DE ANDRÉ, Clóvis. Processos de solmização …. In- I Simpósio Nacional de Musicologia e III Encontro de Musicologia Histórica, Pirenópolis, GO, 2011. Coordenação por Sônia Ray. Anais… p. 217-223.

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I SIMPÓSIO NACIONAL DE MUSICOLOGIA Escola de Música e Artes Cênicas da UFG

III ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA Centro de Estudos de Musicologia e Educação Musical da UFRJ

ANAIS ISSN 2236-3378

Pirenópolis, GO - 11 a 13 de maio de 2011 Realização: Programa de Pós-Graduação em Música da EMAC-UFG/Núcleo de Estudos Musicológicos da EMAC/UFG e Centro de Estudos de Musicologia e Educação Musical da UFRJ Local: Pirenópolis, GO - Auditório da UEG e Theatro de Pyrenópolis Informações: www.musica.ufg.br

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RepeRtóRiOS MedievaL e RenaSCentiSta Clóvis de André (Sta Marcelina - SP) Resumo: Os processos de solmização utilizados durante a Idade Média e Renascimento, que geraram o atual sofejo, serviram não apenas para viabilizar um primeiro contato do intérprete com as obras musicais, mas serviam também para entendimento das estruturas melódicas utilizadas na construção musical. A partir do estabelecimento da notação musical diastemática, esses processos serviram também como parâmetro (ou mesmo paradigmas) para que compositores elaborassem obras em função e intérpretes teriam utilizado em seus contatos com as partituras da época, o presente artigo apresentará os procedimentos mutatio, permutatio e transmutatio (utilizados na solmização desses períodos), de acordo com a evidência de presente nos textos históricos. : The solmization procedures applied in the Middle Ages and Renaissance, which produced the modern solfege, of melodic structures used in musical composition. As the diastematic musical notation became established, these procedures also served as parameters (even paradigms) for composers, in order to produce their musical works from the standpoint of solmization, thus allowing the performer a more imediate access to the piece. In order to introduce concepts which composers and performers would use to approach the musical manuscripts (or even printed music) of that time, this essay will present mutatio, permutatio, and transmutatio (used for solmization in these epochs), in light of the evidence extant in historical texts. Keywords

começou a prevalecer um processo de transmissão (precursora do atual solfejo, mas ainda dependente de transmissão oral prévia) frequentemente descrito pelo termo solmização (do latim solmisatio) e estruturado com base em hexacordes propostos Guido d’Arezzo (cf. AFFLIGEMENSIS, ca. 1100, cap. 1; BERGER, 1987, com o uso de uma notação neumática diastemática), os processos de leitura foram utilizados não apenas para entendimento da partitura e suas estruturas melódicas (promovendo a transmissão de uma obra musical sem a necessidade de oralidade prévia), mas também como recurso adicional para a própria elaboração composicional (tanto monofônica quanto polifônica). Processos de transmissão musical e de entendimento estrutural (semelhantes à solmização guidoniana) antecedem o próprio surgimento da notação musical ocidental. Na Grécia antiga, as alturas em diferentes Sistemas de alturas (os chamados sistemas perfeitos: grande, pequeno, e misto ou imutável). como tetracordes, dos quais o mais comum era o tetracorde diatonicum tenso

baseado em pequenos conjuntos de quatro sílabas baseados na série no-e-a-ne, com derivações apropriadas que serviam como fórmulas de entonação diferentes para cada modo (ou echos, na nomenclatura bizantina) Anais do ...

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Dentre essas fórmulas (ou gestos melódicos), que foram associadas a três diferentes funções (inicial, desenvolvimento, cadencial), as mais características de um particular modo normalmente delineavam ou se A partir dessa associação entre conjuntos de sílabas e estruturas intervalares que caracterizavam os modos, diversos autores (como os autores anônimos dos chamados “tratados enchiriadis”, além de Hucbald e Guido) formularam possibilidades de solmização para o repertório Medieval (cf. BABB, 1978, p. 6-8; ERICKSON, 1995, p. xxxix-xl, xlvii-li; PESCE, 1999, p. 17-29). No caso de Guido d’Arezzo, ele procurou transmitir com mais precisão as estruturas básicas do repertório de sua época, com um conjunto de sílabas que servisse para representar os gestos melódicos mais comumente utilizados no cantochão, muitos deles utilizando ou delineando âmbitos maiores que apenas um tetracorde. Guido observou a coleção de alturas que explicava os elementos básicos do repertório musical da época e que (derivada do Sistema Imutável grego) abrangia de G) até dd (equivalente ao moderno ), conforme a descrição e extensão apresentadas em seu primeiro trabalho intitulado Micrologus (ca. 1026-28, cap. 1-3) – ver Ex. 1.1 Os 7 hexacOrdes guidOnianOs e a nOmenclatura alfabética medieval-r enascentista

nOmenclatura alfabética mOderna

Ex. 1 – Sistema de alturas (nomenclatura antiga e nomenclatura moderna) tNeste texto, as letras individuais em negrito representam alturas segundo a nomenclatura moderna (posicionada abaixo da pauta na Ex. 1), enquanto as letras regulares representam alturas segundo a nomenclatura Medieval-Renascentista (posicionada acima da pauta na Ex. 1). As sílabas ut, re, mi, fa, sol, la são apresentadas em itálico, mas não representam denominações de alturas, pois são utilizadas apenas como sílabas próprias à solmização guidoniana. Na Idade Média, o mapeamento das alturas utilizadas no repertório (com base vocal) foi o resultado de um longo processo de transmissão acadêmica originado na teoria grega (esp. através do Sistema Imutável ou Sistema Perfeito Misto, com âmbito descendente abrangendo desde o nete hyperbolaion [a’] até o proslambanomenos [a Dialogus de Musica presença da altura denominada (gama maiúscula, do alfabeto grego, posicionada um tom abaixo do proslambanomenos), além de ser considerado o primeiro documento a estabelecer sistematicamente a nomenclatura alfabética para as alturas. Nessa nomen1

base na sequência de A até G, repetida a cada oitava com variações de maiúsculas, minúsculas e dobramento de minúsculas. No Micrologus (D’AREZZO, ca. 1026-28, cap. 1-3) expandiu esse sistema até dd ( – uma ) é um produto (no plano da musica speculativa) da necessidade de inclusão plena do último hexacorde iniciando em g (g’) e (no plano da musica practica) das necessidades imediatas de suprir explicações para a presença dessa altura no repertório. Anais do ...

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Epistola ad Michahelem (ca. 1032), Guido propôs a utilização de uma estrutura mais ampla (dentro dos limites apresentados anteriormente para o Sistema de alturas): ut - re - mi - fa - sol - la (extraídas da primeira sílaba de cada semi-verso do Hino a São João, primeira estrofe).2 Cada sílaba era, em si mesma, o início de um gesto mélodico (daquele semi-verso) que caracterizava o modo (protus plagalis) utilizado no desenvolvimento daquela melodia, sendo cada gesto iniciado numa altura localizada a um intervalo de 2ª acima da nota inicial do semi-verso anterior. Dentro desse sistema, poderiam com a denominação durum (iniciados em , G, g), pois continham a variedade de B denominada b-durum (ou b-quadratum, equivalente ao moderno ); (ii) dois hexacordes com a denominação mollis (iniciados em F, f), pois continham a variedade da altura B denominada b-mollis (ou b-rotundum, equivalente ao moderno ); (iii) dois hexacordes com a denominação naturalis (iniciados em C, c), que não continham nenhuma das variedades de B. A partir desse sistema de hexacordes, o executante poderia reconhecer diferentes gestos ou fórmulas melódicas, habilitado a percorrer toda a tessitura de alturas da música, passando de uma hexacorde a outro quando necessário, servindo-se de um processo denominado mutação (que pode ser considerado semelhante ao conceito moderno de modulação). De fato, não havia um único tipo de mutação, entendida e teorizada como um processo que se desdobrava em pelo menos três procedimentos básicos (além de algumas variedades internas): mutatio; permutatio; transmutatio – os termos em latim são utilizados aqui para desdobramentos.

Ex. 2 – Mutatio explítica e implícita (GUERSON, ca. 1495, cap. 3, f. b iiiir; transcrição minha, sílabas em negrito provém do original)

tO título Epistola ad Michahelem é adotado aqui com base no trabalho de Dolores Pesce (1999, p. 438-531), em substituição ao título Epistola de ignoto cantu, vigente na literatura musicológica anterior. 2

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A mutatio pode ser descrita como um procedimento de passagem de um hexacorde a outro, através de uma ou mais alturas comuns entre os dois hexacordes. Quando uma nota comum entre os hexacordes é repetida consecutivamente, a mutatio é dita explícita, sendo mais facilmente realizável, pois o executante pode pronunciar (ou dispender tempo para pensar) as sílabas dos dois hexacordes individualemnte. Há, porém, a variedade de mutatio dita implícita, em que não há repetição da altura, sendo necessário que o executante considere a sílaba de um hexacorde, mas cante (ou mentalmente entoe) a sílaba do outro hexacorde. Esses casos ocorrem no Ex. 2, em que a primeira e a quarta mutationes são do tipo explícita, enquanto a segunda e terceira mutationes são do tipo implítica – o exemplo é uma transcrição de (GUERSON, 1495, cap. 3, f. b iiiir), com o original reproduzido no Ex. 3.

Ex. 3 – Facsímile de ilustração sobre mutatio (GUERSON, ca. 1495, cap. 3, f. b iiiir)

A permutatio, por outro lado, é um procedimento que deve ser realizado quando não há notas comuns envolve algum nível de cromatismo ou algum salto envolvendo o trítono, sendo normalmente evitada pela permutatio Lucidarium, de Marchetto da Padova (1317/18, tr. 8, cap. 1; cf. tradução HERLINGER, 1985, p. 371), mas encontrou oposições diversas à sua utilização por compositores durante o Renascimento, como atestam trabalhos de Franchinus Gaffurius (1496, liber 1, cap. 4, f. aviijv) e de Heinrich Glarean (1516, cap. 3). permutatio em seus trabalhos, como foi o caso de Bartolomé Ramos de Pareja (1482, pt. 1, tr. 2, ch. 4, 31–34) e Georg Rhau (1517, cap. 1, f. B [viiijv]; cap. 2, f. C iv; cap. 3, f. C iiijr-vr), ou mesmo Prosdocimus de Beldemandis (1413-25/28, cap. 4), tradicional opositor de Marchetto. O Ex. 4 mostra a permutatio da Padova em uma situação polifônica. Na primeira parte do exemplo, a voz do inferior realiza apenas gestos melódicos dentro do hexacorde de C, enquanto a voz superior passa do hexacorde de F para o hexacorde de G, depois retorna ao hexacorde de F, ambas as passagens por permutatio. Na segunda parte do exemplo, as passagens por permutatio da voz superior são do hexacorde de A para o hexacorde de G, depois voltanto ao hexacorde de A. Esse segundo exemplo, mostra ainda a execução de um hexacorde não previsto no sistema de alturas de Guido, que pode então ser chamado de -hexacorde (i.e., hexacorde pertencente à chama musica ). Anais do ...

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Ex. 4 – Permutatio cromática (DA PADOVA, 1317/18, tr. 8, cap. 1; transcrição e solmização minhas)

A transmutatio “una nota super la semper est canendum fa” (“uma [única] nota acima de la sempre deve ser cantada fa”). Embora seja considerado que essa frase teve uso pedagógico no Renascimento, não há nenhuma fonte ou texto histórico que a manifeste com essas palavras até o sua aparição no Tratado III de Syntagma musicum (1619), de Michael Praetorius, na versão “unicâ notulâ ascendente super la, semper canendum esse fa” (PRAETORIUS, 1619, parte 2, cap. 3, p. 31). As asserções Renascentistas, nenhuma com o apelo da rima que sugira um uso pedagógico sistemático, utilizam outras palavras, sem estabelecer uma espécie de regra, inclusive sugerindo a possibilidade de utilização desse procedimento para uma ocorrência não apenas superior (acima de la), mas também inferior, em que uma nota é articulada abaixo do ut (cf. DA PADOVA, 1317/18, tr. 5, cap. 2, 6; GALLICUS, 1458/64, parte 2, liber 2-3; GUILLAUD, 1554, tr. 1, cap. 5, f. A iiijr; FINCK, 1556, liber 1, f. Fir). O termo transmutatio Michael Long. Esse procedimento serve, portanto, para indicar casos em que apenas uma nota ultrapassa o ambitus do hexacorde, retornando a ele em seguida e, normalmente à mesma nota do hexacorde, caracterizandose assim uma espécie de ornamento, sem abandono do gesto melódico desenvolvido pelo hexacorde. Essa Ritus Canendi de Johannes Gallicus.

Ex. 5 – Transmutatio superior (GALLICUS, 1458/64, parte 2, liber 2; transcrição minha; todas as sílabas provém do original)

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AFFLIGEMENSIS, Johannes.

. ca. 1100. (Transcrição. Disponível em:
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