De frente para o futuro. O Conceito de nação nos processos de independência hispano-americana

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Série

História

Dimensões

do Poder História, Política e Relações Internacionais

Marçal de Menezes Paredes, Leandro Pereira Gonçalves Luciano Aronne de Abreu e Helder Gordim da Silveira Organizadores

Porto Alegre, 2015

Su á

prefácio ............................................................................................................................... 7 apresentação ................................................................................................................... 9 A fronteira no centro .................................................................................................. 13 Rui Cunha Martins

De frente para o futuro. O Conceito de nação nos processos de independência hispano-americana ..................................................................... 29 Fabio Wasserman

Nas origens do nacionalismo político da I República Portuguesa: o projeto da “nacionalização do Estado” e o debate jurídico e político em torno da conceção da soberania e do modelo de representação política .......................... 63 Paula Borges Santos

Nacionalismos e política externa portuguesa no pós-25 de Abril...................... 81 José Pedro Zúquete

Nacionalismos e Impérios: o caso da Itália fascista .............................................. 97 João Fábio Bertonha

A década de 20 e a gênese das ideias autoritárias no Brasil: o jovem Francisco Campos ...................................................................................... 115 Cláudia Maria Ribeiro Viscardi

Padrões e tendências das relações internacionais do Brasil em perspectiva histórica: uma síntese tentativa ................................................. 135 Paulo Roberto de Almeida

A Questão do Acre nas Caricaturas dos Jornais Cariocas (1903-1904) .......... 165 Luís Cláudio Villafañe G. Santos

sobre os autores........................................................................................................ 189

e frente para o futuro. O Conceito de nação nos processos de independência hispano-americana1 Fabio Wasserman Instituto Ravignani Conicet – Universidade de Buenos Aires

Introdução Basta examinar o catálogo de qualquer biblioteca especializada na América Latina para perceber que a nação, a questão nacional ou Estado nacional, são algumas das temáticas mais investigadas pela historiografia, a ensaística, a crítica literária e as ciências sociais. Não se trata de um interesse casual, uma vez que considera a nação como um dos eixos articuladores da experiência histórica continental nos dois últimos séculos. A atribuição desta centralidade é compartilhada por autores das mais variadas correntes e posições ideológicas, teóricas e epistemológicas, razão pela qual também são diversos os problemas suscitados e as abordagens utilizadas para dar conta da nação. O que é notável é que, apesar desta diversidade, na maioria dessas indagações prevalece uma visão essencialista e teleológica que, tributária do princípio das nacionalidades difundido pelo romantismo, deu forma às histórias escritas a partir da segunda metade do século XIX. Essas histórias, assim como grande parte da historiografia e da ensaística do século XX, compartilham um pressuposto fundamental que calou fundo em nossas sociedades, como se pôde constatar nas recentes comemorações dos bicentenários das revoluções hispano-americanas que proclamaram as independências no primeiro quarto do século XIX: considerar que esses processos Este texto é uma tradução com pequenas variações do meu artigo “La nación como concepto fundamental en los procesos de independencia hispanoamericana (1780-1830)”, em Gilberto Loaiza Cano e Humberto Quiceno (coord.), Aproximaciones al concepto de nación (Colombia, siglo XIX), Cali, Universidad del Valle, 2014. 1

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foram protagonizados por nacionalidades preexistentes ou, em todo caso, por atores com consciência ou interesses nacionais que pretendiam acabar com o jugo colonial para poder constituir os atuais Estados nacionais. Nos últimos anos a historiografia questionou estas interpretações ao promover uma profunda revisão tanto das revoluções de independência como do vínculo que se estabelecia entre estas e a nação. Com efeito, colocar em primeiro plano a crise monárquica como justificativa para o início do processo revolucionário de um lado e outro do Atlântico (a revolução liberal na Espanha e a independentista na América), levou a questionar a existência dessas nações ou nacionalidades e a estabelecer outras formas de conceber as comunidades políticas, fossem cidades, províncias ou reinos2 . Basta recordar que a maioria das declarações de independência foram feitas em nome de entidades que não coincidiam com as nações atuais, e que o mesmo pode ser dito em relação aos primeiros congressos, que não as representavam nem necesariamente promoveram sua criação. Mas não se trata apenas de uma diferença no que se refere ao alcance territorial ou a sua denominação, que são talvez as questões que primeiro chamam a atenção, mas principalmente aos seus fundamentos e aos seus componentes sociais e políticos. Isso não deveria surpreendernos, já que nessa época eram inconcebíveis nossas ideias sobre nação, nacionalidade e o Estado nacional. No entanto, isso não significa de modo algum que nessa época não existisse o conceito de nação ou que este não tivesse nenhum importância. Muito pelo contrário, se considerarmos as revoluções de independência em um intervalo de tempo maior, se poderia muito bem argumentar que o conceito teve um papel decisivo no proceso de transição entre colônia e república. Neste texto pretendo desenvolver esta afirmação tomando como objeto de análise os usos e significados do conceito de nação na América Hispânica entre 1780 y 18303 . Este propósito o distingue de grande parte dos estudos

É impossível fazer uma lista ainda que breve dos trabalhos dedicados a estes temas, portanto me permito citar uma obra coletiva onde se definiram algumas das linhas que renovaram os enfoques sobre a história do período: Antonio Annino e François-Xavier Guerra, coords., Inventando la nación. Iberoamérica. Siglo XIX, (México: Fondo de Cultura Económica, 2003) 2

Para tanto, retomo e reformulo um trabalho realizado no marco de um projeto de história conceitual ibero-americana: Fabio Wasserman, “El concepto de nación y las transformaciones del orden político en Iberoamérica (1750-1850)”, em Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, 45 (2008): 197-220, também publicado em Javier Fernández Sebastián dir., Diccionario político y social del mundo iberoamericano. La era de las revoluciones, 1750-1850 [Iberconceptos-I] (Madrid: Fundación Carolina – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales – Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales, 2009), 851-869 [http://www.iberconceptos.net/wp-content/uploads/2012/10/DPSMII-bloque-NACION.pdf]. O trabalho original reuniu contribuições de José María Portillo Valdés (Espanha); Hans-Joachim König (Nueva Granada/Colômbia); Elisa Cárdenas (México); Isabel Torres Dujisin (Chile); Marcel Velázquez Castro (Peru); Marco Antônio Pamplona (Brasil); Sérgio Campos Matos (Portugal); Véronique Hébrard (Venezuela); Nora Souto e Fabio Wasserman (Río de la Plata/Argentina). Cabe salientar que todas as afirmações são de minha inteira responsabilidade. 3

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sobre as nações que enfocam os nacionalismos e os processos de formação e consolidação dos Estados nacionais4 . As principais divergências têm origem no objeto de estudo e no enfoque utilizado, pois muitos desses trabalhos partem de definições apriorísticas sobre o que é uma nação, seja por ter um caráter normativo como por utilizá-la como categoria de análise, enquanto minha intenção é esclarecer os conceitos de nação que os atores da época tinham e como estes delimitavam, ordenavam ou orientavam cursos de ação possíveis. Para tanto, e seguindo algumas das diretrizes desenvolvidas pela história conceitual, considerarei a função referencial do conceito como indicador e modelador de estados de coisas, experiências e expectativas, mas também como um fator do movimento histórico. Minha hipótese é que ao longo desses anos nação foi se constituindo em um “conceito histórico fundamental”, isto é, aquele que, “em combinação com dezenas de outros conceitos de similar importância, direciona e informa inteiramente o conteúdo político e social de uma língua”, atuando como “conceitos-guia do movimento histórico”5 . Antes de iniciar a análise gostaria de fazer alguns esclarecimentos que permitirão calibrar os alcances e os limites do trabalho. O primeiro é que, embora o sentido dos conceitos não possa ser captado plenamente quando são examinados de forma isolada, já que formam parte de uma trama conceitual e discursiva, por razões de espaço e de clareza expositiva concentrei-me em nação e farei apenas breves alusões a outros com os quais estava vinculado6 . O segundo é que me restrinjo às elites pois são escassos os estudos sobre as classes subalternas que utilizam uma perspectiva conceitual e que poderiam ser aproveitados em um trabalho de síntese como este. O terceiro é que também incluí a Espanha, pois a história da metrópole e suas colônias estava estreitamente inter-relacionada, além de compartilhar o mesmo universo político e Uma revisão dos diversos enfoques e teorias de Gil Delanoi e Pierre-André Taguieff comps., Teorías del nacionalismo (Barcelona: Paidós,1993) e Anthony D. Smith, The Nation in History. Historiographical Debates about Ethnicity and Nationalism (Hanover: University Press of New England, 2000). Para Iberoamérica Hans-Joachim König “Nacionalismo y Nación en la historia de Iberoamérica”, Cuadernos de Historia Latinoamericana nº 8 (2000): 7-47 e Tomás Pérez Vejo “La construcción de las naciones como problema historiográfico: el caso del mundo hispánico”, Historia Mexicana, LIII, 2 (2003): 275-311. 4

Reinhart Koselleck, “Historia de los conceptos y conceptos de historia”, Ayer 53 (1) (2004): 35; “Un texto fundacional de Reinhart Koselleck. Introducción al Diccionario histórico de conceptos político-sociales básicos en lengua alemana”, Anthropos 223 (2009): 93. 5

6 Daí o valor de projetos como Iberconceptos, que permitiu desenvolver um estudo comparativo de alcance ibero-americano no qual foi tratado sistematicamente um conjunto de conceitos fundamentais. No volume I, já citado na nota 3, foram analisados América, Cidadão, Constituição, Federalismo, História, Liberalismo, Nação, Opinião Pública, Povo e República. O volume II, que também incorporou equipes com trabalhos sobre o Uruguai, América Central, Caribe e Antilhas Hispânicas, inclui estudos sobre Civilização, Democracia, Estado, Independência, Liberdade, Ordem, Partido, Pátria, Revolução e Soberania. Javier Fernández Sebastián dir., Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Conceptos políticos en la era de las independencias, 1770-1870 [Iberconceptos II] (Madri, Centro de Estudos Políticos e Constitucionais e Universidade do País Basco: 2014).

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cultural. O quarto é que devido ao tratamento muito desigual do ponto de vista conceitual que diferentes espaços, momentos e atores mereceram, é inevitável que alguns casos recebam melhor tratamento do que outros.O leitor observará, por exemplo, que não há nenhuma referência sobre a América Central e as Antilhas, enquanto que outras áreas como México, Colômbia e Rio da Prata, e em especial suas cidades mais importantes, podem estar ou parecer super-representadas. A fim de mitigar este déficit, procurei que os exemplos citados fossem o mais representativos possível, independente de quem tenham sido seus autores.



U a pluralidade de significados: a palavra nação no século XVIII A linha metodológica que conduz esta pesquisa sustenta que os conceitos se caracterizam por sua polissemia, pois para ser considerados como tal devem reunir vários conteúdos significativos, seja no que se refere a experiências, estados de coisas ou expectativas. Desse modo, e ao contrário das palavras que podem ter significados diversos mas definíveis de forma mais ou menos inequívoca, os conceitos somente podem ser apreendidos através de uma interpretação histórica e linguística que recomponha essa diversidade de forma sincrônica e diacrônica7. No entanto, ainda que os conceitos não se limitem aos termos que costumam designá-los, pode ser útil iniciar sua análise recorrendo a uma aproximação lexicográfica que permita dar conta de suas definições. A esse respeito cabe salientar que em meados do século XVIII a palavra nação tinha acepções diferentes e, portanto, seus usos também eram diversos. Em primeiro lugar, e como assinalava o Dicionário da Real Academia Espanhola, o termo era empregado como sinônimo do ato de nascer, por isso poderia ter um significado aproximado ao de ser “cego de nascença”. Ainda mais importante foi seu uso para explicar a origen ou o local de nascimento de pessoas ou grupos, como se fazia na Baixa Idade Média para distinguir membros das ligas universitárias, mercantis ou conciliares8 . É por isso que

A principal referência é a obra de Reinhart Koselleck. Além dos textos citados na nota 5, pode ser consultado Futuro pasado. Para una semántica de los tiempos históricos (Barcelona: Paidós, 1993). 7

Uma síntese dos significados e usos pré-modernos do termo em Alessandro Campi, Nación. Léxico de Política (Buenos Aires: Nueva Visión, 2006); Aira Kemiläinen, Nationalism. Problems Concerning the Word, the Concept and Classification (Jyväskylä: Kustantajat Publishers, 1964); José Andrés Gallego “Los tres conceptos de nación en el mundo hispano”, em Cinta Cantarela ed., Nación y constitución: De la Ilustración al liberalismo (Sevilla: Universidad Pablo de Olavide y Sociedad Española de Estudios del Siglo XVIII, 2006), 123-146. 8

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nesse mesmo dicionário se acrescia esta outra definição cujo uso social estaba muito difundido: “A coleção dos habitantes de uma Província, País ou Reino”9 . Em segundo lugar, e como também assinalava esse dicionário, a palavra nação poderia assumir um caráter mais impreciso ao ser empregada como sinônimo de estrangeiro sem precisar explicitar sua origem ou procedência. Outro dicionário dava o seguinte exemplo desse uso: “As pessoas humildes de Madri chamam nação a qualquer um que seja de fora da Espanha, assim, ao ver uma pessoa loira dizem, por exemplo, se parece nação”10. Foi empregado do mesmo modo pelos comuneiros neogranadinos ao expressar seu repúdio às reformas borbônicas que limitavam o acesso dos nativos a cargos hierárquicos. O pasquim conhecido como Salud, Señor Regente, que circulou em Nova Granada durante 1781, afirmava que “se estes domínios têm seus próprios donos, senhores nativos, por que motivo vêm governar-nos malditos estrangeiros de outras regiões”11. Em terceiro lugar, a palavra nação era empregada para designar populações que compartilhavam traços físicos ou culturais como língua, religião e costumes. Este uso tendia a sobrepor-se aos anteriores, supondo-se que aqueles que tinham a mesma origem também deveriam partilhar algumas características capazes de distingui-los. Desta perspectiva, nação poderia remeter a uma ampla gama de referências. Seguindo uma antiga tradição, utilizava-se a mesma para designar povos considerados por sua alteridade, fossem bárbaros, gentios, pagãos ou idólatras. Mas também poderia referir-se a uma comunidade que se distinguisse por determinadas características que não expressassem necessariamente uma distância tão radical. Félix de Azara, um funcionário enviado pela Coroa ao Rio da Prata no final do século XVIII, escreveu uma obra sobre a história e a geografia da região informando a seus leitores potenciais que “Chamarei nação a qualquer congregação de índios que tenham o mesmo espírito, usos e costumes, com idioma próprio tão diferente dos conhecidos por lá, como o espanhol do alemão”12 . Certamente que para o ilustrado Azara a diferença entre espanhóis e alemães não era da mesma natureza que entre estes e os indígenas. Este significado teve uma trajetória particular no continente americano, pois foi endossado pelos grupos que eram designados dessa maneira. É o caso Real Academia Espanhola, Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...] Compuesto por la Real Academia Española. Tomo quarto. Que contiene las letras G.H.I.J.K.L.M.N, (Madrid: Imprenta de la Real Academia Española, 1734), 644. 9

Esteban de Terreros y Pando, Diccionario Castellano con las voces de Ciencias y Artes y sus correspondientes de las tres lenguas Francesa, Latina e Italiana (Madrid: Imprenta de la viuda de Ibarra, hijos y compañía, 1786), t. II, 645. Grifo no original. Nesta e em todas as citações a ortografía foi atualizada. 10

Pablo E. Cárdenas Acosta, El movimiento comunal de 1781 en el Nuevo Reino de Granada (Bogotá: Editorial Kelly, 1960), t. II, 127. 11

Félix de Azara, Descripción e historia del Paraguay y del Río de la Plata, (Buenos Aires: Editorial Bajel, 1943), 100 (o texto foi escrito em 1790 e editado postumamente em Madri, 1847). 12

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dos escravos africanos e seus descendentes, que se agrupavam em nações identificadas com seus lugares de procedência, como Congo e Benguela. Ou de alguns povos indígenas, como no final de 1780 quando Tupac Amaru dirigiu-se ao Bispo de Cusco para explicar-lhe que o movimento por ele liderado buscava acabar com os tributos cobrados pelos corregedores “aos fiéis vassalos de minha nação” que gravavam também “as demais nações”, razão pela qual solicitava “a isenção plena em minha nação de todo tipo de impostos”13 . Por fim, havia uma série de usos e significados do termo cujas conotações eram de caráter político. Com efeito, a palavra nação também poderia ser empregada para fazer referência a populações regidas por um mesmo governo ou as mesmas leis muito além de sua origem ou traços socioculturais. Por isso, em alguns dicionários dos séculos XVII y XVIII pode-se encontrar definições como as seguintes: “Nome coletivo que significa alguma cidade grande, Reino, ou Estado. Submisso a um mesmo Príncipe ou Governo”14 . Como observou José C. Chiaramonte, esta concepção forjada no marco do processo de reordenamento político da Europa moderna, foi difundida por tratadistas e divulgadores do Direito Natural e das Gentes que enfatizavam o caráter contratual desta associação política às vezes denominada Estado. Emmer de Vattel, autor de uma das obras desta corrente de maior circulação em ambos lados do Atlântico entre meados dos séculos XVIII e XIX, sustentava, por exemplo, que “As nações ou estados são corpos políticos ou sociedades de homens reunidos com a finalidade de procurar sua preservação e vantagem, mediante a união de suas forças”15 . Isto evidencia que, ao contrário do que se costuma alegar, a acepção política de nação antecedeu a Revolução Francesa. Em todo caso, isto possibilitou que fosse considerada como sujeito soberano, ideia que também estava presente em autores como Vattel, ainda que atribuindo-lhe outras características que não faziam nenhuma referência à soberania popular16 . 13 Carlos Daniel Valcárcel ed., Colección Documental de la Independencia del Perú. Tomo 2: La Rebelión de Túpac Amaru (Lima: Comisión Nacional del Sesquicentenario de la Independencia del Perú, 1971), vol. 2, 346.

Terreros y Pando, Diccionario Castellano, t. II, 645. Definições similares podem ser encontradas em outras línguas que compartilham a mesma raiz, como português e francês (que incorporava também um componente linguístico): “Nome colectivo, que se diz da Gente, que vive em alguma grande região, ou Reino, debaixo do mesmo Senhorio”; “Tous les habitants d’un mesme Estat, d’un mesme pays, qui vivent sous mesmes loix, & usent de mesme langage”. Rafael Bluteau, Vocabulário Portuguez & Latino (Lisboa: Oficcina de Pascoal da Sylva, 1716), vol. V, 568; Dictionnaire de l’Académie français, (1694), 110. 14

15 Emmer du Vattel, Le droit de gens ou principes de la loi naturelle apliques a la conduite et aux affaires des nations et des souveaines, (Leyden, 1758), citado em José C. Chiaramonte, Nación y estado en Iberoamérica. Los lenguajes políticos en tiempos de las independencias, (Buenos Aires: sudamericana, 2004), 34. 16 Assim, ao comentar uma citação extensa de Christian Wolff na qual aparece a palavra nação, Vattel esclarecia que “Une nation est ici un État souverain, une société politique indépendente” cit. en Chiaramonte, Nación y Estado, 34.

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Na verdade isto era impensável não apenas no mundo hispânico, pois a ideia dominante há séculos era que a sociedade não poderia existir sem alguma autoridade, seja resultado de um pacto de obediência entre povo e monarca, fruto da vontade divina, ou atribuída a uma combinação de ambas as origens. Esta concepção está presente, por exemplo, na crítica realizada por Joaquín de Finestrad ao movimento comuneiro neogranadino de 1781. Para o frei capuchinho, “A Nação deve ser vista como um indivíduo. É um corpo político que tem partes integrantes e cabeça que o compõem”, deixando claro em várias passagens que, para poder subsistir como comunidade, os membros deveriam submeter-se a sua cabeça, que era o Rei. Propósito que, como deixava explícito, coincidia com a definição política de nação: “A Pátria é o Reino, é o Estado, é o corpo da Nação, da qual somos membros e onde vivemos unidos pelo vínculo das mesmas leis sob o governo do mesmo Príncipe”17. Esta breve análise permite concluir que até o final do século XVIII a palavra nação era utilizada em dois sentidos diversos que percorriam caminhos separados: o sociocultural ou étnico e o político. Ao contrário da concepção que iria se impor a partir de meados do século seguinte, mantendo-se até os dias atuais, o pertencimento a uma nação entendida como submissão a um Estado ou a uma mesma estrutura política não implicava nem tinha como pressuposto que seus membros deveriam compartilhar uma identidade étnica ou algum outro atributo que os distinguisse. Embora admitindo-se que uma certa homogeneidade da população poderia contribuir para sua governabilidade, a fundação da nação entendida como sujeito político repousava/assentava-se no direito divino ou na realização de acordos entre seus membros, fossem corpos coletivos ou indivíduos.

As referências da nação O termo nação tinha significados de natureza diversa, mas em todos os casos cumpria com uma função precisa que, considerada a longo prazo, talvez seja sua marca mais perene: distinguir, delimitar ou definir populações e/ou estruturas políticas. No final do século XVIII esta delimitação tinha diferentes posibilidades que não eram apenas uma consequência das diversas acepções do termo. A nação, muitas vezes escrita com maiúscula, designava em primeiro lugar a totalidade dos reinos, províncias e povos que deviam obediência à monarquia espanhola, bem como sua população, com exceção das castas e, em alguns casos, da república dos índios. Finestrad afirmava, por exemplo, que “O Povo

Joaquín de Finestrad, El Vasallo instruido en el estado del Nuevo Reino de Granada y en sus respectivas obligaciones, Margarita González Int. e transcrição (Bogotá: Faculdade de Ciências Humanas – Universidade Nacional da Colômbia, 2000), 224 y 321. 17

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Americano e o Espanhol, formam ambos nossa Nação e ambos devem reconhecer como seu legítimo Rei e Senhor Natural ao Senhor Dom Carlos III”18 . Porém não se tratava apenas de uma convicção dos espanhóis peninsulares ou europeus, já que as elites nativas, cujos membros muitas vezes denominavam-se espanhóis americanos, também se consideravam parte dessa nação. Mesmo os protagonistas das reações provocadas pelas reformas bourbônicas no final do século XVIII mostravam-se críticos do “mau governo”, mas sem questionar a lealdade para com o Rei nem o fato de fazer parte da nação espanhola. Mais do que isso, este pertencimento podia ser usado como argumento para exigir um tratamento mais justo. No processo realizado em 1795 por ter traduzido e publicado a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Antonio Nariño defendeu-se alegando que Um deles é o piedoso Monarca que a todos nós governa, nós mesmos somos seus vasalos, algumas são suas justas leis; elas não fazem distinção entre recompensa e punição para os que nascem aos quatro e meio graus de latitude daqueles que nascem aos quarenta, abraçam toda a extensão da Monarquia e sua influência benéfica deve abranger igualmente toda a nação19.

As menções diretas a nação referiam-se à Espanha, porém entendida como o conjunto da monarquia cujos domínios se expandiam por vários continentes. Contudo, também poderia considerar-se que em seu âmago conviviam nações de outra índole: províncias e reinos americanos ou peninsulares que se distinguiam por sua densidade demográfica, social e cultural, ou por seu desenvolvimento econômico, político e institucional. Estes traços característicos foram destacados e estilizados por escritores em cujos textos tomaram forma representações que favoreceram seu reconhecimento como nações concebidas em caráter sociocultural. É o caso de alguns ilustrados peninsulares que, entre meados e o final dos Setecentos, promoveram uma reflexão sobre a natureza da nação espanhola. Esta empreitada, animada por um espírito reformista, levou-os a unificar os diferentes reinos que coexistiam na Península e a traçar uma demarcação entre esta, entendida como uma nação europeia, e a Coroa, que possuia um caráter pluricontinental. José Cadalso, por exemplo, escreveu, em 1768, uma inflamada Defesa da nação espanhola para rebater as críticas feitas por Montesquieu em uma de suas Cartas Persas que, certamente, eram compartilhadas por mais de um ilustrado europeu 20. Em sua

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Finestrad, El Vasallo, 343.

Antonio Nariño “Apología”, em José Manuel Pérez Sarmiento comp., Causas Célebres a los precursores, (Bogotá: Imprenta Nacional, 1939) t. I, 129. 19

20 José Cadalso, Defensa de la nación española contra la Carta persiana LXXVIII de Montesquieu, (Toulouse: France-Iberie Recherche, 1970).

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argumentação, Cadalso deixou explícito que a nação espanhola era a sociedade estabelecida na Península, além de fazer uma breve revisão de sua história, e de destacar suas riquezas naturais, seu desenvolvimento cultural e moral, e as qualidades que distinguiam os espanhóis, como coragem, compaixão e senso de honra. No marco deste movimento que buscava deslindar a nação espanhola da monarquia que a regia, promoveu-se também uma reflexão sobre sua constituição social, estabelecendo a existência de leis que lhe davam forma e cujo conhecimento remontava a vários séculos atrás. Estas considerações não implicavam de forma alguma em ignorar a autoridade do Rei, mas favoreciam a possibilidade, então conjetural, de promover reformas para que a nação tivesse uma representação própria e, portanto, gozasse de certa autonomia. Nesse sentido destacou-se Victorián de Villava, o Fiscal de Audiência de Charcas nascido em Zaragoza em cujos Apontamentos para a reforma da Espanha, escritos em 1797 e inéditos por um quarto de século, propunha criar um “Conselho Supremo da Nação” com participação de representantes americanos21. Tratava-se, porém, de uma raridade, pois essas propostas costumavam omitir as províncias americanas, já que a maioria dos reformistas tratavam-nas como colônias ou almejavam que cumprissem esse papel 22 . Este tratado apenas reforçou a reação dos nativos letrados que há décadas procuravam enfrentar os preconceitos de alguns autores europeus sobre o continente e seus habitantes, muitos dos quais eram compartilhados e difundidos pelos próprios espanhóis23 . Desse modo seus atributos morais e materiais começaram a destacar-se, em um movimento que, em alguns casos, resultou na identificação como nações de seus reinos ou províncias. Assim, em resposta ao desdém com que Manuel Martí havia se referido ao desenvolvimento intelectual da Nova Espanha em suas Cartas latinas, publicadas em 1735, o Bispo de Yucatan e ex-Reitor da Universidade do México, Juan José Eguiara y Eguren, propôs “transformar em ar e fumaça a calúnia levantada contra nossa nação”. Para tanto, decidiu editar a Biblioteca Mexicana, que deveria acomodar a vasta obra produzida pelos escritores “mexicanos de nascença”, onde incluía obras de nativos, espanhóis e indígenas, destacando em mais de um trecho o Portillo Valdés, José María, La vida atlántica de Victorián de Villava (Madrid: Fundación MAPFRE, 2009). 21

22 O debate sobre a pertinência de considerar as Índias como colônias foi retomado há pouco tempo em “Para seguir con el debate en torno al colonialismo ...”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos, On-line desde 08 fevereiro 2005, consultado em 08 julho 2013. http://nuevomundo.revues.org/430. Uma análise que aborda o problema a partir da perspectiva conceitual em Francisco Ortega, “Ni nación ni parte integral. Colonia, de vocablo a concepto en el siglo XVIII iberoamericano”, Prismas. Revista de Historia Intelectual, 2011 (15), 11-29.

Uma exaustiva análise das considerações feitas sobre o continente americano em Antonello Gerbi, La disputa del nuevo mundo. Historia de una polémica 1750-1900 (México: Fondo de Cultura Económica, 1982). 23

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desenvolvimento cultural e as qualidades dos antigos habitantes do México e seus descendentes24 . Isso permite compreender sua decisão, então inusitada, de designar como mexicanos o vasto e heterogêneo grupo de autores cuja obra almejava resenhar. Recorrer a este qualificativo iria ser de grande importância, pois um dos elementos em jogo na hora de considerar alguns reinos ou províncias como nações era a possibilidade de reivindicação de uma população nativa que permitisse particularizá-las, conferir-lhes densidade histórica e identificá-las. Daí o valor e interesse que adquiriram as obras escritas ou publicadas por alguns jesuítas após sua expulsão em 1767, já que muitas delas associavam o território de um reino ou província com um povo indígena detentor de determinada identidade ou homogeneidade étnica. Francisco Javier Clavijero, por exemplo, em sua História Antiga do México, utilizava a palavra nação para enumerar cada um dos povos que habitaram o Anahuac (toltecas, chichimecas, acolhuas, olmecas, otomis, etc.), mas acabava identificando seus traços físicos e morais com um deles: “os mexicanos”25 . Da mesma forma, mas fazendo referência a um reino localizado do outro lado do continente, para Juan Ignacio Molina “Parece que no início tivesse se estabelecido no Chile uma única nação; todas as tribos indígenas que ali vivem, embora independentes umas das outras, falam a mesma língua e têm a mesma fisionomia”26 . Embora não tenha sido necessariamente o objetivo de seus autores, estas considerações foram usadas mais de uma vez pela elite nativa no momento de reconhecer-se ou imaginar-se membro de uma nação. O Chile, por exemplo, apesar de não ter o mesmo desenvolvimento econômico, sociocultural e institucional que o México, contava com uma produção discursiva sobre os araucanos que, somada a outras condições como seu relativo isolamento e sua organização como Capitania Geral, criou condições favoráveis para ser considerado como uma nação. Contudo, a reivindicação destas particularidades, ou de outras, como a veneração da Virgem de Guadalupe no México e a de Santa Rosa, no Peru, que encorajavam o que alguns autores decidiram chamar de “patriotismo crioulo”27, não implicava uma tradução política nem um afã de independência: no final do século XVIII a nação compreendida como um Estado ou como populações submetidas a um único governo, continuava tendo como referência a Monarquia com o Rei à frente. Por isso se poderia estabelecer a existência de 24 Juan José Eguiara y Eguren, Bibliotheca Mexicana, Benjamín Fernández Valenzuela trad. do Latin, Ernesto de la Torre Villar coord., (México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1986), 53 y 175.

Francisco Javier Clavijero, Historia Antigua de México, (México: Editorial Porrúa, 1991, 1ra. ed. em italiano, 1780), 44/5.

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Juan Ignacio Molina, Compendio de la Historia Civil del Reino de Chile, Nicolás De La Cruz y Bahamonde ed. e tradutor de italiano (Madrid: Imprenta de Sancha, 1795,), 12.

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David Brading, Los orígenes del nacionalismo mexicano, (México: Era, 1997), 25.

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nações consideradas pelo caráter étnico, sociocultural ou territorial que, por sua vez, faziam parte da nação espanhola definida pelo fato de compartilhar a lealdade à Coroa e às leis da monarquia. Levando-se em conta a perspectiva conceitual, o que mais se destaca nesta pluralidade de referências de nação é sua baixa densidade e fato de que, em geral, remete a estados de coisas mais do que à abertura de novos horizontes ou possíveis cursos de ação. Se bem que sua acepção em caráter contratual permitia a criação de uma nova nação ou que alguma já existente se proclamasse soberana, eram possibilidades que recém começaram a surgir no contexto da crise desencadeada pelas Abdicações de Baiona, em maio de 1808, e a resistência à coroação de José I, irmão de Napoleão Bonaparte. Apesar das inovações introduzidas pelos ilustrados durante a segunda metade do século XVIII, continuou prevalecendo a ideia de que a existência da nação, seja como corpo político ou como sociedade, dependia de sua subordinação ao Rei. E se havia algo inimaginável na época era exatamente isso, a ausência do monarca.

A crise monárquica e o surgimento da nação como sujeito soberano A crise da Coroa e as revoluções na Espanha e América deram início a um processo durante o qual o conceito de nação passou a ocupar o primeiro plano ao surgir a possibilidade de sua existência sem o monarca e a criação de novas entidades políticas. Fator decisivo nesse aspecto não foi tanto uma mudança no plano das ideias, o que sem dúvida aconteceu e foi radical, mas nas condições de produção das mesmas e dos discursos nos quais estas ganhavam forma e circulavam 28 . No contexto desse processo, cujo ritmo e intensidade não foram similares em todos os espaços nem setores sociais, a palavra nação passou a ter uma difusão mais ampla, além de sofrer importantes mudanças qualitativas que a dotaram de maior densidade. Enquanto aumentavam significativamente as qualificações de que era credora/merecedora ou os atributos que lhe impunham, em geral positivos, disseminava-se a adjetivação de experiências com o termo nacional. E se nação havia tido até então um papel passivo no discurso social, pois somente poderia ser uma questão de ações para melhorá-la, elogiá-la, exaltá-la ou defendê-la, o fato de passar a ser considerada como sujeito político autônomo possibilitou que também agisse, ainda que devesse fazê-lo através de seus representantes. Em termos conceituais também aconteceram mudanças decisivas, já que o termo nação sofreu um rápido processo de politização e ideologização que

Elías Palti realizou uma interpretação deste processo complexo destacando os problemas que acarretava conceber a soberania nacional, unindo dois conceitos até então antagônicos, em El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado (Buenos Aires, Siglo XXI: 2007), cap. 2. 28

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aumentou sua carga polêmica. Não foi um fenômeno isolado, pois a mesma coisa ocorreu com muitos outros conceitos com os quais formou uma trama política e discursiva. As relações que nação estabelecia com esses outros conceitos eram de natureza diversa. Podiam ser de oposição, como aconteceu com colônia, ou com facção e partido, pois eram considerados expressão de interesses parciais que dividiam a nação. E aconteceria a mesma coisa com província e povo/s no marco das disputas entre federais ou autonomistas e centralistas. Mas os vínculos nem sempre eram claros e inequívocos: povo/s poderia ser associado de maneira positiva a nação se esta se identificava com um povo ou com a união de povos que concordavam em reunir-se em um corpo político. Nação também se vinculou positivamente a conceitos como pátria, território, América, cidadão, independência, opinião pública, ordem e, acima de tudo, soberania, constituição e representação, que davam conta da inovação que implicava a existência ou criação da nação como sujeito autônomo e soberano, que devia constituir-se através de seus representantes. No discurso articulado em torno desta rede conceitual ganharam forma problemas enormes delimitados pela necessidade de redefinir os vínculos políticos e sociais dos súditos da Coroa. É devido a isso que, se o conceito nação remetia até então a estados de coisas existentes e, em particular, à Monarquia, seus domínios e seus súditos, invocá-lo em um contexto pactista legitimado pela doutrina da retroversão da soberania permitiu que também propagasse a possibilidade de criar comunidades políticas de cunho novo, que fossem também expressão de relações sociais não menos inovadoras. Nesse sentido, podem ser identificadas duas tendências, ainda que na prática as propostas costumassem combinar elementos de ambas: a daqueles que idealizavam uma nação única e indivisível de caráter abstrato constituída por indivíduos, e a daqueles que julgavam que era formada por corpos coletivos, fossem estamentos ou povos que reassumiram sua soberania ante o estado de acefalia – reinos, províncias, povos ou cidades. De uma forma ou de outra, a verdade é que isto implicou em uma temporalização do conceito: a nação orientava-se inevitavelmente em direção ao futuro que não se desejava que fosse legatário do passado. A possibilidade de definir conjuntos políticos de essência diversa, agora associada à ideia de soberania, também levou a uma expansão dos marcos de referência de nação. Nesse sentido havia a possibilidade de manter unidos todos os domínios da Coroa; de levar a uma divisão entre sua seção europeia e americana; à proclamação como nações de alguns de seus vice-reinados, reinos e províncias; ou à associação de algunas dessas entidades ou de parte delas em diferentes órgãos políticos. Afora essa diversidade, o que não foi questionado de modo algum foi o caráter católico que essas nações deveriam ter e, exceto para os absolutistas contrarrevolucionários, a necessidade de sua organização exigir uma sanção constitucional para dar-lhe consistência e regular as relações entre seus membros, além de assegurar-lhes seus direitos. Por isso o debate político confundiu40 |

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-se muitas vezes com o constitucional, sendo incontáveis as convocatórias para assembleias e as constituições promulgadas a partir de 1808. Nestas foram colocadas em discussão concepções sobre a nação e seus alcances, sejam espaciais (que territórios ou povos faziam parte da nação), sociais (que setores a integravam e quais estavam excluídos; de que forma e sob quais princípios deveriam ser estruturadas as relações sociais), ou políticos (quais os direitos e obrigações de seus membros, como eram concebidos e representados). Esta diversidade traduziu-se em conflitos que expressavam diferentes visões e interesses, pois a partir da crise monárquica e das revoluções pôs-se em foco o acesso ao poder mas também, e isso é decisivo para entender o radicalismo dos enfrentamentos que animaram a vida política pós-revolucionária, sua própria definição. A partir de então a definição de nação não poderia mais ser ignorada, constituindo-se em um conceito histórico fundamental dessa conflituosa experiência.

A nação espanhola: entre as cortes de Cádis e a monarquia absoluta Para embrenhar-se na análise deste processo é necessário começar pela própria Espanha. Em maio de 1808 aconteceram as Abdicações de Baiona, que levaram à prisão de Fernando VII e à coroação do irmão de Napoleão sob o título de José I, provocando, para assombro de muitos, a rejeição de grande parte da população, que se levantou em armas e enfrentou as tropas francesas. Se no início desse movimento convocou-se os habitantes das cidades, províncias e reinos, ou seja, as comunidades políticas que protagonizavam a insurreição e proclamavam as Juntas para defender os direitos de Fernando VII, a guerra favoreceu a difusão de uma concepção unitária de nação29. Às vezes esta operação era explícita, como se pode constatar em um texto do político e ensaísta catalão Antonio de Capmany: O que seria dos espanhóis se não houvesse aragoneses, valencianos, murcianos, andaluzes, asturianos, galegos, estremenhos, catalães, castelhanos, etc.? Cada um destes nomes inflama e envaidece e destas pequenas nações compõe-se a massa da grande Nação […]30.

A invocação à nação como sujeito disseminou-se no discurso público e avalizou-se com a criação, em setembro de 1808, de uma Junta Central que foi reconhecida pela maioria dos espanhóis e americanos. Pouco tempo depois este conselho diretivo realizou uma convocatória às Cortes para que os representantes Francois-Xavier Guerra, Modernidad e Independencias. Ensayo sobre las revoluciones hispánicas, (Madrid: Mapfre, 1992), 157. 29

30 Antonio de Capmany, Centinela contra franceses (Madrid: Gómez Fuentenebro y Compañía, 1808), 94 [http://156.35.33.113/derechoConstitucional/pdf/espana_siglo19/centinela/centinela.pdf].

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do povo pudessem dotar a nação de um marco institucional. Mas este propósito poderia implicar em diversas opções, razão pela qual também foi motivo de disputas. Para alguns esse chamado deveria limitar-se a promover uma colaboração entre o Rei e a nação, como vinham propondo alguns reformistas ilustrados desde o final do século anterior. Ao contrário, aqueles que brandiam ideias mais radicais acreditavam que a nação era um sujeito soberano que tinha o direito de constituir-se segundo sua vontade, interesse e necessidade. Esta posição, encorajada por aqueles que se identificariam como liberais, foi a que prevaleceu quando, em setembro de 1810, e no contexto de uma situação crítica provocada pela derrota das forças espanholas que no início daquele ano levou à dissolução da Junta Central e à criação de um Conselho de Regência, as Cortes conseguiram reunir-se em Cádis, decretando que nelas residia a soberania nacional. E teve sua confirmação em março de 1812 ao ser sancionada uma constituição em que se proclamava que a nação era livre e independente e que nela residia essencialmente a soberania, embora seu título fosse Constituição Política da Monarquia Espanhola, talvez para preservar seu caráter pluricontinental. Cabe salientar que, diferente de outras constituições da época que começavam proclamando direitos individuais, esta definia a Nação espanhola como “a reunião de todos os espanhóis de ambos hemisférios”, adjetivo com o qual eram designados todos os homens livres e domiciliados nos territórios da monarquia 31. Porém esta concepção de nação não estava tão difundida como pareciam acreditar os deputados das Cortes ou, se preferirmos, não contava com a mesma legitimidade que o soberano. A derrota das forças francesas e a queda de Napoleão permitiram a Fernando VII subir ao trono em 1814 sem que encontrasse maiores obstáculos para restaurar o absolutismo. Uma de suas primeiras medidas foi decretar a anulação da Constituição e a suspensão das Cortes, ameaçando com a pena de morte aqueles que as invocassem ou promovessem: […] declaro que minha real intenção é não apenas não jurar nem consentir com a referida constituição nem com qualquer decreto das Cortes gerais e extraordinárias, a saber, os que reduzem os direitos e prerrogativas da minha soberania, estabelecidas pela constituição e as leis em que a nação tem vivido por muito tempo, mas o de declarar aquela constituição e tais decretos nulos e de nenhum valor e efeito, agora nem em tempo algum, como se tais atos não tivessem acontecido jamais, [...]32 .

Constitución política de la Monarquía Española: Promulgada en Cadiz a 19 de Marzo de 1812. Precedida de un Discurso preliminar leído en las Cortes al presentar la Comisión de Constitución el proyecto de ella (Madrid: Imprenta que fue de García; Imprenta Nacional, 1820), 4. Tanto a Constituição como uma seleção significativa dos documentos institucionais produzidos a partir de 1808 podem ser consultados no portal http://www.cervantesvirtual.com/portal/1812 31

32 “Decreto dado en Valencia a 4 de mayo de 1814 firmado por YO, EL REY”, citado em Juan Angel de Santa Teresa, Sumario de injusticias, fraguadas por el liberalismo impío, contra la religión

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O que importa aqui, como se depreende do Decreto, é que se pode constatar que nessa época nem mesmo os defensores do absolutismo poderiam ignorar o conceito de nação. Sua generalização para dar conta da sociedade espanhola como comunidade o havia convertido em um conceito indiscutível e, portanto, polêmico: já que não se podia ignorá-lo, se deveria discutir seu conteúdo e seu significado. Isto pode ser constatado em um libelo publicado quando ocorreu a segunda restauração de Fernando VII após outro breve interregno constitucional, conhecido como o triênio liberal (1820-3), cujo autor, um clérigo absolutista, recordava com satisfação a extinção das Cortes e da Constituição, alegando que “com este Decreto Real a nação oprimida respirou” 33 .

Os povos americanos: de colônias a nações Entre 1808 e 1810 os americanos também sofreram o impacto da crise monárquica, distanciando-se progressivamente da metrópole que logo se converteria em uma revolução e uma longa guerra que iria culminar com a independência de grande parte do continente. No contexto desse conflituoso e confuso processo começou a ser considerada a possibilidade de que nação, entendida como corpo político soberano, fosse a própria América, mas também seus vice-reinados, reinos e províncias ou a associação de algunas dessas entidades ou dos povos que as formavam. A ruptura que ocorreu com a Espanha e com a antiga ordem não foi apenas factual mas também discursiva, além de implicar em uma forte carga emocional e uma redefinição das identidades, como é possível constatar em nação e em outros conceitos fundamentais através dos quais estas mudanças foram expressas. A esse respeito cabe ressaltar que quando se buscava mobilizar a população, e especialmente nos tempos de guerra, apelava-se mais à pátria do que à nação. Isto deveu-se tanto a sua maior carga emocional quanto ao uso generalizado entre amplos setores sociais, que davam continuidade à tradição hispânica de invocar a tríade Deus (ou religião), Pátria e Rei, embora reformulada ao associar-se a valores como liberdade e igualdade, e ao começar a suprimir o monarca da mesma 34 . A nação, no entanto, era mais invocada e passava ao primeiro plano quando eram discutidas a soberania, a representação e a criação de instituições políticas. catolica e inocencia cristiana de España (Zaragoza: Imprenta de Andrés Sebastián, 1823), 10. 33

Santa Teresa, Sumario, 11.

O maior apelo à pátria em situação bélica foi relatado há varias décadas por Pierre Vilar em “Patria y nación en el vocabulario de la guerra de la independencia española”, Hidalgos, amotinados y guerrilleros. Pueblos y poderes en la historia de España, (Barcelona: Crítica, 1982), 237. Sobre a tríade pode ser consultado Gabriel di Meglio “Patria” em Noemí Goldman ed., Lenguaje y revolución. Conceptos políticos clave en el Río de la Plata, 1780-1850, (Buenos Aires, Prometeo, 2008), 115-130. 34

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Em janeiro de 1809 a Junta Central, que procurava reunir todo o apoio possível, emitiu uma Proclama afirmando que os domínios americanos não eram colônias, mas “uma parte essencial e integrante da monarquia espanhola”, motivo pelo qual também tinham direito de escolher representantes para participar desse corpo diretivo. Contudo esse reconhecimento ficou manchado ao outorgar aos americanos uma representação exígua em relação a sua população. Esta decisão, que deu lugar a eleições em numerosas cidades americanas, provocou reações que oscilavam entre o apoio irrestrito e o mais absoluto repúdio. Mas mesmo nesse caso, a liderança nativa parecia contentar-se com a obtenção de mais direitos e um maior grau de autonomia sem que isso acarretasse deixar de pertencer à nação espanhola. Em novembro de 1809, Camilo Torres redigiu uma Representação da Municipalidade de Santafé endereçada à Junta Suprema, sustentando que Estabelecer pois uma diferença neste aspecto, entre América e Espanha, seria destruir o conceito de províncias independentes e de partes essenciais e constituintes da monarquia, e seria supor um princípio de degradação. As Américas, senhor, não são compostas de estrangeiros para a nação espanhola. Somos filhos, somos descendentes dos que derramaram seu sangue para adquirir estes novos domínios da coroa de Espanha […] Somos tão espanhóis como os descendentes de Dom Pelayo e por esta razão tão credores das distinções, privilégios e prerrogativas do resto da nação35 .

Ainda que possa parecer paradoxal, a ênfase com que Torres defendia o pertencimento dos americanos à nação espanhola não fazia mais do que evidenciar o progressivo distanciamento entre os nativos e a metrópole, cujo desfecho, contudo, ainda não se vislumbrava com clareza. No início de 1810, após o triunfo das forças francesas que ocuparam a Espanha, a Junta Central foi dissolvida, escolhendo-se em substituição um Conselho de Regência que se instalou na Ilha de León sob a proteção da marinha britânica. A reação na América foi imediata: em várias cidades ocorreram movimentos que desconstituiram as autoridades coloniais e instituiram Juntas governamentais amparando-se no estado de acefalia que justificava a retomada da soberania por parte do povo. O Conselho de Regência ignorou as juntas americanas, que em geral também o rejeitaram por considerá-lo uma autoridade ilegítima cujo poder não emanava do Rei nem dos povos ou, para aqueles que preferiam considerá-los como um único corpo, da nação. É o caso de Francisco Miranda, que em um artigo publicado em El Colombiano, de Londres,

Camilo Torres, “Representación del Cabildo de Santafé (Memorial de agravios)”, em José Luis Romero y Luis A. Romero (comps.), Pensamiento político de la emancipación (1790-1825), (Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1977), t. I, 29. 35

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reproduzido pelo diário oficial de Buenos Aires, afirmava que a Junta Central havia “criado um Soberano sem a participação da nação”36 . É importante ter em conta os deslizes conceituais ocorridos nesse breve período, os quais a revolução e a guerra tornaram irreversíveis, pois foi nessas circunstâncias em que nada ainda estava definido e que eram confusas para seus próprios protagonistas que foi concebida a possibilidade de que os povos, além de reassumir a soberania, também pudessem constituir nações soberanas, livres e independentes. Neste sentido, é paradigmática a trajetória de Camilo Torres, que em pouco tempo deixou de reclamar uma representação mais equitativa no seio da nação espanhola para passar a propor a formação de uma nação neogranadina. Em uma longa carta datada de 29 de maio de 1810, endereçada a seu tio José Ignacio Tenorio, que integrava a Audiência de Quito, Torres repassava as diferentes alternativas que se apresentavam aos americanos, concluindo que […] perdida a Espanha, dissolvida a monarquia, rompidos os vínculos políticos que a uniam às Américas, e destruído o governo que havia organizado a Nação para comandá-la em meio à tempestade, e enquanto tinha esperanças de salvar-se —; não há solução. Os reinos e províncias que compõem estes vastos domínios são livres e independentes, e não podem nem devem reconhecer outro governo nem outros governantes além daqueles que os mesmos reinos e províncias nomeiem e se deem livre e espontaneamente de acordo com suas necessidades, seus desejos, sua situação, seus objetivos políticos, seus grandes interesses, e conforme a índole, caráter e costumes de seus habitantes. Cada reino escolherá a forma de governo que mais lhe convier, sem consultar a vontade de outros com quem não mantenha relações políticas nem qualquer dependência. Este Reino, por exemplo, está tão distante dos demais, seus interesses são tão diversos destes, que realmente pode ser considerado como uma nação separada das demais, unido apenas por laços de sangue e por relações familiares; este reino, digo, pode e deve organizar-se por si só 37.

Sem dúvida alguma eles também eram aqueles que continuavam acreditando na possibilidade de que a Espanha subsistiria, por conseguinte mantinham sua lealdade às autoridades metropolitanas e aos vice-reinados. Para eles a nação seguia sendo o conjunto da Monarquia ou, em todo caso, o de seus súditos, que deviam fidelidade e obediência ao Rei, como sustentou a Gazeta de Montevideo em meados de 1811: 36

La Gazeta de Buenos Ayres, n° 18, 4/X/1810, 288.

Proceso histórico del 20 de Julio de 1810. Documentos, (Bogotá: Banco de la República, 1960), 66. O documento foi citado em várias ocasiões, às vezes datado de maio de 1809, quando Torres faz referência a fatos ocorridos posteriormente, como a batalha de Ocaña. Avalio que o erro se deve ao afã por dotar os protagonistas das revoluções de uma consciência nacional. 37

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de frente para o futuro Os direitos do Trono a ele transmitidos pelos Povos são sagrados e perpétuos, e a vassalagem destes é necessária e perdurável. A pessoa do Rei, que é o Magistrado Supremo, reúne as obrigações de todos os cidadãos à Nação, e qualquer um que tentar separar-se desta, ou negar-lhe seus direitos ou contestar suas deliberações, é um réu de lesa-majestade ou, o que é a mesma coisa, da Nação.38

Contudo, o fato de reivindicar o pertencimento à nação espanhola não implicava necessariamente em uma relação de submissão colonial ou uma defesa obstinada do absolutismo. Também poderia ser aproveitada para exigir igualdade de direitos, como havia proposto anos antes, mas agora sob a proteção providenciada pelo constitucionalismo liberal gaditano. Foi o que fez, por exemplo, Gaspar Rico y Angulo quando, em 1812, defendeu o periódico El Peruano do Conselho de Censura, alegando que “a soberania é indivisível, pois residindo essencialmente na nação e constituindo a nação de espanhóis de ambos hemisférios, é igual em todos os povos, e não muda nos lugares onde acidentalmente se situa”39. Nessa época, assim como na Espanha, na América também havia se propagado o uso polêmico de nação. Nenhum ator que interviesse no debate público podia evitá-lo, nem mesmo os absolutistas contrarrevolucionários que tiveram que discutir seu significado com os insurgentes e, ao mesmo tempo, com aqueles que aderiram ao liberalismo gaditano. Assim, ao recordar Gabriel Moscoso, o Governador de Arequipa que morreu vítima da revolução iniciada em Cusco em 1814, o Presbítero Mateo Joaquín de Cosío revelou-se crítico da Constitução de 1812 por “abrir as portas de par em par para a insurreição”, enquanto elogiava Fernando VII por tê-la anulado, deixando claro que “os fiéis vassalos desejamos apenas que se conservem conservadas as antigas leis que nossos pais obedeceram, reconhecendo a Soberania no Rei e não na nação; pois esta, desde sua fundação, sempre a respeitou nos reis; […]”40 . No discurso dos insurgentes ou revolucionários, no entanto, houve um processo de politização do patriotismo crioulo do século XVIII. Isto deu lugar a uma renovada identidade americana associada a ideias e valores como a liberdade, em oposição à espanhola que passou a ser considerada expressão do despotismo colonial. Grande parte dos líderes revolucionáríos não hesitava em afirmar que a sua nação era a América, como fez o padre mexicano Miguel Hidalgo em uma Proclama de setembro de 1810 à “Nação Americana” na qual

38 Gazeta de Montevideo n° 33, 14/VIII/1811 (Montevideo: Imprenta de la Ciudad de Montevideo), 283. 39

El Peruano (Lima: 1812), 425.

D. D. Mateo Joaquín de Cosío, Elogio Fúnebre del señor D. José Gabriel Moscoso, Teniente Coronel de los Reales Ejércitos, Gobernador Intendente de Arequipa. En las exequias que el ilustre Cabildo justicia y regimiento de dicha ciudad hizo en honor y sufragio de tan benemérito jefe el dia 9 de mayo de 1815 (Lima: Bernardino Ruiz, 1815), 47. 40

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incitava os “americanos” a libertar-se da “tirania dos europeus”41. Ou no Decreto de Abolição da Escravidão, de 27 de novembro de 1810, em que fazia referência ao “feliz momento em que a valorosa nação americana pegou em armas para sacudir o pesado jugo que a mantinha oprimida por cerca de três séculos”42 . Quanto à possibilidade de constituir uma nação americana como um corpo político, embora tenha havido expressões prematuras como a federação idealizada por Miranda enquanto permanecia em Londres nos primeiros anos do século XIX, apenas adquiriu consistência no contexto da crise que deu lugar ao processo revolucionário e independentista43. Como é fato conhecido/Comoé sabido, apesar da prédica e dos esforços nesse sentido realizados por líderes como Simón Bolívar, essa nação jamais seria constituída. Na carta enviada a seu tio em maio de 1810, Camilo Torres advertia sobre as dificuldades que sua realização acarretaria, concluindo que Nova Granada deveria constituir-se em uma nação. E a mesma proposta seria apresentada poucos meses depois por Mariano Moreno, líder da ala radical dos revolucionários rio-platenses e Secretário da Junta de Governo de Buenos Aires, quando sustentou que era inviável convocar um congresso americano devido às dificuldades materiais e geográficas, e também injustificado, pois tendo a soberania retrovertido aos povos perante a ausência do Rei, não havia motivo para que permanecessem unidos, embora acreditasse que aqueles que integravam o Vice-reinado do Rio da Prata deveriam fazê-lo 44. Portanto, foram outros os marcos territoriais nos quais foram definidas as novas unidades políticas concebidas como nações, embora a ideia de uma nação americana, entendida em termos culturais como expressão de unidade continental, iria desfrutar de uma longa vida. As disputas em torno da dimensão territorial, do papel dos povos e do caráter que a nação deveria ter, são alguns dos fios condutores que articularam em uma mesma trama a crise, a revolução e as guerras de independência, com os enfrentamentos que se sucederam ou foram solapados e que muitas vezes são considerados como guerras civis45. Quanto a isso, e contra o que estabeleceu a historiografia durante mais de um século, o mínimo que pode ser dito é que foi um processo Miguel Hidalgo, “Proclama del cura Hidalgo a la Nación Americana” em Haydeé Miranda Bastidas y Hasdrúbal Becerra sel., La Independencia de Hispanoamérica. Declaraciones y Actas (Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005), 38. 41

Miguel Hidalgo, “Abolición de la esclavitud y otras medidas decretadas por Hidalgo” em Carlos Herrerón Peredo, Hidalgo. Razones de la insurgencia y biografía documental (México: SEP, 1986), 242. 42

Francisco de Miranda, “Bosquejo de Gobierno provisorio” em Romero y Romero, Pensamiento político, t. I, 13-19. 43

“Sobre el Congreso convocado y Constitución del Estado”em Gaceta de Buenos Aires nº 27, 6/XII/1810.

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Embora não seja o tema deste trabalho, gostaria de chamar a atenção sobre a necessidade de questionar a nítida distinção que se costuma fazer entre as guerras de independência e as guerras civis, o que é apenas uma das muitas consequências do fato de considerar as nações americanas como entidades preexistentes ou destinadas a se constituírem da maneira como as conhecemos hoje. 45

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aberto e indeterminado que foi assumindo novos significados para seus próprios protagonistas à medida que transcorria. Para isto foram decisivos alguns conceitos como nação, que além de dotar os acontecimentos de inteligibilidade, eram capazes de delinear cursos de ação possíveis ao indicar um norte para orientá-los. A independência, que supostamente era o propósito inicial dos revolucionários, não foi necessariamente proclamada pelas Juntas erigidas no contexto da crise nem pelos governos que surgiram depois delas. Ao mesmo tempo em que se mantinha a lealdade a Fernando VII, eram feitos pronunciamentos contraditórios ou ambíguos em relação a seu pertencimento à nação espanhola. Então, poucos dias após ter sido criada, a Junta de Caracas decidiu dirigir-se ao Conselho de Regência, fazendo-o perceber que “É muito fácil confundir o significado dos nossos procedimentos e dar a uma comoção provocada apenas pela lealdade e o sentimento de nossos direitos, o caráter de insurreição antinacional”46 . Estes “procedimentos” incluiam a eleição de deputados que formaram uma representação nacional dos povos da Venezuela. Mas esta representação, que expressava uma comunidade munida de um governo próprio, não comportava uma identidade nacional venezuelana e tampouco se opunha a uma eventual “concorrência às cortes gerais de toda a nação, desde que sejam convocadas com aquela justiça e equidade de que é credora a América que forma a maior parte dos Domínios do cobiçado e perseguido Rei da Espanha”47. Evidente que essa “justiça e equidade” não foi uma característica da liderança da metrópole, cuja visão sobre a posição subordinada que a América deveria ter na nação espanhola apenas aprofundou a brecha existente entre as elites nativas, apesar da ampliação de direitos promovida pelas Cortes. Assim, nos anos seguintes e no contexto das guerras que sacudiram o continente, diversos povos ou reuniões de povos declararam sua independência e seu desejo de constituir-se em nações soberanas, procurando organizar instituições governamentais que pudessem garantir seus direitos e os de seus membros. Conforme observava o diário oficial do governo de Buenos Aires, isto implicava em “Ascender da condição degradante de Colônia obscura à hierarquia de uma Nação”48 . Para grande parte dos americanos, esse processo confuso em que estavam imersos há anos havia encontrado no calor da revolução e da guerra um rumo e um sentido precisos: a transição de colônias a entidades soberanas que poderiam constituir-se como nações. A nação voltava-se para um futuro no qual reinariam a liberdade e a independência, enterrando no passado o despotismo e os séculos de opressão e dominação colonial.

“A la Regencia de España, 3 de mayo de 1810” em Actas del 19 de Abril. Documentos de la Suprema Junta de Caracas (Caracas: Concejo Municipal, 1960), 99. 46

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Gazeta de Caracas, 27/VII/1810.

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Gazeta de Buenos Ayres, 27/V/1815.

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A nação como criação política: entre a vontade, a legitimidade e a possibilidade Mas como se poderia alcançar esse futuro? E, mais precisamente, como eram constituídas as nações? Como eram reconhecidas? Quais eram seus atributos? Que papel se atribuía aos indivíduos e aos povos que as formavam? Em termos teóricos ou ideológicos havia um repertório de respostas mais ou menos exatas que podiam divergir em alguns aspectos e por isso davam lugar a debates e polêmicas. Mas a maior fonte de conflitos foi sua decisão prática, isto é, política, já que através de suas concepções se expressavam e se buscavam impor posições e intereses políticos, sociais, econômicos, territoriais ou jurisdicionais. Em maio de 1825, o Congresso Constituinte das Províncias do Rio da Prata discutiu a possibilidade de criar um exército nacional perante a iminente disputa com o Brasil pela Banda Oriental (conflito cujo desfecho seria a criação da República do Uruguai como nova nação soberana). Um dos entusiastas deste debate foi o cônego saltenho Juan Ignacio Gorriti, que se opôs à criação desse exército alegando que a nação era inexistente. Embora concordasse com a criação de uma nação que centralizasse o poder e governasse o território rio-platense, entendia que mesmo que não fosse sancionada uma Constituição as províncias continuariam sendo soberanas. Ao ter sua opinião questionada, viu-se obrigado a explicar que “De duas maneiras pode ser considerada a nação, ou como pessoas que têm um mesmo idioma, apesar de formarem diferentes estados, ou como uma sociedade já constituída sob o regime de um único governo”. O primeiro caso seria o da antiga Grécia ou Itália, assim como da América do Sul, que na sua opinião poderia ser considerada como uma nação mesmo tendo diferentes Estados, “mas não no sentido de uma nação que é regida por uma única lei, que tem um único governo”, que era ao que ele se referia 49. Gorriti assim sintetizava os dois significados do conceito nação que, em meados da década de 1820, e após ter sido declarada a independência de quase todo o continente, seguiam percorrendo caminhos separados. Embora sua acepção como população que possui traços idiossincráticos continuasse sendo utilizada, a que prevaleceu naquela época foi a de caráter político, que a distinguia por ser resultado de um ato voluntário de seus membros para constituir uma comunidade regida pelas mesmas leis e um único governo. Esse ato voluntário foi revelado algumas semanas mais tarde, quando os representantes dos povos do Alto Peru declararam sua independência, descartando a possibilidade de juntar-se ao Peru ou às Províncias do Rio da Prata. A esse respeito, sustentaram que “A representação Soberana das Províncias do Alto Peru” havia decidido erigir-se

49 Sesión del 4/V/1825 em Emilio Ravignani (ed.), Asambleas Constituyentes Argentinas, 18131898, (Buenos Aires: Peuser, 1937), t. I, 1325.

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de frente para o futuro […] em um Estado Soberano e Independente de todas as nações, tanto do velho como do novo mundo, e os departamentos do Alto Peru, firmes e unânimes nesta tão justa e magnânima decisão, protestam perante o mundo inteiro, que sua vontade irrevogável é governar-se por si próprios, e ser regidos pela constituição, leis e autoridades que eles próprios se dessem, e acreditassem mais condizentes com sua futura felicidade como nação, e a sustentação inalterável de sua santa religião católica, e dos sagrados direitos de honra, vida, liberdade, igualdade, propriedade e segurança 50.

Se bem que poderiam ter apelado para alguma particularidade capaz de identificar esses povos que buscavam constituir-se como nação, o certo é que em nenhuma declaração de independência ou constituição associava-se nação com sua definição étnica ou com algum traço sociocultural, pois predominava o fato de ser considerada como corpo político soberano, constituído pela vontade de seus membros, sejam indivíduos ou sujeitos coletivos como as províncias. Não se tratava de uma exceção nem obedecia apenas à natureza política desses documentos. Nos textos jurídicos da época e no ensino do Direito, por exemplo, a nação também era definida dessa forma. No curso sobre Instituições de Direito Natural e das Gentes, ministrado em 1822/3 na recém-criada Universidade de Buenos Aires, Antonio Sáenz ensinava a seus alunos que A sociedade assim chamada por antonomásia também costuma ser denominada nação e Estado. É uma reunião de homens que se submeteram voluntariamente à direção de alguma autoridade suprema, também chamada soberana, para viver em paz e conseguir seu próprio bem e segurança 51 .

Do mesmo modo, no Direito das Gentes, publicado dez anos mais tarde no Chile, Andrés Bello afirmava que “Nação ou Estado é uma sociedade de homens que tem por objetivo a preservação e felicidade dos associados; que é governada por leis positivas emanadas dela própria e é dona de uma porção de território”52 . A permanência desta concepção e sua vasta difusão na América Latina devem-se a suas numerosas reedições corrigidas que seguiram sendo publicadas durante décadas em Santiago, Caracas, Cochabamba, Lima, Buenos

Declaração de 6 de agosto de 1825 em Colección oficial de leyes, decretos y órdenes de la República Boliviana. Años 1825 y 1826 (La Paz: Imprenta Artística, 1826), 17. 50

Antonio Sáenz, Instituciones elementales sobre el derecho natural y de gentes, (Buenos Aires: Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, 1939), 61.

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Andrés Bello, Principios de Derecho de Jentes (Santiago de Chile: Imprenta de la Opinión, 1832), 10.

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Aires, Madri e Paris, embora a partir de 1844 com o título modernizado como Princípios de Direito Internacional53 . O fato das nações poderem constituir-se pela vontade de seus membros favorecia a criação de entidades inovadoras. Essa característica tornou-se explícita na própria denominação em alguns casos como Bolívia, Argentina ou Colômbia, o que, é claro, também implicou na criação de novos adjetivos ou de sua resignificação54 . De qualquer forma, nos Vice-reinados, Reinos ou Províncias que durante o período colonial podiam ser reconhecidos como nações, também se podia legitimar a construção de um poder político como representação dessa entidade preexistente. No Sermão que abriu um Congresso Nacional no Chile em julho de 1811, o frei Camilo Henríquez fez constantes referências à “nação chilena” que, além de ser católica, era detentora de direitos que a habilitavam a fazer uma constituição capaz de garantir sua liberdade e felicidade ante o estado de acefalia em que se encontrava a monarquia 55 . Da mesma maneira, quando dez anos mais tarde aconteceu a declaração de independência do México como reação de parte de suas elites ante o triunfo da revolução liberal na Espanha, seus autores deixaram claro que se tratava de uma nação que existia há séculos: “A nação mexicana, que por trezentos anos nem teve vontade, nem livre o uso da voz, hoje sai da opressão em que viveu”56 . O fato de proclamar a independência, seja de nações que se consideravam preexistentes ou de povos que aspiravam a formar uma nova instituição, poderia ser considerado uma clara demonstração da existência de uma vontade nacional. No entano, isso não era suficiente, pois se quisesse ter existência política e ser reconhecida como uma nação, também deveria ser sancionada uma constituição para dar-lhe forma. O periódico La Abeja Republicana recordava, em setembro de 1822, a declaração de independência realizada no ano anterior por José de San Martín, alegando que a libertação do Peru permitira a seus habitantes transitar “da classe dos colonos […] para compor uma grande e heroica nação” capaz de apresentar-se “perante as nações”57. Mas como iriam perceber seus redatores semanas mais tarde, este propósito somente poderia ser cumprido através de um Congresso Constituinte: “E a formação desta nação,

Andrés Bello, Principios de Derecho Internacional, 2da. ed. Corrigida e ampliada (Valparaíso: Imprenta del Mercurio, 1844).

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José Carlos Chiaramonte e outros, comps., Crear la nación. Los nombres de los países de América Latina (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2008). 54

Camilo Henríquez, “Sermón en la instalación de Primer Congreso Nacional”, em Escritos Políticos de Camilo Henríquez Raúl Silva Castro rec., (Santiago de Chile: Ediciones de la Universidad de Chile, 1960), 50-59. 55

“Acta de Independencia del Imperio Mexicano pronunciada por su Junta Soberana, congregada en la capital de él, en 28 de septiembre de 1821”, em Bastidas y Becerra, La Independencia, 42. 56

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La Abeja republicana (Lima: Imprenta de José Masias, 22/IX/1822).

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como começá-la? Que o decida o Congresso Soberano a cujas luzes foi confiada a sorte das gerações presentes e futuras”58 . Se era somente através da constituição que a nação poderia ganhar forma, compreende-se por que motivo sua análise e a dos debates constitucionais permitem penetrar nas diversas concepções sobre a ordem social e política que o conceito veiculava. A Constituição Política da República Peruana, sancionada em novembro de 1823, afirmava, em seu primeiro artigo, que “Todas as províncias do Peru reunidas em um só corpo formam a Nação Peruana” e, no terceiro, que “A soberania reside essencialmente na Nação”59. Por sua vez, a Constituição para a República Peruana, também conhecida como Constituição Vitalícia, promulgada em novembro de 1826 sob a inspiração de Bolívar, sustentava que “A Nação Peruana é a reunião de todos os Peruanos”, e o mesmo se estabelecia naquela sancionada na mesma época pela Bolívia60 . Quase todas as constituições asseguravam que a “soberania reside essencialmente na nação” ou em fórmulas similares que a convertiam no sujeito político por excelência. Precisamente por isso podiam expressar diversas concepções sobre o que era ou deveria ser a nação e, em particular, sobre quem a compunha. Na constituição de 1823 as províncias do Peru eram corpos coletivos; enquanto que na de 1826 os peruanos eram indivíduos. Mas mesmo dentro dessas opções também se poderia encontrar alternativas. Os corpos coletivos podiam ser estamentos tal como se propôs em alguns projetos constitucionais. E os indivíduos podiam ser considerados de outro modo: a Constituição Política sancionada em março de 1828 declarava que “A Nação Peruana é a associação política de todos os cidadãos do Peru” e já não “a reunião de todos os peruanos”. Definição que faz sentido quando se tem presente que muitos de seus habitantes não reuniam as qualidades necessárias para ser considerados cidadãos61. Esta última questão remete ao lugar que, nas diferentes propostas de nação, era atribuído às classes subalternas, cujos membros podiam ser considerados ou não como cidadãos plenos. Os indígenas, por exemplo, costumavam ser excluídos da cidadania política, distanciando-se, assim, das regras de alguns dos discursos e projetos propostos no contexto do processo revolucionário que aspiravam a sua integração social e política, seja como indivíduos ou como comunidades. Esse distanciamento ficou explícito em mais de uma ocasião, como em meados do século, quando Juan B.Alberdi, ao repassar as constituições que haviam sido sancionadas no continente para decidir o modelo mais adequado

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La Abeja republicana (Lima: Imprenta de José Masias, 24/XI/1822).

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http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01482074789055978540035/index.htm

60

http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01479514433725784232268/index.htm

http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/02450576436134496754491/index. htm. 61

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para a nação argentina, permitiu-se afirmar com total crueza que “O indígena não figura nem é levado em conta na nossa sociedade política e civil”62 . A composição social e étnica não era o único motivo de discussão em torno da construção da nação. Muito mais acirrada foi a disputa em relação à soberania dos povos e a sua integração ou não com a nação que, com muita frequência, estimulou os conflitos entre autonomistas, federalistas e centralistas ou unitários. Enquanto que os primeiros tendiam a utilizar o conceito de nação enfatizando a vontade dos povos para constituí-la, os segundos costumavam acrescentar como requisito uma espécie de critério informal e pragmático: ter capacidade suficiente para poder manter sua soberania e independência63 . No início de 1822 e perante à resistência de Guaiaquil em incorporar-se à República da Colômbia, Simón Bolívar escreveu uma carta a José Joaquín Olmedo, que presidia o Conselho Diretivo, afirmando que “uma cidade com um rio não pode formar uma nação” e que a própria natureza fez com que a cidade e sua região fizessem parte da Colômbia, de modo que reconhecia a esse povo o direito à “completa e livre representação na Assembleia Nacional”64 . Dois anos antes essa mesma concepção havia encorajado a intervenção de Francisco Zea ao presidir as sessões do Congresso da recém-criada República da Colômbia. Zea defendia que esse extenso território pródigo em riquezas somente poderia “entrar no mundo político” por vontade expressa de seus membros. No entanto, também advertia que era uma condição insuficiente ao salientar que As nações existem de fato e são reconhecidas, digamos, por seu tamanho, designando por esta palavra o conjunto de território, população e recursos. Vontade manifesta e um tamanho considerável são os dois únicos títulos que podem ser exigidos de um povo novo para ser admitido na grande sociedade das nações 65 .

Um ano depois, o mexicano José María Luis Mora publicava no Semanário Político e Literário um texto que procurava contestar os liberais espanhóis e legitimar a recente independência do México e sua instituição como nação. Para tanto considerou necessário definir em que consistia, començando por desconsiderar uma possível má interpretação do princípio de soberania popular que, no seu entender, havia causado um grande dano ao

Juan B. Alberdi, Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina, (Buenos Aires: Plus Ultra, 1982), 82 [Valparaíso, 1852]. 62

Este critério é semelhante ao “princípio do limiar” defendido em meados do século por nacionalistas europeus como Giuseppe Mazzini. Eric Hobsbawm, Naciones y nacionalismo desde 1780 (Barcelona, Crítica, 2000), 39-48. 63

Cali, 2/1/1822 Simón Bolívar, Doctrina del Libertador, Manuel Pérez Vila comp. (Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho, 1992): 137/8. 64

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Correo del Orinoco n° 50, Angostura, 29/I/1820.

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de frente para o futuro […] povo ignorante, persuadido de sua soberania e carente de ideias precisas que determinem de um modo firme e exato o sentido da palavra nação, acreditou que se deveria considerar como tal toda reunião de indivíduos da espécie humana, sem outras qualidades e circunstâncias. Equívocos que devem promover a discórdia e a desunião e fomentar a guerra civil! […] Que é então que entendemos por esta palavra nação, povo ou sociedade? E qual o sentido que lhe deram os ensaístas quando afirmam sua soberania nos termos expressos? Não pode ser outra coisa senão a reunião livre e voluntária de homens que podem e querem constituir-se na terra legitimanente possuída, em um Estado independente dos outros. Nem é crível que as nações reconhecidas como soberanas e independentes possam alegar outros títulos, a capacidade para constituir-se como tal e sua vontade para efetuá-lo

Depois disso, passava a enumerar essas condições indispensáveis para constituir-se como nação que, conforme alegava, possuia o recém-criado Império Mexicano: território, população, instrução e forças armadas capazes de garantir a ordem interna e defendê-lo de qualquer agressão externa. Para concluir, o que se demandava era “uma terra possuída legitimamente e a força física e moral para mantê-la”6 6 . Em resumo, para aqueles que defendiam este ponto de vista, a existência da nação não dependia somente do livre arbítrio e do consentimento de seus membros. Também era preciso contar com uma base moral e material capaz de dar-lhe sustento. É por isso que mesmo em uma declaração de independência tão tardia como a realizada pelo Congresso do Paraguai, em novembro de 1842, se alegava “que além dos justos títulos que tem como fundamento, a natureza o favoreceu para que seja uma nação forte, populosa, fértil em recursos, e em todos os ramos da indústria e comércio”67.

Rumo a um novo conceito de nação: de frente para o futuro mas com raízes no passado Em 1842, mesmo ano em que o Paraguai proclamava formalmente sua independência, produzia-se no Chile um intenso e prolífico debate sobre literatura entre escritores locais e rio-platenses, exilados devido a sua oposição ao governo de Juan Manuel de Rosas. Nesses artigos jornalísticos, que ficariam conhecidos como A polêmica do romantismo, percebe-se uma ênfase maior nas referências José María Luis Mora, “Discurso sobre la independencia del Imperio Mejicano” [21/XI/1821] em Obras sueltas de José María Luis Mora, ciudadano mejicano (París: Librería de Rosa, 1837), t. II, 11. 66

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Bastidas y Becerra, La Independencia, 84.

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culturais e identitárias que o conceito ‘nação’ poderia portar 68 . Não se tratava de um fato excepcional, pois nessa época, tanto nação como a trama conceitual e discursiva da qual fazia parte, estavam ocorrendo importantes mudanças que estavam entrelaçadas com transformações econômicas, sociais, políticas e culturais mais vastas. O ritmo e intensidade destes processos foi variável, mas o resultado a médio prazo seria o mesmo: a unificação dos dois significados de nação, o étnico ou sociocultural e o político, tal como ficaria sintetizado no sintagma Estado nacional. Esta nova conceituação implicou também outras mudanças decisivas, como o fato de considerar a origem da nação em um passado longínquo e quase mítico, ou a atribuição de um caráter transcendente que tendia a atenuar, resignificar ou, em suas versões mais extremas, fazer desaparecer a vontade de seus membros. A análise dessas mutações excede as possibilidades do presente trabalho, motivo pelo qual, nestas linhas finais, me limitarei a fazer algumas observações de caráter geral. Este breve apanhado começará pelo mesmo lugar que o anterior: os dicionários. Em sua edição de 1869, o Dicionário da Real Academia Espanhola não parecia registrar nenhuma alteração, pois continuava definindo nação do mesmo modo que vinha fazendo há mais de um século. Contudo, nas entradas seguintes que assinalam alguns termos derivados de nação, se percebe a existência de usos e significados que dotavam o conceito de um novo sentido. Uma das novidades foi a introdução de uma palavra até então ausente, como nacionalismo, se bem que ainda não se atribuia a ela nenhum caráter político, pois era definida como “Apego dos nativos de uma nação a ela própria e a quanto lhe pertence”. Esta característica, no entanto, era registrada na acepção que se dava à palavra nacionalidade e que, em grande parte, era tributária do princípio das nacionalidades elaborado e difundido por escritores, ensaístas e políticos pertencentes ao movimento romântico e aos nacionalismos europeus. Com efeito, enquanto que nas edições anteriores “nacionalidade” somente fazia alusão a uma inclinação particular de alguma nação, agora era definida pela primeira vez como a “Condição e caráter peculiar do agrupamento de povos que formam um Estado independente”69. Como costuma acontecer com os dicionários, esta edição apenas recolhia usos e significados que já existiam há vários anos, até mesmo décadas. No caso das repúblicas hispano-americanas se pode perceber que a partir de 1830 houve um interesse crescente por conhecer, inventariar e difundir valores, instituições e modos de vida locais. Este traço distintivo expressava-se através da palavra nacionalidade, que embora ainda tivesse um caráter algo difuso quanto a seus conteúdos e contornos, evidenciava a progressiva tendência a unificar no con-

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Norberto Pinilla, La polémica del romanticismo (Buenos Aires: Americalee, 1943).

Real Academia Espanhola, Diccionario de la lengua castellana décima primeira edição (Madrid: Imprenta de Don Manuel Rivadeneyra, 1869), 631. 69

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ceito nação o pertencimento a uma comunidade política representada por um Estado e uma identidade coletiva de caráter sociocultural. Esta mudança conceitual foi possível graças a uma combinação de vários fatores, a começar pela formação de identidades e interesses compartilhados por diferentes grupos sociais e regionais após décadas de vida independente. Este processo favoreceu, em alguns casos, a consolidação de estruturas estatais que, por sua vez, procuravam adquirir maior legitimidade alegando ser a expressão de uma nacionalidade. Mais do que acordos, alianças e experiências em comum que possibilitaram este processo, também foram decisivos os conflitos e enfrentamentos em cujo desenvolvimento foi se consolidando a associação entre nação, identidade e território. Nesse contexto, cabe diferenciar três tipos de conflitos armados. Os internos, que costumam ser interpretados como guerras civis e que em mais de uma ocasião provocaram o enfraquecimento de lideranças regionais, favorecendo a consolidação de estruturas estatais nacionais. As guerras entre Estados americanos mais ou menos consolidados, como a que mantiveram Chile e a Confederação Argentina contra a Confederação PeruBolívia (1836-1839), a Guerra da Tríplice Aliança na qual Argentina, Brasil e Uruguai combateram contra o Paraguai (1865-1870), ou a Guerra do Pacífico entre Chile, Peru e Bolívia (1879-1883). E, por último, os que envolveram potências estrangeiras, como a ocupação do México por tropas dos Estados Unidos (1846-1848) e França (1862-1867), as intervenções da França e Inglaterra no Rio da Prata entre 1838 e 1850, ou os ataques da marinha espanhola às costas do Pacífico (1864-1866). Estas considerações merecem pelo menos dois esclarecimentos para que não sejam mal interpretadas. A primeira é que a distinção entre conflitos internos e externos nem sempre foi muito nítida, e certamente em mais de um caso foram seu desenvolvimento e seu resultado que contribuiram para formar expressões, representações e identidades nacionais, sem mencionar que também podem ter favorecido a consolidação de Estados nacionais e a derrota de forças oponentes. A segunda é que não há uma relação automática de causa-efeito entre conflito bélico e identidades, mas sem dúvida tendem a criar condições favoráveis para sua difusão e consolidação. Claro que para que isto fosse possível, também foi necessário pôr em ação escritores e ensaístas que elaboraram discursos e representações em que essas identidades tomaram forma. Destacaram-se os autores românticos que colocaram a nação, a cultura e a identidade nacional no centro de sua produção literária, jornalística, ensaística e historiográfica. Embora todos estes gêneros tenham uma grande importância, talvez a mais decisiva a médio e longo prazo tenha sido a historiográfica. Na rede que articulava esses relatos históricos, que com toda justiça passaram a ser consideradas histórias nacionais, aspirava-se a mostrar o processo de constituição da nação em um passado longínquo ou, ao menos, o dos elementos que estavam predestinados a formá-la, assim como o das leis ou princípios que regiam seu futuro e a orientavam para um destino 56 |

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inexorável70 . Dessa maneira, era possível atribuir-lhes um caráter transcendente que as tornava imunes às contingências ou à vontade dos homens, como explicitou Bartolomé Mitre em 1852 ao referir-se à nacionalidade argentina: A tradição, os antecedentes históricos, a constituição geográfica, os sacrifícios comuns, a identidade de crenças e de caráter, a unidade de raça, a planície ininterrupta do pampa, e essa atração misteriosa que um povo exerce sobre o outro, tudo conspira para fazer que a Confederação Argentina seja indivisível [sic] como a túnica do Redentor. Este sentimento, este princípio é mais forte que os homens, é mais forte que os próprios povos. Em vão reagir contra ele […] A nacionalidade é uma lei orgânica, uma lei constitutiva desse pedaço de terra que hoje se chama Confederação Argentina. É independente da vontade dos homens, porque reside em todos os elementos essenciais da sociedade, circula em seu sangue, aspira-se com o ar, é a alma desse corpo e, como a alma, ainda viverá, à semelhança do patriotismo romano quando se dissolver o corpo que o abrigou 71 .

Contudo, mesmo que nesse momento o novo sentido de nação estivesse disponível e pudesse ser encontrado nas produções intelectuais e nos debates públicos, a verdade é que levou muito tempo para se impor. De fato, até a segunda metade do século XIX continuou prevalecendo a concepção pactista de nação cuja legitimidade consistia no livre arbítrio ou consentimento de seus membros, como foi se consolidando no calor das revoluções de independência. As inovações que tendiam a fundir seu sentido étnico e político recém começavam a ter repercução e mostrariam todo seu potencial décadas mais tarde, quando conseguiram consolidar-se os Estados nacionais que buscavam estabelecer-se e legitimar-se no princípio das nacionalidades. É claro que nessa época o panorama social, político e intelectual havia sido transformado radicalmente e o mundo em que fora concebido era inevitavelmente outro.

Para o conceito História me remeto aos trabalhos publicados em Fernández Sebastián, Diccionario político y social, t. I 551-692. Um panorama que aborda diversos casos de vínculo entre história e nação no século XIX em Guillermo Palacios, comp., La nación y su historia. Independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación. América Latina, siglo XIX, (México: El Colegio de México, 2009). Uma análise comparativa de três histórias nacionais produzidas na segunda metade do século XIX em Fernando Devoto, “La construcción del relato de los orígenes en Argentina, Brasil y Uruguay: las historias nacionales de Varnhagen, Mitre y Bauzá” em Jorge Myers, ed. volume e Carlos Altamirano dir. Coleção, Historia de los intelectuales en América Latina. I. La ciudad letrada, de la conquista al modernismo, (Buenos Aires: Katz Editores, 2008), 269-289. Mais detalhes sobre o que poderia ser considerado uma história nacional, em Fabio Wasserman, Entre Clío y la Polis. Conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (18301860), (Buenos Aires: Teseo, 2008), 91-107. 70

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“Nacionalidad” em El Nacional nº 137 (Buenos Aires: Imprenta Argentina, 27/10/1852).

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