DE MÃOS ATADAS: repúdio ao PLS 432/13

June 7, 2017 | Autor: Lília Finelli | Categoria: Direito, Direito do Trabalho, Trabalho Escravo
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DE MÃOS ATADAS: repúdio ao PLS 432/13. Outubro de 2015. Lília Carvalho Finelli1

A inquietação política das últimas semanas vem sendo considerada por muitos como um indício de avanço democrático no país. No entanto, o caminho a ser percorrido é longo e a participação cidadã tem muito a melhorar, especialmente no que diz respeito à informação sobre o que anda acontecendo no Congresso Nacional. O leitor deve estar pensando que esse texto se refere aos escândalos que aparecem a cada dia, mas não é o caso. Trata-se de um assunto que toca a sensibilidade de todos, mas que não vem sendo noticiado com o devido destaque, estando o Brasil à beira de um retrocesso no que se denominou de combate ao trabalho escravo. É tarefa difícil explicar como hoje ainda existem tantos trabalhadores que são considerados pelo Direito como escravizados, porque a situação parece impossível; mas não o é. Há alguns séculos, a luta era para impedir que um ser humano detivesse a propriedade de outro, que ficava acorrentado, como se fosse uma coisa, e não uma pessoa. O tempo foi passando e a escravidão foi tomando novas formas: psicológica, submete o trabalhador a jornadas exaustivas, em locais com condições degradantes, humilhando-o, fazendo-o pagar por tudo – do transporte ao cigarro na venda do empregador –, em uma dívida infinita, com retenção de documentos e ameaças. Por isso mesmo, nosso Código Penal há mais de uma década deixou de exigir que para a caracterização do crime houvesse o impedimento da liberdade de locomoção, reconhecendo que outras situações poderiam significar um trabalho tão ou mais degradante quanto a escravidão de nossos antepassados. O reconhecimento dessas quatro formas de trabalho análogo ao escravo (trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição da locomoção em razão de dívida) foi inclusive considerado pela Organização Internacional do Trabalho como marco internacional a ser seguido pelos demais países, colocando o Brasil à frente do combate. A partir desse conceito de trabalho escravo contemporâneo, nosso Ministério do Trabalho e Emprego começou a fechar o cerco, realizando mais de 1300 operações de resgate desde 2003, que resultaram em mais de 80 milhões de reais em indenizações e mais de 40.000 trabalhadores resgatados.

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Mestranda da Faculdade de Direito e colaboradora da Clínica de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, ambas da UFMG.

A situação não agradou aqueles que se utilizam do trabalho escravo, prejudicados em financiamentos governamentais pela inclusão na Lista Suja do MTE, que pune a prática. Por isso, em breve, será votado o Projeto de Lei do Senado nº 432/2013, que volta a conceituar trabalho escravo como aquele em que há propriedade de um ser sobre o outro, reduzindo-o aos casos em que há restrição à liberdade de locomoção. Eis aí o retrocesso que estamos prestes a viver. Sem competência para julgar as causas criminais derivadas da relação de trabalho, fica atada a Justiça do Trabalho. Mas, muito pior, de mãos atadas ficam os trabalhadores submetidos a essa prática contemporânea, nessa tentativa dos legisladores de convencer a todos de que trabalho escravo mesmo é só aquele de algemas. Quem dera estivesse o legislador de mãos atadas: atadas a nossos avanços sociais, impedido de retroceder e vigiado com a rigidez que apenas uma população esclarecida sobre o tema pode ter.

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