realizam ocupações de terras, como

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associações, centrais, confederações, federações e sindicatos dos trabalhadores rurais. Isso reflete na sua escala de luta/atuação dos mesmos. Podemos analisar as escalas de atuação dos movimentos em ocupações de cinco formas: a municipal, quando o movimento atua em apenas um município, como é o caso da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Marabá; a microrregional, quando o movimento socioterritorial atua em mais de um município de uma mesma microrregião, por exemplo, a Coordenação Nacional de Lutas; a estadual quando o movimento atua em vários municípios de diferentes regiões microrregiões de um mesmo estado exemplificando o MST da Base; a macrorregional quando o movimento atua em mais de um estado, como o Movimento dos Atingidos por Barragens e por fim a nacional quando o movimento atua em todas as macrorregiões do Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Dalperio, 2012). Os movimentos de escala menor de atuação, geralmente realizam ocupações de forma individual ou em conjunto com outros movimentos socioterritoriais. Eles têm sua base territorial limitada: Os movimentos sociais isolados são aqueles que se organizam em um município ou um pequeno conjunto de municípios, para efetivar uma ocupação. Esses movimentos recebem apoios de uma ou mais paróquias, por meio ou não das pastorais, de sindicatos, de partidos etc. Todavia, sua base territorial está limitada pela ação do movimento. Superando essa condição, pode vir a ser um movimento territorializado, organizando ações para além de sua base territorial de origem ou se vincular a uma organização territorializada (...) Sem a superação de sua circunstância, os movimentos isolados se extinguem. A perspectiva da territorialização está relacionada com sua forma de organização sociopolítica. Quando esses movimentos são resultados de interesses imediatos da comunidade, defendidos por lideranças personalistas, que criam relações de dependência, a tendência é o esgotamento do movimento (Fernandes, 1999b, p. 276-277).

Os movimentos socioterritoriais que realizam ocupações de terras tanto de forma conjunta como individual, geralmente correspodem aos movimentos de escala maior de atuação, como a nacional ou macrorregional, pois a articulação de suas lutas é bem espacializada no território brasileiro. Pode-se relacionar esta constatação ao fato dos movimentos serem os mais antigos na luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil.

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QUADRO 1 – BRASIL – NÚMERO E SIGLA DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS QUE REALIZARAM OCUPAÇÕES POR ANO NO PERÍODO DE 2000 A 2011 ANOS

MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS

QUANTIDADE

2000

CAA, CONTAG, COOTERRA, CPT, CUT, FETRAF, LOC, MBUQT, MLST, MLT, MST, MT, MTB, MTR, MTRST, MTRSTB, MTRUB, UFT

18

2001

ACRQBC, ACUTRMU, ASA, ATUVA, CLST, CONTAG, CPT, CUT, LCC, LOC, MAB, MLST, MLSTL, MLT, MSST, MST, MT, MTR

18

2002

ASTT, CCL, CETA, CLST, CONTAG, CPT, LCP, LOC, MAST, MCC, MCST, MLT, MST, MSTR, MUST, MUT, RACAA-SUL, USST

18

2003

CAR, CETA, CONTAG, CPT, FERAESP, FETRAF, GRUPO XAMBRE, LCP, LOC, MAB, MAST, MLST, MLT, MLTRST, MMA, MNF, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MSO, MSST, MST, MSTA, MSTR, MTA, MTAA-MT, MTB, MTBST, MTL, MTR, MTSTCB, MUB, OLC, OTC, QUILOMBOLAS, SINPRA, ST, STL, UAPE, VIA CAMPESINA

38

2004

ACRQBC, ADT, ARST, CETA, CONTAG, CPT, CUT, FETRAF, LCP, MAB, MAST, MLST, MLT, MMA, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPA, MPT, MSONT, MSST, MST, MTB, MTD, MTL, MTR, MTRSTP, MTS, MTST, MTV, MUST, MUT, OLC, OTC, QUILOMBOLAS, VIA CAMPESINA

34

2005

2006

2007

ACRQBC, AMPA, CETA, CONTAG, CPT, CUT, FETRAF, FST, LCP, MAST, MCNT, MLST, MLT, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPA, MPRA, MST, MTA, MTD, MTL, MTR, MUB, OAC, OLC, QUILOMBOLAS, TUPÃ 3E ACRQ, CONLUTAS, CONTAG, CPT, CUT, FERAESP, FETRAF, FRUTO DA TERRA, FUVI, LCP, LOC, MAB, MAST, MATR, MBUQT, MLST, MLT, MMA, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPRA, MPST, MST, MTAA-MT, MTD, MTL, OITRA, QUILOMBOLAS, TUPÃ 3E, UNIDOS PELA TERRA, VIA CAMPESINA ACRQ, ASTECA, ASTST, CETA, CONAQ, CONLUTAS, CONTAG, CPT, CTV, CUT, FERAESP, FETRAF, LCP, MAB, MAST, MLST, MLT, MLUPT, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPA, MPRA, MPST, MST, MTA, MTB, MTL, MTRST, MTST, OITRA, OLST, UNITERRA, UST, VIA CAMPESINA

26

30

33

2008

AST, CETA, CONTAG, CPT, CUT, FATRES, FERAESP, FETRAF, LCP, MAST, MLST, MLT, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPA, MRC, MST, MST da Base, MTB, MTD, MTL, MTL-DI, MTP, MTRSTB, MTST, OLST, QUILOMBOLAS, RC, UNASFP, UNITERRA, VIA CAMPESINA

30

2009

AMIGREAL, ASPARMAB, AST, CETA, CONTAG, CPT, CUT, FERAESP, FETRAF, GERAIZEIROS, LCP, MAB, MAST, MATR, MCP, MLST, MLT, MMC, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MST, MST da Base, MTD, MTL, MTST, QUILOMBOLAS, TERRA LIVRE, VIA CAMPESINA, UNITERRA

28

ABUST, CETA, CODEVISE, CONTAG, CPT, CUT, FERAESP, FETRAF, MCP, MLST, MLT, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MST, MST da Base, MSTR, MTL, MTR, MTST, QUILOMBOLAS, TERRA LIVRE, VIA CAMPESINA ATR, CETA, CONTAG, CUT, FERAESP, FETRAF, MAB, MAST, MLST, MLT, MOVIMENTOS INDÍGENAS, MPRA, MST, MST da Base, MTD, MTL, MTST, OI, QUILOMBOLAS, Sindicato 2011 dos Trabalhadores Rurais/RO, UNITERRA, Vazanteiros em Movimento: Povos das Águas e das Terras Crescentes, Via Campesina Total no período1 = 114

2010

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Fonte: DATALUTA – Banco de Dados de Luta pela Terra, 2012. www.fct.unesp.br/nera Para calcular o total de movimentos socioterritoriais que participaram no período, comparamos ano a ano somente os movimentos socioterritoriais que realizaram ocupações. Essa comparação não é acumulativa, ou seja, não é realizada a partir da soma do número de movimentos apurados durante o período de 2000-2011. Para maiores informações olhar o quadro dos movimentos socioterritoriais de 2000 a 2011. 1

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Para compreendermos melhor este quadro apresentamos o gráfico 1, que corresponde à atuação dos movimentos socioterritoriais em ocupações de terras, ao número de famílias participantes e à evolução dos mesmos no período estudado. Primeiramente, podemos observar oscilações nas variá­ veis indicadas pelo gráfico 1, o que ocorre devido às medidas adotadas pelos governos para os enfrentamentos das questões relacionadas ao campo brasileiro.

No período apresentado pelo gráfico 1, identificamos três governos: o final do governo de Fernando Henrique Cardoso ([FHC] que foi presidente do país de 1995 a 2002), os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), de 2003 a 2010, e o primeiro ano do governo de Dilma Rousseff, neste caso, 2011. Na conjuntura do governo de FHC ocorreram medidas de repressão contra os movimentos socioterritoriais, criminalizando suas ações, realizando prisões, criando obstáculos jurídicos. Principalmente com a criação da “MP- Medida Provisória 2109-52, em 24 de maio de 2001, que impede a desapropriação da área ocupada e tira dos eventuais ocupantes o direito constitucional à reforma agrária” (Rocha, 2009, p. 49), ou seja, punia todos os sujeitos históricos que contestassem, através das ocupações de terras, qualquer direito relacionado ao campo brasileiro. Podemos relacionar com a estabilização do número de movimentos socioterritoriais registrados,

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no caso 18, bem como a diminuição do número ocupações e de famílias. Nestes anos finais de governo foram registradas 1.061 ocupações, envolvendo 166.713 famílias (gráfico 1). Em relação aos mandatos do governo de Lula, inicialmente surgiu uma esperança/expectativa por parte dos movimentos socioterritoriais aos assuntos ligados ao campo brasileiro, visto que, era uma das pautas prioritárias no discurso do presidente. Deste modo, no ano de 2003, ocorreu um crescimento de 20 movimentos, se comparado com os anos anteriores e um aumento expressivo nas ocupações de terras, assim como no número de famílias (gráfico 1). Os movimentos foram mostrando seu descontentamento com o governo, pela postura adotada fortalecendo o agronegócio em detrimento dos camponeses. No período total do governo foram registradas 3.804 ocupações de terras com 49.3479 famílias (gráfico 1). Como forma de pressionar o governo, ocorreram, nos anos de 2003 e 2004, os maiores crescimentos tanto de ocupações de terras, de movimentos socioterritoriais e de famílias, sendo o clímax em 2003, quando foram contabilizados 38 movimentos e em 2004, registrando-se 661 ocupações, com a participação de 111.397 famílias (gráfico 1). Podemos relacionar esses númros com a criação, em 2003, do II Plano Nacional de Reforma Agrária, intitulado “Paz, produção e qualidade de vida no meio rural”, composto de 11 metas7. Muitos desses objetivos não foram cumpridos, como o assentamento de 400 mil novas famílias. Vale ressaltar que o objetivo desse governo foi assentar famílias através da regularização de terras e não da desapropriação, que é a política de obtenção dos assentamentos mais defendida pelos movimentos socioterritoriais, pois mesmo diante da indenização do dono da terra essa política desconcentra a estrutura fundiária, causando conflitos e disputas jurídicas (Santos, 2010). Se comparado com 2010, podemos observar no gráfico 1, que no primeiro ano do mandato de Dilma, ocorreu um crescimento da atuação de três movimentos socioterritoriais. E foram realizadas 226 ocupações de terras com a participação de 25.369 famílias, evidenciando o fortalecimento da luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil, visto que, a presidenta teve uma política semelhante à de Lula, fortalecendo o agronegócio.

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Para maiores informações ver: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2003. Disponível em: .

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A partir da tabela 1, podemos analisar a atuação dos principais movimentos socioterritoriais, das ocupações dos demais movimentos, das ocupações conjuntas e do número total de ocupações de terras entre 2000 e 2011 no Brasil. No período total de estudos foram realizadas 5.091 ocupações de terras, com a participação de 685.561 famílias; destas, 257 ocupações foram realizadas em conjunto com outros movimentos. Essas ocupações aconteceram em áreas, principalmente onde o agronegócio está territorializado. Cabe destacar o Nordeste como a região de maiores índices de ocupações de terras sendo registradas 2.017, seguido do Sudeste com 1.452 ocupações. O MST, dentre os movimentos brasileiros, é o mais atuante nos números de ocupações e de famílias participantes; assim, podemos afirmar que sua territorialização se dá através das ocupações de terras. O Movimento surgiu em 1984, com o objetivo de construir territórios e garantir o acesso a terra. Ao longo dos anos, com sua experiência de luta, foram sendo agregados novos objetivos que envolvem: educação do campo, meios para garantir sua reprodução nos acampamentos e assentamentos, melhores políticas públicas para os camponeses (Dalperio, 2012). Atualmente o MST encontra-se territorializado em 24 estados brasileiros, tendo realizado 2.673 ocupações individuais, com a participação de 438.819 famílias (tabela 1). Outro movimento de atuação nacional é a Contag, cuja estrutura compreende as federações e sindicatos, possibilitando uma maior articulação no território brasileiro. Fundado em 1963, tem como principais objetivos de luta a conquista do território e a realização da reforma agrária no Brasil. Foi registrada a atuação de 498 ocupações individuais com a participação de 51.877 famílias (tabela 1). Em relação às ocupações de terras que tenham sido realizadas por grupos indígenas do Brasil − para melhor representação as denominamos de Movimentos Indígenas −, os números também foram somados e sistematizados. O histórico de luta dos Movimentos Indígenas vem desde o período colonial. Muitos deles foram expropriados e algumas etnias extintas. Os usos dos territórios tradicionalmente ocupados pelos indígenas têm várias finalidades dentre elas a produção de commodities como soja e cana, a especulação imobiliária etc. (Dalperio, 2012). Em número de ocupações de terras, foram registradas 153, com 12.195 famílias participantes (tabela 1). A Fetraf foi fundada em 2001 e, desde então, luta em favor dos agricultores familiares do Brasil. Sua estrutura organizativa é composta por sin-

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dicatos, o que contribui para a articulação da sua luta em escala macrorregional. Como observado na tabela 1, em números de ocupações de terras individuais a Fetraf realizou 134, com a participação de 17.519 famílias. O MLST também atua na escala macrorregional. Seu ano de fundação corresponde a 1997, no estado de Goiás, partir de uma dissidência de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Dalperio, 2012). Este movimento atuou em 122 ocupações de terras, individualmente, com a participação de 14.863 famílias. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) surgiu em 1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, realizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Goiânia (Dalperio, 2013). Sendo considerada “a maior representante da Teologia da Libertação no país, e portadora de uma marcante ação territorial, na medida em que propõe, por meio das suas ações, uma maior valorização objetiva e subjetiva do território visando a sua transformação” (Pedon, 2009, p. 2014), a CPT luta através das ocupações de terras, tendo sido registradas 159 ocupações individuais, com a participação de 12.779 famílias, em escala macrorregional (tabela 1). Além das ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais de forma individual, temos as ocupações conjuntas de terras (tabela 1), que contribuem para a luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil. As ocupações conjuntas são ações realizadas por mais de um movimento socioterritorial em determinado local. No período estudado, foram registradas 257 ocupações conjuntas com a participação de 32.736 famílias. Com destaque para a região Nordeste com 55 ocupações conjuntas e 8.326 famílias participantes e o Sudeste com 170 ocupações, com a participação de 15.426 famílias. Essas duas macrorregiões brasileiras têm um histórico de conflitos entre camponeses e latifundiários/agronegócio, com as principais culturas de fruta e cana-de-açúcar. Os movimentos socioterritoriais que realizaram apenas ocupações conjuntas no período estudado foram: Associação dos Sem Terra e Sem Teto, Centro de Agricultura Alternativa, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombo, Centro Terra Viva, Geraizeiros do Norte de Minas Gerais, Movimento de Mulheres Agricultoras, Movimento de Mulheres Camponesas, Movimento dos Conselhos Populares, Rede de Assistência dos Acampados e Assentados do Sul da Bahia e União dos Movimentos Sociais pela Terra (Dalperio, 2012).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço, categoria tradicionalmente tomada como objeto de reflexão do pensamento geográfico, constitui um importante instrumento analítico da dinâmica e dos processos sociais. É por meio do espaço que a existência humana se materializa. É tomando-o como fundamento de sua ação que o homem se apropria da natureza e se relaciona com os outros homens. Entendido como espaço da ação humana, é nele que os conflitos entre os homens se condensam, dando forma e conteúdo ao território. Nesse processo de valorização do espaço e do território junto às ciências humanas é que, a partir da década de 1990, dá-se uma nova fase da pesquisa geográfica nacional. Esse momento é caracterizado pela publicação de textos que sintetizam as ideias e formulações originais a respeito do caráter espacial dos movimentos sociais, assim como da importância que essas manifestações sociais possuem no campo de análise da sociedade contemporânea. Uma parte desses estudos dedica-se à formulação de propostas teórico-conceituais que buscam incorporar à tradição das pesquisas sobre a temática, todo o arsenal teórico herdado da Geografia. A proposta conceitual que busca firmar os movimentos sociais no campo da leitura geográfica, redefinindo-os a partir do conceito de movimento socioterritorial, constitui um momento do desenvolvimento da Geografia. Nesse processo de evolução, a Geografia amplia sua “bagagem” e inverte sua posição no campo da pesquisa social. De orientada, busca assumir a função de orientadora. Em relação à ação dos movimentos socioterritoriais na forma de ocupações de terras, observa-se que a intensificação dessas ações ocorreu devido à conjuntura de cada governo em relação ao campo brasileiro. Neste sentido, as ações dos movimentos socioterritoriais são vistas como empecilho para o desenvolvimento do país, visto que elas questionam o modelo de desenvolvimento pautado no agronegócio, a legalidade das terras, as políticas rea­ lizadas pelos governos em todas as esferas, bem como suas eficiências etc. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Manuel Correia. Lutas camponesas no Nordeste. (Série Princípios) São Paulo: Ed. Ática, 1986. ________. A terra e o homem no Nordeste. 2ª ed. Brasiliense, 1964. BERNARDES, Julia Adão. Espaço e movimentos reivindicatórios: o caso de Nova Iguaçu. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983.

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A contribuição da abordagem socioterritorial à pesquisa geográfica sobre os movimentos sociais

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3. LUTA PELA TERRA

OCUPAÇÕES DE TERRA NO BRASIL, SÃO PAULO E PONTAL DO PARANAPANEMA (1988-2011) José S obreiro Filho – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

H ellen C. G omes M esquita da Silva – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

C amila Ferr acini Origuéla – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

INTRODUÇÃO

Este artigo consiste em uma leitura sobre a realização das ocupações de terras e as mudanças da conjuntura política no Brasil de 1988 a 2011. Nossa principal motivação para realizar esta reflexão parte da atualidade dos debates da questão agrária brasileira, que tem como uma de suas principais características a queda no número de ocupações de terra realizadas pelos movimentos socioterritoriais nos últimos anos. Compreender as mudanças políticas conjunturais nacionais, estaduais e regionais é fundamental para decifrar o que ocorre por trás dos avanços e retrocessos na luta pela terra. Assim, além de uma análise mais ampla, destacando os principais fatores nacionais e internacionais, realizamos uma leitura das ocupações de terras focando o estado de São Paulo e a região do Pontal do Paranapanema, importantes recortes territoriais para o entendimento da questão agrária e a conflitualidade da luta pela terra na história do Brasil. A opção em realizar uma análise em escala nacional, estadual e regional tem como finalidade, além de destacar a transversalidade de alguns fatores, contemplar as especificidades da questão agrária em um estado com forte desenvolvimento do capital e de uma região com histórico de ilegitimidade na posse da terra e forte atuação dos movimentos socioterritoriais campone-

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ses. Além do olhar atento para os principais fatos desta história de luta em diferentes escalas, também atentamos para as processualidades territoriais engendradas pela ofensiva do capital sobre os movimentos socioterritoriais camponeses e vice-versa. Definir o território sob o olhar histórico como ponto de partida para a compreensão da conflitualidade foi um caminho importante que nos possibilitou identificar também o universo de contradições do capital, as mudanças de estratégias de repressão no transcorrer dos anos e as formas de resistência dos movimentos socioterritoriais. A partir de um amplo universo de fatores e elementos que compreen­ dem a luta pela terra e, sobretudo, as ocupações de terras no Brasil, em São Paulo e no Pontal do Paranapanema, organizamos este artigo em dois momentos. No primeiro, fazemos uma análise da conjuntura política das ocupações de terra no Brasil destacando cronologicamente as suas variações e apontando as relações com as mudanças políticas, características dos períodos de governo e estratégias de repressão. Em seguida, trazemos a investigação para o estado de São Paulo e para o Pontal do Paranapanema, re­giões marcadas por conflitos fundiários e foco de ação de vários movimentos socioterritoriais. A CONJUNTURA POLÍTICA NO BRASIL E AS OCUPAÇÕES DE TERRA

No ano de 1988 foi decretada e promulgada, pela Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 1988, dando forma ao regime político vigente. As principais mudanças referem-se ao direito ao voto direto e secreto, a instituição de uma ordem econômica que tem por base a função social da propriedade e a limitação da liberdade de iniciativa pelo Estado. Na luta pela terra, a importância destas transformações foi na instauração da democracia e na facilitação das ocupações de terras e desapropriações1 que começaram a crescer. A ideia de uma democracia surge como uma estratégia política para estimular o juízo da igualdade e liberdade. Contudo, a 1

Artigo 184 da Constituição Federal: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

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bancada ruralista continuou assegurando seus interesses e direcionando políticas públicas para os grandes produtores rurais. Stedile e Fernandes (1999, p. 67) evidenciam esse processo como uma significativa perda: A UDR teve muita influência nos governos estaduais e, principalmente, na Constituinte de 1988. Praticamente a única derrota que ocorreu na Constituinte foi na questão agrária, pois em todos os outros itens houve avanços.

Com as perdas no campo político, os conflitos e a repressão às ideias combativas continuaram a se expressar no campo. Um dos mais notórios casos neste período foi o assassinato, a mando de latifundiários, do líder Chico Mendes2. A morte do líder sindical defensor dos seringueiros e do meio ambiente foi destaque entre os ativistas que lutavam contra os exploradores, a injustiça e a violência, atingindo repercussão mundial. As eleições de 1989 foram determinantes para o aumento das ocupações de terra, que em relação ao ano anterior aprensentou crescimento de 21,12%, e famílias em ocupações, quase dobrando com um aumento de 93,97%, evidenciando que os movimentos camponeses estavam fortalecendo suas lutas, querendo participação ativa nos governos e que as ocupações de terra deveriam ser encaradas como um sinal de que a população demandava a realização da reforma agrária e transformações políticas no país que sinalizassem a realização da reforma agrária e melhores condições de vida (gráficos 1 e 2). Ainda em 1989, Fernando Collor de Mello, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)3, foi eleito Presidente da República. O mandato do governo de Collor iniciado em 1990 foi caracterizado pela implementação do Plano Collor, que estimulou a abertura do mercado nacional para as importações e o processo de privatização das empresas estatais. A abertura da economia brasileira, o apoio aos latifundiários e a implantação do neoliberalismo foram os principais fatores que marcaram e asseveraram a luta pela terra durante seu período de governo.

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Assassinado por fazendeiros ligados à UDR (Stedile e Fernandes, 1999). Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente a ser eleito com o voto direto após o regime militar.

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Coletti (2006) ressalta o expressivo crescimento da luta pela terra e a expressão do MST no cenário político: É inegável o expressivo crescimento da luta pela terra no Brasil na década de 1990, no contexto da implementação das políticas neoliberais em nosso país. Os números de ocupações de terra, de acampamentos, de manifestações públicas em favor da reforma agrária etc. confirmam

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essa informação. Relacionado diretamente a esse fato, está o crescimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se transformou na maior expressão política da luta pela terra e pela reforma agrária e no mais importante movimento social de oposição ao projeto neoliberal no Brasil (Coletti, 2006, p. 131).

As políticas públicas para a agricultura foram restringidas ao máximo e as atribuições a favor da reforma agrária se esvairam, principalmente com o fim do Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário. O comprometimento com os interesses da classe ruralista implicava na não rea­lização da reforma agrária, relutando na realização das politícas de reforma agrária e acarretando forte repressão aos movimentos camponeses. De acordo com Stedile e Fernandes (1999) a repressão foi intensa: O governo Collor, além de não fazer a reforma agrária, resolveu reprimir o MST. Acionou a Política Federal, o que é uma agravante, pois não é uma tropa de choque, é repressão política pura. O agente da Polícia Federal é um sujeito mais preparado, mais sedimentado. Não batiam mais nas nossas canelas, batiam na cabeça. Essa repressão nos afetou muito, muita gente foi presa. Começaram a fazer escuta eletrônica. Tivemos, no mínimo, quatro secretarias estaduais invadidas pela Polícia Federal (Stedile e Fernandes, 1999, p. 69).

A consequência das ações e o posicionamento opressor do governo impactou com a queda das ocupações de terra em 41,86% (gráfico 1) e de 64,05% das famílias em ocupações de terra (gráfico 2) dos anos de 1989 para 1990. Perante a conjuntura de opressões e resistência, movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se organizaram para discutir as perspectivas da luta pela terra no país e traçar estratégias que lhes garantissem o acesso à terra e a realização da reforma agrária. Foi realizado em Brasília, entre os dias 8 e 10 de 1990, o 2º Congresso Nacional do MST4 que visava fortalecer os vínculos da luta pela terra e quando foi reafirmado o lema de luta: “Ocupar, Resistir e Produzir”. 4

O evento contou com a participação de 5 mil delegados de todo o Brasil e 10 delegações estrangeiras, facilitando o intercâmbio de experiências de luta e atuações com os governos.

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Apesar da repressão contra os movimentos camponeses e o apoio à classe latifundiária durante o governo Collor, as ações do movimentos voltaram a crescer em 1991, aumentando as ocupações em 72% e o número de famílias em ocupações em 107,68%. Este aumento foi fomentado pela realização dos encontros e a organização dos movimentos na luta pela resistência e reforma agrária, em que a realização das ocupações5 é fundamental para o alcance da reforma agrária. Em 1992 o cenário político é novamente alterado. Fundamentado em acusações de corrupção, ocorre o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello no dia 29 de setembro, e o vice-presidente Itamar Franco assume a presidência, no dia 2 de outubro de 19926. Durante o primeiro ano de governo de Itamar Franco, em 1993, os números de conflitos por ocupações de terras continuaram a aumentar. O aumento está diretamente relacionado à maior possibilidade de diálogo entre Itamar e os movimentos7. Em Stedile e Fernandes (1999, p. 70) fica evidente como a alteração do governo impactou em uma melhoria para o MST: É, existia o sentimento de que era preciso resistir. Por outro lado, a direita se viu vitoriosa, porque alterou a correlação de forças. E passou a pressionar nos estados, por meio dos governadores, das PMs, da articulação dos fazendeiros etc. Foi uma loucura. Foram três anos comendo o pão que o diabo amassou. A entrada do governo Itamar Franco foi um alívio muito grande. Do ponto de vista das conquistas, reabriu um período semelhante ao da Nova República, embora mais atrasado.

Em relação aos três anos anteriores, os números de ocupações e de famílias em ocupações cresceram. No entanto, assim como a intensidade da

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Neste mesmo período, a luta pela terra no Brasil ganhou maior reconhecimento internacional. A CPT e o MST receberam, no dia 9/12/1991, em Estocolmo na Suécia, o premio Nobel Alternativo, entregue às organizações que lutam pelo direito à vida no Terceiro Mundo. 6 Contudo, somente no dia 29 de dezembro, quando Collor renunciou ao cargo, Itamar Franco foi aclamado formalmente o Presidente da República. 7 Sentar, negociar e nos dar status de interlocutor político, somente com o governo Itamar (Stedile e Fernandes, 1999, p. 70).

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luta pela terra, aumentaram também os casos de repreensão e violência8 contra integrantes dos movimentos socioterritoriais camponeses, seguindo a tendência repressiva. Não obstante, quanto maior a repressão e a violência contra os movimentos, maiores foram os números de ocupações e famílias em ocupações de terra. Outro fator que determinou o aumento das ocupações de terra e os conflitos no campo foi a conjuntura econômica do país, que enfrentava dificuldades com a crise inflacionária9. Mesmo com a melhoria da economia brasileira, os conflitos pela terra continuaram a aumentar e não foram alteradas as tensas relações dos movimentos com o governo. Nesse período, os movimentos realizavam manifestações levantando as bandeiras contra o processo de privatização das grandes empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que foi privatizada no Programa Nacional de Desestatização, levado a cabo pelo governo federal durante os mandatos de Fernando Collor e Itamar Franco. A luta contra a privatização caminhava no sentido de defender os interesses da classe trabalhadora e combater o fortalecimento do modelo neo­ liberal, da exploração e apropriação das riquezas nacionais por parte das multinacionais em detrimento do afastamento do Estado10. Em 1994, com forte apoio da população, principalmente da classe mais abastada, devido ao sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso candidatou-se para as eleições e foi eleito. O governo FHC marcou fortemente a luta pela terra devido ao aumento da resistência em negociar com os movimentos socioterritoriais e a intensificação da criminalização e repreensão.

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No dia 8 de março de 1993, o militante do MST conhecido como Teixeirinha, líder do acampamento Campo Bonito no estado do Paraná, foi assassinado após ter sido torturado diante da família e amigos pelo GDE – Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar do Paraná. 9 Justamente com o sentido de combater a crise inflacionária, o presidente Itamar Franco lançou o Plano Real, idealizado pelo economista Edmar Bacha e posto em prática durante a gestão do ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real teve sucesso contra a inflação e aumentou a popularidade do ministro da fazenda que, posteriormente, viria a ser o presidente da República, sucedendo a Itamar Franco. 10 Os movimentos caminhavam no sentido do combate às políticas “entreguistas” de privatização das estatais brasileiras e essencialmente o modelo neoliberal de governo.

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No ano de 1995, entre os dias 24 e 27 de julho, foi realizado em Brasília, o 3º Congresso Nacional do MST com a participação de cinco mil delegados de todo o país11. Durante o congresso foi lançado o lema “reforma agrária uma luta de todos”, que evidenciava que toda a sociedade seria beneficiada com a realização da reforma agrária e que também objetivava trazer toda a sociedade para fortalecer e entender a luta12. Visto que os movimentos identificavam a necessidade da participação e da conscientização da sociedade sobre a luta pela terra e de seus benefícios, as ocupações ganharam maior sentido e se tornaram cada vez mais o símbolo da confrontação com o território do capital e da lógica dominante13. Desta maneira, devido ao crescimento dos movimentos socioterritoriais camponeses, o governo FHC passou a intensificar a repressão e a resistência como estratégias para negociar com os movimentos, visando o enfraquecimento através do isolamento político. Um dos maiores escândalos e exemplo da violência e repressão do governo FHC em suas violentas increpações às ocupações de terra foi o massacre de Corumbiara, em Rondônia. O conflito entre policiais, jagunços e camponeses sem-terra que realizavam uma ocupação resultou em 12 mortes e várias vítimas de tortura. A ação brutal contra os ocupantes da fazenda Santa Elina foi mais uma demonstração da violenta repressão contra os movimentos. Diante da falta de negociação com o governo FHC, entre os anos de 1994 e 1995 os movimentos passaram a intensificar o número de ocupações em 15,52% e famílias em ocupações em 142,47%. Tentava-se explicitar, 11

É importante evidenciar que o MST teve papel fundamental no processo de organização, realização e evolução das ocupações no país. Outro fator importante sobre o MST é que vários outros movimentos se originaram através de uma dissidência do movimento, sendo assim, tendo como referencial organizativo o MST. 12 No dia 24 de julho de 1995, foi assassinado no caminho de volta do encontro com os posseiros que ocupavam a área da fazenda Catuva no município de Aripuanã (MT) o Pe. Ezequiel, que era um dos defensores da luta na região. O fato ganhou reconhecimento internacional quando o Papa João Paulo II lamentou publicamente o fato e referiu-se a Ezequiel com um mártir da justiça e dos pobres que lutam pela terra. 13 As ocupações conflitam com o capital em diferentes escalas (local, municipal, regional, estadual, nacional, continental e mundial) e com as diferentes dimensões (política, social, econômica, ambiental etc.) por isso torna-se possível realizarmos uma leitura multiescalar e multidimensional das ocupações de terras.

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acima de tudo, a necessidade da realização da reforma agrária no país, a indignação perante aos acontecimentos e a maneira como o governo vinha tratando do assunto. A intensificação das desigualdades causada pelo avanço do neoliberalismo também implicaram diretamente na luta pela terra. O capital estrangeiro se fortalecia cada vez mais, viabilizado pelos fortes incentivos governamentais para a agroindústria de exportação. No ano seguinte, outro massacre ainda mais brutal marcou a luta pela terra. No dia 17 de abril de 1996 a marcha por emprego e reforma agrária no município de Eldorado do Carajás, no estado do Pará, terminou com 19 sem-terras assassinados e mais de 100 pessoas feridas. A mando do governador Almir Gabriel, do PSDB, do secretário de segurança pública Paulo Sette Câmara e de fazendeiros do Pará, a polícia militar agiu contra o bloqueio de uma pista realizada pelos manifestantes. O caso de Eldorado dos Carajás ganhou repercussão internacional devido à extrema violência com os manifestantes. Posteriormente, o presidente FHC se posicionou, lamentando o incidente e prometendo se dedicar para solucionar os problemas do campo. No mês de maio do mesmo ano o governo federal recriou o Ministério da Reforma Agrária que havia sido extinto no governo Collor. No entanto, no mês de junho, outro conflito violento entre sem-terras e latifundiários no estado do Maranhão resultou em quatro mortos e cinco feridos. As ações do governo convergiam apenas nos momentos mais tensos da luta e deixavam clara a sua preocupação com a manutenção da lógica vigente. Produto desta situação foi um aumento de 142% das ocupações de terras em 1995. Sobre este período, Stedile e Fernandes (1999) fazem uma leitura importante sobre a atuação do governo FHC em relação ao MST, destacando duas premissas. A primeira refere-se a uma interpretação de inexistência do problema agrário, em que a grande propriedade não é vista como empecilho. A segunda refere-se à subordinação da nação ao capitalismo internacional, abrindo o mercado, entregando a economia ao capital financeiro e arrolando a agricultura às margens14. De acordo com esses parâmetros conjunturais, a repressão do governo FHC sobre o MST, principal movimento atuante e alvo de repressões no período, seguiu três variantes: a primeira era estimular o mercado de terras com a reforma agrária de mercado viabilizada 14

Ver Stedile e Fernandes (1999, p. 139-140).

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pelo Banco Mundial; a segunda era a propaganda contra o MST objetivando desmoralizá-lo, enfraquecer o apoio da sociedade, criar a ideia de que era um inimigo da sociedade e entrave para o desenvolvimento, e a terceira era o isolamento do MST. Entretanto, apesar das duras tentativas de repressão e isolamento durante este período, o governo não obteve o resultado que se esperava e o MST conseguiu se sobressair em alguns momentos e resistir na luta, conforme destaca Stedile e Fernandes (1999, p. 143): Para ele, o MST não existia. Derrotamos essa tática de uma maneira voluntária e também involuntária. A involuntária foi o massacre de Corumbiara (RO), em agosto de 1995, que revelou, ao mundo, a existência dos problemas agrários no Brasil. A voluntária foi o nosso III Congresso Nacional, em Brasília, com aquela passeata de 5 mil pessoas que nos recolocou na imprensa. “Olha, tem sem-terra aí, não vai dizer que esses caras não existem”, dizia a cobertura da imprensa na época.

A tensão na luta pela terra continuou a aumentar. Em 1997 o MST rea­ lizou uma marcha de mil quilômetros rumo a Brasília, reunindo cerca de cem mil pessoas em protesto contra o governo FHC, contra o isolamento promovido e em memória do massacre de Eldorado dos Carajás. De acordo com Stedile e Fernandes (1999, p. 152), “Então fizemos uma marcha para estabelecer um canal de comunicação com a população, num momento em que o governo FHC procurava nos isolar da sociedade.” A partir de 1997, o MST também organizou uma jornada de ocupações denominada Abril Vermelho15 para lembrar o aniversário do massacre. A relação entre o governo e os movimentos camponeses, sobretudo o MST, continuou a se estreitar no transcorrer dos anos e tornava-se cada vez mais evidente que a elite nacional não tinha interesse na efetivação da reforma agrária. Visto que os movimentos camponeses desaprovavam claramente a política do presidente FHC por seu apoio ao fortalecimento do neoliberalismo, à classe ruralista e ao isolamento político, as ocupações de terra ganham ainda mais significado e importância para evidenciar a realidade, as demandas da classe trabalhadora rural e o antagonismo entre classes. 15

O Abril Vermelho tornou-se um símbolo da luta pela terra em que se realizam ocupações e manifestações com diversos objetivos. A jornada passou a ser realizada todo ano fazendo do mês de abril o mais conflituoso do ano.

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Em 1998, ocorreu um crescente número de ocupações de terra (58,4%), famílias em ocupações (68,72%) e também o súbito aumento de ocupações de prédios e lugares públicos. A mudança e o aumento das ocupações referem-se ao ano eleitoral em que o atual presidente FHC tentava a reeleição, a qual surge como uma ameaça à classe trabalhadora rural, pois havia uma distância significativa entre os interesses em jogo e a política do PSDB e a nítida falta de diálogo. Durante o Governo FHC outro processo importante que deve ser levado em conta ao analisarmos a luta pela terra é a formação de novos movimentos socioterritoriais. Diante da necessidade de desmoralizar o MST, que crescia cada vez mais no país e se tornava uma ameaça ao governo, o PSDB investiu estrategicamente na criação do Movimento dos Agricultores Sem Terra (MAST), criado para se opor ao MST e levantar a bandeira de uma “reforma agrária” pacífica. Sua formação se deve à articulação da Social Democracia Sindical (SDS), do PSDB, com novos movimentos dissidentes do MST (Sobreiro Filho, 2011). Conforme Feliciano (1999), esta postura não apresentava nada de novo, apenas se aliava ao governo em seu caráter liberal-democrático. Portanto, o MAST se prostrava como um movimento cujo projeto político estava alicerçado na corrente liberal do PSDB e subordinado ao governo FHC. Apesar deste novo elemento na luta pela terra, os conflitos continuaram a se intensificar e o MST persistiu se opondo ao governo. O presidente manteve sua postura de isolamento político e a elite nacional não tinha interesse na efetivação da reforma agrária. Neste contexto, o MST lança o lema “Reforma Agrária, uma luta de todos” durante o período de governo FHC para reafirmar, dar novos rumos e estimular a luta. Em 1999, ocorreu o maior número de ocupações de terra e de famílias em ocupações, com 856 ocupações e a participação de 113.909 famílias. O aumento das ocupações de terra e famílias em ocupações relaciona-se à intensa e crescente desaprovação dos movimentos camponeses em relação ao governo e sua incompetência na realização da reforma agrária. Neste ano, a criação de assentamentos rurais diminuiu em relação ao ano de 199816, o que demonstra a relação entre o aumento das ocupações e a criação de assentamentos rurais. Visto que o número de ocupações apresentava-se em constante crescimento, o governo tomou atitudes para conter o número de

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Ver Relatório Dataluta 2010.

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conflitos e garantir a proteção da propriedade privada que era ameaçada pelas atuações dos movimentos17. As medidas do governo centravam fogo nas ocupações de terra e visavam a contensão das atuações dos movimentos camponeses. De acordo com Stedile e Fernandes (1999), o principal objetivo do governo era a desmoralização de MST e a criminalização da luta pela terra (Fernandes, 2008). Estas medidas resultaram em uma queda do número de ocupações de terra (39,36%) e famílias em ocupações (28,32%) no ano de 2000. A obra Reforma Agrária: o impossível diálogo18, de José de Souza Martins, evidencia a falta de diálogo entre o MST, a CPT e o Governo. Em 2001, o governo aprovou a Medida Provisória 2109-52 que criminalizava as ocupações de terra. A medida também foi uma estratégia de dominação e submissão à lógica da acumulação de capital. Visto que as ocupações têm papel fundamental na luta pela terra e que é uma das principais práticas dos movimentos, a atitude do governo foi de intensa repressão, pois atacava a principal ação contestativa, orgânica e estruturante dos movimentos, nocauteando-os temporariamente. Esta ação foi uma medida de contenção territorial, pois os principais objetivos do governo eram: assegurar a posse da propriedade privada, se mostrar dominante perante a opinião pública, fortalecer o isolamento dos movimentos, frear as ocupações e assegurar o modelo de desenvolvimento territorial neoliberal. A via de tornar essa medida eficiente era atacar a principal ação dos sem-terra: as ocupações. Para isso a medida previa que o integrante que realizasse uma ocupação perderia direito de acesso a terra e a fazenda ocupada não seria passível de reforma agrária durante o período de dois anos. Assim, a medida criou a imagem de uma inversão de ganhos e, portanto, as ocupações que historicamente possibilitaram o acesso a terra, agora teriam efeito contrário e inviabilizariam o seu acesso19. O reflexo desta medida foi uma súbita 17

Também neste ano criou-se o MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem por competência promover a agricultura familiar, porém, a reforma agrária continuou em passos lentos. 18 Esta obra é um dos exemplos mais claros de ataque feito ao MST na academia, corroborando, assim, as tentativas do governo FHC em realizar o isolamento e a propaganda contra o movimento. 19 Essa medida corroborou a concepção das ocupações de terra como uma ação obstaculosa ao desenvolvimento.

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redução das ocupações de terra. A partir do ano 2000, em relação a 1999, as ocupações diminuíram em 39,36% e famílias em ocupações em 28,32% e, do ano de 2000 em relação a 2001, houve redução de 47,39% nas ocupações de terra e 44,96% no número de famílias em ocupação. Ao compararmos os dados do ano de 1999 com os dados do ano de 2002 é evidente a redução significativa causada pela Medida Provisória, com diminuição de 68,68% no número de ocupações e 64,74% de famílias em ocupações. No entanto, a medida durou até o ano de 2002. Outro elemento responsável pelo baixo número de ocupações e famílias em ocupações neste ano foi o processo eleitoral. Além da trajetória de representação da classe trabalhadora, sobretudo, frente aos metalúrgicos do ABC, a eleição do Presidente Lula contou diretamente com o apoio dos movimentos para a sua campanha. A esperança de mudanças e o discurso de compromisso com a classe trabalhadora foi uma das marcas da campanha, ou seja, havia clara expectativa de que o Presidente Lula traria benefícios para a classe trabalhadora rural e urbana. No ano de 2002 ocorreu uma mudança significativa na conjuntura política. Depois de anos de tentativas fracassadas, Luíz Inácio Lula da Silva conseguiu se eleger, trazendo a esperança de transformação e avanços para a reforma agrária. Sua história de luta corroborava a expectativa de que a reforma agrária poderia sair do papel e que seria possível ampliar a luta. Para o MST, desde 1989, Lula simbolizava uma expectativa de mudança: Parece folclórico, mas é simbólico, o que demonstra o quanto estávamos convencidos de que a vitória do Lula representaria a possibilidade de massificar a luta pela reforma agrária no Brasil (Stedile; Fernandes, 1999, p. 69).

Sua trajetória de luta e defesa pelos direitos dos trabalhadores e sua boa relação com os sindicatos e movimentos socioterritoriais serviram, sobretudo, para conseguir apoio no processo eleitoral em 2002. A luta pela terra sofria seu maior refluxo desde o governo Collor. As investidas do governo FHC reprimiram as ações dos movimentos camponeses que vislumbravam a eleição de Lula como uma alternativa para o seu isolamento e a realização massiva da reforma agrária. Portanto, o processo eleitoral contou com o apoio legítimo dos movimentos camponeses. Outra importante mudança foi a proximidade com a CPT e o MST, como destaca Fernandes:

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Com a vitória do governo Lula, os movimentos camponeses participaram nas indicações de nomes para cargos de segundo escalão do governo Lula. O MST e a CPT tiveram forte influência na nomeação de vários cargos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), inclusive indicando para presidente o geógrafo Marcelo Resende, que trabalhara no Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais, durante a gestão do então governador Itamar Franco. A Contag também indicou alguns nomes para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (Fernandes, 2003, p. 37).

O diferencial do governo Lula foi a proximidade com os movimentos camponeses. A Medida Provisória que impactou na luta pela terra em 2001 e 2002 reduzindo o número de ocupações de terras e judiciarizando-as foi aos poucos deixada de lado. Em 2003, no primeiro ano de mandato do governo, as ocupações voltaram a crescer (100,7%) assim como o número de famílias em ocupações de terra (124,20%). Ainda em 2003, uma equipe organizada por Plínio de Arruda Sampaio apresentou para o governo Lula a proposta do II PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária que reconhecia a questão agrária em sua essência e como produto de um processo histórico no Brasil. O plano proposto por Sampaio (2003) visava atacar as distorções na estrutura fundiária, sobretudo através das desapropriações, cuja meta era assentar 1 milhão de trabalhadores pobres no campo. Era evidente que o plano colocava em xeque os interesses do capital no campo e representava um risco por fortalecer e realizar as políticas de reforma agrária. Contudo, apesar dos benefícios para a reforma agrária e para a luta pela e na terra, a história não tomou esse rumo. Pelo fato do plano reconhecer a questão agrária como um problema estrutural e atacar a raiz do problema, ele se tornou uma ameaça aos interesses do capital e, portanto, foi descartado. Em novembro de 2003 foi proposto pelo MDA e sancionado pelo presidente Lula o II PNRA, que dentre vários objetivos visava garantir o acesso à terra, viabilizar condições para a produção, geração de renda e assegurar os direitos básicos como saúde, educação etc. O destaque deste II PNRA relacionava-se às políticas de assentamentos rurais, visando assentar 400 mil famílias, e a regularização fundiária, objetivando regularizar 500 mil famílias (Brasil, 2003). Este II PNRA elaborado pelo MDA tinha objetivos mais tímidos e menos radicais. A questão agrária e a luta pela terra não obteve tamanha importância quanto para Sampaio (2003), e as políticas de reforma

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agrária continuaram seguindo as tendências compensatórias que o governo FHC manteve, sem atingir a estrutura do problema. No ano seguinte, em 2004, com o desapontamento causado pela aprovação do II PNRA e pelas declarações de Lula de que a reforma agrária não se faria na marra, as ocupações continuaram a crescer. De 2003 para 2004, aumentaram em 22,59% e as famílias alcançaram o segundo maior registro, com 111.447 famílias e um crescimento de 23,81%. Este aumento demonstra o desapontamento dos movimentos com o governo. No entanto, houve mudanças significativas entre o governo FHC e Lula. No governo Lula recuperou-se o diálogo, o reconhecimento e aumentou a proximidade com os movimentos. A estratégia de trazer alguns sindicatos, lideranças e movimentos socioterritoriais para o governo facilitava uma flexibilização do enfrentamento por meio de uma cooptação travestida em diálogo e “participação”. Através destas estratégias, garantiria o discurso do diálogo e da proximidade enquanto o agronegócio se fortalecia. Outra parte importante neste processo é que, de acordo com Fernandes (2003), os cargos oferecidos eram de segundo escalão, subalternos ao governo Lula. Este fato também implicava na possível perda da autonomia dos movimentos diante da relação de hierarquia com o governo. Esta é uma contradição significativa da postura de Lula em relação aos movimentos camponeses que o diferencia da política do governo FHC. No governo FHC tentou-se neutralizar os movimentos através do isolamento, enquanto no governo Lula tentou-se neutralizar os movimentos através da proximidade e do diálogo. Contudo, a desaprovação dos movimentos perante o governo Lula deve-se à inúmeras contradições, como por exemplo: a histórica defesa pela reforma agrária e a sua não realização; incentivo ao avanço e a projeção da economia nacional com base no agronegócio; a realização de políticas paliativas e compensatórias ao invés de combater os problemas em sua estrutura; seguir a tendência neoliberal de integração da agricultura familiar ao mercado e a realização da reforma agrária de mercado através das políticas do Banco Mundial. Destaca-se o fato de que Lula, em seus dois mandatos, criou 2.854 assentamentos e assentou 276.384 famílias, enquanto que, durante os dois mandatos do governo FHC, forma criados 3.947 assentamentos e assentadas 394.287 famílias. Ou seja, para um governo que se elegeu e reelegeu

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com o discurso de atender a classe de trabalhadores e combater a desigualdade e a miséria, criar a menos 38,29% de assentamentos e 42,65% de famílias20 do que o governo de FHC – que assumiu uma postura de isolamento e defesa do neoliberalismo, e não cumpriu com a meta de assentar as 400 mil famílias, conforme previa o II PNRA –, fica a imagem de longo hiato entre o discurso e a prática. Essa realidade demonstrou que apesar do compromisso entre o presidente Lula e os movimentos camponeses, a reforma agrária não foi tratada como prioridade, pois em seus dois mandatos continuou sendo adotado o projeto neoliberal. No entanto, em seu governo surgiram novos elementos muito significativos para as ocupações de terra e que alteraram a dinâmica da luta pela terra, contribuindo para o refluxo e novas formas de luta. OCUPAÇÕES DE TERRA NO ESTADO DE SÃO PAULO: ANÁLISE DO PERÍODO 1988-2011

A questão agrária paulista é complexa e contraditória. Complexa devido à territorialização, monopólio e recente desnacionalização do setor sucroalcooleiro, que por intermédio de diferentes estratégias territoriais, expropria, exclui e subordina, através da renda da terra, famílias camponesas, além de dificultar e, em alguns casos, inibir os processos de espacialização da luta pela terra e reforma agrária, implantada por meio de Projetos de Assentamentos Rurais (PAs). Contraditoriamente, São Paulo é um dos estados brasileiros com maior incidência de conflitos pela posse e uso da terra. No período de 1988 a 2011 foram registrados, segundo o Dataluta (2012), 1.415 ocupações de terra. Neste estado há, também, uma intensa concentração de movimentos socioterritoriais e sindicatos de trabalhadores rurais que atuam em questões trabalhistas e, ainda, contribuem com a luta pela terra na organização de acampamentos. A coexistência no espaço agrário paulista de diferentes sujeitos políticos, organizados coletivamente ou não, como camponeses assentados21, campone-

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Fonte: Dataluta, 2010. Há, em todo o estado de São Paulo, 17.150 famílias camponesas assentadas em uma área de 334.025 ha, segundo o Relatório Dataluta 2012. Disponível em: . Acesso em: jun. 2013.

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ses sem-terra22, movimentos socioterritoriais23, posseiros24, latifundiários e/ou capitalistas e modos de produção, como a agricultura camponesa e a agricultura capitalista ou o agronegócio, constitue uma conjuntura ímpar que carece de estudos geográficos. É por este motivo que dedicamos um subcapítulo para a análise das ocupações de terra no estado de São Paulo e, na sequência, ao Pontal do Paranapanema, região que se destaca em números de ocupações de terra, bem como de assentamentos rurais e movimentos socioterritoriais. Ao longo deste tópico, temos como objetivo compreender o desenvolvimento da luta camponesa pela terra ao longo de mais de vinte anos, bem como os fluxos e refluxos, ou seja, as nuances que permeiam e possibilitam a ascensão de novas estratégias de luta, de resistência e, consequentemente, de (re)criação camponesa. Antes, é importante ressaltar que, a luta pelo uso e posse da terra não é um elemento recente na história do estado de São Paulo. Conforme Bombardi (2006), os conflitos camponeses por terra tiveram início logo após a Segunda Guerra Mundial. Neste período, o modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado incluía a internacionalização da economia, o que só seria possível por meio de subsídios financeiros externos25. Estes empréstimos originaram uma dívida externa sem precedentes, que só poderia ser sanada com o aumento da produção agrícola e exportação26. O estado de São Paulo teve um importante papel neste período ao substituir grande parte do cultivo de café, já em declínio, por pastagens destinadas à produção pecuária27.

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Em 2011, havia 3.345 famílias sem-terras acampadas, segundo a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Disponível em: . Acesso em: jun. 2013. 23 Em 2011, nove movimentos socioterritoriais atuaram em ocupações de terra no estado, segundo o Relatório Dataluta 2012. Disponível em: . Acesso em: jun. 2013. 24 Em 2011, havia duas áreas de conflitos desencadeados por posseiros, ambos na região Sudoeste do estado, nos municípios de Itaporanga e Riversul, segundo a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Disponível em: . Acesso em: jun. 2013. 25 Ibidem, 2006. 26 Ibidem, 2006. 27 Ibidem, 2006.

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Em decorrência disso, houve extrema valorização do preço da terra e, consequentemente, a expulsão e expropriação de famílias camponesas, normalmente denominadas colonos e posseiros28. Alguns destes camponeses se organizaram em pequenos movimentos de luta pela terra, normalmente localizados em um determinado município ou propriedade, com a ajuda do Partido Comunista (PC)29. Este cenário culminou em conflitos como o “Arranca Capim”, no município de Santa Fé do Sul, noroeste do estado, em 1959, no mandato do então governador Carvalho Pinto30. Ainda, conforme Bombardi (2006), neste mesmo período, ocorreram conflitos em relação à posse da terra nos municípios de Marília, Meridiano e Itapeva. Coincidentemente, nestes municípios, bem como em Campinas e Jaú, a Lei de Revisão Agrária foi implantada. Esta lei destinou propriedades reivindicadas e improdutivas aos camponeses posseiros e sem-terra que se organizaram em pequenos movimentos de luta pela terra31. Com o golpe militar de 1964, os conflitos por terra foram sufocados. Mas, já na década de 1970, o intenso processo de modernização agrícola ou mecanização da agricultura em resposta à revolução verde, acentuou ainda mais o processo de desterritorialização e subordinação de famílias camponesas que, após perderem suas terras e trabalho, migraram para centros urbanos e regiões de colonização recente, como Norte e Centro-Oeste, ou, ainda, resistiram em suas regiões de origem e deram início a algumas formas isoladas de luta pela terra (Fernandes, 1996). Diferente dos conflitos que surgiram na década de 1950, a luta pela terra organizada por movimentos socioterritoriais teve início apenas na década de 1980, momento de redemocratização do país, crise econômica e surgimento da CPT, sindicatos e movimentos socioterritoriais, principalmente urbanos, cenário que contribuiu com a gênese, formação e desenvolvimento do MST32 no campo. A constituição do MST foi um momento histórico de extrema importância para os camponeses que, naquele momento, tentavam 28

Ibidem, 2006. Para saber mais consultar Welch e Geraldo (1992). 30 Ibidem, 2006. 31 Para saber mais sobre a Lei de Revisão Agrária consultar Bombardi (2006). 32 Para saber mais, consultar Fernandes (1996). 29

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de todas as formas resistir ao avanço do modo de produção capitalista no campo. A luta dos posseiros na Fazenda Primavera,33 localizada nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, foi fundamental para a organização do MST e para a chegada da CPT à região e ao estado. Conforme Fernandes (1996), migrantes nordestinos, mineiros e italianos se fixaram na região com esperanças de conquistarem a posse da terra, todavia um grileiro se apresentou como dono das terras e deu início à arrecadação da renda da terra. Com a chegada da CPT, os posseiros explorados pelo grileiro começaram a frequentar os espaços de socialização política e resistência. A organização dos sem-terra levou à vitória dos mesmos e a desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária pelo Incra. Ainda segundo esse mesmo autor, uma área da fazenda que havia sido destinada à Associação dos Moradores da Fazenda Primavera estava abandonada, o que levou à ocupação da mesma por um grupo de famílias que se autodenominaram organizadas no Movimento dos Sem Terra do Oeste do Estado de São Paulo, dando início à atuação do MST34 no estado. As estratégias de luta e resistência camponesa são construídas no próprio processo de luta, de acordo com a conjuntura política e agrária. É por este motivo, também, que há variações no número de ocupações de terra or-

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Desde 2001 o Projeto de Assentamento Primavera é uma área emancipada, ou seja, as famílias possuem o título da terra. O mais interessante é que atualmente cerca de 70% da área está arrendada para a produção de cana-de-açúcar; grande parte das famílias que lutaram para conquistar a terra venderam suas propriedades após a conquista do título e migraram para outras regiões ou para centros urbanos. O motivo da venda dos lotes se deve, primeiro, para o pagamento de dívidas, segundo, devido à alta nos preços das terras da região graças à construção de usinas de cana-de-açúcar nos municípios próximos e, ainda, à instalação de indústrias de papel e celulose no município de Três Lagoas (MS), município bastante próximo. Estas informações foram colhidas em trabalho de campo na área. 34 Utilizamos o MST como referência, primeiro, porque este é um dos principais movimentos de luta pela terra e reforma agrária do estado de São Paulo; segundo, é um dos primeiros movimentos organizados que surgiram no estado, paralelamente à sua constituição na região Centro-Sul; terceiro, porque até meados da década de 1990 não existem informações sobre outros movimentos socioterritoriais atuando no estado, conforme dados do Dataluta (2012).

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ganizadas por movimentos socioterritoriais e contestações perante diferentes esferas da sociedade. Conforme Feliciano (2006, p. 108): Os camponeses, ao ocuparem um imóvel improdutivo ou devoluto, estão materializando a sua indignação e reivindicação. Ocupam e lutam no espaço político quando iniciam as negociações com o Estado principalmente por meio do Incra ou dos institutos de terras. Ocupam e lutam com o poder local, nas reivindicações básicas como transporte escolar, abastecimento de água, segurança etc. Ocupam e lutam no espaço legal, quando são envolvidos em ações de reintegração de posse, acordos judiciais de permanência por determinado tempo. Ocupam e lutam no espaço simbólico buscando apoio da sociedade, dos partidos políticos, das organizações religiosas, lutando para estarem presentes nos noticiários locais, regionais, e não deixar que o processo de luta seja esquecido.

Nesse contexto, e diante de processos e contradições produzidas pela lógica capitalista no campo, a ocupação de terra é elemento fundante para entendermos o caráter conflituoso da questão agrária paulista, sobretudo por se constituir em uma ação de resistência e luta contra-hegemônica. Ocupar o território do latifúndio ou do agronegócio é confrontar-se diretamente com eles, desafiando todas as dinâmicas que lhe dão suporte, mostrando que as condições para a organização e fortalecimento dos movimentos socioterritoriais ocorrem por dentro do desenvolvimento do capitalismo, a partir de suas contradições (Fernandes, 2000). A ocupação de terra é produto da necessidade do campesinato em se reproduzir socialmente (Fernandes, 1994). Esta conflitualidade, propagada pela disputa territorial entre capitalistas e não capitalistas, é identificada nas ações dos movimentos socioterritoriais, sejam elas ocupações, manifestações etc. Eles buscam sua (re)territorialização através das ocupações de terra em resistência à sua (des)territorialização sob o avanço do capital, materializada nas ações do agronegócio. A conflitualidade produzida ao longo das duas últimas décadas pelo avanço das relações capitalistas no campo do estado de São Paulo tem desdobramentos claros nos números de ocupações de terra e de famílias em ocupações, bem como nas articulações em escalas locais, nacionais e internacionais entre movimentos socioterritoriais; na criminalização, judiciarização ou repressão política à luta pela terra; e na atuação do Estado no que diz respeito à reforma agrária e às políticas públicas compensatórias.

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Ao analisarmos o gráfico 3, observamos que há um período de gestação da luta pela terra, dois períodos de ascensão e outros dois de arrefecimento. Cronologicamente, o primeiro período (1988-1994) pode ser caracterizado como momento de gestação da organização da luta pela terra, por este motivo, o número de ocupações é bastante limitado, bem como o número de famílias (ver gráfico 4). De 1995 a 1999 houve significativo aumento no número de ocupações, e equivale a um período de maior organização e, consequentemente, espacialização da luta pela terra, processo fundamental para a conquista de assentamentos rurais. Já entre os anos de 2000 e 2002, os números diminuíram drasticamente. Este cenário é reflexo da Medida Provisória adotada pelo governo federal em 2001, conforme explanado em parágrafos anteriores. Vale ressaltar que a ausência de ocupações de terra em uma determinada propriedade não significa que a mesma não esteja sendo questionada por famílias sem-terra, organizadas em movimentos socioterritoriais.

A partir de 2003 os números voltaram a ascender não só no estado de São Paulo, mas em todo o país, como já demonstrado. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como Presidente da República ressuscitou a possibilidade de conquistar um pedaço de terra. Conforme aponta Origuéla (2012), alguns elementos contribuíram para a intensificação no número de ocupações de terras e famílias em ocupações, de acordo com o gráfico 4. Dentre eles

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destacamos: a) a proposta do II PNRA; b) o frequente diálogo do Presidente com os movimentos socioterritoriais e c) o vínculo político e ideológico entre o Presidente, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a reforma agrária. Desde os anos de 2008 e 2009, os números foram novamente diminuindo. Explicamos este período a partir dos seguintes itens: a) a correlação de forças impediu a realização de uma ampla reforma agrária; b) a diminuição do número de assentamentos rurais criados inibiu a presença de famílias nos acampamentos; c) a ascensão do agronegócio, enquanto modo de produção hegemônico, em detrimento da agricultura camponesa (Origuela, 2012). 4

O agronegócio pode ser caracterizado como um complexo sistema que compreende a agricultura, a indústria, o mercado e as finanças (Fernandes e Welch, 2008). Concentra e centraliza a produção agrícola mundial em apenas algumas empresas transnacionais. A concentração se deve ao processo de aglutinação ou joint venture35 de diferentes empresas e a centralização decorre do controle, por parte de uma mesma empresa, de todos os setores da produção (Stedile, 2008).

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Expressão utilizada para explicar um empreendimento em conjunto por meio da fusão de diferentes empresas. Um dos casos mais recentes de joint venture ocorreu entre a Shell e a Cosan e deu origem à Raízen, empresa de energia.

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Os processos de centralização, concentração e territorialização do agronegócio, sobretudo canavieiro, tem como pressuposto alianças de classe como, por exemplo, entre latifundiários e capitalistas, o que complexifica ainda mais a questão agrária paulista e, consequentemente, a luta de classes. Conforme Thomaz Júnior (2007, p. 1): O que estamos assistindo, então, nos últimos meses, no Brasil, em relação às disputas regionalizadas por terras, privilégios, isenções, favores entre grupos empresariais canavieiros e de outros setores do agronegócio, em especial voltados à produção de biodiesel (...) nada mais é do que novas alianças entre políticos, entidades de classe, capitalistas, latifundiários, enfim, um amplo arco das classes dominantes, as quais demonstram com todas as letras a amplitude e jogo de interesses de classe que gravitam em torno desse tema.

Geograficamente, há uma lógica espacial e territorial que nos permite compreender a concentração e espacialização da luta pela terra e a implantação de assentamentos rurais ou territórios camponeses no estado. As regiões nas quais existe maior concentração de ocupações de terras e famílias em ocupações (ver prancha 1) são justamente as áreas onde estão concentradas propriedades públicas, que deveriam estar sob a posse do governo do estado, mas que, historicamente, foram alvos de diferentes grilos, e onde há maior incidência de propriedades improdutivas. Estas especificidades correspondem ao Oeste e Noroeste do estado de São Paulo, respectivamente.

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Contemporaneamente, estas mesmas regiões têm sido destinadas à produção de cana-de-açúcar e eucalipto. O agronegócio canavieiro, por exemplo, expande-se tanto na regiões Oeste quanto Noroeste. Nestas, há significativo aumento da área plantada com cana-de-açúcar e construção de novas plantas fabris, ou seja, usinas e destilarias para produção de açúcar e etanol. No Noroeste do estado, além da cana-de-açúcar, a produção de eucalipto está aumentando. Isso ocorre principalmente nas áreas de fronteira entre o estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, visto que neste último, mais precisamente no município de Três Lagoas (MS), há duas grandes indústrias de papel e celulose, a Fibria e a Eldorado Brasil. Um episódio fatídico é o arrendamento de parte dos lotes do assentamento Primavera, citado anteriormente, para a produção de eucalipto, o que representa a subordinação camponesa ao agronegócio tanto canavieiro quanto celulósico. Na região central do estado, diferente das regiões Oeste e Noroeste, há o predomínio do agronegócio da laranja e expansão do canavieiro. Esta área, denominada Núcleo Colonial Monção, está localizada nos municípios de Iaras e Borebi e apresenta “uma área de aproximadamente 78 mil ha de domínio do governo federal, grilada por fazendeiros, arrendada por empresas e questionada por camponeses sem-terra”. Conforme (Feliciano, 2006, p. 104): (...) o Núcleo Colonial Monção tem sua origem entre os anos de 1910 e 1914, quando a União adquiriu essas terras para a instalação de um projeto de colonização de migrantes europeus. Todavia, como o empreendimento não chegou a ser desenvolvido, no início da década de 1960, a União procurou repassar para o governo estadual a área total da gleba em questão para a instalação de projeto de reflorestamento. Mas o intento não foi totalmente efetivado de modo que o estado, por meio do Instituto Florestal ocupou apenas uma parte do Núcleo, formando a fazenda Capão Bonito para o plantio de pinus. O restante está sob o domínio de grandes empresas, como por exemplo: Eucatex e Duratex, que controlam aproximadamente 60% do núcleo com a exploração florestal e a outra parte está sob o domínio de políticos da região, que utilizam a terra para a exploração agropecuária e florestal.

A territorialização do agronegócio promove conflitos, expropriações e expulsões. No segundo semestre de 2009, o MST ocupou uma área de plan-

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tio de laranja pertencente à Cutrale, empresa produtora de sucos para exportação, com o intuito de protestar contra a ocupação de uma área pública e a exploração de camponeses produtores de laranja. Este episódio corrobora com a ideia de que há conflitos por terra e por modelos de desenvolvimentos distintos em diferentes regiões do estado de São Paulo. Estes modelos são o agronegócio e a agricultura camponesa. Alguns movimentos socioterritoriais camponeses veem a ocupação de terra como parte fundamental e essencial de sua constituição e organização, as quais se expressam em múltiplas dimensões: cultural, simbólica, política, social etc. (Stedile; Fernandes, 1999). A ocupação da terra é uma ação contestatória e combativa que tende a impulsionar a criação de assentamentos rurais, sendo entendida como parte de um processo de desenvolvimento. A criação de assentamentos não é vista aqui tão somente como vitória do campesinato sobre o latifúndio e o agronegócio, mas também como a materialização de parte do processo de luta pela terra, o qual gera um modelo de desenvolvimento camponês. Este modelo em gestação provoca, por sua vez, outra disputa no enfrentamento com o modelo hegemônico do agronegócio, gerando, portanto, conflitualidades. Em 2011 foram registradas apenas 67 ocupações de terras, com a participação de 3.277 famílias, um dos menores índices do período analisado. De acordo o Itesp, nesse mesmo ano, havia 106 acampamentos de luta pela terra (ver tabela 1) e um total de 3.345 famílias acampadas (ver tabela 2). Esses números revelam, primeiro, que existe aproximadamente 100 propriedades rurais sendo reivindicadas por movimentos socioterritoriais, o que, de certa forma, refuta a ideia de que não existem áreas passíveis de desapropriação no estado de São Paulo; segundo, que parte dos acampamentos localizam-se em beiras de estradas com o objetivo de não atrapalhar os processos de desapropriação, caso a fazenda seja ocupada, conforme a Medida Provisória implementada em 2001; terceiro que, apesar dos números apresentados em relação às famílias acampadas, parte destas não habitam nos acampamentos, apenas participam das atividades do movimento socioterritorial ao qual pertencem. Por fim, as regiões com maior incidência de acampamentos, ocupações de terra e famílias em ocupações estão no Noroeste e Oeste do estado, justamente as regiões em que se destacam propriedades improdutivas e públicas, o que, mais uma vez, evidencia a importância destas regiões no processo de luta pela terra.

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Fonte: Itesp, 2013.

Fonte: Itesp, 2013.

Apesar do arrefecimento, a luta pela terra é, historicamente, uma importante forma de (re)criação do campesinato e acesso a terra (Fernandes, 2001). Compreender não só politicamente, mas geograficamente a luta pela terra por meio da conflitualidade entre modelos de desenvolvimento distintos é parte dos objetivos deste artigo, bem como compreender os elementos que explicam este processo em diferentes escalas. OCUPAÇÕES DE TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA: ANÁLISE DO PERÍODO DE 1988-2011

O Pontal do Paranapanema é uma região formada por 32 municípios36, localizada no Oeste do estado de São Paulo, tendo como limite a oeste o rio 36

Os municípios que compreendem a região do Pontal do Paranapanema são: Alfredo Marcondes, Álvares Machado, Anhumas, Caiuá, Caiabu, Emilianópolis, Estrela do Norte, Euclides da Cunha Paulista, Iêpe, Indiana, João Ramalho, Marabá Paulista,

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Paraná e ao sul o rio Paranapanema. O destaque do Pontal do Paranapanema na história dos movimentos socioterritoriais camponeses do Brasil tem sua origem no processo de ocupação territorial ilegal da região a partir da segunda metade do século XIX. A grilagem foi uma prática comum e determinante não só na conformação de uma região com grande concentração de terras, mas também como motivador para a luta dos movimentos, visto que existiam grandes latifúndios em terras públicas. A princípio, a região se originou como um grande grilo e, posteriormente, surgiram outros pequenos grilos dentro desta área grilada. De acordo com Feliciano (2006), a região do Pontal do Paranapanema possui aproximadamente 321 mil ha de áreas devolutas, das quais grande parte está ocupada de forma irregular por fazendeiros. Até o ano de 2011, conforme Sobreiro Filho (2013), a estrutura agrária da região ainda se encontrava muito concentrada nas mãos de grandes e médias propriedades, sendo 451.503 ha concentrados em 118 grandes propriedades e 816.301 ha concentrados em 1.561 propriedades médias, enquanto há 521.265 ha divididos em 15.843 pequenas propriedades. É neste cenário que os movimentos de luta pela terra encontram condições favoráveis para a criação e recriação do campesinato, configurando sua forte atuação nas décadas seguintes. Conforme Fernandes (1994), Welch (2009) e Sobreiro Filho (2013), houve formas de lutas e resistências promovidas por trabalhadores rurais nas décadas de 1960, 1970 e 1980, tais como a Liga Camponesa de Santo Anastácio, e a luta pela Gleba XV de Novembro, por exemplo. Contudo, somente na década de 1990 é que a luta, de fato, se fortaleceu na região. O surgimento do MST foi considerado um marco na história da região por dar início a um intenso processo de contestação do latifúndio e promover a organização de trabalhadores para lutar pelas terras públicas do Pontal do Paranapanema. Desta maneira, o MST foi o principal protagonista da luta pela terra na região. No entanto, diferentemente das insurreições anteriores, o MST trouxe uma luta ampla, embasada em princípios revolucionários como forma de promover uma justiça social em prol dos camponeses e trabalhadores. Martinópolis, Mirante do Paranapanema, Nantes, Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios, Rosana, Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Taciba, Tarabaí e Teodoro Sampaio.

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Concomitantemente à formação do MST na região, também ocorreu a ampliação dos laços entre os latifundiários e, destes, com outros setores burgueses nacionais e internacionais como forma de promover, de maneira ainda mais eficiente, o rechaço aos “sem-terra” no Pontal do Paranapanema. Foi desta conjuntura que emergiu a elevada conflitualidade na região, marcando-a pelo nítido embate entre movimentos socioterritoriais e grandes proprietários de terras e elevado número de ocupações de terras e de famílias em ocupações. Conforme Sobreiro Filho (2013), a conflitualidade era nítida e a imprensa foi um dos espaços mais utilizados para veicular ameaças e trazer à tona o contexto de violência na região. Ações violentas como tiroteios, destruição de acampamentos e diversos outros tipos de ameaças são fatos reincidentes na história do Pontal do Paranapanema e compuseram o universo de manchetes dos jornais no período de 1994 até 2002 (Cubas, 2012; Sobreiro Filho, 2013). As ocupações de terra foram um dos principais reflexos do histórico de conflitualidade do Pontal do Paranapanema. A princípio, elas foram realizadas de maneira crescente, sobretudo pelo MST, que cada vez mais se fortalecia na região, encontrando e desenvolvendo formas de atacar o latifúndio grilado. Conforme podemos ver no gráfico 5, o aumento das ocupações e de famílias em ocupações segue até 1998, ano caracterizado pelo início das dissensões nos movimentos socioterritoriais camponeses do Pontal do Paranapanema. Segundo Sobreiro Filho (2013), a criação do Movimento dos Agricultores Sem-Terra (Mast), financiado pela Social Democracia do PSDB, e o processo de intensificação da criminalização e isolamento promovido por FHC, impactaram também no número de ocupações. Isto porque era adotada uma forma de se fazer a luta pela terra baseada na passividade e, em alguns casos, em acordos que satisfaziam a ambos os lados (Feliciano, 2006). O reflexo destes processos foi um intenso refluxo na luta pela terra que acompanhou uma tendência nacional. Até a atualidade sabe-se que o Pontal do Paranapanema, conhecido por muito tempo como “o coração da reforma agrária”, não retomou a intensidade de atuação. Além disso, observa-se que os marcos dos refluxos foram os anos de 2001 e 2003, como consequência direta das medidas de criminalização e dos acordos e expectativas que havia na resolução da reforma agrária em uma “canetada”, como havia prometido Lula, em seu período de campanha presidencial.

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Paralelamente à frustração causada pelo não cumprimento da promessa de Lula, ocorreu o avanço do agronegócio no Pontal do Paranapanema. Os latifúndios originados no processo histórico de grilagem de terras e degradação ambiental passaram a ser gradualmente substituídos por plantações, primeiramente de soja e, posteriormente, de cana-de-açúcar (Thomaz Júnior, 2009). Este cenário acirrou ainda mais a problemática na região, pois os movimentos socioterritoriais camponeses, além de terem que combater o latifúndio, cujas características destacavam a concentração e exclusão pela improdutividade (Fernandes, 2008), passaram a ter também o agronegócio como inimigo, o qual, amparado pelo Estado e pelos ruralistas, era visto como a “salvação da lavoura” (Thomaz Júnior, 2007). Neste sentido, no período de 2004 a 2006, ocorreu um novo crescimento nas ocupações de terra. Formou-se, desta maneira, uma nova conjuntura de disputa territorial no Pontal do Paranapanema, sendo que, de maneira não muito diferente das demais experiências históricas, os movimentos socioterritoriais camponeses foram os mais atacados e fragilizados. Em termos claros, se antes o problema estava no fato de haver terras griladas, concentradas e improdutivas, a partir de 2003 estas passaram a ser incorporadas no processo de expansão do agronegócio, reduzindo as possibilidades dos movimentos. Desdobramento

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deste processo foi a espacialização da cana-de-açúcar na região. Aponta Sobreiro Filho (2013) um aumento de 375% do cultivo da cana no período de 1990-2010 na região do Pontal, além da criação de plantas fabris, dentre elas a Nova Conquista do Pontal, no município de Mirante do Paranapanema, de posse do grupo Odebrecth. Apesar desta ofensiva do capital, reduzindo o escopo dos movimentos socioterritoriais camponeses, as ocupações de terra voltaram a crescer. Este crescimento, em parte, deve-se tanto à reação em relação ao avanço do capital quanto ao surgimento de novos movimentos socioterritoriais de luta pela terra. O “MST da Base” é um dos movimentos que a partir de 2004 passou a crescer na região37. Contudo, o crescimento de alguns movimentos ocorreu de maneira ainda muito contida, pois em muitos casos foi ampliado o número de ocupações e reduzido o número de famílias. Pode-se afirmar que na década passada a luta pela terra decaiu significativamente. Feliciano (2006) aponta indícios de que a chegada do agronegócio canavieiro promoveu um decréscimo nas ocupações de terra. Seu principal desdobramento foi a diminuição no número de acampamentos na região. No ano de 2005 existiam 47 acampamentos na região, e com o avanço do agronegócio este número foi diminuindo gradativamente. No transcorrer dos anos, alguns novos elementos surgiram e, portanto, deram uma nova dinâmica à luta pela terra na região do Pontal do Paranapanema38. Dentre eles, destacamos: a cessação de alguns movimentos socioterritoriais, tais como o Mast; a articulação e o reagrupamento de movimentos dissidentes; a formação de movimentos socioterritoriais personalistas; a realização de ocupações de terras com poucas famílias; a forte atuação do Programa Bolsa Família nos acampamentos; a judiciarização da luta pela terra; a existência de acampados com perfil urbano, “andorinhas” e moradores, e as ondas de atuação. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer das transformações políticas, por muitas vezes, as ocupações de terra e outras ações dos movimentos camponeses foram interpre37

Para saber mais sobre MST da Base, consultar Sobreiro Filho (2013). Para saber mais sobre a dinâmica da luta pela terra na região, consultar Origuéla (2011; 2012).

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tadas como entraves e ameaças para o desenvolvimento. Muitas foram as tentativas de neutralizar e diversas as estratégias para reprimir e desarticular os movimentos. Através das análises dos dados apresentados em diferentes escalas é possível identificar elementos fundamentais no processo de ocupação de terras a partir das ações dos movimentos socioterritoriais do campo, alguns dos quais veem a ocupação como parte fundamental e essencial de sua constituição e organização. Ressalta-se, também, a importância da ocupação que, por ser uma ação contestatória e combativa, impulsiona à transformação e criação de assentamentos rurais, sendo entendida como parte de um processo de desenvolvimento e recriação do campesinato. Este modelo gera, por sua vez, outra disputa no enfrentamento com o modelo hegemônico do agronegócio, originando, portanto, conflitualidades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOMBARDI. L.. Campesinato, luta de classe e reforma agrária (A lei de revisão agrária em São Paulo). Tese (Doutorado). USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo, 2006. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Agrário. II Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2003. COLETTI, C. Neoliberalismo e burguesia agrária no Brasil. Revista Lutas e Resistências. Londrina, n. 1, set., 2006. CUBAS, T. E. São Paulo agrário: representação da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009. Dissertação de Mestrado, 2012. FELICIANO, C. A. A geografia dos assentamentos rurais no Brasil: O MST e o Mast no Pontal do Paranapanema (SP). Monografia (curso de Geografia). USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo. _______. Movimento camponês rebelde: a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. FERNANDES, B. M. Espacialização e territorialização da luta pela terra: a formação do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado). USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo, 1994. _______. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. _______. A ocupação como forma de acesso à terra. XXIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-americanos. Washington (DC), 6 a 8 de setembro de 2001. _______. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais. Observatório Social de América Latina, v. 16, p. 273-284. Buenos Aires: Clacso, 2005. _______. Questão Agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial, in: BUAINAIN, Antônio Márcio (editor). Luta pela Terra: reforma agrária e gestão de conflitos no Brasil. Campinas: Editora Unicamp, 2008. _______. Sobre a tipologia de territórios, in: SAQUET, Aurélio Marcos; SPOSITO, Eliseu Savério. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 197-215. MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981. _______. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Hucitec, 2000.

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OLIVEIRA, A. U. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. ORIGUELA, C. F. Paradigma e metodologias da questão agrária: uma análise das ocupações de terras no Brasil com ênfase para o Pontal do Paranapanema (SP). Monografia (Bacharelado em Geo­ grafia). Curso de Graduação em Geografia. Unesp, campus de Presidente Prudente, 2011. _______. Atualidade da luta pela terra no Pontal do Paranapanema, in: XIII Jornada do Trabalho, 2012, Presidente Prudente. Anais da XIII Jornada do Trabalho, 2012. _______. Ascensão e queda da luta pela terra no governo Lula (2003-2010), in: XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária, 2012, Uberlândia. Anais do XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária, 2012. SAMPAIO, P. et al. Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2003. SOBREIRO FILHO, J. Os MST’s do Pontal do Paranapanema: dissensão na formação dos movimentos camponeses, 2011. Relatório de pesquisa – Fapesp. . _______. O movimento em pedaços em movimento: da ocupação do Pontal do Paranapanema à fragmentação dos movimentos socioterritoriais camponeses. Dissertação de Mestrado, 2013. STEDILE, J. P.; FERNANDES, B. M. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 1999. THOMAZ Jr., A. Agronegócio alcoolizado e culturas em expansão no Pontal do Paranapanema! Legitimação das terras devolutas/improdutivas e neutralização dos movimentos sociais, 2007. _______. Não há nada de novo sob o sol num mundo de heróis! (A civilização da barbárie na agroindústria canavieira). Revista Pegada Eletrônica. Presidente Prudente, v. 8, n. 2, p. 5-25, dez., 2007. _______. A nova face do conflito pela posse da terra no Pontal do Paranapanema: estratégia de classe entre latifúndio e capital agroindustrial canavieiro. Revista Pegada Eletrônica. Presidente Prudente, v. 10, n. 2, 2009.

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A LUTA PELA TERRA NO RIO GRANDE DO SUL: NOVOS TERRITÓRIOS VERSUS ESPAÇOS TRADICIONAIS Rosa M aria Vieir a M edeiros – UFRS/Neag M ichele L indner – UFRS/Neag Douglas M achado Robl – UFRS/Neag Fernando Dreissig de Mor aes – UFRS/Neag

INTRODUÇÃO

O espaço e o território devem ser pensados de forma associada uma vez que a compreensão do primeiro é condição para a construção do segundo. O território é fundamental para humanizar o espaço. Inicialmente, o território constitui um espaço cultural de identificação ou de pertencimento e a sua efetiva apropriação só se dará numa etapa seguinte. O território é, assim como um espaço político, um jogo político, um lugar de poder. Definir seus limites, recortá-lo, é sinônimo de dominação, de controle. O domínio entre pessoas e nações passa pelo exercício do controle do solo (Medeiros, 2009, p. 217).

Mas é importante considerar que o território antes de ser uma fronteira é um lugar identificado por uma rede de lugares, muito embora “a fronteira delimite o território, marque o espaço de sobrevivência, o espaço de força. É este o espaço defendido, negociado, cobiçado, perdido, sonhado cuja força afetiva e simbólica é forte” (Medeiros, 2009, p. 218). O território dos assentamentos constitui, pois, comunidades simbólicas, o que explica o sentimento de pertencimento na busca de novas raízes, na busca da reterritorialização. Criar uma identidade num espaço desconhecido, onde cada dia é um novo conhecer, exige desses agricultores assentados um grande esforço para que uma nova territorialidade seja construída. São erros e acertos, abandonos, desistências, mas também resistência, coragem e luta para construir um território marcado pela sua história, fixado pela sua identidade.

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As peculiaridades de cada assentamento expressam sua maneira de organizar ou reorganizar o espaço. As famílias vindas de diferentes regiões do estado olham, vivenciam sua terra e aos poucos transformam a paisagem. O novo ocupa o lugar do tradicional, novas dinâmicas, novas formas de produção e novos territórios se formam e se enraizam. ESTRUTURA FUNDIÁRIA E DINÂMICAS SOCIOECONÔMICAS DO RIO GRANDE DO SUL

O presente trabalho procura apresentar um panorama atual da luta pela terra no espaço agrário do Rio Grande do Sul, visando refletir sobre a questão dos novos processos de territorialização promovidos pela instalação de assentamentos no estado, principalmente na região da Campanha Gaúcha. Também objetiva analisar o conflito inerente à questão dessas novas territorialidades inseridas em um recorte espacial bastante peculiar, caracterizado por práticas agropecuárias tradicionais. Antes de analisarmos mais profundamente essa problemática, faz-se importante resgatarmos brevemente a configuração do espaço agrário gaúcho sob o ponto de vista da estrutura fundiária, do processo de ocupação relacionado à imigração e, por fim, pelo uso da terra. De acordo com a regionalização socioeconômica apresentada por Heidrich (2000), o território sul-riograndense divide-se, sinteticamente, em três unidades: sul, norte e nordeste. O sul abrange a região da Campanha, cuja predominância econômica centra-se na atividade pastoril e na concentração da propriedade fundiária. Nos municípios inseridos nessa unidade, o módulo rural, na grande maioria dos casos, apresenta valores substancialmente superiores aos das demais regiões. Outra característica determinante é a grande extensão territorial dos municípios, com significativo distanciamento entre as cidades, decorrente da dinâmica da atividade pecuária extensiva, que exige maiores extensões de terra para o seu desenvolvimento. A ocupação territorial da Campanha foi permeada por guerras na busca da delimitação da fronteira e por essa razão a presença de militares foi acentuada. Estes militares de patentes altas eram recompensados pelos seus feitos com terras (sesmarias) doadas pelo governo que assegurava assim o domínio territorial com homens preparados para situações de confronto numa região de fronteira instável. Essas sesmarias e a cultura pecuarista constituem, portanto, o marco inicial do latifúndio no Rio Grande do Sul – estâncias de criação, e

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que poderiam ser confundidas com a totalidade do espaço provincial, pois uma sesmaria poderia chegar a 13.068 ha. A pecuária desenvolvida nestas estâncias tem como característica a baixa utilização de mão de obra, razão pela qual a maior parte dos municípios da Campanha apresenta uma população urbana superior à população rural. Em muitos desses estabelecimentos, a produtividade é extremamente baixa, devido, entre outros fatores, à falta de acesso a assistência técnica e a energia elétrica (Schneider; Waquil, 2004). A região da Campanha Gaúcha, em seu processo de formação histórica, apresentou uma identidade e um regionalismo particulares e fortemente difundidos, influenciados pela ocupação de descendentes de portugueses e, em menor número de espanhóis. Desde sua gênese, a região apresentou uma série de peculiaridades que a diferenciou do restante do estado e do Brasil. A chamada “cultura gaúcha” foi fundada não pelas camadas populares da época, mas sim pelas elites latifundiárias, que tinham na estância a estrutura de poder político maior, daquele espaço. A fixação das fronteiras e a militarização das mesmas também foram fatores que contribuíram para a formação dessa cultura, cujos elementos foram historicamente utilizados como instrumento de manutenção de poder pelas elites de cada época. Após um período áureo do latifúndio, e a sua posterior decadência econômica frente à economia do estado, ocorre a expansão do ideário formador da identidade regional da Campanha. O conjunto desses elementos formadores da identidade vai sendo incorporado ao restante do território do Rio Grande do Sul, como forma de construção do que viria a ser o movimento tradicionalista. (...) a transposição da identidade gaúcha do espaço tradicional da Campanha para o território do Rio Grande do Sul como um todo parece ser, mais que ‘um curioso fenômeno de mutação histórica’, um processo de reapropriação ideológica que consegue moldar, hoje, as bases de um novo espaço regional no extremo-sul brasileiro (Haesbaert, 1988, p. 78).

Assim, as transformações na região da Campanha também se adequaram às novas formas de inserção no capitalismo. Apesar de uma estagnação, sob o ponto de vista econômico, ainda se tem a nítida visão do domínio territorial do latifúndio nessa área, em uma tentativa de valorizar suas par-

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ticularidades. A sociedade latifundiária resiste, pois, como retrata Brandão (apud Haesbaert, 1988, p. 78) “só se torna ativamente presente na consciên­ cia e na cultura de sujeitos e de um povo quando eles se vêem ameaçados de perdê-la”. É dessa maneira que o sistema latifundiário tenta sobreviver. As regiões Norte e Nordeste do estado apresentam caracterísitcas distintas da região da Campanha, tanto em termos fundiários, econômicos, quanto de ocupação e povoamento. A LUTA PELA TERRA EM DADOS – 2009

A partir de fevereiro de 2009, o Núcleo de Estudos Agrários, (Neag) vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciou o levantamento de dados referentes a ocupações e manifestações que ocorreram no estado, organizadas pelos movimentos socioterritoriais ligados à luta pela terra. A pesquisa vem sendo empreendida a partir dos dados obtidos nos dois jornais de maior circulação no Rio Grande do Sul (Correio do Povo e Zero Hora) e demais jornais de circulação local. Para 2009, o período analisado foi de fevereiro a dezembro, quando ocorreram seis ocupações de propriedades rurais, todas elas na região sul do estado, conforme o critério apresentado anteriormente. Uma dessas ocupações teve grande repercussão nos meios de comunicação em razão de um trágico acontecimento: em 21 de agosto de 2009, nove dias após o início da ocupação da Fazenda Southall, no município de São Gabriel, durante o procedimento de remoção das famílias, houve a morte do acampado Elton Brum da Silva, de 44 anos. Os proprietários da fazenda obtiveram junto à Justiça o direito de reintegração de posse, fato que levou dezenas de policiais ao local para que a ordem fosse cumprida. Em meio às bombas de efeito moral lançadas pela polícia, o acampado Elton foi atingido no tórax, pelas costas, com um tiro de espingarda calibre 12 disparado por um policial militar. Cabe ressaltar que, enquanto o Ministério Público Estadual acusou o soldado por homicídio qualificado, o Poder Judiciário qualificou o crime como homicídio simples. A consequência dessa operação de desocupação da fazenda agravada com a morte do acampado foi o afastamento do coronel que chefiava a referida operação do cargo de subcomandante-geral da Brigada Militar (a polícia militar gaúcha). As demais ocupações que ocorreram neste ano de 2009, no Rio Grande do Sul foram nos municípios de Jaguarão (março), Aceguá (março), Can-

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guçu (duas vezes em abril) e São Luiz Gonzaga (abril). Cinco delas foram organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e uma delas foi organizada pela Via Campesina. A média de famílias acampadas nesses eventos foi superior a 100.

Fonte: Dataluta RS Figura 1 – Rio Grande do Sul: ocupações de propriedades rurais por município (fev./dez. 2009)

É importante destacar que as manifestações ocorridas no estado foram mais numerosas em comparação às ocupações. Durante o período analisado ocorreram 32 manifestações, com destaque ao bloqueio de estradas como a alternativa mais utilizada para a exposição pública das reivindicações (gráfico 1).

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Fonte: Dataluta RS Gráfico 1 – Tipo de manifestação (fev./dez. 2009)

Essas manifestações concentraram-se em alguns meses do ano, como por exemplo em maio, quando houve o registro de 20 eventos, sendo dez deles no dia 26 de maio de 2009. Nesta data ocorreram vários bloqueios de estradas em municípios espalhados por todo o estado do Rio Grande do Sul (gráfico 2). O município onde mais ocorreram manifestações foi Porto Alegre (figura 2), capital do estado, em razão da concentração do Poder Público e da visibilidade perante a sociedade. Essas manifestações ocorreram diante do ao Palácio Piratini, sede do Governo Estadual; do Incra; do prédio do Ministério Público; do prédio do Ministério da Fazenda e da Agência Central do Banco do Brasil.

Fonte: Dataluta RS Gráfico 2 – Quantidade de manifestações por mês (fev./dez. 2009)

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Fonte: Dataluta RS Figura 2 – Manifestações dos movimentos socioterritoriais de luta pela terra por município (fev./dez. 2009)

Outro município onde ocorreram muitas manifestações foi o de São Gabriel (figura 2), mais especificadamente nas sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Prefeitura Municipal, que também foram ocupadas. É importante destacar que não foram aqui contabilizados os atos e protestos realizados em decorrência da morte do acampado Elton Brum da Silva. No quadro a seguir estão listados os municípios onde ocorreram as manifestaçãos no Rio Grande do Sul, sempre com maior ocorrência na capital do estado, mas dispersas em vários municípios, sobretudo os da região Sul/ Sudoeste, ou seja, da Campanha Gaúcha. A figura 2, por sua vez, possibilita a localização desses municípios no território rio-grandense.

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Fonte: Dataluta RS Quadro 1 – Manifestações por município (fev./dez. 2009)

Das manifestações ocorridas; sobretudo em Porto Alegre, foi de grande siginificância, sob o ponto de vista da dinâmica da luta pela terra no Rio Grande do Sul, a decisão do Ministério Público Estadual (MPE) pelo fechamento das escolas itinerantes que funcionavam nos acampamentos e que, conforme já pode ser depreendido pelo próprio nome, acompanhavam a dinâmica migratória dos mesmos. A referida decisão foi tomada em fevereiro de 2009, sendo prevista a extinção das mesmas para março do mesmo ano. A resistência dos movimentos socioterritoriais, mais especificadamente dos acampados, permitiu que essas escolas continuassem funcionando ainda por algum tempo, oferecendo educação às crianças acampadas, mesmo que sob uma suposta “ilegalidade”, conforme a decisão do governo estadual. Mas o que são as escolas itinerantes? Em primeiro lugar cabe destacar que elas foram reconhecidas legalmente no Rio Grande do Sul, em novembro de 1996, e consideradas já como parte integrante dos acampamentos organizados pelos movimentos socioterritoriais de luta pela terra. Esta modalidade surgiu das necessidades relativas ao desenvolvimento educacional e pedagógico dos acampados, especialmente as crianças. A meto-

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dologia de ensino das Escolas Itinerantes não segue o mesmo padrão das escolas formais. A construção do conhecimento é desenvolvida a partir das especificidades inerentes ao contexto de vida dos acampados, valorizando o seu conhecimento prévio e seu espaço vivido. A organização curricular leva em conta o processo de apreensão de cada aluno, partindo daí a avaliação para que o mesmo passe para as etapas posteriores. Essa estrutura, portanto, não segue necessariamente a carga mínima de 200 dias letivos prevista na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (MST, 2001). A partir deste argumento, a Procuradoria de Justiça do Ministério Público Estadual alegou que as escolas itinerantes estavam em inconformidade com a lei que rege a educação no Brasil (LDB), e acusou os educadores de fazerem uso de uma ideologia expressa na metodologia desenvolvida nessas escolas, assim como de não prestarem contas à Secretaria de Educação sobre os conteúdos trabalhados. Mesmo com a decisão de fechamento das escolas itinerantes, os movimentos socioterritoriais optaram por resistir e manter, naquele momento, o funcionamento das mesmas em defesa de uma educação voltada para o campo e para as particularidades do cotidiano dos educandos acampados, que migram conforme a dinâmica do acampamento, inviabilizando sua permanência em escolas das redes municipais e estaduais. A greve de fome das 27 educadoras do MST acampadas em frente ao Centro Administrativo do Estado em protesto pelo fechamento das escolas e pelo atraso do pagamento de seus salários, não demoveu o governo do estado de sua decisão final de extinguí-las. Ainda em maio de 2009, ocorreu o jejum pela reforma agrária e contra a criminalização dos movimentos socioterritoriais de luta pela terra, em frente ao Ministério Público Federal, em Porto Alegre (RS), onde o MST anunciou ações para denunciar essa criminalização e pediu o cumprimento do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), elaborado pelo MPF e assinado pelo Incra, que previa o assentamento de 2 mil famílias até o final do ano de 2008. Também pedia o cancelamento do despejo das famílias do acampamento Jair da Costa, em Nova Santa Rita. O acampamento Jair da Costa, localizado junto à BR 386, em área de preservação do assentamento Nova Santa Rita, no município de Nova Santa Rita possuia cerca de 300 famílias acampadas, oriundas do Vale do Sinos (região calçadista do estado), com escola itinerante (fotos 1 e 2) e um pequeno

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roçado para atender as necessidades das famílias (foto 3). Em abril de 2009 esses acampados receberam ordem de despejo do Ministério Público Federal, com 20 dias para abandonarem a área, independentemente de terem qualquer local para onde se dirigir. A angústia das famílias neste período foi marcante, pois não sabiam que direção tomar diante de tal decisão do MPF. O destino destas famílias foi o grande acampamento de São Gabriel, na região da Campanha Gaúcha, que se tornou o palco da tragédia que abalou e mobilizou o movimento de luta pela terra no RS.

Fonte: Rosa M. V. Medeiros. Fotos 1 e 2. Escola itinerante do acampamento Jair da Costa, Nova Santa Rita (RS)

Fonte: Rosa M. V. Medeiros Foto 3 – Acampamento Jair da Costa. BR 386 – Nova Santa Rita (RS)

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A LUTA PELA TERRA ESPACIALIZADA EM 2011

Embora tenham sido tomadas medidas no sentido de sufocar os movimentos socioterritoriais, os mesmos não arrefeceram e continuaram com seu objetivo primeiro de luta pela terra enquanto meio para se reproduzirem social, política e economicamente. No ano de 2011 registraram-se algumas ocupações espacializadas no território rio-grandense, demonstrando uma dispersão anteriormente não observada, relacionadas a eventos pontuais que mobilizaram os movimentos socioterritoriais de luta pela terra (figura 3).

Fonte: Dataluta RS Figura 3 – Rio Grande do Sul: ocupações de propriedades rurais por município (fev./dez. 2011)

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Por outro lado, as manifestações se concentraram em Porto Alegre e na região da Campanha Gaúcha, demonstrando o conflito entre aqueles que lutam pela terra e aqueles que a detêm concentrada, expressão de seu poder político local. Nos anos de 2009 e de 2011, em termos de distribuição das manifestações ao longo do ano, percebe-se que as mesmas ocorreram nos mesmos meses com maior ou menor intensidade (gráfico 3). O mês de abril tradicionalmente registra manifestações em decorrência do Abril Vermelho, tanto que a intensidade foi a mesma nos dois anos, demonstrando o planejamento e a organização na realização das mesmas. O mês de março, no Rio Grande do Sul, é lembrado como o mês em que as mulheres reunidas arrancaram as mudas de eucaliptos na estação experimental da Aracruz. O Dia Internacional da Mulher relembra esta ação de protesto contra uma monocultura que chegava para tornar produtivos os latifúndios improdutivos, as fazendas falidas da Campanha Gaúcha, que já se encontravam no foco da luta pela terra, no foco da reforma agrária. Registra-se aqui mais uma estratégia do capital que, naquele momento, contava com o apoio do governo do estado que usava como argumento a necessidade de desenvolver uma região estagnada.

Fonte: Dataluta RS Gráfico 3 – Comparativo das manifestações 2009/2011 (por mês)

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A marcha dos movimentos socioterritoriais cresce em 2011, assim como novos acampamentos começam a se organizar. A luta pela terra retoma sua energia, se fortalece, respira e recomeça. Isso se expressa também na ocupação dos prédios públicos que cresceu em 2011 (gráfico 4), expressando a busca de maior visibilidade na sociedade em geral, bem como de ações por parte do poder público.

Fonte: Dataluta RS Gráfico 4 – Comparativo do tipo de manifestações 2009/2011

A Campanha Gaúcha se tornou palco das manifestações da luta pela terra que busca se territorializar onde o latifúndio se enraizou. O conflito se estabelece e cresce, mas não impede a construção de um território novo, forte e dinâmico, dentro de um território já existente que é velho, enfraquecido economicamente, ainda que forte politicamente, mas estagnado para o Poder Público. É uma nova dinâmica para a região que já é reconhecida por muitos, mas rejeitada por outros. Na figura 4, Alegrete, Santana do Livramento, Bagé e Hulha Negra foram palco das manifestações em 2011 muito embora a maior concentração tenha ocorrido em Porto Alegre.

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Fonte: Dataluta RS Figura 4 – Manifestações dos movimentos socioterritoriais de luta pela terra por município (fev./dez. 2011)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Campanha Gaúcha (mesorregião Sudoeste rio-grandense) e a mesorregião Sudeste rio-grandense, regiões de domínio do latifúndio, passam por transformações significativas. Novas formas de produção se territorializam através da instalação dos assentamentos trazendo consigo novos pensares, novas políticas, novos fazeres. É uma nova dinâmica para uma região que historicamente se diferenciava no espaço sul-rio-grandense pela sua tradição pecuarista. É a agricultura familiar se reterritorializando, trazendo consigo novas identidades, novas configurações para a paisagem dos extensos campos da campanha gaúcha. Estes assentados que passam por um processo de desenraizamento ao partir e de enraizamento ao chegar, carregam marcas

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profundas de luta, de participação política. O território gaúcho se reconfigura, a paisagem da campanha se transforma e hoje já é uma nova realidade a concentração de assentamentos nessa região (figura 5). São os movimentos socioterritoriais de luta pela terra os agentes desta nova reconfiguração territorial. Mas, o conflito permanece uma vez que o latifúndio, espaço tradicional, ainda tem poder político e não abre mão de seu território, improdutivo e conservador. As ocupações nesta região são a expressão deste conflito onde novos territórios se contrapõem aos espaçõs tradicionais.

Fonte: Dataluta RS Figura 5 – Área ocupada pelos assentamentos por mesorregiões no Rio Grande do Sul – 2011

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DATALUTA RS. Banco de Dados Dataluta RS: dados. Porto Alegre (RS), 2013. Disponível em: . Acesso em: jun. 2013. MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. Território, espaço de identidade, in: SAQUET, Marcos Aurélio; SPOSITO, Eliseu Savério (org.). Territórios e territorialidades – teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009, v. 1, p. 217-227. _______. Territórios e práticas de mobilidade espacial: o caso dos trabalhadores rurais assentados no Rio Grande do Sul, in: Marine Guibert; Silvina C. Carrizo; Pablo Ligrone; Bruno Mallard; Loïc Ménanteau; Guillermo Uribe (org.). Le bassin du Rio de la Plata – développement local et intégration régionale. Toulouse: Presses Universitaires du Mirail, 2009, v. 1, p. 511-528. _______; SOSA JR., Denir de Oliveira. El proceso de territorialización de los productores asentados en la campanha gaúcha, in: Yanga Villagomez (org.). Ceisal. Bruxelas, 2009. _______; BELEDELLI, Senira. A expressão da cultura camponesa nos assentamentos de reforma agrária, in: HELLEN CRISTANCHO; OVIDIO DELGADO MAHECHA (org.). Globalización y territorio: reflexiones geográficas en América Latina. Bogotá, 2009, v. 1, HAESBAERT, Rogério. RS: latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. HEIDRICH, Álvaro Luiz. Além do latifundio: geografia do interesse econômico gaúcho. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Escola Itinerante em acampamentos do MST. Estudos Avançados. São Paulo, n. 42, p. 235-240, maio-ago. 2001. SCHNEIDER, Sérgio; WAQUIL, Paulo. Desenvolvimento agrário e desigualdades regionais no Rio Grande do Sul: uma caracterização socioeconômica a partir dos municípios, in: VERDUM, Roberto; BASSO, Luís Alberto; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes (org.). Rio Grande do Sul: paisagens e territórios em transformação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 127-145.

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PELAS RUAS, CAMPOS, CIDADES E AVENIDAS: AÇÕES E MANIFESTAÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS DO CAMPO NO BRASIL (2000-2011) C arlos A lberto Feliciano – Unesp Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

Danilo Valentin P ereir a – Unesp Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

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INTRODUÇÃO

As ações dos movimentos socioterritoriais do campo, no Brasil, são práticas de mobilização popular com potencial transformador e/ou conservador. Transformadoras no sentido de reivindicar e lutar por mudanças estruturais; e conservadoras no sentido de lutar pela manutenção da ordem atual. As ocupações de terras e as manifestações são exemplos de práticas de lutas socioterritoriais na perspectiva da transformação de um modelo de desenvolvimento excludente e insustentável. Assim como as ações da bancada ruralista ou de entidades representativas, que também se organizam para conseguir manter e expandir seus interesses. Ou seja, as ações e manifestações que se opõem são registros e materializações da existência da luta de classes. Apresentamos nesse texto, uma discussão sobre o significado das manifestações no contexto contemporâneo, assim como a metodologia utilizada para a geração da sistematização dessas manifestações em tipologias, a partir da análise dos dados coletados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Banco de Dados da Luta pela Terra (Dataluta) com relação às manifestações realizadas no campo brasileiro, ora por movimentos socioterritoriais organizados, ora espontâneos. AS MANIFESTAÇÕES COMO CATEGORIA DO BANCO DE DADOS DATALUTA

As manifestações do campo tornaram-se recentemente categoria de registro, pesquisa e análise no Dataluta. No ano de 2009 somou-se a outras categorias de pesquisa já existentes, como ocupações de terra, assentamentos rurais, movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária. A demanda por um estudo das manifestações dos movimentos socioterritoriais do campo, ou seja, marchas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, agências bancárias, por exemplo, foi ressaltada em anos anteriores a 2009 em reuniões realizadas pela Rede Dataluta. A expressividade dos números que as manifestações tinham na luta pela terra no Brasil, publicada anualmente nos Cadernos de Conflitos da CPT, desde os anos 2000, mostrava a importância que as ações assumiam como um elemento relevante para compreendermos a atualidade da questão agrária e, sobretudo, da luta pela terra no Brasil. O fato de não existirem estudos referentes a elas de forma específica, deixando o entendimento generalizado ou superficial, justificaram iniciar as análises.

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É uma construção em permanente desenvolvimento. Criada em 2009, mas sendo debatida em anos anteriores, atualmente desenvolvemos e aprimoramos a análise e reflexão teórica com pesquisas1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A Rede Dataluta é composta atualmente por grupos de pesquisa de dez diferentes estados brasileiros interessados nos estudos sobre a questão agrária. Além do Nera, mais nove grupos de pesquisas trabalham em conjunto a manutenção e reflexões sobre o Dataluta. Dessa forma, para a categoria de análise das manifestações, cada grupo ficou responsável em registrar as ocorrências em seu estado para alimentar o banco de dados da categoria. É o trabalho do Dataluta Jornal, praticado nos grupos, que fornece dados para os registros da categoria manifestações do campo, bem como para a categoria ocupações e movimentos socioterritoriais. O Dataluta Jornal, no Nera, é um acervo onde estão reunidos, organizados e sistematizados recortes de jornais impressos que trazem notícias relacionadas à questão agrária brasileira. É um banco de dados trabalhado diariamente. Para sua confecção são lidas, recortadas, digitadas e armazenadas notícias dos jornais2 O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Oeste Notícias3, O Imparcial, Brasil de Fato e Jornal do Movimento Sem Terra, notícias que estejam dentro dos temas pré- estabelecidos pela metodologia do Jornal, ou seja, temas sobre a questão agrária. Desta forma, obtemos notícias que dizem respeito às manifestações (figura 1). Selecionada a notícia pela leitura dos jornais, ela é digitalizada e digitada numa planilha do Excel. A digitalização é uma forma de preservarmos a fonte de nosso banco de dados para uma leitura mais apurada, ou para a conferência. 1

Pereira, Danilo Valentin. Um estudo sobre as tipologias de manifestações do campo no estado de São Paulo no período de 2000 a 2011. Monografia. Unesp, Presidente Prudente, 2012. 2 Os jornais Oeste Notícias e O Imparcial são de circulação regional de Presidente Prudente, localização da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) e do grupo de pesquisa Nera. Vemos a importância da Rede Dataluta no que diz respeito à manutenção de um banco de dados o mais próximo possível à realidade, pois os jornais de circulação regional de cada grupo de pesquisa em seus estados contribuem para a captação das notícias de forma a maximizar o registro da espacialidade das ações. 3 O jornal deixou de circular.

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Figura 1: Notícia de jornal digitalizada Fonte: Acervo Dataluta, 2013.

Outro procedimento para abastecermos o banco de dados das manifestações do campo é através de notícias on-line. Para isso utilizamos duas formas de pesquisa: o Alerta Google e a pesquisa nas páginas dos movimentos socioterritoriais4. O Alerta Google é uma ferramenta disponibilizada gratuitamente pela empresa Google que basicamente “são atualizações, enviadas por correio eletrônico, dos mais recentes resultados relevantes com base em suas consultas” (Google, 2012)5, ou seja, as palavras-chave cadastradas fazem com que o usuário receba notificações em sua caixa de correio eletrônico para fazer a conferência do que lhe interessa. Da mesma forma como as notícias de jornais impressos, as informações retiradas da internet são salvas em formato PDF.

4

Um dos trabalhos desenvolvidos pela categoria movimentos socioterritoriais é registrar informações desses movimentos atuantes no país, incluindo-se nessas informações, dentre outras, os endereços dos sites que essas organizações possam ter. 5 Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2012.

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Outra parte dos dados são os registros enviados anualmente pela CPT. Como ressaltado, a categoria das manifestações foi criada em 2009, o que tornava o volume de dados muito pequeno para alguma análise. A CPT forneceu informações de manifestações do Brasil todo e com um recorte temporal de 2000 a 2011. Com mais de uma década de ações e mais de sete mil manifestações registradas o banco de dados tornou-se maior. Para não haver dados duplicados a partir de 2009, quando passamos a registrar, adotamos o procedimento da confrontação e incorporação6. A confrontação foi realizada entre os dados dos grupos da Rede Dataluta e da CPT para os anos de 2009, 2010 e 2011, dando-se prioridade a estes últimos por se tratar de uma entidade com grande experiência na área, caso houvesse informações repetidas. Além da experiência de anos, a CPT busca sempre ter maior proximidade com as ações, estando presente in loco. A confrontação e a incorporação configuram a manutenção de um banco de dados o mais fiel possível à realidade, mais completo, contribuindo com a espacialidade das ações, que podem contemplar projetos, políticas públicas, pesquisas científicas, enfim, podem contribuir analiticamente com os questionamentos agrários do país. MANIFESTAÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS DO CAMPO NO BRASIL (2000 A 2011)

O período dos dados coletados abarca janeiro de 2000 e dezembro de 2011. Durante esse tempo, ocorreram 7.610 manifestações contra uma opção de modelo de desenvolvimento econômico político/social/cultural, excludente, adotado pelo Estado brasileiro e disseminado pelos órgãos da mídia. Ao longo do período foram aproximadamente 5 milhões de pessoas, entre camponeses, índios, assalariados rurais, sindicalistas, estudantes, professores simpatizantes e religiosos, os quais forjaram sua indignação pelas ruas, estradas, rios, prédios públicos, ocupando cada canto e brecha possível do território e do cenário político brasileiro. Pelo fato de compreender que as ações aqui discutidas serão referentes às organizações do campo, mas com uma diversidade riquíssima (assalariados rurais, indígenas, quilombolas, posseiros, extrativistas etc.), que podem estar além do campesinato, 6

Evidenciamos manifestações que somente nós havíamos registrado; desta forma as incorporamos a esse banco de dados.

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adotamos a conceituação de movimentos socioterritoriais do campo uma vez que estão majoritariamente reivindicando condições de vida mais justas para uma parcela da população que tem o campo como sua morada e/ou trabalho. Partimos da linha de raciocínio de que as manifestações são mais um elemento que se expressa em distintas estratégias na luta pela terra, revelando a disputa territorial por modelos de desenvolvimento do campo. Desta forma, acreditamos que as ações coletivas de protestos são uma forma de luta pela terra (da luta até a conquista) e na terra (da conquista ao modo de vida/produção camponês). As manifestações como formas de mobilização dos movimentos socioterritoriais tornaram-se tão importantes quanto os estudos das ocupações e dos assentamentos rurais, considerando que também são espaços de luta, reivindicação, proposição e resistência dos camponeses. Essas ações estão cada vez mais presentes na pauta política do país, justamente pela continuidade do descaso, desinteresse e ausência de coragem e vontade política do Estado, para tratar da questão. Como expressa Comerford: Todas essas formas de ação envolvem movimentação de ‘corpos’ sociais que, por força mesmo dessa movimentação, buscam se caracterizar e legitimar publicamente, ao ocupar espaços socialmente marcados. São atos que envolvem transgressão e demarcação de fronteiras socioespaciais, e levam a outras ações, colocadas como respostas por parte dos diferentes segmentos do ‘público’ e das ‘autoridades públicas’ (Comerford, 1999, p. 130).

Os movimentos socioterritoriais nascem principalmente pela percepção da necessidade de mudança, podendo esta ser ou não conquistada, dependendo das correlações de forças estabelecidas na luta de classes e das formas de organização do grupo envolvido. O território e a territorialidade são base de sua existência. De acordo com Touraine (1981 p. 355), “reconhece-se um movimento social porque ele fala ao mesmo tempo em nome do passado e em nome do futuro (...)”. Para Grzybowski (1994, p. 294), por sua vez, (...) a percepção de interesses comuns, no cotidiano, nas condições mais imediatas de trabalho e vida, percepção reproduzida a partir de e na oposição com outros interesses, de outros agentes sociais, a iden-

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tidade em torno dos interesses comuns, as ações coletivas de resistência etc. São um conjunto de condições necessárias dos movimentos. Só assim a tensão intrínseca às relações vira movimento.

Geralmente, a resposta imediata às ações territoriais dos movimentos é o uso da violência. Por estarem em busca de um “espaço justo”, o conflito sempre se faz presente, pelo fato de a ideia de justiça carregar uma concepção ideológica baseada na luta por interesses diferentes. A justiça, na ótica daqueles que a idealizaram institucionalmente, por ser supostamente abstrata, separa as boas das más condutas, os homens bons dos homens maus e, em decorrência, também suas práticas (Aguiar, 1999). A partir dessa premissa, é necessária a construção e manutenção de uma ordem, mesmo que seja preciso o uso da força. Como há outras concepções de justiça diferentes de uma ideia dominante, as manifestações adquirem um status de esperança e bandeira de luta, pois, acima das reivindicações, está inserida a possibilidade de (re)criação do viver. Por serem práticas potencializadoras de transformação, são vistas e julgadas como práticas subversivas, contra as boas condutas, a ordem e o contrato social vigente. Isso reflete expressões ideológicas de um pensamento conservador, o qual procura escamotear a manutenção de um status quo, já que, instaurada a ordem, está preservado um conjunto de interesses que está longe de ser abstrato. De acordo com o pensamento de Rousseau (1991 p. 22): “o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros”. As ações dos movimentos socioterritoriais do campo vêm no sentido de questionar e não compactuar com um contrato social onde impera a desigualdade entre os homens. A CPT realizou um levantamento das práticas contestadoras materializadas pelos sujeitos sociais do campo, que lutam pela diversidade de visões de mundo. Formatamos no quadro 1 essas ações entre tipos de reivindicação e temas de manifestação. Sistematizamos primeiramente o conteúdo (tipo de reivindicação) da prática realizada, e em seguida, como essa manifestação se direciona para a proposição de políticas públicas. Na sequência, o procedimento foi sobrepor essas temáticas reivindicadas a questões que fazem parte de uma ação ou ausência de uma política do Estado. As reivindicações dos movimentos socioterritoriais no campo brasileiro, no início do século XXI, seguem duas perspectivas:

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Quadro 1 – Brasil – Tipos de Reivindicações – 2000-2011

Fontes: CPT; Dataluta, 2012. Org. e sistematização: Feliciano, C.A, 2013.

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uma para a adoção de políticas de desenvolvimento do campo, baseadas na justiça para a maioria da população (política de combate à pobreza e à fome, políticas aos povos tradicionais, políticas de respeito aos direitos humanos); e outra, contra a adoção de um único modelo de desenvolvimento que privilegia interesses de uma restrita parte da população e, em muitos casos, apenas de empresas transnacionais (contra a implantação de barragens, a transposição do rio São Francisco, a privatização das águas, plantio com organismos geneticamente modificados etc.). As formas encontradas pelos movimentos agrários para materializar suas reivindicações diante da sociedade são diversas e criativas. O tipo de reivindicação pode definir de antemão qual a melhor maneira de contestar e sensibilizar tanto a população, como a mídia e o governo. Por exemplo, aconteceram 224 ocupações em agências bancárias, no país, no período correspondente. As reivindicações principais foram por uma política de crédito, pela renegociação das dívidas etc. A ligação tipo de reivindicação/tipo de manifestação é direta e objetiva. Ou seja, ocupar estrategicamente aquele órgão e/ou segmento que está “barrando” o desenvolvimento das comunidades. Porém, há tipos de manifestações que são mais originais e emblemáticas, para escapar de artifícios jurídicos ou administrativos que determinem sua ineficácia. Por exemplo, greve de fome, vigílias, jejum, celebrações religiosas, cerco/abraço a órgãos públicos etc. Ou seja, ocupar em uma perspectiva simbólica de sensibilizar a luta. Também há ações contestadoras que concentram um potencial de transformação nas reivindicações pela necessidade de políticas/ações imediatas. Por exemplo, foram contabilizados 33 saques e 5 tentativas de saques no Brasil. São manifestações suscitadas pela necessidade imediata de sobrevivência por famílias que estão em processo de carência alimentar. Neves (1994 p. 67) enfatiza: No Nordeste brasileiro, os saques, as tentativas de saques e as invasões de pequenas cidades no interior constituíram-se como as principais e mais frequentes manifestações de ação direta dos camponeses em épocas de seca, desde a década de 1930.

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Uma pesquisa feita em 1994 sobre o movimento dos saques, no estado de Pernambuco, com trabalhadores que deles participaram, constatou que 63% dos entrevistados relaciona o saque com o objetivo primeiro de matar a fome. Em seguida, 29,7% vêem o saque como uma forma de protesto, para forçar a criação de programas emergenciais de trabalho e distribuição de cestas básicas7. Ou seja, as ações territoriais nessa forma podem representar a ocupação pela penúria e perspectiva de luta para sobreviver. Durante o período da pesquisa, foram realizadas 21 formas diferenciadas de ações territoriais contestadoras a uma ordem estabelecida, no tocante às relações sociais e de luta de classes no campo, como se pode observar no quadro 2. Algumas formas encontradas pelos movimentos socioterritoriais do campo, por serem semelhantes, foram agrupadas em apenas um tipo mais representativo da ação. Por exemplo, no tipo de manifestação denominada marchas/caminhadas há romarias da terra, marcha das margaridas, dos sem terrinhas. A finalidade desse agrupamento foi entender a característica principal e marcante da manifestação. Quadro 2 – Brasil – tipos recorrentes de manifestações – 2000- 2011

Fonte: CPT; Dataluta, 2012. Org.: Feliciano, 2013.

Pode-se notar, no quadro 2, que as formas encontradas pelos movimentos socioterritoriais e concretizadas pelas ações territoriais estão concentradas em uma ocupação estritamente ligada à luta por um espaço político: ocupar para parar (ocupação de prédios, agências bancárias, acampamentos em praças, em frente a órgãos públicos); parar para ocupar (bloqueios de estradas, interdição, retenção) e andar para parar e ocupar (marchas/cami7

Zandré, A. Às claras para todo mundo ver. O movimento dos saques em Pernambuco na seca de 1990-1993. Dissertação (Mestrado). UFPE, Recife, 1997.

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nhadas, barquetatas). Há um mosaico de possibilidades, e sua riqueza está justamente nessa diversidade. Como mencionamos, atitudes de violência, repressão, coercitivas e/ou criminalizantes, são as respostas dadas por uma estrutura conservadora e mantenedora de um modo dominante, o qual procura criar mitos e ordens com a finalidade de banir manifestações diferentes e/ou opostas a um outro conceito de justiça, de produção, de ocupação do território e de relações sociais, que não seja apenas pela reprodução de grupos de poder. As manifestações dos movimentos socioterritoriais são ações que refletem conteúdos estruturais, são organizadas no sentido de evidenciar situações que deveriam ser de interesse social, mas que frequentemente são mascaradas pelo discurso dominante. Por isso, de todas as formas e tipos, se realizam sob o parâmetro de “fazer-se conhecido”, adotando a estratégia de se realizar em lugares emblemáticos para que possam, minimamente, repercutir exercitando a consciência crítica da população e do Estado. “Manifestar é falar, mostrar onde está o erro, onde se deve promover mudanças; manifestar é também se mostrar à sociedade e se engendrar num embate de forças. Quem manifesta reivindica algo (...)” (Moura; Victor; Cléps Júnior, 2012, p. 3). Motta considera que: As manifestações, nas suas mais variadas formas, são um termômetro dos conflitos em que estão envolvidos os trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, do descaso da Justiça e das autoridades maiores deste país com aqueles que diariamente lutam para que o pão esteja presente na mesa de todos. Por outro lado, elas mostram a vitalidade das populações camponesas e suas organizações que querem ser ouvidas e respeitadas e exigem uma nova ordem no campo (Motta, 2006, p. 175).

Ao mesmo tempo em que revelam a conflitualidade, sendo um termômetro, as manifestações também mostram o protagonismo dos sujeitos sociais do campo na reivindicação de sua existência e desenvolvimento. Porém, vêm seguidas de uma reação conservadora. Numerosas vezes, a imagem de uma manifestação, uma marcha ou bloqueio de estrada é transmitida pela chamada mídia tradicional como uma ação perturbadora da ordem, atrapalhando o desenvolvimento daqueles que têm que trabalhar e não podem ser prejudicados com tal ação. É recorrente o discurso de que “ninguém é contra as manifestações, desde que não atrapalhe a rotina daquelas que tem o direito de trabalhar”. É a reprodução de um discurso que insere uma rivalidade àqueles que muitas vezes podem estar na mesma situação. Aguiar (1991, p. 50), 127

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em seu livro O que é Justiça, numa abordagem dialética, tem uma passagem em que procura entender esse mecanismo: (...) as minorias dominantes reproduzem a opressão por meio da ideologia espalhada por todos os meios formais e informais existentes, no sentido de chegar ao máximo da eficácia que é a de o oprimido falar e agir como o opressor, embora continue oprimido e, o que é mais grave, que o oprimido seja agente de opressão contra um seu igual.

Por isso, ações dos movimentos socioterritoriais são e devem continuar sendo incômodas. Com essas práticas, podemos (re)pensar e construir novos conhecimentos e práticas. De acordo com Oliveira (1979, p. 33), “escrever sobre a prática pressupõe a sua compreensão. Pressupõe a compreensão de que o conhecimento resulta da prática social, ou seja, é produto da produção e da luta de classes”. Essas ações contestadoras são incômodas, pois possuem o potencial do pensar, do transformar. Reações às manifestações podem aparecer com o uso da violência, como foi o caso do massacre em Eldorado dos Carajás, no Pará, no dia 17 de abril de 1996, quando, ao realizar uma manifestação na estrada, um grupo de camponeses sem-terra foi encurralado pela Polícia Militar do Pará, resultando na morte de 17 pessoas. Ou, como no Pontal do Paranapanema, quando, em outubro do ano de 2008, camponeses sem-terra ligados ao MST ocuparam um escritório da Fundação Itesp, em Presidente Prudente, para reivindicar a aceleração no processo de arrecadação de áreas devolutas, sendo recebidos à força pela Policia Militar do Governo do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) de José Serra, a qual os retirou do local, terminando com um ferido. Há também reações não visíveis, como o preconceito pelo fato de ser sem-terra, índio, negro etc. Igualmente, por se ouvir, nas manifestações e em algumas análises científicas sobre suas ações, que são baderneiros, arruaceiros ou que as questões que estão reivindicando perderam seu momento e/ou oportunidade histórica de serem realizadas. Grande parte das distorções propagandeadas sobre o caráter radical e subversivo das ações dos movimentos socioterritoriais é difundida pela mídia tradicional. A mídia, quando cobre tais acontecimentos, mantém uma posição muito distante da imparcialidade; ao contrário, como aconteceu na cobertura sobre a manifestação das cerca de duas mil camponesas, na ocupação da fazenda Barba Negra, de propriedade da Aracruz

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Celulose, em Barra do Ribeiro (RS), em 2006. A finalidade do protesto, segundo o manifesto da Via Campesina, era contra (...) o deserto verde (enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose), pois onde este avança, a biodiversidade é destruída, os solos deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana (...) (Manifesto da Via Campesina, s/n.).

Além do aspecto ambiental, questionado pelas camponesas, há também denúncias de acordos econômicos envolvidos nesse processo. Ainda conforme o manifesto da Via Campesina (s/n): Aracruz é a empresa do agronegócio que mais recebeu dinheiro público. São quase R$ 2 bilhões recebidos nos últimos 3 anos. No entanto, uma empresa como a Aracruz gera apenas um emprego a cada 185 ha plantados, enquanto a pequena propriedade gera um emprego por hectare.

Todavia, por trás de tudo isso há uma razão central para entender esse comportamento da mídia com respeito aos movimentos socioterritoriais. De acordo com Gohn (2000, p. 20): (...) a mídia tem retratado os movimentos segundo certos parâmetros político-ideológicos dados pela rede de relações a que está articulada. Os interesses políticos e econômicos formatam as considerações e as análises que configuram a apresentação das informações, detonando um processo onde a notícia é construída como mensagem para formar uma opinião pública sobre o acontecimento, junto ao público consumidor, e não para informar este mesmo público.

Nesses episódios, fica subentendido que, assim como grande parte dos movimentos socioterritoriais lutam através de práticas coletivas, construídas historicamente, e por outro modelo de desenvolvimento, há também outra corrente ideológica/política regrada e materializada pelo mercado/consumo, onde o conflito é inevitável. Os aliados desse processo conservador possuem um instrumento de poder moderno: a informação e a rapidez de sua circulação, em que: (...) a mídia cria e divulga novas utopias, não mais político-sociais, mas tecnológicas, onde o grande paradigma estruturador das formas de elaboração da realidade é o mercado. A instância econômica passa a ser

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o grande elemento configurador da visão de mundo das pessoas e não mais a política (Gohn, 2000, p. 20).

Com isso, para compreender as ações dos movimentos socioterritoriais do campo é necessário aumentar a escala de análise conjuntural. No Brasil, como já foi escrito anteriormente, ocorreram 7.610 manifestações, agregando quase cinco milhões de pessoas, entre crianças, idosos, homens e mulheres (tabela 1). A materialização dessa configuração no território brasileiro possui igualmente suas especificidades. Por exemplo, a prática de saques consiste em ações realizadas tradicionalmente na região Nordeste, embora possam também ocorrer em outras regiões. Do mesmo modo, 50% das ocupações em agências bancárias foram feitas na região Centro/Sul do país. Essa informação pode pressupor uma avaliação de que uma das grandes preocupações dos movimentos socioterritoriais, nessas regiões, está voltada para a luta pela permanência na terra e por um modelo econômico que beneficie a pequena produção. As principais formas de manifestação dos movimentos socioterritoriais no campo brasileiro, no começo do século XXI foram as concentrações e manifestações em espaços públicos. Mais de 1.900 atos, paradas, gritos, levantes, protestos, comemorações – os quais tiveram a finalidade de agregar, sobretudo em espaços públicos, uma concentração total de 930 mil pessoas para debater, esclarecer, reivindicar e conscientizar outras que estão de passagem, sobre questões que direta ou indiretamente afetam ou podem afetar a vida de grande parte da população. Essa prática aconteceu em todos os estados da federação, com uma média de concentração a cada dois dias. Ou seja, no início deste século, dia sim, dia não, ocorre uma prática contestadora, na forma de concentração em locais públicos. Realizando uma média da somatória de todas as ações e pessoas envolvidas no período de análise, chega-se à constatação de que foram realizadas mais de duas manifestações por dia, em todo o território nacional, com aproximadamente 1.200 pessoas por prática. A maioria das práticas organizadas pelos movimentos socioterritoriais estão concentradas respectivamente nas regiões Nordeste (2.633 manifestações e 1.761.697 pessoas) e Sul (1.603 manifestações agregando aproximadamente 1.181.316 pessoas). Ao analisarmos o gráfico 1 sobre número de manifestações em relação ao número de pessoas envolvidas, notamos que as manifestações são práticas frequentes dos movimentos socioterritoriais do campo, apesar de ápices e quedas tanto no número de ações, como no número de pessoas participantes.

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O ano de 2007 foi o ápice do período nas variáveis relacionadas. Este fato pode ser interpretado se levarmos em consideração o período eleitoral do país, sendo que em 2006 aconteceu o pleito nacional para eleição de presidente da república, senadores, deputados federais, deputados estaduais e governadores de estado. Os anos de 2008, 2009 e 2010 apresentam os índices mais baixos de mobilização de pessoas, mas os movimentos socioterritoriais não deixaram de realizar manifestações. Os períodos pós-eleitorais refletem a estratégia dos movimentos camponeses em acentuar as ações como forma de pressionar novas composições partidárias ou governos reeleitos e colocarem as questões do campo em pauta. Tabela 1 – Brasil – Número de Manifestações do Campo por Estados e Macrorregiões – 2000-2011

Fonte: Dataluta, 2012. * As porcentagens não estão dando 100%, pois 10 registros da CPT não trazem informações de município e estados. Entram para a soma geral de pessoas e manifestações, mas não na tabela.

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Gráfico 1 – Brasil – manifestações do campo – 2000-2011 (Relação do número de manifestações e pessoas envolvidas)

Fonte: Dataluta, 2012. Org. e sistematização: Pereira, D. V., 2012

Fernandes (1994, p. 120) entende as manifestações como “espacialização das práticas e formas de luta (...) na territorialização da luta pela terra”. As manifestações camponesas da luta pela terra constituem uma sucessão de atos públicos e materializam as reivindicações e proposições dos movimentos camponeses. O autor completa que, Nesse processo, a fração do território é conquistada na espacialização da luta, como resultado do trabalho de formação e organização do movimento. Dessa forma, o território conquistado é trunfo e possibilidade da sua territorialização na espacialização da luta pela terra (Fernandes, 1994, p. 182).

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A leitura dos mapas trazidos permite observar os círculos maiores localizados nas capitais dos estados. Percebemos o quanto as capitais concentram as ações de manifestações, tanto em número, como, principalmente, em número de pessoas. Os dados sistematizados também permitem dizer que as manifes-

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tações espacializam a luta pela terra nas escalas municipal, regional e estadual. Fernandes (1994, p. 180) retrata uma ação de acampados na escala municipal ao evidenciar os problemas do campo em manifestações nas cidades: (...) os acampados desenvolvem algumas práticas da luta popular para levar a realidade do acampamento para a cidade. Uma das formas de informar a opinião pública sobre a sua situação e pressionar o Estado é a caminhada. A caminhada é um ato público em movimento, onde centenas de trabalhadores ocupam as rodovias percorrendo centenas de quilômetros, passando por diversas cidades, conquistando apoio e divulgando a luta pela terra. Outro ato público importante é a ocupação de prédios de instituições governamentais: secretarias, institutos, palácios de governos etc.

Um exemplo do que pode representar as manifestações como atos que espacializam a luta pela terra em escala regional e estadual e divulgam a causa camponesa, foi o seguinte episódio: Em abril de 1988, com a aproximação do prazo final negociado para permanecerem acampados na fazenda Reunidas, o Movimento [MST] resolveu fazer uma caminhada (a maior já realizada no estado de São Paulo) de Promissão a São Paulo, para exigir do governador o assentamento das famílias (...). Durante 10 dias as famílias caminharam pela via Anhanguera, passando pelas cidades de Americana, Sumaré, Campinas, Jundiaí e São Paulo. Nestas cidades, inclusive em São José do Rio Preto, os trabalhadores realizaram atos públicos. (...) A caminhada chamou a atenção da opinião pública, tanto pelas manifestações quanto pela divulgação pela imprensa em geral. Em São Paulo, as famílias ocuparam o Incra enquanto as lideranças negociavam com o governador Orestes Quércia. A comissão de negociação saiu do Palácio dos Bandeirantes com um documento assinado pelo governador garantindo o assentamento emergencial em 300 ha até o final de 1988, quando seriam assentados definitivamente (Fernandes, 1994, p. 124-126).

A caminhada passou por vários municípios tendo sido complementada por diversos atos públicos, terminando com uma ocupação de órgão público ligado à questão agrária. Pode-se considerar então, que as manifestações estão espacializadas nos estados, nos seus mais diversos tipos e formas, pois sintetizam “o movimento dos sujeitos, carregando suas experiências por diferentes lugares do território” (Fernandes, 1994, p. 177).

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Comerford (1999, p. 127) tem um entendimento de que essas ações tratam de “(...) um certo ‘estilo’ de mobilização e manifestação, cristalizando um repertório bem definido de formas de ação coletiva com visibilidade pública.”. Para Tarrow (2009, p. 51) trata-se de uma ideia de “repertório de confrontos”. Conceitualmente, esse repertório de confrontos seriam “as maneiras através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados” (Tilly, 1995 apud Tarrow, 2009, p. 51). Segundo Comerford (1999), grande parte das manifestações que são realizadas em capitais (conforme mostraram os mapas e pranchas) objetivam uma maior visibilidade para suas reivindicações, já que numa capital esta pode se dar pelo volume de pessoas que ali habitam ou transitam, pela presença da grande mídia, por abrigar as sedes de órgãos que tratam da questão agrária, sedes de governo, de bancos, enfim, diversas opções de espaços que potencializam os impactos dos mais variados tipos de manifestações. Mas, há também manifestações em municípios marcados pela luta dos movimentos socioterritoriais onde é grande o número de assentamentos, acampamentos e registros de ocupações de terras. Comerford (1999) caracteriza, por exemplo, o tipo de manifestação acampamentos como uma ação que conta com grande número de trabalhadores rurais que tem como objetivo uma potencial visibilidade pública. Por isso, são montados principalmente nas capitais dos estados e a intenção é, ao se estabelecer, tornar visível a causa camponesa para o grande público que circula nesses espaços, atrair uma cobertura jornalística e também a visibilidade do que o autor chamou de “núcleos do poder público” (Comerford, 1999, p. 129). Fernandes (1994) vai ao encontro de Comerford, dizendo que um dos objetivos centrais da luta ao direcionar as pessoas e as manifestações para cidade é o fato da localização das esferas do poder e espaços de decisões (prefeituras, sede de órgãos públicos, bancos etc.) estarem localizados preferencialmente na área urbana. Esses espaços tornam-se o lugar onde as reivindicações poderão chamar a atenção, com potencialidade de serem atendidas. Fernandes e Silva (2007) entendem que as manifestações podem ser um mensurador da luta pela terra no que diz respeito a essa diversidade e multidimensionalidade que elas apresentam nas reivindicações. O Banco de Dados Dataluta traz informações de manifestações, em suas variadas formas, em diversos espaços, como agências bancárias, câmaras municipais, prefeituras, órgãos da justiça como fóruns, secretarias de justiça, tribunal

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regional federal, praças públicas, rodovias, ações em secretarias da fazenda, secretarias estaduais de educação, Fundação Nacional do Índio (Funai) e os principais alvos que são os órgãos ligados à questão agrária, como o Incra e os Institutos de Terras. Não é possível sabermos as especificidades do objetivo da ação em cada espaço, mas com base na leitura das reivindicações trazidas pelos registros das manifestações e pelas referências bibliográficas que estamos utilizando, podemos traçar algumas características principais. As manifestações nas prefeituras, por exemplo, são formas de pressão para resolução de problemas pontuais como acesso à saúde e transporte para integrantes de determinados acampamentos, por exemplo. Da mesma forma podemos interpretar as ações nas Câmaras, Secretarias de Educação, Secretarias da Fazenda e órgãos representantes do Poder Judiciário como protestos em que podem resolver questões não diretamente relacionadas à luta pela terra, mas que a complementam. Como observamos em alguns registros, foram ações motivadas para acelerar processos judiciais em relação à obtenção de terra, mas também ações de protestos contra integrantes dos movimentos que estavam em poder da justiça. As ações em agências bancárias são específicas para resolução de problemas financeiros e tiveram como alvos os bancos estatais: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, na grande maioria das vezes. Seguindo a linha de raciocínio de Comerford (1999), os camponeses realizam esse tipo de ação diretamente no espaço de decisão e resolução de seus problemas, não havendo então algum processo intermediá­rio. Esse tipo de espaço é utilizado para a busca de recursos para os assentamentos, como também para resolução de dívidas. A busca de recursos englobam principalmente assentamentos novos que têm seus recursos travados pela burocracia e as dívidas que atingem assentamentos já implementados. Nas ocupações em prédios privados destacamos o conflito existente entre os dois modelos de desenvolvimento, expressado de um lado pelos camponeses e de outro pelo agronegócio. O que ficou evidenciado nos dados, foram os espaços dessas ocupações, ou seja, áreas particulares de grandes empresas como a Cargill, Monsanto, Votorantin, usinas e destilarias (Pereira, 2012). Moura, Victor e Cleps Júnior (2012, p. 8) trazem elementos sobre o objetivo e o que representam os bloqueios de rodovia:

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Fechar uma via de trânsito e impedir a passagem dos veículos é uma forma eficaz de atingir visibilidade, principalmente porque as poucas horas de bloqueio podem causar consequências como impedir o transporte de produtos, engarrafamentos etc. São ações que modificam a dinâmica tanto econômica, quanto política do local ou região, mesmo que por pouco tempo; modificam assim a normalidade do cotidiano, e é esse um dos principais objetivos.

Quando se trata de manifestações em órgãos como o Incra e Itesp, o objetivo é a pressão para atendimento de reivindicações em relação ao acesso a terra, água e infraestrutura dos territórios camponeses. Feliciano (2009) entende que as ações são as formas encontradas pelos movimentos socioterritoriais de transformação de seus territórios, materializados nos assentamentos, pois buscam que suas necessidades sejam atendidas. Comerford (1999, p. 30) entende que: Todas essas formas de ação envolvem movimentação de ‘corpos’ sociais que, por força mesmo dessa movimentação, buscam se caracterizar e legitimar publicamente, ao ocupar espaços socialmente marcados. São atos que envolvem transgressão e demarcação de fronteiras socioespaciais, e levam a outras ações, colocadas como respostas por parte dos diferentes segmentos do ‘público’ e das ‘autoridades públicas’.

A mobilização dos movimentos socioterritoriais do campo, em diferentes tipos e formas de manifestação, acontece como um modo de externalizar o descontentamento com as políticas públicas e interesses hegemônicos, considerados contrários às necessidades das massas populares, de maneira que as pessoas organizadas em movimentos socioterritoriais não têm como não sair às ruas para protestar, pedir mudanças e manifestar sua indignação (Welch, 2004). ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

É certo que as ações territoriais dos movimentos socioterritoriais do campo são materializadas nas mais diversas formas, espaços e tipos de reivindicações. Porém, as manifestações não substituem, nem devem competir com ocupações de terras. São ações territoriais complementares e andam em conjunto nesse processo de construção do campesinato brasileiro, como pode ser observado no gráfico 2. Portanto, a luta pela terra e pela reforma agrária se dá no campo e na cidade, simultaneamente. As 140

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manifestações são indicadores de uma necessidade de mudança estrutural na sociedade, pois: (...) para os movimentos socioterritoriais são ações que refletem conteúdos estruturais, são organizadas no sentido de evidenciar situações que deveriam ser de interesse social, mas que frequentemente são mascaradas pelo discurso dominante. Por isso, as manifestações de todos os tipos se realizam sob o parâmetro de fazer-se conhecido, essa estratégia tem a necessidade de se realizar em lugares emblemáticos para que possam minimamente repercutir, exercitando a consciência crítica da população e influenciar as ações do Estado (Pereira, 2012, p. 16). Gráfico 2 – Brasil – Número de pessoas em ocupações e manifestações – 2000-2011

Obs: Calculou-se 4 pessoas por família nos dados de ocupações (IBGE, 2012). Fonte: CPT; Dataluta, 2012. Org.: Feliciano, C. A., 2013.

Ao participarem dessas práticas, os sujeitos sociais se entendem e são entendidos nesse processo. Com isso, essa conscientização política torna-se perigosa no juízo de segmentos conservadores da sociedade. Segundo Aguiar (1999, p. 108) “libertar-se é entender-se. A liberdade também significa desalienação, quer dizer, consciência crescente de si, do mundo e da histó-

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ria, expressando também a possibilidade de saber”. Ou seja, a compreensão da condição de expropriação e exclusão social e territorial de uma parcela da população durante esse caminhar das práticas contestadoras, pode propiciar, ainda mais, uma consciência de que é preciso lutar para exercerem direitos pela liberdade de poder viver de forma justa. Como vimos, essa luta é travada em diferentes escalas. As necessidades básicas, liberação de créditos, transporte escolar para crianças nos assentamentos, instalação de postos de saúde, energia elétrica, dentre outras reivindicadas pela população camponesa, são resolvidas/atendidas em diversas escalas de decisão. Com isso as manifestações acontecem nos distritos, municípios, nas cidades médias (onde geralmente localizam-se escritórios ou prédios públicos de setores responsáveis pela demanda) e nas capitais estaduais­e federal, onde as manifestações extrapolam as reivindicações pontuais e projetam para uma pauta no âmbito das políticas públicas. Os tipos e diferenças de ações entre os movimentos socioterritoriais e organizações do campo não foram o foco de discussão nesse texto, porém cabe uma observação de que mais de 50% das práticas contestadoras foram realizadas pelo MST, o que revela, por um lado, seu potencial aglutinador, mas por outro, a riqueza da diversidade de sujeitos e movimentos do campo que vão para as ruas, campos e avenidas protestarem e reivindicarem. Também se faz relevante a informação de que as ações podem ocorrer espontaneamente como uma reação à ação conservadora ou como parte de um calendário de lutas pré-estabelecido. Há momentos característicos durante o decorrer de um ano oficial, em que tanto a mídia, como órgãos estatais, grandes proprietários de terras, empresas, entre outros, se preparam para possíveis ações dos movimentos agrários. Por exemplo, há datas consagradas e momentos históricos de luta e resistência como Dia Internacional da Luta Camponesa (17 de abril), Dia do Trabalhador Rural (25 de julho), Dia da Independência do Brasil (7 de setembro), Dia Internacional da Mulher (8 de março), que certamente entraram para o cenário da luta política contestatória e reivindicatória de uma parcela da população brasileira. A partir da captação do espaço político em datas e referências construídas historicamente pela luta de classes, continuadamente há manifestações no sentido de procurar brechas que possam favorecer a conquista de antigas e/ou novas reivindicações. Da mesma forma que ações questionadoras ensaiam ou podem vislumbrar uma transformação, também recebem adiante uma

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resposta. Com isso, a “desordem” para uns, nada mais é do que luta por outra ordem, outro pacto, outro contrato social. A diferença está no assumir um posicionamento com relação ao mundo e aa forma como pretendemos nos apropriar dele. Não existe a possibilidade de encontrar um meio termo. Para Aguiar (1999 p. 57) “(...) meio termo só significa adiamento da história, pois mesmo que se encontre artificialmente uma convivência momentânea entre dois fundamentos, a contradição, ainda que tardiamente, voltará para dividir águas.”. Por essa perspectiva, entendemos e reforçamos que as desigualdades no Brasil não são algo natural, mas sim, frutos de uma construção social injusta. Um exemplo bem próximo aos movimentos socioterritoriais e que os impulsiona a se espacializarem pelas ruas, praças, campos e cidades é a concentração de terras no Brasil. Praticamente a metade das terras no país está concentrada nas grandes propriedades privadas. A construção do direito à propriedade privada da terra no Brasil e consequentemente a sua concentração está enraizada em uma forma de organização social, que acredita no predicado do poder de obtê-la e mantê-la como um direito natural de concentração de riqueza e patrimônio, portanto, de reserva de valor. Há um discurso das classes conservadoras em naturalizar o direito a propriedade privada da terra, assim como o caráter de desigualdade. A questão não está na propriedade em si, mas sim na sua forma de apropriação e transformação em mercadoria. Portanto, é contra essa lógica que milhares de sujeitos sociais estão construindo-se em um movimento repleto de contradições, alegrias, tristezas, dores e delícias. Ocupando espaços materiais e imateriais, resistindo na busca pela manutenção da vida e por melhores condições do viver. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, R. A. R. O que é justiça? Uma abordagem dialética. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1999. CARNEIRO, H. S. Rebeliões e ocupações de 2011, in: HARVEY, D. et al. Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012. COMERFORD, J. C. Fazendo a luta – sociabilidade, falas, e rituais na construção de organizações camponesas. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. FELICIANO, C. A. Território em disputa: terras (re)tomadas (Estado, propriedade da terra e luta de classes no Pontal do Paranapanema). Tese. FFLCH, USP, 2009. FERNANDES, B. M. MST: Espacialização e territorialização da luta pela terra. Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra – formação e territorialização em São Paulo. Dissertação (mestrado). FFLCH, USP, 1994.

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4. REFORMA AGRÁRIA

A ATUALIDADE DA REFORMA AGRÁRIA BRASILEIRA: DIVERSIDADE DAS POLÍTICAS DE OBTENÇÃO DE TERRAS, DOS CAMPONESES E TIPOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS E stevan L eopoldo de Freitas C oca – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

R afael de Oliveir a C oelho dos Santos – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

H erivelto Fernandes Rocha – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

INTRODUÇÃO

A reforma agrária brasileira caracteriza-se como um processo amplo e diversificado. Os assentamentos rurais1 não são implantados somente por meio da desapropriação de terras, mas também através de outras políticas como a regularização fundiária, o reconhecimento de projetos já existentes, o reassentamento de atingidos por grandes obras de infraestrutura, por exemplo. Eles não são implantados somente no campo, mas também na floresta. Não são beneficiados somente camponeses sem-terra, mas também comunidades tradicionais, posseiros, colonos e outros. Esses fatos demonstram que a atualidade da reforma agrária brasileira não pode ser estudada

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A utilização do termo “assentamentos rurais” refere-se a diversos tipos de intervenções fundiárias que têm sido classificadas como tal no Brasil. Possuímos uma postura crítica frente a esse fato, já que nem todas essas intervenções supõem “assentar” os trabalhadores, algumas visam regularizar a posse das terras. Todavia, fazemos uso do termo por caráter didático.

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sem levar em consideração essa diversidade dos assentamentos rurais, as políticas de obtenção e as identidades dos camponeses beneficiários. Como forma de contribuir com o conhecimento dessa ampla realidade, trazemos nesse artigo alguns resultados de pesquisas sobre assentamentos rurais realizadas no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), tendo como referência o Banco de Dados da Luta pela Terra (Dataluta)2. Entendendo os assentamentos rurais como a principal manifestação da reforma agrária no Brasil, temos buscado compreender como essas políticas funcionam na mitigação dos efeitos da questão agrária. Para isso, os assentamentos são interpretados diante da conflitualidade entre modelos de desenvolvimento, tendo de um lado a agricultura camponesa e, de outro, a agricultura capitalista. O artigo está dividido em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira, visamos conceituar os assentamentos rurais e destacar sua importância para que os camponeses possam se recriar no capitalismo. Na segunda, apresentamos as políticas de obtenção utilizadas para a implantação dos assentamentos rurais no Brasil, indicando que esses não têm origem, apenas, na desapropriação de terras. Na terceira, destacamos os tipos de assentamentos rurais, considerando a diversidade dos camponeses e dos territórios relacionados à reforma agrária. OS ASSENTAMENTOS RURAIS E A RECRIAÇÃO DO CAMPESINATO

Para compreendermos os assentamentos rurais precisamos considerar a importância que esses possuem para que os camponeses se recriem enquanto classe social e como modo de produção. Os assentamentos são a principal manifestação da reforma agrária no Brasil, entendendo essa não como uma mudança estrutural, mas como uma série de medidas tomadas dentro do capitalismo para conter a questão agrária. Luxemburgo (1986, p. 23), ao delinear os objetivos da social-democracia alemã, demonstra a diferença entre reforma e revolução:

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Os resultados desse artigo estão relacionados a trajetória intelectual dos autores e podem ser observados de maneira mais pormenorizada em Coca, 2008 e 2011; Rocha, 2008 e 2009 e Santos, 2010.

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Pode, portanto, a social-democracia opor-se às reformas sociais? Ou pode impor à revolução social, a subversão da ordem estabelecida, que é o seu objetivo social último? Evidentemente que não. Para a social-democracia lutar dia a dia, no interior do próprio sistema existente, pelas reformas, pela melhoria da situação dos trabalhadores, pelas instituições democráticas, é o único processo de iniciar a luta de classe proletária e de se orientar para o seu objetivo final, quer dizer: trabalhar para conquistar o poder político e abolir o sistema salarial. Entre a reforma social e a revolução, a social-democracia vê um elo indissolúvel: a luta pela reforma social é o meio, a revolução o fim.

A reforma é uma luta dentro do próprio sistema e a revolução é um novo sistema. A reforma pode ser entendida como parte do processo revolucionário, porém, ela não é o objetivo final. De tal modo, consideramos na análise dos assentamentos rurais sua importância para melhorar a condição socioeconômica dos camponeses e a luta desses dentro do próprio sistema capitalista para conquistá-los. Os assentamentos não são entendidos de uma perspectiva revolucionária, mas reformadora, não só no que tange à estrutura fundiária, mas em todas as escalas de poder relacionadas aos territórios dos camponeses assentados. Fazer esse esclarecimento é importante para situarmos o debate dentro do campo de perspectivas de mudança social que os assentamentos podem gerar. Nos assentamentos implantados, em razão da demanda dos camponeses que querem entrar na terra, são três os momentos principais que caracterizam o processo de conquista desses territórios: a ocupação da terra, a obtenção da área e a criação do projeto de assentamento. Fernandes (1994 e 1999) demonstra a importância da luta pela terra quando afirma que as ocupações são a principal forma de acesso a terra no Brasil. Para Feliciano (2006), atualmente a luta do campesinato se dá através de três bases de sustentação: ocupação, acampamento e assentamento. Esta reflexão tem como foco o método de ação utilizado pelos movimentos socioterritoriais na organização e nas estratégias de luta para conquista do assentamento. No entanto, iremos analisar aqui as políticas de Estado no processo de territorialização do campesinato, de maneira mais ampla. Coca (2011) comenta sobre o papel do Estado nesse processo: (...) as ocupações, como táticas de luta pela terra, estabelecem o conflito entre o campesinato e o capital, tendo como mediador o Estado.

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É o conflito sobre qual tipo de exploração será dado à propriedade da terra, se ao capital ou ao campesinato, sendo que o Estado age como regulador de tal processo (...) (Coca, 2011, p. 14).

Partimos do pressuposto de que os assentamentos rurais são trunfos e triunfos da luta pela terra (Fernandes, 1999). São trunfos por representarem a garantia da posse da terra aos camponeses que demandam por ela. Em alguns casos, a garantia acontece pelo acesso à terra, em outros pela regularização de terras já ocupadas. Ou seja, por serem trunfos, representam a vitória dos camponeses que, ao conquistarem o assentamento, já não lutam pela terra, mas na terra. Os assentamentos também são triunfos porque os camponeses que ainda não tiveram acesso à terra são motivados, pela conquista dos camponeses já assentados, a permanecerem na luta. De tal modo, os assentamentos não possuem uma representatividade apenas no campo material, viabilizando terra e produção aos assentados, mas também no campo imaterial, motivando sonhos e lutas. Eles se caracterizam como uma ação fundiária, por meio da qual é garantida a terra a quem não a possui e fomentam a luta daqueles que estão acampados e ainda não a conquistaram. Quando os movimentos socioterritoriais agem através das ocupações de terras, a intenção dos principais sujeitos envolvidos, os camponeses, é a conquista de um território no qual é possível a reprodução de sua vida. Os camponeses não ocupam a terra simplesmente pensando nos benefícios econômicos que ela pode trazer: ocupam por precisarem da terra para viver. Assim, para eles a terra não possui valor de troca, e sim, valor de uso (Martins, 1981). Indo além da definição de assentamento que apresentamos acima, propomos aqui ampliar o debate demonstrando a diversidade de territórios e de sujeitos que integram o campo de intervenção do Estado por meio das políticas de reforma agrária, inseridos pelo próprio Estado na listagem oficial como assentamentos rurais e famílias beneficiárias. Dada a diversidade de camponeses que caracteriza o campesinato brasileiro, as demandas também são variadas. Não só a luta para entrar na terra é importante para a implantação dos assentamentos rurais, mas também a luta para permanecer na terra. Portanto, isso contribui para que no Brasil exista uma variada política de reforma agrária, envolvendo uma série de ações, sujeitos e territórios. As políticas de obtenção de terras e os tipos de assentamentos rurais, muito além de ações fundiárias que partem do Estado são consequência da luta do campesinato brasileiro pela sua reprodução.

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POLÍTICAS DE OBTENÇÃO DE TERRAS

A obtenção da terra e a criação do projeto de assentamento são etapas de um procedimento adotado pelo Estado ao posicionar-se no sentido de minimizar um conflito isolado, como procedimento a ser adotado após a ocupação em caso de decisão favorável aos camponeses. Nas análises desenvolvidas no Nera, na categoria assentamentos rurais, utilizamos a data de obtenção da área quando estudamos a ação do Estado por período de governo, pois é o momento em que o Estado inaugura sua participação no processo de assentamento das famílias. Contudo, a data de obtenção pode representar a resposta do Estado no momento do conflito ou mais ainda, sua intenção na realização da reforma agrária por meio de políticas de obtenção diversificadas, pois as famílias também podem ser assentadas em espaços e tempos distintos dos relacionados às ocupações. Assim, as políticas de obtenção indicam o trabalho específico de cada governo na territorialização do campesinato. O Incra conceitua a área obtida e destinada à reforma agrária da seguinte maneira: Área destinada à reforma agrária: É o imóvel rural obtido, independentemente de sua forma de aquisição, destinado à implantação do projeto de assentamento do programa de reforma agrária, precedida de estudos de viabilidade econômica e de potencialidade dos recursos naturais. É a base sobre a qual se sustentará o assentamento (Incra, 2004, p. 2).

A data de criação está relacionada à criação do projeto de assentamento, que pode acontecer no momento da obtenção, mas é geralmente um processo que leva algum tempo, onde, dependendo da conjuntura, pode ser curto ou longo. No processo de criação, os estudos de viabilidade, diagnósticos interdisciplinares e o resultado do planejamento inicial irão relacionar o projeto a um tipo específico de assentamento, definindo o modelo de exploração da área, a organização espacial, moradia, infraestrutura básica, licenciamento ambiental, serviços sociais etc. (Incra, 2004). Após a criação do projeto de assentamento rural são celebrados os contratos de concessão de uso para as famílias beneficiárias. Segundo o Incra: Projeto de Assentamento: consiste num conjunto de ações, em área destinada à reforma agrária, planejadas, de natureza interdisciplinar e multisetorial, integradas ao desenvolvimento territorial e regional,

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definidas com base em diagnósticos precisos acerca do público beneficiário e das áreas a serem trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a implementação dos sistemas de vivência e produção sustentáveis, na perspectiva do cumprimento da função social da terra e da promoção econômica, social e cultural do(a) trabalhador(a) rural e seus familiares (Ibid., 2004, p. 2).

Os estudos e pesquisas em geografia agrária, especialmente no campo da reforma agrária, são instrumentos importantes na análise do processo de transformação dos territórios envolvidos na questão agrária, como são as áreas ainda não demarcadas e ocupadas por posseiros e comunidades tradicionais; terras devolutas; latifúndios por dimensão e/ou por exploração; áreas de fronteira agropecuária; terras com registros ilegais (grilos); terras em poder do agronegócio com alto grau de precarização do trabalho ou envolvidas em dolos ambientais. Compreender a obtenção destas áreas para implantação dos projetos de assentamento é fundamental neste contexto. As políticas de obtenção de terras representam a essência do processo reformista, pois podem atingir diretamente a estrutura fundiária, alterando a configuração territorial, ou somente intervir nas relações de poder local garantindo aos camponeses e outros sujeitos envolvidos na questão agrária o controle do território já ocupado. Desta maneira, possibilitam o acesso às políticas de Estado para o fortalecimento e valorização das atividades agrícolas camponesas. Podemos então analisar o grau de impacto que causam na estrutura fundiária, como o espaço onde, em escala nacional, estão delimitados os múltiplos territórios, assim como as relações de produção e reprodução do tecido social. Entendemos como elemento central da questão agrária a permanência do campesinato como classe produtiva no sistema capitalista (Fernandes, 2004). A relação de subordinação imposta ao campesinato pelo capital é consequência desta resistência, mas principalmente parte do seu processo de reprodução ampliada, pois o capital se reproduz, também, a partir da subordinação de relações não capitalistas de produção (Oliveira, 2007). (...) estamos diante de um processo distinto na agricultura: o processo de sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o mecanismo básico do processo de expansão do capital no campo. Esse processo se dá quer pela compra e venda da terra, quer pela subordinação da produção camponesa (Oliveira, 2007, p. 12).

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Segundo Fernandes (1994, p. 46): Entendendo o desenvolvimento capitalista como desigual e contraditório, compreendemos que o capitalismo não é capaz de conter apenas um modelo de relação social, logo, o trabalho assalariado não é a única via. Desta forma, a luta pela reforma agrária não passa apenas pela distribuição de terras, vai além... vai em direção da construção de novas formas de organização social que possibilitem a (re)conquista da terra de trabalho – a propriedade familiar.

Ao passo em que é expropriado, o campesinato é também criado e recriado no bojo das contradições presentes com o avanço do capitalismo, podendo ser territorializado, desterritorializado e reterritorializado. A análise da obtenção de terras para a reforma agrária possibilita entender o procedimento utilizado pelo Estado na territorialização das famílias, como também o procedimento para valorizar e desenvolver os territórios camponeses já existentes. Para se adequarem à realidade política formada por complexas alianças e disputas de classes pelo território, os órgãos responsáveis pela reforma agrária buscaram estratégias para ir além da política de desapropriação, que é exigida pela constituição, na obtenção de novas áreas, adquirindo terras por outros meios e trabalhando na manutenção dos territórios camponeses já existentes. No quadro 1 apresentamos as 11 políticas de obtenção de terras constantes no Dataluta. Quadro 1 – Brasil – Políticas de Obtenção de Terras – 1985-2009

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Neste trabalho utilizamos um método que sintetiza as políticas de acordo com sua finalidade, pois percebemos que algumas acabam tendo em essência o mesmo sentido. Trabalharemos com desapropriação, reconhecimento, regularização, compra de terras pelo Incra e doação. Este método foi resultado de um esforço coletivo a partir de pesquisas realizadas no Nera para nos aproximarmos mais da realidade a respeito das políticas de incorporação de terras. A prancha 1 apresenta a territorialização das políticas entre 1985 e 2009, por abranger as transformações ocorridas desde o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). A desapropriação é a mais expressiva, com exceção da região Norte, onde predominaram as políticas de regularização. O reconhecimento concentrou-se em pontos específicos do território e a compra de terras teve territorialização semelhante às desapropriações, mas em menor proporção. Na tabela 1 verificamos que 55% da área total dos assentamentos é resultado de políticas de regularização fundiária, que, todavia, representa apenas 9% dos projetos, com 19% das famílias assentadas. A política de desa­propriação reúne o maior número de assentamentos obtidos e de famílias assentadas, 65% e 58% respectivamente, mas apenas 29% da área total. As outras políticas são menos expressivas, contudo, são mais de cinco milhões de ha obtidos pelo reconhecimento de assentamentos antigos, por exemplo, criados pelos institutos estaduais de terra e outros mecanismos, e mais de 45 mil famílias assentadas em terras compradas diretamente pelo Incra, com o objetivo de responder a situações que demandam ações rápidas por parte do Estado.

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A análise dos dados por meio da prancha e da tabela contribui para o entendimento de que nas políticas de obtenção de terras está a essência do processo de alteração da estrutura fundiária. São mecanismos diversificados que são utilizados de acordo com situações específicas, mas principalmente com o grau de enfrentamento que o Estado se propõe a estabelecer em sua relação com as classes que buscam manter a ordem territorial estabelecida. É a “chave” para compreendermos as transformações na configuração territorial impactada pelas políticas de reforma agrária. O processo de implantação dos assentamentos esconde algumas complexidades que procuramos tratar neste texto, como as diferentes datas de obtenção da terra e criação dos projetos. Esta análise possibilita verificar as ações de cada governo no processo de reforma agrária, pois o nível de enfrentamento dos problemas fundiários está relacionado ao modo como a terra é obtida. É possível considerar apenas a obtenção de novas áreas e o assentamento de novas famílias como reforma agrária, como também incluir as políticas de incorporação como a regularização e o reconhecimento de terras, por serem instrumentos importantes na defesa do território camponês. Podemos assim caracterizar as ações de reformadoras ou não dependendo da interpretação do conceito e da intencionalidade de cada pesquisador (Searle, 1995). Oliveira (2007) critica a inclusão das famílias assentadas em áreas incorporadas à reforma agrária nos números oficiais como novas famílias assentadas. O autor explica que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Incra deixaram de divulgar os dados precisos sobre o que é efetivamente reforma agrária. Portanto, inflam os números para se aproximarem das metas previstas nos planos de reforma agrária. Já Fernandes (2010) ressalta a importância do crédito fundiário e das políticas de incorporação, dizendo que as relações de compra e venda e de incorporação também ampliam os territórios camponeses no Brasil. Essa análise é feita considerando a disputa por territórios entre o campesinato e o capital, sendo que o assentamento é entendido como território camponês, representando um obstáculo para a reprodução ampliada do capital. A disputa pelo território é mediada e influenciada diretamente pelo Estado, que atua na maioria das vezes atendendo aos interesses de uma classe dirigente sustentada por uma forte correlação de forças que opera em todas as dimensões e escalas do território. O enfrentamento da questão agrária

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não é tarefa fácil para os órgãos responsáveis, que são muitas vezes desarticulados quando acumulam certa força e procuram trabalhar para equilibrar esta disputa por distintos modelos de desenvolvimento para o campo. A luta pela terra se mostrou instrumento fundamental na conquista dos assentamentos rurais, que mesmo com todas as questões envolvidas, representam quase 10% do território em escala nacional. Contudo, mesmo conhecendo a importância das políticas de incorporação na defesa e ampliação do território camponês, com as ações de regularização e reordenação fundiária, entendemos que novas famílias precisam ter acesso à terra, as famílias acampadas precisam ser assentadas e a ação do Estado na renovação da estrutura fundiária precisa avançar. A TIPOLOGIA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS

A tipologia dos assentamentos rurais está relacionada à diversidade de camponeses e de seus territórios no Brasil. De acordo com Shanin (1983), dentro das sociedades industriais, os camponeses têm demonstrado coesão política, enfrentando os interesses dos grandes proprietários de terra, grupos de interesses urbanos e o próprio Estado. É por esta razão que o autor o considera como “A classe incômoda”, título do trabalho em que discute essa questão. O camponês não é considerado aqui um sujeito atrasado, alheio aos processos relacionados à sociedade, pelo contrário, é entendido na sua dinamicidade, como um sujeito de múltiplas identidades que se relaciona com variados territórios, que não se conforma com a condição de subalternidade imposta pelo capital e que luta pela manutenção do seu modo de vida e produção. O camponês possui uma lógica de existência que lhe é própria, diferindo de outras classes sociais pela forma como se relaciona com as sociedades nas quais está inserido. O campesinato é concebido como classe e não como uma categoria do proletariado. Como destaca Martins (1980), o trabalhador da fábrica e o trabalhador do campo vivem processos diferentes frente ao capital. Os horizontes de um diferem dos do outro e possuir um projeto político que espere que o campesinato passe a pensar como um operário é uma postura reacionária. Sendo assim, os camponeses são apresentados no seu caráter político, em que ao invés de aceitarem passivamente a expansão das relações capitalistas no campo reivindicam seus territórios e a manutenção do seu modo de vida e produção. No caso do Brasil, o caráter político da classe

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social camponesa manifesta-se na conflitualidade das manifestações, ocupações, resistências e acampamentos. Os camponeses enfrentam a ordem vigente, questionam as políticas, discutem a aplicação do poder e buscam espacializar e territorializar suas relações. Sobre os camponeses na realidade brasileira, uma importante contribuição é dada por Carvalho (2004), que demonstra como eles são reconhecidos de diversas maneiras, variando de acordo com a condição social e com a região. Os camponeses podem ser lavradores, agricultores, camponeses, ribeirinhos, varzeiros, quilombolas, extratores, posseiros, colonos, assentados, atingidos por barragem, catadores de babaçu, castanheiros, seringueiros, pescadores, catadores de caranguejos, catadores de siris, quilombolas, quebradeiras de coco e babaçu, fundos de pastos e outros. O ser camponês envolve uma série de situações, dada a grande dimensão do território brasileiro e a heterogeneidade de sua população. Existem diferentes culturas, diferentes modos de se relacionar com a terra, diferentes raças, diferentes costumes, diferentes crenças religiosas e diferentes padrões morais. Entretanto, independentemente da forma como são reconhecidos e das identidades que possuem, esses camponeses são dotados de características que lhes são comuns. Eles possuem uma lógica de valorização do trabalho familiar e de produção voltada, sobretudo, para o autoconsumo, vivendo em propriedades que são altamente integradas (Shanin, 1983). O trabalho camponês desenvolve-se tendo a família como núcleo central, pensando-se primeiramente no atendimento das necessidades básicas familiares. O caráter integrado das propriedades camponesas dá-se pelo controle que possuem sobre o seu próprio trabalho, relacionando a produção agrícola, a criação de animais e o artesanato. De acordo com Chayanov (1974, p. 47), o entendimento sobre o campesinato se dá através do núcleo familiar e do balanço entre trabalho e consumo da unidade produtiva: Cualquiera sea el factor determinante de la organización de la unidad económica campesina que consideremos dominante, por mucho valor que atribuyamos a la influencia del mercado, a la extensión de tierra utilizable o a la disponibilidad de medios de producción y a la fertilidad natural, debemos reconocer que la mano de obra es el elemento técnicamente organizativo de cualquier proceso de producción. Y puesto que en la unidad económica que no recurre a fuerza de tra-

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bajo contratada, la composición e el tamaño de la familia determinan íntegramente el monto de fuerza de trabajo, su composición y el grado de actividad debemos aceptar que el carácter de la familia es uno de los factores principales en la organización de la unidad económica campesina.

É a mão de obra familiar que garante aos camponeses a reprodução do seu modo de vida e trabalho. O trabalho é desenvolvido obedecendo às necessidades e a capacidade de trabalho da família. A incapacidade de um dos membros da família por um tempo determinado, por exemplo, pode acarretar a necessidade de um aumento no grau de exploração individual. Em alguns casos, os camponeses até fazem uso do assalariamento, contudo, esse não é o principal foco do desenvolvimento do trabalho realizado nessas propriedades. O trabalho assalariado, nesses casos, não supera o trabalho familiar, apenas complementa-o. Também deve-se mencionar outras relações que fogem da lógica capitalista, como é o caso do “mutirão”. Esse acontece quando os camponeses vizinhos auxiliam-se mutuamente em períodos em que isso se faz necessário, sem ter recompensa em dinheiro pelo trabalho realizado. Os camponeses são sujeitos que mesmo inseridos no capitalismo não reproduzem as relações desse sistema, pois na lógica camponesa não predomina o assalariamento. Entende-se que apesar das diferentes denominações é o modo de vida e produção que qualificam uma grande gama de sujeitos que vivem nos campos e nas florestas brasileiras como camponeses. Eles são unidos pelo atributo político de suas mobilizações (Carvalho, 2004) e pela forma como se relacionam com os recursos dos seus territórios. Esses camponeses geram diferentes territorialidades, relacionando-se com o campo, mas também com a floresta e com a água. Seguem alguns exemplos. O assentamento do tipo Reserva Extrativista (Resex) é resultado da luta de comunidades extrativistas do Norte do país. Esta luta se intensificou em meados da década de 1980, quando os sindicatos passaram a alertar esses trabalhadores para o perigo que representavam os constantes desmatamentos, substituindo as florestas por fazendas de gado. Alegavam que isso poderia exigir que milhares de famílias habituadas com a vivência na floresta tivessem que deixá-la. Uma das principais lideranças dos seringueiros foi Chico Mendes, o qual “valorizava o modo de vida seringueiro, que usava uma pe-

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quena parcela de terra junto à casa para fazer seu roçado e criar pequenos animais, fazendo a coleta de frutos e resinas da floresta” (Porto-Gonçalves, 2005). A luta dos seringueiros era diferente da luta dos sem-terra. Enquanto, para os sem-terra o objetivo era entrar na terra e nela desenvolver atividades agropecuárias, os seringueiros ansiavam por permanecer na terra e explorar a mata. As finalidades eram distintas, porém ambos lutavam por território. Chico Mendes auxiliaria na fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) em 1985, entidade que representaria esses trabalhadores na luta não só por melhores condições de trabalho, mas principalmente, pela permanência na terra. Através do CNS seria proposta uma reforma agrária que valorizasse as diferenças sociais e culturais. Nesse caso, defendia-se que assim como os trabalhadores que demandavam por entrar na terra, os seringueiros também deveriam ser beneficiados com a reforma agrária. De tal modo, a Resex aparecia como uma alternativa de assentamento rural para esses trabalhadores. Através dela buscava-se criar um território onde não fossem separados homem e natureza. Chico Mendes foi uma figura de total importância na elaboração dessa proposta. Ele: (...) costumava dizer que a reserva extrativista era a reforma agrária dos seringueiros. A reserva extrativista consagra todos os princípios ideológicos que Chico Mendes propugnava posto que, ao mesmo tempo que cada família detinha a prerrogativa de usufruto da sua colocação com sua casa e com suas estradas de seringa, a terra e a floresta eram de uso comum, podendo mesmo cada um caçar e coletar nos espaços entre as estradas de cada família, ideia comunitária inspirada nas reservas indígenas (Porto-Gonçalves, 2005, grifo nosso).

Essas considerações evidenciam como a reforma agrária, realizada através da regularização fundiária, também é uma resposta à diversidade das lutas do campesinato, gerando tipos de assentamentos com territorialidades próprias, como é o caso do Resex. Nesse caso, o poder que configura o território não era garantido através da desapropriação e sim da regularização das posses. Quando se negam estas ações na definição do conceito de reforma agrária está-se retirando da composição do conceito elementos de grande relevância para os camponeses em sua diversidade. Outro exemplo das diferentes territorialidades dos camponeses brasileiros é o das comunidades fundo de pasto, que vivem no sertão do estado da

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Bahia e que têm sido beneficiárias da reforma agrária com o reconhecimento das áreas em que vivem. Os fundos de pasto possuem regras consensuais, por meio das quais se orienta o uso comum de terras para criação de gado de pequeno porte articulado ao uso individual de parcelas dispersas, onde plantam e residem (Germani e Oliveira, 2006). Isso demonstra que essas comunidades possuem uma dinâmica social que lhes é própria, apresentando uma demanda que requer o respeito a essas particularidades na implantação dos assentamentos rurais. Também compõem a diversidade dos camponeses brasileiros os ilhéus. Eles têm como característica marcante de sua identidade a necessidade de viver próximo dos corpos d água. Trabalham com a agricultura, porém, na pesca está uma de suas principais atividades. Isso implica em uma realidade que é diferente da agrária ou urbana. A pesca é “(...) uma atividade extrativa, cujo ambiente de trabalho não é passível de apropriação privada e de um controle que permita imprimir uma racionalidade capitalista no conjunto de sua exploração” (Schiavoni, 1996, p. 28). Os ilhéus possuem um modo de viver e produzir próprio, e as relações desenvolvidas nos territórios demonstram uma identidade que os diferenciam de outros camponeses. Esses exemplos indicam que os camponeses no Brasil não se resumem ao pequeno proprietário de base familiar nem aos sem-terra. Considerar essa diversidade é fundamental para discutirmos a reforma agrária no Brasil. Independente da posição político-ideológica, da consideração da importância das políticas de obtenção de terras, ou das metas quantitativas que marcaram os planos e programas de reforma agrária no Brasil, não se pode negar que diversas identidades de camponeses e de territórios compõem as políticas de assentamentos rurais no território brasileiro. Isso fica evidente no II PNRA quando é considerado como público-alvo da reforma agrária no Brasil: (...) trabalhadores rurais sem terra, público potencial de novos assentamentos; atuais assentados, que necessitam de infraestrutura e apoio à produção; um imenso setor da agricultura familiar que ainda não acessa os mecanismos do Plano Safra; posseiros, marcados pela insegurança jurídica em relação ao domínio da terra que lhes restringe o acesso às políticas agrícolas e os expõe a ameaças de despejo; populações ribeirinhas; comunidades quilombolas, que demandam o reconhecimento e a titulação de suas áreas; agricultores que ocupam terras

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indígenas, que precisam ser reassentados; extrativistas, que lutam pela criação e reconhecimento de reservas extrativistas; agricultores atingidos por barragens; juventude rural; mulheres trabalhadoras rurais; entre outros pobres do campo. Estes setores serão objeto de instrumentos diferenciados e apropriados às suas especificidades e às características de cada região (Brasil, 2004, p. 17).

Essa diversidade de camponeses e de demandas é o principal motivo para a existência dos tipos de assentamentos rurais. As famílias assentadas apresentam trajetórias variadas, todavia é comum entre elas o vínculo com a terra. Como mostrado por Leite et al. (2004), a maior parte dos assentados é de origem rural, residindo anteriormente no próprio município do assentamento ou em algum município vizinho, exercendo atividades agrícolas. Algumas das condições de subordinação à qual esses trabalhadores eram submetidos são: assalariados no meio rural e urbano; posseiros; parceiros na busca pela terra própria; atingidos por obras de infraestrutura (especialmente a construção de barragens); seringueiros, que com a expansão da fronteira agrícola e a transformação das áreas florestadas em pastos, viram ameaçado seu modo de vida; filhos de agricultores de base familiar; aposentados em busca de uma melhoria de renda e da qualidade de vida; pessoas que viviam na periferia urbana etc. Todas essas situações demonstram como o capital separa o camponês de seu principal instrumento de trabalho, a terra, fazendo com que se sujeite a pagar taxas, executar trabalhos para outros ou migrar para os centros urbanos. O capitalismo tem por característica influenciar a migração, fazer com que a mobilidade da população urbana e rural esteja relacionada com a expulsão de seus territórios e não como uma livre iniciativa (Mazzini, 2007). Os assentamentos rurais representam a resistência do campesinato perante tal processo, demonstram que o campesinato não se realiza enquanto classe social no território capitalista, mas busca alternativas para garantir a sua reprodução material. Todavia, em muitos casos para que essa recriação aconteça, os camponeses são forçados a migrarem para regiões diferentes das suas, tendo que se adaptar aos diferentes climas, culturas, linguagens etc. Isso aconteceu, por exemplo, nos projetos de colonização, onde os camponeses foram levados para áreas de expansão da fronteira agrícola, de vazio demográfico. Os assentamentos foram criados, nestas situações, longe das regiões onde se manifestaram os conflitos pela posse da terra.

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Para esse trabalho frisamos a materialização das lutas desses diversos tipos de camponeses na conquista dos assentamentos rurais. No Dataluta temos registrados 21 tipos de assentamentos rurais, como mostramos no quadro 2. Quadro 2 – Brasil – Tipos de Assentamentos Rurais – 1961-2012

*Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade **Centro Estadual de Unidades de Conservação/Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Amazonas) ***Instituto de Terras do Pará

A existência desses tipos de assentamentos denota situações como: projetos de colonização implantados no Regime Militar e que estão fora de vigência (PAC, PAD, PAR, PC e PIC); assentamentos com caráter agroflorestal (PAE, PAF, PDS, Flona, Resex, RDS, Floe, Peaex e Peas); assentamentos de comunidades tradicionais (AQ e PFP); reassentamento de atingidos por barragens (PRB) e outros. São interferências fundiárias que visam atender a demandas apresentadas por camponeses com necessidades variadas. Na análise da prancha 2, percebemos que entre as macrorregiões brasileiras existem diferenças entre o número de assentamentos, de famílias assentadas e da área. Percebe-se que o Norte, mesmo não tendo grande quantidade de assentamentos, concentra a maior área destinada à reforma agrária. Isso se dá pela existência de assentamentos de caráter agroflorestal na macrorregião, os quais requerem maior área do que os demais. Nesses assentamentos, destaca-se como principal atividade produtiva o extrativismo 161

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de produtos como: látex, cupuaçu, coco de babaçu, açaí, castanha-do-pará e outros. Também colabora para que esses assentamentos ocupem grande área o fato do módulo fiscal ser maior no Norte do que nas outras macrorregiões.

No que se refere ao número de assentamentos implantados e ao número de famílias assentadas, percebemos que esses são maiores em áreas com histó162

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rico de intensos conflitos pela terra, como é o caso do Pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo, do Sudeste do Pará e do estado de Pernambuco. Nesses casos, predominam os tipos de assentamentos PA e PE, na maior parte dos casos relacionados à luta pela terra. Isso demonstra que a reforma agrária tem avançado no Brasil, principalmente como consequência dos conflitos e não como iniciativa do Estado. Comparando os mapas que representam os assentamentos implantados e os de famílias assentadas, com o da área dos assentamentos, também podemos considerar que a maior parte das terras destinadas à reforma agrária não está onde existe maior demanda por terra. Apesar de se referirem a escalas temporais distintas, também podemos estabelecer comparações entre as pranchas 1 e 2. O Nordeste, macrorregião com maior número de assentamentos (prancha 2), também é a que possui o maior número de desapropriações de terras (prancha 1). Podemos interpretar esse fato como uma disputa territorial entre os camponeses e o capital. A história do Brasil mostra como as terras do Nordeste, desde o período colonial, são utilizadas para a produção voltada ao mercado externo, caracterizada pela concentração fundiária e pelo poder político. São característicos da região os elevados índices de pobreza da população do campo. Esses contrastes contribuíram para que no Nordeste a luta pela terra se desenvolvesse através de movimentos como o de Canudos, no princípio do século XX, e as Ligas Camponesas, nas décadas de 1950 e 1960. Assim, a disputa entre capital (latifúndio ou agronegócio) e os camponeses é consequência da questão agrária no Nordeste, fato que se manifesta nas ocupações de terras e, em alguns casos, nas desapropriações que surgem como consequência do conflito. Já o Norte, macrorregião com a maior área destinada à reforma agrária (prancha 2) possui a maior quantidade de assentamentos oriundos da regularização fundiária (prancha 1). Isso se explica pela existência de um significativo número de posses, fato que se configurou, principalmente, em decorrência da Revolução Verde e do êxodo rural no Centro-Sul do país, na década de 1970. Também devem ser considerados os grandes projetos de colonização3 que foram implantados durante o Regime Militar, tendo dois objetivos: 1) gerar a integração econômica do Norte com o restante do país 3

É importante destacar que aqui fazemos referência aos projetos de colonização que são classificados como tipos de assentamentos. Outros também foram implantados, mas não são classificados como assentamentos rurais.

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e; 2) garantir o domínio geopolítico dessa macrorregião, sendo que um dos lemas adotados pelos militares nessa política era “Integrar para não entregar”. Grande parte dos colonos que vieram para esses projetos teve origem nas regiões Sudeste e Sul. Deve-se ressaltar, que dadas essas circunstância políticas e econômicas da implantação dos projetos de colonização na região amazônica, muitas colonos entraram em conflito com indígenas e posseiros que habitavam as áreas onde foram implantados os projetos. Na tabela 2, relacionamos o número de assentamentos, famílias assentadas e a área destinada à reforma agrária com os tipos de assentamentos. Novamente chama a atenção a discrepância entre números de assentamentos e famílias assentadas de um lado, e a áreas dos assentamentos de outro. O tipo PA, por exemplo, possui 76% do total de assentamentos implantados entre 1979 e 2011, com 68% das famílias assentadas. Esses números são significantes, pois percebemos que esse tipo tem predominância em relação aos demais. Contudo, no que se refere à área, o número é de 36%, o que demonstra que outros tipos de assentamentos têm requerido uma área maior do que os PAs. Tabela 2 – Brasil – Tipos de Assentamentos Rurais – 1961-2012

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Outro exemplo que chama a atenção são os assentamentos do tipo Resex. Eles representam 0,78% do total de assentamentos implantados e 15,14% da área. Trata-se de um projeto de caráter agroflorestal, onde o extrativismo é a atividade predominante. O mesmo percebe-se nos tipos Flona, PAE e RDS. CONSIDERAÇÕES

Nesse trabalho trouxemos elementos que demonstram a amplitude das ações que estão relacionadas à reforma agrária no Brasil. Mostramos como os camponeses brasileiros possuem diferentes identidades e territorialidades que manifestam suas particularidades na forma como resistem e se reproduzem no espaço. A política de assentamentos verificada nos últimos anos denota a conflitualidade da reprodução do campesinato na sociedade capitalista, o que interfere na forma como o Estado, disputado por classes que defendem diferentes modelos de desenvolvimento, enfrenta as questões relacionadas à distribuição fundiária. As políticas de obtenção de terras e os tipos de assentamentos rurais são manifestações da diversidade do campesinato e de suas lutas pela manutenção do seu modo de vida e produção. No que tange às políticas de obtenção, demonstramos como além da desapropriação de terras, outros mecanismos também têm sido utilizados, como o reconhecimento, a regularização fundiária e a compra. A desapropriação altera a estrutura fundiária, transferindo terras do capital para o campesinato. As demais políticas são importantes para que os camponeses tenham acesso aos direitos que a propriedade da terra oferece, como assistência técnica e créditos. Já os tipos de assentamentos rurais demonstram a diversidade dos camponeses e de territórios relacionados à reforma agrária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. II Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2004. CARVALHO, H. M. O campesinato no século XXI. Curitiba: Via Campesina do Brasil, 2004. CHAYANOV, A. V. La organizaciónde la unidad econômica campesina. Bueno Aires: Ediciones Nueva Vision, 1974. COCA, E. L. F. Análise e mapeamento dos tipos de assentamentos no Brasil: compreender a diversidade e a atualidade da reforma agrária brasileira – estudo dos assentamentos das regiões Norte e Nordeste. Presidente Prudente: Fapesp, 2008. _______. Um estudo da diversidade e atualidade da reforma agrária: análise dos tipos de assentamentos do Território Cantuquiriguaçu – estado do Paraná, 2011. Dissertação (Mestrado em Geo­ grafia). Faculdade de Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo, campus de Presidente Prudente. FELICIANO, C. A. Movimento camponês rebelde. A reforma agrária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.

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FERNANDES, B. M. Espacialização e territorialização da luta pela terra: a formação do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 1994. _______. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: formação e territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra – MST (1979-1999). Tese (Doutorado em Geografia Humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 1999. _______. O novo nome é agribusiness. Presidente Prudente: Nera, 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2010. _______. Reconceitualizando a reforma agrária, in: Boletim Dataluta, Presidente Prudente, 2010, n. 31, p. 2-4, jul. 2010. GERMANI, Guiomar; OLIVEIRA, Gilca G. Assentamentos Rurais no Médio São Francisco (Bahia-Brasil): Políticas Públicas, Conflitos e Resistências, in: VII Congreso Latino-Americano de Sociologia Rural, 2006, Quito. Anais eletrônicos... Quito, 2006. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2008. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instrução Normativa n. 15. Dispõe sobre o processo de implantação e desenvolvimento de projetos de assentamento de reforma agrária. Brasília, 30/3/2004. Disponível em: . Acesso em: 1 jul. 2013. LEITE, S. P. et al. Impacto dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. São Paulo: Unesp, 2004. LUXEMBURGO, R. Reforma social ou revolução? São Paulo: Global, 1986. MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981. _______. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1980. MAZZINI, E. T. Assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema (SP): uma política de desenvolvimento regional ou de compensação social? Presidente Prudente, 2007. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, campus de Presidente Prudente. OLIVEIRA, A. U. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. PORTO-GONÇALVES, C. W. O legado político e moral de Chico Mendes. Rio de Janeiro: Tita Ferreira, 2005. Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2010. ROCHA, H. F. Análise e mapeamento dos tipos de assentamentos no Brasil: compreender a diversidade e a atualidade da reforma agrária brasileira – estudo dos assentamentos da região Centro-Sul. Presidente Prudente: Fapesp; 2008. _______. Análise e mapeamento da implantação de assentamentos rurais e da luta pela terra no Brasil entre 1995-2008. Monografia (Bacharelado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo, campus de Presidente Prudente, 2009. SANTOS, R. C. Estudo das políticas de obtenção dos assentamentos de reforma agrária no Brasil entre 1985 e 2009. Monografia (Bacharelado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo, campus de Presidente Prudente, 2010. SCHIAVONI, E. Vitoreiros e monteiros: ilhéus do litoral norte paulista. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1996. SEARLE, John. Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. SHANIN, T. La classe incomoda. Madrid: Alianza Editorial, 1983.

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A GEOGRAFIA DA REFORMA AGRÁRIA E REFORMA AGRÁRIA DE MERCADO NO NORDESTE BRASILEIRO (1998 – 2006) E r aldo da Silva R amos Filho – UFS/L aberur

APRESENTAÇÃO

Neste início de século XXI as dinâmicas em curso no campo brasileiro evidenciam que a questão agrária é uma problemática estrutural do capitalismo, sendo desafiadora a sua superação frente aos dilemas desencadeados pelo desenvolvimento desigual, contraditório e combinado. Concentração fundiária exacerbada, manutenção do rentismo fundiário, ausência de uma política de reforma agrária efetiva, superexploração do trabalho e trabalho degradante, grilagem de terras, impactos ambientais, lutas de resistência dos trabalhadores são permanências históricas desta problemática. Nas últimas décadas, foram incorporados novos elementos como o agronegócio baseado na agricultura de precisão e produção de commodities, difusão das sementes transgênicas, biotecnologia e nanotecnologia e, mais recentemente, a propagação da produção de agrocombustíveis em detrimento da produção alimentar. Nos últimos anos, as modalidades de assentamentos rurais foram diversificadas tendo em vista diferentes fatores, dentre eles o reconhecimento, por parte do governo, da diversidade e pluralidade de espaços geográficos e grupos camponeses demandantes por terra (Rocha; Fernandes, 2007; Coca, 2011). Por outro lado, a introdução das políticas agrárias neoliberais também vem interferindo na tipologia de assentamentos implantados. Neste caso, vale ressaltar a difusão da concepção do desenvolvimento territorial sustentável e a difusão de ações voltadas à redução da pobreza rural – embora, nunca se fale no seu extermínio – diretamente influenciada pelas diretrizes agrárias do Banco Mundial (BM) para os países pobres. Neste bojo, foi introduzido no Brasil um instrumento de ação fundiária, patrocinado pelo BM e voltado a financiar a compra de terras por

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camponeses pobres. Com isto, criou-se uma modalidade de acesso a terra popularizada como reforma agrária de mercado (RAM). Desde sua criação, no Ceará, em 1997, esta modalidade ampliou gradativamente o número de famílias atingidas, as linhas de financiamento e a escala de atuação. Muita controvérsia existe em torno deste mecanismo, gerando uma problemática relacional, mecanismo que o embate dos movimentos sociais articulados na Via Campesina Brasil busca eliminar tendo em vista os impactos negativos, enquanto que os governos federal e os estaduais conveniados buscam legitimar e expandir o montante de empreendimentos. Busco, neste artigo, contribuir com a compreensão do processo de territorialização da reforma agrária e da reforma agrária de mercado na região Nordeste, fundamentalmente a partir das respectivas informações quantitativas e da argumentação dos gestores públicos e sindicalistas rurais de que a RAM é um apenas um instrumento complementar à reforma agrária. E discutir se é válida a argumentação dos ruralistas de que a RAM cumpre um papel de pacificar o campo, em face da disponibilidade de créditos fundiários e funcionamento do mercado de terras. Nessa perspectiva, o presente artigo está estruturado em cinco seções. Na primeira apresento os procedimentos metodológicos adotados na elaboração do texto. Na segunda seção discuto teoricamente o processo de territorialização da reforma agrária e demonstro empiricamente este processo na região Nordeste. A seguir, realizo o mesmo para a reforma agrária de mercado. Na quarta parte discuto o lugar de cada mecanismo de acesso à terra na região e, em seguida, remeto o leitor às considerações finais. O CAMINHAR METODOLÓGICO

A análise dos processos de territorialização dos assentamentos de reforma agrária e dos empreendimentos de crédito fundiário está delimitada por uma escala espacial e temporal. Defini o período 1998 a 2006 por três motivações elementares: marcar o início de um conjunto de impactos resultantes da implantação de políticas neoliberais no Brasil; o momento da elaboração e introdução de um pacote agrário neoliberal pelo governo Fernando Henrique Cardoso1 (FHC), objetivando conter e desmobilizar a explosão das lutas 1

FHC governou o Brasil pelo PSDB no período de 1995-1998 e foi reeleito para o mandato de 1999-2002.

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por terras e pela reforma agrária praticada pelos movimentos camponeses e incorporar os quatros anos do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). O recorte espacial é a região Nordeste do Brasil por ser a porção de maior antiguidade das lutas por terras e por reforma agrária (RA) e com maior número de famílias em ocupações de terras; por ser caracterizada pela diversidade e intensidade das lutas por terras; por abrigar, até o ano de 2006, cerca de 32,18% das famílias e 14,19% da área incorporada à reforma agrária no país, colocando-a num patamar inferior apenas à região Norte; ser o lócus da gênese, experimentação e expansão da reforma agrária de mercado (RAM). No tocante à dinâmica da RA adotei como referência os dados de assentamentos criados no período em análise, em particular as informações por municípios da referida região no tocante a número de famílias, áreas reformadas e ano de implantação dos projetos de assentamentos de reforma agrária. Além das famílias em ocupações de terras por município e ano de ocorrência. Diante da ausência da publicação de microdados sobre a RAM por parte dos órgãos gestores, busquei superar esta limitante situação implantando um banco de dados, usufruindo do conhecimento acumulado no Banco de Dados da Luta pela Terra (Dataluta). No ano de 2004, parti da escala estadual de Sergipe inserindo no software excel planilhas contendo informações das operações do Banco da Terra no estado, fornecida pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) e outra fornecida pela Empresa de Desenvolvimento Sustentável de Sergipe (Pronese) para os empreendimentos de combate à pobreza rural. Posteriormente, realizei a inserção das informações de duas planilhas dos empreendimentos consolidados, fornecidas pela Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA) – Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), contendo informações do número de famílias, área, ano de implantação, linha de financiamento, por município das unidades da federação. Uma planilha, fornecida em 2004, continha dados referentes aos anos 1998, 1999, 2000 e outra disponibilizada em 1º de junho de 2005, continha dados de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004. Todos os dados foram conferidos individualmente para evitar duplicações, uma vez que as fontes apresentavam uma superposição de anos, e, posteriormente, compilados em uma única planilha do Excel. As inconsistências encontradas a exemplo de: duplicidades de empreendimentos e incompletude de informações foram anotadas em outra planilha

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de excel, para posterior consulta e esclarecimentos junto ao PNCF. Realizei em setembro de 2005 uma reunião com o assistente técnico do Programa, na sede do PNCF/SRA, em Brasília, para esclarecer e solucionar as inconsistências. Em 7 de agosto de 2006, em atendimento à solicitação, o referido Programa realizou meu cadastro como leitor nacional do Sistema de Análise e Contratação (SAC) do Sistema de Informações Gerenciais (SIG) do PNCF. Isto permitiu acessar por meio da internet, os dados de contratação de financiamentos em nível nacional e acompanhar o trâmite de contratação de novas propostas. Desde então, realizo um processo de aprimoramento e atualização do banco de dados, confrontando os já armazenados com os disponíveis no SIG/SAC (em particular os contratados) com vistas a eliminar duplicações, incompletudes ou inconsistências de outra natureza. Constatei com este trabalho que os dados disponíveis on-line, na maioria das vezes, não coincidem com aqueles já armazenados no banco de dados criado, possibilitando maior oferta de informação compilada. O aprimoramento do banco de dados realizou-se entre setembro de 2006 e abril de 2007 de forma que os dados que apresento neste texto referem-se ao momento em que os mesmos foram inseridos no banco de dados, o que pode apresentar alguma diferença com os números oficiais divulgados para o ano de 2006. A combinação de fontes em diferentes escalas proporcionou maior aproximação da realidade da territorialização destes projetos. É importante ressaltar a relevância deste esforço tendo em vista que até o momento informações com tal nível de detalhamento e amplitude não se encontram disponíveis, pois cada governo divulga apenas dados agregados do desempenho no respectivo ano, período ou mandato, dificultando assim uma leitura minuciosa do processo de territorialização. De posse das informações de ocupações, assentamentos de RA e empreendimentos de RAM procedi à elaboração de tabelas, quadros, gráficos e cartogramas destas realidades a fim de subsidiar a análise que apresento em seguida. A TERRITORIALIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA NA REGIÃO NORDESTE

Antes de tudo, tem-se o espaço físico-material e seu conjunto de complexos naturais. Com o desenvolvimento da história as relações sociais se materializam e, a partir destas uma gradativa alteração neste espaço

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inicial, com a mediação do trabalho. Neste movimento, de alteração cotidiana da natureza, em consequência das relações entre os homens e a natureza, e dos homens entre si, estes últimos alteram-se a si próprios. Ocorre, então, uma tendência irreversível, e cada vez mais complexa, de tecnificação da realidade. De modo que o espaço geográfico, de acordo com Santos (2004, p. 63) “é formado por conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.” Fernandes (2005) enfatiza que do processo dialético de construção do espaço geográfico decorre a construção de um conjunto de outros espaços materiais e imateriais, que também são dimensões da realidade a exemplo do: espaço político, espaço econômico, espaço social, espaço natural, espaço cultural, ciberespaços etc. As relações sociais são carregadas de intencionalidades que se expressam nos objetivos, crenças, pontos de vista e ações de indivíduos, grupos, classes, povos, nações, geralmente, por meio destas, realiza-se a materialização dos indivíduos no espaço. Para tanto, promovem uma fragmentação do espaço mediante sua apropriação/dominação por uma dada relação social que pode ser material ou imaterial. A fragmentação do espaço geo­ gráfico é determinada por uma forma de poder, que impõe a uma dada coletividade a visão, crença, objetivo, ações do grupo mais forte em dado momento histórico. Este movimento de exercício do poder para controle de um dado fragmento espacial desemboca em conflitos e cria o território. Neste raciocínio, o território é uma concessão para aqueles que nele podem entrar e uma confrontação para os que ficam de fora. Territórios são construídos, desconstruídos e reconstruídos em escalas temporais e espaciais distintas, que podem alcançar séculos, décadas, anos, meses, dias e até mesmo temporalidades menores. Sua escala abrange continentes, países, Estados, ruas, um lote agrícola ou unidades espaciais menores. Sua existência pode assumir caráter permanente ou periódico. Ao processo de construção dos territórios se denomina territorialização e este é acompanhado de outros dois processos contraditórios e complementares: a desterritorialização e a reterritorialização. Ou seja, quando um determinado sujeito se territorializa, promove a desterritorialização do outro que, obrigatoriamente, se reterritorializará em outro espaço. Os objetivos da territorialização podem variar ao longo do

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tempo e do espaço. Para isso, deve-se levar em conta a intencionalidade do(s) sujeito(s) que o criou. Neste marco teórico pode-se considerar as políticas públicas como territórios, pois apesar de serem de competência do Estado, a sua formulação e implementação depende do jogo de interesses, da correlação de forças estabelecida entre os movimentos sociais, o capital e o mercado. O sujeito que apresentar maior força política em dado momento histórico determina a elaboração da política pública. Todavia, muitas vezes, para garantir que a política elaborada seja implementada nos moldes do segmento social que a idealizou é preciso uma intensificação do exercício de poder, em particular quando se trata de programas emanados das classes populares. No caso brasileiro, as elites, em diferentes momentos, negaram a necessidade da realização de uma política de reforma agrária ou simplesmente não permitiram que tais políticas fossem implementadas. Nos últimos vinte anos, os governos têm sofrido uma crescente pressão dos movimentos camponeses pela realização de um programa de reforma agrária e pela garantia de um conjunto de políticas sociais e agrícolas à população do campo. São variadas as formas de luta e ações de resistência dos trabalhadores contra os processos de expropriação e exclusão que perpassam: o trabalho de base, a ocupação de terras, o enfrentamento com os latifundiários, a construção de acampamentos, a realização de marchas, as negociações com o governo, as ocupações de prédios públicos, a conquista de assentamentos, a reivindicação de políticas agrícolas, a implantação de escolas e de outros recursos básicos. Uma referência de leitura geográfica sobre esse processo foi realizada por Fernandes (1996) ao demonstrar que a luta pela terra e pela reforma agrária se realiza mediante dois processos geográficos complementares: a espacialização e a territorialização. A luta pela terra constrói cotidianamente um espaço de socialização política multidimensionado. O espaço comunicativo constitui a primeira dimensão. Ele caracteriza-se pela apresentação, pelo reconhecimento da(s) entidade(s) mais engajada(s) na luta, pelo autorreconhecimento, bem como pela definição dos objetivos. A segunda dimensão é o espaço interativo, no qual, as famílias, a partir do resgate e troca de suas experiências vividas, constroem uma identidade política, fazem articulações, relações e alianças. Por fim, o espaço de luta e

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resistência seria a terceira dimensão, identificada pelo autor como o acampamento em si, onde os trabalhadores partem diretamente para o conflito contra o latifundiário e o Estado. A ocupação é o ato de cortar a cerca, é adentrar nas terras do latifúndio. Quando as famílias decidem permanecer na terra e constroem seus barracos, cortam a terra e iniciam a produção, o espaço se converte em um acampamento. É a construção e resistência deste território efêmero (Ramos Filho, 2002), articulado com um conjunto de alianças políticas, mobilizações na(s) cidade(s) (marchas, caminhadas, ocupação de prédios públicos etc.) que tem gerado a pressão necessária para a conquista da maioria dos assentamentos de reforma agrária criados nas últimas décadas no país. Por sua vez, a territorialização da RA é compreendida como a conquista de frações do território do capital pelas organizações camponesas. A implantação de assentamentos se mantém a reboque da ação dos movimentos e apresenta um conjunto de incompletudes (desde a implantação da infraestrutura até a garantia de políticas sociais e agrícolas permanentes e com qualidade). Neste contexto, essa fração do território do capital conquistada na luta política assume a condição de trunfo na luta pela terra e na conquista das políticas e programas que viabilizem a permanência no campo e o avanço da reforma agrária. A região Nordeste, como parte do conjunto federativo brasileiro, reflete esse raciocínio no tocante aos processos de criação e recriação do campesinato por meio da reforma agrária. Entre os anos 2000 e 2006 atuaram na luta pela terra 22 movimentos socioterritoriais, praticando diferentes metodologias de ação e orientações políticas (quadro 1), dentre os quais, destaca-se o MST por: ser o único que mantém atuação em todos os estados da região, responder pela quase totalidade das ocupações de terras, dispor do maior quantitativo de famílias articuladas neste ato de desobediência civil. Em seguida, destaca-se a Contag com a segunda maior base e número de ocupações de terras (Dataluta, 2006; Silva e Fernandes, 2007). Entre 1998 e 2006 foram realizadas 1.982 ocupações de terras, envolvendo 269.108 famílias, montante que expressa apenas uma parte do campesinato demandante por terras. Destas, foram conquistados 2.357 assentamentos, beneficiando 164.009 famílias e incorporando 5.005.649 ha.

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Fonte: Dataluta, 2006.

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Ao analisar a figura 1 a seguir, podemos constatar que a luta pela terra é uma constante na região, embora apresente uma tendência de forte declíno entre 1998 e 2002, em virtude dos efeitos punitivos da Medida Provisória das Ocupações2. Acompanhando a curva descendente das ocupações está o comportamento das famílias em assentamentos de reforma agrária, comprovando empiricamente a premissa de que as ocupações realizam a pressão política necessária para o desencadear de ações do Estado no tocante à criação de assentamento rurais.

A partir de 2003, com a eleição e posse de Lula na Presidência da República, primeiro presidente advindo da classe trabalhadora, a referida Medida Provisória apesar de não ter sido revogada, não foi utilizada como instrumento de coação dos movimentos sociais e adotou-se uma postura de interlocução com os principais segmentos da luta política camponesa. Nesta conjuntura, os movimentos camponeses converteram, gradativamenrte, as ocupações diretas da propriedade em manifestações, ou seja, não entrando 2

Medida Provisória n. 2.183-56 de 2001, conhecida como MP das Ocupações, q u e impediu a vistoria e desapropriação dos imóveis ocupados e excluía da reforma agrária as pessoas envolvidas em ocupações de terras.

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nos limites do latifúndio e realizando o enfrentamento desde a cerca do imóvel em litígio. No primeiro ano do governo Lula as ocupações de terras foram retomadas. Contudo, o número de famílias assentadas resultou irrisório. No ano seguinte, 2004, diante da publicação do II Plano Nacional de Reforma Agrária, os movimentos camponeses intensificaram as ocupações a fim de criar a pressão necessária para o cumprimento das metas estabelecidas. No final do mandato ocorreu uma redução das famílias em ocupações, não efetivamente por ampliação do número de famílias assentadas, mas, sobretudo, por conta da conjuntura política eleitoral, em que Lula foi candidato à reeleição, com apoio dos movimentos camponeses. Assim como pela difusão do projeto de expansão dos canaviais para produção de etanol, o que reativou a produção agrícola em muitos latifúndios. Realizando um balanço dos nove anos representados no gráfico, verifica-se que nos cinco anos do mandato do ex-presidente FHC, um total de 144.439 famílias realizaou ocupações de terras, contra 124.669 famílias nos quatro anos do primeiro governo Lula. Ainda que pesem as oscilações no número de famílias ocupantes a cada ano em virtude da conjuntura política, a intensidade das ocupações de terras no Nordeste manteve-se em patamar semelhante nos dois governos. FHC assentou 87.529 famílias nos cinco anos, e Lula, assentou em quatro anos, 76.484 famílias, praticamente o mesmo desempenho que seu antecessor. A TERRITORIALIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA DE MERCADO NA REGIÃO NORDESTE

As diferentes linhas de financiamento de compra e venda de terras, destinadas aos camponeses pobres, praticadas ao longo da última década têm sua aprendizagem desenvolvida com a incorporação de um componente fundiário ao Projeto São José (PSJ)3 e criação da “Reforma Agrária Solidá3

Criado durante o primeiro mandato do governador Tasso Jereissati em 1987. Tratavase de um Projeto de Combate à Pobreza Rural, que com o intuito de se aproximar das pessoas, utilizou o codinome de Projeto São José. Tinha por objetivo combater e erradicar a pobreza, financiando para pequenos agricultores investimentos produtivos (casa-defarinha, fábrica de doces etc.), infraestrutura (lavanderia comunitária, eletrificação rural etc.), e equipamentos sociais (reforma de postos de saúde, creches comunitárias etc.).

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ria” em 1996, no estado do Ceará, durante a segunda gestão do governador Tasso Jereissati4. Segundo Alencar (2006, p. 209), o governo do Estado contratou um empréstimo do Banco Mundial para implantar um mecanismo de ação fundiária, inspirado em programas em curso na África do Sul e Colômbia, para desenvolver “um projeto-piloto com duração de um ano (1997), que deveria acumular experiência para subsidiar um programa de abrangência regional”. Segundo Hidalgo (1999), o projeto contou com um orçamento de R$ 4.165.600,00 (quatro milhões, cento e sessenta e cinco mil e seiscentos reais) do Fundo Rotativo de Terras, criado pelo estado do Ceará e seis milhões de reais provenientes do Banco Mundial (BM). Durante o seu tempo de operação o programa comprou 44 imóveis, abrangendo uma área de 23.622,59 ha, atingindo 694 famílias em 27 municípios. Apesar de não conseguir cumprir a meta de atingir 800 famílias em um ano de operação, devido à elevação do preço da terra estimulada pelo próprio programa, e de apresentar uma série de incompletudes na implementação dos empreendimentos que geraram evasões e substituições de famílias, o governo do Ceará avaliou o projeto como um sucesso na agilização da aquisição de terras. Em nível federal, o governo FHC, pressionado pelo elevado número de ocupações de terras e pela repercussão internacional dos Massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás5, partilhou desta mesma avaliação. E criou em agosto de 1997, quando ainda se encontrava em operação a Reforma Agrária Solidária, o Projeto-Piloto de Reforma Agrária e Alívio da Pobreza, mais conhecido como Cédula da Terra (PCT). Na verdade, este consistia em uma ampliação da ação local do Ceará para os estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia e norte de Minas Gerais, em face da enorme concentração de pobreza, que deveria ser amenizada por mecanismos de mercado. O PCT operou até o final do mandato FHC, em dezembro de 2002. 4

Tasso Jereissati é fundador do Partido da Social Democracia Brasileira, foi governador do estado do Ceará de 1987 até 1991, e de 1995 a 2005. 5 Em agosto de 1995, no massacre de Corumbiara, estado de Rondônia e, em 17 de abril de 1996, no massacre de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, respectivamente, foram assassinados pela polícia militar, que atuava na defesa dos interesses dos latifundiários, 11 posseiros e 19 trabalhadores sem-terra e outros tantos foram torturados.

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Com a federalização da reforma agrária de mercado, FHC buscou produzir um aprendizado em escala regional para posteriormente ampliar este instrumento para todo o país. Os argumentos apresentados coincidem com aqueles apresentados pelo BM em diferentes países onde políticas semelhantes estavam em curso, uma vez que: a) acelera a realização da reforma agrária ao eliminar a burocracia e longas disputas judiciais típicas dos processos desapropriatórios por interesse social; b) tem um custo inferior ao mecanismo desapropriatório, tendo em vista o caráter negociado das operações de compra e venda, fator que possibilitaria sua ampliação; c) estimula o mercado de terras através da compra e venda; d) promove uma atitude colaborativa entre trabalhadores e proprietários de terras, uma vez que os primeiros podem escolher livremente as terras que desejam adquirir e negociar seus preços, eliminando os confrontos. Imediatamente, o MST e a Contag se opuseram à implantação do PCT e da RAM no Brasil, tendo em vista sua intencionalidade de substituir a realização de uma legítima reforma agrária. Deste modo, em outubro de 1998, movimentos camponeses, sindicatos rurais e Organizações não governamentais organizados no Fórum Nacional pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo solicitaram do BM a instauração de um Painel de Inspeção para investigar as denúncias sobre o PCT. Corrupção na implantação dos projetos, compra de propriedades passíveis de desapropriação para reforma agrária, superfaturamento dos projetos, dentre outros questionamentos endossavam o pedido. No início de 1999, o Painel de Inspeção visitou áreas na Bahia e Pernambuco, que foram previamente maquiadas para evitar que os impactos negativos do programa viessem à tona. O Painel recusou todas as denúncias e o governo brasileiro, diante dos resultados da investigação do Painel, colecionou fôlego e argumentos para ampliar o raio de ação da reforma agrária de mercado (RAM) no Brasil. Nesse sentido, no mesmo ano começou a operar no Brasil uma segunda experiência de RAM: o Programa Fundo de Terras e da Reforma Agrária, chamado criticamente pelos opositores, de Banco da Terra. Este programa resulta da aprovação de Lei Federal (Lei Complementar n. 93, de 4 de fevereiro de 1998) e não apenas de um empréstimo financeiro tomado junto a um organismo multilateral. Este programa, ao mesmo tempo em que buscou esquivar-se do enfrentamento realizado pelos movimentos camponeses, limitando o tamanho das

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propriedades a serem financiadas para evitar a compra de imóveis passíveis de desapropriação, aprofundou as diretrizes programáticas da instituição supranacional, priorizando a individualização do ingresso no programa, além de reduzir o valor financiado como forma de forjar sua ampliação. Operado entre 1999 e 2003, o Banco da Terra implantou empreendimentos de RAM em 17 das 27 unidades da federação, a saber: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande de Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos anos que se seguiram os embates entorno do Cédula da Terra e do Banco da Terra continuaram e seus impactos negativos ficaram cada vez mais explicitados. Todavia, o governo FHC preferiu atender aos interesses do BM em tornar o Brasil uma referência na implantação da RAM. Valendo-se da institucionalização do Fundo de Terras e da contratação de novos empréstimos junto ao BM, criou em 2001 o Crédito Fundiário de Combate à Pobreza Rural (CFCPR), iniciando sua operação em abril de 2002. O governo Lula elaborou um novo arranjo institucional ao criar o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) que está sendo executado mediante novos empréstimos concedidos pelo BM e operação do Fundo de Terras agora incorporado à política fundiária do Estado brasileiro que funciona como um instrumento de longo prazo. Abriga todas as modalidades de linhas de financiamento da RAM, elaboradas durante o governo anterior. Embora, cada uma delas tenha passado por um melhoramento nas regras operacionais e ganhado um novo nome, a lógica do programa permanece a mesma. No lugar do PCT e do CFCPR foi criado o Combate à Pobreza Rural (CPR) no qual o ingresso dos mutuários se dá mediante a formação de associações e apresenta como principal lócus de implementação os estados da região Nordeste. Outra linha de financiamento é a Consolidação da Agricultura Familiar (CAF) cujo acesso dos mutuários se dá individualmente. Configura-se como substituto do Banco da Terra e foi inicialmente voltado para atender os estados da região Sul e Sudeste, mas hoje já abrange estados das regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Criou-se, também, o Nossa Primeira Terra (NPT), programa voltado para jovens sem-terra, agricultores e filhos de agricultores, e/ou egressos das escolas agrotécnicas, escolas rurais, dentre outras, que se encontrem na faixa etária de 18 a 24 anos, dentre outros critérios

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de elegibilidade. Ademais, neste governo as ações de compra de terras continuaram em todos os estados anteriormente mencionados e além da expansão da RAM para Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins. Recentemente, foram criadas mais duas ações dentro do PNCF: Terra Negra Brasil (TNB), Terra para Liberdade (TL) com a mesma lógica de funcionamento da RAM, as quais visam atender, respectivamente, populações quilombolas, trabalhadores vulneráveis ou resgatados de situações análogas ao trabalho escravo. Os empreendimentos são implantados por meio de qualquer uma das três linhas de crédito. O TL integra as ações do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo do MDA/Incra e está articulado prioritariamente com a linha de crédito CPR. Permanece nas diferentes modalidades de RAM o deslocamento ideológico do BM em relação à reforma agrária constitucional. Insiste-se que a recriação do campesinato pela relação de compra e venda de terras promoverá a distribuição da riqueza. Além disso, a própria nomenclatura das linhas de crédito indica um alinhamento com os pressupostos teóricos das políticas agrárias do BM. As linhas de financiamento de crédito fundiário obedeceram no Brasil a três fases: a primeira de introdução da RAM, com a implantação do Projeto São José, Cédula da Terra e Banco da Terra; a segunda, de ampliação e consolidação, com o Crédito Fundiário, o Combate à Pobreza Rural e o Consolidação da Agricultura Familiar; e mais recentemente, uma terceira fase de mercantilização das políticas afirmativas expressa na criação das linhas de financiamento Nossa Primeira Terra e das ações Terra Negra Brasil e Terra para Liberdade. A última fase materializa a intencionalidade das políticas agrárias neoliberais em capturar públicos distintos e com uma potencialidade surpreendente de luta, em face dos processos de exclusão e subordinação a que estão submetidos. À luz da teoria geográfica, verifica-se que os empreendimentos de RAM também resultam dos processos geográficos de espacialização e territorialização. A espacialização é formada por três dimensões distintas, articuladas e complementares. A primeira delas é o espaço financeiro, composto pelas instituições financeiras supranacionais, governo (federal, estadual, municipal) e bancos públicos nacionais, onde se discute e delibera sobre a contratação de empréstimos para a execução do programa, se estabelece as formas de repasse dos empréstimos aos camponeses e planejam-se os objetivos estratégicos a serem perseguidos com o programa. Outra dimensão é o espaço jurídico-institucional, no qual se realiza a elaboração, aprovação, execução e controle das

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normas operacionais do programa. Reúne os diferentes sujeitos envolvidos no processo como: as três esferas de governo e seus respectivos Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável, entidades sindicais de trabalhadores rurais e movimentos camponeses, instituições financeiras, gestores do programa nos níveis estadual e federal e associações de camponeses. Para que as diretrizes e metas definidas no espaço financeiro e jurídico-institucional se concretizem é necessário que um conjunto de condições seja criado, como: a disponibilidade de recursos financeiros, a criação de ambiente institucional favorável à sua utilização, bem como, a existência de uma conjuntura política propícia à implantação do programa. Nesse sentido, os gestores públicos em nível federal e estadual promovem espaços de subalternidade cuja intencionalidade é forjar um imaginário coletivo favorável à proposta. Realizam reuniões de planejamento e/ou de capacitação com o intuito de capturar a forma de interpretar e atuar diante destes programas, ou seja, busca o controle do pensamento e ação dos sujeitos, forjando territórios imateriais. Neste campo de poder a informação produzida para “capacitação” e/ou difundida pela mídia (programas de rádio, propagandas na televisão, páginas na internet, cartazes, panfletos, cartilhas etc.) almeja controlar o modo de pensar de um dado grupo social, no tocante às linhas de crédito fundiário. Na RA o campesinato é protagonista da sua criação e/ou recriação. Por meio da luta política promove sua (re)territorialização enquanto classe e desterritorialização do latifúndio, principalmente via desapropriação. Na RAM o campesinato é criado e (re)criado pelo capital, mediante a contratação pelo camponês de um empréstimo bancário destinado à compra (à vista) de fração do território do capital. Evidentemente, neste processo, o sujeito que detém o controle efetivo do território, até que o camponês integralize o pagamento de todas as parcelas do financiamento, é o capital financeiro. A desterritorialização dos proprietários ocorre apenas no plano físico, com a venda de pequenas porções de terras mal localizadas e de qualidade duvidosa. Sua reterritorialização pode ser evidenciada no plano econômico, mediante investimentos em outros locais e/ou setores de atividade com os recursos advindos da transação de venda da terra. Portanto, é o próprio capital que se territorializa nesta operação mercantil, o capital rentista ao vender as terras, e o capital financeiro ao se apropriar dos juros. Na região Nordeste durante o período analisado, foram contratados 2.910 empreendimentos, totalizando uma área de 1.226.088 ha, destinados

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a 53.421 famílias e acessados a partir das diferentes linhas de financiamento de compra e venda de terras (PCT, BT, CFCPR, CPR e CAF). Ao analisar a tabela 1 a seguir, verifica-se que os estados da região que apresentam maiores efetivos de famílias atingidas por estes programas, coincidem com os pioneiros na implantação destas políticas na região, como é o caso de Maranhão, Bahia, Ceará e Pernambuco. Contudo, chama a atenção o desempenho do estado do Piauí, com o segundo maior número de mutuários da região, mesmo que a operação da RAM tenha sido iniciada no ano 2000. Uma explicação válida para tal condição está relacionada com o compromisso político do governador daquele estado com as diretrizes políticas do presidente Lula, tendo em vista serem correligionários. As demais unidades da federação também já apresentam consideráveis quantitativos de famílias atingidas. Trabalho de campo realizado em Valença do Piauí, em fevereiro de 2006, e conversas com representantes camponeses demonstraram que as políticas de RAM assumiram no imaginário social uma interpretação relacionada à viabilidade, agilidade e referência de desenvolvimento, já que há celeridade na implantação dos empreendimentos. Enquanto que os assentamentos de RA demandam longo período de implantação, seja pela longa resistência para conquistar a terra, seja posteriormente pela burocracia do órgão gestor no Estado. O caso de Sergipe é semelhante ao do Piauí. Apesar da análise do desempenho ao longo do período demonstrar uma tendência decrescente do número de famílias ingressantes, a eleição do governador Marcelo Chagas Déda, filiado ao Partido dos Trabalhadores, adotou a meta de atingir mil famílias por ano (vale ressaltar que o governo anterior, ligado ao Partido da Frente Liberal (atual Democratas) estabeleceu e cumpriu a meta de atingir mil famílias durante todo o mandato 2003-2006. Portanto, as projeções dos governadores petistas de Sergipe e Piauí na implementação da RAM, indicam o compromisso de ampliação ao máximo e sua difusão como um instrumento alternativo de acesso à terra para camponeses pobres, solução de conflitos agrários e instrumento de desenvolvimento rural. No tocante à localização do quantitativo das famílias em empreendimentos de RAM constata-se uma forte dispersão por toda a região, embora haja maior concentração nos estados setentrionais. Verifica-se ainda uma pulverização de famílias por toda a faixa agrestina e concentração na porção interiorana correspondente ao sertão integrante do polígono das secas,

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subregião onde há o predomínio do clima semiárido e condições edafoclimáticas mais limitantes ao desenvolvimento da prática da agropecuária. Ao longo do litoral verifica-se a existência de poucas famílias, com destaque para a porção meridional do estado da Bahia, onde, segundo Germani (2006, p. 236), a implantação da RAM visa a confrontar uma área de forte influência do MST, bem como a existência de grande número de sem-terras e desempregados, dada a crise cacaueira dos últimos anos, fator que também contribui para destinação de terras para venda (figura 2).

Fonte: Dataluta, 2006.

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QUAL O LUGAR DA REFORMA AGRÁRA E DA REFORMA AGRÁRIA DE MERCADO NO NORDESTE?

Nesta primeira década de operação da reforma agrária de mercado o quantitativo de famílias mutuárias, área comprada, número de empreendimentos contratados, diferentes linhas de financiamento e institucionalização dos programas, faz do Brasil uma referência internacional da implantação das diretrizes agrárias neoliberais orientadas pelo Banco Mundial. No contexto nacional, diferentes interpretações foram construídas sobre estas políticas. De modo que o governo, gestores estaduais e municipais e o sindicalismo rural (Contag e Fetraf) do programa afirmam a viabilidade técnica e o caráter complementar à reforma agrária deste instrumento de recriação do campesinato. Sobretudo para o primeiro sujeito, a RAM sequer realiza uma concorrência com os assentamentos de reforma agrária. Por sua vez, a classe dos proprietários, representada pelos agronegociantes e latifundiários, vem defendendo que a RAM é a única alternativa legítima para ser colocada em curso na atualidade. Uma defesa incisiva pode ser verificada no documento CPMI da Terra: Voto em Separado, do deputado ruralista Abelardo Lupion. Por sua vez, os movimentos sociais camponeses ligados à Via Campesina têm denunciado de diferentes formas exatamente o inverso destas argumentações e demonstrado, por meio de estudos científicos, os impactos negativos destes programas. Segundo Ramos Filho (2008, p. 5): A Via Campesina-Brasil percebendo a necessidade de produzir seu próprio conhecimento a fim de potencializar a organização, sua luta e a ação dos seus membros, criou no ano de 2005 a Rede Terra de Pesquisa Popular (RTPP) caracterizada por ser uma rede nacional de pesquisadores populares do campo, composta pelas organizações integrantes da Via Campesina Brasil, entidades parceiras e pesquisadores das universidades brasileiras. A RTPP se consolida como espaço reflexivo, formativo e mobilizador. Interessa aqui analisar os resultados da investigação realizada em 2005, na qual, avaliou de forma ampla os programas de crédito fundiário no Brasil. Ampla porque investigou as diferentes modalidades de RAM (PCT, BT, CPR, NPT, CAF) criadas no país entre 1997 e 2005, no tocante a oito grandes eixos: perfil dos mutuários, obtenção da terra, contrato de financiamento, aspectos e características da terra, investimentos em benfeitorias e/ou produção, gestão dos recursos do programa, qualidade de vida, participação em

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movimentos sociais; entrevistou 1.677 famílias mutuárias em 161 municípios brasileiros, localizados em 13 estados da federação.

Ao confrontar os resultados das duas políticas, no período em tela, verificamos que foram criados mais projetos de RAM (2.910 contratações) do que assentamentos de RA (2.357) na região. Este conjunto de empreendimentos de RAM abarca uma área de 1.226.088 ha, o equivalente a 24,5% dos 5.005.649 ha dos assentamentos de RA. Se tomarmos a área total arrecadada, temos 6.231.737 ha dos quais a RAM já representa 19,6%. No tocante ao número de famílias, apresentei anteriormente que entraram na terra 53.421 mutuários de RAM, enquanto 164.006 famílias foram assentadas na reforma agrária, ou seja, um total de 217.430 famílias entrou na terra por estes dois mecanismos. De modo que a RAM representa 32,5% das famílias assentadas na reforma agrária e 24,5% das famílias que entraram na terra no período, na região Nordeste. Os dados absolutos e relativos, apresentados acima, demonstram primeiramente que a reforma agrária na região Nordeste segue a tendência nacional, ou seja, configura-se como o principal mecanismo de acesso a terra para trabalhadores sem-terra. Contudo, é vertiginosa a territorialização da reforma agrária de mercado nesta última década. Observe-se que a celeridade dos mecanismos de mercado permitiu que este instrumento atingisse a criação de maior número de empreendimentos do que de assentamentos, mesmo que a luta pela terra fosse constante, mobilizando 269.108 famílias nas ocupações de terras. Há que se considerar, ainda, que o desempenho em número de famílias e área incorporada à RAM pode ser considerado elevado, tendo em vista o pouco tempo de operação desta política, que se apresenta como responsável por aproximadamente um terço das famílias e de áreas destinadas ao campesinato. A figura 3 apresenta a distribuição espacial do quantitativo de famílias na RA e RAM e permite inferir que a reforma agrária e a reforma agrária de mercado estão territorializadas por toda a região, sendo que a primeira já havia iniciado este processo há décadas e a RAM o realizou apenas nos últimos dez anos. O cartograma permite visualizar que efetivamente a RA é a responsável pelo maior número de famílias que acessam terras, mas chama a atenção a tendência à concentração espacial dos assentamentos e famílias em determinadas porções como a zona da mata, porção setentrional do Maranhão e Piauí e o sertão baiano. Em contrapartida, favorecida pelos mecanismos de mercado, especialmente pela oferta e demanda de terras, a RAM apresenta uma forte pulverização no território, com a criação de muitos em-

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preendimentos com pouco número de famílias. De modo que sua territorialização se faz, na maior parte das áreas onde existem assentamentos, assim como, em muitas das quais ainda não há assentamentos de reforma agrária.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente no Brasil estão institucionalizados dois mecanismos de criação e/ou recriação do campesinato: a reforma agrária e o crédito fundiário. A primeira é preceito constitucional, está regulamentada pela Lei Federal de Reforma Agrária e norteia-se, principalmente, por procedimentos desapropriatórios dos imóveis que não cumprem a função social da propriedade. O crédito fundiário tem seus princípios inspirados nas políticas de terras do Banco Mundial que financia, atualmente, a infraestrutura dos empreendimentos, e regulamenta-se pela legislação federal relacionada ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária e deliberações do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf). Ambas as políticas públicas se realizam mediante os processos geo­ gráficos de espacialização e territorialização que na reforma agrária são dimensionados através da luta política do campesinato no seu movimento reivindicatório por direitos. No caso da reforma agrária de mercado, o dimensionamento destes processos geográficos compete aos gestores públicos, agentes financeiros e ao capital, e o campesinato é convertido em mero coa­ djuvante de sua recriação. A análise dos dados referentes à região Nordeste evidenciam que a reforma agrária é o principal mecanismo de criação e/ou recriação do campesinato na atualidade. Contudo, este processo materializado no assentamento de famílias em projetos de assentamento de reforma agrária somente é criado mediante a luta popular e as ocupações de terras. Por outro lado, percebe-se na região e período em tela, o crescimento gradativo do número absoluto e relativo de famílias e áreas incorporadas à reforma agrária de mercado, que já atinge o patamar de aproximadamente um terço do montante realizado na reforma agrária. Um fato inédito é a superação do número de projetos de crédito fundiário com relação aos assentamentos de reforma agrária. Este elevado desempenho assume destaque quando observamos que tal política pública encontra-se ainda na sua primeira década de operação. Caso a RAM mantenha a curva ascendente do quantitativo de famílias que ingressam por ano no programa e a RA persista no ritmo atual, em médio prazo, haverá, também, a superação do número de famílias tal como ocorreu com o número de empreendimentos. Embora as evidências ainda não permitam afirmar que a RAM é um substituto da RA, pode-se seguramente afirmar que ela é complementar à

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reforma agrária na região Nordeste, inclusive com uma participação significativa no processo de criação e/ou recriação das famílias camponesas. Ademais, a RAM é também concorrente da RA, pois avança sua territorialização nas áreas onde estão presentes os assentamentos de reforma agrária, geralmente lócus de existência de conflitos agrários em virtude da existência de latifúndios, disputa ainda o mesmo público que demanda a reforma agrária e tenta constantemente anexar o apoio dos diferentes movimentos sociais em luta pela terra. Exemplo emblemático é a participação em Sergipe do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no financiamento de terras pelo crédito fundiário6. A RAM concorre ainda com a RA na perspectiva de que a existência de créditos possibilita a fragmentação da propriedade e a negociação de lotes antes que a mesma se converta em um latifúndio, passível, portanto, de desapropriação para reforma agrária. Este elemento, associado à consequente elevação dos preços das terras, provocado pela existência e manutenção de um mercado de terras financiado pelo Estado, tem criado uma distorção que leva ao incentivo programado da irracionalidade da minifundização. Diante da elevação dos preços das terras, tornou-se frequente a formação de associações para compra da terra com número de famílias superior ao limite compatível com a dimensão da área em negociação, determinando a compra de parcelas inferiores ao modulo fiscal de dada microrregião. Diante do exposto até aqui, alerto que a ampliação da participação da RAM no processo de criação e/ou recriação do campesinato brasileiro contribui para a afirmação, realização e aprofundamento do rentismo fundiário e da minifundização programada, contribuindo, no curto e médio prazo, para a ampliação do processo de subordinação, geração do endividamento e manutenção da pobreza do segmento camponês capturado por esta política de acesso à terra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Francisco Amaro Gomes de. O mercado de terras ou a terra como mercadoria no Cea­ rá, in: SAUER, Sérgio; PEREIRA, João Márcio Mendes (orgs.) Capturando a terra: Banco 6

Cf. Ramos Filho, E. da S. Movimentos socioterritoriais, a contrarreforma agrária de mercado do Banco Mundial e o combate a pobreza rural: os casos do MST, Contag e Maram. Subordinação ou resistência camponesa. Buenos Aires: Clacso-Crop, 2013. Disponível em: < http://www.clacso.org.ar/area_r_internacionales/3a2.php?idioma=port >.

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Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 207-228. BORGES, Pompeu A. Os donos da terra e a luta pela reforma agrária. Rio de Janeiro: Codecri – Ibase, 1984. COCA, Estevan Leopoldo de Freitas. A diversidade dos assentamentos rurais, in: Um estudo da diversidade atualidade da reforma agrária: análise dos tipos de assentamentos do Território Cantuquiriguaçu – estado do Paraná. Presidente Prudente (SP), 2011. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-graduação em Geografia, Unesp “Júlio de Mesquista. p. 1133. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/nera/ltd/dissertacao_coca_2011.pdf >. FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais: contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista Nera, Presidente Prudente, Ano 8, n. 6, p. 14-34, jan./jun. 2005. Disponível em: < http://www2. prudente.unesp.br/dgeo/nera/Revista/Arq_6/Textos%20PDF/Fernandes.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2006. ________. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. ________. MST: formação e territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996. GERMANI, Guiomar; OLALDE, Alícia Ruiz; OLIVEIRA, Gilca Garcia; CARVALHO, Edmilson. A implantação dos programas orientados pelo modelo de reforma agrária de mercado no estado da Bahia, in: SAUER, Sérgio; PEREIRA, João Márcio Mendes (orgs.) Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 229-258. LUPION, Abelardo. Voto em separado: relato dos trabalhos da CPMI “ da terra”. Brasília: Congresso Nacional, Comissão Mista Parlamentar de Inquérito “da Terra”, nov. 2005. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Reforma agrária, in: MOTTA, Márcia (org.) Dicionário da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 385-391. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. RAMOS FILHO, Eraldo da Silva. Movimentos socioterritoriais, a contrarreforma agrária de mercado do Banco Mundial e o combate à pobreza rural: os casos do MST, Contag e Maram. Subordinação ou resistência camponesa. Buenos Aires/São Paulo: Clacso/Outras Expressões, 2013. ________. Da prisão da dívida ao território da política: reforma agrária de mercado e o combate a pobreza rural. Os casos da Fetase, MST e Maram., in: RUBIO, Ana María Pérez; DURAN, Nelson Antequera (org.). Viejos problemas, nuevas alternativas: estrategia de luchas contra la pobreza gestadas desde el Sur. Buenos Aires: Clacso-Crop/Norad, 2011b, v. 1, p. 217-251. Disponível em: < http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20120716122727/PerezAntequera.pdf > Acesso em: 16 ago. 2013. ________. De pobre e sem-terra a pobre com terra e sem sossego: territorializaçao e territorialidades da reforma agrária de mercado, in: FERNANDES, B. M. et al. (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas, v. 2, (Coleção História Social do Campesinato), São Paulo: Nead, MDA, Edunesp, 2009. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2013. ________. Questão agrária brasileira atual: territorialização e territorialidades da primeira década da reforma agrária de mercado, in: Pensar a contracorriente. La Habana: Editorial Ciencias Sociales/Instituto Cubano del Libro, 2009. ________. Questão agrária atual: Sergipe como referência para um estudo confrontativo das políticas de reforma agrária e reforma agrária de mercado (2003-2006). Presidente Prudente. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-graduação em Geografia, Unesp “Júlio de Mesquita”

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– Campus de Presidente Prudente, 2008. Disponível em: . Acesso em: 3 out. 2008a. ________. Dilemas da (re)criaçao do campesinato na atualidade: a reforma agrária e a reforma agrária de mercado, in: CURADO, Fernando et al. (org.) Do plural ao singular: dimensões da reforma agrária e assentamentos rurais em Sergipe. Aracaju: Embrapa/UFS, 2008b. ________. A Via Campesina Brasil e a avaliação da primeira década de impactos da reforma agrária do Banco Mundial. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008c, v. XII, n. 270, p. 76. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2013. ________. A crise do contrato social da modernidade: o caso da “reforma agrária” do Banco Mundial. Revista Formação. Presidente Prudente, v. 2, n. 13, p. 287-306, 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2008. ________. Pra não fazer do cidadão pacato um cidadão revoltado: MST e novas territorialidades na Unisa Santa Clara. Aracaju, 2002. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Núcleo de Pós Graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2008. ROCHA, Herivelton Fernandes; FERNANDES, Bernardo Mançano. Análise da implantação de assentamentos rurais no Brasil entre 1985 – 2006, in: Simpósio Internacional de Geografia Agrária, 3, Simpósio Nacional de Geografia Agrária, 4, 2007, Londrina. Campesinato em movimento. Anais do Simpósio. Londrina: UEL/AGB/Unesp/USP/UFMS/Unioeste, 2007. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2004. SAUER, Sérgio; PEREIRA, João Márcio Mendes (orgs.) Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 229-258. SILVA, Anderson Antonio da; FERNANDES, Bernardo Mançano. Compreendendo os diferentes movimentos camponeses e as ocupações de terras no Brasil (2000-2006). Mimeo, 2007. SILVA, José Gomes da. A reforma agrária no Brasil: frustração camponesa ou instrumento de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Dataluta: Banco de dados da luta pela terra. (Relatório 2006). Presidente Prudente: FCT/Unesp, 2006. .

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Emilia de Rodat Fernandes Moreira, Flávia Bonolo, Ivan Targino

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto, constata-se que a realidade em pauta reafirma a territorialização do capital internacional no campo brasileiro. Como bem o diz Fernandes (2010, p. 76): Por meio de sua reprodução ampliada, o capital não respeita barreiras ou frontei­ras, destruindo ou incluindo de forma subordinada tudo o que encontra pela frente. A inclusão, incon­testavelmente, subalterna às lógicas das relações ca­pitalistas domina outras relações sociais, como por exemplo, o campesinato.

Importante chamar a atenção para o fato de que essa territorialização do capital internacional no campo é seletiva e se dá principalmente sobre áreas cujos ramos da atividade estão nas mãos do agronegócio nacional voltado principalmente para a produção de celulose, etanol e soja. No caso da Paraí­ ba, trata-se de um processo ainda limitado, havendo registros de aquisição de terras por estrangeiros, tendo em vista a exploração de duas atividades principais: o agronegócio açucareiro e a extração de minerais não metálicos. A continuidade da pesquisa permitirá avançar no sentido de aprofundar e ampliar as informações até então obtidas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARGILL e USJ vão triplicar moagem de cana em GO. Folha de São Paulo, 20/9/2011. FERNANDES, Bernardo Mançano (org). Campesinato e o agronegócio na América Latina. São Paulo: Clacso; Editora Expressão Popular, 2008. FRIAS, Maria Cristina. Restrição a venda de terras já prejudica novos negócios. Mercado Aberto, 5/7/2011. HAGE, Fábio Augusto Santana; PEIXOTO, Marcus; VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro. Aquisição de terras por estrangeiros no Brasil: uma avaliação jurídica e econômica. Texto para discussão 114. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, junho de 2012. LAGUARDIA, Helenice. Indianos investem R$ 1 bilhão no açúcar mineiro. Negócio já gerou aumento de 62,3% nas exportações de açúcar para a Índia. O Tempo on line, 18/7/2009. LEITE, S. e SAUER, S. A estrangeirização da propriedade fundiária no Brasil. Cedefes, 2011. ________. A estrangeirização da propriedade da terra no Brasil. Oppa – Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura, n. 36, agosto 2010. ________. Usineiros buscam prestígios perdidos. Jornal O Estado de São Paulo, 18/1/2012. NÓBREGA, J. A.; MENEZES, M. É do caulim pro roçado: o trabalho agrícola e a extração mineral no Seridó paraibano, in: Revista da ABET, v. XI n. 2, de jul./dez. 2012. OLIVEIRA, A. U. A questão da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil – um retorno aos dossiês. Agrária, n. 12, p. 3-113, São Paulo, 2010. RODRIGUES, Alexandre. Americana Cargill diz estar pronta para aquisições de usinas de etanol no País. Jornal Estadão, 6/9/2011.

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Estrangeirização das terras: algumas notas sobre o caso do Brasil e da Paraíba

________. Multinacionais americanas da área de alimentos dizem que Brasil, com sua classe média em expansão, se tornou prioridade. Jornal Estadão, 1/10/2011. SAUER, Sérgio e LEITE, Sérgio. A estrangeirização da propriedade fundiária no Brasil e no mundo. Carta Maior, dezembro, 2010. TARGINO, Ivan; MOREIRA, E.; MARITAIN, N. O desempenho recente da agropecuária paraibana, in: Anais do VI Simposio Internacional de Geografia Agrária. João Pessoa: UFPB, 2013. VASCONCELOS, Santiago Andrade. O uso do território do município de Pedra Lavrada (PB) pela mineração: elementos de inserção como lugar do fazer no contexto atual da globalização. Recife, UFPE/PPGG, dissertação de mestrado, 2006. VAZ, Lúcio. Pressão contra limites. Correio Braziliense, 17/1/2011. ZANATTA Mauro. Parecer limita aquisição de terras por estrangeiros. Valor Econômico, 27/10/2011.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA

E duardo Paulon Gir ardi – Unesp campus de Presidente Prudente/Nera

INTRODUÇÃO

Neste artigo são apresentados alguns dos principais resultados do Atlas da questão agrária brasileira, publicado em 2008 e disponível na íntegra em www.fct.unesp.br/nera/atlas. O Atlas foi desenvolvido como parte de uma tese de doutorado1 e compreende uma análise da questão agrária que tem na cartografia geográfica o instrumental base das investigações. Foram mapea­ dos e analisados dados de diversas fontes, dando ênfase aos problemas do campo brasileiro. O Atlas é formado por um conjunto articulado de mapas sobre os problemas da questão agrária no Brasil, sendo amplamente utilizados os dados sobre estrutura fundiária, ocupações e assentamentos disponibilizados pelo Banco de dados da luta pela terra – Dataluta. Além de seu caráter analítico, o Atlas também é uma fonte de informações disponível na internet, com mais de trezentos mapas disponíveis para download. Este artigo destaca a análise da estrutura fundiária, da ocupação da Amazônia, da luta pela terra e a sua conquista e da violência contra camponeses e trabalhadores rurais. No final, a título de conclusão, é apresentado o mapa-modelo do “Brasil agrário”, que contempla a maior parte dos temas abordados no Atlas. Os dados utilizados vão do final da década de 1970 até 2007, sendo realizada uma análise e uma síntese da questão agrária nesse período. Os dados mais atualizados dos temas serão disponibilizados em forma de notas. Teoricamente, o estudo está alicerçado no paradigma da questão agrária (Fernandes, 2005), que enfatiza problemas e contradições do campo. Desta forma, no desenvolvimento do trabalho optamos por adotar o método dialético, já que consideramos que ele permite compreender melhor os problemas, os conflitos e as profundas contradições que caracterizam o campo

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brasileiro, permitindo assim avançar em relação a uma leitura meramente descritiva. Pela natureza deste artigo, priorizamos aqui a apresentação dos resultados alcançados na análise da questão agrária por meio do mapeamento, de forma que não apresentamos os desenvolvimentos e posicionamentos teóricos contidos na tese. Para os interessados, essas discussões podem ser encontradas em Girardi (2008). A análise da questão agrária é aqui desenvolvida na exploração dos seguintes temas: estrutura fundiária, ocupação da Amazônia, luta pela terra e a sua conquista e a violência contra camponeses e trabalhadores rurais. Esses temas estão correlacionados por constituírem problemas estruturais da questão agrária. Entre 1992 e 2003 foram acrescidos 108,5 milhões de hectares à estrutura fundiária brasileira1 sem, no entanto, que esta fosse desconcentrada, já que o índice de Gini passou de 0,826, em 1992, para 0,816, em 2003, segundo os cálculos realizados a partir dos dados do Incra. A incorporação dessas novas terras ocorreu principalmente na Amazônia Legal, especificamente no cerrado e nas bordas oriental e meridional da floresta amazônica. Junto a este processo, característico da fronteira agropecuária, foram desflorestados 18,82 milhões de hectares da Amazônia entre 1998 e 2007. A criação de assentamentos na região Norte tem sido, nas últimas duas décadas, uma alternativa conservadora para não realizar a reforma agrária em outras regiões brasileiras, especialmente no Nordeste e no Centro-Sul, onde a reforma é realmente necessária e mais coerente. Na Amazônia são criados assentamentos não reformadores em terras públicas para dar uma resposta quantitativa à luta pela terra, travada no Nordeste e no Centro-Sul: a luta pela terra (ocupações) e sua conquista (assentamentos) são territorialmente desarticuladas pela política de assentamentos rurais. Por fim, no sudeste do Pará e no Maranhão, os problemas da questão agrária, ocasionados pela não realização da reforma agrária em todo o Brasil, alcançam aspecto mais evidente com a intensa violência contra trabalhadores rurais e camponeses, demonstrando a disputa entre os dois territórios da questão agrária: o campesinato e o latifúndio e agronegócio. 1

Entre 1992 e 2011 foram acrescidos 280.686.123,14 milhões de hectares na estrutura fundiária brasileira, também segundo dados do Incra. 2 O acumulado entre 1998 e 2012 foi de 22,9 milhões de hectares desflorestados na Amazônia.

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A ESTRUTURA FUNDIÁRIA

Para analisar a estrutura fundiária calculamos o índice de Gini a partir dos dados3 do Incra de 1992, 1998 e 2003. Esses dados indicam quem detém a terra e, por isso, pode extrair a renda da terra. Devemos reconhecer a possibilidade de a concentração da terra no Brasil ser ainda maior do que o verificado nos números, pois vários proprietários possuem mais de um imóvel rural. Em 2003, o índice de Gini para o Brasil era 0,816, o que indica grande concentração, já que quanto mais próximo de um maior é o grau de concentração da terra. A evolução entre 1992 e 2003, de apenas -0,010, confirma que as políticas de reforma agrária do período não tocaram na concentração geral da estrutura fundiária brasileira. Tabela 1 – Índice de Gini 1992-1998-2003 e evolução 1992-2003

3

Os bancos de dados do Incra, Dataluta, CPT e Prodes utilizados neste trabalho são dinâmicos, ou seja, são constantemente alimentados e podem passar por revisões. Desta forma, os dados apresentados neste artigo podem ser diferentes da situação atual desses bancos de dados, visto que o trabalho foi realizado em 2007-2008.

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Em 2003, os municípios com médio/baixo índice de Gini (até 0,500) eram 924 (16,6% dos 5.565 municípios) e compreendiam 6% da área total dos imóveis rurais. A região Sul e o estado de Rondônia concentram grande número desses municípios. Valores do índice entre 0,501 e 0,800 eram verificados em 4.283 municípios (76,9%) e compreendiam 83,1% da área total dos imóveis rurais, de forma que esta classe é predominante no território brasileiro. Por fim, os municípios com grau de concentração acima de 0,800 eram 359 (6,4%) e detinham 10,8% da área total dos imóveis rurais. O mapa 1, que representa os dados do índice de Gini suavizados considerando dois vizinhos, auxilia na análise da concentração fundiária pelo território e destaca regiões onde o processo tende a ser mais intenso. Mapa 1

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A tabela 2 apresenta os dados da estrutura fundiária em 1992, 1998 e 2003. Em 2003 os imóveis pequenos (menos de 200 ha) representavam 92,56% do número total de imóveis e apenas 28,42% da área total, perfazendo uma área média de 30 ha. Ao contrário, os imóveis médios e grandes (200 ha e mais) correspondiam a 7,44% dos imóveis e 71,57% da área total, resultando em uma área média de 938 ha. Esta distribuição desigual, que corrobora com os resultados do índice de Gini para evidenciar a concentração fundiária no Brasil, também pode ser verificada nos anos de 1992 e 1998. Tabela 2 – Estrutura fundiária e índice de Gini – 1992-1998-20034

Para o mapeamento da estrutura fundiária, utilizamos principalmente os dados da área, pois, se tomarmos o número de imóveis, os menores serão sempre mais numerosos. O que importa realmente é a proporção da área total que cada classe de área detém; é isso que determina o maior ou menor território da agricultura camponesa ou da agricultura capitalista. No mapa 2, os municípios foram classificados segundo a predominância dos imóveis pequenos, médios e grandes na detenção da área total dos imóveis rurais no município. A constatação é que a estrutura fundiária possui uma ordem regional bem definida, com a formação de regiões contínuas. São destacadas regiões no Sul, Sudeste, Nordeste e no norte amazônico, onde a área dos menores imóveis é predominante; a região central, onde predomina a área dos imóveis médios; e a região que compreen­de parte do Centro-Oeste, Norte e o oeste da região Nordeste, onde as terras encontram-se principalmente sob domínio dos grandes imóveis. 4

Em 2011, o Cadastro do Incra registrava no Brasil 5.356.425 imóveis rurais com área total de 590.716.875,34 hectares.

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Mapa 2

Apesar de não ter havido diminuição significativa do grau de concentração da terra no Brasil entre 1992 e 2003, neste intervalo de onze anos analisado o número de imóveis rurais e a área total dos imóveis apresentou taxas muito elevadas de crescimento. O número de imóveis rurais saltou de 2.924.204, em 1992, para 4.290.531, em 2003 (acréscimo de 46,7%). Isso seria salutar para a desconcentração fundiária não fosse o fato de que a área total dos imóveis no mesmo período saltou de 310.030.752 ha para 418.483.332 ha (acréscimo de 35%). Entre 1992 e 2003, o território camponês (imóveis

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de menos de 200 ha) se territorializou sobre 36.510.186,6 há, e o território do latifúndio e agronegócio (imóveis com 200 ha ou mais) sobre uma área duas vezes maior, com 71.942.393,5 ha. Enquanto a evolução 1992-2003 no campesinato perfaz uma área média de 30 ha, a evolução no latifúndio e agronegócio tem área média de 753 ha por imóvel rural. Isso indica, mais uma vez, a disparidade entre esses dois territórios, e também que a concentração da terra se mantém intocada, apesar do acréscimo de mais de 108 milhões de hectares na estrutura fundiária brasileira! O mapa 3 mostra onde foram acrescidas novas áreas na estrutura fundiária entre 1992 e 2003. O Centro-Oeste e o Norte são as regiões responsáveis pela maior incorporação de novas terras na estrutura fundiária, e as microrregiões de Itaituba e Altamira, no Pará, são as que compreendem, individualmente, a maior proporção da área total incorporada na estrutura fundiária brasileira no período 1992-2003. Mapa 3

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O Incra, nos dados do Cadastro Rural, designa como posse os imóveis rurais sem registro legal, independente do seu tamanho. As posses têm grande representatividade na estrutura fundiária brasileira. Elas podem estar em terras públicas, devolutas ou, em casos mais raros, em terras privadas. Por ser prática ilegal, há grande possibilidade de o fenômeno ser superior ao alcançado pelos dados do Incra. De acordo com o Instituto, em 2003 existiam no Brasil 1.172.9805 imóveis de posse (27,3% do total de imóveis rurais do Brasil), os quais perfaziam 66.285.346,8 ha (15,8% da área total dos imóveis rurais brasileiros). Os detentores desses imóveis eram exclusivamente posseiros e não possuíam nenhum outro imóvel sob condição de proprietário. Porém, além desses detentores que eram exclusivamente posseiros, o cadastro do Incra também apresenta os dados sobre posseiros que também eram proprietários. No cadastro, as posses e propriedades desses detentores não são discriminadas, de forma que os dados são disponibilizados conjuntamente (somados). Sendo assim, em 2003, os proprietários que também eram posseiros detinham, entre propriedades e posses, 117.909 imóveis rurais e 15.529.980 ha. Para as análises realizadas doravante, não utilizaremos os dados referentes aos proprietários que também são posseiros e consideraremos apenas os dados dos imóveis de posse. Na Amazônia Legal, em 2003, as áreas de posses totalizavam 35.027.088 ha, o que correspondia a 19,8% da área total dos imóveis da região e 52,8% da área total dos imóveis de posse do Brasil. Tomando dados apresentados por Oliveira (2008), em 2003 o Incra detinha, na Amazônia Legal, 67.823.810 ha ainda sem destinação. Desta forma, as terras do Incra na Amazônia Legal somam quase o dobro da superfície sob domínio de posseiros na região. Como mostra o mapa 4, no Brasil, as áreas de posse concentram-se na metade norte do país. As posses também são notáveis, mas de forma menos intensa, na faixa costeira do Sudeste. A representatividade das posses na área total dos imóveis rurais é particularmente importante na região Norte, onde as altas proporções de área de posse nos municípios indicam a constante incorporação de novas terras, característica da frente pioneira da fronteira agropecuária. No Nordeste, especialmente no norte baiano e no leste pernambucano, também são importantes as áreas de posse, mas, neste caso, devido a motivos como a impossibilidade de os pequenos proprietários regularizarem a situação jurídica de suas terras por falta de recur5

Para 2010, os dados de número de imóveis de posse e a área desses imóveis permanecia a mesma aqui apresentada.

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sos. O mapa 5 fornece informações sobre a participação dos três grandes grupos de imóveis rurais (pequeno, médio e grande) na detenção das áreas de posse. Na maior parte dos municípios, as áreas das posses predominam nos pequenos imóveis (menos de 200 ha). Já nos municípios com as maiores somas de áreas de posse, elas predominam nos imóveis médios e grandes (200 ha e mais), sendo esses casos importantes no oeste da Bahia, sul do Piauí, leste do Tocantins, Mato Grosso e Pará. Com relação às posses no Brasil, é necessário dizer que o Governo Federal, através da MP 458, aprovada no Senado e na Câmara dos Deputados – e que deu origem ao programa Terra Legal do Incra –, irá legalizar 67,4 milhões de hectares de posses de até 1.500 hectares na Amazônia Legal, o que é, na verdade, uma medida pró-ocupação da Amazônia pelo grilo, exceto na legalização de pequenas posses – as terras camponesas. Mapa 4

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Mapa 5

Os dados do Incra mostram que em 1998 cerca de 75,4 milhões de hectares de terras exploráveis6 não o eram, o que correspondia a 23% da área total explorável do Brasil. Territorialmente, as terras exploráveis não exploradas estavam assim distribuídas: 45,6% na região Norte, 24,2% no Nordeste, 26,1% no Centro-Oeste, 2,2% no Sudeste e 1,9% no Sul. O mapa 6 re6

Terras que se encontravam, na data do levantamento dos dados, em condições de produção imediata. As terras com matas são consideradas inexploráveis.

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presenta o fenômeno de forma detalhada e evidencia a oposição Norte/Sul. Amazônia Legal, oeste baiano e Piauí concentravam grande parte das terras exploráveis não exploradas em 1998. A maior proporção de terras exploráveis não exploradas estava nos imóveis grandes, grupo no qual 35,6% da área total explorável não era explorada. Ainda, se somarmos os imóveis médios e grandes, a área explorável não explorada em 1998 era de 58.738.981,1 ha, ou seja, 77,9% de toda terra explorável não explorada no Brasil. Mapa 6

O mapa 7 representa os municípios segundo a predominância dos imóveis grandes, médios ou pequenos na área total explorável não explorada em

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1998. Na Amazônia Legal predominam as áreas exploráveis não exploradas nos grandes imóveis, assim como no oeste da Bahia e do Piauí. Mapa 7

O mapa 8 representa o uso do solo. Nele podemos visualizar uma extensa região central, que se estende desde o norte do Paraná até o Maranhão, onde são predominantes as áreas de pastagens. Também as pastagens são predominantes no centro de Rondônia, nos Pampas do Rio Grande do Sul e em uma extensa região que compreende Minas Gerais e, de forma geral, o agreste nordestino. As regiões onde predominam as áreas de lavouras estão 262

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no norte do Rio Grande do Sul, oeste do Paraná, centro-norte de São Paulo, Zona da Mata nordestina, norte do Ceará e do Maranhão, em alguns municípios do centro de Mato Grosso e no noroeste amazônico, sendo importante dizer que, neste último caso, a área dos estabelecimentos agropecuários é muito pequena em relação às terras públicas. Mapa 8

Vejamos o que podemos concluir da dinâmica geral de apropriação de novas terras e o uso das terras no Brasil. Em 1998, havia na Amazônia Legal 55,8 milhões de hectares de terras exploráveis não exploradas; segundo os dados do Inpe, de 1998 até 2007 foram desflorestados na região 18,9 263

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milhões de hectares (terras inexploráveis que se tornaram exploráveis), e entre 1996 e 2006 a área total de lavouras e de pastagens na Amazônia Legal cresceu 9,4 milhões de hectares, dos quais 56% relativos às pastagens. Esses três dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade de desflorestamento na Amazônia (ou em qualquer outra região) para a obtenção de novas terras para a produção agropecuária. Vejamos: se parte dos 55,8 milhões de hectares de terras exploráveis não exploradas da Amazônia Legal verificados em 1998 passassem a ser explorados desde então para a expansão dos 9,4 milhões de hectares de lavouras e pastagens ocorrida na região entre 1996 e 2006, ainda sobrariam, em 2007, cerca de 46,4 milhões de hectares disponíveis para a expansão da agropecuária regional; isso só pelo aproveitamento das terras exploráveis não exploradas de 1998. Contudo, além das terras exploráveis não exploradas que havia em 1998, o intenso processo de desflorestamento continua até hoje, o que nos permite somar, ao saldo de 46,4 milhões de hectares de terras exploráveis não exploradas, os 18,9 milhões de hectares inutilmente desflorestados na Amazônia entre 1998 e 2007. Com isso, chegamos ao total de 65,3 milhões de hectares de terras exploráveis não exploradas disponíveis em 2007 para a expansão da agropecuária na Amazônia Legal, cuja área total dos imóveis rurais em 2003 era de 177 milhões de hectares e a área total de lavouras e pastagens em 2006 perfazia 67,6 milhões de hectares. Dessa forma, mantendo-se o modelo técnico agrícola atual (a pecuária extremamente extensiva praticada na região) e considerando-se a mesma taxa de crescimento da agropecuária verificada entre 1996 e 2006, que foi de 1,6% ao ano, os 67,6 milhões de hectares disponíveis seriam suficientes para o crescimento contínuo da agropecuária na Amazônia Legal até 2049 sem que fosse necessário tocar na floresta. É claro que consideramos neste contexto uma situação ideal, em que não haja nenhum desvio nos dados, não ocorra nenhum progresso técnico na agropecuária nesse período e em que a taxa de crescimento da área ocupada pela agropecuária seja constante. O fato é que, apesar de ser um cenário ideal, e que dificilmente todos os elementos considerados apresentarão a evolução considerada no cálculo, os possíveis desvios de cada um desses três elementos podem ser compensados mutuamente, um pelo outro, de forma que um cenário muito próximo possa se confirmar. A mudança no sistema de pecuária extremamente extensiva pode influenciar profundamente esta evolução, visto que 56,4% da área adi-

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cionada entre 1996 e 2006 é de pastagens, o que corresponde a 5,2 milhões de hectares. Desta forma, cabe aos próximos governos criar alternativas para o desenvolvimento da agropecuária na Amazônia Legal, evitando a ocupação de novas áreas por meio do uso adequado das terras úteis já disponíveis, considerando inclusive outros modelos de desenvolvimento agropecuário. Os dados da não utilização da terra corroboram com os dados das “posses” para evidenciar o processo de especulação fundiária na fronteira agropecuária. Isso nos leva, mais uma vez, a salientar a urgência de repensar a ocupação da Amazônia. A necessidade de abertura de novas terras na Amazônia é infundada, a não ser para a continuação do histórico privilégio do latifúndio. O único objetivo da abertura de novas terras é a exploração de madeira e a apropriação de novas terras por grandes posseiros unicamente como reserva de valor. A produção de alimentos para o desenvolvimento social e econômico brasileiro não exige a ocupação de mais nenhum centímetro quadrado da Amazônia ou de outro bioma. Além disso, a grande proporção de terras exploráveis não exploradas em grandes estabelecimentos na Amazônia Legal indica a consolidação, em um futuro próximo, da parceira latifúndio-agronegócio. Esses grandes imóveis serão utilizados para a produção do agronegócio assim que as terras forem necessárias. Os grandes imóveis com terras não exploradas são os futuros lócus do agronegócio. A OCUPAÇÃO PREDATÓRIA DA AMAZÔNIA

De acordo com os dados do Inpe-Prodes, a área total desflorestada na Amazônia até 20077 era de 691.126 km2, ou seja, 16,5% de todo o bioma amazônico em território brasileiro. A área de floresta restante em 2007 era de 3.130.642,9 km2. Os mesmos dados mostram que, entre 1988 e 2007,8 foram desflorestados 356.559 km2. O desflorestamento nesses dezoito anos corresponde a 52,4% de toda a área desflorestada na Amazônia brasileira, o que indica a intensidade da ocupação nas últimas duas décadas. A partir de 2001, nas regiões com cobertura florestal amazônica ou de transição, a porcentagem da área das propriedades rurais que podem ser desflorestadas passou de 50% para 20%. Contudo, a diminuição do desflorestamento só passou a ocorrer partir de 2005, quando foram desflorestados 18.759 km2, 7

O desflorestamento total da Amazônia em 2012 era de 729.490 km2. Entre 1988 e 2012, foram desflorestados 396.772 km2.

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chegando a 11.224 km2 de desflorestamento em 2007. Obviamente não há nada para ser comemorado, pois, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Conservação Internacional – Brasil, para cada quilômetro quadrado desflorestado no arco do desflorestamento, são cortadas de 45 mil a 55 mil árvores, afetadas entre 1.658 e 1.910 aves e de 35 a 81 primatas, além da infinita variedade e quantidade de outros seres vivos presentes na floresta amazônica, que apresenta a maior biodiversidade do planeta. O gráfico 1 representa a participação dos estados da Amazônia Legal no desflorestamento. O estado que mais contribuiu foi Mato Grosso, que, apesar de ter metade de seu território compreendido no bioma Cerrado, é responsável por 36% do desflorestamento da Amazônia entre 1988 e 2007. A partir de 2005 o estado apresentou diminuição no desflorestamento. O Pará foi responsável por 32% do desflorestamento no período, sendo que também apresentou queda no desflorestamento em 2005, mas manteve o índice a partir de então. Gráfico 1

O mapa 9 sintetiza o desflorestamento total e o desflorestamento recente da Amazônia. O leste da região, onde se estabeleceram grandes projetos de mineração e exploração florestal já na década de 1970, tem alto índice de antropização e possui as maiores densidades de núcleos urbanos e de vias de circulação. Esta é a região onde já ocorreram os maiores desflorestamentos. Embora mais importantes no passado, ainda hoje o desflorestamento é

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significativo na Amazônia Oriental, como pode ser visto no mapa 10. Já o processo de desflorestamento recente é mais significativo no sul da Amazônia. As rodovias são sabidamente vetores do desflorestamento, sendo que a maior evidência no desflorestamento recente é observada no trecho da BR163 (Cuiabá-Santarém), entre o limite dos estados de Mato Grosso e Pará e a cidade de Itaituba (PA). O norte de Mato Grosso, que compreende a floresta amazônica, apresenta importante processo de desflorestamento atual. Trata-se de um processo progressivo de desflorestamento que toma duas direções principais: BR-163 oeste, que tem como atrativo a possibilidade de exportação pelo porto de Humaitá; e a direção sul norte, tendo como eixo condutor a BR-163, que leva ao porto de Santarém, através do qual a exportação dos produtos do agronegócio seria mais viável. Os dois processos são conduzidos pela incorporação de mais terras necessárias à expansão do agronegócio de grãos e de gado bovino, além da formação de latifúndios. O Parque do Xingu e as terras indígenas contíguas Wawi, Capoto/Jarina, Menkragnotí, Paraná, Badjonkore, Kayapó e Baú encontram-se totalmente cercadas pelo desflorestamento, inclusive recente. Essas terras funcionam como barreira para o desflorestamento total no sentido BR-163 leste, no Mato Grosso e no Pará. O asfaltamento completo da BR-163 é indutor do avanço e intensificação do desflorestamento e implica a mobilização de maiores efetivos para fiscalização da depredação ambiental, o que já é insuficiente na atualidade. Neste sentido, o governo federal tem desenvolvido o projeto BR-163 Sustentável, com a criação de unidades de conservação para minimizar o desflorestamento e os conflitos que geram violência na disputa pela terra. Esta ação certamente vai minimizar a intensidade do desflorestamento, mas não impedi-lo. Além disso, as áreas legalmente passíveis de desflorestamento sem dúvida serão efetivamente desflorestadas. O asfaltamento da BR-163 deixa clara a opção do projeto de ocupação da Amazônia.

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Mapa 9

O mapa 10 apresenta o número de hectares desflorestados nos municípios da Amazônia Legal entre 2001 e 2006. Nesse período foram desflorestados 18.985.670 hectares. São Félix do Xingu (PA), que tem 17,2% de sua área total desflorestada, foi o município com maior desflorestamento entre 2001 e 2006, período no qual foram destruídos 776.610 ha de floresta no seu território, que correspondem a 9,2% da área total do município. Em seguida estão os municípios de Paragominas (PA), 551.340 ha; Altamira (PA), 347.270 ha; e Porto Velho (RO), 305.900 ha.

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Mapa 10

Sabemos que a ilegalidade e a corrupção nos confins da Amazônia vão além dos dados conhecidos. O Estado, apesar de todos os investimentos para detectar ações ilegais por meio de levantamentos via satélite, pelo sistema Sivam ou fiscalização presencial, não consegue controlar a ambição das madeireiras, grileiros e fazendeiros na Amazônia. Além da ação direta, é necessário que sejam realizadas ações indiretas que coíbam a territorialização do latifúndio e do agronegócio nesta região. Contudo, a ação do Estado através de programas como o Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste 2007-2020 e o Programa de Aceleração do Desenvolvimento (PAC) 20072010 indica o incentivo à ocupação efetiva da região pelo estabelecimento e intensificação de atividades produtivas agropecuárias, mineradoras e industriais. Para isso estão previstas ações de desenvolvimento da cadeia do agronegócio, melhoria na rede viária para escoamento da produção e aumento da produção de eletricidade, que é um gargalo para o agronegócio 269

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na região. A exploração legal de madeira na Amazônia é outra evidência do incentivo do Estado na continuação da ocupação da região. Em 2007, a exportação legal de madeira dos estados da Amazônia Legal somou 1,2 bilhão de dólares. Neste sentido, as ações de “sustentabilidade” na Amazônia parecem muito mais uma falsa resposta à sociedade do que uma vontade efetiva dos governos em conter o processo de ocupação e desflorestamento. O desflorestamento é o caráter mais primário para a delimitação da frente pioneira da fronteira agropecuária. O intenso desflorestamento é resultado da escolha do modelo agrário (que inclui o agrícola) sustentado por todos os governos desde o golpe militar de 1964. No processo de ocupação são cometidos diversos crimes ambientais e sociais. Como veremos mais adiante, é à custa da abertura constante de novas áreas que o agronegócio “progride” e a estrutura agrária atual é conservada. A LUTA PELA TERRA E SUA(S) CONQUISTA(S)

A luta pela terra e a consequente criação de assentamentos é uma forma de recriação do campesinato. As ocupações constituem um momento da luta pela terra. Como resposta às ações dos movimentos socioterritoriais, os governos criam assentamentos rurais que, em princípio, constituem a conquista da terra. Os assentamentos significam uma nova etapa da luta: o processo pela conquista da terra. Mas ainda é necessário conquistar condições de vida e produção na terra; resistir na terra e lutar por um outro tipo de desenvolvimento que permita o estabelecimento estável da agricultura camponesa. No Brasil, a ocupação de terra é a principal estratégia de luta realizada pelos movimentos socioterritoriais camponeses. Os dados do Dataluta em 2006 mostram que no país, entre 2000 e 2006, foram registradas ocupações de terra realizadas por 869 diferentes movimentos socioterritoriais. As áreas ocupadas são principalmente latifúndios, terras devolutas e imóveis rurais onde leis ambientais e/ou trabalhistas tenham sido desrespeitadas. De modo geral, as terras ocupadas são aquelas que apresentam indicativos

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Entre 2000 e 2011 foram registradas ocupações por 114 movimentos socioterritoriais, também segundo o Dataluta.

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de descumprimento da função social da terra, definida no artigo 18610 da Constituição Federal. Como o Estado não apresenta iniciativa para cumprir a determinação constitucional, os movimentos socioterritoriais agem para que isso aconteça. Ultimamente, além de lutar contra o latifúndio, os movimentos iniciaram a luta contra a territorialização do agronegócio em suas formas mais intensas, e por isso as ocupações têm ocorrido em áreas de produção de soja transgênica, cana-de-açúcar e plantações de eucalipto, por exemplo. Em princípio, a ocupação de áreas economicamente produtivas seria muito mais uma forma de protesto, visto que, pela Constituição (art. 185), elas não são suscetíveis à desapropriação para a reforma agrária. O artigo 186 estabelece que a propriedade deve cumprir sua função social, que compreende as dimensões ambiental, trabalhista e de bem-estar do proprietário e dos trabalhadores. Na interpretação desses dois artigos, Pinto Jr. e Farias (2005) afirmam que não basta que a propriedade rural seja produtiva (art. 185) no sentido economicista para que não seja passível de desapropriação; ela deve ser produtiva respeitando simultaneamente os princípios do art. 186. A produtividade não pode ser alcançada sob consequência de desrespeito aos aspectos da função social, de forma que essas duas características são indissociáveis, e “a função social é continente e conteúdo da produtividade” (p. 48). Assim, caso a produção seja conseguida a partir do descumprimento das dimensões estabelecidas pelo artigo 186, o aspecto produtivo não isenta a propriedade de desapropriação para a reforma agrária. É por isso que o agronegócio, através de suas práticas, desrespeita a função social da terra. Por isso, as ocupações de propriedades cultivadas que não cumprem a função social são legítimas no sentido da luta, já que podem ser suscetíveis à desapropriação segundo a interpretação da lei apresentada. A reforma agrária é necessidade historicamente defendida para a resolução dos problemas agrários no Brasil. Em nossa análise da luta pela terra 10

Art. 186 da CF. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV) exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores.

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tomamos o período de 1988 até 2006, quando ela foi intensificada. Nos sucessivos governos desse período, as ações de reforma agrária no Brasil têm sido baseadas principalmente nas políticas de criação de assentamentos rurais e de concessão de crédito aos camponeses. Partimos do princípio de que uma reforma agrária completa no Brasil deve, simultaneamente, reformar a estrutura fundiária do país, possibilitar o acesso dos camponeses à terra e fornecer-lhes condições básicas de vida e produção. Neste sentido, o II PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) avançou ao apresentar uma compreensão ampliada de reforma agrária. Porém, como demonstraremos, a execução do plano tem apresentado uma reforma conservadora da estrutura fundiária através da criação de assentamentos rurais; consideramos assim porque a forma como é conduzida a política de assentamentos conserva a estrutura das regiões de ocupação consolidada, isto é, Centro-Sul e Nordeste, de forma que o cumprimento dos princípios constitucionais é muito restrito. A partir desta premissa, nosso objetivo nesta seção é compreender o quão reformadora é a política de assentamentos rurais que fundamenta esta reforma agrária conservadora. A partir de 1995, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, houve um aumento significativo de famílias11 em ocupações e de famílias assentadas (gráfico 2). As ocupações atingiram o seu máximo em 1999 (897 ocupações e 118.620 famílias em ocupações), ano em que Fernando Henrique Cardoso assumiu seu segundo mandato. Com o aumento constante do número de ocupações no início do seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso publicou a Medida Provisória 2.027-38, de 4 de maio de 2000, que criminalizava a luta pela terra. A criminalização ficou mais evidente na

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Para os dados de famílias em ocupações ou famílias assentadas, calcula-se a média de cinco pessoas por família. Os dados de famílias assentadas são referentes ao número de famílias que o assentamento comporta em sua capacidade máxima. Esses dados não dizem respeito, por exemplo, aos casos em que as famílias desistem de seus lotes e outras são assentadas. Este processo não é acompanhado. A quantidade de famílias nos assentamentos pode ser inferior em projetos de assentamentos não totalmente ocupados, o que pode ocorrer no início da implantação; ou superior, no caso de outras famílias que passam a viver nos lotes com as famílias beneficiárias. No caso das famílias em ocupações de terra, a mesma família pode participar de diversas ocupações na sua trajetória de luta, que pode durar anos.

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MP 2.109-52, de 24 de maio de 2001, que substituiu a anterior.12 O texto dessas medidas prevê o impedimento, por dois anos, da vistoria de imóveis rurais onde tenham sido realizadas ocupações de terra e também exclui os trabalhadores que participam de ocupações de terra dos programas de reforma agrária. Com elas, o número de famílias em ocupações diminuiu drasticamente, e o de famílias assentadas acompanhou a queda. A análise conjunta deste fato e da evolução das ocupações e assentamentos (gráfico 2) mostra que as famílias só são assentadas devido à pressão realizada pelas ocupações de terra. Com a eleição de Lula, em 2003, houve o aumento das ocupações e consequentemente dos assentamentos. Isso possivelmente ocorreu pela minimização da aplicação da criminalização prevista na Medida Provisória e pela esperança que os movimentos socioterritoriais depositavam no presidente para a realização de uma reforma agrária mais ampla, o que não ocorreu. Os dados de famílias assentadas mostram que quantitativamente não há diferença entre os governos de FHC e de Lula, pois durante os oito anos de governo do primeiro foram assentadas 457.668 famílias, e no primeiro mandato de Lula foram 252.019. O total de famílias assentadas no primeiro mandato de Lula contempla 63% das 400 mil previstas no II PNRA para o período. Os mapas da prancha 1 permitem comparar o número de famílias em ocupações de terra e de assentadas nas microrregiões brasileiras nos três últimos períodos de governo.

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Atualmente essas Medidas Provisórias estão em tramitação sob a forma da MP 2.18356, de 24 de agosto de 2001.

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TABELA 3 – A luta pela terra e sua conquista – 1979-200613

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O Relatório Dataluta 2012 apresenta os seguintes totais: ocupações de terra (19882011) – número de ocupações, 8.536; famílias em ocupações, 1.198.513. Sobre os assentamentos (1979-2011) – número de assentamentos, 8.951; famílias assentadas, 1.045.069; área dos assentamentos, 83.366.844.

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GRÁFICO 2 – A luta pela terra e sua conquista – 1979-2006

Prancha 1

Desde 1988 foram realizadas mais de 7 mil ocupações de terra, das quais participaram cerca de 1 milhão14 de famílias cujos lares foram (ou ainda são), por vários anos, os barracos de lona dos acampamentos. Em respos14

Este número provavelmente é superior, visto que não havia informações sobre o número de famílias para 867 ocupações de terra até 2006.

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ta, os governos criaram desde então 7.230 assentamentos rurais, cuja área total, de 57,3 milhões de hectares, comporta cerca de 900 mil famílias. Poderíamos então concluir que restariam apenas cerca de 100 mil famílias para serem assentadas e a reforma agrária estaria concluída? A resposta positiva à qual conduz a matemática da reforma agrária conservadora é facilmente derrubada pela análise geográfica. O aspecto geográfico (aqui como referência ao localizacional) da política de assentamentos não constitui uma resposta local às demandas/denúncias dos movimentos socioterritoriais. A geografia da política de assentamentos rurais é um dos elementos que denunciam seu caráter conservador. O mapa 11 representa de forma detalhada as famílias em ocupações e as famílias assentadas de 1988 até 2006. A oposição norte-sul evidencia a ineficácia regional da política de assentamentos rurais, indicando que os problemas agrários locais não são resolvidos, fato que mantém o conflito e anula o desenvolvimento. O aspecto mais elementar da concentração das ocupações no Centro-Sul e em regiões do Nordeste é que essas são as áreas em que se concentra a população brasileira. Aí também se concentram os milhões de expropriados e camponeses em vias de desintegração devido à modernização da agricultura e industrialização do país, não planejadas de forma adequada para garantir a distribuição da riqueza. Além da concentração populacional, as regiões de ocupação consolidada, onde se concentram as ocupações de terra, são caracterizadas pela melhor infraestrutura para produção, maior mercado consumidor e acesso a serviços básicos como educação, saúde, eletricidade e saneamento. Essas são as áreas onde a reforma tem sentido, pois desconcentra as terras e otimiza a sua utilização. É nessas regiões que a agricultura camponesa pode conseguir mais facilmente sucesso de forma autônoma, já que a intervenção do Estado é insignificante frente ao verificado em países desenvolvidos. Tendo isso em mente, as ocupações na metade sul do país são as que mais contribuem para a realização da reforma agrária, pois é nessas regiões que a estrutura concentrada já estabelecida deve ser reformada.

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Mapa 11

A partir deste primeiro indício da ineficácia regional da política de assentamentos, analisamos a potencialidade reformadora dos diversos tipos de assentamentos rurais. A origem da terra para a criação dos assentamentos é o principal elemento que consideraremos na análise. Os assentamentos podem ser criados a partir de a) terras desapropriadas, cujos proprietários são indenizados; b) reconhecimento de posses; e c)

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projetos de conservação ambiental, que reconhecem unidades de conservação de uso sustentável como assentamentos. Em todos os casos, as famílias assentadas são consideradas beneficiárias da “reforma agrária” e têm acesso aos programas de crédito e recursos para instalação previstos no II PNRA. Classificamos os assentamentos em não reformadores e reformadores (ver Girardi, 2008, p. 281-288). De modo geral, os assentamentos não reformadores são os reconhecimentos de posse, assentamentos criados em terras públicas, unidades de conservação sustentáveis e outros projetos de caráter ambiental. Esses assentamentos se confundem com as políticas ambiental e de ocupação do território. A criação de unidades de conservação de uso sustentável, reconhecidas como assentamentos rurais, não desconcentra a terra. Essas áreas não fazem parte da estrutura fundiária e geralmente são criadas em terras públicas, o que não implica desapropriação de terras. A regularização de posses também não implica desapropriação de terras. Desta forma, consideramos que o reconhecimento de posses e a criação de assentamentos em terras públicas são formas de alterar a estrutura fundiária com a adição de novas áreas e de novos detentores sem que seja necessário, no entanto, reformar as áreas­que previamente compunham a estrutura fundiária, ou seja, dividir as terras. No caso dos assentamentos não reformadores, o campesinato se territorializa sem que haja a desterritorialização do latifúndio. Para os assentamentos reformadores, as terras são arrecadadas geralmente a partir de desapropriação, o que representa o mais alto grau de reforma da estrutura fundiária possível na legislação brasileira atual. Através da criação de assentamentos reformadores é cumprido o artigo 186 da Constituição e a estrutura fundiária é de fato desconcentrada. Com os assentamentos reformadores, o campesinato se territorializa a partir da desterritorialização do latifúndio. Entre os assentamentos criados no período 1979-2006, os reformadores são 92,7% e comportam 85,1% das famílias em 53,2% da área total. No primeiro mandato de FHC, a ênfase foi na criação de assentamentos reformadores. Já no segundo mandato, paralelamente à diminuição pela metade do número total de assentamentos criados e de famílias assentadas, houve aumento da proporção dos assentamentos não reformadores, em especial dos de caráter ambiental. No primeiro mandato

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de Lula, os dados dos assentamentos reformadores são muito próximos daqueles verificados no segundo mandato de FHC. A particularidade do primeiro mandato de Lula é a intensificação da criação de assentamentos não reformadores, em especial os de caráter ambiental. Esses assentamentos não reformadores correspondem, no primeiro mandato de Lula, a 21% dos assentamentos criados, 43% das famílias assentadas e 80% da área total. Se considerarmos somente os assentamentos reformadores entre 1988 e 2006, contabilizamos 6.704 (92,7%) assentamentos com 29.625.441 (51,7%) ha, nos quais foram assentadas 689.345 (85,4%) famílias. Não sabemos quais deles foram criados por iniciativa do governo ou pela demanda local dos movimentos socioterritoriais camponeses, porém as ocupações de terra podem fornecer pistas. Partindo deste princípio, podemos então considerar apenas os assentamentos reformadores criados entre 1988 e 2006 nos municípios em que houve ocupação de terra no mesmo período. Segundo este critério são 4.425 (61,2%) assentamentos, 412.140 (51,1) famílias assentadas e 15.322.995 (26,7%) hectares. O mapa 12 representa as famílias assentadas segundo esta classificação. O diferencial territorial do mapa mostra que há uma ordem regional da classificação que propomos. Os assentamentos reformadores criados em municípios onde ocorreram ocupações de terra são predominantes nas regiões de ocupação consolidada. Os assentamentos reformadores criados em municípios sem ocorrência de ocupações de terra configuram uma faixa de transição arqueada que vai do oeste de Mato Grosso até o Maranhão. O terceiro grupo, dos assentamentos não reformadores, concentra-se principalmente na metade noroeste da Amazônia Legal. O mapeamento confirma a hierarquia do grau de reforma dos assentamentos, já que os assentamentos reformadores em municípios sem ocorrência de ocupação de terra estão localizados principalmente em regiões de ocupação recente, que configuraram a fronteira agropecuária nas décadas de 1980 e 1990. O mapa evidencia o conservadorismo da reforma agrária.

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Mapa 12

O mapa 13 contribui para esclarecer a participação dos assentamentos rurais na ocupação da Amazônia. Apesar de fazerem parte da política de ocupação territorial, a sua área em relação à área total apropriada é pequena, de forma que a maior parte da região é ocupada a partir da apropriação das terras por particulares. Esse mapa mostra a efetiva participação dos assentamentos na ocupação da Amazônia, pois representa apenas os assentamentos reformadores em relação à área total dos imóveis. Tomamos apenas estes porque são os que apresentam impacto mais importante, visto que grande

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parte dos demais são unidades de conservação sustentáveis e, por isso, seu impacto é reduzido. Isso indica que, embora a Amazônia seja o principal escape para o desenvolvimento da política de assentamentos rurais, não podemos associar o processo de ocupação da região exclusivamente ou majoritariamente aos assentamentos. A maior parte da ocupação é promovida pela ocupação particular, e não pelos assentamentos. Mapa 13

O problema da reforma agrária conservadora está na não reforma das regiões de ocupação consolidada. A intervenção no ordenamento da fronteira agropecuária com a criação de assentamentos, reconhecimento de pequenas posses e criação de áreas de manejo sustentável exploradas por camponeses é sem dúvidas positivo. Essas políticas permitem a territorialização do campesinato, garantem acesso aos recursos de crédito e fazem com que os camponeses “invisíveis” até então sejam reconhecidos e melhorem sua condição de vida. As unidades de manejo sustentável reconhecidas como assentamentos constituem um passo importante no reconhecimento dos

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direitos dos povos da floresta, especialmente representativos no Norte do país. O fato é que a criação de assentamentos não reformadores não pode suplantar a reforma nas regiões de ocupação consolidada. O problema não está na criação dos assentamentos não reformadores, mas sim em como eles são utilizados como estratégia para não reformar outras regiões do país. Como mostram os dados, não houve progresso na criação de assentamentos reformadores entre 1999 e 2006; ao contrário, houve o crescimento da criação de assentamentos não reformadores, o que contribuiu para a conservação de valores muito elevados no índice de Gini da estrutura fundiária. As ações na fronteira agropecuária certamente fazem parte da reforma agrária, porém não bastam; elas devem ser conduzidas paralelamente à reforma das demais regiões, que deve ser mais importante. A VIOLÊNCIA CONTRA CAMPONESES E TRABALHADORES RURAIS

Analisamos nesta seção as principais formas de violência direta contra camponeses e trabalhadores rurais. Esta violência ocorre paralelamente à agricultura altamente produtiva que caracteriza o agronegócio e por isso configura o que Oliveira (2003) chama de barbárie da modernidade. A Comissão Pastoral da Terra documenta desde a década de 1980 as ocorrências de conflitos e violências no campo brasileiro, cujos dados são publicados desde 1984 no caderno Conflitos no campo. Além dos dados, a pastoral, ligada à Igreja católica, também publica manifestos e relatos de diversos casos de violência contra a pessoa, posse e propriedade de camponeses e trabalhadores rurais. Os relatos e fotos que retratam a barbárie no campo brasileiro mostram uma população pobre, submetida a toda sorte de privação e exploração provocada pela ambição humana frente à ausência do Estado. Neste sentido, as publicações da CPT permitem o contato mais sensível com esta realidade e nos faz compreender melhor os dados. Mais do que números, os dados da CPT são informações sobre a situação dos homens e mulheres do campo, e retratam a luta dos camponeses brasileiros e as violências por eles sofridas. Certamente esses dados não abrangem a totalidade, mas compreendem parte significativa da realidade, cuja totalidade é ainda mais violenta e desigual. Mais do que algarismos, os números devem ser compreendidos como vidas. Mais do que pontos, linhas e áreas, os mapas devem ser lidos como representação da luta pela

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terra e da violência sofrida pelos camponeses e trabalhadores no campo; eles representam famílias que ficam sem casa, sem comida e sem água. O que fazemos é codificar alguns elementos da violenta realidade do campo brasileiro para tornar possível sua apreensão de diversas maneiras; é tornar possível a mensuração e dimensionamento da violência sofrida pelos camponeses com a finalidade de estudá-la e assim contribuir para que esta realidade seja alterada. Os dados da CPT15 de 2006 mostram que naquele ano, nos 1.657 conflitos com violência no campo, 783.801 camponeses e trabalhadores rurais sofreram algum tipo de violência. Dentre esses brasileiros, 39 foram assassinados, 72 foram vítimas de tentativa de assassinato, 57 mortos em consequência do conflito, 207 ameaçados de morte, 30 torturados, 917 presos e 749 agredidos e/ou feridos.16 Tomamos para análise mais específica os dados de assassinato, ameaças de morte e tentativa de assassinato. Nos vinte anos que compreendem o período analisado (1986-2006), os camponeses e trabalhadores rurais assassinados foram cerca de 1.100, as ameaças de morte foram cerca de 3.200, e as tentativas de assassinato pouco mais de mil. O gráfico 3 mostra que os três tipos de violência direta contra a pessoa analisados apresentaram diminuição principalmente a partir de 1996, segundo ano do primeiro mandato de FHC, e retomaram o crescimento a partir de 2001, ano da publicação da MP 2109-52, que criminaliza a luta pela terra. Como já foi demonstrado, a estratégia com a Medida Provisória foi diminuir as ocupações de terra e, por conseguinte, a pressão para 15

O banco de dados da CPT é dinâmico, por isso os dados são constantemente atualizados. As informações publicadas nos cadernos são acrescidas e/ou corrigidas de acordo com documentos e informações que chegam ao setor de documentação mesmo após a publicação. Desta forma, os dados publicados neste trabalho podem diferir de outras publicações que tenham como base a CPT. Também os dados que utilizamos podem apresentar algumas diferenças porque, ao processá-los para o mapeamento, consideramos somente os referentes a municípios do IBGE, o que desconsiderou os poucos registros que são referenciados em localidades. 16 O total de conflitos no campo registrado em 2012 pela CPT foi de 1.364, com a participação de 648.515 pessoas na disputa por 13.181.570 hectares. Os dados da CPT mostram que em 2012 a violência contra os camponeses e trabalhadores rurais somou 36 assassinatos, 77 tentativas de assassinato, 295 ameaçados de morte, 10 mortos em consequência dos conflitos, 99 presos e 88 agredidos.

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a criação de novos assentamentos, o que de fato ocorreu. Ela conseguiu diminuir o número de ocupações de terra, desarticulando o conflito, porém sua publicação iniciou um processo de crescimento da violência direta contra os camponeses e trabalhadores rurais. Este crescimento foi acelerado, com o governo Lula, pela retomada das ocupações de terra e porque o governo, com a criação de assentamentos não reformadores, manteve a tendência reduzida de assentamento de famílias verificada logo após a publicação da MP 2109-52. Como representam os mapas da prancha 2, a violência no campo brasileiro coincide com regiões onde os movimentos socioterritoriais são mais atuantes (ocupações de terra). O leste do Pará e o norte do Maranhão configuram uma região de concentração da violência. Esta região é caracterizada pela grande população assentada, e, por fazer parte da fronteira agropecuária, o latifúndio aí também apresenta intenso processo de territorialização. Desta forma, o enfrentamento é mais evidente nesta região e, com a ausência do Estado, os camponeses e trabalhadores rurais são submetidos a toda sorte de violência e exploração por parte de fazendeiros, grandes posseiros e grileiros. Gráfico 3 – Assassinatos, ameaças de morte e tentativas de assassinato de camponeses e trabalhadores rurais – 1986-2006

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Prancha 2

Outra forma de violência contra o trabalhador rural brasileiro é a escravidão.17 Em sua forma contemporânea, a escravidão no campo brasileiro usa como principal instrumento de controle a dívida impagável e crescente, a coação física e psicológica, a apreensão de documentos e o isolamento geográfico. Os trabalhadores escravizados são aliciados em regiões distantes do local de trabalho. Não há caráter racial. A duração da escravidão do traba17

Sobre a escravidão contemporânea no campo brasileiro, ver o recente trabalho de Théry et al. (2012).

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lhador é indeterminada, mas geralmente temporária. Os trabalhadores são submetidos a longas jornadas de trabalho e a condições subumanas de alimentação, moradia e salubridade. O trabalho escravo é empregado principalmente em tarefas pesadas como o desmatamento, limpeza de pastos (arrancar tocos), produção de carvão e corte de cana. Optamos por não utilizar nenhum tipo de adjetivação à palavra escravidão, pois acreditamos que são formas de atenuar o impacto desta realidade inadmissível. Coação física e psicológica, cerceamento da liberdade e não recebimento pelo trabalho rea­ lizado são elementos suficientes para a caracterização de trabalho escravo. Em geral, os trabalhadores são aliciados nos estados do Nordeste e escravizados no Norte e Centro-Oeste. Os “gatos”, como são chamados os aliciadores, são responsáveis pelo recrutamento, transporte e “manutenção” dos trabalhadores. Esses aliciadores iludem os trabalhadores com propostas de bons salários, oportunidade de conhecer novos lugares e de poder fazer uma poupança para ajudar suas famílias. O próprio gato cuida de toda a viagem. Todas as despesas de transporte, alimentação e hospedagem “correm por sua conta” e são computadas no saldo dos trabalhadores como dívida. Por ser uma prática ilegal, começando pelo próprio transporte inadequado, o gato se associa a diversos agentes para facilitar o seu trabalho criminoso. Segundo Corrêa (1999), são exemplos desses agentes os gerentes e proprietários de hospedarias e os transportadores. A CPT e o MTE são as principais fontes de informações sobre o trabalho escravo no campo brasileiro. Frente às denúncias publicadas pela CPT, o MTE criou em 1995 o Grupo Especial de Fiscalização Móvel. O grupo móvel, com o auxílio da Polícia Federal, realiza inspeções em locais onde há denúncia de trabalho escravo. Quando há trabalho escravo os trabalhadores são libertados, são aplicadas multas e é efetuado o pagamento dos salários. Em seguida, eles são assistidos e encaminhados aos seus locais de origem. Entre 1986 e 2006, a CPT registrou denúncias em 368 municípios brasileiros que davam conta de cerca de 140 mil trabalhadores escravizados. Entre 1995 e 2006, o MTE fiscalizou denúncias em 195 municípios, onde libertou 21.222 trabalhadores escravizados.18 Como mostra o gráfico 4, a 18

Entre 1986 e 2012, a CPT registrou denúncias sobre 165.808 trabalhadores escravizados, sendo 2.952 em 2012. Já o MTE libertou, entre 1995 e 2012, 44.425 trabalhadores, dos quais 2.750 apenas em 2012.

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partir de 1996, ano seguinte ao início da fiscalização pelo MTE, o número de trabalhadores em denúncias à CPT diminuiu de forma significativa. Isso possivelmente pelo temor dos fazendeiros em cometer o crime e serem pegos, e pelo trabalho de comparação dos dados da CPT com os dados de fiscalização do MTE. Contudo, algumas denúncias recebidas pela CPT ainda ficaram sem fiscalização, e por isso os dados da CPT são sempre superiores aos do MTE, mesmo a partir de 1996. A comparação entre os dados entre 1996 e 2006 indica que o total de trabalhadores libertados pelo MTE representa 60% dos trabalhadores em denúncias à CPT. Embora nunca saibamos o número real de trabalhadores escravizados, os dados de denúncias são indicativos importantes da dimensão mínima desta prática no campo brasileiro. Gráfico 4 – Trabalho escravo no campo brasileiro – 1986-2006

O mapeamento das denúncias e dos trabalhadores liberados indica a ocorrência do crime em quase todas as unidades da federação, porém, como as demais violências, o leste do Pará concentra o maior número de casos. Os principais estados com a prática do trabalho escravo são Pará, Mato Grosso, Bahia, Maranhão, Tocantins, Goiás e Rondônia. As informações dos cadernos Conflitos no campo da CPT desde 1986 e os registros do MTE indicam

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que o trabalho escravo é utilizado principalmente em companhias siderúrgicas, carvoarias, mineradoras, madeireiras, usinas de álcool e açúcar, destilarias, empresas de colonização, garimpos, fazendas (para o desflorestamento e formação de pastagens), empresas de “reflorestamento”/celulose, agropecuárias, empresas relacionadas à produção de estanho, empresas de citros, olarias, cultura de café, produtoras de sementes de capim e seringais. Parte significativa dessas atividades é característica da fronteira agropecuária, o que explica a concentração territorial no Centro-Oeste e Norte do país. Os dados sobre a origem dos trabalhadores libertados pelo MTE indicam que 59% são naturais dos estados do Nordeste, e 18,2% dos estados do Norte. Entre os estados, 30% são naturais do Maranhão, 9,3% do Pará, 9,6% da Bahia, 8% do Tocantins, 7,3% do Piauí, 6,3% de Minas Gerais e 5,2% de Goiás. Prancha 3

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CONCLUSÕES

Como conclusão, apresentamos o mapa 14, elaborado a partir de uma interpretação de conjunto dos principais temas analisados no Atlas da questão agrária brasileira, de forma que contempla elementos além daqueles discutidos nesse artigo e, por isso, pode auxiliar o leitor em uma compreensão mais ampla das discussões aqui realizadas. O mapa apresenta as estruturas elementares da questão agrária brasileira e, com sua legenda, dispensa texto. Além do mapa 14, destacamos que as discussões teóricas e análises desenvolvidas no Atlas indicam que a promoção de um desenvolvimento amplo no Brasil passa pelo equacionamento dos problemas da questão agrária, que, juntamente com outros problemas estruturais do país, constituem a base da desigualdade e concentração socioterritorial que caracteriza o Brasil. A natureza estrutural dos problemas da questão agrária exige ações que vão além do desenvolvimento permitido pelo modelo capitalista neoliberal, adotado na política agrária brasileira. Desta forma, para o estabelecimento de um programa de desenvolvimento agrário no Brasil, é preciso reconhecer e centralizar as ações em dois elementos estruturais. A primeira premissa é reconhecer que a terra, por seu interesse social, se diferencia dos outros bens passíveis de apropriação privada. Ela constitui a base para a existência humana e, por isso, sua detenção (posse ou propriedade) só pode ser legitimada aos que façam cumprir o seu papel social. O uso da terra como reserva de valor para fins especulativos deve ser abolido, e o respeito ao cumprimento da função social deve ser determinante. Com a consolidação desta premissa, no Brasil, onde as terras subutilizadas ou não utilizadas perfazem milhões de hectares, o acesso à terra como um dos problemas da questão agrária deixaria de existir. A segunda premissa passa pelo reconhecimento do fato de que a agricultura camponesa permite o estabelecimento da função social da terra de forma mais adequada, pois a tem como local de vida, produção e reprodução social. Além disso, está comprovado que a agricultura camponesa é mais importante, pois produz a maior parte dos produtos agropecuários consumidos internamente e ainda contribui para a produção para exportação. Reconhecer a maior importância social da agricultura camponesa implica direcionar esforços para sua consolidação e expansão em detrimento do latifúndio e agronegócio. Só desta forma os problemas da questão agrária serão minimizados, e o desenvolvimento poderá realmente ocorrer com a minimização dos conflitos.

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Mapa 14

Todos os governos brasileiros ignoraram, por opção política, as indicações dos camponeses, trabalhadores rurais e estudiosos da questão que demonstram ser indispensável realizar a reforma agrária no país. Esta opção tem como objetivo manter as características estruturais de concentração de poder econômico e político, que constituíram sempre parte da base desses governos. O resultado é a continuação da exploração, violência e devastação ambiental que configuram a questão agrária brasileira, num quadro que se agrava. Além de a reforma agrária

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não ser realizada nas regiões já densamente ocupadas do país, uma outra frente de problemas é aberta na fronteira agropecuária em intensa expansão. A ocupação da Amazônia merece reflexão e ação destacada no contexto da questão agrária brasileira, pois até então só tem apresentado aspectos negativos. O espaço é produzido nessa região sem um planejamento efetivo voltado ao desenvolvimento social, e ele se configura como um espaço ainda mais desigual do restante do país. A adoção do agronegócio como sustentador da inserção do Brasil no capitalismo mundial é uma situação subordinada que implica o agravamento da questão agrária no país, pois prevê a territorialização constante deste sistema em detrimento da agricultura camponesa. Assim, na conjuntura atual, é nítido que a questão agrária se agrava a cada dia. Temos um processo inverso ao que consideramos adequado, pois os problemas no campo se agravam, e a realização da reforma agrária se torna cada vez mais conflituosa e, por isso, também mais importante para promover o desenvolvimento brasileiro. Referências bibliográficas

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Introdução ............................................................................................................................................................299 Metodologia .........................................................................................................................................................301 Organograma 1 ....................................................................................................................................................302 Dataluta Brasil Ocupações – 1988-2012 Tabela 1 – Brasil – Número de ocupações e de famílias por estado e macrorregiões – 1988-2012 ...................305 Gráfico 1 – Brasil – Número de ocupações – 1988-2012.....................................................................................306 Gráfico 2 – Brasil – Número de famílias em ocupações – 1988-2012 .................................................................306 Mapa 1 – Brasil – Geografia das ocupações de terra – 1988-2012 – número de ocupações .............................307 Mapa 2 – Brasil – Geografia das ocupações de terra – 1988-2012 – número de famílias ..................................308 Dataluta Brasil Ocupações 2012 Tabela 2 – Brasil – Número de ocupações e de famílias por estado e macrorregiões – 2012 ............................309 Mapa 3 – Brasil – Geografia das ocupações de terra – 2012 – número de ocupações ......................................310 Mapa 4 – Brasil – Geografia das ocupações de terra – 2012 – número de famílias............................................311 Dataluta Brasil Assentamentos Rurais 1979-2012 Tabela 3 – Brasil – Número de assentamentos rurais 1979-2012........................................................................312 Gráfico 3 – Brasil – Número de assentamentos rurais – assentamentos criados 1985-2012..............................313 Gráfico 4 – Brasil – Número de famílias assentadas – assentamentos criados 1985-2012 ................................313 Mapa 5 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 1979-2012 – número de assentamentos ...................314 Mapa 6 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 1979-2012 – número de famílias assentadas ...........315 Mapa 7 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 1979-2012 – área dos assentamentos ......................316 Dataluta Brasil Assentamentos Rurais 2012 Tabela 4 – Brasil – Número de assentamentos rurais 2012 .................................................................................317 Mapa 5 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 2012 – número de assentamentos ............................318 Mapa 6 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 2012 – número de famílias assentadas ....................319 Mapa 7 – Brasil – Geografia dos assentamentos rurais – 2012 – área dos assentamentos ...............................320 Dataluta Brasil – Estrutura fundiária 1992-1998-2003-2010-2011 Tabela 5 – Brasil – Mudanças da estrutura fundiária por classe de área – 1998-2003-2010-2011 e 2012 .........321 Tabela 6 – Brasil – Mudanças da estrutura fundiária por macrorregiões e estados – 1998-2003-2010-2011 e 2012...........................................................................................................321 Mapa 11 – Brasil – Índice de Gini da estrutura fundiária – 2012 ..........................................................................323 Dataluta Brasil – Movimentos socioterritoriais 2000-2012 Tabela 7 – Brasil – Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais por macrorregiões e Estados 2000-2012 ...................................................................................................................324 Tabela 8 – Brasil – Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais por macrorregiões e Estados 2012 ......................................................................................................................325 Quadro 1 – Brasil – Movimentos socioterritoriais e Estados onde atuaram – 2000-2012....................................326 Quadro 2 – Brasil – Movimentos socioterritoriais e Estados onde atuaram –2012 ..............................................327 Quadro 3 – Brasil – Número e nome dos movimentos socioterritoriais que realizaram ocupações por ano no período 2000-2012 .............................................................................................................................328 Gráfico 5 – Brasil – Número de unidades da federação(UF) onde os movimentos socioterritoriais realizaram ocupações no período 2000-2012 .............................................................................329 Gráfico 6 – Brasil – Evolução dos movimentos socioterritoriais 2000-2012.........................................................329 Gráfico 7 – Brasil – Relação dos movimentos socioterritoriais número de ocupações e número de famílias em ocupações – 2000-2012...............................................................................................................330 Gráfico 8 – Brasil – Número de famílias em ocupações – participação do MST e dos demais movimentos – 2000-2012..................................................................................................................330 Prancha 1 – Brasil – Geografia dos movimentos socioterritoriais – 2000-2012 – famílias em ocupações ..........331

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Dataluta Brasil – Manifestações do campo – 2000-2012 Tabela 9 – Brasil – Número de manifestações do campo por estados e macrorregiões – 2000-2011.................332 Gráfico 9 – Brasil – Manifestações do campo 2000-2012 – relação do número de manifestações e pessoas envolvidas............................................................................................................................................333 Mapa 12 – Brasil – Geografia das manifestações do campo – 2000-2012 – número de manifestações.............334 Mapa 13 – Brasil – Geografia das manifestações do campo – 2000-2012 – número de pessoas em manifestações por município............................................................................................................335 Prancha 2 – Brasil – Tipologia das manifestações do campo – número de manifestações 2000-2012...............336 Prancha 3 – Brasil – Tipologia das manifestações do campo – número de manifestações 2000-2012...............337 Prancha 4 – Brasil – Tipologia das manifestações do campo – número de manifestações 2000-2012...............338 Prancha 5 – Brasil – Tipologia das manifestações do campo – número de manifestações 2000-2012...............339

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INTRODUÇÃO

O Relatório Dataluta Brasil 2012 permite apreender o quadro geral das principais informações concernentes à luta pela terra no campo brasileiro. Sobre as ocupações de terra, no período entre 1988 e 2012, elas somam 8.789 e as famílias que participaram dessas ações totalizam 1.221.658. Como os mapas do período permitem visualizar, as ocupações estão concentradas no Centro-Sul e no Nordeste, o que também permaneceu para os casos verificados em 2012, ano em que ocorreram 253 ocupações de terras, das quais participaram 23.145 famílias. O gráfico 1 demonstra que a partir de 2010 há um pequeno crescimento no número de ocupações, indicando uma modesta retomada destas ações que vinham em uma crescente de 2004 até 2010. No ano de 2012, as unidades da federação com maior número de ocupações foram, em ordem decrescente, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Distrito Federal e Sergipe. O gráfico 3 representa a evolução anual do número de assentamentos criados e nele é claro o processo de forte e constante diminuição, a partir de 2006 até 2011, do número de assentamentos criados, sendo que em 2012 houve pequeno aumento em relação ao ano anterior, talvez resultado do aumento no número de ocupações. Fato é que nos anos de 2011 e 2012 o número de assentamentos criados chega a patamares comparáveis com o final da década de 1980 e início da década de 1990. Diferente das ocupações, os assentamentos estão distribuídos por todo o Brasil, mas o Nordeste e a Amazônia Legal são as principais regiões de concentração. Em 2012 a maior parte dos assentamentos foi criada nas regiões Norte e Nordeste. A estrutura fundiária brasileira tem apresentado constante crescimento da área e do número de imóveis rurais. Entre 1998 e 2012 a estrutura fundiária brasileira foi acrescida de 181,5 milhões de ha e entre 2011 e 2012 este aumento foi de 6,3 milhões de ha. Este aumento considera as propriedades e as posses. Diversos elementos poderiam ser elencados como possíveis explicadores deste crescimento, mas careceriam de uma análise muito detalhada. A estrutura fundiária brasileira continua crescendo a partir da incorporação concentrada de novas terras ao patrimônio particular. A área

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dos imóveis rurais do Acre aumentou 13,3%, com mais um milhão de ha. O Pará teve aumento de 2,4 milhões de ha, Mato Grosso de 1,5 milhão e Minas Gerais 1,2 milhões. Caso interessante é de Mato Grosso do Sul, que teve redução de 6 milhões de ha, talvez resultado da retomada de terras pelo Estado. Como pode ser visto no mapa 11, o índice de Gini predominante nos municípios brasileiros é médio e alto. Dentre os 116 movimentos socioterritoriais que realizaram ocupações de terra no Brasil entre 2000 e 2012, 23 realizaram ocupações em 2012, sendo que, em ordem de maior número de famílias que participaram de ocupações, o MST está em primeiro lugar, com a participação de 13.862 famílias; a Contag em segundo, com 1.053 famílias, e os movimentos indígenas em terceiro, com a participação de 816 famílias, sendo que os três têm sido os principais responsáveis por famílias em ocupações desde 2005. Sobre o local de ocorrência dessas ocupações, o MST é o mais territorializado, com ações em quase todos os estados. A Contag atua principalmente no Nordeste, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará. Os movimentos indígenas apresentam forte atuação em Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Sul da Bahia. Por fim, sobre as manifestações no campo, que constituem outras formas de luta e resistência dos camponeses que extrapolam as ocupações de terras, somam 7.610, com 4.972.340 pessoas envolvidas, entre 2000 e 2012. Em 2012 participaram de manifestações 436.748 pessoas, um número menor do que no ano anterior, embora em 2012 tenha ocorrido número superior de manifestações se comparado a 2011. Esta síntese geral demonstra que, apesar do movimento de diminuição das ações dos movimentos socioterritoriais, o campo brasileiro ainda apresenta significativa conflitualidade, retração da política de assentamentos rurais e estrutura fundiária concentrada e que cresce guardando esta característica estrutural e fundante dos problemas históricos do campo brasileiro. Boa leitura e que esses dados sirvam para a luta contra os problemas agrários no Brasil. Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi Coordenação Geral – Relatório Dataluta 2013

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METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos do Projeto Dataluta constituem-se em atividades de levantamento de dados, organização, confrontação, sistematização e análise. Por exemplo: os dados de ocupações de terras, manifestações e movimentos socioterritoriais utilizados neste relatório são levantados através de pesquisa secundária em diversos periódicos e instituições nos estados onde os grupos de pesquisas da Rede Dataluta estão situados. Realizamos pesquisas de campo para conhecer melhor as realidades e colóquios para debatê-las à luz dos referenciais teóricos e do nosso método de pesquisa. Reunimos dados de diferentes fontes, confrontamos e sistematizamos para disponibilizá-los e possibilitar novas análises através dos Relatórios Dataluta. A metodologia do Dataluta – Banco de Dados da Luta pela Terra é composta deste conjunto de procedimentos para sistematizar de forma rigorosa os dados de fontes primárias e secundárias e a sua organização no relatório nas escalas municipal, microrregional, estadual, macrorregional e nacional. As categorias são analisadas através dos conjuntos de dados. Nos Relatórios Dataluta trabalhamos com ocupações de terra, assentamentos rurais, movimentos socioterritoriais, estrutura fundiária e manifestações. Os registros dos dados de assentamentos rurais que são disponibilizados neste relatório são desde 1979; ocupações desde 1988; movimentos socioterritoriais e manifestações desde 2000 e os dados da estrutura fundiária são de: 1998, 2003, 2010, 2011 e 2012. Os dados de ocupações de terra, famílias e movimentos socioterritoriais são organizados a partir das seguintes fontes: Comissão Pastoral da Terra – CPT, Ouvidoria Agrária Nacional – OAN (de 2004 a 2009) e dos dados levantados de diários nacionais e regionais pelos grupos de pesquisa Nera, Lagea, Geolutas, Neag, Geca, Laberur, Occa, Getec e Labet. Os dados dos assentamentos rurais apresentados neste relatório são do Incra. Até o relatório 2011 os dados de assentamentos eram provenientes do Incra, da Fundação Itesp e da Anoter – Associação Nacional dos Órgãos Es-

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taduais de Terras, que eram adicionados e confrontados anualmente. Contudo, neste ano de 2013, foi realizada uma confrontação de todo o período de 1979 até 2012 e verificamos que o banco do Incra compreende todos os dados dos outros órgãos. Desta forma, tomar como referência os dados do Incra permite que possamos ter atualizada anualmente a situação dos assentamos no Brasil de maneira mais abrangente. Contudo, nesta confrontação detectamos também que nos estados de AL, BA, ES, GO, MG, MS, MT, PA, PE, PI, SC e TO, 115 assentamentos apresentados em relatórios de anos anteriores do Incra e que estavam no banco de dados do Dataluta não mais constavam no cadastro atualizado do Incra para o ano de 2012. Por isso, enquanto realizamos um estudo junto ao Incra para verificar o motivo da supressão desses dados, optamos por manter os 115 assentamentos na base de dados do Dataluta, apresentada neste relatório, bem como nos relatórios passados.Os dados da estrutura fundiária são do SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra, sendo apresentados os dos cinco últimos anos. A categoria manifestações é organizada a partir do levantamento da CPT e da Rede Dataluta. Todos dados são confrontados anualmente. A reunião, confrontação e sistematização desses dados formam o Banco de Dados Dataluta. No organograma 1 apresentamos as escalas e categorias de análise e as fontes que alimentam o Dataluta. Organograma 1 – Escalas, categorias e fontes do Dataluta

Os dados das respectivas fontes são coletados, digitados e organizados pelos pesquisadores dos grupos de pesquisa que constituem a Rede Dataluta. Os dados são sistematizados com os programas Microsoft Excel, Philcarto, originando tabelas, quadros, gráficos, pranchas e mapas, que compõem os relatórios. As possibilidades de análise são amplas e, dentre elas, destacamos

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as análises do tipo espacial, escalar, temporal, periódica, comparativa, confrontativa e temática. Este é um trabalho complexo. Realizar as confrontações de dados de diversas fontes e categorias implica em acompanhamentos periódicos e atua­lizações permanentes. Os ajustes metodológicos para aproveitar os dados de modo mais rigoroso possível resultam em diferenças nas publicações anuais. As conferências e confrontações possibilitam corrigir discrepâncias para completar dados e qualificar o Banco. Em alguns anos, por diversas razões, não conseguimos dados de uma determinada fonte. Por exemplo, a OAN não disponibilizou dados de ocupações de 2008, 2010, 2011 e 2012. Trata-se de um banco de dados dinâmico e que está em constante processo de aprimoramento. No tocante à categoria movimentos socioterritoriais, cabe ressaltar que na metodologia englobamos a Via Campesina como um dos movimentos existentes no Brasil, porém temos a compreensão de que suas ações estão mais voltadas no sentido de articulação dos movimentos socioterritoriais. Em relação à sistematização dos dados dos movimentos socioterritoriais, as ações empreendidas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) foram somadas às ocupações realizadas pelas Federações e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) filiados a estes dois movimentos. No caso da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), agregamos os sindicatos filiados a esta federação. Com isso, todas as federações e STRs foram substituídas: os STRs e federações filiados à CUT e Contag foram registrados como Contag e os STRs filiados à CUT e Fetraf foram registrados como Fetraf. As ocupações classificadas como Movimentos Indígenas são aquelas realizadas por grupos indígenas, mas isso não quer dizer que esses grupos formem um único movimento. Esta é apenas uma forma de classificação necessária para a sistematização dos dados. Com relação aos assentamentos, chamamos a atenção para a diferença entre a data de obtenção da terra e a data de criação dos assentamentos. As datas de obtenção e de criação dos assentamentos podem ser iguais ou diferentes. Isso significa que o assentamento pode ser criado no mesmo ano em que a área foi obtida pelo órgão público responsável, ou a criação pode acontecer depois da obtenção. Essas diferenças não comprometem as análises porque cada novo relatório apresenta os dados totais. Nos gráficos,

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tabelas e mapas de assentamentos utilizamos a data de criação para melhor representar os números do que foi efetivamente implantado em cada ano. Sobre os mapas, é necessário fazer uma importante observação: os círculos proporcionais dos mapas anuais são padronizados tendo como referência os círculos dos mapas do período para que sejam comparáveis, permitindo comparar visualmente o efetivo do ano em relação ao efetivo do período. Os mapas das pranchas também são comparáveis entre os da mesma prancha. Com estes procedimentos procuramos acompanhar tendências e mudanças da conjuntura da questão agrária brasileira. O Relatório Dataluta possibilita esta leitura. Boa pesquisa. Equipe da Rede Dataluta

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REFERÊNCIAS – REDE DATALUTA

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RAMALHO, Cristiane Barbosa. Impactos socioterritoriais dos assentamentos rurais no município de Mirante do Paranapanema-Região do Pontal do Paranapanema/SP. 2002. 144 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Unesp, Presidente Prudente. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013. RIBEIRO, Raphael Medina. Questão agrária e territórios em disputa: embates políticos entre agronegócio e agricultura camponesa/familiar – década de 2000. 2009. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia. Disponível em: < http://www. lagea.ig.ufu.br/biblioteca/dissertacoes/RaphaelMedinaRibeiro_UFU.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2013. RIVERO, Carlos Alfredo Vacaflores. La disputa territorial campesina: estudio en la región de San Agustin em Tarija – Bolivia. 2011. 185 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Unesp, Presidente Prudente. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013. 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RODRIGUES, Luanna Louyse Martins. A luta camponesa por terra na Paraíba: em busca da construção de território(s) de esperança. 2009. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia, DGEOC/UFPB, João Pessoa. SANTOS, Rafael de Oliveira Coelho. Estudo das políticas de obtenção dos assentamentos de reforma agrária no Brasil entre 1985 e 2009. 2010. 92 f. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Unesp, campus de Presidente Prudente. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/nera/monografia/mono_rubens_souza_2012.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2013. SOUZA, Luciana Carvalho. Políticas públicas, desenvolvimento agrário e desafios no pós-conquista da terra: a criação de assentamentos rurais no Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba (1986-2009). 2010. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013. SOUZA, Rubens dos Santos Romão de. A luta pela terra: repressão política aos movimentos socioterritoriais no Pontal do Paranapanema de 1990 a 2009. 2012. 129 f. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Unesp, Presidente Prudente. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013. SILVA, Danielle Fabiane da. Do sonho da terra ao pesadelo da dívida: o Programa Banco da Terra em Uberlândia (Assentamento Campo Brasil). 2011. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013. VIEIRA, Wesley Alves. Geografia dos conflitos agrários em Minas Gerais: reflexões a partir do Banco de Dados da Luta pela Terra – Dataluta. 2012. 128 f. Monografia (Bacharelado em Geografia). Curso de Graduação em Geografia. Universidade de Uberlândia, Uberlândia. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2013.

ARTIGOS E PUBLICAÇÕES EM PERIÓDICOS

CAMPOS, Natália Lorena, CLEPS Jr., João. Expansão canavieira e impactos socioespaciais da produção de agrocombustível no Triângulo Mineiro (1980-2012). Agrária, São Paulo, v. 1, p. 80-110, 2010. CARDOSO, Lucimeire de Fátima, CLEPS Jr., João. Alternativas e viabilidades da economia popular solidária em projeto de assentamento rural: avaliação da experiência do P.A. Fazenda Nova Tangará, Uberlândia (MG). Horizonte Científico, Uberlândia, v. 1, p. 1-21, 2008. CLEPS Jr., João. As ações dos movimentos sociais no campo em 2010. Conflitos no Campo Brasil, Goiânia, v. 1, p. 136-143, 2010. ________. Territorialização do Capital no Campo: a atualidade das lutas sociais e os impasses da Reforma Agrária no Brasil. Faz Ciência, Francisco Beltrão, v. 12, p. 55-72, 2010. ________. Concentração de poder no agronegócio e (des) territorialização: os impactos da expansão recente do capital sucroalcooleiro no Triângulo Mineiro. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 10, p. 249-264, 2009. ________; FERNANDES, Bernardo Mançano; RODRIGUES, Luciene. A Integração dos dados da luta pela terra como subsídio ao estudo sobre o desenvolvimento socioterritorial: Pesquisa Dataluta. Revista Desenvolvimento Social, Montes Claros, v. 3, p. 1-20, 2009.

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________ ; RAMALHO, Cristiane Barbosa; LIMA, Solange. Dataluta – Banco de Dados da Luta pela Terra. Revista Nera, Presidente Prudente, v. 3, p. 7-27, 2000. ________ . Formação e territorialização do MST no Pará. Cultura Vozes, Rio de Janeiro, v. 94, p. 3-18, 2000. ________ . Movimento social como categoria geográfica. Terra Livre, São Paulo, v. 15, p. 59-85, 2000. ________ . O MST e a luta pela reforma agrária no Brasil. Observatorio Social de América Latina, Buenos Aires, v. 2, p. 29-32, 2000. ________ . A construção de experiências de um professor pesquisador com o MST. Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 1, p. 111-118, 1999. ________ . Brasil: 500 anos de luta pela terra. Cultura Vozes, Rio de Janeiro, v. 93, 1999. ________ . Brésil: quelle réforme agraire? Diffusion de L’ information Sur L’amérique Latine, Presidente Prudente, v. 1, p. 1-5, 1999. ________. Ocupações de terra e políticas de assentamentos rurais. Lutas Sociais, Presidente Prudente, v. 1, p. 125-136, 1999. ________ . Que reforma agrária? Geo UERJ, Rio de Janeiro, v. 1, p. 7-15, 1999. ________ . Questões teórico-metodológicas da pesquisa geográfica em assentamentos de reforma agrária. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, v. 1, p. 83-129, 1999. ________ . A questão agrária no Estado de São Paulo. Agricultura Em Debate, v. 1, p. 17-20, 1998. ________ . A territorialização do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – Brasil. Revista Nera, Presidente Prudente, v. 1, p. 2-44, 1998. FREITAS, Ricardo L., CLEPS Jr., João. A territorialização do setor sucroenergético e o agrohidronegócio no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Revista Pegada Eletrônica, Presidente Prudente, v. 13, p. 77-100, 2012. GIRARDI, Eduardo Paulon; FERNANDES, Bernardo Mançano. Territoires de la question agraire brésilienne: agribusiness, paysant et amazonie. M@ppemonde (Online), Toulouse, v. 82, p. 1-10, 2006. GIRARDI, Eduardo Paulon; FERNANDES, Bernardo Mançano. Luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: a reforma agrária conservadora. Agrária, São Paulo, v. 8, p. 73-98, 2008. RIBEIRO, Raphael Medina, CLEPS Jr., J. Movimentos sociais rurais e a luta política frente ao modelo de desenvolvimento do agronegócio no Brasil. Campo-Território, Francisco Beltrão, v. 6, p. 75-112, 2011. SILVA, Anderson Antônio, FERNANDES, Bernardo Mançano. Ocupações de Terra – 20002005: movimentos socioterritoriais e espacialização da luta pela terra. Conflitos no Campo Brasil, Goiânia, v. 20, 2006. SILVA, Anderson Antônio; FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimentos Socioterritoriais e Luta pela Terra. Reforma Agrária, Campinas, v. 32, p. 85-106, 2005. SOUZA, Luciana Carvalho; CLEPS Jr., João. Análise Temporal das Políticas de Reforma Agrária: os impactos regionais na criação dos assentamentos rurais no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Horizonte Científico, Uberlândia, v. 5, p. 1-22, 2011. SOUZA, Luciana Carvalho; GONZAGA, Humberto; CLEPS Jr., João. Espacialização dos Assentamentos Rurais Criados no Período 1986 a 2007: perspectivas e desafios no pré e pós conquista da terra. Acta Geográfica, Boa Vista, p. 177-189, 2010.

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CAPÍTULOS DE LIVROS

CLEPS JR., João. Expressões da re-territorialização da reforma agrária no Brasil do século XXI: novas territorialidades e novos agentes sociais, in: MEDEIROS, Rosa Maria Viera de; FALCADE, Ivanira (orgs.). Expressões da Re-Territorialização do Campo Brasileiro. Porto Alegre-RS: Imprensa Livre/ Compasso Lugar-Cultura, 2013, p. 91-116. ________. Questão Agrária, Estado e Territórios em Disputa, in: SAQUET, Marcos Aurélio; SANTOS, Roseli Alves (orgs.). Geografia Agrária, território e desenvolvimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010, v. 1, p. 35-54. FERNANDES, Bernardo Mançano. A reforma agrária que Lula fez e a que pode ser feita, in: SADER, Emir. 10 anos de governos pó-neoliberais no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial: Flacso Brasil, 2013, p. 191-206. ________ ; CLEMENTS, Elizabeth. Agrongócio brasileiro em Moçambique, in: BERNARDES, Júlia Adão; SILVA, Cátia Antônia; ARRUZZO, Roberta Carvalho (orgs.). Espaço e energia: mudanças no paradigma sucroenergético. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013, v. 1, p. 156-173. ________ . Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial, in: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil, São Paulo: 2013, v. 7, p. 173-238. ________ . Questão Agrária no Brasil: políticas públicas, debate paradigmático e desenvolvimento territorial, in: PAES, Maria Terezinha Duarte; SILVA, Charlei Aparecido; MATIAS, Lindon Fonseca (orgs.). Geografia, políticas públicas e dinâmicas territoriais. Editora UFGD, 2013, v. 1, p. 78-87. ________ . Territorialidades, in: DI GIOVANI, Geraldo; NOGUEIRA, Marco Aurélio (orgs.). Dicionário de Políticas Públicas. São Paulo: Imprensa Oficial, 2013, v. 2, p. 504-507. ________. Acampamento, in: CALDART, Roseli; PEREIRA, Isabel; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012, v. 1, p. 21-25. ________ . Disputas territoriais entre movimentos camponeses e agronegócio, in: AYERBE, Luís Fernando. Territorialidades, conflitos e desafios à soberania estatal na América Latina. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2012, v. 1, p. 203-230. ________. MST, in: CALDART, Roseli; PEREIRA, Isabel; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio: Expressão Popular, 2012, v. 1, p. 496-500. ________ . Território camponês, in: CALDART, Roseli; PEREIRA, Isabel; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012, v. 1, p. 744-748. ________. Territorios, teoría y política, in: ARAGÓN, Georgina Calderón; HERNANDEZ, Efrín Leon. Descubriendo la espacialidad social desde la América Latina. México: Itaca, 2012, v. 1, p. 21-52. ________ . Via Campesina, in: CALDART, Roseli; PEREIRA, Isabel; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012, v. 1, p. 765-768. ________ . Assentamentos como territórios, in: SIMONETTI, Mirian Claudia Lourenção (org.). Assentamentos rurais e cidadania. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 177-186. ________ . Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Rural, in: COSTA, Auristela Afonso; BORGES, Elisabeth Maria de Fátima; SOUZA, Francilane Eulália de; SANTANNA, Tiago (orgs.). Práticas, desafios e proposições para uma educação do campo no município de Goiás. Goiânia: Editora Vieira, 2011, v. 1, p. 66-83.

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________ . La expansión del agronegócio y la expropriación del campesinado, in: ZIBECHI, Raul (org.). Universidad en Movimiento. Montevideo: Nordan Comunidad, 2011, v. 1, p. 57-63. ________ . Acerca de la tipología de los territórios, in: WALLENIUS, Carlos Rodrigues (org.). Defensa comunitaria del territorio en la zona central de México: enfoques teóricos y análisis de experiencias. Coyoacan: Juan Pablos, 2010, v. 1, p. 57-76. ________ . Formação e territorialização do MST no Brasil, in: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora da Unesp, 2010, p. 161-198. ________ . Movimentos sociais do campo, in: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia. (orgs.). Dicionário de Trabalho, Profissão e Condição Docente. Belo Horizonte: UFMG-FE, 2010. ________ . Questão Agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial, in: SPÓSITO, Eliseu Savério; SANT’ANNA, João Lima (orgs.). Uma Geografia em movimento. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2010, v. 1, p. 505-560. ________ . Réforme agraire et Mouvement des sans-terre sous les governement Lula, in: Le Brésil de Lula: un bilan contraste. Ed. Louvain: Syllepse, 2010, p. 105-122. ________. Agrarian issues in the Brazilian governments Cardoso and Lula: challlenges for agrarian geography, in: DELCOURT, L. (org.). Law and Social Sciences ed.Macau: University of Macau, 2009, p. 273-290. ________ . Agronegocio, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 60-62. ________ . Campesinato, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Espanha: Akal, 2009, v. 1, p. 259-261. ________ . Chiapas, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 283-285. ________ . Cuestión agrária, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 52-58. ________ . El Futuro del Movimiento de los pequeños agricultores, in: LIZÁRRAGA, Pílar; VACAFLORES, Carlos (orgs.). La Persistencia del Campesinado en América Latina. Tarija: Comunidad de Estudios Jaina, 2009, v. 1, p. 37-58. ________ . Ligas Campesinas, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 741-745. ________ . MST – Movimiento de los Sin Tierra, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 848-850. ________ . Reforma agrária, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 58-60. ________ . Reforma Agrária no governo Cardoso e no governo Lula: desafios da geografia agrária, in: MEDEIROS, Rosa Maria Vieira de; FALCADE, Ivanira (org.). Tradição versus Tecnologia ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009, p. 171-188. ________ . Sobre a Tipologia de Territórios, in: SAQUET, Marco Aurélio; SPÓSITO, Eliseu Savério (orgs.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009 ________. Territorio, teoría y política, in: VELÁSQUEZ, Fábio Lozano; MEDINA, Juan Guilhermo Ferro (org.). Las configuraciones de los territorios rurales en el siglo XXI. Bogotá. Editorial Pontificia Universidad Javeriana, 2009, p. 35-66. ________ . Via Campesina, in: SADER, Emir (org.). Latinoamericana – Enciclopedia Contemporánea de América Latina y el Caribe. Ed. Madri: Akal, 2009, v. 1, p. 1307-1309.

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________ . Conflitualidade e desenvolvimento territorial, in: BUAINAIN, Antônio Márcio (org.). Luta pela terra, reforma agrária e gestão de conflitos no Brasil. 1ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2008, v. 1, p. 173-224. ________ . Educação do Campo e território camponês no Brasil, in: SANTOS, Clarice Aparecida (org.). Campo, políticas públicas e educação. Brasília: Incra/MDA, 2008, v. 7, p. 39-66. ________ . Entrando nos territórios do Território, in: PAULINO, Eliane Tomiasi; FABRINI, João Edmilson (orgs.). Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 273-302. ________. La ocupación como una forma de acceso a la tierra en Brasil: una contribuición teórica y metodológica, in: MOYO, San; YEROS, Paris (orgs.). Recuperando la tierra: el resurgimiento de movimientos rurales en África, Ásia y América Latina. Ed. Buenos Aires: Clacso Libros, 2008, p. 335-358. ________ . Movimentos socioterritoriais no campo brasileiro: contribuição para leitura geográfica dos movimentos camponeses, in: OLIVEIRA, Marcio Piñon; COELHO, Maria Célia Nunes; CORREA, Aureanice de Mello (orgs.). O Brasil, a América Latina e o Mundo: espacialidades contemporâneas (II) ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008, p. 385-404. ________ . Reforma Agrária, in: BIAGINI, Hugo; ROIG, Arturo Andrés (orgs.). Diccionario del Pensamiento Alternativo. Buenos Aires: Biblos, 2008 ________ . Teoria e política agrária: subsídios para pensar a Educação do Campo, in: FOERSTE, ERISTEU; SCHULTS-FOERSTE, Margit; DUARTE, Gerda; SCHINEIDER, Laura Maria (orgs.). Por uma Educação do Campo. Espirito Santo: Universidade Federal do Espirito Santo, 2008, v. 6, p. 155-178. ________ . 27 anos do MST em luta pela terra, in: FERRANTE, Vera Lúcia Botta; WITHACKER, Duce Consuelo (orgs.). Reforma Agrária e Desenvolvimento: desafios e rumos da política de assentamentos rurais. Brasília: São Paulo: MDA: Uniara, 2008, p. 27-52. ________ ; FONSECA, Dagoberto José da; GIRARDI, Eduardo Paulon; SILVA, Anderson Antônio. A terra e os desterrados: o negro em movimento – um estudo das ocupações e assentamentos do MST, in: SANTOS, Renato Emerson (org.). Diversidade, espaço e relações étnicos raciais: o negro na geografia do Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. ________ . Formação e territorialização do MST no Brasil 1979 – 2005, in: MARAFON, Gláucio José; RUA, João; RIBEIRO, Miguel Ângelo (orgs.). Abordagens teórico-metodológicas em geogafia agrária. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007, v. 1, p. 139-168. ________. Agronegócio, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 54-55. ________ . Campesinato, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2006, v.1, p. 247-248. ________ . Chiapas, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 275-275. ________ . Ligas Camponesas, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 716-716. ________ . MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, in: Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 820-821. ________ . Os desafios da geografia agrária para explicar as políticas de reforma agrária nos governos Cardoso e Lula, in: SILVA, José Borzachiello; LIMA, Luís Cruz; ELIAS, Denise (orgs.). Panorama da geografia brasileira 1. São Paulo: Annablume, 2006, v. 1, p. 191-202. ________ . Questão Agrária, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 46-52.

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________ . Reforma Agrária, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 48-54. ________. Via Campesina, in: SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (orgs.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006, v. 1, p. 1266-1267. ________ . Espacialização da Luta pela Terra, in: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 197-198. ________ . Espacio, resistencia y lucha: la resistência de los campesinos sin tierra en Brasil, in: Ensayo brasileño contemporâneo. Havana: Ciencias Sociales, 2005, p. 229-250. ________ . Impactos Socioterritoriais da luta pela terra e a questão da reforma agrária: uma contribuição crítica à publicação A Qualidade dos Assentamentos de Reforma Agrária Brasileira, in: FRANÇA, Caio Galvão; SPAROVECK, Gerd (orgs.). Assentamentos em Debate. Brasília: Nead, 2005, v. 8, p. 113-132. ________ . O Fim do Campesinato? In: CARVALHO, Horácio Martins (org.). O Campesinato no Século XXI. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 23-26. ________ . Territorialização da Luta pela Terra, in: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 473-474. ________. The occupation as a form of access to land in Brazil: A theorical and methotological contribution, in: MOYO, San; YEROS, Paris (orgs.). Reclaiming the land: the resurgence of rural movements in Africa, Asia and Latin American. Claremont: Zed Books, 2005, v. 1, p. 317-340. ________ . Violência no Campo, in: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 496-497. ________ . La reforme agraire: l’espoir, in: ROLLAND, Denis; CHASSIN, Joellie (orgs.). Pour comprendre lê Brésil de Lula. Paris: L’Harmattan, 2004, v. 1, p. 143-150. ________ . 20 anos do MST e a perspectiva de reforma agrária no governo Lula, in: CARVALHO, Horácio Martins (org.). O campo no século XXI. São Paulo: Editora Casa Amarela; Editora Paz e Terra, 2004, p. 273-294. ________ ; LEAL, Gleisson Moreira; FAGUNDES, D. C.; MENEGUETTE, Arlete. Inserção sociopolítica e criminalização da luta pela terra; ocupações e assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema, in: BERGAMASCO, Sônia Maria; AUBREÉ, Marion; FERRANTE, Vara Lúcia Botta (orgs.). Dinâmicas familiar, produtiva e cultural nos assentamentos rurais de São Paulo. Campinas/Araraquara: Unicamp/Uniara, 2003, v. 1, p. 79-105. ________ ; GOMEZ, Jorge Montenegro. La Actualidad de la Cuestión Agraria en Brasil: nuevos y viejos conflictos en el medio rural brasileño, in: SERRANO, José Antonio Segrelles (org.). Agicultura y espacio rural en Latinoamérica y España. Madrid: Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación, 2002, p. 62-119. ________. O papel do MST na construção da democracia, in: MOLINA, Mônica Castagna; SOUZA Jr., José Geraldo de; TOURINHO NETO, Fernando da Costa (orgs.). Introdução Crítica ao Direito Agrário: o direito achado na rua. Brasília/São Paulo: Unversidade de Brasília/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, v. 3, p. 341-348. ________ . O MST mudando a questão Agrária, in: D’ INCAO, Maria Angêla (org.). Brasil não é mais aquele... Mudanças sociais após a redemocratização. São Paulo: Cortez, 2001, p. 237-246. ________ . O MST no contexto da formação camponesa no Brasil, in: STROZAKE, Juvelino José (org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, v. 1, p. 13-83. ________. A judicialização da luta pela reforma agrária, in: TAVARES DOS SANTOS, José Vicente (org.). Violência em tempo de globalização. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 388-402.

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________ . A questão agrária e sua nova configuração socioeconômica, política e territorial, in: EGLER, Cláudio; MIRANDA, Mariana; CASTRO, Iná Elias (orgs.). Redescobrindo o Brasil: 500 anos depois. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 223-232. ________. La territorialización del Movimiento de los Trabajadores Sin Tierra en Brazil, in: MAIA, Margarita Lopez (org.). Lucha Popular, Democracia, Neoliberalismo: Protesta Popular en América Latina en años de ajuste. Caracas: Nueva Sociedad, 1999, p. 73-110. ________ ; ARROYO, Miguel Gonzales. Por uma Educação do Campo, in: FERNANDES, Bernardo Mançano; ARROYO, Miguel Gonzales (orgs.) A Educação básica e o movimento social do campo. São Paulo: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, 1999, v. 2, p. 53-70. ________ . Espacialização e territorialização do MST, in: STEDILE, João Pedro (org.). A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 133-156. GIRARDI, Eduardo Paulon; FERNANDES, Bernardo Mançano. Geografia da conflitualidade no campo brasileiro, in: FERNANDES, Bernardo Mançano; MEDEIROS, Leonilde Sérvolo (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: a diversidade das formas das lutas no campo. São Paulo: Editora da Unesp, 2009, v. 2, p. 339-366. GOMES, Renata Mainenti, CLEPS Jr., João. Transformações no Mundo Rural e a Reforma Agrária em Minas Gerais: os movimentos socioterritoriais e a organização camponesa no Triângulo Mineiro, in: FEITOSA, Antonio Maurílio Alencar (org.). Debaixo da lona: tendências e desafios regionais da luta pela terra e da reforma agrária no Brasil. Goiânia: Ed. da UCG (Universidade Católica de Goiás), 2006, v. 1, p. 131-169. SILVA, Anderson Antônio; FERNANDES, Bernardo Mançano. Por que a luta pela terra no Pontal do Paranapanema interessa ao turismo, in: MORETI, Edvaldo César; THOMAZ, Rosângela Custódio Cortez; MARIANI, Milton Augusto Pasquotto (orgs.). O turismo rural e as territorialidades na perspectiva do campo e da cidade. Campo Grande: Editora UFMS, 2012, v. 1, p. 155-172.

LIVROS

FERNANDES, Bernardo Mançano; WELCH, Clifford Andrew; GONCALVES, Elienai Constantino. Gobernanza de la tierra en Brasil: Estudio geo-histórico de la gobernanza de la tierra en Brasil. Roma: International Land Coalition, 2012, v. 162. ________ ; WELCH, Clifford Andrew; GONCALVES, Elienai Constantino. Land Governance in Brazil: A geo-historical review of land governance in Brazil. Roma: International Land Coalition, 2012, v. 1. p. 60. ________ ; WELCH, Clifford Andrew; GONCALVES, Elienai Constantino. Políticas fundiárias no Brasil: uma análise geo-histórica da governança da terra no Brasil. Roma: International Land Coalition, 2012, v. 1. p. 62. ________ ; PORTELA, Fernando. Reforma agrária. São Paulo: Ática, 2004. ________ . Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p. 120. ________ . A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 1, p. 329. ________ . MST: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 285.

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POSFÁCIO

Quando começamos a planejar este livro, em 2008, a intenção era comemorar os dez anos de formação do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária- Nera. Agora vamos comemorar quinze anos. Dos três professores colaboradores que coordenaram o Nera, até 2003, eu fui o primeiro, apesar da práxis anteriormente estabelecida pelo professor Bernardo de ter ao menos um aluno da graduação atuando também como coordenador do grupo de pesquisa. Composto por aproximadamente 20 alunos da graduação, a maioria bolsistas de iniciação científica ou de projetos de extensão, o Nera tinha como tarefa fundamental o registro e a análise das ocupações de terras. Concomitantemente, existiam mais três categorias, como bem descritas neste livro: assentamentos rurais, movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária. Logo foi sendo organizado um banco de dados com recortes de jornais que serviriam como base de informações para as categorias de estudos e análises. Em 2010, a categoria manifestações passou a fazer parte das pesquisas do grupo. Os projetos dos bolsistas sempre estiveram vinculados a estas categorias, os quais, no final do ano, contribuem para a construção da principal atividade do grupo, o relatório anual Dataluta Brasil. Este trabalho iniciou abrangendo a escala nacional, e posteriormente passou a publicar versões especiais para outros estados e regiões. Há as edições sobre o estado de São Paulo e Pontal do Paranapanema, região do estado conhecida por ser um centro de conflitos agrários e, concidentemente, o local da sede do Nera no campus Unesp de Presidente Prudente. A demora na produção deste livro não precisa de explicação. Ao contrário, talvez seja o sucesso em produzir o livro que exija uma explicação. Faço essa afirmação porque o Nera tem tantas atividades que é mais surpreendente conseguir fazer o livro do que justificar a demora em o produzir. Além de todas as atividades acima descritas, o grupo também começou a produzir um boletim mensal, o Boletim Dataluta, bem como outros relatórios, projetos, artigos, monografias, dissertações e teses. No mesmo período, de 2008 a 2013, o número de pesquisadores matriculados na pós-graduação cresceu bastante. O Nera também participou da coordenação de um curso especial

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do Programa de Educação na Reforma Agrária (Pronera), com mais de 40 alunos formados em Geografia, no mês novembro de 2011 – licenciatura e bacharelado. Neste tempo, preparamos um projeto para estabelecer a Cátedra da Unesco em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial, que foi aprovado no final de 2009. Incansável, o professor Bernardo ainda criou um curso de mestrado em Geografia em 2011. Sua primeira turma, composta por 17 alunos, todos militantes da Via Campesina, se formarão no final de 2013 e início de 2014. Sei que são muitas outras atividades importantes, publicações, coordenações e construções que estou deixando fora deste resumo, como por exemplo a coordenação realizada pelo professor Bernardo do Grupo de Trabalho em Desenvolvimento Rural do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), a conclusão do seu pós-doutorado na Flórida (EUA) e a defesa da sua tese de livre-docência em outubro de 2013. Assim, com tantos projetos realizados, é a concretização deste livro que me parece milagrosa, não sua “tardada” elaboração. A publicação do livro exalta a contribuição que o projeto Dataluta representa. O Dataluta também atendeu uma demanda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que, por volta de 1996, percebeu a necessidade de ter uma fonte de informações confiável sobre suas próprias lutas e conquistas. Realizando na época a sua tese de doutorado e já exercendo o papel de professor na Unesp, o professor Bernardo construiu uma rede de fontes de dados e, paralelamente, desenvolveu práticas, metodologias e teorias para gerar, ordenar e apresentar dados sobre a luta pela terra no Brasil. Nunca contente, a equipe Nera avalia constantemente suas atividades no intuito de qualificar os processos de trabalho, as fontes, os dados, as tabelas, os mapas, as categorias, os relatórios, as publicações, enfim, todo o universo construído no decorrer destes 15 anos. Com um forte compromisso político-ideológico, todos os membros do Nera, sejam graduandos ou pós-graduandos, percebem como é especial colaborar com os movimentos socioterritoriais na produção de saberes comprometidos com a transformação da realidade. A ciência aplicada, os trabalhos de extensão articulados com os movimentos socioterritoriais, a orientação (e aprendizagem) com os militantes educandos, o engajamento com a realidade e a necessidade de interpretá-la constantemente, provoca e contagia a todos na vontade de colaborar com o Datauta.

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Posfácio

Como o Bernardo nos ensina, o conceito de território é central nesta luta. É isto que dá sentido aos paradigmas do “capitalismo agrário” e da “questão agrária,” repetidos pelos membros do grupo como um mantra. Sabemos que o mundo não se reduz à estas duas perspectivas, entre os protagonistas do “capitalismo agrário” e da “questão agrária.” Mesmo assim, a natureza dos conflitos pela terra, pela opinião pública, pelas políticas públicas, pelos recursos públicos, pela educação, transporte e justiça e na academia chamam a atenção diariamente para a luta desigual entre o agronegócio e a agricultura camponesa. Na categoria estrutura fundiária, por exemplo, podemos encontrar um placar do jogo dos processos de territorialização/desterritorialização/reterritorialzação: cada levantamento marca quantos ha de território ou o campesinato ou o agronegócio ganhou ou perdeu. No Nera, sabemos para quem torcemos, em qual lado estamos. Como historiador, abraçado pela Geografia 15 anos depois de me formar como doutor de História, o “território” é conceito chave para entender esta disciplina espacial. Costumo dizer que a história é um território, porque como espaço que vira território no momento que alguém o conquista, ela é produto de conflitos de interpretação, onde a concorrência acaba parcialmente com a predominância de uma versão. Assim, este livro é veículo de disputa do espaço das ideias. Ele reafirma o território dos saberes que destacam os benefícios da ocupação da terra pelos pequenos agricultores. Em escala mais prática, difunde as metodologias que poderiam ser adotadas e guarda em si o potencial de multiplicar um método de análise engajado com os movimentos populares. Finalmente, divulga conhecimentos sobre as categorias estudadas sistematicamente pelo Nera por mais que 15 anos, superando a sua proposta original. Em geral, digo que valeu a pena aguardar a finalização deste livro por mais cinco anos. Em 2008, a Rede Dataluta ainda não estava consolidada. A articulação com os grupos em Minas e Rio Grande do Sul não estava funcionando, muito menos em outras regiões, como no Nordeste. A potência multiplicadora ainda não estava consolidada no Brasil, nem fora do país, onde existem agora embriões da Dataluta em países como a Guatemala, Paraguai, Argentina e Uruguai. O momento histórico era outro, ainda com expectativas – certamente frustradas – sobre o avanço da reforma agrária no governo Lula. Hoje, o compromisso do Estado com a reforma agrária está em colapso, e a publicação deste livro, certamente, expressa não só a forte

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inquietação com a situação atual, como também a urgência sobre a retomada da luta. A evidência de transformação profunda de parte do território brasileiro está aí, documentada nos capítulos deste livro. Não tenho dúvidas de que o próximo livro Dataluta vai exigir ainda mais esforço para analisar os resultados de novas fases da luta pela terra. Clifford Andrew Welch, professor de História Universidade Federal de São Paulo

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